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    M ar lon Tom azet teA te oria da argum ent ao jurdica e a just if icao das decises cont ra legem

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    Direi to e Prxis, vol . 03, n. 02, 2 011

    A teo r ia da argum en tao e a just if icao das decises contra legem

    M ar lon Tom azet te 1

    RESUM O

    O presente t rabalho tem como objeto a anl ise da just i f icat iva das dec ises judic ia is queaparentement e so cont ra legem. A hiptese levantada no presente t rabalho que possvelanal isar a correo das dec ises judic ia is , mesmo quando elas aparentemente contrar iam otexto da le i . O marco ter ico ut i l izado foi a teor ia da argumentao jur dica que capaz de

    aferir a correo das decises judiciais , tantos nos casos claros, quanto nos casos dif ceis,permi t indo inc lus ive eventuais dec ises, que fujam da s igni f icao aparentemente mais bv iada le i , sejam consideradas corretas, quando fundamentadas em pr incpios ou nasconsequncias.

    Palavras chave: Argum ent ao Jur dica Princpios Consequn cias

    ABSTRACT

    This paper focuses th e analysis of th e just i f icat ion of judic ia l dec is ions th at are seemingly cont ra legem. The h ypot hes is in th is stu dy is th at i t is possible to analyze t he cor rectness of ju dic ialdec isions, even w hen t hey seem ing ly cont rad ict t he t ex t o f t he law. The theoret i ca l f ramew orkused w as th e th eor y of legal reason ing th at is able to assess th e corre ctne ss of ju dicial decisions,so in clear cases, as in hard cases, even al lowing any decisions, that f lee the seemingly mostobv ious meaning of the law, are cons idered correct , when based on pr inc iples or theconsequences.Keyw ord s: Legal reasoning Principles Con sequen ces

    1. IN TROD UO

    1 M estre e Dout orando em Direi t o no Centro U niversi trio de Brasl ia (UniCEUB). Professor d e Direi to Comer cial, naEscola Superior do Ministrio Pbl ico do Distr i to Federal e Terr i tr ios e no Inst i tuto de Direi to Pbl ico - IDP.Procurador d o Distr i to Federal e advogado.

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    O presente t rabalho tem como objeto a anl ise da correo das dec ises judic ia isem casos nos quais elas aparentemente so contra legem. M esm o ne sses casos, em qu e adeciso judicial foge do sent ido mais bvio da lei , possvel anal isar sua correo, a part ir das

    just if icat iv as q ue so ap resen t ad as. Tan t o em caso s f c eis, q uan t o em caso s d if ceis, a s d eci s es

    jud ic ia is p reci sam ser just if icadas e as just if icat iv as u t il iza das perm it ir o av al ia r a co r re o ouno d a dec iso.O mundo jurdico um dos campos mais frteis para a at iv idade argumentat iva, na

    m edida em qu e o Di re i to l ida pr imo rd ia lm ente com a tare fa de convenc im ento. Tal ta re fa nose rest r inge a atuao dos advogados, mas tambm a just i f icao das dec ises. Na atualconcepo do Direi t o, o papel do ju iz no se limi t a repro duo l i teral do qu e se encont ra emlei . E la no representa todo o di rei to, mas apenas um dos elementos, ta lvez o pr inc ipal , naatuao dos julgadores. Em certos casos, deve-se admit ir a superao do teor l i teral da lei , luzdos pr incpios que do coernc ia ao s is tema jurdico, bem como pelas consequncias quepodem decorrer da dec iso.

    Inicialmente, dentro dessa perspect iva, essencial apresentar as l inhasfundamentais da teor ia da argumentao jur dica, no aspecto espec f ico da just i f icao dasdecises. Dentro da anl ise da argumentao jurdica das decises judiciais devem seranal isados os diferentes casos nos quais essa argumentao feita. Assim, sero separados oscasos claros, os casos dif ceis e os casos trgicos, anal isand o -se e m cada cum deles as tcnicasde argum ent ao e os cr i tr ios para afer io d a correo d as dec ises. A expo sio d as ideiasfundamenta is da teor ia da argumentao jur d ica impor tante para mos t rar c r i t r ios deaferio da corre o de decises jud iciais, fazendo a separao ent re casos e isso ganh a aind am ais imp ort nc ia nas dec ises contr a a le i .

    No se desconhece o contexto da descoberta, mas a preocupao ser centradadentro do contexto da just i f icao, pois nesse contexto, no qual ser possvel a afer io da

    correo d as decises, luz de cri t rios racion ais. Neste par t icular, deve ser destacada a funoprt ica da argum ent ao jur dica e sua apl icao n a just i f icao das decises jud iciais. Esse om arco ter ico do p resente t r abalho, que ser ut i l izado especialm ent e a part i r do s t rab alhos deDw ork in, Alexy e M acCorm ick, cujas ideias perm i t i ro a an l ise da correo das dec ises

    jud ic ia is, in cl usiv e aq uelas que apar en t em en t e so cont ra legem. Tant o na t r adio da c o m m o n la w quanto na t rad io da civi l law h casos em que a le i , em sent ido est r i to, poder sercont rariad a nas decises, com base nos prin cpios e nas con sequn cias da deciso.

    2 A ARGUM ENTAO COM O U M JOGO DE LINGUAGEM

    O convvio social em geral exige que se estabelea a comunicao entre os seuspar t i c ipantes . Es ta comunicao se opera por meio do compar t i lhamento de um jogo del inguagem, entendido aqui como a total idade formada pela l inguagem e pelas at iv idades comas quais ela vem entrelaada 2. Ass im , por m eio dos jogos de linguagem podem serdesenvolv idas diversas at iv idades como: ordenar que algo seja fe i to, descrever um objeto,

    2 WITTGENSTEIN, Ludwig. Invest igaes f i losf icas. Traduo d e M arcos G. M ont agnol i . 6. ed. Petrop l is: Vozes,2009, p. 19.

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    re latar um acontec iment o, produ zi r um ob je to , cantar , ad iv inhar , argumentar , dent re out r os . Orol apresentado meramente i lus t rat ivo, mas suf ic iente para mostrar a divers idade denatureza desses jogos, sendo oportuno esc larecer que o que ex is te ent re os vr ios jogos del inguagem apenas uma sem elhana fam i l iar 3. Eles no so idn t icos, m as com part i lham certas

    sem elhanas, em especial o fat o de serem regidos por r egras4

    .Dentre os vr ios jogos de l inguagem, interessa para o presente t rabalho apenas aargumentao, is to , o jogo que consis te na arte de procurar, em s i tuao comunicat iva, osmeios de persuaso disponveis 5. Em outras palavras, argumentar s igni f ica tentar convencerseus int er locuto res por m eio de um a persuaso rac ional , afastand o qu alquer ideia de im po siopela fora. Argumentar uma at iv idade que, valendo-se de recursos lgico-formais e del inguagem, tenta convencer out rem de que um determinado sent ido ou tese a melhora lternat iva para so luo de um prob lem a ou um a d i f i cu ldade 6. Nesta at iv idad e, so expo stasrazes para chegar a cert as con cluses, as qu ais po dem ser apl icadas aos casos em anl ise 7 .

    Quem argumenta quer convencer seu aud i tr io , quer provocar ou aumentar aadeso desse audi t r io s teses que so apresentadas. A argum ent ao n o se prop e apen as aconvencer, mas em mui tos casos quer provocar uma ao ou preparar para ela, atuando porm eios discursivos sobre o esp r i to d os ouv int es 8. Para conseguir esse ob jet ivo, a argum ent aose ut i l iza do discurso, ou seja, a argumentao usa a l inguagem como inst rumento essencialnessa tarefa de convencimento. Neste part icular, a argumentao pressupe a ex is tnc ia deuma l inguagem em comum, is to , de uma tcn ica que poss ib i l i t e a comunicao ent re ospart ic ipantes9. Por meio dessa l inguagem comum haver um conta to in te lec tua l ent re ospart ic ipantes para que po ssa tent ar conven cer o ou v inte da sua tese.

    A par t i r do m om ento em que possve l o conta to in t e lec tua l ent re os par t i cipantes,pode-se falar em argumentao. Dentro dessa perspect iva, pode-se v isual izar os campos damoral e do Direi to como prpr ios para o jogo de l inguagem da argumentao. Os discursos

    morais e jurdicos so jogos de l inguagem sui generis, que com par t i lham regras prpr ias e tmcomo tarefa essencial o convenciment o. O presente t r abalho ser centrado especi f icament e naargum ent ao jur dica.

    3 A ARGUM EN TAO JURDICA COM O U M CASO ESPECIAL DA ARGU M ENTAO PRTICA

    3

    Ib idem , p. 52.4 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 73.5 RODRGUEZ, Victor Gabriel. Argum entao jur dica: tcnicas de persuaso e lgica informal. 4. Ed. So Paulo:M art in s Font es, 2005, p. 13.6 VOESE, Ingo. Um estudo da a rgum entao jur dica. Curit iba: Jur u, 2001, p. 29.7 SINCLAIR JR, Kent. Legal reasoning: in search of an adequat e t heor y of argum ent . Cali forn ia Law Review, v.59,1971, p. 824-825.8 PERELM AN , Cham ; OLBRECHTS-TYTECA, Luc ie. Tratado da argumentao. Traduo de M aria Erm antina deAlm eida Prado Galvo. So Paulo: M art ins Fontes, 2005, p. 53.9 Ib idem , p. 17.

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    Indiscut ivelmente a prt ica jur dica um dos campos mais frteis para o jogo del inguagem da argumentao. O Direi to uma disc ipl ina argumentat iva 10 . Os bons juristascostu m am ser caracter izados justam ente p ela capacidade de const rui r argum ent os e manej- loscom habi l idade 11 . Na maior parte da at iv idade jur dica, os prolatores do discurso querem

    convencer seus ouv intes, provocando uma ao ou preparando para ela. Ass im, quando umadvogado apresenta uma pretenso em juzo, ele quer convencer o ju iz de que aquelapretenso dever ser acolhida e, consequentemente, dever ser profer ida uma sentenaacolhend o a pret enso. Port anto , no h dv ida de que a prt ica jur dica consisteessencialm ent e em argum ent ar, o qu e se real iza por m eio da l inguagem , renu nciando ao uso dafor a f sica ou da coao p sicol gica12 .

    A argumentao jur dica , portanto, o inst rumento essencial da prt ica jur dica eser tomada como um campo mais res t r i to da argumentao pr t i ca em gera l 13 , no seconfundindo com esta. Essa concepo fundamentada por Alexy 14 nas semelhanas edist ines ent re a argum ent ao p rt ica em geral e a argum ent ao jur dica. O discurso jur dicopossui certas semelhanas com a argumentao prt ica em geral , na medida em que tambml ida com questes prt icas e tam bm possui um a preten so correo. Cont ud o, h di ferenascruc iais ent re os dois m bi tos de argum ent ao, na m edida em que a argum ent ao jur dica l imi tada. Os t ipos de l imi t aes sero var iveis a depender do cam po da d iscusso jur dica, mas,em todo caso, cer to qu e ex istem l im i tes que n o so n orm alm ente imp os tos na razo pr t i caem geral. Para Alexy15 , a lim i tao da argum ent ao se d pe la v inculao ao Direi to v igente.

    O prpr io Alexy af i rma que sua tese pode ser atacada de t rs maneiras: nasdiscusses jurdicas, no se trata de questes prt icas; no h a pretenso a uma correo naargumentao jurdica; e as l imitaes vigentes na discusso jurdica impedem que elas sejamchamadas de d iscurso. M anuel At ienza acrescenta m ais um a crt ica a essa tese, discordand o dapossibi l idade de l im i tao pela v inculao ao ord enam ent o jur dico, af i rm ando q ue a ex istn c ia

    de l imi taes impostas pelo di rei to v igente s igni f icar ia que a rac ional idade na apl icao doDirei to dependeria da rac ional idade da legis lao. Ele af i rma que essa l imi tao levar ia aconcluso de que a argumentao do ju iz , das partes no processo ou dos dogmt icos no independente da que ocor re no par lamento ou nos rgos admin is t ra t i vos que produzemno rm as jurdicas vl idas 16 .

    10 M ACCORM ICK, Neil. Retrica e Estado de Direi to. Traduo Conr ado Hb ner M endes. Rio de Janeiro: Elsevier,2008, p. 19.11 ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 17.12

    BUSTAM ANTE, Thom as da Rosa. Argumentao cont ra legem: a teoria do discurso e a just i f icao jurdica noscasos mais difceis. Rio d e Janeiro : Reno var, 2005 , p. 45.13 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 45; FREITAS FILHO, Roberto. Interveno judicial nos contratos e apl icao dos princpios e dasclusulas gerais: o caso do leasing. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2009, p. 12; ZRATE, Fermin Torres;M ARTNEZ, Francisco Garca. La argum ent acin jurdica y su im pacto en la act ividad judicial de M xico. Alegatos,nm s. 68-69, M xico, ener o/ agosto de 2 008, p. 260; PAVLAKOS, Georgios. The Special Case Thesis. An Assessm entof R. Alexys Discursive Theory o f Law . Rat io Juri s. Vol. 11 No. 2 Jun e 1998, p.126 154.14 ALEXY, Rober t, op . Cit., p. 210-21 7.15 Ib idem , p. 210.16 ATIENZA, M anuel, op . Cit., p. 213.

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    Tais cr t icas parecem infundadas. Em pr imeiro lugar, embora a argumentaoju r d ica possa, em al gu ns caso s, ser um a d iscu sso pu ram en t e t e r ica o u descr it iv a, ce r t o quena maior ia dos casos o discurso jur dico se preocupa essencialmente com questes prt icas.Es tas ques tes desempenham um papel fundamenta l tanto na pr t i ca , quanto no prpr io

    es tudo do Di re i to17

    . A ex is tnc ia de questes puramente ter icas no afasta a preocupaoprt ica do discurso jur dico.Alm disso, certo que h uma pretenso correo em todo discurso jur dico. A

    fundam entao inerent e a tod a argument ao jur d ica dem ons t ra que e la pre tende ser cor re ta .Se no hou vesse essa pret enso, no h aver ia a m enor necess idade d e fu ndam ent ao. No casode processos judic ia is , a questo um pouco mais complexa, na medida em que as partes,norm alm ente, buscam um a sat isfao pessoal por m eio da sua argument ao. M esm o n estecaso, ao m enos idealm ent e, as part es pret endem que sua argum ent ao seja corret a. O fato detais argumentos serem usados nas dec ises corrobora a ex is tnc ia dessa pretenso decorreo 18 .

    Ademais, a ex is tnc ia da v inculao ao ordenamento jur dico v igente tambm caracters t ica do discurso jur dico. Alexy, em nen hum m om ent o, faz a af i rm ao da v inculaodas rac ional idades como af i rma At ienza. Ele reconhece a ex is tnc ia de diversos campos dediscusso jur dica, cada q ual com seus l im i tes, havendo, por exem plo, l im i tes tem porais (prazos)regulados po r le is pro cessuais, no caso da argum ent ao jur dica em p rocessos. M aisespeci f icam ent e, ele reconhece a necessr ia v inculao ao o rden am ent o jur dico v igente, o q ueocorrer d e m aneiras di ferent es nos diversos cam pos jur dicos, m as sempr e ocorr er 19 .

    A argum ent ao jur dica , port anto , um caso especial da argum ent ao pr t ica emgeral . Tal re lao s igni f ica que e las no se iden t i f icam, m as que h um a coinc idncia est ru tu ralparc ial ent re os dois m bi to s de argumen tao. Alm disso, pod e-se af i rm ar que aargumentao pr t i ca gera l cons t i tu i o fundamento pr imord ia l da argumentao jur d ica, na

    m edida em qu e esta depende daquela 20 .

    4 A FU NO PRTICA D A TEORIA D A ARGUM ENTAO JU RDICA

    Def inidos os contornos gerais da argumentao jur dica, importante def in i r quaisso suas funes especf icas, alm da funo genrica de persuaso inerente a todaargum ent ao. Para M anuel At ienza, a argumen t ao jur dica dever ia cump ri r basicam ent e t rsfunes: uma de carter ter ico ou cognosc i t ivo, out ra de natureza pol t ica ou moral e umatercei ra de nat ureza prt ica ou t cnica 21 . Em bora ele no concor de com a con cepo de Alexysobre a argumentao jur dica, ta is funes se enquadram perfei tamente dentro dessa

    concepo adotada pelo p resente t rabalho.

    17 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 211.18 Ib idem , p. 216.19 Ib idem , p. 210.20 Ib idem , p. 278.21 ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 224.

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    A pr imeira funo da argumentao jur dica est di retamente relac ionada com apossibi l idade d e cont r ibuio para o desenvolv imen to de o ut ras disc ipl inas e a possibi l idade deum a melho r com preenso do fen m eno jur dico e da prt ica argum ent at iva. J a funo po l t icadiz respei to ideo logia jur dica que est na base de qualquer concepo d a argum ent ao. Por

    f im, a fun o prt ica est relac ionad a capacidade d a argum ent ao jur dica de ofe recer um aorientao t i l na produo, apl icao e interpretao do Direi to, bem como na const ruo desistem as jur dicos e no forn ec im ent o de um a base adequada para o ens ino do Direi t o 22 .

    Dentre ta is funes o presente t rabalho est centrado na funo prt ica ou tcnicada argumentao jur dica, a qual pode atuar bas icamente em t rs campos: a produo ouestabelec imen to de n orm as jur dicas, a apl icao de n orm as jur dicas e a dogm t ica jur dica23 . Opr imeiro campo representa a atuao legis lat iva, abrangendo desde a discusso at aelaborao de n orm as. O segundo cam po represent a a soluo de con tro vrs ias pelos juzes emsent ido amplo, abrangendo a atuao do Poder Judic ir io, de Tr ibunais Adminis t rat ivos oumesmo de part iculares na arbi t ragem. Por f im, ainda se poder ia cogi tar da argumentao

    ju r d ica na dogm t ica ju r d ica, ist o , no est udo do Direit o . E den t re esse s cam pos, o p resen t et rabalho se preocupa essencialmente com a apl icao de normas jur dicas na soluo decont rov rsias, em especial pelo Pode r Jud icirio .

    Dentro desta perspect iva, h divergncias quanto poss ibi l idade de aprec iaocrt ica do discurso jur dico. A q uesto con siste em saber se possvel ou no haver u m a d ecisorac ional no campo jurdico e se essa rac ional idade pode ser compart i lhada e aprec iadacr i t icamente 24 . Nessa controvrsia, podem ser visual izados dois grandes grupos, os quesustentam a poss ibi l idade da anl ise cr t ica do discurso jur dico e os que negam essapossibi l idade, emb ora den tr o de cada grupo ex istam tam bm divergncias.

    Para os que negam a po ssibi l idade d e aprec iao crt ica da argum ent ao ju r dica, aquesto da correo do discurso jur dico no possui qualquer relevncia para a c inc ia do

    Direi to 25 . Kelsen af i rm a que no h absolutam ent e qu alquer m to do capaz de ser c lassi f icadocomo de Dire i to Posit ivo, segundo o q ual , das vr ias s igni f icaes verbais de um a no rm a, apenasum a possa ser destacada com o corret a 26 e, por isso, no seria po ssvel c ient i f icamen te veri f icara correo do discurso jur dico, send o sua val idade afer ida apenas pela legi t im idade dopro la tor . Har t , de forma s imi lar , a f i rma que completamente incuo d izer que uma dec isoprofe r ida por u m t r ib unal fo i errada, afastand o tam bm a possibi lidade de aprec iao crt ica dacorreo ou no da argumentao em tais dec ises 27 . Nes ta l inha de entend imento, no hqualquer sent ido em aprec iar cr i t icamente a argumentao jur dica, uma vez que a val idadeser ver i f icada apenas por sua prolao po r um em issor com pet ent e.

    22 Ib idem , p. 224-225.23 Ib idem , p. 18.24 FREITAS FILHO, Ro ber t o. Interveno judicial nos contratos e apl icao dos princpios e das clusulas gerais: ocaso do leasing. Port o Alegre: Sergio An to nio Fabris, 2009, p. 12.25 Ib idem , p. 12-13.26 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direi to. Traduo de Joo Bapt ista M achado. 7. Ed. So Paulo: M art ins Font es,2006, p. 391.27 HART, H. L. A. O conceito do di rei to. Traduo de Antonio de Ol iveira Sette-Cmara. So Paulo: WMF Mart insFontes, 2009, p. 183.

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    De outro lado, h quem sustente a poss ibi l idade de aprec iao cr t ica daargumentao jur dica, de modo que ser ia possvel af i rmar que h pelo menos uma decisocorre ta a ser tomada em determinado caso 28 . Nesta perspect iva, o dever de correo dodiscurso em seus aspectos de coern c ia e cons istn c ia, bem com o sua lgica int erna p ode m ser

    apreciados29

    e, por isso, a argum ent ao jur dica po de ser ob jeto de ap rec iao crt ica. A ideiaessencial dos defensores dessa opinio ev i tar arbi t rar iedades nos discursos do Direi to. Afund am ent ao ad equada das dec ises judic iais condio da p ossibi l idade crt ica em face daideia de corr eo do discurso jur dico 3 0. A argum ent ao jur dica ser ia, por tant o, um cr i tr iopara a ver i f icao da correo das dec ises31 . O presente t raba lho par t i r des ta l t imaconcepo e tomar como parmet ro a assuno de que os ju lgamentos podem ser

    just if icv eis e de q ue t ai s just if icat iv as podem se r av al ia das cr it icam en t e 32 .

    5 A ARGU M EN TAO JU RDICA NAS DECISES JU DICIAIS

    Numa pr imeira fase da ideologia judic ir ia, anter ior Revoluo Francesa, no sedava grande imp ort nc ia fundam ent ao das dec ises judic ia is, emb ora ho uvesse um a nfaseno carter justo d a soluo d os casos concretos33 . Em bora bem inten c ionada, ta l ideologia davamargem a arb i t rar iedades , na medida em que no hav ia uma forma de cont ro le da cor reo

    jud ic ia l. As t eo r ia s da argu m ent ao ju r d ica su rgi ram para ev it ar ar b it rar ie dad es,especialmente nas decises judiciais. A part ir da Revoluo Francesa, passa a haver uma maiorpreocup ao com a legal idade e a segurana jur dica, acent uand o-se o aspecto s is tem t ico doDirei to, passando-se a busca de uma soluo equi tat iva e razovel , dent ro dos l imi tes dos is tema jurdico. Ass im, desde a revoluo, h uma preocupao em tornar as dec isesacei tveis e, neste p art icular, o recurso a t cnicas argum ent at ivas se t orn a indispensvel34 .

    A prpr ia ex igncia const i tuc ional de fundamentao das dec ises judic ia is

    (Const i tuio Federal de 1988 art . 93, IX) a demonstrao clara dessa necessidade deargumentao nas decises judiciais, para sua aceitao e apreciao cr t ica. Registre-se que afund am ent ao n ecessr ia a toda d ec iso judic ia l n o req uer exc lusivamen te a apro vao dacomunidade jur dica, mas tambm a aprovao das prpr ias partes em l i t g io e da opiniopb l ica em geral , sob o r isco de representar at o com pletam ent e divorc iado da real idade ft ica ecarent e de legi t im idade 35 . O Estado de Direi to ex ige essa just i f icao e como o d i rei to t em um a

    28 Dworkin entende que h uma nica deciso correta (DWORKIN, Ronald. Object ivi ty and Truth: You'd BetterBel ieve i t . Phi losophy and Publ ic Affairs, Vol. 25, No. 2. Spring, 1996, p. 87-139). Nei l M acCorm ick e Robert Alexy

    enten dem que h pelo men os uma deciso correta e no necessariam ent e apenas um a deciso corret a.29 FREITAS FILHO, Rob ert o, o p. Cit., p. 13.30 Ib idem , p. 11.31 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 280; GORDLEY, James. Legal reasoning: an introduction. Cali forn ia Law Review. V. 72, n. 2, M arch1974, p. 177.32 FREITAS FILHO, Rob ert o, o p. Cit., p. 11.33 PERELM AN, Cham . Lgica jurdica. Tradu o de Virginia K. Pupi. So Paulo: M art ins Fon te s, 1998, p. 184.34 Ib idem , p. 185.35 M ENDONA, Paulo Robert o Soares. A argumentao nas decises judiciais. 3. Ed. Rio de Janeiro: Reno var, 2007,p. 140.

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    funo soc ial para cum pri r , no se pode adm it i r um di rei to sem r efern c ia soc iedade que devereger 36 e, por isso, a m ot ivao b usca tam bm a aceitao social .

    Essa necessidade de fundamentao das decises judiciais, para fugir ao risco dasarbi t rar iedades, fo i in ic ialm ent e apresentada com o a ap l icao exc lusiva do r ac iocnio d edut ivo

    s decises jud iciais. Haveria ape nas a sub suno do s fatos no rm a e sua apl icao, sob a t icada lgica formal . Haver ia um rac iocnio s i logs t ico, no qual a norma far ia o papel de premissam aior, os fatos representar iam a prem issa m enor e a dec iso ser ia a conc luso desse rac iocnio.A aprox imao ent re o Direi to e a matemt ica dever ia garant i r o func ionamento prev is vel eimp arc ial dos t r ibu nais.

    Contudo, atualmente, ta l concepo j no pode ser admit ida, uma vez que essalgica form al no suf ic iente para f und am ent ar as decises judic ia is em to dos os casos37 . Noh como se cogi tar de dec ises judic ia is mecnicas38 . A lexy apresenta quatro s i tuaes quedem onstram essa im possibi l idade, essa insuf icinc ia da lgica fo rm al , a saber: a im prec iso d al inguagem, o conf l i to ent re normas, a ex is tnc ia de lacunas e poss ibi l idade excepcional dedecises contra a lei 39 . Nestes casos, a ideia da argumentao jurdica no a mesma ideia daargumentao matemt ica, nesta se buscam verdades e naquela veross imi lhanas 40 . No sepode admit i r exc lus ivamente a apl icao do modelo s i logs t ico ao processo de prolao dedecises jud iciais4 1. A insuf ic incia da lgica for m al para a just i f icao das decises jud iciais,no s igni f ica que ela no seja t i l para a prt ica. Com efei to, a inda ex is tem alguns poucoscasos42 em que o rac iocnio ju r d ico se opera pe la lgica form al , is to , por m eio de r ac iocniosessencialmente dedut ivos43 . Todavia, na m aioria d os casos, essa lgica no con segue solucionaros problemas que se apresentam. V-se, portanto, que h uma var iedade de tcnicasargum ent at ivas po ssveis nas decises judiciais.

    Com efei to, no se pode adm it i r que a argum ent ao jur dica seja idnt ica em t odo sos casos submet idos aprec iao do judic ir io. H casos que demandam maior esforo

    argumentat i vo e casos que demandam menor es foro argumentat i vo . A conc luso de queexis tem vr ias formas de argumentao jur dica, levou alguns doutr inadores a cr iarem umaclassif icao dos casos submetidos apreciao judicial, em casos fceis ou claros 4 4 e casosdifceis45 e, em razo disso, separar as tcnicas argumentat ivas empregadas. A isso acrescente-

    36 PERELM AN, Cham, o p. Cit., p. 24 1.37 M ENDONA, Paulo Rober to Soares, op. Cit., p. 140; SINCLAIR JR, Kent. Legal reasoning: in search of an adeq uatetheory o f argument . Cali fo rnia Law Review, v.59, 1971, p. 858.38 GORDLEY, Jam es. Legal reasonin g: an int ro duct ion. Cali fornia Law Review. V. 72, n. 2, M arch 1974, p. 143.39

    ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 33-34.40 VOESE, Ingo. Um estudo da a rgum entao jur dica. Curit iba: Jur u, 2001, p. 32.41 M ONTEIRO, Claudia Sevilha. Teor ia da argumentao jur dica e a nova retr ica. 2. Ed. Rio de Janeiro: LumenJur is, 2003, p. 134 -135.42 BUSTAM ANTE, Thom as da Rosa. Argumentao cont ra legem: a teoria do discurso e a just i f icao jurdica noscasos mais difceis. Rio d e Janeiro : Reno var, 2005 , p. 51.43 M ACCORM ICK, Neil. Argum entao jur dica e teor ia d o di rei to. Traduo d e W alda Barcelos. So Paulo: M art insFontes, 2006, p. 24.44 Ib idem , p. 68.45 DW ORKIN, Ronald. Har d cases. Harvar d Law Review, v. 88, n. 6, april 1975 , p. 1057-1109 .

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    se a m eno a casos t rgicos, inser ida po r M anuel At ienza dent ro d a perspect iva da teor ia daargumentao46 .

    5.1 CASOS CLAROS

    Com o a p rp r ia term inologia adot ada indica, os casos fceis ou c laros so aqu elesque dem andam m enor es foro argument at i vo do d ecisor . De fa to , h casos que no susci tamgrandes dif iculdades para o intrprete do Direito, pois as premissas ut i l izadas no necessitamser discut idas ( no sendo necessr io apresentar argum ent os para just i f ic- las ) , de m odo qu eas concluses podem ser infer idas sem maior esforo argumentat ivo 47 . Em outras palavras,casos c laros so aqueles que ningum problemat izou, seja em bases concretas, seja nocontext o m ais te r ico prp r io aos jur istas 48 . A prin cpio , o q ue h nesses casos a po ssibi l idadede um a soluo m ais simp les.

    Nesses casos, a argumentao se dar ia de forma eminentemente dedut iva, valedizer, por meio de um rac iocnio s i logs t ico, o caso poder ser soluc ionado. Dentro dessaperspect iva, a argum ent ao ser ia vl ida se, n o im port a qual seja o teor das prem issas e daconcluso, for ta l qu e suas prem issas de fato imp l iquem (ou acarretem ) a conc luso 49 . Seriamcasos que se resolver iam exc lus ivamente por meio de uma just i f icao interna, pela qualveri f ica-se se a deciso decor re de f orm a lgica das prem issas5 0.

    A dec iso nesses casos indiv iduais deve ser fundamentada em proposiesuniversais que os julgadores estejam dispostos a apl icar em todos os casos idnt icos 51 . Aun iversal idade seria a exigncia da just ia fo rm al nos casos con creto s. Em snt ese, M acCorm ickaf i rma q ue a no o d e just ia form al ex ige qu e a just i f icao d e dec ises em casos indiv idu aisseja sem pre fun dam ent ada em p rop osies un iversais que o ju iz esteja disposto a adot ar com obase para determ inar out ros casos semelhant es e dec idi - los de m odo sem elhante ao at ual 52 . O

    requis ito d a universal idade , port ant o, a apl icao do pr incpio da igualdade argum ent aoju r d ica, im ped in do , a p r in cp io , d eci s es d if e ren t es n as m esm as sit uaes.

    Mesmo com a ex igncia da universal idade, h quem considere equivocada aaf i rmao de q ue os casos c laros podem ser resolv idos pelo ju iz a part i r d e um rac iocnio lgico-dedut ivo 53 . Todavia, inegvel que h casos em que a dec iso judic ia l se d por meioexc lus ivamente do rac iocnio dedut ivo. Imagine-se uma demanda na qual se busca acondenao de um devedor inad implente ao pagamento da mul ta cont ra tua lmenteestabelec ida. A premissa maior da argumentao, num caso desse t ipo ser ia a prev isonormat iva apl icvel ao caso pela qual quem est voluntar iamente inadimplente obr igado a

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    ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 226.47 BUSTAM ANTE, Thom as da Rosa, op. Cit., p. 43.48 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 69.49 Ib idem , p. 26.50 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 217-218.51 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 126 .52 Ib idem , p. 126.53 STRECK, Ln io Luiz. Verdade e Consenso: Const i t uio Herm enut ica e Teorias Discursivas. Rio de Janeiro: Lum enJur is, 2006, p. 201.

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    pagar um a m ul ta . A prem issa m enor ser ia a si tuao de fa to conf igurada pe lo inad implem entovolunt r io do d evedo r daque le cont rato . Diante d isso, a conc luso ser necessar iament e que odevedor tem a obr igao de p agar a m ul ta est ipu lada.

    Contudo, nem sempre tal t ipo de argumentao ser possvel , nem sempre a

    soluo se dar apenas po r m eio da just i f icao int erna, por m eio de um rac iocnio de dut ivo. Ospr inc ipais defensores54 dessa poss ibi l idade de argumentao dedut iva tambm reconhecem asua insuf ic incia e adm item a exist ncia dos cham ados casos dif ceis. M esmo po sit iv istas com oHart reconhecem a ex is tnc ia desse t ipo de caso, no qual o Direi to no fornece di retamenteum a dec iso, pe lo que e les asseveram um carter incomp leto do prp r io Di re to 55 .

    5.2 CASOS DIFCEIS

    H casos di f ceis quan do surgem pro blem as de just i f icao d as prpr ias prem issas56 ,is to , quando nenhuma regra estabelec ida determina di retamente a soluo para o caso 57 .A lexy apresenta quatro s i tuaes que demonstram a ex is tnc ia de casos di f ceis , a saber: aimprec iso da l inguagem, o conf l i to ent re normas, a ex is tnc ia de lacunas e poss ibi l idadeexcepcional de decises con tr a a lei58 . A ideia bsica em to das essas situ aes qu e no h um aresposta c lara para o pro blem a.

    De forma s imi lar , MacCormick que no se t rata de um caso c laro, quando surgemproblemas para a soluo desse caso que podem consis t i r em problemas de relevncia,prob lem as de interp retao, pro blem as de prova ou pro blem as de qual i f icao 59 . H prob lemasde relevncia, quando ex is tem dvidas sobre que a norma apl icvel . J os problemas deinterpretao dizem respei to a def in io do contedo da norma apl icvel . Por sua vez, osprob lem as de pr ova dizem respei to a dv idas sobre os fatos a serem considerado s na dec iso.Por f im , os prob lemas de qua l if i cao ocor rem quando h dv idas se um fa to p ode ser ou no

    enquadrado na norm a ap l i cve l. Da mesma form a, o comu m ent re os d iversos prob lem as aausncia de um a resposta c lara.

    Nessas situaes, a simples deduo no se mostra suf ic iente para solucionar aquesto e, neste part icular ent ra o pr inc ipal foco das teor ias da argumentao jur dica. ParaHar t , a incom pletude d o o rdenam ento ju r d ico ser ia so luc ionada pe la a t r ibu io de um poderdiscr icionr io para o ju iz6 0. Contudo, ta l l iberdade poder ia dar margem a arbi t rar iedades e, porisso, dever ia ser ev i tado. A part i r da , os no-pos i t iv is tas tentam encontrar cr i tr ios quepo ssibi l i tem a apr eciao cr t ica das decises m esmo nesses casos dif ceis.

    54 M ACCORM ICK, Neil. Argum entao jur dica e teor ia d o di rei to. Traduo d e W alda Barcelos. So Paulo: M art ins

    Fon te s, 2006, p. 8 3; ALEXY, Robert . Teor ia da a rgum entao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2.Ed. So Paulo: Landy, 20 05, p. 22 4.55 HART, H. L. A. O conceito do di rei to. Traduo de Antonio de Ol iveira Sette-Cmara. So Paulo: WMF Mart insFontes, 2009, p. 351.56 BUSTAM ANTE, Thom as da Rosa. Argumentao cont ra legem: a teoria do discurso e a just i f icao jurdica noscasos mais difceis. Rio d e Janeiro : Reno var, 2005 , p. 43.57 DWORKIN, Ronald. Levand o os direi to s a srio. Traduo de Nelson Boeira. So Paulo: M art ins Fontes, 2002, p.131.58 ALEXY, Robert, op. Cit., p. 33-34.59 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 127 .60 HART, H. L. A, op . Cit ., p. 352 .

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    Para Ronald Dwork in, nos casos di f ceis em que nenhuma regra estabelec ida di tauma deciso c lara, a soluo pode ser dada por meio de pr incpios ou por pol t icas6 1. No sepod e, para ele, adm it i r um a discr icionar iedade, no sent ido fo rte, que bei ra a arbi t rar iedade. Hfor m as de se saber q ual a deciso cor ret a nesses casos, seja a part ir de p rincpios, seja a part ir

    de pol t icos. Regis t re-se, de imediato, que para Dwork in, os pr incpios representar iam umarazo que conduz o argument o em um a cer ta d i reo, m as [ainda assim] necessi ta de um adeciso part icular 62 e, possuir iam a dim enso do p eso ou im port nc ia, ausent e nas regras.

    Em bora ex t rem ament e imp or tant e , essa op in io de Dw ork in no se preocupa com aargumentao jur dica. Os pr inc ipais autores que se preocupam com a argumentao jur dicano s casos dif ceis so Rob ert Alexy e Neil M acCorm ick, cujas ideias se apro xim am , mas seroexpostas separadam ent e a seguir .

    5.2.1 A argum ent ao jurdica no s casos difceis par a Robe rt Alexy

    Para Alexy, nem sempr e possvel resolver um caso a part i r da just i f icao inter na,is to , a part i r de um rac iocnio eminentemente dedut ivo. Nesses casos di f ceis , surgi r ia anecess idade de um a ju st i f icao extern a, isto , um a just i f icao das pr pr ias prem issas usadasna just i f icao, que podem ser de diversos t ipos. Tais premissas podem ser regras de di rei topos i t ivo, que sero just i f icadas a part i r da ver i f icao da sua conformidade com o s is tema

    ju r d ico . Tam bm p odem ser en unciad os em p r ico s, q ue p odero se r just i f icad os pe lo s m t odosdas cinc ias naturais , pelas mximas de p resuno ou at p elas regras de dist r ib uio do nu sprobat r io . Por f im, haver iam prem issas que no se enquadram em nenhum desses do is grupose ser iam just i f icveis pela argum ent ao ju r dica 6 3.

    O uso da argumentao jur dica para just i f icar essas premissas que no so nemenunciados empr icos, nem regras de di rei to pos i t ivo poder ia ser div id ida, a grosso modo, em

    seis grupos de regras e formas de just i f icao dessas premissas, a saber: regras e formas deinterpretao ( le i ) , regras e formas de argumentao dogmt ica (Cinc ia do Direi to) , uso deprecedentes, argumentao prt ica em geral , argumentao empr ica e formas especiais deargumentos jurdicos. Para Alexy, a expl icao da argumentao jurdica racional se dmediante a descr io de uma sr ie de regras a serem seguidas e de formas que devem seradot adas pela argum ent ao para sat isfazer a pret enso que nela se form ula 64 .

    Para ele, essa teo r ia s revelar ia sua ut i l idade den tro de u m a teor ia geral do Estadoe do Direi to , unindo as concepes do s istem a jurdico com sistem a de pro cediment os e sistem ade normas. Neste lt imo aspecto, destaca-se a existncia de regras e princpios no sistema. Osl t imos ser iam, para e le , normas que ordenam que a lgo se ja rea l i zado na maior medida

    61 DWORKIN, Ronald. Levand o os direi to s a srio. Traduo de Nelson Boeira. So Paulo: M art ins Fontes, 2002, p.131.62 Ib idem , p. 41.63 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 226.64 Ib idem , p. 280.

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    po ssvel, den tr o d as possibi l idades jur dicas e reais existe nt es 65 . Os pr incpios represent ar iam,por tant o , norm ais gerais com a lto grau de abs t rao que podem ser cum pr idas em d i ferentesgraus. Alm disso, quando os pr incpios ent ram em conf l i to com outros pr incpios, no see l im inam, m as se adaptam e conv ivem .

    5.2.2 A a rgum ent ao jurdica nos casos difceis par a N eil M acCorm ick

    Assim com o Alexy, M acCorm ick s itu a sua teo r ia no con text o da just i f icao e n o dadescoberta. Embora reconhea em alguns casos a poss ibi l idade de uma just i f icao dedut iva,ele tambm reconhece sua insuf ic incia nos chamados casos dif ceis, nos quais a premissasft icas ou normat ivas podem susc i tar problemas de interpretao, de pert innc ia, de prova oude qu al i f icao. Para esses casos dif ceis, M acCorm ick pro p e um a just i f icao de segun daordem e a f i rma que jus t i f i car uma dec iso , em pr imei ro lugar , cumpr i r o requ is i to dauniversal idade66 , que t am bm est imp l c ita n as dec ises dos casos c laros e, em segundo lugar,assegurar que as dec ises jur dicas devem fazer sent ido no mundo e tambm devem fazersent ido no contexto do s is tema jurdico 6 7. Port anto , alm d a universal idade, a just i f icao desegunda ordem envolve dois elementos, os argumentos consequencial is tas e a argumentaoque t esta a coernc ia e a cons istn c ia com o s istem a jurdico.

    As ideias de M acCorm ick so m ui to sim i lares ao qu e j hav ia sido pr opo sto po rPere lman na sua teor ia da argumentao, quando e le a f i rma que o d i re i to se desenvo lveequi l ibrando uma dupla ex igncia, uma de ordem s is temt ica, a elaborao de uma ordem

    ju r d ica co eren t e , a ou t ra de o rdem p rag m t ica, a busca de so lu es ace it v eis pelo m eio ,porque conform e ao qu e lhe parece justo e razove l 68 . Para M acCorm ick, as decises devempossuir coernc ia e cons istn c ia com o s is tem a jurdico, na m edida em que este u m sistem ade normas, cuja observncia permi te a busca de certos objet ivos de forma intel igvel . A lm

    disso, as dec ises devem atent ar para suas consequncias no m un do prt ico.O requisito da consistncia das decises poder ser veri f icado quando a deciso se

    baseia em p rem issas norm at ivas que n o cont radizem as norm as estabelec idas de m odo vl idono s istem a jurdico. A ideia da con sistn c ia a con form idade den tr o do sistem a. Trata-se de umdever dos juzes de no inf r ingi r o ordenamento jur dico que est em v igor 69 . Para At ienza, talrequis i to tambm deve ser estendido para a premissa ft ica, de modo que a dec iso esteja deacordo com a rea l idade apresentada em term os de prova70 . Ressalte-se que, neste part icular,no se t ra ta de uma preocupao com h ierarqu ia de normas ou mesmo com suaconst i t uc ional idade, a questo efet ivam ent e um a questo de consis tnc ia dent ro do sistem a.

    65 I dem. Teora de los derechos fundam entales. Traduccin de Ernesto Garzn Valds. M adrid: Cent ro d e EstudiosPol t icos y Consti tucionales, 1993, p. 86, traduo l ivre de son normas que ordenan que algo sea real izado en lam ayor m edida posible, dentro de las posibi l idades jurdicas y reales existent es.66 ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 126.67 M ACCORM ICK, Neil. Argum entao jur dica e teor ia d o di rei to. Traduo d e W alda Barcelos. So Paulo: M art insFontes, 2006, p. 131.68 PERELM AN, Cham . Lgica jurdica. Tradu o de Virginia K. Pupi. So Paulo: M art ins Fon te s, 1998, p. 238.69 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 279 .70 ATIENZA, M anuel, op . Cit., p. 128.

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    De outro lado, para fazer sent ido perante o s is tema jurdico, as dec ises devempossuir tambm coernc ia, no sent ido de que as vr ias normas de um s is tema devem fazersent ido, quando consideradas em conjunto 71 . A coerncia um a questo de rac ion al idade, m asnem sem pre um a qu esto de verdade. Ela , em l t ima anl ise, um cr i tr io cr t ico para a

    apreciao das decises proferidas72

    . Tal requis i to se desdobrar ia em dois t ipos de teste decoernc ia: o da coernc ia norm at iva e o da coernc ia narrat iva 73 .O teste da coernc ia narrat iva diz respei to just i f icao e descobertas de fato, a

    par t i r do s is tema de produo probatr ia . A coernc ia nar ra t i va fornece um tes te sobre averdade d e pro posies sobre coisas e event os no percebidos 74 . Um a narrat iva s ser dignade crdi to se for coerent e, dentr o d esta p erspect iva. No pod em ex ist i r inconsistn c ias lgicasent re os fatos a serem levados em cont a, sob p ena de perd a da credibi l idade no m und o real .

    De out ro lado, o t este d a coern c ia nor m at iva diz respei to just i f icao no cont extogeral de um s is tema jurdico. Uma norma ser ia coerente do ponto de v is ta de normat ivo, sepud esse se adequar a um a sr ie de pr incpios e valores, que se mant m em cont nua ten so 75 .Para M acCorm ick, os valore s seriam ju stam ent e os estad os de coisas cuja busca legt im a,desejvel , val iosa ou mesmo (a escala ascende gradualmente) obr igatr ia, na condio depropsi tos, objet ivos ou f ins 7 6. Outrossim, haveria necessidade de que as normas est ivessemde acordo com os pr incpios dos s is tema. Para ele, formular os pr incpios de um s is tema

    ju r d ico co m o qual, a pesso a est co m p rom et id a envo lv e um a t en t at iv a de lhe dar co ernciaem termos de um conjunto de normas gerais que expressam valores just i f icatr ios eexplanatr ios do s istem a 77 .

    No haver ia coernc ia, por exemplo, numa norma que estabelecesse que carrosamare los no podem u l t rapassar 80 km / h enqu anto o s out ros podem . Neste caso, a cor notem, a pr incpio, nenhuma relao com f ins ou valores a serem perseguidos pelo controle dot rfego de veculos (a segurana no t rf ico, a economia de combust vel ou a preveno de

    desgaste excessivo na superf c ie de estradas) nem com os princpios fundantes dessa reaju r d ica. Po der ia haver co erncia, se os car ros m ai s ve lh os ou ac im a de det erm inad o pesot ivessem que ser pint ados de amarelo. Contud o, sem esses acrsc im os, no haver ia qualquercoernc ia dent ro do s istem a

    Da mesma forma, as dec ises so coerentes, neste ponto de v is ta normat ivo, sepod em se adequar a um con junt o de pr in cpios e valores. Dent ro desta ideia, para a dec iso noscasos dif ceis os argum ent os a part i r de pr incpios desemp enham um papel fun dam ent al78 . ParaM acCorm ick, o p r incpio d eter m ina a fa ixa leg t ima d e consideraes just i f icatr ias. Ele no

    71 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 197 .72

    FREITAS FILHO, Ro ber t o. Interveno judicial nos contratos e apl icao dos princpios e das clusulas gerais: ocaso do leasing. Port o Alegre: Sergio An to nio Fabris, 2009, p. 169.73 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 247 .74 Ib idem , p. 294.75 SORIANO, Leonor M oral. A M odest Not ion of Coherence in Legal Reasoning. A M odel for th e Euro pean Court ofJustice. Ratio Juris. Vol. 16 No . 3, Sept em ber 2003, p. 302.76 M ACCORM ICK, Neil. Retrica e Estado de Direi to. Traduo Conr ado Hb ner M endes. Rio de Janeiro: Elsevier,2008, p. 251.77 Ib idem , p. 198.78 ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 130.

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    prod uz, nem pode ser apresentado com o se prod uzisse, um a resposta conclusiva 79 . Assim, ospr incpios permi t i r iam just i f icaes, na fal ta de out ras consideraes em sent ido contrr io. Amenor fora dos pr incpios como premissas de argumentao prt ica s igni f ica uma maiorampl i tude just i f icat iva80 .

    A lm disso, nos casos di f ceis tambm ter iam grande importnc ia os argumentosbaseados na analogia. Por m eio dela estende-se uma regra ou um pr in cpio p ara que ele cubraum caso no regu lado 81 . Em l t im a anl ise, por m eio da analogia o que ocor re, na verdade, uma hiptese de uso no expl c i to, ou ao menos no to expl c i to dos pr incpios 82 . Nela sepesquisa a vontade da le i , para lev- la a hipteses que a l i teral idade de seu texto no hav iamenc ionado 83 .

    Por f im, fundamenta l na concepo de MacCormick a a teno aos argumentosconseque ncial istas nas decises dos casos dif ceis. Nestes casos, haver um a int erao en t re o sargum ent os baseados em pr incpios e na analogia e os argum ent os consequencial is tas, m as os l t imos sero os m ais im por t antes84 . As dec ises devem fazer sent ido no ap enas em relao aos is tema, mas tambm em relao ao mundo e, nesse aspecto, deve-se sempre aval iar asconsequn cias da dec iso. O ju lgador t er que considerar o conjunt o de casos qu epossivelment e pod em ser abarcados pela dec iso p rofer ida e, con sequen tem ent e, as possveisconsequncias jurdicas da deciso. Neste aspecto, talvez esteja a maior contribuio dessaconcepo da argum ent ao jur dica.

    5.3 CASOS TRGICOS

    A chamada teor ia padro da argumentao jur dica, desenvolv ida por Alexy eM acCorm ick, pr eocu pa-se apenas com a dist ino ent re casos claros e casos dif ceis. De out rolado, M anuel A t ienza que prop e um a nova teor ia da argument ao jur d ica, c r it i cando a teor ia ,

    af i rma a ex istn c ia dos chamado s casos t rgicos. Para ele, um caso pode ser cons ideradotrgico quando, com relao a ele, no se pode encontrar uma soluo que no sacr i f iquea lgum e lem ento essenc ia l de um va lor cons iderado fund ament a l do pon to de v ista ju r d ico e /o umora l 85 .

    Nestes casos, no h aver ia um a simp les al ternat iva para o ju lgador, m as um di lema,no sent ido de qu e qu alquer d ec iso acabar ia ten do consequncias negat ivas para algum 86 . Soos valores considerado s fundam ent ais pela soc iedade qu e fazem surgi r um caso t rgico e cr iam

    79 M ACCORM ICK, Neil, op . Cit., p. 230 .80 ATIENZA, M anuel; M ANERO, Juan Ruiz. Las piezas del Derecho: Teora de los enunciados jurdicos. Barcelona:Ariel, 1996, p. 21.81 M ACCORM ICK, Neil. Retrica e Estado de Direi to. Traduo Conr ado Hb ner M endes. Rio de Janeiro: Elsevier,2008, p. 269.82 ATIENZA, M anuel, op . Cit., p. 131.83 PEREIRA, Caio M rio da Silva. Inst i tuies de direi to civi l . 19. ed. Rio de Janeir o: Foren se, 2000, v. 1, p. 47.84 M ACCORM ICK, Neil. Retrica e Estado de Direi to. Traduo Conr ado Hb ner M endes. Rio de Janeiro: Elsevier,2008, p. 140.85 ATIENZA, M anuel. As razes do d irei to. Traduo de M aria Crist ina Guim ares Cuper t ino . 3. Ed. So Paulo: Landy,2006, p. 226.86 RIVERA-LPEZ, Eduar do. Prob abilite s in tr agic choices. Ut i l i tasVol. 20, No. 3, Septem ber 2008, p. 323.

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    tenses ent re os valores da soc iedade 87 . No h uma forma de def in i r s implesmente umvitorioso. H alguns cri trios usados na prt ica, como a def inio dos custos dos processos e adef in io de valores de pr imeira importnc ia 88 , mas nada que represente propr iamente umcritr io seguro para um a escolha rac ional .

    Dentro dessa ideia, a teor ia padro da argumentao jur dica no ser ia suf ic ientepara m ostrar a correo d a deciso. Em bo ra no se possa negar a exist ncia dessas situ aes, certo que isso no t i ra a importnc ia da chamada teor ia padro da argumentao jur dica, aqual cont inua sendo ext rem am ent e t i l para a soluo de boa part e dos casos que se colocampara a dec iso do pod er jud ic ir io.

    6 A POSSIBILIDAD E DA A RGUM EN TAO CON TRA LEGEM

    A diviso em casos claros, dif ceis e at mesmo trgicos t i l para i lustrar osdi ferentes esforos argumentat ivos que podem ser fe i tos. Contudo, em termos prt icos, nemsemp re fci l di fere nciar esses t ipos de casos. Apesar disso, essencial reconh ecer q ue a t eor iada argum ent ao d cr i t r ios para afer i r a correo de dec ises judic ia is e t a l corr eo pod e serafer ida m esm o n os casos m ais di f ceis , nos quais excepcionalmen te se adm ite a argum ent aocontra a le i .

    Apesar de algumas divergncias ent re os autores, certo que a teor ia daargumentao jur dica se presta essencialmente para ver i f icar a correo da just i f icao dasdecises, especialmente nos chamados casos dif ceis. E nestes casos que aparece apossibi l idade de d ec ises e, consequent em ent e de argum ent aes cont ra a le i que, na verdade,representam argum ent aes cont rr ias aos signi f icados m nim os que possui um ou m aistextos jur dicos cuja val idade se mantm fora de dv ida 89 . Nes te ponto , a argumentao

    ju r d ica ga nha rele vn cia para cu m pr ir su a f un o p r im ord ia l de ev it ar arb it rar ie dad es nas

    decises judiciais.Os pr inc ipais autores da teor ia da argumentao reconhecem a poss ibi l idade de

    decises contra a lei e, reconhecem, nesses casos, uma das conf iguraes dos chamados casosdif ceis. Alexy af irma que existem certos casos especiais, nos quais existe uma possibi l idade deuma dec iso que cont rar ie a l i t e ra l idade da norma 90 . M acCorm ick, por sua vez, af i rm a quedesde que haja out ros s igni f icados possveis , a presuno de que a melhor interpretao aquela m ais bv ia po de ser afastada p or bon s argum ent os consequen cial is tas ou baseados emprincpios91 . Ambo s reconhecem , port anto , essa po ss ibi l idade de argum ent ao cont ra legem.

    Trata-se da chamada superabi l idade prt ica das normas, por meio da qual seadmitem decises que vo contra o que est expressamente estabelec ido, desde que sejam

    just if icad as po r p r in cp ios e/ ou pela s co nsequnci as da deciso . Na co nce po at ual do d ir e it o

    87 CALABRESI, Gui do ; BOBBIT, Phil ip. Tragic choices. New York: Nor to n, 1978, p. 17.88 Ib idem , p. 131-146.89 BUSTAM ANTE, Thom as da Rosa. Argumentao cont ra legem: a teoria do discurso e a just i f icao jurdica noscasos mais difceis. Rio d e Janeiro : Reno var, 2005 , p. 182.90 ALEXY, Robert. Teor ia da argumentao jur dica. Traduo de Zilda Hutchinson Schild Silva. 2. Ed. So Paulo:Landy, 2005, p. 34.91 M ACCORM ICK, Neil. Argum entao jur dica e teor ia d o di rei to. Traduo d e W alda Barcelos. So Paulo: M art insFontes, 2006, p. 278.

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    j no se t rat a de lim it ar o pap el do ju iz ao de um a boca pela q ual fa la a le i. A le i j no co nst it u itodo o d i re ito ; apenas o pr incipa l ins t rument o q ue gu ia o ju iz no cumpr iment o de sua tare fa ,na solu o d os casos especficos 92 . Assim as consequn cias e os prin cpio s po dem ser ut i l izadoscomo cr i tr ios suf ic ientes para afer i r a correo de dec ises judic ia is que aparentemente

    cont rar iam o tex to da le i , mas que na verdade apenas fogem do sent ido mais bv io daspalavras.

    7 REFERN CIAS

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