As florestas brasileiras à luz da Lei 9605

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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA

BRIGADA MILITAR COMANDO AMBIENTAL

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM POLICIAMENTO AMBIENTAL

AS FLORESTAS BRASILEIRAS À LUZ DA LEI 9.605/98 – LEI DOS CRIMES

AMBIENTAIS 1

João Batista Ribeiro do Nascimento2

RESUMO

O presente estudo tem a finalidade de avaliar o entendimento doutrinário acerca do que seja a definição de floresta enquanto bem difuso protegido por lei e como o agente de polícia ambiental deve entender o conceito quando de sua atuação em delitos contra este tipo específico de flora alicerçado no Poder de Polícia Ambiental conferido no atual Estado Democrático de Direito.3.

PALAVRAS-CHAVE: Floresta – Polícia – Legislação

1. INTRODUÇÃO

A questão ambiental, no Brasil e no mundo, tornou-se um tema amplamente debatido

em todos os meios em vista da crescente degradação ambiental existente atualmente e pelo

fato de que um ambiente em equilíbrio reflete na qualidade de vida dos povos. Entre os

inúmeros instrumentos legais existentes em nível federal, estadual e municipal que tratam do

tema “meio ambiente” e em específico a parte destinada a flora, temos a Lei 9.519/92 -

Código Florestal do Estado do Rio Grande do Sul, a Lei nº 4.771/65 – Código Florestal

1 Artigo escrito na aula da disciplina de Legislação de Flora, ministrada pelo Instrutor Cap QOEM Giovani Paim Moresco, no Curso de Especialização em Policiamento Ambiental – CEPAM- 2010. 2 1º Ten QTPM. Oficial-Aluno do CEPAM 2010. 3 Sistema institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a potência pública. O estado de direito é assim ligado ao respeito da hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos direitos fundamentais.

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Federal e a Lei 9.605/98 – Lei dos Crimes Ambientais, a qual traz uma seção específica dos

crimes contra a flora. Quando ouvimos falar de florestas logo nos vem à mente uma imagem

de grandes árvores, com folhas verdejantes, tão próximas umas das outras que, nesta mesma

imagem mental, se vistas de cima, não seria possível enxergar o solo. A própria lei referida no

título do presente artigo não especifica, não define o que vem a ser uma floresta. Para o

policial da área ambiental que vá atender uma ocorrência tipificada como crime ambiental,

seja de menor potencial ofensivo ou de maior potencial, exemplo do Art. 41 da Lei 9.605/98,

"Provocar incêndio em mata ou floresta: pena – reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa",

como este servidor irá confeccionar seu relatório, como irá preencher o BO-COP4, o BO-TC5

(na Brigada Militar, regulados pela Nota de Instrução Operacional nº 025.1), ou qualquer que

seja a documentação operacional e fazer constar que esteve diante de um delito praticado

contra a flora e especificar que foi em uma floresta quando a própria lei não traz esta

definição? É o que procuraremos abordar a partir de agora.

2. DOS TIPOS DE VEGETAÇÃO EXISTENTES NO BRASIL6

Para começarmos a entender a definição de floresta faz-se necessário que

apresentemos, a guisa de esclarecimentos, os tipos de vegetação existentes em solo brasileiro.

Nosso país continental preserva em seu solo uma vasta variedade de vegetação com destaque

para oito tipos principais de vegetação, a saber:

- Floresta Amazônica (equatorial): vegetação densa por causa dos fatores climáticos

da região que é quente e úmido.

- Floresta Tropical (Mata Atlântica): vegetação menos densa predominando plantas

de grande porte.

- Vegetação Litorânea (Mangues): vegetação bastante variada. São regiões

alagadiças e salobras que abrigam manguezais, gramíneas e plantas rasteiras.

4 Boletim em que devem ser registrados os dados essenciais do fato, nas infrações penais de menor ou maior potencial ofensivo, desde que ausentes os elementos do flagrante delito. 5 Diferencia-se do BO-COP em razão de estarem presentes todos os elementos do flagrante delito e o autor do fato assuma o compromisso de comparecer ao Juizado Especial Criminal, na data estabelecida pelo policial, ou quando for regularmente intimado. 6 CABRAL, Gabriela. Tipos de Vegetação. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/brasil/os-tipos-vegetacao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010.

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- Campos: vegetação rasteira, predominantemente formada por gramíneas herbáceas

que atingem até 50 cm de altura.

- Pantanal: vegetação bastante variada, compreendendo características de florestas

tropicais, cerrado, campos e caatinga.

- Caatinga: vegetação típica do fator climático semi-árido. São vegetais com

folhagem atrofiada, caules grossos e raízes profundas.

- Mata de Araucárias: vegetação formada predominantemente por araucárias e

pinheiros-do-paraná. Sofre influência do clima frio e da elevada altitude.

- Cerrado: vegetação formada por arbustos e outras plantas que se adaptaram ao

clima seco e úmido que varia de acordo com a estação. Está localizado principalmente no

Centro-Oeste brasileiro, mas ainda pode ser encontrado em menor escala em diversas partes

do país.

Agora que temos uma noção da variedade da vegetação que recobre o solo brasileiro,

vamos verificar que destes tipos de vegetação, a floresta é que se sobressai, eis que, segundo o

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)7, as florestas enquanto tipo de vegetação

ocupam uma grande parte do solo brasileiro: “O Mapa de Vegetação do Brasil mostra que no

país ocorrem dois grandes conjuntos vegetacionais: um florestal, que ocupa mais de 60% do

território nacional, e outro campestre.” (grifo do autor). O mesmo Instituto também salienta as

formações florestais no que tange às suas constituições:

As formações florestais são constituídas pelas florestas ombrófilas (em que não falta umidade durante o ano) e estacionais (em que falta umidade num período do ano) situadas tanto na região amazônica quanto nas áreas extra-amazônicas, mais precisamente na Mata Atlântica. Na Amazônia, predominam as florestas ombrófilas densas e abertas, com árvores de médio e grande porte, com ocorrência de cipós, bromélias e orquídeas. As florestas extra-amazônicas coincidem com as formações florestais que compõem a Mata Atlântica, onde predominam as florestas estacionais semideciduais (em que 20 a 50 % das árvores perdem as folhas no período seco do ano), e as florestas ombrófilas densas e mistas (com araucária). Em ambos os conjuntos florestais ocorrem, em menor proporção, as florestas estacionais deciduais (em que mais de 50% das árvores perdem folhas no período seco). (grifos do autor).

7 ________IBGE. Mapa de Biomas e de Vegetação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169>. Acesso em: 13 ago. 2010.

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Temos até aqui o necessário para concluirmos, em parte, que o Brasil tem uma vasta

variedade de vegetação e entre estas, a predominância das florestas bem como, suas

respectivas constituições.

3. FLORESTA – (IN) DEFINIÇÃO

Nosso próximo passo, agora que já identificamos os tipos de florestas, será encontrar

a sua definição. De início acompanhemos o entendimento de Édis Milaré8, quanto ao que seja

floresta: “As florestas são vivas, e mais, constituem também elas sistemas de suporte à vida de

outras partes da biosfera. Interagem com o clima, particularmente os climas locais, ajudam a

direcionar a circulação dos ventos.” Ao que parece, em um primeiro momento, tal

entendimento não supre a nossa necessidade quanto a uma definição do que seja uma floresta.

Seguindo adiante, vemos que a Lei 4.771/65 que instituiu o Código Florestal, traz em

seu Art. 2º, por definição legal, o que consiste uma “floresta permanente” e no Art. 3º a

definição que é dada por ato do Poder Público. Desta forma temos uma definição legal do que

seria uma floresta de preservação permanente eis que está contida no Código Florestal o qual

informa que a floresta e a vegetação natural encontradas em determinadas áreas de

preservação permanente serão assim consideradas.

O que se percebe é que falta uma definição específica onde qualquer cidadão com o

mínimo de conhecimento acerca das letras (alfabetizado e com um nível mínimo de

conhecimentos gerais) pudesse interpretar e reportar, referir, informar o que constitui, do que

é formada uma floresta, isto sem termos vagos do tipo: “vegetação cerrada, constituída de

árvores de grande porte cobrindo grande extensão de terras” ou “denso conjunto de árvores

que cobrem vasta extensão de terra9”. Em que pese a definição estar contida, ser oriunda de

um conceituado dicionário como o Houaiss, penso que ainda não serve de parâmetro para uma

construção científica na esfera jurídica eis que carece de interpretação acerca do que seja, no

primeiro caso, “vegetação cerrada” ou “grande porte”.

Então neste vai e vem resultante da busca de um amparo doutrinário do que seja uma

floresta, de uma descrição que contemple ao menos a área jurídica porquanto temos que

positivar para a conseqüente persecução criminal, tanto quanto à Justiça Cível e à própria

Administração Pública encontramos autores que compactuam com o entendimento de que a 8 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 146. 9 Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v1.0.5ª.

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termo floresta é difícil de ser definido, que o vocábulo floresta tem recebido muitas definições

sem exatidão científica, sem precisão lingüística e totalmente equivocadas, conforme

entendimento de Ozorio Fonseca10:

A falta de objetividade conceitual sobre o vocábulo floresta incluída no sistema normativo do Brasil apareceu, pela primeira vez, na Portaria nº 486 de 28/10/1986, do antigo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) que define floresta como “uma formação arbórea densa, de alto porte, que recobre área de terra mais ou menos extensa”, com o documento não esclarecendo o que afinal significa “densa”, “alto porte” “e mais ou menos extensa”.

Ainda compartilhando a percepção de que o termo floresta não está definido, Julis

Orácio Felipe11, diz que o Código Florestal não traz esta definição e tampouco outras normas

o fazem, deixando ao intérprete da lei a árdua tarefa, completa seu pensamento com a certeza

que a definição de floresta ainda carece de uma fixação de seu sentido literal:

Não resta então a menor dúvida que a definição de floresta, se não for suplementada por legislação estadual nos termos da competência concorrente, deve ser atualmente interpretada como qualquer tipo de floresta, natural ou exótica, com uma ou mais espécies, e que quaisquer que sejam elas, cumprem a função sócio-ambiental que se encaixa perfeitamente no texto constitucional e legal em vigor, qual seja: a proteção ambiental.

Como restou evidenciado, fica prejudicado, em uma primeira análise, o entendimento

do termo “floresta” quando comparado com a tipificação existente na Lei dos Crimes

Ambientais.

3. O PREENCHIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO OPERACIONAL NOS CRIMES

AMBIENTAIS PRATICADOS CONTRA AS FLORESTAS

Primeiramente vamos identificar o pressuposto que o policial possui para agir.

Dentro dos limites legais estabelecidos tem-se que um dos pressupostos que traz consigo a

legitimidade para agir é o poder de polícia. Na área ambiental este instituto fica melhor

entendido no saber do ilustre professor Paulo Affonso Leme Machado12:

Corresponde à atividade da administração pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao

10 FONSECA, Ozorio. Afinal o que é floresta?. Disponível em: <http://portalamazonia.globo.com/pscript/artigos/artigo.php?idArtigo=1324>. Acesso em: 13 ago. 2010. 11 FELIPE, Julis Orácio. Floresta, uma definição atualizada . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4173>. Acesso em: 13 ago. 2010. 12 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p-303.

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exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização, permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

Precisamos agora entender como atuará o agente de polícia ambiental quando

chamado a intervir em ocorrências pertinentes ao caso em estudo, ou seja, crimes contra a

flora, em sentido latu, e, em sentido estrito, contra a floresta, tipificados na Lei 9.605, de 12

de fevereiro de 2008 conhecida como a Lei dos Crimes Ambientais.

Nestes e nos demais casos, o policial irá preencher normalmente a documentação

operacional onde fará constar, além dos dados que situam o fato no tempo e no espaço o que

verificou, o que ocorreu, enfim, fará um auto de constatação13 onde descreverá o que está

vendo e, com base neste relato, em muitos casos, é possível realizar até uma perícia de forma

indireta.

4. CONCLUSÃO

Em que pese a legislação brasileira buscar estabelecer a proteção de um bem difuso,

um bem que não é de ninguém e é de todos ao mesmo tempo, resta prejudicada a definição

legal do termo “floresta”, termo este que é uma constante nas variadas normas (Leis,

Decretos, Portarias, etc.) que regulam o tema “meio ambiente”. Quanto ao policial atender a

ocorrência, não se faz necessário saber se a vegetação é ou não uma floresta, basta relatar

minuciosamente o que viu ou constatou para que, a partir deste relato se construa os fatos

como se deram, até porque, com os dados e informações que se tem nos dias atuais, com

sustentação nas bases cartográficas disponíveis para consulta e até mesmo a própria internet

como ferramenta, uma floresta restará caracterizada, ou não, mais em razão do local onde se

deu os fatos e menos em função da sua definição legal. Conhecendo o local dos fatos, com

uma rápida pesquisa é possível saber o tipo de vegetação predominante e identificar se é

compatível com as descrições de floresta constantes nos dicionários e compêndios. Em que

pese a Lei 9.605/98 penalizar condutas que investem contra as florestas, o tema carece de uma

busca mais aprofundada e, porque não dizer, de uma doutrina que balize a definição do termo

“floresta” porquanto até o presente momento não há um padrão para entendimento uniforme,

restando aberto para uma investigação mais amiúde.

13 No caso em comento, o Auto de Constatação é um dos documentos operacionais integrante de um rol de 17 documentos que compõem o Procedimento em Ocorrências Ambientais, conhecido como “POA”, que é utilizado pelo efetivo integrante do Comando Ambiental da Brigada Militar.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABRAL, Gabriela. Tipos de Vegetação. Disponível em: <http://www.brasilescola.com/brasil/os-tipos-vegetacao.htm>. Acesso em: 12 ago. 2010.

Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa v1.0.5ª.

________IBGE. Mapa de Biomas e de Vegetação. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=169>. Acesso em: 13 ago. 2010.

FELIPE, Julis Orácio. Floresta, uma definição atualizada . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 66, jun. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4173>. Acesso em: 13 ago. 2010.

FONSECA, Ozorio. Afinal o que é floresta?. Disponível em: <http://portalamazonia.globo.com/pscript/artigos/artigo.php?idArtigo=1324>. Acesso em: 13 ago. 2010.

Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Institui o Código Florestal. Publicada no DOU de 27 de outubro de 1966 e retificado no DOU de 16.09.1965.

Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1988. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Publicada no DOU de 12 de fevereiro de 1988.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p-303.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 146.