ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA NO SUPREMO...
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ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA NA
JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Tárek Moysés Moussallem
Universidade Federal do Espírito Santo
“Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação
actual consiste na «crise de sentido». Os pontos de vista, muitas vezes de
carácter científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que
estamos efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenômeno da
fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e
frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda,
neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece
constituir a própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem
sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das teorias que se
disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o mundo e
a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que
facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas
diversas expressões do niilismo.” (Papa João Paulo II – Carta Encíclica
Fides et Ratio)
1 – “Os juristas e o direito” ou “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o
que estão fazendo!”
A célebre frase de Nosso Senhor Jesus Cristo (Lc 23,34) no
momento de sua crucificação pelos “doutores da Lei”, cabe perfeitamente
aos juristas.
A confusão criada entre os planos descritivo da Ciência do Direito e
prescritivo do Direito-objeto leva o jurista desatento a emitir enunciados
falsos como estes:
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a) “Decadência não se interrompe” – o intérprete ao ler o artigo 173,
II do CTN fica atônito1;
b) “Lei especial revoga lei geral” – o exegeta ao analisar o artigo 2º,
§ 2º da LICC continua estupefacto;2
c) “Toda ação declaratória tem eficácia ex tunc” – o jurista ao deitar
os olhos sobre o artigo 113, § 2º do CPC não compreende como a
“declaração” da incompetência absoluta torna sem efeito apenas os atos
decisórios e não todos os atos processuais.3
Há outros inúmeros como “São causas excludentes de ilicitude a
legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever
legal”. Pergunta-se: que ilícito se exclui no caso em que A, ao tentar matar
B, é morto por este? Matar em legítima defesa é fato lícito. Mais um
exemplo é sobre o direito de ação. Afirma a Ciência do Processo Civil que
“Três são as condições da ação: interesse, legitimidade e possibilidade
jurídica do pedido”, ora, se as três são condições da ação como se pode
dizer que o autor teve “direito de ação” nos casos em que o juiz extingue o
processo por ilegitimidade de parte?
Os problemas acima citados decorrem do influxo exercido pela
Ciência do Direito para dentro do direito positivo que tem sido admitido
sem as devidas cautelas pelos juristas.
Se por um lado, um mesmo dado do mundo (v.g. direito-objeto)
permite construir diversos objetos formais (O’, O’’, O’’’, ...) analisado
1 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos,
contados:
I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;
II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento
anteriormente efetuado. 2 § 2
o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem
modifica a lei anterior. 3 § 2
o Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos
ao juiz competente.
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pelas várias teorias (T’, T’’, T’’’...), por outro não parece correta a
transição entre os discursos científicos (T’, T’’, T’’’ - interdiscursividade)
sem atentar para alguns limites.
Conceitos construídos pela Sociologia do Direito, Política do Direito,
Economia do Direito e até pela denominada Dogmática Jurídica não se
inserem no plano do direito-objeto sem a via da recepção, ou seja, sem
norma que os contemplem.
Nesse pormenor, é precisa a lição de Lourival Vilanova: “O
conhecimento científico-dogmático sobrevém e põe ordem (conceptual)
nessa “multiplicidade heterogênea”, delineia conceitos e afasta o jurídico
do não-jurídico, demarca o universo das normas, retendo as características
definientes das normas que são jurídicas”.4
E completa o ilustre jurista pernambucano: “O cientista, porém, não
faz o direito: fala sobre ele, menciona-o, toma-o em sua patente existência,
pondo aspas nas normas para, em seu discurso de cientista, emitir
enunciados sobre o direito”.
Separar o jurídico do não-jurídico. Eis a função do jurista.
Contudo, mais uma vez, o discurso da denominada “pós-
modernidade” leva o sujeito cognoscente à teoria do “tudo é possível” a
ponto de confundir direito com política, norma jurídica com factos sociais,
princípios normativos com querer subjetivo cambiante e individual.
2 – Norma jurídica
A norma enquanto proposição é uma estrutura sintática de
significação pertencente ao plano da Lógica Jurídica. A Ciência do Direito
4 Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica). São Paulo : RDP, n.º 61, Jan/Mar., 1982,
p. 16.
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se apropria de tal esquema para se aproximar do direito positivo. Trata-se
de dado epistemológico por meio do qual o Direito-ciência se põe em
comunicação com do direito-objeto.
Apenas quando atrelada ao ato de fala é que se pode distinguir entre
proposição jurídica (p-jurídica) e proposição normativa (p-normativa). Daí
a distinção feita por Alchourrón y Buligyn entre concepção hilética e
expressiva das normas jurídicas.5 Os autores argentinos entrevêem duas
concepções opostas de uso da expressão “norma jurídica”: a concepção
hilética e a concepção expressiva. Afirmam os autores argentinos que,
“para a concepção hilética as normas são entidades parecidas às
proposições, isto é, significados de certas expressões, chamadas orações
normativas [...]. Uma norma é, nesta concepção, uma entidade abstrata,
puramente conceptual”. Para a concepção expressiva, as normas são o
resultado do uso prescritivo da linguagem pois, apenas em termos
pragmáticos, surge a diferença entre asserções, perguntas e ordens. Como
já visto, uma oração que expressa uma mesma proposição pode ser usada
para realizar ações diferentes, ou seja, fazer coisas distintas. Em termos
semânticos não há diferença de ato proposicional, mas tão-só de ato
ilocucionário. Por isso, a teoria expressiva das normas guarda estreita
consonância com a teoria dos atos de fala deônticos, já que, na visão aqui
impressa, o que faz ser a norma jurídica é o ato de fala deôntico e não
apenas sua estrutura puramente conceptual.
Claro está que a norma jurídica não é a oralidade, nem a escrita, nem
o ato ilocucionário, nem somente a proposição, nem somente a forma
lógica. Para o presente trabalho, a norma jurídica, em sentido estrito, é a
5 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. La concepción expresiva de las normas. In: ______.
Analisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 122-123.
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significação deôntica, completa, articulada entre esses elementos
(semântica) e estruturada na forma lógica do condicional (sintática),
resultado do uso prescritivo da linguagem (pragmática). Embora
cientificamente possível, a circunscrição do conceito de norma jurídica à
forma lógica (plano sintático), ou à significação colhida dos textos de
direito positivo (plano semântico), ou apenas relativamente ao uso
prescritivo da linguagem (plano pragmático) reduz consideravelmente o
fenômeno normativo.
A estrutura condicional é dado fundamental para a compreensão da
definição conceptual de “norma jurídica”. Visto pelo prisma sintático a
norma jurídica possui a forma lógica do condicional (p → q). Atrela
sempre uma ocorrência fáctica possível (antecedente “p”) a uma relação
jurídica (conseqüente “q”) por meio do nexo implicacional (→). Em
linguagem ordinária, pode-se dizer que a norma jurídica enuncia: “dado o
fato F, deve-ser a relação jurídica R”.
A hipótese normativa (antecedente abstrato) estipula notas relevantes
de acontecimentos possíveis no plano do ser, ou seja, cria uma classe de
situações relevantes para o direito. Todos os elementos necessários para
que determinado fato social ou natural seja alçado à categoria de jurídico
têm que estar contidos numa hipótese normativa. A vontade do intérprete
está limitada a esse dado, de maneira que não pode ao seu bel prazer
acrescer elementos que o direito positivo não outorgou relevância.
O conseqüente da norma jurídica (geral) prescreve a conduta entre
dois ou mais sujeitos, onde um (sujeito passivo) tem o dever jurídico de
fazer, não-fazer ou dar algo ao outro (sujeito ativo) detentor do direito
subjetivo. Por meio da imputação deôntica, a norma jurídica estatui a
relação jurídica como decorrência do antecedente.
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Tal qual a hipótese normativa, os elementos do consequente
normativo já estão dados pelo direito positivo, de maneira que não cabe ao
aplicador eleger elementos alheios ao sistema para inseri-los quando da
tomada de decisão.
Ao aplicador não é permitido acrescer elementos factuais extra-
jurídicos tanto na hipótese quanto no conseqüente normativos.
Não se quer com isso dizer que o decisor realiza ato “mecânico”.
Necessária é a tomada de posição do agente competente, porém dentro do
sistema do sistema do direito positivo. Aliás, o aplicador só ostenta tal
qualidade, pois o próprio sistema assim o qualificou (regras de estrutura).
A mesma trilha segue os denominados “princípios”. Os princípios
são enunciados prescritivos (e não normas na acepção aqui talhada) alçados
no altiplano constitucional dotados de alta carga valorativa e por
conseqüência com forte vagueza semântica.6 Por isso mesmo sua
significação deve ser construída no interior do sistema do direito positivo.
“Liberdade”, “igualdade”, “moralidade” são princípios cujos sentidos
normativos não podem ser atribuídos sem a análise das normas do sistema.
Do ponto de vista interno ao sistema do direito positivo, a “liberdade”
implica o contra-valor “não-liberdade”, também contemplado
normativamente (veja-se a previsão das hipóteses normativas da prisão
temporária e prisão preventiva). Da mesma forma a “moralidade”
normativa implica a “não-moralidade”. O sistema juridiciza a “moralidade”
por normas jurídicas e o moral/imoral para a Ética passa a ser lícito/ilícito
para o direito positivo. O fato de ser “imoral” a corrupção não permite ao
aplicador afastar liminarmente o agente público acusado de sua prática com
base no “princípio da moralidade”, caso não estejam presentes os requisitos
6 Cf. Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário: linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008.
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do artigo 20 parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa (vale
dizer, a prática de atos concretos por parte deste que tenham por objetivo
perturbar a instrução processual).7
3 – Argumentos consequencialistas ou argumentos inconsequentes?
A expressão “argumento consequencialista” é dotada de
ambigüidade. Sem ingressar na definição do conceito de “argumento”, cabe
esclarecer que palavra “consequencialista” pode ser enxergada do ponto de
vista externo ou interno ao direito positivo.
No presente trabalho caberá espaço à análise interna, uma vez que a
visão externa é relevante apenas para outras ciências (Sociologia,
Economia, etc) que não aquela denominada Ciência do Direito em sentido
estrito.
Para Luis Fernando Schuartz a expressão ‘consequencialismo
jurídico’ é empregada em um sentido amplo “como qualquer programa
teórico que se proponha a condicionar, ou qualquer atitude que condicione
explícita ou implicitamente a adequação jurídica de uma determinada
decisão judicante à valoração das consequências associadas à mesma e às
suas alternativas”.8
As ilações acima reforçam a distinção dantes feita entre as duas
espécies de “consequencialismos”: um interno e outro externo ao direito
7 Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em
julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do
agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a
medida se fizer necessária à instrução processual. 8 Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. In: RDA n. 248, São Paulo:
Atlas, 2008.
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positivo. Por outro giro, a “valoração das conseqüências” pode se dar no
plano da norma ou fora do espectro normativo.
O consequencialismo externo é vedado pelo sistema do direito
positivo uma vez que a competência dos órgãos aplicadores é outorgada
por normas jurídicas (sobrenormas) para aplicar as normas mesmas e não
qualquer outro dado da realidade. Por isso, o recurso indiscriminado ao
“senso comum”, ao “homem médio”, ao “razoável” e a outros topois,
quando não previstos em hipótese normativa não podem ser levados em
consideração quando da prolação do ato de fala pelo agente aplicador. Da
mesma forma a denominada “análise econômica do direito”. Se é
econômica, então não é jurídica. Os conceitos econômicos não se
confundem com conceitos jurídicos. Se assim fosse, não haveria distinção
jurídica entre receita, lucro, renda e faturamento ou ainda entre detenção,
posse e propriedade.
No mesmo sentido a “função social da propriedade”. Em sentido
normativo, a “função social da propriedade” é aquela que o direito positivo
outorga à propriedade e não a que o “homem médio” deseja (aliás muitos
distúrbios sociais ocorrem por conta de tal mistifório).
O “senso médio” acabou com o senso normativo. O que faz sentido
ao “homem médio” pode não fazer (e normalmente não faz) sentido ao
“homem jurídico”. A conseqüência é radical: o aplicador só deverá levar
em conta os “anseios sociais” em suas decisões se o direito positivo assim o
estipular.
A embrulhada (talvez inconsciente) levada a cabo pela modernidade
entre “fato social”, “fato jornalístico” e “fato jurídico” leva ao repulsivo
aniquilamento do quantum normativo relevante para o aplicador.
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Por isso Neil MacCormick, chama atenção para o fato de que os
adeptos da teoria da argumentação consequencialista entendem que “as
conseqüências comportamentais e o resultados importam no processo de
tomada de decisão”.9
Por óbvio que não é qualquer “consequência comportamental” ou
“resultados” que importam para a tomada de decisão, mas apenas aquelas
juridicizadas pelo direito positivo.
Eis o ponto crucial para distinguir entre o consequencialismo externo
e o consequencialismo interno ao direito positivo.
Neil MacCormick, mais uma vez, fere ponto crucial: “Assim, em
essência, o que eu chamo de direito da argumentação consequencialista é
focado não tanto em estimar a probabilidade de mudanças
comportamentais, mas na conduta possível e em seu determinado status
normativo à luz da decisão que está sendo considerada”.10
A norma jurídica emerge como dado fundamental de controle e
limite para argumentos consequencialistas. A conseqüência de toda norma
jurídica (e qualquer decisão) dever ser mensurada internamente ao direito
positivo e não pelo prisma econômico ou social.
Por isso é precisa a explanação de Neil MacCormick: “Os valores
contra os quais devemos testar as conseqüências jurídica são aqueles que o
ramo do direito em questão considera relevantes”.11
Ora, se o direito positivo enuncia que de uma hipótese H deve-ser a
conseqüência C, tal dado passa a ser relevante na tomada de decisão do
9 Retórica e o Estado de Direito: uma teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.
149. 10
Idem, p. 147. 11
Idem, p. 152
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aplicador. Todos os efeitos que daí decorrem devem ser testados às luzes de
outros dados normativos.
O grande problema a evitar é a transição “inconsequente” entre os
dois “consequencialismos”. Argumentos não-juridicamente relevantes não
podem se transmudar em juridicamente relevantes como num passe de
mágica do aplicador sob pena de o “argumento consequencialista” se tornar
“argumento inconseqüente”.
E aí valeria a pergunta: para que servem então as normas jurídicas?
Não é difícil enxergar os problemas oriundos da quebra da
homogeneidade normativa: soluções casuísticas e alheias ao sistema do
direito positivo emergem sem qualquer critério ou padrão.
4 – Argumentação consequencialista ou argumentos inconsequentes
na jurisprudência do STF
O lado político do ato jurisdicional exercitado pelo Supremo
Tribunal Federal o faz detentor do poder constituinte material, pode
constituinte ratione materiae. Talvez ninguém com maior precisão do que
Lourival Vilanova analisou a questão:
“E detendo-o, remanesce sempre constituinte originário, titular da decisão
política básica. Na ‘interpretation’, o magistrado aloja-se dentro da
Constituição; na ‘construction’, quando o é no direito público federal, vai
mais além, perpetuando o constituinte primeiro, cujo ato é substancialmente
político. Só judicial às vezes; outras judicial e política: tal é a função
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jurisdicional do supremo órgão da Justiça, subjacente ao qual está a nação
mesma”.12
O alojar-se dentro da Constituição é posição inerente ao interpretar.
O ato de interpretar exercitado pelo Supremo Tribunal Federal é também
ato político uma vez que é exercício de competência outorgada pela própria
Constituição Federal.
Isso não permite à Corte Suprema julgar com base em argumentos
extrajurídicos. Sua competência está adstrita à análise de fato jurídicos
constitucionais. O quantum econômico, político ou puramente social de tais
fatos são irrelevantes para o ato de julgar.
Na história recente do Supremo Tribunal Federal alguns processos
em matéria tributária trazem à tona a linha tênue entre fato jurídico, fato
político e fato jornalístico a ponto de, às vezes, transitarem de argumentos
consequencialistas internos ao direito (norma jurídica) para argumentos
conseqüencialistas extrajurídicos (externos ao direito).
Exemplo claro disso está na petição inicial13
da ADC n.º 18
protocolada pelo Presidente da República que trata da inclusão do ICMS na
base de cálculo do PIS/COFINS e no julgamento da sua correlata cautelar.
Colocando entre parênteses as questões preliminares suscitadas,
argumentos consequencialistas extrajurídicos (ao lado de argumentos
juridicamente relevantes, diga-se por honestidade) preenchem o corpo da
peça exordial e dos votos de alguns Ministros.
A malfada “interpretação econômica” do conceito de “custo” e
“preço” volta à tona quando do deferimento da cautelar suspensiva dos
12
A dimensão política nas funções do STF. Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. 1. São Paulo : Axis
Mundi/IBET, 2003, p. 384/385. 13
http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js
f?seqobjetoincidente=2565325. Acessado em 05 de outubro de 2009.
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processos em curso perante os Tribunais pátrios. Mas o equívoco da visão
econômica (não-jurídica), embora tenha sido o móvel do deferimento da
cautelar, não passou despercebida aos alentados votos divergentes dos
Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello:
Não bastassem os votos-divergências, vale a pena atentar para a peça
vestibular do Presidente da República. No tópico IV.4 (fls. 25) fere-se o
espinhoso tema da “segurança jurídica”. Nele, argumentos
consequencialistas extrajurídicos são encontrados a fartura:
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Talvez o exemplo típico de argumento consequencialista
extrajurídico se encontre às fls. 29 do processo:
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Trata-se de argumento desprovido de qualquer elemento de
juridicidade que não pode e não deve ser levado em conta pelo Supremo
Tribunal Federal sob pena de inversão total dos valores estampados na
Constituição Federal.
Em verdade, na classificação aqui adotada tem-se exemplo claro de
“argumento inconseqüente”. Equivaleria ao contribuinte que alega deixar
de pagar o tributo por não ter dinheiro!
Por outro lado a questão da modulação dos efeitos da declaração de
inconstitucionalidade encontra respaldo em norma jurídica no sistema do
direito positivo.
Parecer não haver qualquer problema pelo prisma normativo a
modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no caso da
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Lei Ordinária n.º 8.212/91, artigos 45 e 46 que fixou prazo de dez anos de
decadência e prescrição para as contribuições previdenciárias (RE
560626/RS).
A possibilidade de modulação dos efeitos pelo STF encontra guarida
em hipótese normativa que a contempla, especialmente o artigo 27 da Lei
9868/99.14
Nesse sentido, o argumento do Ministro Gilmar Mendes:
“Daí parecer razoável que o próprio STF declare, nesses casos, a
inconstitucionalidade com eficácia ex nunc na ação direta,
ressalvando, porém, os casos concretos já julgados ou, em
determinadas situações, até mesmo os casos sub judice, até a data de
ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.
Essa ressalva assenta-se em razões de índole constitucional,
especialmente no princípio da segurança jurídica.
Ressalte-se que, além da ponderação central entre o princípio da
nulidade e outro princípio constitucional, com a finalidade de definir a
dimensão básica da limitação, deverá a Corte fazer outras
ponderações, tendo em vista a repercussão da decisão tomada no
recurso extraordinário sobre as decisões de outros órgãos judiciais nos
diversos processos de controle concreto.
Dessa forma, tem-se, a nosso ver, adequada solução para o difícil
problema da convivência entre os dois modelos de controle de
constitucionalidade existentes no direito brasileiro, também no que diz
respeito à técnica de decisão.
Na espécie, a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da
lei nº 8.212/1991 pode acarretar grande insegurança jurídica quanto
aos valores pagos fora dos prazos qüinqüenais previstos no CTN e que
não foram contestados administrativa ou judicialmente.
Diante desses pressupostos, pondero a esta Corte a conveniência de
modular os efeitos da mencionada declaração de
inconstitucionalidade, de modo a afastar a possibilidade de repetição
de indébito de valores recolhidos nestas condições, com exceção das
ações propostas antes da conclusão deste julgamento.
Nesse sentido, o Fisco resta impedido de exigir fora dos prazos de
decadência e prescrição previstos no CTN as contribuições da
Seguridade Social.
14
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de
segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de
dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia
a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
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No entanto, os valores já recolhidos nestas condições, seja
administrativamente, seja por execução fiscal, não devem ser
devolvidos ao contribuinte, salvo se pleiteada a repetição ou
compensação de indébito, judicial ou administrativamente, antes da
conclusão do julgamento, em 11.6.2008.
Em outras palavras, créditos pendentes de pagamento não podem ser
cobrados, em nenhuma hipótese, após o lapso temporal qüinqüenal.
Por outro lado, créditos pagos antes de 11.6.2008 só podem ser
restituídos, compensados ou de qualquer forma aproveitados, caso o
contribuinte tenha assim pleiteado até a mesma data, seja pela via
judicial, seja pela via administrativa.”
Pelo exposto, vê-se que os argumentos aduzidos pelo Eminente
Ministro Gilmar Mendes encontram-se dentro da hipótese normativa
contemplada no artigo 27 da Lei 9868/99.
Outra coisa, completamente distinta, é o juízo de valor (deontologia
jurídica) sobre se o 27 da Lei 9868/99 seria a melhor opção ou não...
Em todos os casos, a argumentação jurídica não pode seguir a regra
do “tudo é permitido”.
Vale lembrar as sábias palavras de Fiodor Dostoievski em seu
clássico “Irmãos Karamazov”: “Se Deus não existe então tudo é
permitido”. Metaforicamente, traduzida para a Ciência do Direito ter-se-ia:
“Se a norma não existe, então tudo é permitido”.
O discurso desatento dos “princípios” e “direitos humanos”
corrobora a permissividade e liberalidade implantada pela modernidade, o
que leva a pior espécie de autoritarismo: a autoridade da autoridade, porque
é autoridade!
Com isso, mata-se o objeto de estudos, tal qual, matou-se o Salvador
que morreu (para ressuscitar) dizendo: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o
que estão fazendo!”