APLICAÇÃO DA ACP NA CONSTRUÇÃO DE INDICADORES …de falhas e erros, assim como situações com...
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APLICAÇÃO DA ACP NA CONSTRUÇÃO
DE INDICADORES PRÓ-ATIVOS PARA
TOMADA DE DECISÃO EM
SEGURANÇA NO TRABALHO DO
SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO
Luiz Bueno da Silva (UFPB)
Elaine Victor Goncalves Soares (UFPB)
Mais do que um dano à saúde do trabalhador, o acidente de trabalho é
tido como um gerador de custos para as organizações. Atualmente, os
indicadores disponíveis de acidentes ocorridos durante a jornada de
trabalho são reativos. Deste modo, através da Análise de
Componentes Principais (ACP), a partir de um levantamento de dados
referentes a acidentes ocorridos, seria possível a criação de índices, os
quais gerariam um feedback para as empresas do setor elétrico para
tomar decisões, em aspecto pró-ativo, para que acidentes recorrentes
pudessem ser evitados, com impacto no quadro de acidentes de
trabalho neste setor.
Palavras-chaves: Acidente de trabalho, Análise de Componentes
Principais, Indicadores pró-ativos.
XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente.
São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010.
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1. Introdução
Não raramente, percebe-se que em diversos ramos de atividades trabalhistas a Ergonomia e a
Segurança e Saúde do Trabalho (SST) são negligenciadas, deste modo, colocando em risco a
saúde e até a vida dos empregados.
Pode-se atribuir este fato tanto à ignorância ou negligência por parte dos empregadores,
quanto à negação dos direitos dos trabalhadores, situação esta que ocorre quando os mesmos
são submetidos a situações de risco durante sua jornada, sem que haja qualquer auxílio ou
proteção para que se concretize a atividade de maneira segura e de modo a não causar danos
físicos, morais ou psicológicos ao funcionário, já que de acordo com a Organização Mundial
de Saúde, a “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não a mera
ausência de moléstia ou enfermidade” (OMS, 1946).
Deste modo, é notável a fundamental importância da proteção e da oferta de situações
favoráveis à saúde do trabalhador seja qual for o tipo de trabalho exercido pelo mesmo: braçal
ou não. Atrelado a isto, nota-se que a Ergonomia tem um papel de extrema relevância, pois,
concomitantemente às normas e regulamentos que regem a Saúde e Segurança do Trabalho,
ela define as situações ideais para que as atividades designadas para cada trabalhador sejam
realizadas, de maneira que o ambiente de trabalho é que seja adaptado às necessidades do seu
operador, e não o contrário (IIDA, 2005).
Em particular, um setor trabalhista que chama demasiada atenção para essa questão é o
elétrico, pois os riscos inerentes às suas atividades são, de maneira geral, bastante elevados.
Além da possibilidade do choque elétrico em si, com suas conseqüências diretas e indiretas
(batidas, queimaduras indiretas, quedas, entre outras), há também a possibilidade de
ocorrência de curtos-circuitos ou até mesmo problemas no funcionamento do sistema elétrico,
que ocasionariam situações propícias a acidentes, incêndios ou explosões.
Ainda, é possível depreender, através de dados disponibilizados pelos órgãos responsáveis,
que apesar de completos quatro anos da publicação e homologação da Norma
Regulamentadora 10 – Segurança em Instalações Elétricas e Serviços em Eletricidade,
infelizmente, o número de acidentes com vítimas fatais neste setor continua crescendo
(ALMEIDA, 2009).
Deste modo, nota-se ser de extrema urgência que ações sejam realizadas a fim de que esses
alarmantes dados sejam diminuídos, de uma maneira rápida e eficaz. Para tanto, neste artigo,
é proposto o uso da Estatística Multivariada, através da Análise de Componentes Principais
(ACP), para que sejam desenvolvidos indicadores pró-ativos para prevenção de acidentes de
trabalho no setor elétrico.
Conceitua-se indicadores como sendo variáveis perfeitamente identificáveis, utilizadas para
caracterizar (quantificar ou qualificar) os objetivos, metas ou resultados (ARRUDA et al.,
2001).
2. A Ergonomia e a Saúde e Segurança do Trabalho
Iida (2005) cita algumas definições, dadas por diferentes entidades, as quais podem ser úteis
para a compreensão do que vem a ser a Ergonomia. Dentre elas, destacam-se as definições da
Ergonomics Society, por ser a mais antiga encontrada na literatura e a da Associação
Brasileira de Ergonomia, a ABERGO, por ser condizente ao país em que vivemos.
3
Segundo a Ergonomics Society,
A Ergonomia é o estudo do relacionamento entre o homem e seu trabalho,
equipamento, ambiente e particularmente, a aplicação dos conhecimentos de
anatomia, fisiologia e psicologia na solução dos problemas que surgem desse
relacionamento.
No Brasil, a ABERGO adota a seguinte definição:
Entende-se por Ergonomia o estudo das interações das pessoas com a tecnologia, a
organização e o ambiente, objetivando intervenções e projetos que visem melhorar,
de forma integrada e não-dissociada, a segurança, o conforto, o bem-estar e a
eficácia das atividades humanas.
Nesta última significação, percebe-se a ligação existente entre a Ergonomia e a Saúde e
Segurança do Trabalho, assim como na definição de saúde apresentada pela OMS supracitada.
Ainda, Hendrick (2008) destaca o fato de que a ciência e a prática da Ergonomia são as
mesmas, em qualquer lugar do mundo, pois enquanto a ênfase em determinadas situações ou
aplicações possam diferir em cada local, as ações dos ergonomistas são as mesmas,
independentemente da região geográfica em que se encontre.
No âmbito da SST, é condição sine qua non conhecer a definição para “acidente de trabalho”.
Segundo a legislação previdenciária brasileira, o mesmo é definido pelo artigo 19 da Lei
8.213, publicada em 24 de julho de 1991, como sendo “o que ocorre pelo exercício do
trabalho a serviço da empresa, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente".
Os acidentes de trabalho, de acordo com o Ministério da Previdência Social, podem ainda ser
classificados em três tipos, a saber:
a) Acidente Típico: decorrente do trabalho que o indivíduo exerce;
b) Acidente de Trajeto: decorrente do deslocamento do indivíduo em direção ao local de
serviço, a partir de sua residência e vice-versa;
c) Doença Ocupacional: decorrente da execução de determinada função ou exercício, dentro
de um emprego específico.
Podem, ainda, serem caracterizados como acidentes com afastamento, quando o acidentado
não tem condições de continuar realizando seu trabalho logo após o acidente, e acidentes sem
afastamento, oposto ao anteriormente descrito.
De acordo com Oliveira (2003), os sistemas de gestão de Saúde e Segurança nas empresas
brasileiras dependem basicamente de três aspectos, os quais irão determinar o seu sucesso ou
falha:
Aspectos culturais: a forma como empregadores, empregados, Governo e profissionais do
ramo vislumbram e abordam a questão;
Conteúdos técnicos: ferramentas utilizadas na identificação e controle dos riscos do
trabalho;
Aspectos ligados aos resultados: o que se espera quando da implantação do sistema de
gestão de Saúde e Segurança.
Ainda segundo o autor, dentre os aspectos supracitados, considera-se de maior importância o
cultural, pois tem a capacidade de facilitar, inibir ou inviabilizar o sucesso da gestão.
Este fato é decorrente de que é possível que se tenha um ótimo programa de SST, atrelado a
4
ferramentas eficazes para a identificação dos riscos e às análises necessárias, porém, se não
houver envolvimento e compromisso por parte dos gestores, gerentes, trabalhadores, enfim,
do pessoal relacionado direta ou indiretamente ao programa para que o mesmo seja seguido,
os resultados serão, no mínimo, limitados, tanto quantitativa quanto qualitativamente
(OLIVEIRA, 2003).
Em parte, pode-se dizer que essa falta de envolvimento tanto por parte dos trabalhadores
quanto dos gestores para com o programa de SST deve-se ao fato de que culturalmente somos
levados a pensar de acordo com a chamada “Teoria do Ato Inseguro”. Esta teoria faz uma
configuração sistemática da culpa da vítima nos casos de acidentes do trabalho, através da
construção de um modelo conveniente e útil para descaracterizar a culpa do empregador ou de
seus prepostos, mantendo-se deste modo um clima de impunidade em relação aos acidentes
do trabalho. (VILELA et al., 2004).
Ainda de acordo com o autor, pode-se dizer que no Brasil, e também no mundo, a visão
prevalecente é a de que o acidente é um evento simples, que se origina em algumas poucas
causas. A abordagem vivenciada é aquela onde os acidentes provêm de falhas dos operadores,
sejam por ações ou omissões, ou ainda situações onde normas ou prescrições de segurança são
desrespeitadas, os chamados “atos inseguros”, os quais advêm de aspectos psicológicos dos
trabalhadores.
Por outro lado, Reason (1997) e Kletz (2001), verificaram que nos últimos anos os modos de
se ver e analisar a natureza das causas dos acidentes está mudando. Agora, procuram-se os
fatores intrínsecos ao sistema que foram norteadores para a causa do acidente, e não
simplesmente analisam-se as falhas e erros advindos dos funcionários (CASTRO, 2007).
Essa nova abordagem está fazendo com que as empresas passem a acreditar em ações
preventivas e pró-ativas em detrimento às atitudes reativas, que eram tomadas apenas após o
acidente acontecer. Kletz (2001) apud Castro (2007), diz que as organizações estão focando
na adaptação do sistema ao operador, e não o oposto, para que se eliminem as possibilidades
de falhas e erros, assim como situações com potencial de geração de acidentes.
Por fim, Reason (1997), afirma que “a gestão da segurança e da saúde passa a recomendar
medidas pró-ativas e a busca de reformas contínuas do sistema”, justificando assim o objetivo
deste artigo.
3. O setor elétrico brasileiro
O setor de energia elétrica é o segmento da infra-estrutura econômica responsável pelas
atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica (GOMES, 1998).
Segundo os dados mais recentes disponibilizados pela Associação Brasileira de
Concessionárias de Energia Elétrica – ABCE, de março de 2008, o setor elétrico brasileiro
possui 62 empresas a ela associadas, espalhadas em todas as regiões do país, nas áreas de
geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, de grande e pequeno porte, tanto
estatais quanto privadas.
Dentre as Normas Regulamentadoras de Segurança e Saúde no Trabalho existe uma destinada
a trabalhadores que interajam direta ou indiretamente em instalações elétricas e serviços com
eletricidade, a Norma Regulamentadora N° 10 (NR-10: Segurança em Instalações e Serviços
em eletricidade).
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, a NR-10:
5
...se aplica às fases de geração, transmissão, distribuição e consumo, incluindo as
etapas de projeto, construção, montagem, operação, manutenção das instalações
elétricas e quaisquer trabalhos realizados nas suas proximidades, observando-se
as normas técnicas oficiais estabelecidas pelos órgãos competentes e, na ausência
ou omissão destas, as normas internacionais cabíveis.
Ela determina medidas de controle necessárias para evitar o risco elétrico e outros riscos
adicionais, além de medidas de proteção coletiva e individual; segurança em projetos;
segurança na construção, montagem, operação e manutenção; segurança em instalações
elétricas energizadas e desenergizadas; assim como várias outras recomendações e medidas a
serem tomadas em se tratando de trabalho envolvendo eletricidade.
Apesar disto, relatórios disponibilizados pela Fundação Coge (FUNCOGE) relatam que com
o passar dos anos, mesmo com a criação da NR-10, os acidentes no setor elétrico não foram
diminuídos.
Um bom exemplo que pode ser citado são os dados encontrados no Relatório de Estatísticas
de Acidentes no Setor de Energia Elétrica – 2008 (dispobinilizado pela FUNCOGE em Julho
de 2009). Nele, encontra-se a Tabela 1 - Evolução dos Indicadores de Acidentes do Setor de
Energia Elétrica, ilustrada mais a seguir. Esta tabela descreve o comportamento de alguns
indicadores relacionados ao acidente de trabalho no setor elétrico durante os anos de 1999 a
2008.
Indicadores Ano
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
1 – Nº de Empregados (média) 111.166 101.720 97.148 96.741 97.399 96.591 97.991 101.105 103.672 101.451
2 – Horas-homem de Exposição ao Risco 229.698.944 213.095.959 194.769.389 201.406.074 197.324.616 197.225.194 196.523.365 200.219.744 201.981.289 203.945.395
3 – Acidentados Típicos das Empresas
Acidentados com Afastamento 1.246 1.241 1.055 1.059 944 1.008 1.007 840 906 851
Acidentados sem Afastamento 1.023 1.009 994 826 1.050 964 1.026 918 897 901
Total 2.269 2.250 2.049 1.885 2.044 1.972 2.033 1.758 1.803 1.752
Consequência fatal 26 15 17 23 14 9 18 19 12 15
Taxa de Frequência 5,42 5,82 5,42 5,26 5,04 5,11 5,12 4,20 4,49 4,17
Taxa de Gravidade 903 688 762 899 638 522 759 719 538 568
4 – Tempo Computado Total (dias) 207.477 146.608 148.318 181.109 125.826 102.960 149.252 144.018 108.756 115.748
5 – Acidentados das Contratadas
Consequência Fatal 49 49 60 55 66 52 57 74 59 60
6 – Acidentados da População
Consequência Fatal - - 330 330 323 327 305 293 324 331
Fonte: FUNCOGE (2009)
Tabela 1 - Evolução dos Indicadores de Acidentes do Setor de Energia Elétrica
De um modo geral, percebe-se que as horas-homem de exposição ao risco vêm aumentando
desde 2005, fato este que parece não ter gerado impactos exasperados em outros indicadores,
como os acidentes com afastamento e sem afastamento, que demonstraram manter-se de certa
forma equiparados nos anos de 2006 a 2008. Isso pode ser um demonstrativo de que as
empresas estão se preocupando mais com a segurança de seus trabalhadores, pois apesar dos
mesmos estarem sendo expostos a condições de risco por um tempo prolongado, os índices de
acidentes não sofreram grandes alterações.
O que pode ser depreendido da Tabela 1 é que, com o passar dos anos, apesar de todo o
esforço das empresas envolvidas no setor elétrico no aspecto de reduzir o número e as
conseqüências dos acidentes de trabalho nesse ramo de atividade, os indicadores mostram-se
quase que constantes, com poucas oscilações, sejam para mais ou para menos, de forma a
suscitar a urgência do desenvolvimento de indicadores que sejam pró-ativos para a prevenção
destes acidentes, tendo em vista que os atuais são todos reativos, quais sejam: taxa de
freqüência de acidentados com lesão com afastamento, taxa de freqüência de acidentados com
lesão com afastamento de contratada, taxa de freqüencia de acidentados com lesão com
afastamento da força de trabalho, taxa de freqüência de população, taxa de gravidade, taxa de
6
gravidade de contratada, taxa de gravidade da força de trabalho, taxa de gravidade de
população.
Outro ponto constante do relatório da FUNCOGE é o demonstrativo do custo total estimado
de acidentes do trabalho por ano, em milhões de reais.
Figura 1 – Demonstrativo do Custo Total Estimado de Acidentes do Trabalho por Ano (milhões de reais)
É notório, através de análise da Figura 1, que apesar de no ano de 2007 estes custos terem
caído em relação aos dois anos anteriores, em 2008 este fato não se repetiu, chegando à marca
de 595 milhões de reais gastos com acidentes de trabalho, um valor exdruxulamente alto.
4. Análise de Componentes Principais
De acordo com Escofier e Pages (1992) apud Bakke et. al (2008) os métodos de análise de
dados multivariados tem comprovado amplamente sua eficácia no estudo de grandes
massas de informação complexas. Tratam-se de métodos chamados de multidimensionais
que permitem a confrontação entre duas ou mais variáveis. Pode-se, então, extrair as
tendências mais sobressalentes e hierarquizá-las, eliminando os efeitos que perturbam a
percepção global.
Ainda de acordo com Bakke et. al (2008), as técnicas analíticas multivariadas têm sido
utilizadas amplamente em indústrias, governos e em centros de pesquisas acadêmicas
de diversas áreas (Psicologia, Educação, Geologia, Ciências Sociais, Engenharias,
Ergonomia, etc.). Portanto, vê-se que o método apresenta resultados significativos diante da
análise em determinado grupo de uma organização.
Johnson e Wichern (1992) citam que a estatística multivariada pode ser aplicada com
diversas finalidades, mesmo nos casos em que não se dispõe de antemão de um modelo
teórico rigorosamente estruturado a respeito das relações entre as variáveis. A finalidade de
sua aplicação pode ser de reduzir dados ou de simplificação estrutural, de classificar e
agrupar, de investigar a dependência entre variáveis, de predição e de elaborar hipóteses e
testá-las.
Uma observação multivariada de dimensão p, ou p-variada (sendo p o número de variáveis
originais), é um vetor:
'21, pxxxX
7
A Análise de Componentes Principal (ACP) é um dos métodos estatísticos mais usados quando
se pretendem analisar dados multivariados. Ela permite transformar um conjunto de variáveis
originais, intercorrelacionadas, num novo conjunto de variáveis não correlacionadas, as
componentes principais, através de combinações lineares das variáveis originais. O objetivo
mais imediato da ACP é verificar se existe um pequeno número das primeiras componentes
principais que seja responsável por explicar uma proporção elevada da variação total
associada ao conjunto original (BAKKE et. al, 2008).
Este método estatístico multivariado é associado à idéia de redução de massa de dados, com
menor perda possível da informação. Procura-se redistribuir a variação observada nos eixos
originais de forma a se obter um conjunto de eixos ortogonais não correlacionados. Desta
forma, o sistema de variabilidade do vetor que contém as p-variáveis originais é aproximado
pelo sistema de variabilidade do vetor aleatório que contém as k componentes principais,
sendo k ≤ p (MINGOTI, 2005).
A ACP é uma excelente técnica exploratória de dados multivariados, podendo ser utilizada
em conjunção com outras técnicas como análise fatorial, análise de agrupamentos e análise
discriminante.
5. Metodologia
Como proposta metodológica a ser implementada em diversos casos onde o estudo estatístico
multivariado se aplique, com enfoque na Análise de Componentes Principais e, em especial
ao caso estudado no setor elétrico brasileiro, apresenta-se algumas etapas para a construção de
índices.
5.1 Determinação da Matriz de dados X
Considere a situação em que observa-se „p‟ características de „n‟ indivíduos de uma
população π. As características observadas são representadas pelas variáveis x1, x2, x3, ..., xp.
No caso em análise do presente artigo, o estudo está sendo realizado na Companhia Hidro
Elétrica do São Francisco – CHESF. Os dados que estão sendo coletados mostram que as
variáveis são as condições inerentes ou não às atividades dos trabalhadores que, de certa
forma, influenciaram para a ocorrência do acidente. Algumas destas variáveis são: “função do
trabalhador”; “se houve treinamento técnico para a execução de uma função”; “uso de
Equipamentos de Proteção Individual”; “local da ocorrência do acidente”; “horário da
ocorrência do acidente”; dentre outras. Ao todo, identificaram-se 50 destas variáveis, tendo
sido coletadas 448 observações, as quais ainda estão sendo analisadas nos Laboratório de
Análise do Trabalho e no Laboratório de Métodos Quantitativos Aplicados do Departamento
de Engenharia de Produção da Universidade Federal da Paraíba.
Desse modo, pode-se dizer que n é igual a 448 e p seria 50. Assim, a matriz de dados é de
ordem „n x p‟, ou seja „448x50,’ onde a mesma é normalmente denominada de matriz „X‟.
npnnn
p
p
p
xxxx
xxxx
xxxx
xxxx
X
321
3333231
2232221
1131211
A estrutura de interdependência entre as características da matriz de dados é representada pela
8
matriz de covariância „S‟ ou pela matriz de correlação „R‟. O entendimento dessa estrutura
através das variáveis X1, X2, X3, ..., Xp pode não ser simples. Assim, o objetivo da análise de
componentes principais é transformar essa estrutura, representada pelas variáveis X1, X2, X3,
..., X50, em uma outra estrutura representada pelas variáveis Y1, Y2, Y3, ..., Y50 não
correlacionadas e com variâncias ordenadas, para que seja possível comparar os indivíduos
usando apenas as variáveis Yis que apresentam maior variância. A solução é dada a partir da
matriz de covariância S ou da matriz de correlação R.
5.2 Determinação da Matriz de covariância S
A partir da matriz X de dados de ordem „n x p’ pode-se fazer uma estimativa da matriz de
covariância Σ da população π que representa-se por S. A matriz S é simétrica e de ordem „p x
p’.
)(ˆ)(ˆ)(ˆ)(ˆ
)(ˆ)(ˆ)(ˆ)(ˆ
)(ˆ)(ˆ)(ˆ)(ˆ
)(ˆ)(ˆ)(ˆ)(ˆ
321
332313
232212
131211
pppp
p
p
p
xarVxxovCxxovCxxovC
xxovCxarVxxovCxxovC
xxovCxxovCxarVxxovC
xxovCxxovCxxovCxarV
S
Sendo a covariância entre a i-ésima e a j-ésima variáveis, tem-se:
1
))((
)(ˆ 1
n
xxxx
xxovC
n
l
jjliil
ji
Normalmente as características são observadas em unidades de medidas diferentes entre si, e
neste caso, segundo Regazzi (2002) é conveniente padronizar as variáveis Xj (i=1, 2, 3, ..., p).
A padronização pode ser feita com média zero e variância 1, ou com variância 1 e média
qualquer.
Padronização com média zero e variância 1:
pjeniXS
Xxz
j
jij
ij ,,2,1,,2,1,)(
Padronização com variância 1 e média qualquer:
pjeniXS
xz
j
ij
ij ,,2,1,,2,1,)(
em que, jx e )x(Sj
são, respectivamente, a estimativa da média e o desvio padrão da
característica j, a saber:
n
x
x
n
1i
ij
j
9
e pjXarVxs jj ,2,1,)(ˆ)(
1)(ˆ
1)(ˆ 1
2
12
2
1
n
n
x
x
XarVoun
Xx
XarV
n
i
n
i
ij
ij
j
n
i
jij
j
Após a padronização, obtém-se uma nova matriz de dados Z:
np3n2n1n
p3333231
p2232221
p1131211
zzzz
zzzz
zzzz
zzzz
Z
5.3 Correlação e Matriz de Correlação
Para determinar os componentes principais normalmente toma-se como ponto de partida a
matriz de correlação R. É importante observar que o resultado encontrado para a análise a
partir da matriz S pode ser diferente do resultado encontrado a partir da matriz R. A
recomendação é que a padronização só deve ser feita quando as unidades de medidas das
características observadas não forem as mesmas.
Define-se o coeficiente de correlação amostral entre as i-ésima e j-ésima variáveis do vetor X
como sendo:
)(ˆ)(ˆ
)(ˆ
ji
ji
ij
XarVXarV
XXovCR
Segundo Mingoti (2005), a correlação é uma medida mais adequada para avaliar o grau de
relacionamento linear entre duas variáveis quantitativas em comparação à variância, pois
pode-se ter uma melhor visualização desse relacionamento, já que seus valores estão sempre
entre -1 (indicação de existência de um relacionamento linear negativo – decrescimento) e 1
(indicação de um relacionamento linear negativo – crescimento). Valores de correlação
próximos a zero indica um não-relacionamento linear entre as variáveis em questão.
Assim, constrói-se a Matriz de Correlação amostral do vetor aleatório X, denotada por:
10
1
1
1
1
321
33231
22321
11312
ppp
p
p
p
pxp
RRR
RRR
RRR
RRR
R
5.5 Determinação dos componentes principais
Os componentes principais são determinados resolvendo-se a equação característica da matriz
S ou R, isto é:
0IRou0IRdet
Se a matriz R for de posto completo igual a „p‟, isto é, não apresentar nenhuma coluna que
seja combinação linear de outra, a equação 0IR terá „p‟ raízes chamadas de
autovalores ou raízes características da matriz R. Na montagem da matriz de dados X é
importante observar que o valor de „n‟ dever ser pelo menos igual a „p+1‟, isto é, se pretende-
se montar um experimento para analisar o comportamento de „p‟ características de indivíduos
de uma população é recomendado que o delineamento estatístico apresente pelo menos „p+1‟
indivíduos.
Sejam λ1, λ2, λ3, ..., λp as raízes da equação característica da matriz R ou S, então:
p321 , .
Para cada autovalor λi existe um autovetor ia~ :
ip
i
i
i
a
a
a
a
2
1
~
Os componentes dos autovetores podem ser obtidos a partir da resolução da seguinte operação
de multiplicação matricial:
ip
i
i
i
i
ip
i
i
i
ppp
p
p
p
a
a
a
a
a
a
a
a
RRR
RRR
RRR
RRR
3
2
1
3
2
1
321
33231
22321
11312
1
1
1
1
Os autovetores ia~ são normalizados, isto é, a soma dos quadrados dos coeficientes é igual a 1,
e ainda são ortogonais entre si. Devido a isso apresentam as seguintes propriedades:
1a~a~1a i
'
i
p
1j
2
ij
11
e kipara0a~a~0aa k
'
i
p
1j
kjij
Sendo ia~ o autovetor correspondente ao autovalor λi, então o i-ésimo componente principal,
que também denomina-se por “índice”, é dado por:
pip22i11ii XaXaXaY
Deste modo, serão gerados tantos componentes principais quantas forem as variáveis. No caso
em estudo, tratando-se de um total de 50 variáveis, originam-se 50 componentes principais,
isto é, Y1, Y2, Y3, ... Y50. Porém, é possível reduzir este número de componentes principais
para simplificar a análise.
Os componentes principais apresentam as seguintes propriedades:
a) A variância do componente principal Yi é igual ao valor do autovalor λi.
iiYarV
b) O primeiro componente é o que apresenta maior variância e assim por diante:
)Y(arV)Y(arV)Y(arV p21
c) O total de variância das variáveis originais é igual ao somatório dos autovalores que é igual
ao total de variância dos componentes principais:
)Y(arV)X(arV iii
d) Os componentes principais não são correlacionados entre si:
0Y,YovC ji
5.6 Contribuição de cada Componente principal
A contribuição Ci de cada componente principal Yi é expressa em porcentagem. É calculada
dividindo-se a variância de Yi pela variância total. Representa a proporção de variância total
explicada pelo componente principal Yi.
100Straço
100100
YarV
YarVC i
p
1i
i
i
p
1i
i
ii
A importância de um componente principal é avaliada por meio de sua contribuição, isto é,
pela proporção de variância total explicada pelo componente. A soma dos primeiros k
autovalores representa a proporção de informação retida na redução de p para k dimensões.
Com essa informação, pode-se decidir quantos componentes utilizam-se na análise, isto é,
quantos componentes serão usados para diferenciar os indivíduos. Não existe um modelo
estatístico que ajude nesta decisão. Segundo Regazzi (2002), para aplicações em diversas
áreas do conhecimento o número de componentes utilizados tem sido aquele que acumula
70% ou mais de proporção da variância total.
12
pkonde
YarV
YarVYarVk
i
i
k
%70100ˆ
ˆˆ
1
1
5.7 Interpretação de cada componente
Esta análise é feita verificando-se o grau de influência que cada variável Xj tem sobre o
componente Yi. O grau de influência é dado pela correlação entre cada Xj e o componente Yi
que está sendo interpretado. Por exemplo, a correlação entre Xj e Y1 é:
j
j1
1
j
1
j11YXj1,j
XarV
a
XarV
YarVarYXCorr
Para comparar a influência de X1, X2, ..., Xp sobre Y1 analisa-se o peso ou loading de cada
variável sobre o componente Y1. O peso de cada variável sobre um determinado componente
é dado por:
p
p1
p
2
122
1
111
XarV
aw,
XarV
aw,
XarV
aw , sendo w1 o peso de X1.
Desta forma, cumprindo essas etapas, tem-se os índices propostos para esse estudo.
Entretanto, pode-se comparar ou agrupar indivíduos, donde será necessário calcular os escores
para cada componente principal.
5.8 Escores dos Componentes principais
Os escores são os valores dos componentes principais. Após a redução de p para k dimensões,
os k componentes principais serão os novos índivíduos e toda análise é feita utilizando-se os
escores desses componentes. No Quadro 1 exemplifica-se a organização do conjunto de dados
inerentes ao caso em estudo, composto por n (448) indivíduos, p (50) variáveis e k
componentes principais, sendo k < 50.
Indivíduos
Variáveis Escores dos componentes principais
X1 X2 ... Xp Y1 Y2 ... Yk
1 X11 X12 X1p Y11 Y12 Y1k
2 X21 X22 X2p Y21 Y22 Y2k
N Xn1 Xn2 ... Xnp Yn1 Yn2 ... Ynk
Quadro 1. Organização de um conjunto de dados com n indivíduos, p variáveis e k componentes
Dessa forma, tem-se que os escores do primeiro componente para n = 418 indivíduos são:
13
Indivíduos Primeiro componente principal
1 pp XaXaXaY 111212111111
2 pp XaXaXaY 212212211121
418 nppnnn XaXaXaY 12121111
Quadro 2. Escores do primeiro componente para os n indivíduos
6. Comentários finais
No mundo globalizado em que vivemos, a adoção de políticas e práticas de prevenção de
acidentes do trabalho pelas organizações vai além de uma simples exigência legal. Essa
questão tem tomado ares de um importante diferencial competitivo, com sérias implicações na
sua “saúde” financeira, como citado anteriormente. Isso se dá não apenas em virtude da
redução dos custos diretos associados aos acidentes, como também dos relativos à reposição
de um trabalhador acidentado no sistema produtivo, além dos custos indiretos, a exemplo de
danos à imagem das empresas perante a sociedade em geral (CASTRO, 2007).
Baseado nisto, vê-se o quão importante e urgente são os projetos na área de segurança do
trabalho, especialmente no setor elétrico, o qual está sendo aqui discutido. Esta importância
não se dá apenas em termos de custos, mas, principalmente, quando se percebe que vidas
estão em constante perigo enquanto estão apenas realizando os serviços aos quais foram
designados.
Deste modo, a estatística multivariada, através da Análise de Componentes Principais (ACP),
através de um levantamento de dados referentes a acidentes ocorridos, seria capaz de criar
índices, os quais gerariam um feedback para as empresas do setor elétrico para tomar
decisões, em aspecto pró-ativo, para que acidentes recorrentes pudessem ser evitados, com
impacto no quadro de acidentes de trabalho neste setor.
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