ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA NO SUPREMO...

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Rua Bahia, 1282 - Higienópolis - CEP.: 01244-001 - São Paulo/SP - Fone/Fax: 11 3668-6688 ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Tárek Moysés Moussallem Universidade Federal do Espírito Santo Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação actual consiste na «crise de sentido». Os pontos de vista, muitas vezes de carácter científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que estamos efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenômeno da fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda, neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece constituir a própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das teorias que se disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o mundo e a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas diversas expressões do niilismo.(Papa João Paulo II Carta Encíclica Fides et Ratio) 1 “Os juristas e o direito” ou “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo!” A célebre frase de Nosso Senhor Jesus Cristo (Lc 23,34) no momento de sua crucificação pelos “doutores da Lei”, cabe perf eitamente aos juristas. A confusão criada entre os planos descritivo da Ciência do Direito e prescritivo do Direito-objeto leva o jurista desatento a emitir enunciados falsos como estes:

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ARGUMENTAÇÃO CONSEQUENCIALISTA NA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Tárek Moysés Moussallem

Universidade Federal do Espírito Santo

“Deve ter-se em conta que um dos dados mais salientes da nossa situação

actual consiste na «crise de sentido». Os pontos de vista, muitas vezes de

carácter científico, sobre a vida e o mundo multiplicaram-se tanto que

estamos efectivamente assistindo à afirmação crescente do fenômeno da

fragmentação do saber. É precisamente isto que torna difícil e

frequentemente vã a procura de um sentido. E, mais dramático ainda,

neste emaranhado de dados e de factos, em que se vive e que parece

constituir a própria trama da existência, tantos se interrogam se ainda tem

sentido pôr-se a questão do sentido. A pluralidade das teorias que se

disputam a resposta, ou os diversos modos de ver e interpretar o mundo e

a vida do homem não fazem senão agravar esta dúvida radical, que

facilmente desemboca num estado de cepticismo e indiferença ou nas

diversas expressões do niilismo.” (Papa João Paulo II – Carta Encíclica

Fides et Ratio)

1 – “Os juristas e o direito” ou “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o

que estão fazendo!”

A célebre frase de Nosso Senhor Jesus Cristo (Lc 23,34) no

momento de sua crucificação pelos “doutores da Lei”, cabe perfeitamente

aos juristas.

A confusão criada entre os planos descritivo da Ciência do Direito e

prescritivo do Direito-objeto leva o jurista desatento a emitir enunciados

falsos como estes:

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a) “Decadência não se interrompe” – o intérprete ao ler o artigo 173,

II do CTN fica atônito1;

b) “Lei especial revoga lei geral” – o exegeta ao analisar o artigo 2º,

§ 2º da LICC continua estupefacto;2

c) “Toda ação declaratória tem eficácia ex tunc” – o jurista ao deitar

os olhos sobre o artigo 113, § 2º do CPC não compreende como a

“declaração” da incompetência absoluta torna sem efeito apenas os atos

decisórios e não todos os atos processuais.3

Há outros inúmeros como “São causas excludentes de ilicitude a

legítima defesa, o estado de necessidade e o estrito cumprimento do dever

legal”. Pergunta-se: que ilícito se exclui no caso em que A, ao tentar matar

B, é morto por este? Matar em legítima defesa é fato lícito. Mais um

exemplo é sobre o direito de ação. Afirma a Ciência do Processo Civil que

“Três são as condições da ação: interesse, legitimidade e possibilidade

jurídica do pedido”, ora, se as três são condições da ação como se pode

dizer que o autor teve “direito de ação” nos casos em que o juiz extingue o

processo por ilegitimidade de parte?

Os problemas acima citados decorrem do influxo exercido pela

Ciência do Direito para dentro do direito positivo que tem sido admitido

sem as devidas cautelas pelos juristas.

Se por um lado, um mesmo dado do mundo (v.g. direito-objeto)

permite construir diversos objetos formais (O’, O’’, O’’’, ...) analisado

1 Art. 173. O direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos,

contados:

I - do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado;

II - da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento

anteriormente efetuado. 2 § 2

o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem

modifica a lei anterior. 3 § 2

o Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos

ao juiz competente.

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pelas várias teorias (T’, T’’, T’’’...), por outro não parece correta a

transição entre os discursos científicos (T’, T’’, T’’’ - interdiscursividade)

sem atentar para alguns limites.

Conceitos construídos pela Sociologia do Direito, Política do Direito,

Economia do Direito e até pela denominada Dogmática Jurídica não se

inserem no plano do direito-objeto sem a via da recepção, ou seja, sem

norma que os contemplem.

Nesse pormenor, é precisa a lição de Lourival Vilanova: “O

conhecimento científico-dogmático sobrevém e põe ordem (conceptual)

nessa “multiplicidade heterogênea”, delineia conceitos e afasta o jurídico

do não-jurídico, demarca o universo das normas, retendo as características

definientes das normas que são jurídicas”.4

E completa o ilustre jurista pernambucano: “O cientista, porém, não

faz o direito: fala sobre ele, menciona-o, toma-o em sua patente existência,

pondo aspas nas normas para, em seu discurso de cientista, emitir

enunciados sobre o direito”.

Separar o jurídico do não-jurídico. Eis a função do jurista.

Contudo, mais uma vez, o discurso da denominada “pós-

modernidade” leva o sujeito cognoscente à teoria do “tudo é possível” a

ponto de confundir direito com política, norma jurídica com factos sociais,

princípios normativos com querer subjetivo cambiante e individual.

2 – Norma jurídica

A norma enquanto proposição é uma estrutura sintática de

significação pertencente ao plano da Lógica Jurídica. A Ciência do Direito

4 Norma jurídica – proposição jurídica (significação semiótica). São Paulo : RDP, n.º 61, Jan/Mar., 1982,

p. 16.

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se apropria de tal esquema para se aproximar do direito positivo. Trata-se

de dado epistemológico por meio do qual o Direito-ciência se põe em

comunicação com do direito-objeto.

Apenas quando atrelada ao ato de fala é que se pode distinguir entre

proposição jurídica (p-jurídica) e proposição normativa (p-normativa). Daí

a distinção feita por Alchourrón y Buligyn entre concepção hilética e

expressiva das normas jurídicas.5 Os autores argentinos entrevêem duas

concepções opostas de uso da expressão “norma jurídica”: a concepção

hilética e a concepção expressiva. Afirmam os autores argentinos que,

“para a concepção hilética as normas são entidades parecidas às

proposições, isto é, significados de certas expressões, chamadas orações

normativas [...]. Uma norma é, nesta concepção, uma entidade abstrata,

puramente conceptual”. Para a concepção expressiva, as normas são o

resultado do uso prescritivo da linguagem pois, apenas em termos

pragmáticos, surge a diferença entre asserções, perguntas e ordens. Como

já visto, uma oração que expressa uma mesma proposição pode ser usada

para realizar ações diferentes, ou seja, fazer coisas distintas. Em termos

semânticos não há diferença de ato proposicional, mas tão-só de ato

ilocucionário. Por isso, a teoria expressiva das normas guarda estreita

consonância com a teoria dos atos de fala deônticos, já que, na visão aqui

impressa, o que faz ser a norma jurídica é o ato de fala deôntico e não

apenas sua estrutura puramente conceptual.

Claro está que a norma jurídica não é a oralidade, nem a escrita, nem

o ato ilocucionário, nem somente a proposição, nem somente a forma

lógica. Para o presente trabalho, a norma jurídica, em sentido estrito, é a

5 ALCHOURRÓN, Carlos E.; BULYGIN, Eugenio. La concepción expresiva de las normas. In: ______.

Analisis lógico y derecho. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991, p. 122-123.

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significação deôntica, completa, articulada entre esses elementos

(semântica) e estruturada na forma lógica do condicional (sintática),

resultado do uso prescritivo da linguagem (pragmática). Embora

cientificamente possível, a circunscrição do conceito de norma jurídica à

forma lógica (plano sintático), ou à significação colhida dos textos de

direito positivo (plano semântico), ou apenas relativamente ao uso

prescritivo da linguagem (plano pragmático) reduz consideravelmente o

fenômeno normativo.

A estrutura condicional é dado fundamental para a compreensão da

definição conceptual de “norma jurídica”. Visto pelo prisma sintático a

norma jurídica possui a forma lógica do condicional (p → q). Atrela

sempre uma ocorrência fáctica possível (antecedente “p”) a uma relação

jurídica (conseqüente “q”) por meio do nexo implicacional (→). Em

linguagem ordinária, pode-se dizer que a norma jurídica enuncia: “dado o

fato F, deve-ser a relação jurídica R”.

A hipótese normativa (antecedente abstrato) estipula notas relevantes

de acontecimentos possíveis no plano do ser, ou seja, cria uma classe de

situações relevantes para o direito. Todos os elementos necessários para

que determinado fato social ou natural seja alçado à categoria de jurídico

têm que estar contidos numa hipótese normativa. A vontade do intérprete

está limitada a esse dado, de maneira que não pode ao seu bel prazer

acrescer elementos que o direito positivo não outorgou relevância.

O conseqüente da norma jurídica (geral) prescreve a conduta entre

dois ou mais sujeitos, onde um (sujeito passivo) tem o dever jurídico de

fazer, não-fazer ou dar algo ao outro (sujeito ativo) detentor do direito

subjetivo. Por meio da imputação deôntica, a norma jurídica estatui a

relação jurídica como decorrência do antecedente.

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Tal qual a hipótese normativa, os elementos do consequente

normativo já estão dados pelo direito positivo, de maneira que não cabe ao

aplicador eleger elementos alheios ao sistema para inseri-los quando da

tomada de decisão.

Ao aplicador não é permitido acrescer elementos factuais extra-

jurídicos tanto na hipótese quanto no conseqüente normativos.

Não se quer com isso dizer que o decisor realiza ato “mecânico”.

Necessária é a tomada de posição do agente competente, porém dentro do

sistema do sistema do direito positivo. Aliás, o aplicador só ostenta tal

qualidade, pois o próprio sistema assim o qualificou (regras de estrutura).

A mesma trilha segue os denominados “princípios”. Os princípios

são enunciados prescritivos (e não normas na acepção aqui talhada) alçados

no altiplano constitucional dotados de alta carga valorativa e por

conseqüência com forte vagueza semântica.6 Por isso mesmo sua

significação deve ser construída no interior do sistema do direito positivo.

“Liberdade”, “igualdade”, “moralidade” são princípios cujos sentidos

normativos não podem ser atribuídos sem a análise das normas do sistema.

Do ponto de vista interno ao sistema do direito positivo, a “liberdade”

implica o contra-valor “não-liberdade”, também contemplado

normativamente (veja-se a previsão das hipóteses normativas da prisão

temporária e prisão preventiva). Da mesma forma a “moralidade”

normativa implica a “não-moralidade”. O sistema juridiciza a “moralidade”

por normas jurídicas e o moral/imoral para a Ética passa a ser lícito/ilícito

para o direito positivo. O fato de ser “imoral” a corrupção não permite ao

aplicador afastar liminarmente o agente público acusado de sua prática com

base no “princípio da moralidade”, caso não estejam presentes os requisitos

6 Cf. Paulo de Barros Carvalho. Direito tributário: linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008.

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do artigo 20 parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa (vale

dizer, a prática de atos concretos por parte deste que tenham por objetivo

perturbar a instrução processual).7

3 – Argumentos consequencialistas ou argumentos inconsequentes?

A expressão “argumento consequencialista” é dotada de

ambigüidade. Sem ingressar na definição do conceito de “argumento”, cabe

esclarecer que palavra “consequencialista” pode ser enxergada do ponto de

vista externo ou interno ao direito positivo.

No presente trabalho caberá espaço à análise interna, uma vez que a

visão externa é relevante apenas para outras ciências (Sociologia,

Economia, etc) que não aquela denominada Ciência do Direito em sentido

estrito.

Para Luis Fernando Schuartz a expressão ‘consequencialismo

jurídico’ é empregada em um sentido amplo “como qualquer programa

teórico que se proponha a condicionar, ou qualquer atitude que condicione

explícita ou implicitamente a adequação jurídica de uma determinada

decisão judicante à valoração das consequências associadas à mesma e às

suas alternativas”.8

As ilações acima reforçam a distinção dantes feita entre as duas

espécies de “consequencialismos”: um interno e outro externo ao direito

7 Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em

julgado da sentença condenatória.

Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá determinar o afastamento do

agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração, quando a

medida se fizer necessária à instrução processual. 8 Consequencialismo jurídico, racionalidade decisória e malandragem. In: RDA n. 248, São Paulo:

Atlas, 2008.

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positivo. Por outro giro, a “valoração das conseqüências” pode se dar no

plano da norma ou fora do espectro normativo.

O consequencialismo externo é vedado pelo sistema do direito

positivo uma vez que a competência dos órgãos aplicadores é outorgada

por normas jurídicas (sobrenormas) para aplicar as normas mesmas e não

qualquer outro dado da realidade. Por isso, o recurso indiscriminado ao

“senso comum”, ao “homem médio”, ao “razoável” e a outros topois,

quando não previstos em hipótese normativa não podem ser levados em

consideração quando da prolação do ato de fala pelo agente aplicador. Da

mesma forma a denominada “análise econômica do direito”. Se é

econômica, então não é jurídica. Os conceitos econômicos não se

confundem com conceitos jurídicos. Se assim fosse, não haveria distinção

jurídica entre receita, lucro, renda e faturamento ou ainda entre detenção,

posse e propriedade.

No mesmo sentido a “função social da propriedade”. Em sentido

normativo, a “função social da propriedade” é aquela que o direito positivo

outorga à propriedade e não a que o “homem médio” deseja (aliás muitos

distúrbios sociais ocorrem por conta de tal mistifório).

O “senso médio” acabou com o senso normativo. O que faz sentido

ao “homem médio” pode não fazer (e normalmente não faz) sentido ao

“homem jurídico”. A conseqüência é radical: o aplicador só deverá levar

em conta os “anseios sociais” em suas decisões se o direito positivo assim o

estipular.

A embrulhada (talvez inconsciente) levada a cabo pela modernidade

entre “fato social”, “fato jornalístico” e “fato jurídico” leva ao repulsivo

aniquilamento do quantum normativo relevante para o aplicador.

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Por isso Neil MacCormick, chama atenção para o fato de que os

adeptos da teoria da argumentação consequencialista entendem que “as

conseqüências comportamentais e o resultados importam no processo de

tomada de decisão”.9

Por óbvio que não é qualquer “consequência comportamental” ou

“resultados” que importam para a tomada de decisão, mas apenas aquelas

juridicizadas pelo direito positivo.

Eis o ponto crucial para distinguir entre o consequencialismo externo

e o consequencialismo interno ao direito positivo.

Neil MacCormick, mais uma vez, fere ponto crucial: “Assim, em

essência, o que eu chamo de direito da argumentação consequencialista é

focado não tanto em estimar a probabilidade de mudanças

comportamentais, mas na conduta possível e em seu determinado status

normativo à luz da decisão que está sendo considerada”.10

A norma jurídica emerge como dado fundamental de controle e

limite para argumentos consequencialistas. A conseqüência de toda norma

jurídica (e qualquer decisão) dever ser mensurada internamente ao direito

positivo e não pelo prisma econômico ou social.

Por isso é precisa a explanação de Neil MacCormick: “Os valores

contra os quais devemos testar as conseqüências jurídica são aqueles que o

ramo do direito em questão considera relevantes”.11

Ora, se o direito positivo enuncia que de uma hipótese H deve-ser a

conseqüência C, tal dado passa a ser relevante na tomada de decisão do

9 Retórica e o Estado de Direito: uma teoria da argumentação jurídica. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p.

149. 10

Idem, p. 147. 11

Idem, p. 152

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aplicador. Todos os efeitos que daí decorrem devem ser testados às luzes de

outros dados normativos.

O grande problema a evitar é a transição “inconsequente” entre os

dois “consequencialismos”. Argumentos não-juridicamente relevantes não

podem se transmudar em juridicamente relevantes como num passe de

mágica do aplicador sob pena de o “argumento consequencialista” se tornar

“argumento inconseqüente”.

E aí valeria a pergunta: para que servem então as normas jurídicas?

Não é difícil enxergar os problemas oriundos da quebra da

homogeneidade normativa: soluções casuísticas e alheias ao sistema do

direito positivo emergem sem qualquer critério ou padrão.

4 – Argumentação consequencialista ou argumentos inconsequentes

na jurisprudência do STF

O lado político do ato jurisdicional exercitado pelo Supremo

Tribunal Federal o faz detentor do poder constituinte material, pode

constituinte ratione materiae. Talvez ninguém com maior precisão do que

Lourival Vilanova analisou a questão:

“E detendo-o, remanesce sempre constituinte originário, titular da decisão

política básica. Na ‘interpretation’, o magistrado aloja-se dentro da

Constituição; na ‘construction’, quando o é no direito público federal, vai

mais além, perpetuando o constituinte primeiro, cujo ato é substancialmente

político. Só judicial às vezes; outras judicial e política: tal é a função

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jurisdicional do supremo órgão da Justiça, subjacente ao qual está a nação

mesma”.12

O alojar-se dentro da Constituição é posição inerente ao interpretar.

O ato de interpretar exercitado pelo Supremo Tribunal Federal é também

ato político uma vez que é exercício de competência outorgada pela própria

Constituição Federal.

Isso não permite à Corte Suprema julgar com base em argumentos

extrajurídicos. Sua competência está adstrita à análise de fato jurídicos

constitucionais. O quantum econômico, político ou puramente social de tais

fatos são irrelevantes para o ato de julgar.

Na história recente do Supremo Tribunal Federal alguns processos

em matéria tributária trazem à tona a linha tênue entre fato jurídico, fato

político e fato jornalístico a ponto de, às vezes, transitarem de argumentos

consequencialistas internos ao direito (norma jurídica) para argumentos

conseqüencialistas extrajurídicos (externos ao direito).

Exemplo claro disso está na petição inicial13

da ADC n.º 18

protocolada pelo Presidente da República que trata da inclusão do ICMS na

base de cálculo do PIS/COFINS e no julgamento da sua correlata cautelar.

Colocando entre parênteses as questões preliminares suscitadas,

argumentos consequencialistas extrajurídicos (ao lado de argumentos

juridicamente relevantes, diga-se por honestidade) preenchem o corpo da

peça exordial e dos votos de alguns Ministros.

A malfada “interpretação econômica” do conceito de “custo” e

“preço” volta à tona quando do deferimento da cautelar suspensiva dos

12

A dimensão política nas funções do STF. Escritos Jurídicos e Filosóficos, vol. 1. São Paulo : Axis

Mundi/IBET, 2003, p. 384/385. 13

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.js

f?seqobjetoincidente=2565325. Acessado em 05 de outubro de 2009.

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processos em curso perante os Tribunais pátrios. Mas o equívoco da visão

econômica (não-jurídica), embora tenha sido o móvel do deferimento da

cautelar, não passou despercebida aos alentados votos divergentes dos

Ministros Marco Aurélio e Celso de Mello:

Não bastassem os votos-divergências, vale a pena atentar para a peça

vestibular do Presidente da República. No tópico IV.4 (fls. 25) fere-se o

espinhoso tema da “segurança jurídica”. Nele, argumentos

consequencialistas extrajurídicos são encontrados a fartura:

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Talvez o exemplo típico de argumento consequencialista

extrajurídico se encontre às fls. 29 do processo:

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Trata-se de argumento desprovido de qualquer elemento de

juridicidade que não pode e não deve ser levado em conta pelo Supremo

Tribunal Federal sob pena de inversão total dos valores estampados na

Constituição Federal.

Em verdade, na classificação aqui adotada tem-se exemplo claro de

“argumento inconseqüente”. Equivaleria ao contribuinte que alega deixar

de pagar o tributo por não ter dinheiro!

Por outro lado a questão da modulação dos efeitos da declaração de

inconstitucionalidade encontra respaldo em norma jurídica no sistema do

direito positivo.

Parecer não haver qualquer problema pelo prisma normativo a

modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no caso da

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Lei Ordinária n.º 8.212/91, artigos 45 e 46 que fixou prazo de dez anos de

decadência e prescrição para as contribuições previdenciárias (RE

560626/RS).

A possibilidade de modulação dos efeitos pelo STF encontra guarida

em hipótese normativa que a contempla, especialmente o artigo 27 da Lei

9868/99.14

Nesse sentido, o argumento do Ministro Gilmar Mendes:

“Daí parecer razoável que o próprio STF declare, nesses casos, a

inconstitucionalidade com eficácia ex nunc na ação direta,

ressalvando, porém, os casos concretos já julgados ou, em

determinadas situações, até mesmo os casos sub judice, até a data de

ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade.

Essa ressalva assenta-se em razões de índole constitucional,

especialmente no princípio da segurança jurídica.

Ressalte-se que, além da ponderação central entre o princípio da

nulidade e outro princípio constitucional, com a finalidade de definir a

dimensão básica da limitação, deverá a Corte fazer outras

ponderações, tendo em vista a repercussão da decisão tomada no

recurso extraordinário sobre as decisões de outros órgãos judiciais nos

diversos processos de controle concreto.

Dessa forma, tem-se, a nosso ver, adequada solução para o difícil

problema da convivência entre os dois modelos de controle de

constitucionalidade existentes no direito brasileiro, também no que diz

respeito à técnica de decisão.

Na espécie, a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da

lei nº 8.212/1991 pode acarretar grande insegurança jurídica quanto

aos valores pagos fora dos prazos qüinqüenais previstos no CTN e que

não foram contestados administrativa ou judicialmente.

Diante desses pressupostos, pondero a esta Corte a conveniência de

modular os efeitos da mencionada declaração de

inconstitucionalidade, de modo a afastar a possibilidade de repetição

de indébito de valores recolhidos nestas condições, com exceção das

ações propostas antes da conclusão deste julgamento.

Nesse sentido, o Fisco resta impedido de exigir fora dos prazos de

decadência e prescrição previstos no CTN as contribuições da

Seguridade Social.

14

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de

segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de

dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia

a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

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No entanto, os valores já recolhidos nestas condições, seja

administrativamente, seja por execução fiscal, não devem ser

devolvidos ao contribuinte, salvo se pleiteada a repetição ou

compensação de indébito, judicial ou administrativamente, antes da

conclusão do julgamento, em 11.6.2008.

Em outras palavras, créditos pendentes de pagamento não podem ser

cobrados, em nenhuma hipótese, após o lapso temporal qüinqüenal.

Por outro lado, créditos pagos antes de 11.6.2008 só podem ser

restituídos, compensados ou de qualquer forma aproveitados, caso o

contribuinte tenha assim pleiteado até a mesma data, seja pela via

judicial, seja pela via administrativa.”

Pelo exposto, vê-se que os argumentos aduzidos pelo Eminente

Ministro Gilmar Mendes encontram-se dentro da hipótese normativa

contemplada no artigo 27 da Lei 9868/99.

Outra coisa, completamente distinta, é o juízo de valor (deontologia

jurídica) sobre se o 27 da Lei 9868/99 seria a melhor opção ou não...

Em todos os casos, a argumentação jurídica não pode seguir a regra

do “tudo é permitido”.

Vale lembrar as sábias palavras de Fiodor Dostoievski em seu

clássico “Irmãos Karamazov”: “Se Deus não existe então tudo é

permitido”. Metaforicamente, traduzida para a Ciência do Direito ter-se-ia:

“Se a norma não existe, então tudo é permitido”.

O discurso desatento dos “princípios” e “direitos humanos”

corrobora a permissividade e liberalidade implantada pela modernidade, o

que leva a pior espécie de autoritarismo: a autoridade da autoridade, porque

é autoridade!

Com isso, mata-se o objeto de estudos, tal qual, matou-se o Salvador

que morreu (para ressuscitar) dizendo: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o

que estão fazendo!”