Apostila Antropologia e Educacao

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CURSO DE EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM PEDAGOGIA EDUCAÇÃO E ANTROPOLOGIA CULTURAL Autor: Leila Dias Pereira do Amaral

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Pedagogia

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ISETED Instituto Superior de Educao Tecnologia e Desenvolvimento Social

Rua Coelho Neto, 190 Bairro Altamira Barra do Corda/MA.

Tel. (99) 3643-4983/8112-4271/9954-8998/8185-0801/8434-6131

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CURSO DE EXTENSO UNIVERSITRIA EM PEDAGOGIA

EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURALAutor: Leila Dias Pereira do Amaral

Barra do Corda/MA

2014SUMRIO

3Apresentao

4Plano de Ensino

5UNIDADE 1: ANTROPOLOGIA E EDUCAO UM DILOGO POSSVEL

51.1 A Antropologia e suas Especialidades

61.2 Desenvolvimento Histrico das Principais Teorias Antropolgicas

91.3 Relaes entre Antropologia e Educao

11UNIDADE 2: BASES CONCEITUAIS SOBRE A CULTURA E SUAS IMPLICAES PARA A EDUCAO

112.1 O desenvolvimento do conceito de cultura

132.2 Cultura e educao

16UNIDADE 3: MULTICULTURALISMO E IMPLICAES EDUCATIVAS

163.1 O que multiculturalismo?

183.2 Multiculturalismo e Educao

20UNIDADE 4: A CULTURA DA ESCOLA RITOS, RITUAIS E PRTICAS ESCOLARES

204.1 A Cultura da Escola e suas Especificidades

224.2 Cultura Escolar e Prticas Escolares

25UNIDADE 5: ETNOCENTRISMO E IDENTIDADE CULTURAL NA ESCOLA: INCLUSO E EXCLUSO

255.1 Entendendo o Etnocentrismo

265.2 O Preconceito

275.3 Identidade Cultural

285.4 Processos de Incluso e de Excluso

30UNIDADE 6: EDUCAO, DIFERENAS E INTERCULTURALIDADE

306.1 Igualdade e Diferena: um debate contemporneo

316.2 Interculturalidade e Educao

326.3 Diferena e Interculturalidade Educacional

34UNIDADE 7: RAA, ETNICIDADE, MINORIAS E CULTURA EDUCACIONAL

347.1 O conceito de Raa

357.2 O Conceito de Etnicidade

367.3 O Conceito de Minorias

367.4 Aes Afirmativas, o que isso?

377.5 O Programa de Cotas: um mecanismo de ao afirmativa

38REFERENCIAL BIBLIOGRFICO

Apresentao

Caro estudante,

um prazer compartilhar com voc os contedos da disciplina EDUCAO E ANTROPOLOGIA CULTURAL. Por meio deles, poderemos nos aprofundar na compreenso das questes culturais e sua relao com a educao, observando os principais conceitos e correntes tericas da Antropologia.

Discutiremos as contribuies do conceito de cultura para a reflexo sobre a sociedade e a educao, bem como as perspectivas do multiculturalismo e da interculturalidade na educao. Analisaremos, tambm, a cultura da escola, seus ritos, rituais e prticas escolares.

Abordaremos os conceitos de etnocentrismo, preconceito e a construo da identidade cultural na escola, enfatizando a questo da excluso/incluso. Por fim, trataremos da questo das etnias na educao brasileira, por meio de uma abordagem antropolgica, observando as aes afirmativas desenvolvidas em favor das minorias. Todas essas discusses so muito importantes para sua formao de futuro educador e para sua compreenso da realidade escolar.

Como voc observou, teremos muito estudo e trabalho pela frente. Esperamos que voc tenha um timo aproveitamento desta disciplina para a sua formao docente. Essa a nossa expectativa e desejo.

Prof. Leila Dias Pereira do Amaral

Plano de Ensino

EMENTA

Antropologia e suas contribuies para a reflexo sobre a sociedade e a educao no Brasil. Cultura, educao e socializao: a contribuio terico-metodolgica da Antropologia para o seu entendimento.

Multiculturalismo, pluralidade cultural, igualdade, diferena e educao: perspectivas antropolgicas. A cultura da escola: ritos, rituais e prticas escolares. Etnias e educao brasileira: a abordagem antropolgica. A investigao antropolgica e o conhecimento do cotidiano escolar.

OBJETIVO

Refletir sobre os conceitos bsicos da Antropologia e sua contribuio para a anlise da cultura escolar e suas prticas no contexto de uma sociedade multicultural.

CONTEDO PROGRAMTICO

Relaes entre sociedade, cultura e educao

Teorias modernas sobre a cultura e suas implicaes para a educao

As implicaes educativas em uma sociedade multicultural

Etnocentrismo e identidade cultural na escola

A perspectiva intercultural na educao

Etnias e educao na abordagem antropolgica

BIBLIOGRAFIA BSICA

BOAS, Franz. Antropologia cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

LARAIA, Roque B. Cultura: um conceito antropolgico. 11. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

MARCONI, Marina; PRESOTTO, Zelia. Antropologia: uma introduo. 5. ed. So Paulo: Atlas, 2001.

OLIVEIRA, Rachel. Tramas da cor: enfrentando o preconceito no dia-a-dia escolar. So Paulo: Selo Negro Edies, 2005.

SANTOS, Maria Sirley dos. Pedagogia da diversidade. So Paulo: Memnon, 2005.

SANTOS, Jos L. O que cultura. So Paulo: Brasiliense, 1994.

SKLIAR, Carlos. Pedagogia (improvvel) da diferena: e se o outro no estivesse a? Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

AQUINO, Jlio Groppa. Diferenas e preconceito na escola: alternativas tericas e prticas. So Paulo: Summus, 1998.

FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemolgicas do conhecimento escolar. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993.

MORAIS, Regis de. Cultura brasileira e educao. Campinas/SP: Papirus, 1989.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formao e o sentido do Brasil. So Paulo: Companhia das Letras, 1995.

ROCHA, Everardo. O que etnocentrismo? Rio de Janeiro: Brasiliense, 1994.

TEIXEIRA, Valria Borges et al. Aes afirmativas em educao: experincias brasileiras. So Paulo: Selo Negro Edies, 2003.

UNIDADE 1: ANTROPOLOGIA E EDUCAO UM DILOGO POSSVEL

Esperamos que, ao final desta aula, voc seja capaz de:

Identificar as diferentes correntes tericas da Antropologia;

Descrever a relao entre Antropologia e educao.

Pr-requisitos

Para que voc tenha uma compreenso mais ampla desta unidade, sugerimos que faa uma leitura do texto Um outro olhar: entre a antropologia e a educao, que est no stio . Nele, voc encontrar uma discusso muito relevante sobre as peculiaridades desses campos do saber, bem como um mapeamento da relao entre Antropologia e Educao.

Introduo

Voc j observou a diversidade de grupos que compem a sociedade em que vivemos? J se perguntou sobre a infinidade de relaes culturais que resultam dos contatos entre esses grupos? Agora, imagine toda essa diversidade associada ao espao da sala de aula, por exemplo. Como gerir essa gama de teias de significados nesse universo, um desafio que todo professor/educador enfrenta na sua prtica diria. nesse sentido que a Antropologia pode contribuir na compreenso dos fenmenos educacionais. O professor/educador precisa ter um olhar antropolgico sobre o seu espao de atuao. Esse olhar o auxiliar a lidar com os conflitos e as contradies que surgem do confronto e do contato entre os diferentes grupos sociais, contribuindo para uma prtica docente relativizadora.

1.1 A Antropologia e suas Especialidades

A Antropologia um campo do conhecimento bastante recente, que demarca seu espao, sobretudo, aps os contatos dos europeus com outros povos distantes, durante as expanses martimas. Porm seus mtodos de anlise e suas teorias foram se constituindo ao longo dos sculos XVIII, XIX e XX.

Podemos definir a Antropologia como uma cincia que busca o conhecimento abrangente do ser humano, pois, o seu interesse est no homem como um todo ser biolgico e ser cultural preocupando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 24). Devido amplitude de seus campos de interesse, temos uma diviso em reas: a Antropologia Fsica ou Biolgica, que se preocupa com os aspectos biolgicos do homem; a Antropologia Social e/ou Cultural, voltada para a dimenso sociocultural, por exemplo, o estudo das instituies sociais, e a Arqueologia, que investiga os vestgios, as pistas da existncia de grupos humanos j desaparecidos.

Saiba mais

A palavra Antropologia, etimologicamente, vem do grego antrophos homem/ pessoa e logos razo/ pensamento e significa Estudo do homem.

Como voc pode observar, bastante amplo o campo de investigao dessa cincia. Alguns autores divergem sobre essa diviso, porm ela um recurso didtico para que possamos compreender a especificidade da Antropologia. Roberto DaMatta (1997, p. 28-9), por exemplo, entende que [...] a Arqueologia uma subdisciplina da Antropologia Geral, e mais especificamente, da Antropologia Cultural (ou Social), j que seu objetivo chegar ao estudo das sociedades do passado. A linha que demarca essas reas bastante tnue e, muitas vezes, fazemos uso de conceitos que esto presentes em mais de uma delas.

Vejamos agora um breve histrico do desenvolvimento da Antropologia enquanto cincia e disciplina.

1.2 Desenvolvimento Histrico das Principais Teorias Antropolgicas

DaMatta (1997, p. 88) explica que:

falar de histria da antropologia especular sobre o modo pelo qual os homens perceberam suas diferenas ao longo de um dado perodo de tempo, [...] um domnio especial onde podemos realizar uma importante reflexo sobre ns mesmos atravs do estudo dos outros.

Apesar das especificidades de cada rea dessa cincia, podemos dizer que ela uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, uma busca por descobrirmos quem somos a partir do outro, esteja ele longe ou perto, presente ou extinto. uma maneira de nos situarmos frente aos vrios mundos sociais e culturais, abrindo possibilidades de ampliarmos nossa capacidade de agir, sentir e refletir sobre o que nos torna to singulares e diferentes.

Os primeiros relatos sobre esse outro, descoberto em terras longnquas na poca das grandes navegaes, eram feitos por meio de cartas, dirios, relatrios dos viajantes, comerciantes, missionrios, militares, entre outros. Esses relatos se constituram em uma literatura sobre a diversidade cultural dos povos descobertos pelos europeus. A carta de Pero Vaz de Caminha sobre o descobrimento do Brasil um exemplo desses relatos.

Porm, a partir da influncia das teorias de Charles Darwin (1809-1882) e de seu tratado sobre A Origem das Espcies que a Antropologia comea a desenvolver-se teoricamente. Surge o evolucionismo social, que pode ser caracterizado, segundo DaMatta (1997, p. 91-7), por quatro ideias gerais:

1. As sociedades humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus costumes, [...] como entidades isoladas de seus respectivos contextos.

2. Os costumes tm uma origem, uma individualidade e um fim.

3. As sociedades se desenvolvem de modo linear [...] da mais simples para a mais complexa e da mais indiferente para a mais diferenciada, numa escala irreversvel.

4. Todas as formas sociais, polticas, econmicas, religiosas, jurdicas e morais desconhecidas foram reduzidas ao eixo do tempo [...] a grande mquina capaz de eliminar as diferenas e reduzir o estranho ao familiar.

O que essas quatro ideias fundamentais sobre o evolucionismo social querem afirmar que todas as formaes sociais esto numa linha evolutiva que considera como atrasados, selvagens e primitivos todos os costumes que no fazem parte do ltimo estgio, o mais evoludo da sociedade. O fato de que, como as diferenas esto subsumidas na ideia de que o outro sou eu, num estgio mais atrasado, faz com que todas as possibilidades de pensar e conceber esse outro como um igual sejam anuladas, posto que ele estar sempre num estgio diferente.

Fortaleceram-se, assim, as prticas preconceituosas e discriminatrias que, ainda hoje, esto presentes em nossa sociedade. Alm disso, as teorias evolucionistas justificaram, por um longo tempo, os planos colonialistas, na afirmao de que essas sociedades ou grupos humanos que estavam em um estgio inferior deveriam evoluir para o estgio mais avanado.

Outro dado interessante que os antroplogos do evolucionismo social no iam a campo realizar suas pesquisas. Eram antroplogos de gabinete, ou seja, recebiam os relatos e dados e sistematizavam o conhecimento sobre os povos primitivos, sem nunca entrar em contato com eles. Um dos principais representantes da teoria evolucionista Edward Tylor (1832-1917), precursor, tambm, do conceito de cultura que veremos mais adiante. Porm, apesar de todas as crticas que foram feitas ao evolucionismo, foi a partir dele que a Antropologia se constituiu como disciplina acadmica e cincia que tem um mtodo prprio de anlise.

A prxima perspectiva terica que veremos prope o fim dessa conduta de gabinete, vista anteriormente. Trata-se da perspectiva do funcionalismo, que tem como principal representante Bronislaw Malinowski (1884-1942). Um dos aspectos fundamentais do trabalho do antroplogo, segundo esse autor, a observao participante. Tal postura coloca o pesquisador em contato direto com o grupo a ser investigado e procura relacionar os seus costumes no a partir de um eixo temporal como no evolucionismo, mas compreendendo-os em um sistema coerentemente integrado de relaes sociais. DaMatta (1997, p. 105) afirma que:

a comparao, na perspectiva funcionalista, no algo que vai somente numa direo, situando sempre os nativos como cobaias e inocentes, como so de fato os machados e canoas dos museus, neutros em sua situao de objetos deslocados sendo vistos por um visitante que jamais cortou uma rvore ou remou. Mas algo que dialeticamente faz sobre si mesmo uma volta completa, envolvendo a reflexo sobre a sociedade e os costumes do observador.

Essa postura permitiu um conhecimento mais aprofundado das diversas lgicas de cada sociedade humana. Uma posio relativizadora que procura compreender os costumes e sintetizar os dados de determinado grupo humano para alm de um plano da histria determinada pelo progresso, como o caso do evolucionismo.

Outra crtica ao evolucionismo e seu mtodo comparativo se estrutura com Franz Boas (1858-1949) e o culturalismo norte-americano. Laraia (1996, p. 36) afirma que Boas [...] atribuiu antropologia a execuo de duas tarefas: a) a reconstruo da histria de povos ou regies particulares; b) a comparao da vida social de diferentes povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. [...] So as investigaes histricas reafirma Boas o que convm para descobrir a origem deste ou daquele trao cultural e para interpretar a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural.

Boas desenvolve o particularismo histrico, no qual cada cultura segue seus prprios caminhos em funo dos diferentes eventos histricos que enfrentou [...] sendo essa possibilidade de desenvolvimento mltiplo o objeto de uma abordagem multilinear (LARAIA, 1996, p. 37).

Essa perspectiva terica avanou bastante, em relao ao evolucionismo e ao funcionalismo, pois percebe as sociedades e seus costumes como resultado de uma construo histrica e no como recortes em estgios evolutivos ou como atendendo a funes especficas num sistema social integrado. Cada cultura deve ser entendida dentro de sua prpria lgica, ou seja, apesar de determinado costume ou hbito cultural nos parecer totalmente alheio, por no fazer parte de nossa cultura, deve ser entendido dentro de seu esquema social. Assim conseguimos ultrapassar o olhar pr-conceituoso, pr-concebido aos grupos diversos ao nosso.

Ainda no sculo XX, a partir dos anos 40, temos o desenvolvimento do estruturalismo como teoria antropolgica. Seu mais ilustre representante foi Claude Lvi-Strauss (nascido em 1908), antroplogo francs que considera cultura como sistemas estruturais, ou seja, um sistema simblico que a criao acumulativa da mente humana o mito, a arte, o parentesco e a linguagem - e que, por isso, permite desvendar os princpios da mente que geraram essas elaboraes culturais.

Assim preciso verificar os pontos elementares para explicar uma sociedade, por exemplo, a famlia existe em todas as sociedades, porm de formas diferentes. o que esse autor chama de paralelismo cultural, ou seja, estruturas semelhantes em culturas diferentes. Laraia (1996, p. 63) afirma que isso se explica pelo fato de que o pensamento humano est submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princpios [...] que controlam as manifestaes empricas de um dado grupo. Essas regras inconscientes manteriam determinadas estruturas em diferentes formaes sociais. Seria como afirmar que o ser humano tem uma unidade psquica e que em dados momentos aproxima os grupos pelas manifestaes empricas desse inconsciente.

Lvi-Strauss refere-se estrutura como a um sistema que reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento, as alteraes a que est sujeita, o rumo das transformaes provocadas por fatores externos cultura, e as previses de reao, quando alguma de suas partes for afetada.

Nos anos 60, uma nova forma de anlise delineada na antropologia, a partir do mtodo hermenutico, a interpretao. Clifford Geertz o principal representante dessa vertente que percebe a cultura como sistemas simblicos, uma teia de significaes. Para esse autor, cabe ao antroplogo fazer uma descrio densa na qual esteja contida a interpretao dos smbolos de determinada cultura na busca de significados construdos socialmente. Schwarcz (2001, s/p) explica que:

para Geertz o trabalho antropolgico sempre foi tarefa de corpo a corpo uma grande e complexa experincia de campo -, mas nem por isso menos severa. Revelar as singularidades de outros povos, examinar o alcance e a estrutura da experincia humana, a estavam dispostos os maiores trunfos dessa antropologia interpretativa, hermenutica para alguns, simblica ou criativa para outros.

Assim Geertz inaugura uma nova forma de fazer a etnografia, tomando a cultura como um texto que deve ser lido e interpretado, tanto por seus integrantes como pelo pesquisador.

Mais recentemente, a partir da dcada de 1980, observamos um movimento que tem atingido vrios campos do saber. Trata-se da crise dos paradigmas cientficos e o surgimento de novas propostas de anlise. Na Antropologia, as teorias ps-modernas tm sua expresso nos trabalhos de James Clifford e George Marcus. Para eles, a cultura um processo polissmico. A Antropologia passa a dar voz, em seu trabalho etnogrfico, a uma polifonia, exatamente, devido diversidade cultural. um movimento de crtica autoridade etnogrfica e seu texto clssico.

Saiba mais

No caso da Antropologia brasileira, segundo Marconi e Presotto (2001), somente no sculo XIX, com as expedies ao interior do pas, que a investigao ganha status cientfico. Antes desse perodo, as pesquisas tinham um carter descritivo e emprico, sem uma sistematizao dos dados registrados.

Nas primeiras dcadas do sculo XX, os estudos indgenas no Brasil interessaram mais aos europeus, especialmente os alemes. Alguns trabalhos de pesquisadores brasileiros se destacam nesse perodo, embora no parecesse interessante esse objeto de estudo para eles. Capistrano de Abreu, por exemplo, pesquisou e escreveu sobre os Kaxinau, e Roquete Pinto estudou os Pareci e Nambikuara.

Porm, dos anos 1930 em diante, desenvolvem-se trabalhos importantes na tentativa de compreender as vrias manifestaes da cultura brasileira. Temos Gilberto Freire com seu clssico Casa Grande & Senzala, Srgio Buarque de Holanda com Razes do Brasil e Caio Prado Jr. com Formao do Brasil contemporneo. Esses autores e trabalhos so referncias nos estudos antropolgicos brasileiros, exatamente por buscarem delinear os traos que definem nossa cultura. Ainda nesse perodo, criada a Universidade de So Paulo que conta, em seu quadro de professores, com nomes importantes das Cincias Sociais, como, por exemplo, Lvi-Strauss, que influencia fortemente a teoria antropolgica brasileira.

Atualmente, os trabalhos antropolgicos no Brasil so referncia mundial, principalmente por desenvolverem um conjunto terico especfico que se conforma com o seu objeto de estudo, uma sociedade multicultural. Destacam-se os trabalhos de Darcy Ribeiro, Carlos Rodrigues Brando, Ruth Cardoso, entre outros.

Esse pequeno delineamento histrico da cincia antropolgica teve por objetivo que voc se familiarizasse com as discusses sobre os diferentes mtodos construdos pelos mais variados estudiosos das sociedades e das diversas culturas. Porm, no objetivo da disciplina torn-lo um antroplogo, nem esgotar o tema da histria da antropologia, mas, sim, prepar-lo para lidar com a diversidade cultural na escola e, principalmente, no espao da sala de aula.

1.3 Relaes entre Antropologia e Educao

Gusmo (1997) entende que

na relao entre Antropologia e Educao abre-se um espao para debate, reflexo e interveno, que acolhe desde o contexto cultural da aprendizagem, os efeitos sobre a diferena cultural, racial, tnica e de gnero, at os sucessos e insucessos do sistema escolar em face de uma ordem social em mudana [...] em jogo, as singularidades, as particularidades das sociedades humanas, de seus diferentes grupos em face da universalidade do social e sua complexidade atravs dos tempos e, em particular, num mundo que se globaliza.

A Antropologia e seus pensadores estiveram, no passado e no presente, preocupados com o campo das diferenas e das prticas educativas. Existe, portanto, uma convergncia dos estudos da cultura, campo da antropologia, e dos estudos dos mecanismos educativos, campo da pedagogia, que permite que se fale em Antropologia da Educao. Assim, ambas estabelecem um dilogo do qual fazem parte o debate terico-metodolgico das pesquisas educativas, relacionadas s diferentes formas de vida que desafiam o conhecimento, principalmente nos dias atuais.

Em um movimento de tenso e de compreenso, que emerge o dilogo entre antropologia e educao, posto que ambas so devedoras cientficas do processo de imposio de uma cultura sobre outra, criado pelo colonialismo europeu, cujo objetivo era suprimir a alteridade em favor de uma vida cultural e uma pedagogia do tipo homogeneizadora e etnocntrica.

Saiba mais

O ponto comum desse dilogo o conceito de cultura que veremos detalhadamente na prxima aula, mas que, aqui, representa o aparato necessrio ao homem para viver a vida, diferenciar os mundos da cultura e da natureza, bem como construir um saber que envolve processos de aprendizagem e socializao. Poderamos citar uma srie de exemplos de diversidades sociais e vrias situaes pedaggicas que s seriam compreendidas se relativizadas.

A luta pelos interesses no mundo cultural afirma a existncia concreta dos diferentes grupos humanos que transitam na antropologia e na educao. Essa luta implicou uma srie de aspectos como a dominao, a espoliao, enfim, situaes que muitas vezes obstruram a produo cultural de vrios grupos, em favor de uma cultura hegemnica. Gusmo (1997) explica que

[...] a antropologia nasce de relaes historicamente constitudas entre os homens e, por sua natureza, busca compreender o outro diferente de si de seu mundo de origem, a Europa do sculo XIX dialogando com outras formas de conhecimento, tendo por base e pressuposto central o mundo da cultura, as relaes entre os homens e a construo do saber.

Essa autora afirma, tambm, que vivemos uma poca em que preciso resgatar e redimensionar o mundo das diferenas e da diversidade, o que exige renovar a viso de mundo e das coisas (GUSMO, 1997). Da a necessidade de aproximar esses dois campos do conhecimento para o avano dos debates sobre a diversidade cultural e suas implicaes para o processo de aprendizagem.

Poderamos ficar enumerando uma srie de pontos de contato entre a antropologia e a educao, mas, ao longo de todas as aulas, essa temtica ser recorrente e ir sendo melhor esclarecida. Mas, at aqui, voc j percebeu a importncia de se estabelecer um dilogo entre essas reas do conhecimento, se quisermos compreender melhor o ser humano em seu universo cultural e as dimenses do ensino.

Sntese da Unidade

Nesta unidade, voc observou que a Antropologia uma cincia relativamente nova, pois s se constituiu como disciplina acadmica e sistematizou um mtodo de anlise, no sculo XIX. Essa cincia se subdividiu em reas especficas, devido amplitude de seu objeto: o homem em suas dimenses social, cultural e biolgica.

Assim, temos a Antropologia Social, a Cultural e a Fsica ou Biolgica. Alm disso, voc pde conhecer os aspectos histricos e tericos dessa cincia que tem no evolucionismo social, no funcionalismo, no culturalismo e no estruturalismo suas expresses clssicas. Atualmente, as discusses tericas giram em torno da antropologia interpretativa e das teorias ps-modernas, embora se recorra muito aos clssicos. Mas o ponto fundamental desta aula foi a relao da antropologia com a educao. Aqui, voc percebeu que o conceito de cultura o ponto de interseco entre a Antropologia e a Educao.

UNIDADE 2: BASES CONCEITUAIS SOBRE A CULTURA E SUAS IMPLICAES PARA A EDUCAO

Esperamos que, ao final desta unidade, voc seja capaz de:

Identificar os conceitos de cultura a partir das teorias antropolgicas; Descrever as relaes entre cultura e educao.Pr-requisitos

Sugerimos, para um bom aproveitamento desta aula, que voc leia o livro O que cultura, de Jos Luiz dos Santos. Ele faz parte de uma coleo chamada Primeiros Passos, e um texto introdutrio que o auxiliar na compreenso do conceito de cultura, alm de outros temas como cultura e diversidade, cultura e relaes de poder entre outros.

Introduo

Voc j ouviu algum dizer Nossa! Fulano to culto ou Sicrano no tem um pingo de cultura? Essa uma maneira de pensar em cultura, comum a um grande nmero de pessoas. Cultura entendida dessa maneira refere-se ao nvel de conhecimento, sofisticao e educao que uma pessoa tem. Ser que quanto mais cultura tem os membros de uma sociedade, mais civilizada ela ? Ser que cultura s isso? O conceito de cultura bem mais complexo que uma simples hierarquizao entre cultos e incultos ou entre mais e menos civilizados.

O Antroplogo, quando usa esse conceito, o compreende como pea fundamental de seu estudo sobre um grupo humano qualquer. Alm disso, tal conceito contribui para a compreenso das diferenas culturais, fundamental, por exemplo, para voc, futuro professor, que lidar com elas o tempo todo no universo escolar.

2.1 O desenvolvimento do conceito de cultura

O termo cultura foi definido primeiramente por Edward Tylor (1832-1917), autor j mencionado anteriormente, quando discutimos a teoria evolucionista social. Segundo Laraia (1996, p. 25), Tylor compreende a cultura

[...] em seu amplo sentido etnogrfico, este todo complexo que inclui conhecimentos, crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hbitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.

Esse conceito de Tylor, elaborado em 1871, foi bastante inovador para sua poca e abarcava todas as possibilidades de realizao humana, enfatizando um carter de aprendizagem da cultura, em oposio aos determinismos biolgico e geogrfico que defendiam uma aquisio inata.

Saiba mais

Depois da sistematizao elaborada por ele, vrios antroplogos tambm contriburam para uma ampliao do conceito de cultura. Porm, no existe uma definio nica, muito menos um consenso, pois os conceitos esto inseridos na dinmica social e, quando ela se modifica, eles tambm se alteram. Como afirma Marconi e Presotto (2001, p. 42) afirma quedesde o final do sculo passado (XIX) os antroplogos vm elaborando inmeros conceitos sobre a cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160 definies, ainda no chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo (grifo nosso).

Dessa forma, voc pode perceber a complexidade desse conceito e a importncia de situ-lo frente s principais teorias antropolgicas, para que se tenha uma compreenso mais ampla e mais consistente. o que faremos a seguir.

Tylor um antroplogo do evolucionismo social. Ele busca apoio para seu mtodo de anlise nas cincias da natureza e, portanto, acredita que a cultura pode ser um objeto de estudo sistemtico, pois trata-se de um fenmeno natural que possui causas e regularidades (LARAIA, 1996, p. 30). Esse autor estava preocupado com a formulao de leis que explicassem as vrias culturas, ou seja, seu objetivo eram as generalizaes. Como esse era o ponto importante de seu estudo, a diversidade cultural passava despercebida, explicada como parte da desigualdade de estgios em que se encontravam as vrias formaes sociais. Importava a uniformidade cultural, na qual todos alcanariam o ltimo e mais evoludo dos estgios, e no a diversidade.

No entanto no podemos deixar de destacar os mritos do pensamento de Tylor; entre eles, a definio de cultura como entendemos atualmente e a crtica aos relatos dos viajantes, quando classificava e analisava as culturas, j iniciando uma crtica aos tericos de gabinete.

Outra definio que queremos apresentar do conceito de cultura a de Franz Boas em 1938, tambm j mencionado anteriormente e adepto do mtodo comparativo. Segundo Marconi e Presotto (2001, p. 43), Boas define cultura como a totalidade das reaes e atividades mentais e fsicas que caracterizam o comportamento dos indivduos que compem um grupo social.

Boas critica o evolucionismo por usar o mtodo comparativo de forma equivocada e simplista, propondo que se comparem os resultados obtidos pelos estudos histricos das culturas simples e da compreenso dos efeitos das condies psicolgicas e dos meios ambientes (LARAIA, 1996, p. 36). Para ele, so as pesquisas histricas que auxiliam o antroplogo a descobrir a origem de determinado trao cultural e compreender como ele se situa em uma formao cultural.

Observe como o conceito de cultura de Boas amplia o de Tylor, na medida em que se volta para a totalidade de um grupo social em seu contexto histrico especfico. Assim no percebemos as formaes sociais distribudas em uma linha unilinear, mas cada uma em sua particularidade histrica.

Vejamos agora o que significa cultura para Malinowski, que definiu esse termo em 1944: o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas constitucionais para os vrios agrupamentos sociais, de ideias e ofcios humanos, de crenas e costumes (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 43).

Lembrando-se da unidade anterior, Malinowski era um antroplogo funcionalista. Cada cultura, para ele, um sistema integrado de relaes, no qual, cada aspecto desempenha uma funcionalidade, ou seja, nada ocorre por acaso ou est errado e fora do lugar. Vejamos um exemplo dado por DaMatta (1997, p. 102) sobre o funcionalismo de Malinowski.

Se carruagens foram usadas antigamente e so usadas hoje em dia, isso no ocorre porque elas so traos que sobraram dos bons tempos antigos [...] as carroas a cavalo tm, pois, uma funo (um papel) a cumprir e esse papel o de lembrar ou sinalizar para o passado [...] porque ela nos remete, por contraste, a uma faceta do mundo urbano, onde a velocidade tornou-se perturbadora. Esse [...] o significado social da carruagem.

Observe como o exemplo se adqua ao conceito de cultura de Malinowski. O todo global consistente, em que nada se perde. S para diferenciar, se analisssemos o exemplo anterior, na lgica evolucionista, diramos que as carruagens deveriam ser logo substitudas pelos modernos carros da sociedade atual, pois ela um resqucio de sociedades menos evoludas que nada tm a ver com nossa civilizao. No entanto ela importante para a compreenso funcionalista de cultura, pois sua sobrevivncia desempenha uma funo social importante nessa mesma sociedade civilizada.

Avanando um pouco, Ruoso (2004) cita que Lvi-Strauss define a cultura como um sistema de smbolos

[...] onde todas as coisas esto relacionadas de forma que a alterao de um desses elementos resultaria na alterao de todo o sistema. O que h de comum em todos esses sistemas presentes em diferentes culturas a estrutura.

A proposta de Lvi-Strauss com o estruturalismo mapear aquilo que h em comum a qualquer cultura, como uma estrutura fundamental da prpria condio humana. Para Laraia (1996), esse antroplogo elabora uma nova teoria da unidade psquica da humanidade por tentar compreender os princpios mentais que engendram a cultura.

Levi-Strauss afirma que a cultura se iniciou quando o homem convencionou a primeira regra: a proibio do incesto. Esse um padro de comportamento comum a todas as sociedades humanas - a questo da unidade psquica que gerou uma srie de estruturas dentro dos sistemas simblicos das culturas, por exemplo, o matrimnio.

Temos ainda a definio de cultura proposta por Geertz em sua antropologia interpretativa. Para esse autor, a cultura no deve ser tomada como [...] um complexo de comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, planos, receitas, regras, instrues (que os tcnicos de computadores chamam de programa) para governar o comportamento (GEERTZ citado por LARAIA, 1996, p. 63).

Dessa forma, seria como se todos os homens fossem geneticamente aptos para receber um programa que o que chamamos de cultura, por exemplo, uma criana est preparada para ser socializada em qualquer cultura, porm ser programada por um contexto real onde crescer. Temos um equipamento para viver mil vidas, mas vivemos apenas uma.

Para Geertz, e veja como ele avana em relao ao estruturalismo de Levi-Strauss, uma cultura no determinada por uma unidade psquica humana, pois assim estaramos admitindo que os significados esto na mente dos indivduos apenas, sem serem partilhados. Os atores do sistema cultural partilham smbolos e significados entre eles, estudar a cultura , portanto, estudar um cdigo de smbolos partilhados pelos membros dessa cultura (LARAIA, 1996, p. 64).

Esse delineamento terico do conceito de cultura fundamental para que voc possa situar-se criticamente sobre esse termo to complexo. Isso o ajudar a compreender as suas implicaes para a educao.

2.2 Cultura e educao

Agora que voc j tem uma idia do que cultura, a partir do desenvolvimento desse conceito descrito anteriormente, precisa compreender as relaes existentes entre ela e a educao.

O antroplogo Carlos Rodrigues Brando (1995, p. 11) explica que

a educao , como outras, uma frao do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenes de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educao [...] entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os cdigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religio, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos [...] e desde onde ajuda a explicar de gerao em gerao, a necessidade da existncia de sua ordem.

A educao, portanto, uma inveno humana e faz parte da cultura de cada grupo humano. Ela desempenha um papel fundamental na socializao dos membros de uma sociedade, e varia de uma para outra. Como a cultura pressupe um aprendizado do modo de vida dos grupos sociais, eis a sua mais importante relao com a educao. Por isso, no podemos falar de uma nica educao, mas de educaes, da mesma forma que no podemos falar de uma cultura nica.

Saiba mais

Assim, no cotidiano dos diferentes grupos humanos, seja em uma tribo indgena ou numa metrpole, todas as situaes entre pessoas, e entre pessoas e a natureza, mediadas pelas regras, smbolos e valores da cultura do grupo, tm em menor ou maior escala a sua dimenso pedaggica (BRANDO, 1995, p. 20). Todos os que convivem no grupo, aprendem, seja da sabedoria dos seus integrantes, seja da norma dos seus costumes, o saber que os torna aptos, pessoalmente e socialmente, para a convivncia social, para o trabalho, para a guerra, para o amor.

Esse autor destaca outro aspecto importante nessa relao da cultura com a educao. Trata-se do processo de endoculturao, por meio do qual um grupo socializa, em sua cultura, seus membros como sujeitos sociais. Todo o conhecimento que existe em uma cultura e que adquirido pela experincia pessoal com o mundo e com os outros membros dela, tudo o que se aprende independente de como se aprende, faz parte desse processo, e a educao o seu campo mais importante.

Quando uma me corrige seu filho para que fale corretamente a lngua do grupo, ou quando explica filha as regras sociais para ser mulher, ou quando o pai ensina o filho a fazer uma flecha, ou quando os guerreiros saem com os mais novos para ensin-los a caar, a educao aparece como resultado de formas sociais de conduo e controle nesse processo de ensinar e aprender.

At aqui falamos do ensino informal, aquele que no est restrito a um lugar especfico nem a um corpo tcnico especializado que aplica as teorias educacionais e no qual o espao educacional no o escolar. Ele se refere ao saber da comunidade, quilo que todos conhecem de alguma maneira e que envolve situaes pedaggicas interpessoais familiares e comunitrias, porm destitudas de tcnicas pedaggicas escolares.

Mas as sociedades se complexificam e a cultura se transforma e, mesmo as mais primitivas, acabam desenvolvendo hierarquias que passam a distribuir desigualmente o conhecimento. Isso pode vir a reforar as diferenas, ao contrrio do saber anterior, que afirmava a comunidade. o comeo da separao entre os que sabem e os que fazem, os que planejam e os que executam. o momento em que a educao se transforma em ensino e inventa a pedagogia, a teoria da educao. Mas, o que isso significa? Brando (1995, p. 28) explica que

significa que, para alm do saber comum de todas as pessoas do grupo e transmitido entre todos livre e pessoalmente, para alm do saber dividido dentro do grupo entre categorias naturais de pessoas (homens e mulheres, crianas, jovens, adultos e velhos) e transferido de uns aos outros segundo suas linhas de sexo e idade, por exemplo, emergem tipos e graus de saber que correspondem desigualmente a diferentes categorias de sujeitos (o rei, o sacerdote, o guerreiro, o professor, o lavrador), de acordo com a sua posio social no sistema poltico de relaes do grupo.

Significa, tambm, o surgimento do ensino formal, momento em que a educao se sujeita pedagogia e passa ao espao escolar, estabelece suas regras e tempos, produz seus mtodos e constitui seus especialistas que cumpriro uma misso: ensinar. Aparecem, nesse cenrio, a escola, o aluno e o professor. Novas relaes se estabelecem com a cultura.

A cultura de uma sociedade rene significados comuns aos diversos grupos que pertencem a ela, ou seja, existe uma unidade cultural. Porm, essa cultura geral no se restringe ao conjunto das subculturas dessa mesma sociedade. As pessoas vivem as culturas de seus grupos, as subculturas, que tambm esto imbudas dos significados comuns sociedade, mas elas no conseguem experimentar toda a cultura dessa sociedade.

Com o aumento da diviso social do trabalho, ocorre o distanciamento dos indivduos e grupos, adaptando-os cada vez mais sua prpria cultura e diminuindo a experincia das outras culturas. Ela diferencia as atividades distribuindo-as entre os indivduos ou grupos em sociedade. Alm disso, reparte as profisses entre as classes sociais diferentes.

Na sociedade moderna e industrial, a diviso social do trabalho encaminha os indivduos s atividades que lhes foram atribudas, conformando-os s suas culturas especficas ou subculturas e tornando-os inexperientes em outras. Portanto, na sociedade industrial, indivduos ignoram indivduos e grupos ignoram grupos, apesar de existir uma cultura geral (VIEIRA, 1996).

Como a educao prende-se s culturas produzidas pelas sociedades, a escola, na sociedade industrial, retrata muito bem a situao delineada anteriormente. Nela, quase sempre se valoriza aquilo que se desvaloriza na casa do aluno e vice-versa. Nela, valoriza-se a cultura geral, em detrimento das subculturas. Tanto os professores quanto os alunos expressam essa cultura geral por meio de suas culturas especficas, ou seja, vem a sociedade a partir da cultura dos seus grupos e tm posio particular na interpretao da cultura geral.

Os professores no experimentam toda a cultura geral e, dessa forma, no so superiores s culturas de seus alunos. O simples fato de exercerem a docncia no lhes confere a superioridade inata de sua cultura especfica sobre as dos alunos. O respeito pluralidade das culturas nascidas na sociedade e a rejeio ao apego exagerado a determinada cultura condio essencial ao exerccio da atividade docente.

Importante, at esse momento, que voc tenha compreendido que a relao da cultura com a educao se d nos processos de socializao e endoculturao, pois a cultura pressupe um aprendizado, que nos vrios momentos da histria da educao, se d de formas diferenciadas. Hoje, temos, alm dos conhecimentos, das normas e regras sociais que so apreendidos no convvio familiar e comunitrio, a educao escolar com uma cultura prpria, a cultura escolar, na qual tambm se desenvolvem saberes e comportamentos especficos, e, ainda, se evidencia a construo de ritos e rituais que a definem, alm das prticas que a constituem. Mas esse um tema que veremos mais adiante, na aula quatro.

Sntese da unidade

Nesta aula, voc conheceu o conceito de cultura e o seu desenvolvimento histrico nas principais teorias antropolgicas como o evolucionismo, o funcionalismo, o estruturalismo e a antropologia da interpretao. Tambm compreendeu as relaes entre a cultura e a educao informal e escolar. Observou a importncia dos conceitos de socializao e endoculturao como norteadores dessa compreenso. Certamente percebeu a importncia de um olhar antropolgico para observar as diferentes subculturas que convivem no espao escolar e ter uma conduta de respeito a essa pluralidade cultural que nos rodeia.

UNIDADE 3: MULTICULTURALISMO E IMPLICAES EDUCATIVAS

Esperamos que, ao final desta unidade, voc seja capaz de:

Conhecer a perspectiva multicultural da sociedade; Compreender as relaes entre multiculturalismo e educao.Pr-requisitos

Para que voc tenha um bom entendimento desta aula, importante retomar as discusses sobre cultura e educao da aula dois. Tambm sugerimos que leia o texto Multiculturalismo e currculo em ao: um estudo de caso, disponvel no stio . Nele, voc encontrar a definio de multiculturalismo e uma importante etnografia de uma prtica pedaggica multicultural e crtica.

Introduo

No ocidente moderno, consideramos crianas de doze ou treze anos de idade, muito novas para se casarem, porm, em algumas culturas, casamentos entre crianas dessa idade so vistos como algo natural. Os judeus no comem carne de porco, e os indianos no comem carne de vaca. No ocidente, comemos ostra, por exemplo, mas no comemos gatinhos ou ces de estimao; no entanto, ambos so considerados iguarias no mercado chins. Esses diversos traos de comportamento, segundo Giddens (2005, p. 40), so aspectos de amplas diferenas culturais que distinguem as sociedades umas das outras.

As sociedades mais simples tendem a ser monoculturais, ou seja, culturalmente mais uniformes. O Japo, embora sendo uma sociedade moderna e industrializada, tem-se mantido bastante monocultural. No entanto a tendncia, em sociedades mais complexas, tornarem-se cada vez mais diversas culturalmente ou multiculturais. Essa perspectiva tem ampliado o debate sobre o diferente e trazido discusso novos conceitos como o de multiculturalismo que veremos a seguir.

3.1 O que multiculturalismo?

O multiculturalismo ou pluralismo cultural, como correntemente conhecemos, significa a existncia de muitas culturas em uma localidade ou territrio. Segundo Ferreira Silva (2003), o termo multiculturalismo originou-se das lutas contra o racismo, empreendidas pelos negros norte-americanos e, durante um bom tempo, parecia ser especfico dos problemas desse pas. Porm, com a intensificao da migrao, esse tema passou a fazer parte das preocupaes de diversos pases.

Giddens (2005) afirma que, no Reino Unido, a diversidade tnica vem aumentando nos ltimos anos e os grupos tnicos minoritrios j representam 6% de toda a populao britnica. Alm disso, a maioria dos membros desses grupos nascida l, por exemplo, 96% dos indianos que tm at dezesseis anos, so cidados britnicos. Essa uma tendncia mundial.

No caso do Brasil, a situao bastante acentuada, pois a pluralidade cultural aqui uma caracterstica e no um fato recente. Alm das etnias que contriburam para a constituio da nossa maneira de ser, temos as migraes que continuam acontecendo e enriquecendo nosso contexto.

Resgatar a trajetria histrica do termo multiculturalismo, segundo Ferreira Silva (2003, p. 18), significa retomar os clssicos, entre eles, Tocqueville (1805-1859), que

[...] lanou as bases para a compreenso do pluralismo cultural e poltico presente na formao da sociedade norte-americana. [...] ofereceu um panorama dessa configurao social a partir da diversidade caracterstica dos imigrantes que povoaram o territrio norte-americano e [...] na complexificao desse mosaico representado pela imigrao branca, acrescentam-se as populaes negras escravizadas e as populaes indgenas.

Quando Toqueville destacou o pluralismo na sociedade americana, estava teorizando sobre o processo de democratizao na Amrica. Embora, na poca, o sentimento fosse de reconhecimento dessa pluralidade cultural, isso no impediu a constituio de uma nao que segregou e perseguiu o diferente. Vrios grupos indgenas foram exterminados, e os negros, lanados em guetos.

Burity (2001) afirma que falar de multiculturalismo falar do manejo das diferenas em nossas sociedades. Porm no se trata apenas de um discurso em defesa da diversidade na sociedade contempornea, mas de uma srie de pontos fundamentais ligados entre si e que se apresentam conflituosos. Vamos ver esses pontos:

a) o reconhecimento da no homogeneidade tnica e cultural dessas sociedades contemporneas;

b) o reconhecimento da no integrao dos grupos que carregam e defendem as diferenas tnicas e culturais em relao matriz dominante, aps o fracasso das polticas assimilacionistas e diferencialistas;

c) a mobilizao dos prprios recursos polticos e ideolgicos da tradio dominante nos pases ocidentais liberalismo- contra os efeitos dessa no integrao;

d) a demanda por incluso e pluralidade de esferas de valor e prticas institucionais, para a reparao de excluses histricas;

e) a demanda por reorientao das polticas pblicas, para assegurar a diversidade/pluralidade de grupos minoritrios.

Como voc pde observar, diversas nfases podem ser dadas ao termo multiculturalismo, porm somente quando esses pontos conflituosos forem longamente discutidos por vrios segmentos da sociedade que poderemos perceb-lo no mais como um discurso, mas como uma prtica de reconhecimento de formas culturais e de sua representao na cultura nacional.

Os pontos levantados anteriormente demonstram a impossibilidade de se falar em um nico modelo de multiculturalismo. Silva (1999, p. 86-87) nos fala da existncia do multiculturalismo liberal humanista e do crtico. No primeiro, as diferenas culturais seriam apenas a manifestao superficial de caractersticas humanas mais profundas assim, os diferentes grupos culturais se tornariam igualados por sua humanidade comum. Em nome dessa humanidade comum que esse tipo de multiculturalismo prega o respeito, a convivncia pacfica entre as diversas culturas e a tolerncia. No segundo, no entanto, as diferenas culturais no se separam de relaes de poder, no apenas a diferena que resultado de relaes de poder, mas a prpria definio de humano. Esses dois tipos de multiculturalismo e suas implicaes em relao educao so temas que veremos mais adiante.

Para concluir, Canen e Oliveira (2002) explicam que o multiculturalismo um campo terico e poltico que tem sido bastante discutido atualmente. Principalmente depois do fracasso do projeto da modernidade, voltado para uma homogeneizao cultural natural da humanidade e ideia de acmulo do conhecimento rumo ao progresso. Segundo elas,

o projeto multicultural, por sua vez, insere-se em uma viso ps-moderna de sociedade, em que a diversidade, a descontinuidade e a diferena so percebidas como categorias centrais. Da mesma forma, contrapondo-se percepo moderna e iluminista da identidade como uma essncia estvel e fixa, o multiculturalismo percebe-a como descentrada, mltipla e em processo permanente de construo e reconstruo (CANEN; OLIVEIRA, 2002).

necessrio, portanto, perceber a sociedade constituda por identidades plurais, derivadas das diferenas de gnero, raas, padres culturais e lingsticos, classes sociais, habilidades e outros marcadores identitrios e questionar a construo dessas diferenas, dos preconceitos, dos esteretipos contra aqueles percebidos como diferentes em sociedades excludentes como a nossa. Essa uma perspectiva do multiculturalismo, sobretudo em sua vertente mais crtica, e que j se delineia com outra terminologia, a perspectiva intercultural, que veremos na unidade seis.

3.2 Multiculturalismo e Educao

Muito j se tem discutido sobre as relaes da educao com a perspectiva multiculturalista, e uma srie de posies tericas surgiram a partir dessas discusses.

Porm a questo que se coloca como utilizar tais teorias para construir uma educao multicultural? Vejamos.

O multiculturalismo liberal humanista, citado anteriormente, afirma a existncia de uma igualdade entre todas as pessoas, que conquistada por meio de oportunidades sociais e educacionais, de modo que todos possam competir igualmente pelas oportunidades na sociedade capitalista. Bastaria, ento, que a educao multicultural, nessa perspectiva, ensinasse a tolerncia, o respeito ao diferente. Silva (1999, p. 88) afirma que, apesar de seu impulso aparentemente generoso, a idia de tolerncia, por exemplo, implica tambm uma certa superioridade por parte de quem mostra tolerncia. Por outro lado, a noo de respeito implica um certo essencialismo cultural, pelo qual as diferenas culturais so vistas como fixas, como j definitivamente estabelecidas, restando apenas respeit-las.

O problema est no fato de que esse multiculturalismo tem um carter conservador e v o negro, por exemplo, aos ps da escada da civilizao, e as outras etnias, menos a branca, com uma bagagem cultural inferior. preciso nivelar esses grupos, construindo uma cultura comum e reduzindo a ideia de diversidade ao acrscimo dos grupos tnicos cultura dominante.

Uma educao multicultural nesses moldes apenas percebe a existncia da diversidade cultural, mas anula o conflito e as contradies existentes entre os vrios grupos tnicos.

Como um contraponto a essa noo de educao multicultural, temos a perspectiva crtica, que salienta a preocupao tanto de professores como de alunos em modificar as situaes sociais e culturais, bem como os aspectos ideolgicos que provocam a discriminao. Nela, os conflitos so aceitos e surgem das interrelaes humanas como um elemento motivador e provocador. Mais uma vez, Ferreira Silva (2003, p. 36) nos esclarece que

nessa concepo se estabelece o reconhecimento das diferenas na igualdade sem mascarar os conflitos que surgem do contato entre culturas, porm apontando o dilogo como possibilidade de convivncia entre as culturas [...] no se considera uma cultura superior a outra, mas diferentes entre si.

A diferena, nesse modelo crtico, percebida como um produto histrico e as questes especficas relacionadas etnia, gnero, classe e outros marcadores identitrios so vistas como resultado das lutas sociais mais amplas. Uma educao inspirada nessa concepo no se limita a ensinar a tolerncia e o respeito, mas se volta para a anlise dos processos pelos quais as diferenas so produzidas, o que significa dizer que elas, mais que toleradas ou respeitadas, so colocadas sempre em questo.

Adotar essa orientao na educao e na formao de professores em uma sociedade multicultural, segundo Canen e Oliveira (2002), incorporar, aos discursos curriculares, uma postura que no essencialize as identidades, mas que as perceba como altamente mutantes, em permanente transformao. Tal desafio refere-se implementao de prticas pedaggicas multiculturais, comprometidas com o questionamento da construo das diferenas.

Aqui vale ressaltar a crtica feita por Trindade (2003, p. 13) sobre a educao multicultural quando afirma que

[...] trabalhar com o multiculturalismo na escola no apenas colocar imagens de todas as etnias que compem nossa escola no mural, festejar o Dia do ndio, o Dia Nacional da Conscincia Negra. No apenas debater o sistema de cotas e outras aes afirmativas. Nem ter a imagem de uma virgem negra como padroeira do Brasil. Tampouco ter o atleta do sculo como cone nacional quando o que se conta o dinheiro e no a cor da pele.

Trabalhar o multiculturalismo na escola implica, segundo ela, uma educao inclusiva, crtica e criativa que inclua na pauta a diferena, o contato, o dilogo. Significa colocar a prpria escola em questionamento sobre o seu papel. Principalmente no caso brasileiro, pois uma prtica docente que seja voltada para a diversidade tnica e cultural da nossa populao, que, ao longo da histria do Brasil, vem sendo alijada dos direitos civis, sociais e humanos, precisa ter como palavras-chave o dilogo, o estudo, a criao, o amor e o compromisso com a transformao e a construo.

essencial se perguntar: o que ns como educadores faremos? Como sero e devero ser nossas aulas? Como nosso currculo se configurar? O que a autora nos remete a pensar que no haver uma frmula nica para lidar com a sociedade multicultural na escola. Cada contexto, cada realidade exigir do educador posturas que privilegiem a autonomia, o contato, o dilogo e o movimento. H que se questionar at mesmo a disposio das disciplinas como a histria, a fsica, a psicologia entre outras, na discusso das diferenas na sociedade contempornea. Resumindo, tudo est por se fazer.

Sntese da Unidade

Nesta aula, voc entrou em contato com o conceito de multiculturalismo e observou que ele se refere, em seu sentido amplo, presena de vrias culturas em uma mesma localidade. Porm ele representa tambm um campo terico e poltico de reflexo. Duas dimenses se destacam quando falamos em multiculturalismo: a conservadora e a crtica. Na primeira, uma educao multicultural deve ensinar a tolerncia e o respeito sem se preocupar com o conflito provocado pelos contatos dos diferentes grupos tnicos. A segunda, prope uma educao que perceba as diferenas como histricas e, portanto, construdas por ns.

UNIDADE 4: A CULTURA DA ESCOLA RITOS, RITUAIS E PRTICAS ESCOLARES

Esperamos que, ao final desta unidade, voc seja capaz de:

Compreender a cultura escolar nos seus diferentes aspectos;

Reconhecer as prticas culturais na escola e suas implicaes para a educao.

Pr-requisitos

Para um bom entendimento desta aula, voc precisa retornar unidade dois e reler o tpico que discute as relaes da cultura com a educao e o surgimento da escola. Sugerimos, tambm, que voc leia o texto Cultura escolar: quadro conceitual e possibilidades de pesquisa, que ser utilizado como referncia nesta unidade. Nele, voc encontrar o desenvolvimento do conceito de cultura escolar, bem como a indicao dos campos de pesquisa nessa rea.

Introduo

Folheando a revista Por um Triz: cultura e educao, encontramos um relato bastante ilustrativo de nossa aula. Com o nome Alteraes na rotina, o texto aborda a implantao dos cantos-atividade e do caf-da-manh de uma creche em So Paulo. Antes da implantao, a entrada das crianas era bastante tumultuada, pois a educadora ficava recepcionando os pais, enquanto elas ficavam ociosas no parque. O caf-da-manh no oferecia s crianas autonomia na escolha, pois elas dependiam dos adultos para servir-se. No havia organizao apropriada do espao nem troca de afetividade. Imagine a baguna! Depois da implantao, a porta de entrada fica aberta e as educadoras esperam suas crianas nas salas com os cantos-atividade, nos quais so colocados brinquedos e jogos aos quais elas tm livre acesso e livre escolha para brincar, e fazem isso at a hora do caf. Nele, foi implantado um sistema de self-service, com mais de uma opo de alimentos para as crianas. Como o refeitrio tambm uma sala de aula, as educadoras fazem um revezamento de turmas para no prejudicar a rotina das atividades em cada sala. Mas e o que isso tem a ver com cultura escolar? Tudo, pois ela pode ser entendida como um conjunto de prticas, normas, ideias e procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano escolar (FRAGO citado por SILVA, 2006). Exatamente ao que se refere o relato. Vamos nos aprofundar mais nessa definio?

4.1 A Cultura da Escola e suas Especificidades

Embora a escola j seja objeto de estudos de vrias reas do conhecimento, por exemplo, da histria, da sociologia e da poltica entre outras, os estudos sobre a cultura da escola so bastante recentes. Preocupados em penetrar o cotidiano do universo escolar e conhecer seus fazeres ordinrios, entendendo-a como produtora de uma cultura prpria e original, alguns autores, desde os anos 90, vm desenvolvendo trabalhos importantes para a compreenso desse espao de vivncias.

Entre eles, Andr Chervel que, ao estudar as disciplinas escolares, destacou a singularidade e originalidade da cultura escolar. Tal estudo revelou, tambm, o duplo papel social da escola: alm de formar os indivduos, criar uma cultura que vem por sua vez penetrar, moldar, modificar a cultura da sociedade global (CHEVEL citado por VIDAL, 2005, p. 8). Para ele, a origem e a difuso da cultura escolar s se do no espao da escola. Da a sua originalidade.

Outro autor, Forquin (1993, p. 167), ao desenvolver estudos sobre como a escola e a sociedade selecionam elementos da cultura para transmiti-los aos indivduos, explica que

[...] a escola tambm um mundo social, que tem suas caractersticas de vida prprias, seus ritmos e seus ritos, sua linguagem, seu imaginrio, seus modos prprios de regulao e transgresso, seu regime prprio de produo e de gesto de smbolos.

Assim como Chevel, esse autor v a escola como uma instituio que possui uma cultura prpria, tecida por seus atores principais, professores, alunos, familiares e gestores que constroem os discursos e as prticas que a definem.

Frago, autor citado na introduo desta aula, tambm um dos estudiosos da cultura da escola e ressalta a importncia dos estudos sobre o espao e o tempo escolares e a alfabetizao como parte dessa cultura e como conformadores de aspectos cognitivos e motores dos sujeitos sociais (VIDAL, 2005, p. 5). Frago citado por Silva (2006, s/p), v no conceito de cultura escolar

[...] modos de pensar e atuar que proporcionam a seus componentes estratgias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas como fora delas no resto do recinto escolar e no mundo acadmico e integrar-se na vida cotidiana das mesmas. [...] esses modos de fazer e de pensar mentalidades, atitudes, rituais, mitos, discursos, aes amplamente compartilhados, assumidos, no postos em questo e interiorizados, servem a uns e a outros para desempenhar suas tarefas dirias, entender o mundo acadmico educativo e fazer frente tanto s mudanas ou reformas como s exigncias de outros membros da instituio, de outros grupos e, em especial, dos reformadores, gestores e inspetores.

Assim os indivduos e suas prticas so fundamentais para que possamos compreender a cultura escolar e perceber como a cultura, de uma maneira geral, est presente nas aes no cotidiano da escola, seja quando ela influencia os sistemas curriculares ou quando cria ritos e linguagens prprios desse espao.

Por fim, temos Dominique Julia citado por Silva (2006), que entende a cultura escolar como conjunto de normas e regras. Esse conceito evidencia, para ele, que a escola no apenas um lugar de transmisso de conhecimentos, mas principalmente um lugar de inculcao de comportamentos e habitus (JULIA citado por SILVA, 2006, s/p). Silva (2006, s/p) complementa dizendo que

seja cultura escolar ou cultura da escola, esses conceitos acabam evidenciando praticamente a mesma coisa, isto , a escola uma instituio da sociedade, que possui suas formas prprias de ao e de razo, construdas no decorrer da sua histria, tomando por base os confrontos e conflitos oriundos do choque entre as determinaes externas a ela e as suas tradies, as quais se refletem na sua organizao e gesto, nas suas prticas mais elementares e cotidianas, nas salas de aula e nos ptios e corredores, em todo e qualquer tempo, segmentado, fracionado ou no.

Os enfoques desses autores, embora diferenciados, revelam a importncia do estudo das prticas escolares como culturais. O conceito que est subjacente em toda a sua discusso o conceito antropolgico de cultura, pois a escola um espao no qual circula uma srie de smbolos e significados compartilhados por vrios atores e em constante movimento de ressignificao. Mas, como podemos compreender a cultura da escola? Atravs do estudo dos seus ritos e rituais, das prticas, discursos e linguagens, dos fazeres ordinrios e cotidianos. Vamos, agora, por meio de alguns relatos, observar esses aspectos.

4.2 Cultura Escolar e Prticas Escolares

Vidal (2005, p. 16) afirma que

[...] cadernos, provas escolares, dirios de classe, cartazes, quadros, [...] formato de quadro-negros, ardsias ou lousas individuais, faixas, barras; bem como a associao do papel a outros materiais como tecido, plstico e sucata. Emerge como relevante a referncia aos vrios objetos da escrita como giz, lpis, caneta, giz de cera, lpis de cor, canetas coloridas. Esses objetos culturais e muitos outros, individuais e coletivos, necessrios ao funcionamento da aula, trazem as marcas da modelao das prticas escolares, quando observados na sua regularidade. Mas portam ndices das subverses cotidianas a esse arsenal modelar, quando percebidos em sua diferena.

Tais ndices de subverso so percebidos nas vrias formas inventivas com que os usurios se apropriam dos objetos culturais e nas mudanas que imprimem nas prticas escolares. Outras fontes, como fotos, autobiografias, histria oral, podem contribuir na compreenso desses fazeres e da constituio de corporeidades nos sujeitos da escola (VIDAL, 2005, p.17). Vamos ver um relato de Garcia (1999, p. 56-9) sobre o cotidiano e as prticas culturais escolares.

Um dia, Mercedes chegou escola e encontrou uma de suas alunas, a Rosinha, acocorada no cho e chorando. Abaixou-se para perguntar menina por que chorava e Rosinha lhe contou que [...] seu av lhe dera um cachorrinho e que a me no lhe permitira levar para a escola. [...] As duas entraram juntas na sala de aula e, logo, logo, Mercedes ps em discusso o problema de Rosinha, sugerindo que pensassem juntos o que poderia ser feito. [...] Depois de muita argumentao e contra argumentao acabaram chegando a um consenso. As crianas iriam em comisso perguntar se a diretora permitiria a presena de um cachorro na escola, e, se ela permitisse, iriam escrever para a me de Rosinha dizendo que todos se responsabilizariam pelo cachorrinho.[...] A diretora, apesar de relutante, acabou cedendo, com algumas condies no poderia aparecer sujeira de cachorro. [...] medida que se sentiu compreendida e ajudada, Rosinha parou de chorar e sua expresso de tristeza desapareceu de seu rosto, fazendo reaparecer o brilho de seus olhos cor de mel. Ao voltarem para a sala de aula, a professora props que fizessem juntos uma carta para a me de Rosinha. E assim fizeram. A carta ficou imensa, pois todos queriam participar.[...] medida que a carta ia sendo escrita, as crianas a liam, ainda que no soubessem ler como a escola exige. [...] Uma das crianas quis fazer um desenho na prpria carta e o fez. [...] Quando tudo parecia acabado, algum lembrou que carta precisa de envelope. Mercedes ento ensinou como se pode fazer um envelope, com papel, tesoura, cola e rgua. [...]mas era preciso ensinar o que uma rgua, para que serve e como se usa. Mercedes o fez e as crianas foram aprendendo a ler uma rgua. [...] logo elas estavam querendo medir a mesa, o tamanho dos ps, a janela, a porta; tudo o que viam queriam medir. [...] No dia seguinte as crianas chegaram cedo para fazer o envelope. [...] Alguns envelopes ficaram tortos, outros lambuzados, outros ficaram muito pequenos para caber a carta. Finalmente escolheram o envelope que lhes pareceu o mais bem feito e no qual coubesse a carta.

H uma riqueza de detalhes que o relato nos revela sobre o que foi discutido at aqui, nesta aula. O espao da sala de aula, lugar privilegiado da transmisso de conhecimentos, se transformou num espao de vivncias que proporcionou tanto situaes de aprendizagem como de construo de valores e responsabilidades. Uma srie de situaes culturais foi sendo criada medida que as prticas iam sendo desenvolvidas, por intermdio de aes altamente compartilhadas.

Vrios atores se envolveram, os alunos, a professora, a diretora, os familiares, dando significado aos fazeres, medida que aprendiam a participao e a organizao, o respeito pela palavra do outro e a lutar pelo direito palavra, a argumentar, a persuadir, a fazer alianas, a criar estratgias para enfrentar problemas (GARCIA, 1999, p. 60).

Estamos diante do que afirmava Frago citado por Silva (2006), j citado anteriormente, sobre a cultura da escola como modos de pensar e atuar que proporcionam aos seus componentes estratgias e pautas para desenvolver-se tanto nas aulas como fora delas e integrar-se na vida cotidiana das mesmas.

Assim como a cultura de um grupo social ou uma sociedade que, por meio de suas prticas, cria ritos e rituais, a cultura da escola, da mesma forma, tambm produz os seus. Como exemplos de ritos sociais, temos o casamento, o baile de debutantes, o ch de panela, a corrida de toras entre os KraH . Como exemplos de rituais na escola, temos o conselho de classe, o planejamento, o recreio, entre outros. Vejamos o ritual do conselho de classe.

Saiba mais

Os Conselhos de Classe so reunies, normalmente bimestrais, entre professores, coordenadores e diretores de escolas, tanto pblicas quanto privadas, para definir a situao dos alunos frente s avaliaes. Normalmente, tm data estabelecida para acontecer e no h aulas nesse dia, pois os alunos no podem participar. Cada professor leva o seu dirio de classe, e o coordenador, a lista de turmas e professores responsveis. Em algumas escolas, a avaliao do desempenho dos alunos feita de um a um. Como so vrias disciplinas, o aluno avaliado por vrios professores. Em outras, essa avaliao recai apenas sobre os que esto de recuperao. Embora o ritual do conselho de classe possa variar em alguns aspectos, ele segue padres semelhantes. Um exemplo de conselho de classe o relato, que voc v a seguir, extrado de Alves (1999).

No decorrer de uma discusso sobre os contedos mnimos no Conselho de Classe da escola urbana [...], a professora Suzana fala sobre sua turma, que ela considera difcil, pois tem vrios alunos carentes, que no tm rendimento. pergunta da diretora sobre quais alunos esto de recuperao, a professora assinala oito crianas, comeando a falar sobre cada uma delas e destaca o caso da aluna Alessandra. As demais professoras, inclusive a orientadora pedaggica e a diretora da escola, tambm se manifestam sobre o caso. A Alessandra, ela melhorou, no comportamento e tudo... mas ela no escreve nada. (Suzana, professora responsvel). O tempo da Alessandra diferente n? Ela vai ter que ter mesmo um.... (Diretora). Ela se nega. Eu acho que ela at capaz, mas eu acho que ela se nega, quando ela queria fazer, ela fazia (Tereza, coordenadora).

Um dos principais objetivos dessa prtica avaliar o processo de aprendizagem, proporcionando uma discusso livre entre professores, coordenadores e diretor, para a soluo dos problemas detectados. Apesar das crticas feitas a ela, sua importncia como um rito escolar assinalada pelo encontro de falas, sentimentos e significados sobre a escola e seus atores.

Sntese da unidade

A cultura da escola ou cultura escolar um campo novo de investigao nas pesquisas das vrias reas do conhecimento. Ela pode ser entendida como modos de pensar e fazer, atitudes, rituais, mitos, discursos e prticas, amplamente compartilhados pelos seus vrios atores, professores, alunos, familiares e gestores, que orientam uns e outros a desempenhar suas tarefas dirias. Esta cultura da escola compreendida atravs do estudo dos ritos e rituais, das prticas, dos discursos que ocorrem no universo escolar. Vrios autores se destacam nos estudos dessa cultura, entre eles, Dominique Julia, Andr Chevel e Frago. Tais estudos contriburam para que se evidenciasse a escola como produtora de uma cultura prpria que dinmica e interfere no contexto mais amplo da cultura geral da sociedade.

UNIDADE 5: ETNOCENTRISMO E IDENTIDADE CULTURAL NA ESCOLA: INCLUSO E EXCLUSO

Esperamos que, ao final desta unidade, voc seja capaz de:

Identificar o conceito de etnocentrismo e os processos de incluso e excluso;

Descrever o processo de construo da identidade cultural na escola.Pr-requisito

Para compreender melhor esta aula, voc precisa reler a aula um, na qual feita uma indicao ao termo etnocentrismo, e a aula dois, na qual discutimos o conceito de cultura, fundamental para compreendermos o preconceito, a incluso e a excluso, bem como o etnocentrismo. Sugerimos, tambm, a leitura do livro da coleo Primeiros Passos, O que Etnocentrismo, de Everardo Rocha. Nele, voc encontrar uma discusso sobre esse termo e sua influncia nos diversos grupos sociais, na escola e na sociedade.

Introduo

Aprendemos, nos meios de comunicao, na mdia, nos filmes, revistas e jornais, nos livros, a idealizar algumas caractersticas humanas como as representantes legtimas e naturais do que seja ser humano. Aprendemos este preconceito relativo ao que seja um ser humano ideal e quando nos deparamos com nossos alunos reais ou abrimos mo dessa idealizao ou passamos a exercer nosso racismo, machismo, etnocentrismo; passamos a estigmatizar e tornar invisvel a realidade que nos cerca (TRINDADE, 2003).

Ao agirmos dessa forma, perpetuamos as situaes de excluso em nossa sociedade e continuamos a reproduzir a desigualdade, seja ela social, econmica ou cultural.

Da a importncia de conhecermos os conceitos de etnocentrismo e identidade cultural, enfocando a realidade da incluso e excluso como situaes presentes na escola. Alm disso, conhecer o processo de construo da identidade cultural na instituio escolar, pois ela um espao em que as diferenas se encontram e as culturas se cruzam.

5.1 Entendendo o Etnocentrismo

Vamos iniciar esta aula nos indagando: qual o significado deste termo? Qual sua importncia para esta disciplina e para o curso? Qual sua relao com a escola?

Como voc viu nas aulas anteriores, a Antropologia a cincia que busca investigar o outro, aquele que essencialmente diferente de ns. Sua gnese aparece nos relatos dos primeiros viajantes europeus que tentavam descrever os exticos costumes dos povos com os quais mantinham contato (COSTA, 1997, p. 107).

Notou que a autora assinala que essa cincia busca investigar o outro? Pois ento, o entendimento sobre o etnocentrismo recai justamente na preocupao de quem o outro e, tambm, de denominar quem o eu.

Rocha (1994, p. 7) assinala que o etnocentrismo uma viso de mundo em que o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e de todos os outros valores, modelos e definies do que a existncia.

Associando essa concepo realidade atual e escolar, podemos observar que a viso etnocntrica defende a cultura de uma regio como sendo superior outra, por exemplo, o nvel educacional de escolas privadas do sudeste, onde o sistema de ensino o mesmo de todo o pas, tem uma preparao de qualidade mais elevada, superior s existentes na regio nordeste. Isso porque essa viso toma como centro do saber um determinado lugar no caso a regio sudeste.

Vejamos outros autores enfocando a definio do termo etnocentrismo. Marconi e Presotto (2001, p. 52) enfatizam que esse termo significa a supervalorizao da prpria cultura, em detrimento das demais. Todos os indivduos so portadores desse sentimento e a tendncia na avaliao cultural julgar as culturas segundo os moldes da sua prpria. Essas autoras ainda assinalam que a ocorrncia da grande diversidade de culturas vem testemunhar que h modos de vida bons para um grupo e que jamais serviriam para outro. Quando se fala dessa realidade, o etnocentrismo torna-se evidente em casos de manifestaes no comportamento agressivo ou em atitudes de superioridade e at de hostilidade.

Assim como Rocha, essas autoras tambm entendem que o etnocentrismo julga as culturas conforme os modelos prprios, desprezando com isso, as outras. Essas so questes que podem ser identificadas com o preconceito. Sobre isso, Itani (1998, p. 119) afirma que,frequentemente nos defrontamos com atitudes preconceituosas, seja em atos ou gestos, discursos e palavras. A sala de aula no escapa disso. E trabalhar com essa questo, e mesmo com a intolerncia, no est entre as tarefas mais fceis do professor. Mas no so questes novas. H muito as sociedades vm lutando para manter as escolas um pouco resguardadas dos conflitos decorrentes da intolerncia entre diferentes grupos.

A concepo que se tem de uma estreita relao existente entre essas temticas (etnocentrismo e preconceito), pois, como assinala o autor, para trabalhar com essas questes, preciso compreend-las, saber como se manifestam e em que bases so expressas, notadamente se levarmos em conta que elas no podem ser analisadas fora de seus contextos (ITANI, 1998, p. 119).

Ao tratarmos de temas importantes como o preconceito e a identidade cultural, que se refletem, tambm, na realidade escolar, fundamental compreender seus aspectos conceituais, pois, assim, os que lidam com os mesmos, como os professores, alunos e os demais componentes da instituio escolar, podem buscar solues mais elaboradas. Vamos ver esses aspectos.

5.2 O Preconceito

Voc j se perguntou: existe preconceito em nossa sociedade? E a escola como encara o preconceito? Os alunos, como agem diante de um caso de preconceito? So algumas indagaes dentre muitas existentes. O racismo, por exemplo, um tipo de preconceito presente em nossa sociedade, que desperta nas pessoas indignao e discusses.

Itani (1998) explica que h inmeras formas de expresso de preconceitos na sociedade, entre eles, gestos; o olhar da diferena; o comentrio em voz baixa, o cochicho como uma atitude para no ofender o outro.

Voc observou que, somente nessas formas citadas, muitas discusses podem ser suscitadas, em especial, na escola? Por exemplo: sobre o tema do racismo, vemos o caso do sistema de cotas para negros nas universidades ser debatido nos meios intelectuais, jornalstico e televisivo. Recentemente, a escritora Lya Luft, em seu ponto de vista na Revista Veja, tratou desse assunto, com o ttulo Cotas: o justo e o injusto. Nesse artigo, a autora assinala que o tema libera muita verborragia populista e burra, produz frustrao e hostilidade. Instiga o preconceito racial e social. Ela resume dizendo que a ideia das cotas refora conceitos nefastos: o de que negros so menos capazes e precisam de um empurro e o de que a escola pblica pssima e no tem salvao (LYA LUFT, 2008, Veja, 6 fev. 2008). Discutiremos mais sobre cotas para negros na aula sete.

Para analisar esta situao to adversa na sociedade, na realidade das pessoas e da escola imprescindvel um olhar relativista, pois essa posio liberta o indivduo das perspectivas deturpadoras do etnocentrismo (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 52), e do preconceito, seja em qual lugar ocorrerem tais situaes: em casa, na escola, nos grupos de amigos.

Certamente, voc deve ter visto que essas questes esto prximas e interligadas, e devem ser sempre revisitadas pela escola, pois ela um ambiente de debates constantes, evidenciando solues, por meio de programas educativos, com o objetivo de proporcionar aos alunos uma vida digna de reconhecimento de valores culturais e de enriquecimento intelectual.

5.3 Identidade Cultural

Vamos tomar como base para o incio desse item um questionamento: como identificar na realidade escolar as investidas de uma viso etnocntrica? Para tanto, importante lembrar que, na sala de aula, h uma diversidade cultural imensa, mas que nela os alunos aprendem que tm uma identidade cultural muito rica a ser conhecida.

Esse conhecimento se dar por meio de uma abordagem histrico-social e cultural de nosso pas. Para tanto, as escolas devem ter toda uma estrutura fsica e pedaggica para repassar aos alunos como se deu a formao da cultura brasileira e da sua identidade. Por isso, importante a voc, futuro professor, um enfoque, dentro da literatura antropolgica e sociolgica, do conceito de identidade cultural. A construo desse conceito se deu de maneira instvel corpo das cincias sociais.

O termo identidade vem do latim identitade e significa qualidade do que idntico, paridade absoluta, analogia e conjunto de elementos que permitem saber quem uma pessoa ; e a cultura, como voc viu na aula um, apenas relembrando, definida, como correntemente conhecemos, por um todo complexo que inclui conhecimentos, crenas, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hbitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade.

Dessa forma, a identidade cultural pode ser compreendida, inicialmente, como um conjunto de caractersticas comuns pelas quais os grupos sociais constroem sentido de pertencimento. A identidade construda de forma dinmica, nas relaes sociais, pelos grupos humanos. Denys Cuche (2002) assinala que a cultura pode existir sem a conscincia de identidade e as estratgias de identidade construdas pelos grupos sociais e/ou Estado podem manipular e at modificar uma dada cultura. Para esse autor, a identidade busca uma nova norma de aproximao que sempre consciente, enquanto a cultura depende de processos inconscientes (CUCHE, 2002).

O conceito que Cuche (2002) emprega para o termo identidade cultural, refere-se, de forma abrangente, sociedade, mas voltemos nossa ateno para a realidade da identidade cultural na escola. Para isso, vamos mostrar o cotidiano de uma escola no Rio de Janeiro, que por meio de um projeto: Projeto Brasileirinho Os Tons da Aquarela Cultural de nosso Pas, apresentado pela professora de Filosofia, Vnia Corra Pinto, em 2005, procurou enfocar um convite ao descobrimento do Brasil multicultural. Um dos objetivos desse projeto apresentado pela docente foi perceber as diversidades culturais brasileiras, compreendendo-as como resultantes de um processo histrico, proporcionando aos alunos o conhecimento da identidade cultural do nosso pas. Pinto (2005) explica as razes do projeto, asseverando que

o motivo principal para a realizao desse trabalho surge a partir do momento em que se observa no dia-a-dia do aluno um desconhecimento sobre as razes populares de nossa cultura, principalmente no que diz respeito ao conhecimento da msica popular brasileira. Os meios de comunicao, com o estabelecimento de uma indstria cultural de massa, muitas vezes transformam nossos alunos em um enorme mercado potencial de consumidores, atrados pelos produtos oferecidos, sem terem chance de uma opo, de uma escolha.

Nas palavras da professora, podemos observar o desenvolver da identidade cultural, a preocupao em inovar as aulas, dinamizando o cotidiano dos alunos e, ao mesmo tempo, enfocando a importncia do conhecimento da cultura, por meio tambm do universo cultural artstico brasileiro. Essa foi uma inteno positiva de mostrar a histria scio-cultural do Brasil, a partir da msica.

A professora evidencia ento, que,

atravs do contato do aluno com um universo pouco conhecido, se far possvel a construo de novos conceitos, conhecimentos e ideias; o aluno ter a chance tambm de refletir sobre sua prpria identidade cultural. Os temas sugeridos nas msicas levaro os alunos a um universo de possibilidades para o conhecimento dacultura de seu pas (PINTO, 2005).

Assim podemos ver que a escola tem inmeros recursos pedaggicos relevantes a serem desenvolvidos pelos professores, nas aulas, para evidenciar a construo da identidade cultural. Essas iniciativas servem como defesa para a prpria escola contra os preconceitos, o etnocentrismo, que prejudica o desenvolvimento escolar e da sociedade.

Como voc viu at agora, a escola est propensa a passar por vrios desafios, mas, tambm, tem outros aspectos que, por um lado, elevam sua eficincia, quando trabalha para incluir os alunos em seu ambiente e, por outro, quando recebe crticas da sociedade e de poderes constitudos, por exclu-los.

5.4 Processos de Incluso e de Excluso

Esses termos carregam um forte discurso ideolgico que, muitas vezes, serve de justificao para polticas que acabam por favorecer mais a classe dominante que aqueles que esto em situao de excluso. parte da discusso poltica, vamos compreender o que excluso, para que possamos visualizar as possibilidades de incluso.

A discusso sobre a excluso social apareceu na Europa na esteira do crescimento dos sem-teto e da pobreza urbana, da falta de perspectiva decorrente do desemprego de longo prazo, da falta de acesso a empregos e rendas por parte de minorias tnicas e imigrantes, da natureza crescentemente precria dos empregos disponveis e da dificuldade que os jovens passaram a ter no mercado de trabalho (DUPAS citado por ARAJO, 2006).

Ainda para esse autor, a excluso tem um carter multidimensional e representa o no acesso, tanto aos aspectos econmicos quanto segurana, justia, educao, informao e cidadania. Outro autor citado por Araujo explica que excluso um processo complexo, multifacetado, que ultrapassa o econmico do ponto de vista da renda e supe a discriminao, o preconceito, a intolerncia e a apartao social (SPOSATI citado por ARAJO, 2006).

Se a excluso no apenas econmica e envolve outras esferas da vida social, podemos perceb-la, tambm, no universo escolar. A excluso afeta, portanto, toda a sociedade e, quando se trata da escola, a responsabilidade desta aumenta ainda mais, pois as explicaes a dar sociedade so mais exigentes. Alm disso, as cobranas desta so de uma escola de qualidade, que inclua os alunos e seja uma instituio com capacidade de reduzir as desigualdades e, consequentemente, diminuir o nmero de excludos.

Mesmo que existam intenes positivas nas escolas e na sociedade em combater o fenmeno social da excluso, existe tambm uma incluso disfarada. Lane citada por Alves (2006, p. 38) afirma que

quem so os excludos, disfarados em includos? So aqueles que para no denunciarem as injustias decorrentes da ideologia dominante, necessria para a manuteno do poder de alguns e de um status quo, so includos no sistema. So os negros, que denunciam a escravido, hoje disfarada em preconceitos ou discriminaes ambguas. So os deficientes que denunciam a ausncia da Sade Pblica e de educao reabilitadora. So os pobres que denunciam a injustia econmica e a m distribuio de renda que impede o acesso sade e educao.

Essa uma reflexo crtica sobre excluso/incluso, pois percebe que a incluso no se d no nvel da situao de excludo, mas com aes que so mais um paliativo para silenciar grupos potencialmente aptos a afrontar o status quo. Porm, apesar desse aspecto nocivo dessa relao, h que se levar em conta as discusses e as aes que esto sendo dirigidas aos excludos socialmente.

Muito bem, e na escola, o que ocorre em relao excluso? Ser que ela exclui ou inclui? Franois Dubet (2003), em seu artigo A escola e a excluso explica que

no final das contas, os alunos mais favorecidos socialmente, que dispem de maiores recursos para o sucesso, so tambm privilegiados por um conjunto de mecanismos sutis, prprio do funcionamento da escola, que beneficia os mais beneficiados. Essas estratgias aprofundam as desigualdades e acentuam a excluso escolar na medida em que mobilizam, junto aos pais, algo que no s o capital cultural, este entendido como um conjunto de disposies e de capacidades, especialmente lingusticas.[...] A escola espera que os pais sejam pessoas informadas, capazes de orientar judiciosamente seus filhos e ajud-los com eficcia nas tarefas. [...] Quanto mais ativos so os mtodos pedaggicos, mais eles mobilizam os pais, seus recursos culturais e suas competncias educativas.

A escola favorece os mais bem preparados socialmente e exclui os que no se enquadram nesse sistema. Vejamos um exemplo bem caracterstico da nossa realidade escolar. Rui, aluno de nove anos, que frequentava a primeira srie de uma escola pblica de primeiro grau e residia na favela, ia mal na escola porque, alm de desligado, escrevia tudo errado. Para algumas professoras era retardado; para outras, imaturo; para outras, ainda, vtima de uma famlia desestruturada. No tinha mesmo jeito, e Rui, aps frequentar trs anos a primeira srie, desistiu da escola (CAMPOS, 2001).

A excluso aqui se refere ao grau de aprendizagem do aluno. Os estudantes tm tempos diferenciados para aprenderem as mesmas coisas e a escola padroniza esse tempo como comum a todos. Essa uma forma de deixar de fora aqueles que so mais lentos. Esse apenas um aspecto. Como a escola um universo social, com uma cultura prpria, ela faz uso dos mesmos mecanismos que a prpria sociedade utiliza para excluir.

Apesar da crtica abordada anteriormente sobre uma incluso disfarada, muitas so as discusses sobre a escola inclusiva. Esse debate comeou, quando vieram tona as demandas dos grupos portadores de deficincia, seja ela fsica ou mental. Porm tem se ampliado para outros grupos minoritrios. o que voc ver a seguir na aula 6, sobre a educao intercultural que se refere incluso de grupos tnicos e, tambm, na aula sete, com as aes afirmativas contra a excluso, por exemplo, o sistema de cotas para negros nas universidades.

Sntese da Unidade

Nesta unidade, voc conheceu os conceitos antropolgicos de etnocentrismo e identidade cultural e observou a importncia deles para a compreenso de fenmenos como a excluso e a incluso, principalmente no universo escolar. Viu que a prtica do etnocentrismo leva a uma conduta preconceituosa e geradora de graves conflitos sociais. Percebeu que a escola refora processos de excluso, porm ela tambm o lugar onde se pode praticar uma educao inclusiva, capaz de diminuir as desigualdades de toda espcie, social, cultural, econmica, etc.

UNIDADE 6: EDUCAO, DIFERENAS E INTERCULTURALIDADE

Esperamos que, ao final desta unidade, voc seja capaz de:

Assinalar os pressupostos da relao entre as diferenas culturais e a educao;

Compreender as diferenas culturais e a educao na perspectiva da interculturalidade.

Pr-requisitos

Faa a leitura do artigo Educao escolar e cultura(s): construindo caminhos, disponvel no stio . Nele, os autores buscam problematizar a necessidade de a cultura vir a ser o eixo central de uma proposta curricular, bem como de a interculturalidade se tornar a dinamizadora da prtica docente.

Introduo

Um dos temas que tm provocado acalorados debates no mbito da sociedade como um todo e, de modo especial, no campo educacional, a questo das relaes envolvendo a igualdade e a diferena entre as culturas.

Na realidade, em termos conceituais, estamos vivendo uma transio da perspectiva da igualdade que muitas vezes silencia ou nega as peculiaridades culturais para a da diferena ou diferenas, cujo fundamento est em dar maior visibilidade aos diversos grupos sociais, para que, dessa forma, se evidencie a necessidade de se estabelecer polticas pblicas de redistribuio e reconhecimento mais equitativas.

Nesta unidade, o nosso intento possibilitar que voc alcance maior aprofundamento acerca do debate entre igualdade e diferena(s) culturais na arenaeducacional, a partir da noo de interculturalidade.

6.1 Igualdade e Diferena: um debate contemporneo

Vivemos, atualmente, em um contexto histrico, social, poltico, econmico e, sobretudo, cultural de intensas transformaes. Vrias temticas tm ocupado a mdia, estudiosos e pesquisadores sobre as diferentes e complexas mudanas promovidas pela chamada nova ordem mundial. Entre os diversos temas que esto na ordem do dia do cotidiano educacional, exigindo-lhe discusses e encaminhamentos, est a questo das relaes entre igualdade e diferena culturais.

No bojo da relao igualdade/diferena vm se abrigar outras polmicas discusses, como, por exemplo, a da superao das desigualdades, a da democratizao de oportunidades e a do reconhecimento dos diferentes grupos socioculturais (CANDAU, 2004). Como voc pde perceber, conforme as indicaes dadas pelas temticas mencionadas, a educao est completamente tomada pelos debates propostos por cada uma delas, bem como pelos problemas que elas suscitam. Sacristn citado por Candau (2004, p. 3) explica a relao identidade/ diferena no campo educacional ensinando que ordem e caos, unidade e diferena, incluso e excluso em educao so condies contraditrias da orientao moderna... E, se a ordem o que mais nos ocupa, a ambivalncia o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas bsicas: assimilando tudo que diferente a padres unitrios ou segregando-o em categorias fora da normalidade dominante.

Saiba mais

Voc deve ter observado, a partir da citao de Sacristn, que a educao escolar passa a ser, portanto, o locus em que se percebe com maior visibilidade o embate entre igualdade e diferena, dada a diversidade de culturas que a frequenta.

Se, como dissemos na introduo desta aula, a igualdade, em vez de se tornar uma noo que favorecesse a garantia de direitos para os vrios grupos scio-culturais, funcio