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25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Nº 44 | Ano 2 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00 Njinga-RainhadeAngola Momento singelo na história do cinema nacional PÁG. 2 ECO DEANGOLA PÁG. 5-6 ARTES Os clássicos da poesia angolana PÁG. 13 DIÁL. INTERCULTURAL Poesia do jazz Ambrose Akinmusire ‘Chão de oferta’ PÁG. 14 DIÁL. INTERCULTURAL Poesia de Jorge Otinta Guiné Bissau PÁG. 12 GRAFITOS NA ALMA Razões para uma maior cooperação entre os PALOP PÁG. 11 ARTES “O Espinho da Rosa” foi a sensação FIC Luanda

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25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Nº 44 | Ano 2 Director: José Luís Mendonça •Kz 50,00

Njinga - Rainha de AngolaMomento singelo

na história do cinema nacional

PÁG. 2ECO DE ANGOLA

PÁG. 5-6

ARTES

Os clássicos da poesiaangolana

PÁG. 13DIÁL. INTERCULTURAL

Poesia do jazz

Ambrose Akinmusire

‘Chão de oferta’

PÁG. 14DIÁL. INTERCULTURAL

Poesia de Jorge Otinta

Guiné Bissau

PÁG. 12GRAFITOS NA ALMA

Razões para uma

maior cooperaçãoentre os PALOP

PÁG. 11ARTES

“O Espinho da Rosa”foi a sensação

FIC Luanda

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25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Cultura2| ECO DE ANGOLA

ARTE POÉTICA‘Chão de oferta’ e os clássicos da poesia angolana, | José Luís Mendonça

LETRASAlda Lara: textos dispersos | Ana Paula Bernardo

Concurso de poesia em Benguela. “Nos passos silenciosos das ondas” | Gociante Patissa

ARTES“Njinga - Rainha de Angola”:momento singelo na história do cinema nacional |Áurio Quicunga

Renato Fialho: “Sonhar de olhos abertos”, |Matadi Makola

Prémio Nacional de Cultura e Artes Gala consagra laureados

Conferência dançada. “O mercado da dança em Angola está carente”, |Matadi Makola

CINEMA NO TELHADO

Paulo Kapela: “Arte é a recriação da vida” |Ras Nguimba Ngola

“O Espinho da Rosa”: a sensação do FIC Luanda | Norberto Costa

GRAFITOS NA ALMARazões para uma maior cooperação entre os PALOP |Filipe Zau

DIÁLOGO INTERCULTURALO que é isso, pai, é outra na cidade de Bissau?, Poesia de |Jorge Otinta

Ambrose Akinmusire. Poesia do jazz |José Luís Mendonça

Florent Mazoleni: dos lamentos ao kuduro |José L. Mendonça

“Monólogo com mala”: Mas como alguém se encontra?|Matadi Makola

Dino Santiago: foi-se a voz da tradição |Matadi Makola

NAVEGAÇÕESArquitecto Filomeno Fialho apresenta investigação sobre o BNA

Concurso de Língua Portuguesa

Sumário

José Luís Mendonça

‘Chão de Oferta’ e os clássicos da poesia angolana1Há, na poesia angolana, um conjunto de poemas que se en-quadram, pela resistência à erosão do tempo, na categoriados clássicos. Um desses poemas é o Makézu, de Viriato daCruz; outro é Morro da Maianga, de Mário António, do seu livro ini-cial Chingufo; ou os poemas Havemos de Voltar, de Agostinho Netoe Monangambé, de António Jacinto. Mas eu consideraria clássicosda nossa poesia também alguns poemas em línguas bantu, comoaquele, em língua kwanyama, que começa assim: “As grandes rãs,haisikoti, saúdam a tua vinda”.Há, porém, um livrinho completo que tem o título de ‘Chão deOferta,’ publicado por Ruy Duarte de Carvalho, em 1972, que é umestilização verbal da “paisagem telúrica, dos significados da terra,das paisagens do campo” (Infopédia). É aquilo a que eu chamo“POESIA DO CHÃO”, em contraste evidente com uma certa ‘poesia’que, em Angola, quer fazer notícia nos nossos dias e que considero“POESIA SEM CHÃO”, dado o seu elevado hermetismo que permitea sua absorção por qualquer realidade geocultural deste mundo.O que se verifica nos grandes poetas acima citados é que a suaobra expressa um apego aos valores africanos, quer quanto à temá-tica, quer quanto à forma. Através dessa poesia, segundo José Fran-cisco Costa, “descobre-se Angola, as suas origens, as suas tradiçõese mitos. (...) com ela tenta-se recriar África e Angola, os valores an-cestrais do homem africano e da sua terra, bem como ensinar essemesmo homem a descobrir-se como individualidade. Esta poesiapõe em prática a reposição da tradição oral, onde as próprias lín-guas nacionais ocupam um espaço importante. É, numa palavra, apoesia da angolanidade". Aí reside o seu valor literário e a sua re-sistência ao desgaste do tempo.2As obras dos poetas das diversas gerações do pós-inde-pendência, tanto aquela que Luís Kandjimbo chama ‘dasincertezas’, como as que se lhe seguiram, por falta de leito-res nacionais que as tenham devorado até à exaustão, são estuda-dos, prioritariamente, por investigadores sediados em Portugal,no Brasil e também na Espanha. Ora, eu tenho constatado que muita da análise que se faz àsobras destes poetas parte de um olhar exegético de matriz ociden-tal e, salvo raras e saudáveis excepções, prima por um espírito depaternalismo que os leva a aplaudir qualquer produção literáriaque sai destas paragens e tem levado muitos jovens meus amigos aincorrer em equívocos de avaliação muito perigosos para a aquisi-ção do necessário rigor artístico. Também tenho verificado que uma certa crítica exógena, com al-guns seguidores em Angola, arranca da teoria interpretativa da Li-teratura ocidental para a caracterização das obras recentementeproduzidas, privilegiando a construção metafórica (que é impor-tante, sim senhora, mas não é suficiente) e a tessitura da línguaportuguesa em si mesma, sem curar da ossatura geocultural subja-cente a cada verso , patente na poesia dos poetas referidos no iníciodesta conversa e que também e apanágio dos poetas que são pré-mios Nobel .3O que quer dizer que a poesia do pós-independência aindacarece de um estudo angolano mais profundo e, conse-quentemente, da legitimação de uma crítica endógena, la-cuna esta que não permite a sua arrumação, para já, em patamaresou numa curva de grandeza diferenciadora, sob pena de se incor-rer em avaliações espúrias, perfeitamente dispensáveis no univer-so da ciência da Literatura.

CulturaJornal Angolano de Artes e Letras

Nº 44 / Ano II / 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013E-mail: [email protected] / Telefone e Fax: 222 01 82 84

Um jornal quinzenal comprometido com a dimensão cultural do desenvolvimento.

CONSELHO EDITORIALDirector e Editor-chefe | José Luís MendonçaEditor de Letras | Isaquiel CoriAssistente Editorial | Coimbra Adolfo (Matadi Makola)Marketing e Rel. Públicas | Filomena RibeiroFotografia | Paulino Damião (Cinquenta) e Arquivo do Jornal de AngolaArte e Paginação | Tomás Cruz & Sandu Kaleia Tradução | Maria José Fresta

COLABORAM NESTE NÚMERO:Angola: Áurio Quicunga, Filipe Zau, Gociante Patissa, João Serra, Norberto Costa, Ras Nguimba NgolaGuiné-Bissau: Jorge OtintaPortugal: Ana Paula Bernardo

FONTES DE INFORMAÇÃO:AGULHA, Revista de cultura, São Paulo, BrasilCorreio da UNESCO, Paris, FrançaAFRICULTURES, Portal e revista de referência das culturas africanas, Les Pilles, FrançaMODO DE USAR & CO, revista de poesia sonora e visual, em vídeo, e também escrita.

Conselho de AdministraçãoAntónio José Ribeiro | presidenteAdministradores Executivos |Catarina Vieira Dias CunhaEduardo MinvuFilomeno ManaçasSara FialhoMateus Francisco João dos Santos JúniorJosé Alberto DomingosAdministradores Não Executivos |Victor SilvaMateus Morais de Brito Júnior

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Redacção 333 33 69 |Telefone geral (PBX): 222 333 343Fax: 222 336 073 | Telegramas: Proangola

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NORMAS EDITORIAISO Jornal Cultura aceita para publicação artigos literário-científicos e recensões bibliográficas. Os manuscritos apresentados devem ser originais. Todos os autoresque apresentarem os seus artigos para publicação ao jornal Cultura assumem o compromisso de não apresentar esses mesmos artigos a outros órgãos. Após análi-se do Conselho Editorial, as contribuições serão avaliadas e, em caso de não publicação, os pareceres serão comunicados aos autores.Os conteúdos publicados, bem como a referência a figuras ou gráficos já publicados, são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Os textos devem ser formatados em fonte Times New Roman, corpo 12, e margens não inferiores a 3 cm. Os quadros, gráficos e figuras devem, ainda, ser envia-dos no formato em que foram elaborados e também num ficheiro separado.

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LETRAS| 3Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

Na sequência da apresentaçãodos primeiros escritos de Al-da Lara, na rubrica TextosDispersos, da edição do nº42 deste jor-nal, propomos agora a leitura de umartigo desta saudosa autora, “O Profis-sionalismo da Mulher no Sul de Ango-la”, publicado em Lisboa, noJornal Ma-gazine da Mulher, em 1950, algunsmeses depois de Alda ter completado20 anos de idade. A referida publicação, mensal, foifundada e dirigida pela também ben-guelense, jornalista e escritora, Líliada Fonseca. Este mensário assumia-se, à partida, como um projecto cujoobjectivo era criar um periódico dedi-cado aos problemas e interesses dasmulheres, abrangente, desinibido eactualizado. No editorial do primeironúmero pode--se ler que “esta nãopretende ser apenas uma revista demodas, culinária, tratamentos de be-leza, processos de tirar nódoas”, por-que “relegar o poder de compreensãoe interesse da mulher apenas para es-tes assuntos específicos, é despresti-giá-la na sua qualidade de ser pensan-te e, o que ainda é mais, estabeleceruma teoria desarticulada da realidadeque vivemos.”A revista, publicada de 1950 a1956, num total de 52 números, re-flectirá sobre a vida da mulher em vá-rios domínios. Sublinhará a evoluçãoe valor da sua participação ao longodos tempos - o seu papel no mundo la-boral, na cooperação e manutençãodo lar, a sua condição de trave mestra

da família - a sua constância na lutapela vida, na educação dos filhos, naexpressão de novos anseios como deideais de sempre. Neste sentido, a tá-bua de matérias do Jornal Magazineda Mulher incluía rubricas tão diver-sas comoA Mulher Através dos Tempos,Entrevistas, Reportagem, Biografias,Página de África, Educação, Literatura,Cinema, Figurinos, Beleza e Penteados,Assuntos Práticos e do Lar que, no es-sencial, se foram mantendo, com pe-quenas variantes, durante os seis anosda sua publicação.Ressaltamos, a propósito, as cons-tantes preocupações deste projectoeditorial para com as vivências huma-nas, não só em Portugal e na Europa,como nas latitudes africanas. Assinala-mos, por exemplo, o destaque dado emnúmeros especiais inteiramente dedi-cados à figura feminina na Guiné. Nosvários artigos que compõem estes nú-meros, é dada ênfase, então poucousual, ao lugar de relevo ocupado pelasmulheres Manjaca, Mandinga e Felupeacentuando-se, deste modo, o seu pa-pel, determinante nas tomadas de de-cisão e na gestão da vida dessas comu-nidades, bem como a sua tenacidadeperante as adversidades. Esse dossiêcontou com diversos colaboradores. Para além dessas preocupações,acresce o facto de o aumento massivoda população europeia em Angola, apartir da década de 1940, acentuadadepois do final da Segunda GuerraMundial, ser um elemento que, nesteenquadramento, não se pode deixar

de levar em linha em conta. Naquelecontexto temporal, o papel do ele-mento feminino nas mudanças entãoem curso assumiu-se numa afirmaçãogradualmente crescente. O númeroavultado de homens mortos na Guer-ra permitiu marcar, de forma cada vezmais activa, a intervenção das mulhe-res na sociedade. Além disso, o acrés-cimo do número de mulheres comacesso à instrução favoreceu uma ac-tuação com maior notoriedade.Em evidente identificação com an-seios e propósitos da linha editorialatrás enunciada, Alda Lara colaboranum dos primeiros números do JornalMagazine da Mulher, numa edição deDezembro. Neste artigo, as posiçõespor ela assumidas contrariam a ideiaque, na então Metrópole, comummen-te, se veiculava sobre o papel da mu-lher nas antigas colónias portuguesas,nomeadamente em Angola. Optandopor um registo entre o informativo e oopinativo, apresenta dados relativos àparticipação supostamente menor damulher angolana, quer quanto à per-centagem de intervenientes envolvi-das, quer quanto à sua distribuição noterreno, por ramo de actividade e ti-pologias de desempenho laboral. Aldaacentua mudanças ocorridas nas atri-buições sociais da mulher no Sul daAngola entre a década de 1940 e 1950,aponta causas e perspectiva o futuro adez anos, relativamente ao ministérioda mulher na sociedade angolana. E sem escamotear a prementequestão das desigualdades no acesso

ao mundo do trabalho, Alda Lara nãodesvaloriza a importância da lida do-méstica ou da plantação e colheita deprodutos agrícolas, tarefas necessá-rias à subsistência da família e geral-mente a cargo da mulher negra, semacesso à escola. Da agricultura à in-dústria, passando pelo sector terciá-rio, Alda apresenta elementos concre-tos da inserção da mulher no mundolaboral, nos mais diversos domínios. Mas, plenamente consciente da es-tratificação e discrepâncias sociaisque afectavam a mulher, o apelo finaldo texto é dirigido a todas as que, nas-cidas em Angola, brancas, negras emestiças, estudavam na Europa, ad-quirindo conhecimentos e competên-cias nas várias áreas do saber. O seudesejo era que estes saberes fossem,num futuro próximo, postos ao servi-ço da população angolana. As informações de que hoje dispo-mos, consentem a afirmação de queesse desígnio se manifestou, poste-riormente, na sua tomada de decisão.Terminado o curso de Medicina, emCoimbra, voltou para Angola cum-prindo uma vontade expressa cercade dez anos antes, tirar um curso quepudesse ser útil no seu país. Desteexercício de observação da realidadecircundante e pensamento aturadosobre o mundo, no tempo em que vi-veu, resulta argumentação consisten-te e reiterada sobre algumas das in-quietudes e anseios desta mulher, aque se junta o seu exemplo de diligên-cia e solidário humanismo.

Falando de «Profissionalismoda Mulher no Sul de Angola»,quero referir-me nesta frase,primeiro, a toda e qualquer mulhernascida ou residente no Sul de Angola(portanto sem distinção de raças) queexerce uma «profissão», isto é, quetem outro modo de vida além da tradi-cional profissão doméstica; e segundoàqueles pontos do Sul da Colónia ondejá chegou uma civilização suficiente,para que neles se possa falar com jus-tiça, de profissionalismo feminino.Com efeito, nos últimos dez anos, oprofissionalismo da mulher do Sul, de-senvolveu-se de uma maneira espan-tosa. Tão espantosa, que quem aban-donou a Colónia por esse tempo, acha-rá que os casos e os números que voucitar, não passam de utopia. E no en-tanto eles são uma realidade. Isto é de-vido principalmente aos contingentes

de raparigas que os colégios e os liceustêm lançado nos últimos anos por todaa Colónia, com um número de conheci-mentos suficiente para que possamombrear em todos os sectores da vidapública com os homens, sem despres-tígio para o seu sexo. Uma vez adquiri-dos esses conhecimentos, elas pró-prias sentiram necessidade de, em fa-ce das suas novas possibilidades, nãosobrecarregarem por mais tempo ospais, e darem uma ajuda no orçamentoda casa, auxiliando assim (quantas ve-zes!) os irmãos que, na Metrópole, lu-tam pela garantia de um curso. Tudo o que vai dito a seguir foi es-crito, principalmente, para aquelasmulheres metropolitanas que pen-sam, ainda hoje, que a mulher angola-na limita a sua actividade ao arrastarde seus luxos e lazeres pelos ambien-tes mais ou menos requintados das

festas coloniais… Mesmo as que se li-mitam à vida doméstica trabalham, emuito. Mas aqui venho referir-meprincipalmente ao trabalho da profis-sional do Sul de Angola – a mulher quecultiva a terra, enlata o peixe, ensinaas crianças e serve nos hospitais.Para começar, poderei então dizerque, hoje, no Sul de Angola, o profis-sionalismo da Mulher está condicio-nado pelo factor «instrução», e seexerce em três sentidos, a saber: - pro-fissionalismo correspondente,•A uma instrução inferior 2) a umainstrução média 3) a uma instruçãosuperior.No trabalho correspondente a umainstrução inferior (neste caso poderiadizer nula)empregam-se aquelas mulheresquase exclusivamente mulheres ne-gras, que não sabem ler nem escrever,

Alda Lara: textos dispersosAna Paula Bernardo

O Profissionalismo da Mulher no Sul de AngolaPor ALDA LARA (angolana)

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4 | LETRAS 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013  | Cultura

na maior parte dos casos mal falam oportuguês. Esse trabalho consiste prin-cipalmente na colheita de produtosagrícolas do Sul, tais como, o algodão ofeijão, a massambala, e outros. Igual-mente se empregam na preparação dafibra. E aqui as mulheres negras cortamas folhas ao sisal, conduzem-no, esten-dem-no e secam-no. Só na «FazendaAurora» (extensa fazenda de sisal, a 30km da Vila Teixeira da Silva), as mulhe-res representam 10% do pessoal. E nasvárias culturas do algodão, 50% doscultivadores indígenas são mulheres.Por outro lado, à medida que o nívelde instrução passa de nulo a positivo,encontramos mulheres que, sabendojá ler e escrever, se empregam nas fá-bricas. Neste caso deixa de haver pre-domínio exclusivo das mulheres ne-gras, para se encontrarem já traba-lhando, lado a lado com elas, mestiçase brancas. É principalmente na regiãode Moçâmedes e Sá da Bandeira queisto se dá. Aí as mulheres empregam-se, nas fábricas de couros, como«ajuntadeiras» e, nas fábricas de con-servas, como «enlatadeiras». Paraexemplificar, posso citar as mulheresque se empregam na fábrica de «Sea-

bra de Azevedo», trabalhando comoajuntadeiras, e que representam, emtempo normal de trabalho, cerca de20% do pessoal. Isto passa-se em Sáda Bandeira, enquanto em Moçâme-des encontramos mulheres traba-lhando como enlatadeiras nas fábri-cas de conservas, principalmente nafábrica de J. Patrício Correia, onde re-presentam cerca de 30% do pessoal.  Em face destes números, quer refe-rindo-nos apenas ao trabalho agríco-la, quer ao trabalho nas fábricas, po-deremos já por aqui calcular a impor-tância que, num futuro próximo, terá amão de obra feminina nos trabalhosda colónia que a forem solicitando.Seguidamente temos a considerar oprofissionalismo correspondente a umnível de instrução média.Neste sectorencontramos raros elementos negros epredominantemente de mestiças e bran-cas. São principalmente aquelas rapari-gas que, uma vez adquirido o curso dos li-ceus, ou conhecimentos que o substi-tuam, invadem o Sul da Colónia, masprincipalmente a Província de Benguela,para serem dactilógrafas, professorasprimárias, enfermeiras, analistas, em-pregadas dos estabelecimentos públicos

(Zona escolar, Administração, Fazenda,etc.), «caixas» e modistas.Para citar números, poderei dizerque, na cidade de Benguela, as rapari-gas empregadas nos Correios e Telégra-fos, representam, já hoje, cerca de 10%do pessoal. E isto para não falar no casodo professorado, onde o número de ele-mentos femininos empregados quernas escolas das cidades, quer nos pos-tos escolares, é superior ao dos elemen-tos masculinos. Posso mesmo afirmarque, nos próximos anos, o ensino dacriança em Angola, deve estar quase ex-clusivamente dependente da Mulher.Finalmente, falando de profissiona-lismo correspondente a um nível deinstrução superior, quero referir-meaqui, àquelas professoras liceais quetêm ensinado, quer no Liceu NacionalDiogo Cão – único do Sul de Angola –quer nos Colégios particulares, e mui-tas vezes até em sua própria casa, to-das proporcionando à juventude fe-minina do Sul de Angola uma instru-ção e uma educação que durante anose anos faltou por completo. Quero re-ferir-me também às poucas médicasque têm aparecido por essas para-gens, e às poucas farmacêuticas que

por aí se têm fixado. Todas essas mu-lheres, todas essas doutoras, têm re-presentado o profissionalismo da mu-lher no Sul de Angola, no seu mais altonível, aquele que corresponde a umainstrução superior. Mas referindo--me a elas, não quero ficar por aqui,pois são ainda elementos importadosda Metrópole por factores estranhos àColónia, sejam eles de ordem econó-mica ou social. Por isso, vou além de-las não tendo, por outro lado, nadamais a que me referir, materialmente,senão a essas mulheres. Mas tenho-oespiritualmente. Aqui fica portantoessa minha outra referência a um pro-fissionalismo que ainda não existe ho-je, mas há-de vir a existir nos próxi-mos dez anos (creio sinceramente!) eque diz respeito àquelas raparigas, se-jam brancas, negras ou mestiças que,nascidas em Angola, hoje a represen-tam em todas as Faculdades da Metró-pole, e virão um dia a pôr a sua vida aoserviço da Colónia, como pintoras, es-critoras, jornalistas, médicas, Douto-ras em Direito, Ciências ou Agrono-mia, numa luta desinteressada e sin-cera por uma Angola maior.Lisboa, Novembro de 1950

Com o poema “Trabalhei, Tra-balho e Trabalharei!”, OctávioDarwin, estudante da 12ªclasse, foi o grande vencedor. Na se-gunda posição ficou Jerónimo Cassin-da, que estuda a 13ª classe, autor de“Amor Inédito”. O terceiro lugar coubea Júlio Teixeira, aluno da10ª classe, autor do poema “Prudên-cia”. Eduardo Maya, da 13ª classe, fi-cou em quarto lugar com “Minha An-gola”, ao passo que o júri atribuiu ain-da menção honrosa a Silvestre Sa-numbila, aluno da 12ªclasse, pela “Vontade Impossível”. 

Lançado em Março, para assinalar oDia Mundial da Poesia, o concurso teveuma inscrição inicial de 53 textos dealunos com idade compreendida entreos 15 e 22 anos, numa iniciativa daCoordenação de Língua Portuguesa,em cooperação com o programa “Sa-ber Mais” do Instituto Camões. A en-trega de prémios teve lugar no passa-do dia 7 de Novembro. Para além doscertificados de participação, os vence-dores foram agraciados com dicioná-rios, gramáticas e demais material di-dáctico, e ainda um dos títulos em pro-sa publicados no presente ano pelaUnião dos Escritores Angolanos.O director da EFPB, Mário Jacinto,defendeu a abordagem segundo a qual aescola, enquanto agente de preparaçãopara a vida, deve enquadrar-se activa-mente na vivência da comunidade que arodeia. “É por isso que estamos sempreatentos à vossa forma de vestir, de pen-tear, de lidar uns com os outros, porque,como professores que sereis, o perfil vaicomplementar a relevância do vosso co-nhecimento”, rematou. Da parte do programa “SaberMais”,   que desde 2009 dinamizaas actividades extra-curriculares na-quela escola do segundo ciclo (antigoINE), o Jornal Cultura ouviu a profes-sora Sónia Moreira, de nacionalidadeportuguesa. “Penso que, com o traba-lho e dedicação dos alunos e professo-res, e porque isso também parte davontade dos professores, temos bonsresultados”, disse. “Temos que ver que

esses alunos não têm hábitos de escri-ta criativa, nem de leitura. Isso, tendoem conta que os poemas vencedoresnão tiveram grandes correcções”,completou. Júlio Teixeira, o terceiro classifica-do, conta que “a ideia começou quan-do a professora, na aula sobre texto li-terário, disse que os alunos podiampraticar a escrita”. Tal incentivo tor-nou-o colaborador da revista FanzineEFPB, veículo rudimentar mensal. Silvestre Sanumbila, 19 anos, dis-tinguido com menção honrosa, dedi-ca-se à escrita desde 2008. “Estou naespecialidade de Matemática e Físicaporque sempre quis ser professornesta área, mas também amo a litera-tura”, revelou. Fizeram parte do júri membrosda Direcção e da Coordenação de Lín-gua Portuguesa da EFPB, bem como oLeitor do Instituto Camões em Ben-guela, Mário Reis. 

“Nos passos silenciosos das ondas”Concurso de poesia em Benguela

Júlio Teixeira

Minha Angola Terra de meus pais Do meu povo trabalhador De longas estradas Nos passos silenciosos das ondas.

Eduardo Maya, 13ªH, (EVP) ----------------------EXCERTOS

Quando caminho pelas ruas não a vejo, Esconde-se de mim porque não me quer ver. Sorrio! Porque mesmo assim sinto o cheiro do seu beijo, Que me faz pensar em a ter.

(Amor! Onde estás?)

Jerónimo Cassinda, 13ªA, (Língua Portuguesa)

Estudo, estudo, estudo duro Para não ser burro ou viver no escuro. Eu já fui uma criança Será que os meus irmãos estão seguros? Estão num lar de imenso carinho e amor puro? Penso nisto… Assim eu choro e me consolo Por saber que eles estão em meu coração E por isso Deus é a razão.

Octávio Darwin, 12ªF (Inglês )

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Texto e fotos: Gociante Patissa

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ARTES| 5Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

AAvenida de acesso ao Centrode Convenções de Belas, Fu-tungo, parou completamentepara testemunhar a estreia da produ-ção cinematográfica angolana maisesperada do ano “Njinga, Rainha deAngola”, no dia 8 de Novembro, umasexta-feira. A noite de 8 de Novembro não podiaser mais cultural e tradicional do quefoi, com este evento organizado aomais alto requinte, para receber dis-tintas figuras da nossa sociedade, comgrande realce para o convidado dehonra, o Presidente da República, JoséEduardo dos Santos, acompanhado daprimeira-dama, Ana Paula dos Santos,que fizeram questão de prestigiar estemomento singelo da história do cine-ma nacional. Um tapete vermelho foi colocado aolongo das escadarias de entrada doCentro de Convenções de Belas, ondedesfilaram actores, músicos, professo-res, historiadores, escritores, jornalis-tas, políticos e amantes do cinema,que não queria ficar de parte deste re-gisto para posteridade. O Hall de en-trada foi transformado em cenário dealgumas cenas do filme, com repre-sentação de actores de teatro, num be-líssimo espectáculo de recepção aosconvidados que começaram a se fazerpresentes a partir das 19h e que foramenvolvidos neste clima cénico, com oacompanhamento de música de ins-trumentos tradicionais, de forma acriar o mesmo ambiente vivido nasmbanzas e sanzalas de “Njinga”. Quando já era a hora 21, depois detanta ansiedade, começava a exibiçãodo filme. As primeiras imagens surgi-ram na tela, mostrando a nossa lindaflora e a narração dos primórdios doreino do Ndongo, formado com migra-ções de povos negros que vieram docentro de África e se instalaram na Ma-tamba. O rei Ngola Kiluanje, na Mban-za Kabassa, a capital do reino, con-frontava-se com a ocupação colonial

no seu território e o tráfico de escra-vos. Em combate, o rei é ferido e, já noleito de morte chama os filhos e reco-menda que eles defendam a terra atéaos últimos dias das suas vidas. O ReiNgola morre deixando uma grandepreocupação aos Manis: quem seria oseu digno sucessor? Ngola Mbandi,Njinga Mbandi, ou Ngola Ary, filhobastardo do rei?

A embaixadora da pazComo Njinga era mulher, à revelia,Ngola Mbandi autoproclama-se sobe-rano do Ndongo. Mas Njinga já mos-trava ser uma grande guerreira e es-tratega. Vai até à ilha onde o rei se en-contra acantonado depois de umaderrota com os portugueses e de terperdido a capital, e convenceu-o deque era preciso fazer uma trégua comos portugueses e depois tentar for-mar uma coligação. O rei aceita emanda uma embaixada a Luanda pro-por a paz. Njinga foi a chefe dessa em-baixada. Mas Ngola Mbandi não res-peitou o acordo de paz, continuou afazer pequenas guerras. Não conse-guindo derrotar os invasores, o reimorre envenenado. Njinga assume o poder do reino doNdongo, em momentos críticos, sofrealgumas derrotas e alia-se aos holan-deses, que mais tarde vêm a revelar-setraidores. Astuta e argilosa como só

ela, vai tentar outras negociações, masos portugueses não honram a sua pa-lavra e assim vê-se forçada a formaruma coligação com os reinos da Ma-tamba, Congo, Dembos, Kassanje eKissama. Já como o forte apoio do po-vo, vai combater os portugueses atéconseguir fazê-los renderem-se. Mais do que um filme, “Njinga, Rai-nha de Angola” é uma grande aula sobre

História e Cultura do povo e do surgi-mento desta grande nação chamada“Angola”, cujos filhos sempre se bate-ram pela sua emancipação, desde o reiNgola Kiluanje Kia Samba. Nele pode-mos aprender que Njinga, para conse-guir driblar os seus adversários portu-gueses e sair de vencida em muitas em-preitadas, teve que contar com a ajuda efiel lealdade das duas irmãs: Kifunje eKambo e que teve ainda que sacrificar oseu amor por Kasa Kangola, pela suacausa, “a liberdade do povo”.Um filme acima de tudo educativo,com muitas emoções, retratando oscolombos dos reinos africanos daque-la altura. As vitórias, os amores e dis-sabores da majestade do reino doNdongo e Matamba. Onde todo o des-taque é dado aos actores negros, emais do que mostrar o lado da escravi-dão e do sofrimento, em “Njinga” pro-curou-se evidenciar o percurso destaguerreira angolana, neste primeiro

trabalho de ficção de época, e só foibom ter sido realizado por angolanos,porque a perspectiva de abordagemcertamente não seria a mesma. Este trabalho, com certeza um ga-nho da paz, encantou e convenceu to-dos os presentes na sala do CCB, comos belos planos bem elaborados, numasequência narrativa devidamente es-truturada, valorizando a língua nacio-nal, em particular o Kimbundo. As ima-gens em fotos lindíssimas a destacar asvárias paisagens naturais, como forterecurso que o país possui, existentesem Kissama e Malanje onde a maiorparte das cenas foram rodadas comequipamentos da mais alta qualidade.O figurino, os acessórios, a caracteriza-ção, denotando a árdua missão de pes-quisa que a equipa de produção tevena criação dos cenários de cada cena,conseguiram fazer as pessoas mergu-lharem no clima que se vivia na cidadede São Paulo de Assunção de Luanda,seus primeiros governadores e repre-sentantes da corte portuguesa.Um elenco bem seleccionadoAí também conseguimos notar a in-fluência muito presente dos consulto-res que intervieram no projecto, nestecaso: Izilda Hurtz; John Bela; SimãoSouindoula; João Pinto. Com os seussubsídios, ajudaram na composiçãode certos elementos que tornaram ascenas o mais real possível e do tempo(séc. XVI) vivido por Njinga Mbandi napele de Lesliana Pereira, que durantemais de oito meses de trabalho – pre-paração do texto, da personagem e iní-cio de rodagem – tão bem soube mer-gulhar na personagem e emprestar omelhor de si, para mostrar o senti-mento que cada cena exigia, com aimagem de uma mulher verdadeira-mente guerreira, sem tabus, com osseios à mostra, para não fugir á regra eidentidade que todas as personagensfemininas apresentavam, mas desta-cando-se na sua beleza e realeza.

Áurio QuicungaFotografias de Santos Pedro e Semba Comunicação

“Njinga - Rainha de Angola”Momento singelo na história do cinema nacional“De miss a rainha: Lesliana Pereira convence na pele da Rainha!”

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Toda essa empreitada só teve su-cesso com a ajuda dos directores e doelenco bem seleccionado, entre acto-res angolanos e portugueses, vistoque algumas cenas foram gravadastambém em Portugal. Dentre os acto-res angolanos com os quais contrace-nou e teve forte apoio, destacam-se:Miguel Hurtz – Njali; Jaime Joaquim –Ngola Mbandi; Yolanda Viegas – Kan-guela Kakombe; Sílvio do Nascimento- Kasa Kangola; Erika Chissapa – Ki-funje; Orlando Sérgio – Kassanje; Car-los de Carvalho – Njinga Mona; Men-des Lacerda – Mani Lungo Mbandi;Ana – Kambo.No final, eram só aplausos e con-gratulações aos actores, por parte dopúblico que só largou a sala depoisdos créditos finais, o que deu paraaperceber que nem todos os actoresque fizeram parte do trabalho viramos seus nomes na ficha técnica. Masnem por isso estragou o momentoque terminou com sessões de fotos eentrevistas entre os convidados, a im-prensa e os protagonistas da noite. Ofilme não teria melhor bênção de es-treia, uma vez que contou igualmente

com a presença de representantes dopoder tradicional, os sobas. Agora é só esperar a reacção do pú-blico expectante, dada a enorme an-siedade que as pessoas têm em ver es-te trabalho exibido em televisão noformato de série, mas que só será pos-sível daqui a alguns meses, por se en-contrar em fase de acabamento. Porenquanto, só mesmo “Njinga” nos ci-nemas. E o filme tem tudo para encheras salas, “tem tudo para concorrer emfestivais internacionais”, como co-mentou Agnela Barros.

Está de parabéns a equipa criativade “Njinga” encabeçada por CoréonDú, assim como o argumentista, osrealizadores, os directores, os actores,a equipa de produção, e demais inte-grantes deste projecto. Se a coisa pega,quem sabe não vem aí “Mandume” ou“Luéji” nos próximos anos. Enquanto isso, vamos nos servir de“Njinga”, a rainha de Angola!

Àprimeira, dá-nos a aparentevisão de uma desfragmenta-ção anatómica em progressãointerna. Ficamos a crer que a imagemse desfaz de fora para dentro, ficandoo visível gesto de voltar par si mesma.Ou de uma contorção muito suave.Mas não é isso o fundamental. O seusurrealismo abstracto é na verdade

uma linha de infinitas sugestões. O de-safio do fugaz assedia-o. A imagem semovimenta numa decomposição im-precisa. Os fundos sugerem uma tran-sição de cores ou de estados de alma. Absorvemos apenas a sensação co-mo início vital do quadro. O quadro ini-cia quando o sentimos. Pois foi assimque os da contra-lógica (surrealistas)

se impuseram e nos deram uma liber-dade excessiva para sonhar. A exposi-ção “Sonhar de olhos abertos”, do artis-ta plástico Renato Fialho, segue-os fla-grantemente. De 1 a 29 de Novembro cerca deduas dezenas de quadros que com-põem a exposição ficam à disposiçãodos visitantes. Quem se dirigir à Up-grade Art Room, situada na Travessados Mercadores 18-20, Coqueiros, po-derá encontrar os bem conseguidos “Oúltimo sapato”, “Cobrador”, “A esperado gás”, “Carnal”, “Cesta”, “Transbordo”. Os quadros vêm a ser pintados de 2009a 2013, um pouco em Angola e Portugal.

“Tem muito a vercom aquilo que osmeus olhos enxergam,com as sensações comque choco no dia-a-dia. Com um real puroque posso desfazerdentro das minhas li-nhas”, acentua RenatoFialho. Foi do artista queouvimos a história de“O último sapato”, umquadro singular. Nascede um sapato de mu-lher: um salto alto. Acena aconteceu em2003, durante uma vi-sita humanitária doartista e amigos, aca-bando por oferecerroupas, banda desenhada… Ao faze-rem a entrega dos bens, um dos miú-dos fica sem receber, visto que no sacosobraram apenas os saltos altos (demulher). Decidido, o rapaz experi-mentou o sapato, o que provocou gar-galhadas. Em seguida o artista foto-grafou-o a calçar, e durante meia déca-da foi apenas uma fotografia de umacena caricata. A sua composição pictórica é umexercício do real: a Luanda do agora éposicionada no cobrador “kobele”, nocandongueiro, nas senhoras à esperado gás, no carnaval; imagens de grandepoder para a memória colectiva actual.

Matadi Makola

Renato Fialho:“Sonhar de olhos abertos”

O último sapato

Transbordo

Coréon Dú da Semba Comunicação

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ARTES| 7Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

Agala do Prémio Nacional deCultura e Artes 2013, presti-giada com a presença do Vi-ce-Presidente da República, ManuelVicente, e da ministra da Cultura, RosaCruz e Silva, teve como pontos mais al-tos a entrega do troféu e do diplomade consagração aos vencedores e ahomenagem ao octogenário MestreKamosso, exímio tocador do hungo.Outros momentos não menos im-portantes foram as intervenções dacompanhia de dança tradicional Bal-let Kilandukilu, que coreografou o te-ma "Xinguilamento", baseado na cul-tura ancestral da população da Ilha doCabo, em Luanda, e o reservado à poe-sia, com o poeta José Luís Mendonça,ao som do hungo, a declamar doispoemas seus.Os Quatro Líricos, grupo vocal com-posto por jovens formados em músicana República de Cuba, "resgatou", demodo arrepiante, os clássicos da mú-sica popular angolana "Humbi Hum-bi", "Monangamba" e "Muxima". Grande espaço da gala foi preenchi-do com os shows de Karina Santos ede Eddy Tussa e sua banda.O homenageado da noite, MiguelAdão Filho "Kamosso", notabilizou-senas décadas de 1970 e 1980, e deixoumarcas na memória colectiva nacionalcom canções como "Massacre de Icolo eBengo", "Kamosso wala ni jeto", "Man-guxi" e "Zé Eduardo", sempre ao som dohungo, o seu instrumento de eleição.Chegou a actuar em Cuba e no CongoBrazzaville, tendo participado activa-mente, também, em várias edições do

Carnaval da Vitória, integrado em gru-pos oriundos de Catete.Aos 85 anos, de saúde visivelmentedebilitada, Kamosso é um repositóriode experiências e precursor de gru-pos como Kituxi e Seus Acompanhan-tes e Os jovens do Hungo.O escritor Ma-nuel Pedro Pa-cavira foi distin-guido, na catego-ria de Literatura,pelo conjunto dasua obra, comrealce para o ro-mance "NzingaMbandi", em quese narram os feitos heróicos de uma dasfiguras mais proeminentes da históriade Angola. Segundo o júri, o autor teve omérito de ter instaurado a narrativa fic-cional histórica, entre nós, baseada nahistoricidade do nosso passado.A historiado-ra e docenteuniversitáriaAurora Ferreira,venceu na cate-goria de Investi-gação em Ciên-cias Humanas eSociais, pelo livro"A Kissama emAngola do Século XVI ao Início do Sécu-lo XX - Autonomia, Ocupação e Resis-tência", que o júri considerou de grandevalor por reflectir um estudo profundo,fruto de longos anos de trabalho napesquisa da História de Angola e da de-dicação a esta área das ciências sociais.

O escultorJoséMununga, emArtes Plásticas,foi laureado "pelaperseverança eelevado valor ar-tístico do conjun-to da sua obra",desenvolvida aolongo de 37 anos de carreira, com umforte contributo ao desenvolvimentodas artes em Angola. “A sua obra trans-mite a exuberância mítica em que se ar-ticulam referências diversas, o populare o erudito e reinventam simbolica-mente espaços do mundo contemporâ-neo…”, referiu o júri. O grupo "Oá-sis da Base Aé-rea Número 1",em Teatro, igual-mente pelo con-junto da suaobra, no seu per-curso de 24 anos“dignificou o no-me de Angola emeventos internacionais”. É um “grupoescola” e uma respeitável referênciana história do teatro angolano.O realizadorRaúl CorreiaMendes, em Ci-nema e Audiovi-sual, representa-do na gala por umfamiliar próximo,ganhou o prémio"pelo papel por si

exercido no cinema e no audiovisualangolano". A sua obra cinematográfi-ca “representa um arquivo de memó-ria do percurso da nação angolana eum retrato de uma sociedade num da-do momento da sua história”.Justino Han-

danga, na catego-ria de Música, foidistinguido porcompor cançõesde grande valorharmónico e me-lódico, “que susci-tam em qualquerouvinte lembran-ças de intrínseca angolanidade”. O coreógrafoDomingosNguizane,emDança, recebeu oprémio pelo con-junto da suaobra que “temcontribuído pa-ra o desenvolvi-mento da dançaem Angola”. Distinguiu-se igualmen-te, segundo o júri, “pela sua iniciativapioneira em recolher e divulgar asdanças folclóricas angolanas”.

Prémio Nacional de Cultura e Artes

Gala consagra laureados

O Vice-Presidente da República entregando o galardão ao músico laureado Justino Handanga

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Foi já a findar Setembro que aAliança Francesa de Luanda eo Elinga Teatro fizeram acon-tecer a primeira conferência dança-da, aí mesmo no Elinga Teatro, à noi-te. Os grupos CDC, Ballet N´jinga,DINFA, Kussanguluka, Yetu Dance eElinga Teatro reuniram um misto de20 bailarinos sabiamente dirigidospelo coreógrafo do Burkina Faso, Ser-ge Aimé Coulibaly, que, em pouco me-nos de 20 dias, tratou de montar e fa-zer os “novatos” entrarem no ritmodos passos de uma conferência queexigia muito mais tempo, dando noatelier as seguintes temáticas: as fon-tes de criação do movimento, perso-nalidade e criação coreográfica; a es-crita coreográfica; a história da dançae o contexto africano.Do coreógrafo aprendemos que“para as sociedades tradicionais afri-canas, a música, a dança e o teatro sãoindissociáveis no contexto do espectá-culo vivo. Estar em palco é incarnaruma personagem e dançar”. No fundofoi este o propósito da sua visita a An-gola. Nos deu a conhecer o projecto“Faso Danse Théatre”, que “reagrupa eapoia muitos jovens artistas que pos-suem já uma linguagem coreográficaclara e afirmada” e que não pretendeapenas se constituir como companhia,mas “também um espaço de criação,de encontros, de reflexão e de pesqui-sa sobre a criação coreográfica con-temporânea no contexto africano”. Elizeth Cláudia Rodrigues “Eli”, natu-ral de Luanda, era uma das bailarinas

em palco. Os seus passos revestidos defina elegância facilmente saltavam àvista. A sua postura disciplinada tam-bém não ficou atrás, sempre em movi-mento harmonioso.Interessados em saber mais sobre adançarina, Agnela Barros, depois detecer elogios merecidos e de fazer umacrítica à media que não tem estadoatenta aos agentes culturais de outrasartes que não seja a música, foi a pri-meira a nos informar um pouco sobre abailarina: “é das melhores que temos, eestá a dar aulas no DINFA”, disse. A sua carreira como bailarina co-meçou em 2003 na Companhia de Bai-lado Minessa. Em 2007 ganha umabolsa de estudo do ministério da Cul-tura para a República de Cuba e aí fre-quenta o curso superior, concluindouma licenciatura em Dança Contem-porânea no Instituto Superior de Arte(ISA), em Havana.Nos dias que correm trabalha na Di-recção Nacional de Formação Artísti-ca (DINFA), no Departamento de In-vestigação e Desenvolvimento Curri-cular (DIDC) e, também exerce, na Te-levisão Pública de Angola, a função decoreógrafa e bailarina do programa“Domingo à Mwangole”. Jornal Cultura - Quebrando os limi-tes entre a dança e o teatro, qual é oprincipal objectivo de uma confe-rência dançada?

Elizeth Cláudia Rodrigues -Oprincipal objectivo de uma conferên-cia pode ser: ampliar conhecimentos

teórico-práticos e promover a dançacomo necessidade do desenvolvimen-to artístico como um todo. E sim, tenhoplena certeza que há condições de rea-liza-las frequentemente, desde o po-tencial humano ao capital financeiro.J.C - Quais os estilos que predomi-naram na conferência dançada?

E.C.R - O estilo predominante naconferência foi sem sombras de dúvi-das o contemporâneo. Mas, sendo esteuma linha sem limites, houve tambémquem, dentro da sua liberdade paracriar, implementou algumas frasesque representaram o universo dasdanças folclóricas locais.J.C –Qual é a sua percepção dosobre o dinamismo da dança emAngola?

E.C.R - O mercado da dança em An-gola está carente. Se queremos falar ever a dança como arte temos que tra-balhar todos em função da mesma,porque, apesar dos esforços que setem feito em prol do seu desenvolvi-mento, falta o primordial, que é a for-mação básica e união entre as pessoasque amam e vivem da dança. Após o meu regresso de Cuba, soubedo surgimento do concurso Bounce - eaproveito para parabenizar os seuscriadores - contribuindo em grandeparte para que a população comece a di-gerir elementos sobre os vários estilosde dança. E pode não transparecer, maso Bounce ajudou muito a população acomeçar a entender e a aceitar a dança

como um ofício. Porque, há 8 anos, mui-tos papás não aceitavam que um filhosonhasse ser bailarino profissional ehoje, pela influência deste concurso,permitem e apoiam, embora ainda comcerto receio. O que me deixa triste é o facto deque os dançarinos depois de passa-rem por lá já começam a pensar quesaíram de uma universidade. Pensamque já entendem de tudo no mundo dadança e que podem ser coreógrafos eprofessores de dança. Cuidado! Dançaé muito mais que um concurso. Hámuito mais ainda por aprender emtermos de dança. Há uma experiênciacontínua que se arrasta por váriosanos de exercício.Acho que boa parte dos fazedores dadança no nosso país são limitados,querem o facílimo. Os famosos coreó-grafos não querem criar, inovar, mas otodo mundo diz ser entendedor de tu-do. Há uma grande necessidade de re-flectirmos sobre isso, porque é muitosério, uma companhia com uma só li-nha de trabalho folclórico ou contem-porâneo já é muito difícil de manter.Como é que em Angola quase todas aspessoas que dizem ser coreógrafos,quando se lhes pergunta qual é a tua li-nha de trabalho, respondem que fazemquase tudo: dança folclórica, contem-porânea, salsa, valsa… Que bárbaro!Claro que no nosso país ainda émuito difícil fazer dança com profis-sionalismo, dança no verdadeiro sen-tido da palavra, porque contam-se osbailarinos que tecnicamente estão

Matadi Makola

“O mercado da dança em Angola está carente”Conferência dançada

Serge Aimé Coulibaly e Elizeth Cláudia Rodrigues (os dois primeiros)

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ARTES | 9Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

aprovados, não temos teatros, salõesde dança; temos sérios problemas deluzes, cenários, etc., etc., etc.Sei que há muito interesse dos ado-lescentes e jovens por esta manifesta-ção artística. Muitos possuem habili-dades inatas que poderiam ser desen-volvidas e só não acontece por falta deoportunidades (escolas). Muitos delesacabam por ser dançarinos, professo-res mesmo, mas sem consciência e dis-cernimento técnico do que fazem. É odesejo de ver realizado o sonho de serbailarino ou coreógrafo que bate maisforte... E é essa a realidade de muitosque se intitulam coreógrafos ou pro-fessores de dança no nosso mercado.O melhor de tudo isso é que o povoangolano é de muita fé e nunca perde aesperança. Sem medo de errar, tenho acerteza que um dia chegaremos lá,porque talento temos de sobra, vonta-de de fazer cada vez melhor tambémtemos. Por outro lado, o ministério daCultura está preocupado com esta eoutras situações de modos a suprirconsideravelmente as problemáticasdo campo da dança, com a construçãode uma escola de formação artísticaque deve receber alunos de Cabinda ao

Cunene nas mais diversas especialida-des, integrando a música, a dança, oteatro e as artes plásticas. Isso me levaa crer que dentro de 5 anos podereiresponder à mesma questão com mui-ta satisfação.J.C - Temos um número muito re-

duzido de espectáculos de dança. Oque pode estar na base do distan-ciamento entre o público e o artistade dança?

E.C.R - O distanciamento entre opúblico e quem faz dança existe porvários factores, dentre eles: uma po-pulação que não foi educada a apre-ciar, valorizar, amar, a apaixonar-se ea mergulhar um pouco na vida de umartista; um bailarino que não assu-me, não defende, não luta, não dedicae não acredita que pode ter um futu-ro brilhante a depender só da dança;um país em que praticamente não háteatros nos municípios.Enquanto o nosso povo não entenderque a dança já é um ofício e que se podeviver da dança; enquanto os empresá-rios pensarem que em Angola só os mú-sicos podem erguer a nossa bandeira eque apenas se faz dinheiro a patrocinar

um CD fica difícil. Mas quando todos en-tendermos que se apostarmos na dança,como já algumas pessoas estão a apos-tar, o país crescerá, a cultura cresce e to-dos angolanos crescem, aí sim, haverá aunião entre o público e os bailarinos.J.C - Nas palavras de Serge Couli-baly, percebemos que há uma certadificuldade do ocidente em enten-der as antigas estéticas de dançasafricanas que dão vida a estilosdos dias hoje. Será por causa doproblema de falta de bibliografiadisponível?

E.C.R. - Obviamente que sim. A faltade bibliografia disponível tem influen-ciado muito para o desconhecimento eà má compreensão de muitas dançasem África e em particular em Angola,porque muitas dificuldades vividaspor parte dos professores, coreógra-fos, bailarinos e dançarinos deste con-tinente têm muito a ver com a ausênciade artigos escritos sobre os mesmos.Por essa razão fica cada vez mais difícila descodificação das nossas danças e aexistência de técnicas pautadas quegarantam o ensino das danças e bailesfolclóricos de África.

“Enquanto o nosso povo nãoentender que a dança já éum ofício e que se pode vi-ver da dança; enquanto osempresários pensarem queem Angola só os músicospodem erguer a nossa ban-deira e que apenas se faz di-nheiro a patrocinar um CDfica difícil.

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10 | ARTEs 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Cultura

Os povos bantus vivem a espi-ritualidade no seu quotidano.É assim com o grande mestrePaulo Kapela. Esse ancião de Maquelado Zombo nascido em 1947, tem seunome marcado nas artes plásticas an-golanas. Seus trabalhos apareceramem inúmeras exposições colectivasem África e na Europa. Em 2003 rece-beu o prémio CICIBA - Centro Interna-cional de Civilizações Bantú, em Braz-zaville. Ele é deveras um mestre artís-tico e espiritual para a juventude, comaura suave vibrando positivamente esua produção pecualiar, cria novosmundos novos sonhos. Com ele e seu“filho” Rasta Congo, troquei algumasexpressões em torno da vida e obra. Ocorreu recentemente uma exposi-ção de pintura organizada pela Ofici-na de Arte Kapela no Elinga . A Oficinade Arte funciona na baixa de Luandano edifício da sede social da União Na-cional dos Artistas Plásticos-UNAP.Ocorreu-me ouvir o ancião da EscolaPoto Poto de Brazzaville que usa a co-lagem e instalação como técnica na ti-pologia de arte contemporânea afri-cana. Entrando no labiríntico espaçodo artista, é desolador o quadro realque constitui a sua vivência social.Num espaço preenchido de vários ob-jectos aparentemente banais entre la-tas, jornais e restos de revistas, peda-ços de espelhos, crucifixos e velas, bo-nés com as cores pan-africanas e etc, oatelier-residência do mestre que vive

diariamente sob a protecção divinacomo ele refere atendendo a extremamiséria material do espaço e difícil so-brevivência. Acomodado num dosamontoados de revistas e velhas rou-pas, a conversa animada começoucom o Rasta Congo que serviu de tra-dutor, pois o mestre expressa-se livre-mente na língua africana Lingala.Ras Nguimba Ngola:Rasta Congo,o que é a Oficina de Arte Kapela?

Rasta Congo:É a demonstração dacultura tradicional bantu. É o atelierdo mestre que nos dá visão. Juntei-meao grande mestre em 1999 e muito te-nho aprendido. É porém com o ânimo mais tristeque o mestre se oferece a responder àquestão. Com o olhar profundo e me-ditativo o ancião conta:Paulo Kapela: Está a ser uma ofici-na de aventuras. Eles usam o meu no-me em vão. Não sentamos para conver-sar e delimitar os aspectos de funcio-namento da mesma. Repito que é umgrupo de jovens que simplesmente mecausam mal- estar criando-me armadi-lhas porém eu quero trabalhar emunião. Eles chegaram aqui como terro-ristas. O nosso objectivo é trabalhar naunião. Uma organização unida e quetenha os devidos apoios de todos os in-tegrantes. No entanto, deles só recebodesprezo chegando mesmo a chamar-me nomes feios, humilham-me

achando-me estrangeiro, maluco. Re-tiram as minhas coisas, sabotam asminhas idéias. Essa é a minha vidaaqui. RNN: Mas os jovens a que se refe-re aprenderam aqui com o mestre?

PK: Nunca trabalhei com esse grupo.Antes, vinham alguns aprender mas ig-noram-me, receberam algum apoiomaterial e abandalharam-me, desvian-do-o. Rasta Congo é meu aluno, surgiuaqui voluntariamente. É dedicado ecom vontade de trabalhar em união.Tem dom musical e queda artística,gosta de aprender pois faz o seu inte-lecto trabalhar. Eu quero isso, uma ofi-cina com jovens artistas intelectuais.RNN: Têm recebido apoios dasentidades de direito?

PK: Não recebo apoios há 20 anosaqui. (O ancião baixa o semblante visi-velmente abatido e necessitado).Quero um atelier em condições e que-ria muito uma casa digna para des-cansar a velhice e trabalhar pois te-nho ainda muita criatividade. Aquinão trabalho à vontade as pessoas cir-culam muito desrespeitando-me eaos meus pobres pertences. O grupogerador faz um ensurdecedor barulhoque retira a minha paz e tranquilida-de. Aqui também não há segurançacomo podes observar, pedras e ferros

caiem por aqui e agora que chegou achuva os transtornos são maiores.Permitimos o silêncio a invadir oespaço, em cada inspiração e expira-ção marcas da dura realidade e so-nhos de dias melhores que nunca vi-rão? É grande a fé do mestre e seu dis-cípulo e sente-se na vontade criadorado artista e seu “filho”. O que é a artepara esses dois artistas angolanos?RC: Arte é a vida, é a segunda natu-reza do homem. Tudo no mundo é tra-balho de arte. Arte é fazer coisas ma-ravilhosas. Eu canto, pinto e desenho.Amo a arte.PK: Arte é a divindade manifestada.É a recriação constante da vida.E já o tempo a cobrar a conversa,restam palavras de aconselhamentopara a juventude com vontade artísti-ca e não só. Rasta Congo aconselha ajuventude a dedicar-se aos estudos e adescobrir os dons artísticos e desen-volvê-los com trabalho dedicado.Aponta a leitura como factor funda-mental para o saber, ligada à arte, poisliteratura é essa arte que usa as pala-vras. Para o mestre Kapela a juventu-de “deve ter vontade de trabalhar comprazer, amor a Deus e ao próximo éfundamental pois o amor de Deus fazo artista criar com dedicação e pa-ciência e isso vai permitir o respeitoaos mais velhos e aos mestres.RNN: E sobre os jovens que usam

o seu nome?

PK:A eles peço apenas que medeiam um mínimo de respeito e amor.Eu sou já um mais velho e quero muitotrabalhar com amor e união ajudandoos mais novos. Não estou contentecom eles. E para alguns dirigentes queaqui passaram que levaram os meustrabalhos e não recebi dinheiro até ho-je, devo dizer que eu também sou filhodessa terra logo devem evitar práticasdesonestas e o separatismo tribal.

Paulo Kapela: “Arte é a recriação da vida”

Ras Nguimba Ngola

Rasta Congo e Paulo Kapela

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ARTES| 11Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

Terminou, dia 21 de Novem-bro, a 6ª edição do Festival In-ternacional de Cinema deLuanda (FIC Luanda). Nas nomeaçõesestrangeiras, “O Espinho da Rosa” ,uma produção guineense do realiza-dor Felipe Henriques, foi consideradaa melhor longa-metragem, decisão es-ta que o corpo de jurado sustentoupor reunir “num universo de quarentafilmes os requisitos necessários commuita qualidade que obrigou o corpode jurado a um trabalho intenso e ri-goroso”. Certamente a “sensação” doFestival Internacional de Luanda aoser um dos filmes mais aclamados. O FIC encerrou com o workshop so-bre “Direcção de actores, a promoçãode filmes e do cinema angolano no ex-terior e em festivais internacionais”,além de técnicas de montagem, no-meadamente “finalização e pós-pro-dução de curta metragem”.Um participante ao workshop refe-riu que a acção formativa foi boa, masteve mais ênfase no último tema,quando deveria ocupar-se também daexperiência de outros países na pro-moção e divulgação de filmes, acres-centando que a abordagem à direcçãode actores foi ao de leve.Pedro Ramalhoso, o director doInstituto Angolano de Cinema, Au-diovisual e Multimédia (IACAM),destacou, na abertura do festival,ocorrida no dia 15/11, que o júri tevea “missão espinhosa” de seleccionar

os cerca de 50 filmes concorrentes,num conjunto de 150. Os participantes vieram da Guiné-Bissau, Moçambique, Guiné-Conacrye Namíbia. Da Europa vieram filmesde Portugal, Noruega, França e Holan-da. Da América chegaram dos EstadosUnidos, Cuba e Brasil. A ministra da Cultura, Rosa Cruz eSilva, sublinhou que “o Executivo vaicontinuar a apostar em acções de pro-moção da cultura e das artes” e referiuque o FIC Luanda é “uma oportunida-de rara de fortalecer os laços cultu-rais com os países participantes e osseus profissionais, estimulando, as-sim, o intercâmbio cultural entre oscineastas estrangeiros e angolanos”.Rosa Cruz e Silva frisou que “estaaposta serve para que o cinema na-cional dê vazão à capacidade criadorados profissionais angolanos e possaoferecer momentos de entretenimen-to e divulgação do saber aos cidadãos,com especial realce para os jovens”, aomesmo tempo que o FIC Luanda “ser-ve, igualmente, para a promoção daindústria do cinema e dos audiovi-suais, sendo uma oportunidade paraproporcionar ao público interessadona Sétima Arte a possibilidade de verfilmes premiados internacionalmentee que não foram exibidos nas nossassalas de cinema”. Durante o certame foram apresen-tados filmes dos mais diversos mati-zes e nuances, como documentários e

ficção, curtas e longas metragens, queforneceram diversos estágios históri-cos, bem como a disparidade econó-mica à escala planetária, além da di-versidade social, cultural e até espiri-tual das diversas comunidades, emque se basearam as cenas que com-põem os enredos dos filmes. A tipicidade do ambiente físico, so-cial e humano da América Latina, porexemplo, o drama da escravatura noBrasil, traduzido no filme “A Cruz deCabinda”, nome do protagonista queera, provavelmente, descendente deescravos oriundos de Angola, o calortropical da África e suas tradições, apoligamia e o frio da Europa em criseque tenta a regeneração, sem prejuízoda força cinematográfica dos EUA.É de realçar o não menos especta-cular e emocionante filme o “GrandeKilapi”, de Zezê Gamboa, que prendeua atenção do público que acorreu aoCine Atlântico na sessão inaugural,apesar de ocupar apenas metade davasta sala. Nota dominante nesta edição do FICLuanda que irá marcar, definitivamen-te, a história do cinema angolano, emtermos, pelo menos, da recepção, foi ainovação introduzida, consagrada àsmatinées infantis, com objectivo di-dáctico, extensivas a locais da perife-ria da capital.A torrente de filmes que o públicoassistiu no FIC Luanda concorre parao cultivo do bom gosto estético, pelo

que há que potenciar futuros interes-sados no cultivo da Sétima Arte emAngola. As potencialidades criativasestão estribadas nos jovens que se ha-bilitam actualmente no documentá-rio, ainda que sem a qualidade técnicarequerida.A frequência, sobretudo dos jovenscineastas e cinéfilos angolanos, aopalco onde decorreu o FIC Luanda ul-trapassou a expectativa dos organiza-dores, conforme estes reconheceramcom orgulho.“Angola Ano Zero” distinguidoNo geral, o júri - presidido por Djal-ma Luís Félix Lourenço, diretor doInstituto Nacional de Audiovisual eCinema de Moçambique, teve a men-sagem, o argumento, a trilha sonora, aprodução e a realização como princi-pais elementos. Dos nacionais, “Angola Ano Zero”,do realizador Ever M. Palácio, foi omelhor documentário nacional; “APromessa”, do realizador Michel M.António, foi a melhor curta-metra-gem nacional. O júri não atribui oprémio de melhor longa-metragemnacional. Quanto a este vazio, DjalmaLuís Félix Lourenço justificou que “os filmes nacionais que concorriamnão ofereciam as qualidades exigi-das, sobretudo na mensagem, produ-ção e realização, e sugere também àorganização do FIC “uma melhor ri-gorosidade na seleção dos filmes daspróximas edições”. De “O Espinho da Rosa”, de FelipeFernandes (já com o galardão emmão) pudemos saber que o filme é umdrama que aborda de forma mordaz ahistória de uma menina que é váriasvezes molestada pelo pai. Quanto aotítulo, o realizador explicou que o es-colheu por se tratar de uma vingançaque a menina faz depois da sua morte,causada por uma tentativa de aborto. “Tango Negro”, do realizador DomPedro, foi o melhor documentário es-trangeiro; “Try”, do realizador nami-biano Joel Haikali, foi a melhor curta-metragem estrangeira. “O Grande Kilapy”, do realizadorangolano Zezé Gamboa, foi o “prémioespecial do júri. “Kapossoca está Bo-nito”, dos realizadores Manuel Serra-no e Carla Chasco (Espanha-Aangola),“Road to Mandahil”, do realizadorzambiano Jones Nasilele, “Impunida-de Criminosa”, do realizador moçam-bicano Sol de Carvalho, e “Rio Loco”,do angolano Nguxi dos Santos, rece-beram menções honrosas.

Festival Internacional de Cinema de Luanda

Norberto Costa

“O Espinho da Rosa”: a sensação

Dom Pedro, Rosa Cruz e Silva e Felipe Henriques

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12 | GRAFITOS NA ALMA 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Cultura

Dizia no século XVIII o filósofoe político anglo-irlandês Ed-mund Burke, que “os povosque não olham para trás para os seusantepassados, não serão capazes deolhar para a frente, para a prosperida-de.” Daí que o meu olhar para o futurome obrigue a não perder de vista opassado e o presente, já que estes trêsmomentos se encontram, tendencial-mente, ancorados. Os Países Africa-nos de Língua oficial Portuguesa – PA-LOP – trazem consigo um passado his-tórico comum de partilhas pela lutaautonómica em cada um dos nossospaíses, que julgo importante ser res-gatado para a cooperação mutuamen-te vantajosa dos dias de hoje.1. Os PALOP e as suas vertentes

identitárias comunsIndependentemente das especifi-cidades inerentes a cada um dos PA-LOP, do ponto de vista identitáriohouve, para todos eles, um contactode meio milénio com a administraçãocolonial portuguesa, com o povo por-tuguês e com a língua portuguesa, in-dependentemente da situação de do-minação que está na origem da lutaclandestina e das guerras coloniaispara a obtenção das respectivas auto-nomias políticas. Este contacto demeio milénio constitui uma primeiravertente de identidade, comum a to-dos os PALOP.O associativismo e as acções nati-vistas e protonacionalistas que a par-tir dos finais do século XIX serviramde suporte para a edificação de ummoderno nacionalismo africano, re-presenta a segunda vertente identitá-ria comum. Com a excepção de S. Tomé e Prínci-pe, a guerra pela independência na-cional constitui uma terceira vertentede identidade comum. Pela sua pró-pria natureza, a guerra foi factor dis-sociativo, com o seu cortejo infindávelde tragédias e, paradoxalmente, foitambém factor associativo de identi-dade nacional, ao atingir, directamen-te, toda a sociedade angolana, gui-neense e moçambicana, independen-temente das origens etnolinguísticasou socioeconómicas. Também a socie-dade cabo-verdiana, embora de formaindirecta, faz parte desta vertenteidentitária. Para as sociedades angolana e mo-çambicana, há ainda a pertença maio-ritária a uma mesma origem civiliza-cional bantu, à qual uma parte da so-ciedade santomense também perten-ce, facto que, especificamente para es-tes três países, constitui uma quartavertente identitária comum.

2. A pesada herança colonial Normalmente, nos países ociden-tais, as abordagens sobre África e oseu futuro apresentam um conjuntode opiniões caracterizadas pelo nega-tivismo. Elikia M’Bokolo, um dos maisdestacados intelectuais africanos daactualidade, resumiu-as do seguintemodo: Desmoronamento do Estado;Fragmentação do território (que ha-via sido construído com muito traba-lho pela colonização e que se encontraagora repartido em enclaves bélico-mineiros); Vida precária dos indiví-duos (com poucas garantias de segu-rança imediata e futura, isenta dos di-reitos mais fundamentais); Agrava-mento das clivagens sociais nos dife-rentes campos político-militares; An-gustiante estado de pobreza sem fim àvista, onde a capacidade de sobrevi-vência é levada ao extremo; Etnizaçãodas relações sociais e das alteraçõesna vida política...Todavia, são raras as ex-potênciascoloniais, que, numa lógica de causa eefeito, assumiram o fracasso da suaapelidada “missão civilizadora” emÁfrica e reconheceram a discrimina-ção, a segregação, a ausência de preo-cupação para a escolarização das po-pulações africanas com consequentecriação de um baixo sentido de auto-estima, a exploração desenfreada, du-rante séculos, dos recursos do conti-nente africano... Cada um destes as-pectos associados à “Partilha de Áfri-ca” na Conferência de Berlim (1884-1885) constitui uma parte da pesadaherança deixada pelas administra-ções coloniais aos jovens Estados afri-canos, maioritariamente indepen-dentes após a década de 60. Uma outra parte está ligada tráficonegreiro, que, a par da exterminaçãodos ameríndios no Novo Mundo, re-presenta dois dos maiores holocaus-tos praticados durante séculos contraa humanidade. Realidades silenciadaspelas “civilizadas” ex-sociedades es-cravocratas, que chegam a ignorar, nasua própria historiografia oficial, acontribuição dos negros africanos nosseus respectivos processos de desen-volvimento. Entre 1933 e 1961, no regime doEstado Novo, o assimilacionismoconstituía a única forma de promoçãosocial em Angola, na Guiné-Bissau eem Moçambique. Diferentes gruposetnolinguísticos foram sujeitos a umviolento processo de transculturação,para que passassem a adoptar ummodelo de vida semelhante ou próxi-mo da vida cultural europeia. Porexemplo, em Angola, em 1961, só30.089 negros foram considerados

assimilados, o que correspondia a0,7% da população da colónia. Em1952, Angola tinha, apenas 14.898alunos no ensino primário, onde maisde dois terços eram descendentes deeuropeus. A título comparativo comoutras colónias não portuguesas, OGhana, de colonização inglesa e com odobro da população de Angola, tinha,nesse mesmo ano, 418.898 alunosmatriculados neste nível de ensino e oex-Zaire (actual República Democráti-ca do Congo), de colonização belga,três vezes mais populoso que Angola,tinha 943.494 alunos. O sociólogo angolano José CarlosVenâncio, Professor Catedrádico naUniversidade da Beira Interior, no seulivro “O facto Africano. Elementos pa-ra uma sociologia da África” é pe-remptório em afirmar que, se a crisedo Estado em África é, indubitavel-mente, o lado mais visível do subde-senvolvimento observado neste con-tinente, uma boa parte da responsabi-lidade dessa crise deve ser atribuídaao Estado colonial. A ele se devem ascausas estruturais para o subdesen-volvimento generalizado, que ocorreno continente africano e que se pren-dem com o baixo nível de progressodas sociedades e culturas africanasapós o contacto com os povos euro-peus; ou seja, “com o mundo viabiliza-do pelo colonialismo.” África é umcontinente que se afirma ter sido“descoberto” pelos europeus. Porém,os povos colonizados não se encon-travam perdidos, nem precisavam denenhum reconhecimento da sua hu-manidade, nem de nenhuma ratifica-ção da sua identidade. Com o início da 1ª República, em1910, novas políticas coloniais foramimplementadas: manteve-se a obriga-ção dos indígenas (não assimilados) te-rem obrigatoriamente de trabalhar,mas, a Constituição Republicana de1911, limitava os contratos a dois anos epassava a proibir os patrões de utiliza-rem castigos corporais. Surgiram, emPortugal, as primeiras associações li-vres de africanos, que, no espírito nati-vista, reivindicavam por melhores con-dições sociais para os negros e um esta-tuto de autonomia para as colónias,mas, ainda, no quadro da administraçãoportuguesa.

Durante o Estado Novo, as iniciati-vas direccionadas para o associativis-mo por parte dos africanos e seus des-cendentes em Portugal são pratica-mente nulas. A Casa dos Estudantes doImpério (CEI), embora tivesse sidocriada por iniciativa do governo, con-tou com um grupo de estudantes afri-canos muito activos (sobretudo os quese encontravam na delegação deCoimbra), que, mais tarde, vieram acontestar e a romper com o regime deSalazar. Alguns foram presos, outrostiveram que se exilar, por estarem emsintonia com o ideário independentis-ta das colónias portuguesas em África. Apesar da repressão policial, a sec-ção cultural da CEI levou a cabo publi-cações de obras de uma plêiade de bonsescritores originários das colónias por-tuguesas em África, dos quais, entre ou-tros, destacamos: Agostinho Neto, AldaLara, Pepetela (em 1997, Prémio Ca-mões), Ernesto Lara Filho, Viriato daCruz, Mário António, Luandino Vieira(em 2006, Prémio Camões, que, segun-do um comunicado de imprensa, recu-sou “por razões íntimas e pessoais”) eAlexandre Dáskalos, todos de Angola;de Cabo Verde, Corsino Fortes, GabrielMariano e Ovídio Martins; de S. Tomé ePríncipe, Manuela Margarido e Alda doEspírito Santo; e de Moçambique, Noé-mia de Sousa e José Craveirinha (em1991, Prémio Camões). 3. Uma perspectiva de futuro para o decurso do século XXIEm era de conhecimento e de pla-netização da economia, onde as gran-des mutações se operam de forma vir-tiginosa, a aposta na educação e naformação adequada dos recursos hu-manos constituem, para os PALOP, ogarante de progresso económico e so-cial. Não uma espécie de “educaçãouniversal” que, segundo Durkheim,“não pode nem deve existir”, já que ca-da sociedade real e histórica, em de-terminado momento do seu desenvol-vimento cria e impõe o tipo de educa-ção de que necessita. Mas, sim, umaeducação voltada para o desenvolvi-mento, assente no primado da paz, doEstado de direito democrático, dos di-reitos humanos e da justiça social eque, no domínio da interculturalida-de, os interesses de “pátria privada” sesubmetam aos superiores interessesda edificação de uma “pátria política”;ou seja, a Nação de um só povo.Pelo menos, em questões de Educa-ção, Cultura e Desporto, poderíamosrelançar a nossa cooperação ao níveldos PALOP, tendo, pelas razões acimaapresentadas, todos nós muito mais aganhar do que a perder.

Razões para uma maior cooperação entre os PALOP

Filipe Zau

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DIÁLOGO INTERCULTURAL| 13Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

DISSOLUÇÃO O homem se esforça se multiplica, se autocria escrupulosamente nas deslocações imaginativas para a solução do problema fundamental: restringir-se a uma negação absoluta. Uma força proporcional o coloca à deriva Ele, como se fosse uma fantasia, ou um capricho dissolvente de um destino mofino. Apesar do que tenho visto e imaginado e pensado e sentido e vivido imagino a minha Bissau que me mete medo à vista, pois, quando a cidade cala o país chora Doismilenove num áspero março estrondoso, pecaminoso a seguir-lhe junho criminoso abrem-se, em mim, os arsenais da discórdia que me conduz ao rés-do-chão da história menina que, sem começar, termina na chuva de sangue fina. Meus olhos ávidos de utopias contradizem-se com meus dias ácidos de tensas ventanias e de últimas recordações que o Cais (não) esquece imolações, frustrações lamentos de minha perdição não fosse a teimosa fé na singidura feição do meu lopé. Algumas kassabis me perseguem e, paralelamente, algumas saburas persistem muitas léguas Saburaa atravessar quiçá, um dia de ternura há-de vir se o sonho assim o convir.Bissau/Março/2009

O que é isso, pai, é outra na cidade de Bissau?

Poesia de Jorge Otinta

Jorge Otinta, escritor, ensaísta e docente universitárioem Bissau. Director-Geral do Ensino Superior no Minis-tério da Educação (Guiné-Bissau). Autor de Represen-tações do Intelectual: um estudo sobre Mayombe eKikia Matcho (Editora CRV, 2012), Mia Couto: Memóriae Identidades (Editora Honoris Causa, no prelo), ambosensaios e A Promessa Inconfessa (Editora CRV, noprelo), seu romance de estreia.

HEIDEGGER GIGI (HEIDEGGER GUINEENSE)

Dispus di jubi si fiju na fundu di si ujus, i sai ku es: Olhando no fundo dos olhos do próprio filho, diz-lhe o pai: Psikosomatiku Psicossomático (Fiju rabida i jubi papé… i pensa ku si kabesa di mininu ku sibi ciu; nos tan i ciu ki ta skirbidu?) (O filho fitou ao pai. Pensando na sua sabedoria de menino astuto) – Es mas i kê? Papa kê i utru nubdadi más na Bissau? – O que é isso, pai, é outra na cidade de Bissau?) (I ruspundil ku dintis murdidus di raiba) (Rangendo os dentes, respondeu-lhe, com certa ira) – Na nundé? – Onde? (Sin koragen di torna fala pa si papé, i sai tan ku és). Ker ser: kada kin ku disel: (A tremer dum medo friorento, devolveu ao pai, dizendo-o que cada um tinha os seus problemas) – Anta, papé di mi, ñu disal pon na psikomesusadu… (E arrematou: Então, pai, é melhor deixar isto como psicossubtraído)

15 Jan. 2012

SIMINTERU NOBU NOVO CEMITÉRIO

Ospital, si ñu na rapada, Veja, se reparares bem, o hospital i sedu nan gosi transformou-se agora siminteru di almas bibus no cemitério dos vivos, ora!

12 Fev. 2012.

AI, POR FAVOR, NÃO CAI

Da sombra de uma ponte em construçãoDescem lentamenteAs chamas sombrias de uma manhã orvalhada de concretos.

Singidura di lopé – No kriol guineense, significa o nó do pano tradicional usado na cintura pelos homens da tabanka (aldeia).Sabura – Também do kriol, prazeroso, gostoso, o que dá sorte e graça.

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14 | DIÁLOGO INTERCULTURAL 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 | Cultura

Um poema de jazz percorre anoite como se fosse uma tardede domingo, clímax erótico,viagem intercontinental sobre ondassalgadas, exército de sentimentos con-quistando as margens do Ser, dor, di-gestão do vazio, caos metálico.Natureza morta, sangue seco de umdeus inexistente na ponta do trompetemágico de Ambrose Akinmusire. E setocasse no Carnaval de Luanda?Quantas vezes Harish Raghavancarregou aquele baixo às costas atéaprender a sacar-lhe aquele som donosso chingufu? Diálogo com o pianode Sam Harris. Triálogo – saxo, baixo ebateria. Vaidade de areia limpa no fun-do do rio: o baixo a solo. O trompete en-tre a sangrar e sai, deixando lugar aopianíssimo vibrar. Quando entra um rasta, entra umafloresta numa sala. A floresta chega aocentro da alma humana com a sua resi-na capilar e a saudade de termos sidopássaros primatas. Apetece comer fru-tos silvestres. Que caem da árvore mi-tológica de sons: era bom que o jazzfosse também ao lábio do musseque.Este quinteto de jazz com Akinmusi-re (trompete), Walter Smith (sax te-nor), Harish Raghavan (baixo), SamHarris (piano) e Marcus Gilmore (bate-ria) veio a Luanda saudar a data nacio-nal, diz Jerónimo Belo que, de comumcom o índio apache seu xará, possui o

dom da persistência, conota AmbroseAkinmusire com uma enorme cons-ciência da tradição jazzística norte-americana e desvenda que as elitesafricanas estão cada vez mais distan-ciadas do jazz, ao contrário do passado.Akinmusire é filho de pai nigeriano eesta é a sua primeira performance emterras dos seus antepassados.Depois vêm diálogos entre o trom-pete e o saxo. Duas aves que se agasa-lham mutuamente. E o piano de Sam Harris é uma paisa-gem urbana após a chuva, quando háuma reabsorção da humidade pelanostalgia do sem-tempo, na fronteiraentre a indústria automóvel e a colhei-ta do algodão. Tudo é branco como osofrimento dos negros do Alabama,com a alma retraçada de blues e essesol que desponta na boca do trompetede Ambrose Akinmusire. O jazz é umpoema. Se lê com os ouvidos da alma.

Dia 7 de Novembro, o Museude História Natural recebeuum cacho de fruta humana,ávida de escutar Florent Mazzoleni,especialista em música africana, autorde 20 monografias sobre música afri-cana que veio a Luanda apresentar oresultado das suas pesquisas, sob o tí-tulo de “Músicas Modernas de Angola:dos lamentos ao Kuduro”.Foi em Bordéus, em 2008, na bienalde Arte, que Mazzoleni teve o primeirocontacto com Angola. Depois esteveem Luanda a participar na primeiraconferência sobre o kuduro, em 2012.O palestrante projecta na parede dasala de conferencias diversas imagensde capas de Long Plays do tempo colo-nial, enquanto vai falando. Segundoele, a Rumba congolaise pode ser con-siderada a primeira música modernado continente. Foi ela que inspirou o

Ngola Ritmos e o seu mestre LiceuVieira Dias. As influências modernasforam a introdução da guitarra eléctri-ca no pós-guerra (1945-50). O Congofoi fundamental no desenvolvimentoda música angolana, bem como as ro-tas da emigração. Outro nome daquela época é o de Ca-mille Ferruzi que, diz Mazzoleni, in-fluenciou o trovador angolano Minguito. Da boca de Florent Mazzoleni saíramgrandes verdades: a grande revoluçãoda música angolana aconteceu nosanos 60 e os cantores compunham ecantavam crónicas do quotidiano. Daspeças que ouvimos, encantou-nos asuavíssima voz de Belita Palma, umcanto de pretexto subtil, a interpretar opoema de Agostinho Neto “Caminho doMato”. Das Caraíbas também veio umacerta inspiração Melódica que acendeuas guitarras dos Jovens do Prenda.

Da apresentação feita pelo investigadorfrancês, fica-nos na alma uma nostalgia:- da inventividade e vitalidade dosKiezos, nos anos 70;- da virtuosidade, fluidez natural nodiálogo entre a guitarra e a dikanza;- do orgulho de ser africano, até nasdesignações dos agrupamentos musi-cais e nas ilustrações das capas dosdiscos e sobretudo na aposta no cantoem línguas nacionais.Aspectos que a música angolana ac-tual, na sua maioria, embrenhada numpretenso culto da modernidade (ouserá apenas uma ilusão de modernida-de?) pretende ignorar...

José Luís Mendonça

José Luís Mendonça

Ambrose AkinmusireUm poema de jazz

Florent Mazzoleni:dos lamentos ao kuduro

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DIÁLOGO INTERCULTURAL| 15Cultura | 25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013

Afinal o espaço cresce em nós. Apeça nos ensina que nadaexiste para além de nós. Quetudo à volta é uma grande extensão donosso íntimo. A imagem de um palhaçoaflito a reanimar o possível coração dasua mala é a primeira que abre as múl-tiplas interpretações do imaginárioque a peça posteriormente traz maisamadurecidas. Além de uma viagem (mala), é cer-tamente uma parábola sobre cidada-nia, reencontro consigo e socialização.Em “Monólogo com mala”, o espaço seconfunde com a essência. A persona-gem e o espaço são as suas própriastramas. Juntas, coração e Europa nãotêm diferença de espaço, e ambos sãoalcançados pelo mesmo caminho. To-do o continente cabe no coração de umcidadão que se entrega em restituiçãoa este espaço. É assim que rodar o con-tinente acaba sendo uma profunda ca-minhada sobre o seu coração.Em palco está apenas um palhaço ea sua mala. Afectado nos gestos, temna faceta um pouco de Arlequim, quepor várias vezes diverte o público comas diversas personagens que sugere:mãe, pai, um violinista, um pianista,um maestro, uma porta, um com-boio…, todos ajustados, mas sem de-notar esforço excessivo ou descon-tracção demasiada.Mas como alguém se encontra? Aconsciência do espaço levou o cidadãoà consciência do lugar do homem nomundo. Tirou-o da distracção de si.Fê-lo perceber a participação em sím-

bolos de elevadas cargas históricas eemocionais, como a Torre Eiffel ou aqueda do muro de Berlim. “Só agora, ao crescer, me dou contacomo sou europeu, e como sou per-tença de todas as partes da Europa. Énas diferenças deste continente queme encontro. Antes não sentia isso,dou conta enquanto adulto”, diz Gué-rassim Dichliev. “Alguma das cenas, como é o casoda viagem de comboio, acontecerammesmo. Um dia viajei de comboio poralguns países da Europa”, sustenta oactor, referindo-se à sua memorávelviagem para dentro do continente, eque por várias vezes repete em palco,mas já para dentro de si.

A malaNos 45 minutos da peça, a mala nãoé só uma mala; sofre de um animismoprogressivo: é um objecto passível decargas sentimentais, é outro palhaçoem palco; é outra entidade que recla-ma do seu espaço e utilização, é outroactor sujeito a várias transformaçõesem cena neste monólogo bilingue. É uma dupla ora afectuosa, ora tris-te, ora alegre, mas sempre subtil nosgestos. Guerassim faz-se bem acompa-nhado pela mala nas abaladas mudan-ças de estado de espírito e transforma-ções, muitas vezes arrojadas e brus-cas. São surpresas, sussurros, sorri-sos; todos confluindo quase ao mesmotempo, como a cena dramática de um

gesto de tentativa de suicídio – feitaapenas através de gestos de dedos – setransformar em um telefonema desaudade à sua mãe. Guerassim DichlievApresentada na noite de 15 de No-vembro no Elinga Teatro, já foi roda-da em mais de oitenta países em todoo mundo, e foi trazida em Angola pelaAliança Francesa de Luanda. Búlgaro, Guérassim Dichliev (Gué-ro) foi aluno da escola de mímica deParis de Marcel Marceau (Ecole Inter-nationale de mimodrame de Paris).Em 1996, logo que formado, Gué-rassim Dichliev torna-se assessor eprofessor ao lado de Marcel Marceau,com quem trabalha até 2005, ano emque a escola é encerrada. Muito apre-ciado pelo mestre, associa o seu ta-lento à companhia dele e acompanha-o em digressões internacionais. Actuou junto de vários artistas: Mi-me Marceau, Marie Trintignant, Mo-nica Bellucci, Michaël Youn, GérardDepardieu, Madona Bouglione…Depois de ter saído da Escola deMarceau, Guérassim Dichliev cola-borou estreitamente com o encena-dor Costantino Raimondi. A partirdeste trabalho comum – escrita tea-tral, encenação, interpretação – vá-rios espectáculos foram criados.Pouco a pouco, o dueto artísticocriou o próprio estilo de teatro, bas-tante específico e fácil de reconhe-cer, onde a palavra está reinventadapelo jogo do corpo.

Sempre dado como raper, Dinofoi traçando a sua carreira demúsico. Foi neste circuito que ocabo-verdiano trocou experiênciascom vozes afirmadas do hip-hop lusó-fono. Pelo trajecto e disciplina, tudo di-zia que seria raper. Como muitas men-talidades das últimas duas décadas, orap foi o seu contacto prematuro com aarte. Mas enganado esteve quem julgouque o jovem de cabo-verde permanece-ria aí, feliz nas batidas que a máquinapop americana reduziu a jogos de ca-mara, beat e manequins esbeltas. Era apenas rap e não o homem. Por-que foram as viagens a Cabo-verde, on-de aí mantinha contacto com os mais ve-lhos possuidores de profundas estóriase sábias parábolas da tradição das ilhas,que despertaram nele a música, e a mú-sica “resgatou” nele o homem preocupa-do com a África e seus valores inerentes:“foi a voz da tradição”, diz Dino, justifica-do a metamorfose que o levou a mudar

radicalmente do rap ao batuku, funaná,koladera, morna; estilos que traz no cdEVA, editado este ano.Das dez faixas do álbum, seis são can-tadas em crioulo, mas “de Santigo”, co-mo Dino prefere que seja identificado,num misto de gosto e orgulho. Trazsempre nas suas respostas uma peque-na alusão à língua de Cabo-verde e àIlha de Santiago, aquele local que entãopodia não significar tanto para o jovemque se revia em muitas coisas das me-trópoles da diáspora, onde sempre vi-veu. Tocado, hoje Dino defende ser pre-ciso encontrar caminhos que nos levamaté aos ancestrais, aos dialectos, e espe-ra que eles não se percam no tempo. Na Ilha de LuandaMiami Beach (Ilha de Luanda, numcrioulo harmónico, Dino tirou do EVAo “Nós Tradison”, primeira faixa desteálbum, um lento funaná, já tocado comelegância distinta na companhia de

Sara Tavares. E Dino justifica: Foi pre-ciso toca-lo em um funaná mais lento,um pouco à maneira do Bulimundo(conjunto musical cabo-verdiano sur-gido na década de 80, muito ovaciona-do por fazer ressurgir o estilo à escalalusófona), e também porque assim amensagem chega a ser melhor com-preendida”. Depois foi “Mont: gracio-sa”, um hino à chuva.Sustentada com uma parábola detempo de seca em Cabo-verde, quandoum homem se vê como insignificantediante das grandes forças da natureza,“Djonsinho Cabral” foi das músicas maisaplaudidas. Embora em crioulo, o diálo-go intercultural entre povos de grandeslaços foi consumado com “Pensa na Oji”,música em que participa Paulo Flores.Desta, Dino conta: “Fazer o “Pensa naOji” com Paulo Flores e ele dizer quequeria cantar em crioulo foi uma grandebênção para alguém que quer se encon-trar. Eu cresci ouvindo Paulo Flores,

cheio daquele seu jeito devoto de carre-gar a cultura angolana”. Mas foram Nelode Carvalho e Nsoki, artistas convida-dos, que acompanharam o cantor nestaproposta, fechando o encontro com umainterpretação conjunta da música de Ce-sária Évora, “Petit Pays”.

“Monólogo com mala”, de Guerassim Dichliev

Mas como alguém se encontra?

Dino Santiago: foi-se a voz da tradição Matadi Makola

Matadi Makola

Page 16: ARTES PÁG - imgs.sapo.ptimgs.sapo.pt/jornalcultura/content/files/jc-251113.pdf · da nossa poesia também alguns poemas em línguas bantu, como ... obras destes poetas parte de um

16 | NAVEGAÇÕES

Efemérides Culturais

25 de Novembro a 8 de Dezembro de 2013 |Cultura

2013– Ano das Matemáticas do planeta Terra 2005-2014- Decénio das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável

2005-2015- Segundo Decénio Internacional das Populações Indígenas do Mundo2013-2022 - Decénio internacional da aproximação das culturas

RESULTADOS do desafio Nº 43

Desafio edição XLIII:Questão G: Que alimentossão os principais fornecedo-res de cálcio?

Resposta: Leite e derivados(lacticínios)

Vencedores:Yara MarinaSilva, Eltom Avelino SerraJúnior, Núria Costa, Eliza-beth Alexandra Fançony dosSantos Serra, José Serra

Em anexo desafio ediçãoXLIV – SuperTmatik QuizEducação Alimentar

Arquitecto Filomeno Fialho apresenta

investigação sobre o BNAAobra de carácter histórico-científico intitulada “BancoNacional de Angola – 60anos de edificação” foi apresentadaa público no passado dia 4 do cor-rente, no hall daquela instituição fi-nanceira, para celebrar mais umaniversário do BNA. Da autoria doarquitecto Filomeno Fialho, quetambém exerce o cargo de consul-tor do governador e director depatrimónio e serviços dobanco, o livro, com 184 pá-ginas em impressão de capadura cartonada e com numacuidada impressão gráficarepresenta, no dizer doseu autor, um

trabalho de pesquisa e de investiga-ção de sete anos consecutivos, du-rante os quais, Filomeno Fialho nãopoupou esforços para contactar atéa família do arquitecto Vasco Rega-leira em Portugal, autor do projectoarquitectónico do edifício que é hojea sede do BNA. Fialho contou com otestemunho vivo de um dos constru-tores do edifício, Manuel HenriquePires, falecido este ano e que traba-lhou na edificação da obra comoconstrutor de tectos falsos(caixetones).A ideia do livro nasceu apósuma apresentação que o ar-quitecto Fialho, já no cargode director do patrimó-nio, fez aquando

da celebração dos 50 anos do BNA,e que visa “despertar a consciênciade muitos para a necessidade dapreservação do património histó-rico”, património que, no caso doBNA, é composto de obras de artearquitectónica de inegável valorestético e patrimonial. Como se lê,à página 56, “na elaboração doprojecto, o arquitecto pretendeuconceber uma obra que arquitec-tonicamente reflectisse a época Se-tecentista” (...) datada “dagrandiosidade e carácter que umedifício desta natureza deve ter...”(...) “...á data da sua inauguração –7 de Setembro de 1956 – tornar-se-ia pela sua função e monumen-talidade, num exemplar único daArquitectura do Mundo Lusófonoe no ex-libris de Angola, coroa queainda hoje ostenta.”Para além do figurino estéticomaterial, o livro fala-nos tambémda história do banco que está inti-mamente relacionada com a histó-ria económica de Angola. Daí a suaimportância, tanto para académicos,como estudantes e público em geral.

Filomeno Fialho