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CMG Marcos Silva Rodrigues AS FORÇAS ARMADAS E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO: O Programa Nuclear da Marinha e sua importância para o desenvolvimento do Estado Nacional Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito de conclusão do Curso de Política e Estratégia Marítimas. Orientador: CMG (RM1-IM) Cláudio Marin Rodrigues Rio de Janeiro Marinha do Brasil Escola de Guerra Naval 2006

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CMG Marcos Silva Rodrigues

AS FORÇAS ARMADAS E SUA IMPORTÂNCIA PARA ODESENVOLVIMENTO DO ESTADO:

O Programa Nuclear da Marinha e sua importância para o desenvolvimento do EstadoNacional

Monografia apresentada à Escola de GuerraNaval, como requisito de conclusão do Cursode Política e Estratégia Marítimas.

Orientador: CMG (RM1-IM) Cláudio MarinRodrigues

Rio de JaneiroMarinha do Brasil

Escola de Guerra Naval

2006

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RESUMO

Analisa-se o Programa Nuclear da Marinha com o propósito de coligar seus

efeitos sobre o desenvolvimento do Estado nacional brasileiro e de sugerir ações para

continuação desse programa em proveito do Brasil. Inicialmente, a análise consiste na

avaliação da questão nuclear, dentro do atual cenário internacional, na verificação das

políticas de contenção do conhecimento adotadas pelas potências nucleares, como forma de

evitar-se a proliferação nuclear, e o modo como essas políticas influenciaram o PNM. Em

seguida, verifica-se o histórico do Programa nuclear da Marinha, os motivos e as aspirações

que originaram a decisão de adotá-lo, a situação atual do desenvolvimento do projeto, e

identifica-se os óbices que estariam dificultando sua conclusão. Na seqüência, expõe-se as

contribuições do PNM à economia, à defesa, à ciência e à tecnologia. Finaliza-se com a

constatação de que os problemas são decorrentes da falta de respaldo político, o que leva à

conclusão de que há a necessidade de atribuir-se ao programa uma política de estado

estratégica. Como resultado, propõe-se que a coordenação política do programa seja

transferida para a Casa Civil da Presidência da República.

Palavras-chave: Programa Nuclear da Marinha. Desenvolvimento. Submarino Nuclear.

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ABSTRACT

The Nuclear Program of the Navy (PNM) is analyzed with the purpose of

associating its effects on the development of the Brazilian national state and to propose

actions for the continuation of that program for the benefit of Brazil. Initially, the analysis

approaches an evaluation of nuclear issues, in the current international environment; in the

evaluation of policies o of contention adopted by the nuclear powers, as instrument for

avoiding actual nuclear proliferation, and the way that those policies influenced the PNM. In

the sequence, a historical review of the PNM is presented, with the reasons and the aspirations

that originated the decision for adopting it; the current situation of the project development

status and the obstacles that are hindering its conclusion. Following, it is presented the

contributions of the PNM to economy, defense and science and technology government

sectors. It concludes with the verification that the main drawback to the nuclear program is

the lack of political back-up and decurrently need to attribute to program the support of strong

government policies back up, with it’s coordination. As result, intends that the political

coordination of the program would beeing transferred to the highest government level.

Key words: Navy Nuclear Program. Development. Nuclear Submarine

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LISTA DE ABREVIATURAS

AIEA Agência Internacional de Energia AtômicaAIE Agência Internacional de EnergiaABACC Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais

NuclearesANVISA Agência de Vigilância SanitáriaCBTN Companhia Brasileira de Tecnologia NuclearCEA Centro Experimental Aramar

CEBRI Centro Brasileiro de Relações InternacionaisCLT Consolidação das Leis TrabalhistasCNEN Comissão Nacional de Energia NuclearCOPESP Coordenadoria para Projetos Especiais

CNEN Comissão Nacional de Energia NuclearCNPq Conselho Nacional de PesquisasCPI Comissão Parlamentar de InquéritoCSNU Conselho de Segurança Nacional da ONU

CTMSP Centro Tecnológico da Marinha

DAbM Diretoria de Abastecimento da MarinhaDBM Doutrina Básica da MarinhaENDC Eighteen Nations Disarmament CommitteeEUA Estados Unidos da AméricaGSI Gabinete de Segurança InstitucionalHEU High Enriched Uranium

IAEA International Atomic Energy Agency

IEA International Energy AgencyINB Indústrias Nucleares do Brasil

IPEN Instituto de Pesquisa Energéticas

LEU Low Enriched Uranium

LAB-GENE Laboratório de Geração Núcleo- Elétrica

MB Marinha do BrasilMD Ministério da DefesaNSG Nuclear Suppliers GroupNUCLEN NUCLEBRAS de EngenhariaNUCLEP NUCLEBRAS Equipamento PesadoOEA Organização dos Estados AmericanosOMC Organização Mundial do ComércioONU Organização das Nações UnidasONG Organizações Não Governamentais

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PDN Política de Defesa NacionalPET PósitronsPDN Política de Defesa NacionalPM Poder MilitarPNB Programa Nuclear BrasileiroPNM Programa Nuclear da Marinha

PWR Pressurized Water ReactorRI Relações InternacionaisSIPRI Instituto de pesquisa Internacional da Paz de EstocolmoTNP Tratado de Não-Proliferação de Armas NuclearesTO Teatro de Operações

Ton. ToneladaUFRJ Universidade Federal do Rio de JaneiroUF8 Hexafluoreto de urânioUNSCOM United Nations Special CommissionUTS Unidade de Trabalho SeparativoURSS União das Repúblicas Socialistas SoviéticasZEE Zona Econômica Exclusiva

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

1 QUESTÃO NUCLEAR 9

1.1 Fundamentos teóricos da questão nuclear 9

1.2 Gênese histórica 11

2 PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA 21

2.1 O início

21

2.2 Acordo Brasil e Alemanha 25

2.3 Programa nuclear brasileiro 27

2.4 Programa Nuclear da Marinha 28

2.5 Situação atual do PNM 29

2.6 Política brasileira de salvaguardas 33

2.7 Política externa do Brasil 34

3 O PNM E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DOESTADO

NACIONAL 37

3.1 Contribuição à economia 37

3.2 Contribuição à defesa 46

3.3 Contribuição à ciência e à tecnologia 49

CONCLUSÃO 50

REFERÊNCIAS 53

ANEXOS 57

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INTRODUÇÃO

Após 6 de agosto de 1945, quando os Estados Unidos da América (EUA)

explodiram a primeira bomba atômica na cidade de Hiroshima, os outros Estados mais

avançados tecnologicamente buscaram desenvolver seus próprios arsenais nucleares,

objetivando a sua aplicação no campo das Relações Internacionais (RI) como estratégica. Não

demorou para que a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1949; Reino

Unido, em 1952; França, em 1960 e a China, em 1964, também obtivessem sucessos em suas

respectivas pesquisas e constituíssem um clube atômico dos Estados possuidores de arsenais

nucleares.

Assim, esses Estados detentores do conhecimento formaram um oligopólio

possuidor de armas nucleares, membros permanentes do Conselho de Segurança da

Organização das Nações Unidas (CSNU) com poder de veto. Eles vieram, ao longo dos anos,

utilizando instrumentos, por meio de políticas, acordos, sanções econômicas e, até mesmo,

intervenções militares para negarem o acesso do conhecimento de enriquecimento de urânio

aos outros Estados. Pode-se citar, como exemplo: o Protocolo Adicional (1997) e a trigger

list – lista de materiais e equipamentos considerados sensíveis e proibidos de serem

exportados.

Quase simultaneamente, os conhecimentos adquiridos na fissão nuclear foram

transferidos para o meio civil e utilizados na produção de energia elétrica, o que, de certa

maneira, vem auxiliando alguns Estados na sua busca de fontes alternativas ao petróleo,

matéria-prima esgotável. Dessa forma, descobriu-se que a tecnologia de geração núcleo-

elétrica era um negócio promissor à medida que se podia comercializar a venda das usinas, o

urânio enriquecido e a própria energia elétrica geradas nas usinas.

Em relação ao Brasil, as pesquisas na área nuclear se iniciaram a partir de 1944.

Em 1987, o Brasil dominou o ciclo do enriquecimento de urânio, por meio do Programa

Nuclear da Marinha (PNM), inserido dentro do contexto do Programa Nuclear Brasileiro

(PNB). Entretanto, a conquista alcançada ainda não se apresenta inteiramente consolidada,

devido aos fatores econômico, político e estratégico e vem, conseqüentemente, enfrentando

sérios óbices que comprometem a sua continuação.

O domínio do conhecimento do enriquecimento do urânio foi um significativo

marco tecnológico alcançado pelos brasileiros e poderia contribuir mais para o

desenvolvimento do Brasil, no campo econômico, na área de defesa, na ciência e na própria

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tecnologia. Até o presente momento, alguns ganhos já foram obtidos, por meio desse

programa, e estão descritos neste trabalho.

Nesse sentido, o tema induz a dois questionamentos de grande interesse para o

programa: qual seria a importância do PNM para o Brasil? Quais seriam os reflexos sobre o

Poder Naval Brasileiro, tradicional colaborador da política externa?

Para responder a essas questões, este trabalho analisará o PNM e a sua

contribuição para o desenvolvimento do Estado brasileiro. Para tanto, a sua proposição será:

apresentar a questão nuclear em nível global, a partir das políticas de não-proliferação

nuclear, e que tiveram significativa influência para o Brasil; o PNM e o seu principal

problema - que vem dificultando sua continuação -, e a sua questão orçamentária; analisar as

possibilidades e possíveis ganhos, no campo econômico, nas áreas de defesa e ciência e

tecnologia, em razão do domínio do conhecimento do enriquecimento do urânio; para, por

fim, coligir oportunidades para o Poder Naval Brasileiro.

Para a consecução deste propósito, serão abordados, em três capítulos, de forma

estruturada, os seguintes tópicos:

a) questão nuclear: a análise do histórico das políticas estratégicas de não-

proliferação do conhecimento do enriquecimento do urânio que, de certa

maneira, influenciaram o PNM;

b) PNM: que discorre sobre o histórico da evolução da conquista do

conhecimento do ciclo do enriquecimento do urânio; os motivos e as

aspirações que originaram a decisão da Marinha; a situação atual do

desenvolvimento e a questão orçamentária que está dificultando a continuação

do programa; abordar a política brasileira de salvaguardas, cujo fim era

demonstrar o caráter pacífico do programa, e a política externa e suas

conseqüências para o PNM; e

c) o PNM e sua aplicação para o desenvolvimento do Estado Nacional; em que se

discutem as contribuições do domínio da tecnologia nuclear para o

desenvolvimento da economia e o aprimoramento da defesa brasileira, da

ciência e da tecnologia; e as aspirações do Poder Naval Brasileiro em relação

às conquistas alcançadas, e os seus reflexos no seu emprego futuro.

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1 QUESTÃO NUCLEAR

O estudo deste capítulo é centrado na importância da questão nuclear no mundo, e

os respectivos eventos das políticas de contenção do conhecimento nuclear que, de certa

forma, estão relacionados e/ou influenciaram o PNB. Este tópico tem valor significativo, pois

o conhecimento da história das políticas estratégicas de não-proliferação nuclear, patrocinadas

pelos Estados detentores de capacidade nuclear, é um instrumento que contribui para se ter

um melhor entendimento das relações entre os Estados, quando empregada a teoria do

realismo nas RI. Por outro lado, a noção desses principais fatos auxilia, também, na

compreensão das dificuldades enfrentadas pelos Estados em relação à questão nuclear, e, na

medida em que se verificam os óbices, se apresenta uma prospectiva dos passos futuros que

advirão, para o PNM, e que estão relacionados às políticas de contenções do conhecimento

nuclear.

1.3 Fundamentos teóricos da questão nuclear

O surgimento da questão nuclear remonta ao início do Século XX, e foi

caracterizado por enorme intercâmbio científico entre diversos Estados como EUA,

Inglaterra, França, Itália e Alemanha. Naquele período, a troca de informações impulsionou o

desenvolvimento da atividade nuclear no mundo.

Inicialmente, as ações diplomáticas realizadas nas RI indicavam que a questão

nuclear seria tratada sob o enfoque de um idealismo cooperativo, que tinha como objetivo a

divisão do saber. Logo na gênese da questão nuclear, viu-se que o tema estaria intimamente

associado às RI.

Hoje, todos sabem que quando falamos de RI, referimos-nos, habitualmente, a um

sistema de Estados territoriais, estruturados sobre os princípios do Tratado de Vestefália

(1648) e classificado de anárquico ou “estado de natureza”, dentro da visão “Hobbesiana”.

As RI são anárquicas, em razão da não-existência de um governante mais elevado.

Nesse contexto, existiram duas versões clássicas acerca das relações em um “estado de

natureza”. Para Thomas Hobbes (1588-1679), esse “estado” se relacionava à insegurança, à

força e à sobrevivência. Já John Locke (1632-1704) considerava que, apesar da não-existência

de um governante comum, as pessoas podiam desenvolver laços, contratos e, por isso, a

anarquia era menos ameaçadora. Essas vertentes do “estado de natureza” foram as precursoras

filosóficas das duas abordagens mais importantes das concepções atuais das RI: a abordagem

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realista, mais pessimista e a idealista, mais otimista. (1:5)

O dilema entre essas duas teorias permanece até os dias de hoje. Ao longo dos

tempos, surgiram vários nomes que teorizaram sobre as duas tendências. No realismo, temos

Hans Morgenthau (1904-1980). No idealismo, encontramos base, dentre outros, nos trabalhos

de Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Hegel (1770-1831) (2:1).

Em relação à questão nuclear e suas políticas de contenção do conhecimento,

consideramos que, nesse contexto, o realismo é a chave da compreensão da política

internacional1. Nas RI, o que prevalece é o confronto dos interesses nacionais de vários

Estados distintos. Então, para que os mesmos possam garantir os seus interesses, é necessário

se ter o respaldo de uma estrutura de Poder, incluindo o Militar.

Vale dizer, que dentro da visão clássica da teoria do realismo das RI, o

desenvolvimento da capacidade nuclear e a sua proliferação representam um fato natural, em

decorrência dos Estados terem como principal fim a busca da segurança para a garantia de sua

sobrevivência e soberania. Nesse contexto, a posse da “arma total” é perfeitamente

justificável, em razão da percepção dos Estados ante as ameaças que o sistema internacional

poderia condicionar a sua própria existência. (3:110)

Desta forma, a arma total confere aos seus detentores um poder e força que os

distinguem entre os seus pares, tornando-os atores privilegiados nas suas respectivas relações.

Assim, é perfeitamente racional que, dentro da teoria do realismo das RI, os Estados busquem

zelar pela sua sobrevivência, procurando desenvolver e/ou preservar a posse dos artefatos

nucleares.

Diante desse cenário, os Estados detentores do ciclo atômico em todas as suas

vertentes dificultam a disseminação do conhecimento nuclear, com o propósito de assegurar o

oligopólio, por meio de tratados e acordos de não proliferação, tais como: o Tratado de Não-

Proliferação Nuclear (TNP) e o Protocolo Adicional. Essa opção estratégica nos parece

lógica, na teoria do realismo das RI, pois a entrada de qualquer outro Estado no domínio do

conhecimento do enriquecimento, representaria um desequilibro, na medida em que haveria,

entre outros fatores, a necessidade de se reorganizar o cenário mundial e se compartilhar

poder, força e hegemonia, tanto no âmbito regional como internacional (4:259), como

ocorreram, por exemplo, nas conquistas dos artefatos nucleares pela URSS, China e França.

Ademais, a questão da proliferação nuclear engloba, também, o aspecto da

disseminação do conhecimento necessário à utilização pacífica do átomo, pois não há

diferença entre a tecnologia para aquele fim e a destinada para o emprego militar.

1 Nas relações entre os Estados.

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Conseqüentemente, o Estado que domina o ciclo de enriquecimento do átomo para uso

pacífico, precisaria somente de uma decisão política para desenvolver um artefato nuclear.

1.4 Gênese histórica

Com o início da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), houve a interrupção da

cooperação internacional na área nuclear, e os Estados passaram a tratar as pesquisas sobre o

átomo como matéria sensível, que veio a receber elevado grau de sigilo. A possibilidade de se

usar a energia de forma dual, tanto para fins militares quanto para industriais, influenciou,

diretamente, os Estados para que buscassem o oligopólio tecnológico. (5:12) A adoção do

sigilo tinha o propósito de evitar o conhecimento, pelos outros, daquilo que poderia lhes dar

dividendos políticos de significativo valor estratégico. Nesse ponto ocorre, na visão do autor,

o momento em que as políticas de estados relativas à questão nuclear assumem sua

conformação de acordo com a teoria do realismo das RI.

Outro fato que veio a moldar a questão nuclear foi que, após o término da

Segunda Guerra Mundial (1945), surgiu um conflito político-ideológico entre os EUA,

defensores do capitalismo, e a URSS, defensora de uma forma de socialismo. Os dois lados

travaram uma disputa ideológica, política, econômica e militar. As ações dos dois blocos se

desenvolveram no sentido de expandirem suas áreas de influência na busca da adesão de

outros Estados. No cenário internacional, criou-se uma bipolaridade com a liderança das duas

potências hegemônicas. Esse conflito foi denominado de Guerra Fria2.

No início daquela época3, os EUA saíram como o único Estado que detinha o

conhecimento para produzir artefatos nucleares táticos e estratégicos. Conseqüentemente, esse

fato contribuiu para que ele passasse a desempenhar um papel relevante nas RI. Assim, era

lógico presumir que a URSS, a Grã-Bretanha, a França e a China buscassem desenvolver seus

próprios programas nucleares com o propósito de manterem um significativo status e poderem

desempenhar um poder dissuasório no cenário internacional.

Diante do contexto internacional que se delineava no pós-Segunda Guerra

Mundial, os EUA estabeleceram a sua primeira política estratégica para evitar a disseminação

do conhecimento nuclear. Essa política era baseada no Plano Baruch. Em 1946, os EUA

apresentaram à Organização das Nações Unidas (ONU) o referido Plano que previa a criação2 Em 12 de março de 1947, o Presidente Harry Truman (1945-1952) passou a ajudar o governo grego contra os

guerrilheiros comunistas. Essa ação foi considerada a partida da Guerra-Fria. Foi a contenção do avanço daURSS.

3 Após a Segunda Guerra Mundial.

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de uma entidade supranacional, a Autoridade Internacional para o Desenvolvimento Atômico,

que seria proprietária e responsável por controlar, operar as instalações sensíveis do ciclo do

combustível nuclear, licenciar e inspecionar as atividades nucleares globais. O plano

garantiria aos EUA, de forma indireta, o monopólio total da tecnologia e dos materiais

nucleares. A Agência teria como Estado coordenador o próprio EUA. A idéia não logrou

aceitação, mas se manteve o conceito do controle. (6:1)

No mesmo ano, o Congresso norte-americano aprovou a primeira lei de energia

atômica, que se tornou conhecida como Lei McMahon, que proibia o intercâmbio nuclear para

fins industriais com outros Estados “até que se possam estabelecer salvaguardas

internacionais sancionáveis e efetivas contra o uso da energia atômica para fins destrutivos”.

(7:1)

A primeira reação a uma política de controle foi realizada pela URSS, pois ao

considerar que o plano Baruch era uma ação norte-americana para congelar a situação de

monopólio nuclear, sugeriu a eliminação de todas as armas nucleares pelos EUA antes do

estabelecimento de um sistema de contenção internacional, o que levou o plano a um impasse.

(8:265)

Dentro da lógica de que os Estados devem estar, constantemente, prontos a se

oporem com a força a uma ação oponente do outro (4:198), os soviéticos continuaram a

desenvolver seu armamento atômico. Assim, em 29 de agosto de 1949, a URSS se tornou o

segundo Estado a detonar um artefato nuclear. A partir desse fato, a Guerra-Fria entrou em

uma fase que se caracterizou por uma corrida armamentista nuclear movida pelo temor, dos

dois lados, de que o outro passasse a frente na fabricação de novos artefatos. Assim, surgiu a

estratégia nuclear dissuasória de ambas as superpotências (URSS e EUA). Pouco depois, em 3

de outubro de 1952, com o auxílio técnico dos EUA, foi a vez da Grã-Bretanha realizar a sua

primeira explosão nuclear.

Em 1953, verifica-se a ação diplomática do presidente norte-americano Dwight

David Eisenhower (1953-1961) que propôs, à ONU, o programa Atoms for Peace que previa

uma forma mais branda de controle do que a oferecida pelo Plano Baruch, sem exigir a

aceitação incondicional de um regime internacional de salvaguardas. Tratava-se de uma

tentativa de abrir mercados para produtos norte-americanos, utilizados na medicina, na

agricultura, na indústria e na pesquisa e dificultando, de alguma maneira, o desenvolvimento

tecnológico dos outros Estados. O controle nesta área se exerceu por meio de salvaguardas

bilaterais, até a fundação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em 1957,

quando os EUA passaram a incluir disposições em seus acordos bilaterais de salvaguardas,

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prevendo que a Agência se encarregaria das verificações e das inspeções (5:32).

Um exemplo do Programa Átomo para a Paz foi a construção, em 1957, com

apoio técnico dos EUA, do Centro de Pesquisas Nucleares de Tuwaitha, a 30 km de Bagdá, no

Iraque. Conforme previsto, todos os materiais e instalações recebidos pelos iraquianos ficaram

sob salvaguardas da AIEA.

Apesar de todos os esforços desenvolvidos pelos norte-americanos para controlar

a disseminação de artefatos atômicos, em 13 de fevereiro de 1960, a França detonou a sua

própria bomba, sendo assim o quarto Estado. Os franceses perceberam a necessidade de se

criar uma força de dissuasão nuclear, em decorrência de sua desconfiança em relação ao apoio

dos EUA às suas causas. Essa ação se deveu ao apoio dado pelos norte-americanos e pelos

soviéticos à nacionalização do canal de Suez (1956), pelos egípcios, contra os interesses

franceses.(5:41)

Em fins de outubro de 1962, ocorreu a crise dos mísseis em Cuba. Naquele mês,

os norte-americanos descobriram a tentativa dos soviéticos de estacionarem mísseis de

alcance, intermediário e médio, em Cuba, com o propósito de contrabalançar a vantagem

estratégica norte-americana com os mísseis “Júpiter” instalados na Turquia. A completa

instalação das bases soviéticas criaria uma ameaça estratégica para os EUA, pois eles

poderiam sofrer ataques a menos de 200 km de distância do seu território. Naquela ocasião,

houve, provavelmente, o evento mais perigoso da Guerra Fria, ou seja, quase uma hecatombe

nuclear. Desse modo, pode-se dizer que este episódio, após as negociações encaminhadas

entre os dois Estados, serviu para mostrar o perigo que a questão nuclear representava para a

confrontação entre as duas alianças militares. Além do mais, a crise permitiu que houvesse

uma modificação significativa no contexto internacional, em relação à Guerra Fria, e que teve

como conseqüência uma relativa distensão nas relações entre as duas potências,

principalmente em razão do desmonte dos silos de mísseis na Turquia. Em ato contínuo,

adotou-se uma política de consultas mútuas entre os dois Estados. (8:197-217)

Ainda em 1962, após a crise dos mísseis em Cuba e por conseqüência dela, o

Brasil propôs, na décima-sétima sessão regular da Assembléia Geral das Nações Unidas, a

resolução de tornar a América Latina e o Caribe em uma zona livre de armas nucleares.

Apesar da proposta ser bem aceita, as conversações perduraram por cinco anos.(5:49).

Destaca-se, porém, que esta foi a primeira manifestação dos Estados latinos em favor de

considerar as atividades nucleares para fim pacífico.

Outras duas ações ocorreram em razão da crise dos mísseis em Cuba. A primeira

foi a assinatura do Tratado de Proibição Parcial dos Testes Nucleares (1963), conhecido como

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Tratado de Moscou, que incluía a proibição dos testes subterrâneos e se tornou, na prática, um

tratado de não-proliferação, por inibir apenas os Estados que ainda se iniciavam na área

nuclear. A segunda ação ocorreu em 1965, quando o Presidente norte-americano Lyndon

Johnson (1963-1969) iniciou as negociações bilaterais com a URSS sobre um tratado de não-

proliferação de armas nucleares.

Em 1965, iniciou-se a negociação do TNP, basicamente, entre as duas

superpotências (EUA e URSS), que apresentaram duas versões iguais do texto final no foro de

desarmamento em Genebra- Eighteen Nations Disarmament Committee (ENDC).

Em 14 de fevereiro de 1967, o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares na

América Latina e Caribe foi assinado pela grande maioria dos Estados latino-americanos e

caribenhos, em Tlatelolco, nos arredores da Cidade do México. França, EUA, Grã-Bretanha,

URSS e República Popular da China também aderiram ao Tratado. Contudo, ele só entrou em

vigor, em 1994, em decorrência da necessidade de que todos os Estados latinos ratificassem o

Tratado.

Em 1968, foram encerradas as negociações bilaterais norte-americanas e

soviéticas que resultaram no TNP, cuja responsabilidade de gerenciamento ficou com a

AIEA. Em julho do mesmo ano, iniciou-se o recolhimento das primeiras assinaturas de adesão

ao Tratado. Ele entrou em vigor, em 5 de março de 1970, quando 43 Estados ratificaram o

Tratado, entre eles: EUA, URSS e Grã-Bretanha. Inicialmente, não houve a adesão esperada

ao TNP, em razão, dentre outros motivos, das dúvidas quanto ao sistema de verificação a ser

aplicado e das discriminações intrínsecas entre os Estados detentores de armas nucleares4 e os

que não as possuíam. (5:85)

Para este autor, dois pontos fundamentaram o Tratado: o primeiro, por ser

claramente utópico, pois previa a redução e, posteriormente, a eliminação de armas nucleares

dos cincos Estados detentores de arsenais nucleares naquela ocasião: EUA, URSS, França,

China e Grã-Bretanha; e o segundo, porque estabelecia a espontânea desistência dos outros

em desenvolverem e construírem seus próprios arsenais. Na verdade, e como era de se esperar

no realismo das RI, o que se verificou foi que não houve um comprometimento das potências

nucleares em eliminarem totalmente suas armas atômicas.

Desde o início das primeiras discussões sobre o TNP, houve uma certa polêmica,

entre os Estados, em relação ao seu artigo VI, Anexo A. Este, de certa forma, ofereceu, aos

Estados não detentores de armas nucleares, a compensação do desarmamento das potências

4 Estados que fabricaram e explodiram uma bomba nuclear antes de 1 de janeiro de 1967, ou seja: EUA, URSS,Grã-Bretanha, França e China.

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nucleares, o que não ocorreu de fato, conforme já mencionado. O que realmente se consolidou

foi a hierarquização e criação de duas classes de Estados pelo TNP: os detentores de armas

nucleares, ou seja, aqueles que explodiram armas nucleares antes de janeiro de 1967; e os não

detentores.

O fato de real preocupação e que deve ser ressaltado é a questão do artigo IV do

TNP, Anexo A, que apresenta interpretação ambígua e, por conseguinte, poderá ser uma

ferramenta política de manipulação pelas potências nucleares. Trata-se do reconhecimento do

direito dos Estados em desenvolverem e produzirem tecnologia nuclear para fim pacífico.

Contudo, ele prescreve que os signatários não desenvolvam a tecnologia para fim de armas

nucleares. A ambigüidade reside no fato que a aplicação e o emprego da tecnologia podem ter

dupla interpretação, dependendo da análise dada por cada Estado. Assim, para um Estado,

essa tecnologia nuclear poderia ser usada para fim pacífico, como para a geração de energia

eletro-nuclear, enquanto, na visão de um outro, seria considerada para fim de produção de

armamento nuclear e conseqüentemente, fator de instabilidade. Por exemplo, no caso do

programa nuclear iraniano, este pode ter duas interpretações quanto ao seu propósito, ou seja,

a fabricação de armas nucleares ou a produção de energia núcleo-elétrica.

Logicamente, o sucesso do TNP estava associado à adesão do maior número

possível de Estados signatários. Desta forma, os Estados foram estimulados, pelos EUA e pela

URSS, a assinarem o referido Tratado. O argumento utilizado foi de que a adesão

representaria a possibilidade daqueles Estados terem acesso a alguma tecnologia nuclear.

Entretanto, o que se viu foi a transferência de conhecimento ligada somente à segurança de

instalações ou à medicina nuclear, não incluindo tecnologias que pudessem comprometer a

vantagem das potências nucleares em relação aos demais Estados.

Apesar das críticas apresentadas ao longo dos anos pelos Estados, em relação ao

TNP, eles foram ratificando-o, o que demonstrou o seu sucesso. Atualmente, somente quatro

Estados não fazem parte do TNP, a saber: Índia, Paquistão, Israel5 e Coréia do Norte. (5:87)

Esses Estados são possuidores de artefatos nucleares e desenvolveram-nos em decorrência de

contenciosos estratégicos regionais.

Em junho de 1981, Israel bombardeou o reator iraquiano Tammuz-1 ou Osirak,

destruindo-o antes que pudesse entrar em operação. Esta ação representou um fato de valor

significativo na história da contenção da proliferação de armas de destruição de massa, pois

foi a primeira intervenção militar para se deter o desenvolvimento do enriquecimento do

5 Há especulações sobre a posse ou não de armamento nuclear por Israel. Contudo, O Instituto de PesquisaInternacional da Paz de Estocolmo (SIPRI) considera que Israel é um Estado nuclear.

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urânio. Naquela ocasião, Israel temia que o reator fosse utilizado para produzir plutônio,

explosivo de armas nucleares, apesar dele estar sob salvaguardas da AIEA. (5:135)

Ao fim da Guerra Fria (1989)6, o mundo passou a ter um novo cenário

internacional caracterizado pelo término do bipolarismo e pelo desenvolvimento de uma

hierarquização dos Estados, em decorrência da autodissolução de um dos pólos de poder, não

só a URSS (1991), mas, também, de todos os Estados que estavam sob a sua área de

influência. Naquela ocasião, os EUA despontaram como a única superpotência mundial.

Apesar da razão central norte-americana para a Primeira Guerra do Golfo (1991)

tenha sido a questão econômica, a justificativa apresentada pelo presidente George Bush

(1987-1991), quando do início dos ataques aéreos à Bagdá, em 16 de janeiro de 1991, foi de

“...nocautear o potencial de Saddam Hussein de construir bombas nucleares..”. Vale dizer, os

EUA tinham preocupação com o rudimentar programa nuclear iraquiano.(5:135). Outro fato

importante a ser ressaltado, é que a questão da proliferação de armas de destruição de massa

fazia parte do contexto da Primeira Guerra do Golfo, mesmo que o programa nuclear

iraquiano não representasse qualquer ameaça. Isto, no entanto, teve como conseqüência um

reforço no tema de contenção das armas de destruição de massa.

A Primeira Guerra do Golfo serviu para a legitimação do desenho nascente de

uma nova “Ordem” pós Guerra Fria. A concepção estratégica do presidente George Bush

(1987-1991) envolvia o revigoramento das normas internacionais existentes e o

estabelecimento de novas regras de conduta relativas aos temas de interesse global7, amparada

em uma capacidade global de “fazer cumprir” (enforcement), até por meios militares, e por

investidas na ONU, porém com os EUA como ator principal e condutor dessas ações. (9:18)

Por decorrência de pressões das potências nucleares, a política de contenção de

armas de destruição de massa, originada no pós-Guerra do Golfo (1991), buscou englobar

também os Estados não detentores do conhecimento e seus programas nucleares, e abrangeu

mecanismos de controle de transferências internacionais de tecnologia e materiais sensíveis.

Um dos motivos centrais para que o tema de não-proliferação de armas de

destruição de massa ganhasse mais relevância no cenário internacional, foi a descoberta de

que o Iraque desenvolvia, ainda que incipiente e fragilizado, um programa clandestino para

produção de armamento nuclear, mesmo sendo parte integrante do TNP e signatário de acordo

de salvaguardas abrangente com a AIEA. O programa paralelo iraquiano era desenvolvido no6 Este autor considera o ano da queda do muro de Berlim como o fim da Guerra Fria, quando se encerrou o

conflito Leste-Oeste.7 Por exemplo: preservação da estabilidade em áreas estratégicas e de fontes de petróleo, contenção de armas de

destruição de massa, ameaças ao meio ambiente e violações de direitos humanos.

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Centro de Tuwaitha, estabelecido pelo Programa Átomo para a Paz. Naquela ocasião, o Iraque

não havia declarado todas as suas instalações nucleares e não as submeteu ao sistema de

salvaguardas previsto no Tratado. (5:137). Dessa forma, após a Primeira Guerra do Golfo, a

AIEA iniciou estudos para aumentar as salvaguardas, de modo a se precaver das possíveis

falhas futuras na capacidade de se detectarem materiais e atividades nucleares paralelas e não

declaradas.

O caso do programa paralelo iraquiano ressaltou, para o mundo, que o sistema de

salvaguardas do TNP, que se baseia na declaração do Estado inspecionado, era falho e poderia

permitir a proliferação de armas e de conhecimento nucleares.

Diante das apreensões dos Estados nucleares, iniciaram-se, em 1991, as

discussões sobre medidas para reforçar e tornar mais rigoroso o sistema de salvaguardas em

vigor, resultando em um modelo mais abrangente, conhecido como 93 + 2. A idéia era que,

proposto em 1993, o sistema estaria vigente dois anos mais tarde. Tal situação não logrou

resultados como esperado, mas o sistema amadureceu e resultou no chamado Protocolo

Adicional aos acordos de salvaguardas. (10:15)

O Protocolo Adicional é de caráter complementar às salvaguardas do TNP, sendo

muito mais amplo e intrusivo. Apesar de ser uma extensão do Tratado original, havendo

alguma interrogação, por parte da AIEA, ele prevalecerá na discussão e tomada de decisão.

O grau de intrusão, no entanto, se apresenta como fator de preocupação para os

Estados que já possuem um programa nuclear em desenvolvimento, pois significaria o

compartilhamento de qualquer desenvolvimento, pesquisa e inovação atinentes ao ciclo do

combustível nuclear. Até porque, as salvaguardas se estenderiam: aos componentes, às

instalações, às capacidades de produção, aos profissionais envolvidos, aos equipamentos e aos

materiais não nucleares. Essa situação permitiria que a Agência verificasse o preciso estágio e

a capacidade tecnológica e de produção daqueles Estados de forma bastante ampla.

Em relação à identificação dos profissionais, tal ação acarretaria a possibilidade

da AIEA verificar o nível tecnológico dos Estados signatários. Cabe ressaltar, que esta

identificação envolveria, também, todo o pessoal, mesmo da área privada. Dessa forma, os

signatários teriam suas fragilidades da cadeia produtiva expostas, pois permitiria que fossem

identificados equipamentos, componentes, insumos, serviços e instrumentos fornecidos por

empresas estrangeiras.

Após o governo do presidente Bush, entre os anos de 1993 a 2001, continuamente

se foi construindo, no cenário mundial, uma “Ordem” que teve o seu maior artífice o

presidente Clinton (1993-2001). Aquela “Ordem” refletia elementos provenientes do realismo

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e do idealismo das RI. Era uma “Ordem” em que houve a construção de diversas “políticas”

que buscavam a concordância dos Estados para que as soluções dos conflitos fossem tratadas

nas respectivas organizações multilaterais, tais como: ONU, Organização Mundial do

Comércio (OMC), Organização dos Estados Americanos (OEA). As resoluções seriam

baseadas no Direito Internacional e na Diplomacia.

Nessa nova “Ordem”, como era de se esperar, o domínio do ciclo do

enriquecimento do urânio continuou a ser visto, na essência, pelo enfoque da teoria do

realismo e conferia aos Estados detentores uma prevalência e uma distinção entre os demais

não dominadores do conhecimento. Houve, também, a continuação de uma política, por parte

dos EUA, em que se tentou assegurar a não-proliferação de armas de destruição em massa e,

posteriormente, restringir, ou mesmo negar, o desenvolvimento do conhecimento do

enriquecimento de urânio.

Em 1998, ocorreu um exemplo dessa política com a reafirmação de oposição do

Departamento de Estado norte-americano ao programa nuclear iraniano. Os EUA alegavam

que o fim daquele programa era militar, pois o Irã possuía muito petróleo e gás para a geração

de sua própria energia. O problema perdura até os dias atuais, pois o Estado iraniano não

abriu mão de seu programa, apesar das pressões crescentes.

A política estratégica dessa “Ordem” era criticada nos EUA pelos suposto

imobilismo e fraqueza perante seus inimigos. O propósito central dos opositores da política

adotada era restaurar a confiança norte-americana e explorar profundamente a vitória da

ideologia liberal do Ocidente capitalista.

Em 2001, o presidente George W. Bush assumiu, o governo dos EUA, com o

propósito de implantar uma nova política nas RI. Assim, a nova Doutrina, consolidada na

“Estratégia de Segurança Nacional dos EUA” (NSS) (2002-2006), entre outras medidas,

passou a dar ênfase às ações preemptivas e preventivas8 contra Estados que se apresentem

como possíveis ameaças aos EUA (11:1). O ataque terrorista ocorrido, em 11 de setembro de

2001, às Torres Gêmeas, em New York, serviu de pretexto para a designação do Iraque como

alvo prioritário da nova política norte-americana.

Em março de 2003, os EUA com uma coligação de 23 Estados invadiram o

Iraque, sem o apoio da CSNU ou de aliados tradicionais como a França e a Alemanha. Apesar

da AIEA ter concluído que os iraquianos não possuíam armas nucleares, nem tecnologia para

construí-las, nem estivesse envolvido no atentado, o governo norte-americano envidou

8 Ações preemptivas são aquelas em que um Estado, antecipadamente, ataca outro para proteger-se do mesmopor evidências de que seria aniquilado por ele. Ações preventivas são aquelas em que um Estado ataca o outrocom base apenas em uma suposta ameaça, intangível e talvez meramente especulativa.

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esforços para convencer a opinião pública de que o Iraque era uma ameaça à segurança

nacional. Em agosto de 2002, o vice-presidente Dick Cheney declarava que “o fato do Iraque

poder ter armas nucleares justificaria um ataque militar dos EUA ao país” (12:1). Naquele

momento registrou-se, por parte dos norte-americanos, uma nova política de contenção de

armas e de conhecimentos nucleares de aplicação unilateral e de controle do petróleo, pois o

Iraque era a 2ª reserva petrolífera do mundo. Ademais, havia também a preocupação de que

grupos terroristas tivessem acesso a materiais sensíveis, tais como armamento nuclear ou

urânio enriquecido para produção de “bombas nucleares pobres9”.

Outro exemplo dessa política, são as freqüentes ameaças de realização de

operações militares, ou mesmo intervenção, caso os iranianos não assumam o compromisso

de interromper o seu programa nuclear para fins militares. Cabe aqui ser ressaltado, ainda, que

a questão do programa nuclear norte-coreano é um outro fator de preocupação para a política

estratégica do presidente Bush. Em 2003, a Coréia do Norte denunciou o TNP e, em 2005,

anunciou que possuía artefatos nucleares e vetores de lançamento.

Pode-se vislumbrar que os temas econômicos, terrorismo e de não-proliferação de

armas de destruição de massa ainda desempenham um papel preponderante na política

estratégica dos EUA. Os riscos representados por Estados como o Irã e a Coréia do Norte são

duplos, tanto no campo regional, para vizinhos imediatos, como global, por ameaçarem ou

tornarem vulneráveis as capacidades de projeção de poder militar do centro. Acrescente-se o

fato de que, na visão norte-americana, esses Estados poderiam ser fornecedores de tecnologia

e material físsil para o terrorismo internacional, sendo esse o foco principal declarado da

política norte-americana.

No que concerne à proliferação do domínio do ciclo de enriquecimento do urânio,

pode-se depreender, como hipótese, que houve uma mudança substancial na ação sobre os

Estados que queiram adotar um programa com tal propósito. Atualmente, há uma tendência

por um controle mais rígido, com a possibilidade de uso de instrumentos de intervenção

militar para deter-se, ou mesmo inibir uma possível proliferação de armas de destruição em

massa ou da disseminação do conhecimento, podendo essa política ser adotada

unilateralmente pelos EUA e seus aliados10

Não se poderia deixar de comentar o fato de que a clássica política de restrições,

que as potências nucleares exercem para dificultar ou mesmo impedir a transferência ou o9 Bombas feitas de urânio com baixo grau de enriquecimento (menor que 99%).10Hipótese que deduzo a partir dos seguintes fatos: do argumento de Joseph Nye no livro O Paradoxo do Poder

Americano, quando ele estabelece que o governo Bush (1991) adota políticas externas unilaterais com foco nopoder bruto (militar) (13:15); da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA de 2006; e das declaraçõesfreqüentes na mídia de membros do governo Bush de possíveis intervenções na Coréia do Norte e Irã.

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próprio desenvolvimento de tecnologias, principalmente no campo nuclear, tem como

propósito preservar os seus respectivos diferenciais de poder, hegemonia e influência. Essa

política representa, também, um ganho adicional para aqueles Estados e um dano agravado

para os demais. (9:112)

Ainda sobre esse pensamento, Lamazièr citou o depoimento do embaixador

Sardenberg:

“A natureza dual de importantes itens de alta tecnologia faz com que sua difusãopasse a ser objeto de restrições de caráter oligopolista, muitas vezes em prejuízo delegítimas necessidades de desenvolvimento” (9:182).

Conforme se pode verificar, as preocupações pela não-disseminação do

conhecimento do enriquecimento do urânio e pela adoção de políticas de contenção contra os

Estados que possuam programas estavam presentes desde o final da Segunda Guerra Mundial

até os dias atuais, por meio das políticas dos cinco Estados detentores da tecnologia nuclear

(EUA, Grã-Bretanha, Rússia, China e França) e da AIEA, que é controlada pelos “grandes”.

Seu estudo se reveste de importância para o entendimento das relações dos Estados, dentro do

enfoque do realismo das RI. Assim sendo, o conhecimento da história das políticas de

contenção, principalmente nos pontos relativos ao Brasil e seu programa nuclear, é um

importante mecanismo para se compreender como o PNM se desenvolveu e um acessório para

a tomada de futuras decisões que serão necessárias para a continuação do programa,

principalmente, na atual fase de dificuldades que ele passa e que serão relatadas durante o

trabalho.

Ao analisar-se a situação do Brasil no tocante às políticas de contenção do

conhecimento do enriquecimento do urânio, verifica-se que somos bastante suscetíveis aos

diversos mecanismos utilizados pelas potências nucleares, notadamente às pressões

comerciais, em razão da vulnerabilidade da economia brasileira em relação ao exterior11.

Assim, o PNM tem que ser gerenciado de forma a não deixar dúvidas no tocante ao seu fim

pacífico, e que é um programa definitivo e sem possibilidade de desistência.

11 Conclusão baseada na tese apresentada por Reinaldo Gonçalves no seu livro “Economia PolíticaInternacional” que estabelece, dentre outros, que a economia brasileira possui elevada vulnerabilidade externa,ou seja, é muito dependente do exterior.

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2 PROGRAMA NUCLEAR DA MARINHA

Neste capítulo, será mostrada a evolução histórica da conquista do domínio do

ciclo de enriquecimento do urânio pelo Brasil, e a implantação do processo vitorioso, o PNM.

Serão descritos também: a situação atual do desenvolvimento do programa e o ponto mais

importante a ser vencido para continuação do PNM. Serão apresentadas as políticas de

salvaguardas adotadas pelo Brasil, a fim de demonstrar o propósito pacífico do programa

nuclear brasileiro, e de se minimizarem as pressões político-econômicas realizadas pelas

potências detentores do conhecimento nuclear ao desenvolvimento do PNM. Ainda neste

capítulo, será comentada a política externa brasileira dos últimos dez anos (1996-2006) e sua

conseqüência para o programa nuclear.

2.1 O início

No Brasil, o primeiro movimento para o domínio do ciclo de enriquecimento do

urânio ocorreu, a partir da década 1930, sucessivamente, nas escolas de física e engenharia de

São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Tratava-se de pesquisas realizadas por cientistas

europeus que se refugiaram em solo brasileiro, fugindo de perseguições políticas em seus

Estados de origem (5:191). O grande mérito desse movimento foi a formação dos primeiros

especialistas brasileiros no setor. Em 1944, houve o registro, na Academia Brasileira de

Ciências, das primeiras pesquisas sobre o tema nuclear.

O segundo movimento aconteceu logo após a Segunda Guerra Mundial, e foi

desempenhado pelo almirante Álvaro Alberto da Motta Silva na sua batalha contra as pressões

norte-americanas para deter o controle das reservas mundiais de urânio e tório conhecidas

naquela época.

Em ato contínuo (1946), o Brasil e a URSS se colocaram, na Comissão de Energia

Atômica da ONU, contra as tentativas do governo norte-americano de implementar o plano

Baruch (5:265).

O posicionamento do representante do Brasil, almirante Álvaro Alberto, era de

que qualquer intento de controlar-se as reservas mundiais representaria, de forma transversa, a

negação do acesso do domínio do processo de enriquecimento do urânio aos outros Estados.

De 1946 a 1953, o almirante Álvaro Alberto sugeriu, em contrapartida à política

norte-americana, o chamado “Princípio das Compensações Específicas”, em que o pagamento

das exportações brasileiras dos minerais radioativos deveria ser feito em troca de um preço

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justo e da prioridade para instalação, no Brasil, de reatores de todos os tipos. O governo norte-

americano não aceitou a proposta (5:192).

A estratégia, adotada pelos EUA para esvaziar a almejada cooperação proposta

pelo almirante Álvaro Alberto, foi criar uma falsa retórica de ajuda que nunca se concretizou

e que, na verdade, jamais seria possível em razão do McMahon-Act (5:192).

De 1947 a 1951, enquanto ocorria, no cenário externo, a disputa pelo controle dos

minerais radioativos, houve no Brasil uma acirrada discussão entre os setores que defendiam

ou não as exportações desses minerais na forma bruta. Apesar de toda a polêmica que o

assunto representou, não ocorreu, em nenhum momento, a interrupção do envio dos materiais

para o exterior.

Em 1951, o então Presidente Getúlio Vargas instituiu o Conselho Nacional de

Pesquisas (CNPq) e nomeou o almirante Álvaro Alberto como seu primeiro presidente. Em

ato contínuo, foi proposta uma legislação que protegesse as reservas brasileiras de urânio da

exploração estrangeira. Naquele momento, as vendas dos minerais radioativos foram

interrompidas.

Em 1952, em uma ação oposta à proposta do CNPq, foi criada, pelo Decreto n°

30.583/1952, a Comissão de Exportação de Materiais Estratégicos, subordinada ao Ministério

das Relações Exteriores, e com a participação dos Ministérios da Fazenda, da Agricultura, das

Forças Armadas e do CNPq (5:192). Em decorrência desse ato, a formulação da política para

a exportação dos minerais ficou diluída em um grupo interministerial e, conseqüentemente, a

proposta de se protegerem as reservas brasileiras ficou esvaziada e as vendas para os norte-

americanos recomeçaram. Nota-se que não houve a preocupação de se estabelecer uma

política de Estado que privilegiasse a questão nuclear, suas pesquisas e matéria-prima, nem

dotasse o Brasil de um programa estratégico de longo prazo, com o propósito de obter-se o

conhecimento do enriquecimento do urânio.

Não obstante a pressão constante norte-americana, o almirante Álvaro Alberto,

com autorização do governo brasileiro, estabeleceu acordos com a França para a compra de

uma usina de yellow cake 12, ou concentrado de urânio, em troca do urânio brasileiro e, com a

Alemanha, para a construção de três conjuntos de centrífugas. Já em 1954, foram adquiridas

três unidades ultracentrífugas alemães de enriquecimento (5:192).

Nessa época, as ações do Almirante estavam sendo realizadas sem o

conhecimento dos EUA e de algumas instituições nacionais como o Conselho de Segurança

Nacional, o Estado-Maior das Forças Armadas e o Ministério das Relações Exteriores. O

12 Produto final obtido das minas de urânio (83% do peso equivale a U3O8, oxido de urânio)

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motivo que levou aquelas ações a serem tratadas de forma secreta, era a necessidade de tentar

adotar uma tática que conseguisse evitar as políticas de contenção contra a disseminação do

conhecimento de urânio impostas pelos EUA para impedir a disseminação do conhecimento

estratégico do enriquecimento do mineral.

Infelizmente, toda a articulação realizada pelo CNPq foi descoberta pelos EUA, e

as centrífugas alemães foram impedidas de embarcar para o Brasil. Em contrapartida aos

desejos do Brasil de possuir o domínio do processo de enriquecimento do urânio, o governo

norte-americano propôs uma cooperação, dentro dos limites estabelecidos pela sua política de

contenção já existente.

Novamente, o almirante Álvaro Alberto colocou as aspirações brasileiras: usinas

de enriquecimento, reatores de pesquisa e uma fábrica de hexafluoreto de urânio. Na ocasião,

os Estados Unidos não aceitaram a proposta brasileira.

Em 12 de janeiro de 1955, em decorrência das pressões norte-americanas, o

Almirante foi exonerado da presidência do CNPq (5:192) e substituído pelo general Juarez

Távora, Chefe do Gabinete Militar. Em agosto do mesmo ano, foram assinados dois acordos

com os norte-americanos: o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento de Energia

Atômica com Fins Pacíficos e o Programa Conjunto para o Reconhecimento e a Pesquisa de

Urânio no Brasil.

O primeiro estabelecia que o Brasil arrendaria 6 kg de urânio enriquecido a 20%

para os reatores de pesquisas cedidos por empréstimo pelos norte-americanos. O segundo

previa a pesquisa, estudo e a avaliação das reservas brasileiras.

Ao final do governo do então presidente Café Filho (1954-1955), foi assinado o

protocolo de inclusão ao programa norte-americano “Átomo para a Paz”, que assinalava a

desistência dos EUA de sua política de negar aos demais Estados o acesso ao conhecimento

de enriquecimento de urânio, e buscava, de forma indireta, levá-los a ficar sob sua orientação,

controle e supervisão (5:193).

Em 1956, o Presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) criou o Instituto de

Energia Atômica (IEA), na Universidade de São Paulo (USP), que foi a origem do Instituto de

Pesquisa Energética (IPEN). Em 1962, foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear

(CNEN), diretamente subordinada à Presidência da República (5:193). Nesse governo,

observa-se um primeiro arcabouço para uma política de Estado pró-ativa13 com o

estabelecimento de diretrizes para um programa nacional de energia nuclear.

Em 1962, por ocasião da chegada dos reatores norte-americanos, a então CNEN

13 Significa que havia um planejamento estratégico com pensamento no futuro.

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adotou a estratégia de espalhar, em diferentes estados brasileiros, os reatores de pesquisa.

Essa decisão teria sido mais eficaz caso eles ficassem localizados na cidade de São Paulo,

pois haveria uma maior concentração de esforços, recursos financeiros e intelectuais no

processo do desenvolvimento nuclear brasileiro. A cidade de São Paulo era o local onde

existia o maior parque industrial e uma das melhores universidades brasileiras. Apesar da

distribuição dos reatores por diversos locais, tal política logrou alguns pontos significativos,

por exemplo: a construção, pelo Instituto de Energia Nuclear14, em 1963, de um reator de

pesquisa com componentes nacionais à exceção do combustível; e a busca do

desenvolvimento de um reator, no Instituto de Pesquisas Radioativas, ligado à Universidade

Federal de Minas Gerais. Outro aspecto positivo dessa política foi que houve, de certa

maneira, uma difusão da mentalidade nuclear entre as universidades e os acadêmicos ligados

àquela área.

Conforme já relatado, em 1967, o Brasil assinou o Tratado de Tlatelolco15. Pelos

termos do Tratado, o Brasil se comprometia a não fazer uso de armas nucleares. No ano

seguinte, o Brasil recusou-se a assinar o TNP, alegando que este traria limitações à soberania

nacional, tais como: as inspeções de salvaguardas às instalações brasileiras e as restrições de

aquisições de matérias-primas sensíveis impostas pelo Tratado.

No início dos anos 70, o Brasil vinha apresentando um alto crescimento

econômico, com um conseqüente aumento na demanda de energia elétrica (14:5). Em

decorrência desse fato, no final de 1971, foram realizados estudos com o propósito de

implantar-se um programa nuclear, em larga escala, para suprir as necessidades do Brasil com

uma nova matriz energética. Na ocasião, a idéia predominante era a necessidade da

cooperação externa, contrária ao pensamento favorável ao desenvolvimento nacional, para

que se pudesse economizar tempo, em um esforço de se pular etapas (5:193).

Um dos resultados apontados nos estudos mencionados acima foi a aquisição,

pelo Brasil, de um reator nuclear de água leve, sob o argumento de que era um projeto já

comprovado tecnicamente e de confiabilidade garantida como fonte de suprimento do sistema

elétrico brasileiro. A região de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, foi escolhida, entre outras

razões, em virtude de ser eqüidistante dos grandes centros urbanos consumidores. Foi criada a

Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear (CBTN), que inicialmente era subordinada à

CNEN.

Assim, em julho de 1972, após a realização de concorrência internacional, o Brasil

14 Instituto criado pelo convênio da CNEN com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)15 O Tratado só entrou em vigor, em 1994, após todos os Estados latinos terem ratificado-o.

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assinou com a empresa norte-americana Westinghouse, subsidiária da General Electric, um

contrato para a construção da primeira usina de potência, baseada em um reator de urânio

enriquecido resfriado a água pressurizada (Pressurized Water Reactor – PWR). O contrato

não previa qualquer transferência de tecnologia (5:193).

No mesmo ano, o Brasil assinou um novo acordo com os EUA para que os norte-

americanos fornecessem urânio enriquecido, em troca de urânio natural brasileiro.

Paralelamente, o acordo estabelecia que a Comissão de Energia Atômica dos EUA controlaria

as instalações brasileiras para que não houvesse o uso militar das mesmas.

2.2 Acordo Brasil e Alemanha

Em 1973, ocorreu a Guerra do Yom-Kippur, que gerou uma crise do petróleo que

levou o Brasil a perceber como sua matriz energética era dependente do suprimento externo

dessa fonte de energia. Assim, verificou-se a necessidade de elaborar estudos para que fossem

tomadas medidas reparadoras para a vulnerabilidade detectada. Os estudos, dentre outros

fatores, concluíram pela necessidade de prover o Brasil de capacidade para a fabricação de

combustível nuclear e da implantação de centrais nucleares de geração de eletricidade.

Acrescenta-se ao fato que, nos dois primeiros anos do governo do presidente

Geisel (1974-1979), as relações diplomáticas entre o Brasil e os EUA se encontravam em

posições freqüentemente antagônicas. Havia um certo confronto entre os dois Estados,

orientados por interesses e conceitos opostos. São exemplos desse antagonismo: os crescentes

déficits da balança comercial brasileira, a incompatibilidade das políticas nucleares, e sobre

poluição e defesa do meio ambiente. Em 1974, o presidente Carter (1973-1978) resolveu

suspender o fornecimento de urânio para a usina de Angra, acordado em 1972, tornando a

situação energética brasileira mais grave.

Outro aspecto que contribuiu para que o Brasil buscasse uma nova alternativa

nuclear energética, foi a política de nacionalização da segurança adotada, paulatinamente,

desde o governo do presidente Costa e Silva (1967-1969). Essa política era baseada, dentre

outros fatores, na necessidade de atenuar-se a vulnerabilidade e a dependência externa

brasileira, nas dificuldades crescentes em se adquirirem tecnologias avançadas pela

cooperação internacional, e na percepção que, no mundo da Guerra Fria, havia a vontade das

duas superpotências em manter congelado o poder e as riquezas (15:404).

Diante dos fatos, o presidente Geisel realinhou sua política nuclear, procurou a

Alemanha e assinou o Acordo Nuclear, em 27 de junho de 1975. Os EUA tentaram

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inviabilizá-lo, exercendo forte pressão sobre os dois Estados. Existia uma séria desconfiança

do governo norte-americano quanto ao fim do programa nuclear brasileiro, em razão da não-

assinatura do TNP pelo Brasil. Na política externa, após a distensão patrocinada pelos EUA,

houve uma aproximação do Brasil aos regimes de esquerda, por exemplo, China e a URSS.

(15:410)

Apesar das melhoras nas relações conduzidas pelo secretário de Estado Henry

Kissinger, em 1977, o presidente Carter estabeleceu novas pressões contra o Acordo Nuclear

e levantou críticas pesadas em relação aos direitos humanos no Brasil. Apoiado pela opinião

pública, pelo meio político e, principalmente, pelas Forças Armadas, o presidente Geisel

denunciou o Tratado de Assistência Militar Brasil-EUA. Tal ação significou a não-aceitação

de ingerências, e nem de pressões do governo norte-americano ao Acordo Nuclear. Desse

modo, o governo brasileiro marcou sua posição soberana em relação aos EUA. Porém, não

obstante às firmes posições brasileiras, em março de 1978, o presidente Carter veio visitar o

Brasil com a finalidade de remediar as relações bilaterais e evitar que ocorressem outros

“excessos” por parte do governo brasileiro. A pressão norte-americana foi firmemente

rechaçada pelo presidente Geisel. (16:350) Cabe aqui ser registrada a primeira política de

Estado pró-ativa16 em que um governo brasileiro estabeleceu um sério programa nuclear de

longo prazo.

Inicialmente, os alemães pretendiam transferir a tecnologia de enriquecimento de

urânio por ultracentrifugação. Contudo, pela não-autorização apresentada pelos seus sócios

holandeses, em decorrência de pressões exercidas pelos norte-americanos, a Alemanha se viu

obrigada a oferecer ao Brasil uma nova tecnologia por jato centrífugo, ainda em

desenvolvimento, e que necessitava ser experimentada. O Brasil resolveu aceitar a proposta

alemã e financiou a nova tecnologia (5:194).

O Acordo Nuclear Brasil - Alemanha havia se baseado na premissa que a

economia brasileira continuaria a crescer na mesma proporção que ocorria à época do milagre

econômico, ou seja, cerca de 7 a 10% ao ano (14:1). Contudo, a premissa não se confirmou,

em decorrência, dentre outros fatores, do aumento dos preços do petróleo, resultado das crises

ocorridas no Oriente Médio, e suas conseqüências, como taxas de juros internacionais mais

altas. Logo, o crescimento do consumo de energia ficou, também, muito menor do que o

esperado. Desta forma, não houve justificativas para a construção de oito centrais nucleares,

como originalmente previsto. Em relação ao cenário mundial, os juros internacionais se

16O termo foi adotado para indicar uma política com propósitos e objetivos estratégicos bem definidos e comuma moldura temporal de longo prazo.

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tornaram altos e agravaram a questão do endividamento brasileiro e não permitiram que

houvesse dinheiro barato para custear a construção das usinas (5:194).

Assim, o programa ficou inviabilizado, pois havia a necessidade de grandes

investimentos indispensáveis para sua execução completa. O processo de enriquecimento por

jato centrífugo, depois de concluído, mostrou-se inexeqüível pela quantidade de energia

exigida em relação à produção do urânio enriquecido (17).

Por outro lado, o acordo não representou grandes avanços significativos para a

implantação de uma indústria nuclear brasileira. Contudo, o fato relevante é que favoreceu a

formação de um grupo de pesquisadores que passaram a ter um conhecimento considerável

sobre assunto afeto e que se tornaram defensores, juntamente com alguns setores militares, da

necessidade do Brasil dominar o ciclo do enriquecimento do urânio. Acrescenta-se ao fato de

que alguns conhecimentos do processo de obtenção do combustível foram dominados, como

por exemplo, a fabricação das pastilhas, do elemento combustível e a produção do yellow

cake. Atualmente, utilizam-se algumas instalações do antigo Acordo, por exemplo, a Nuclep e

as Indústrias Nucleares do Brasil (INB).

2.3 Programa nuclear brasileiro

Já no final dos anos 1970, aumentaram as pressões dos Estados detentores de

tecnologia nuclear com o objetivo de negar a transferência de conhecimento. Houve um

aumento significativo do número de itens da trigger list – lista de materiais e equipamentos

considerados sensíveis e proibidos de serem exportados17. (18:1)

Em 1979, o Brasil chegou a um impasse estratégico. O acordo Brasil - Alemanha

estava se mostrando inviável economicamente e não atendia às necessidades brasileiras,

estabelecidas no projeto brasileiro original. A opção de se tentar adquirir a tecnologia em

outras fontes detentoras do conhecimento mostrava-se inexeqüível, em razão da política dos

Estados nucleares de negarem o acesso às tecnologias sensíveis e fixarem que somente eles

deveriam ser fornecedores das demandas dos mercados mundiais. Tal situação levou o Brasil

a buscar um Programa Autônomo de Tecnologia Nuclear, denominado de Programa Nuclear

Brasileiro (PNB). Os propósitos deste programa eram: a obtenção de competência nacional no

conhecimento do enriquecimento do urânio, e aplicação da tecnologia de forma a gerar

energia termo-nuclear, de acordo com as necessidades do Brasil.

17Elaborada pelos Estados detentores de tecnologia nuclear. Os Estados formam os Nuclear Suppliers Group(NSG).

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28

2.4 Programa Nuclear da Marinha

Em 1979, dentro do PNB, foi iniciado o PNM com os propósitos de: alcançar o

domínio de conhecimento do ciclo de enriquecimento do urânio, projetar, construir e operar

reatores de potência para propulsão nuclear. Para consecução destes propósitos, houve a

decisão de buscar-se o apoio da comunidade científica nacional, das universidades e de

centenas de empresas nacionais. O programa foi concebido para ser conduzido independente

dos outros em andamento no Brasil. Essa premissa foi adotada em razão das medidas de

salvaguardas que impediram que o PNM tivesse acesso, no tocante à produção do urânio

enriquecido (na forma gasosa), à infra-estrutura e à tecnologia, obtidas por meio do Acordo

Brasil - Alemanha e dos referentes às aquisições das usinas Angra I e II. Assim, foi firmado

convênio com a CNEN, por intermédio do Instituto de Pesquisa Energéticas (IPEN).

Em 17 de outubro de 1986, foi criada a Coordenadoria para Projetos Especiais

(COPESP) com a finalidade de executar o PNM. Em 1995, a COPESP teve a sua

denominação alterada para Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP). No início do

Programa, a COPESP foi instalada no campus da Universidade de São Paulo (USP), próxima

ao IPEN, possibilitando uma maior sinergia com o meio acadêmico. Em Iperó, município de

Sorocaba, São Paulo, ficou o Centro Experimental Aramar (CEA), com a finalidade de se

fazerem diversos experimentos de validação e a parte industrial do projeto.

O PNM foi concebido para ser conduzido em dois projetos distintos, contudo,

necessariamente interdependentes entre si, com o objetivo de se construir um submarino

nuclear: o Projeto do Ciclo Combustível e o Projeto do Laboratório de Geração Núcleo-

Elétrica (LAB-GENE) que servirá como um protótipo, em terra, de uma planta de produção

de energia que pode ser, posteriormente, utilizada para a propulsão nuclear de um futuro

submarino nuclear18. O primeiro destinava-se a desenvolver, no Brasil, a tecnologia da

separação isotópica do urânio (enriquecimento), principal barreira tecnológica para a

fabricação de combustível nuclear. O segundo se orientava no sentido de conseguir uma

planta de propulsão naval baseada em um reator de água pressurizada (PWR).

Em relação à construção de um submarino de propulsão nuclear, a opção estava

baseada na necessidade de se prover à Marinha de um meio que pudesse contribuir de forma

satisfatória, com o menor custo/ benefício, para o cumprimento de sua destinação

18Informação fornecida em palestra sobre o Comando da Marinha do Almirante-de-Esquadra Roberto GuimarãesCarvalho, Comandante da Marinha, em 13 de março de 2006.

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constitucional de defesa.

Os fatores positivos que contribuíram pela escolha do submarino nuclear foram:

sua alta capacidade dissuasória19; a extensão da costa brasileira e a necessidade de ter-se um

meio que pudesse desenvolver uma melhor mobilidade e as dificuldades de recursos

financeiros para provimento de uma Marinha com os grandes meios navais necessários e

compatíveis com a realização de sua destinação constitucional mencionada acima. Dessa

forma, o submarino nuclear era o meio que poderia substituir vários outros navios de guerra.

Acrescente-se ao fato que o domínio da tecnologia nuclear colocaria o Brasil como um Estado

detentor de alto nível tecnológico e de sua independência nessa área.

2.5 Situação atual do PNM

Em 1987, o então presidente Sarney (1985-1990) noticiou que o Brasil havia

obtido, a partir do PNM, um expressivo êxito com o domínio da tecnologia de enriquecimento

de urânio por ultracentrifugação.

Atualmente, o Brasil possui o conhecimento completo do ciclo de enriquecimento

do urânio. Contudo, a fase de transformação do yellow cake em hexafluoreto de urânio (UF6)

vem sendo realizada na empresa CAMECO, no Canadá, por apresentar um custo bastante

inferior ao que seria gasto para que fosse produzido no CEA20. (17)

No ano de 2000, foi celebrado um contrato entre o CTMSP e as Indústrias

Nucleares do Brasil (INB) que vem possibilitando o fornecimento de ultracentrífugas com

capacidade para produzir 114.000 Unidades de Trabalho Separativo/ano (UTS/ano)21. O

propósito das INB é abastecer 60% da demanda das duas usinas nucleares, em Angra dos

Reis, com o combustível produzido na Fábrica de Combustível das INB, localizada em

Resende22. (19)

As INB é uma instalação originária do antigo Acordo Brasil - Alemanha e foi

possível de ser aproveitada, a partir do momento em que o PNM conseguiu desenvolver as

ultracentrifugadoras. A tecnologia nacional de enriquecimento do urânio mostrou-se bem

mais econômica que os processos existentes atualmente no mundo. Nos processos de

19 O submarino é por excelência a “arma” dos Estados militarmente mais fracos.20A Marinha possui o conhecimento e produz em escala artesanal o UF6. Entretanto, a planta de fabricação não

está totalmente montada, necessitando de recursos financeiros para a finalização.21Medida de esforço para separar os isótopos de urânio (U235/U238) nas instalações de uma usina de

enriquecimento.22 Não há uma previsão de prontificação da capacitação das INB para a conclusão do percentual de 60%.22

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30

enriquecimento a 4%, os norte-americanos e os franceses consomem 13.250 KWh/Kg, em

contrapartida ao brasileiro que exige 530 KWh/Kg. (17)

Em 5 de maio de 2006, o presidente Lula inaugurou a primeira unidade de

enriquecimento de urânio em Resende, nas INB, com capacidade de 2280 UTS/ano. Esta ação

representou um marco histórico no contexto político-econômico brasileiro e colocou o Brasil

em um novo patamar internacional entre os anteriores dez Estados23 que são dotados de

capacidade de enriquecer urânio.

Em relação ao projeto do LAB-GENE, este busca o desenvolvimento e a

construção de uma planta nuclear de geração de energia elétrica totalmente projetada e

construída no Brasil, inclusive o reator, que servirá de base e de laboratório para qualquer

outro projeto de reator nuclear. Atualmente, cerca de 65% do projeto foi concluído. Em julho

de 2005, foram prontificados o vaso do reator e seus internos. As obras de montagem dessa

instalação estão em andamento, com a conclusão prevista para 2017, dependendo do aporte de

recursos. O projeto do LAB-GENE necessita de R$ 180 milhões para finalizá-lo. Cabe

destacar, que o Projeto poderia ser utilizado, a partir de 2017, como uma usina nuclear para

produção de energia elétrica, caso os investimentos necessários sejam realizados, conforme

está previsto no cronograma financeiro do CTMSP.

O Comandante da Marinha comentou a situação atual do PNM:

“Não há mais espaço orçamentário disponível na Marinha para a alocação derecursos nesse Programa, uma vez que tais recursos necessitam ser priorizados paraa manutenção dos navios e aeronaves, ou mesmo investidos na renovação desses.Com o atual orçamento da Marinha, nem mesmo custos fixos do programa estãopodendo ser alocados. Desde o fim da década de 90, os demais órgãos partícipes doPrograma deixaram de aportar recursos. O montante previsto no Projeto de LeiOrçamentária 2006, da ordem de R$ 36 milhões, tão somente permitirá amanutenção de sua vida vegetativa, isto é, a preservação do conhecimento (recursoshumanos) e, assim mesmo, até o mês de setembro de 2006....”24. (20)

No tocante aos recursos necessários para a conclusão dos dois Projetos, a

estimativa é cerca de R$ 130 milhões por ano, durante oito anos25 . O valor aparenta ser alto,

entretanto, quando comparado com outros gastos governamentais torna-se bastante aceitável.

O gráfico do Anexo B mostra a evolução dos investimentos no programa, a partir

de seu início, em 1979. Percebe-se que, desde 1999, a coluna do total aplicado coincide com a

curva da participação da Marinha, ou seja, a Instituição está arcando praticamente sozinha

com o projeto. (21)

23EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França, China, Canadá, Alemanha, Holanda, Japão, Paquistão. A Índia obteve assuas bombas nucleares, a partir do reprocessamento de urânio enriquecido.

24Informação fornecida em palestra sobre o Comando da Marinha do Almirante-de-Esquadra Roberto GuimarãesCarvalho, Comandante da Marinha, em 13 de março de 2006.

25Informações fornecidas em palestra sobre a DGMM do Almirante-de-Esquadra Saraiva Ribeiro, Diretor Geraldo Material da Marinha, em 26 de junho de 2006.

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Em relação aos problemas que afetam o PNM, o deputado Aldo Rebelo comentou

que eles são, muito provavelmente, originários das dificuldades que as “elites políticas e os

burocratas do poder executivo”26 têm para perceber a dimensão que a conquista do domínio do

enriquecimento do urânio representa para o Estado brasileiro e da necessidade de se

prosseguir com o referido programa. Além disso, acrescentou que, na verdade, há uma total

falta de conhecimento daqueles segmentos, em relação ao papel que as Forças Armadas têm

desempenhado para o desenvolvimento do Brasil, principalmente no campo científico-

tecnológico. Ainda acrescentou que é preciso, urgentemente, desenvolver esforços nos

segmentos político, intelectual e acadêmico, de modo a recuperar-se a mentalidade pró-

investimento em defesa que, anteriormente, a sociedade brasileira possuía27.(22)

Corroborando com as conclusões do deputado Aldo Rebelo, pode-se comentar a

pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), entre os anos

de 2000 e 2001, com personalidades que formam a “comunidade brasileira de política

externa” para, dentre vários assuntos, identificar e avaliar a representação do interesse da

sociedade brasileira na formação da política externa. Uma das conclusões bastante

interessante mostra que, apesar de existir uma aspiração para que o Brasil participe das

decisões relativas à segurança internacional, como ator relevante, tal situação, no entanto, não

se traduz em medidas concretas de capacitação do poder militar brasileiro para o desempenho

dessas aspirações. Pode-se verificar que falta uma mentalidade de defesa na comunidade

citada e formadora da opinião pública brasileira (23:1).

Em 2004, alguns setores da imprensa nacional ecoaram notícias internacionais que

acreditamos que tenham sido patrocinadas por interesses extraterritoriais contrários ao PNM,

que colocavam sob suspeitas o fim pacífico do programa nuclear brasileiro. Essas notícias

eram baseadas em total desinformação. Tal situação contribuiu, de modo velado, para a

criação de um certo antagonismo da sociedade brasileira ao programa nuclear brasileiro28.

(24:1)

No tocante à campanha internacional contra o programa nuclear brasileiro, ela é

contínua. Por exemplo, em artigo publicado, em 27 de julho de 2006, o Instituto de Pesquisa

Internacional da Paz de Estocolmo (SIPRI) sugeriu certos questionamentos sobre o fim

26O termo foi colocado entre aspas para indicar o caráter retórico utilizado pelo deputado.27Informações fornecidas em palestra sobre a Câmara dos Deputados do deputado Aldo Rebelo, presidente da

Câmara dos Deputados, em 29 de maio de 2006.28Concluo essa idéia a partir do fato de que notícias colocadas na mídia têm grande credibilidade perante a

população brasileira, haja vista o alto percentual de confiança que os brasileiros têm em relação aos meios decomunicação. (25:1).

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pacífico do programa nuclear brasileiro. A alegação desse Instituto é que apesar do Brasil

adotar uma contínua política de não-proliferação, algumas de suas decisões e posições

levantam algumas suspeitas sobre as reais intenções do seu programa. (26:2)

Outra dificuldade do PNM é a questão dos recursos humanos. São dois problemas

relativos a essa questão. O primeiro é que todo o pessoal encontra-se vinculado ao programa,

pelo regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), com as suas conseqüentes

limitações para novas contratações e para concessão de reajustes salariais29. O segundo é a

baixa remuneração dos pesquisadores e técnicos que gera um desconforto, em razão da

comparação com os salários da iniciativa privada e da relação remuneração e capacitação

profissional (os pesquisadores altamente qualificados recebem baixa remuneração). Uma

solução para esse problema seria o Ministério da Ciência e Tecnologia assumir a folha de

pagamento do CTMSP, permitindo uma desoneração do já insuficiente orçamento30. (27)

No que concerne ao papel desempenhado pela Marinha do Brasil, coube-lhe a

ação de ter fornecido o arcabouço gerencial que permitiu uma continuidade saudável do

programa e que culminou com os resultados que o Estado brasileiro passou a dispor.

Pode-se compreender que a conquista do ciclo do enriquecimento do urânio, com

tecnologia própria e avançada, foi possível pela determinação, pela engenhosidade e pela

vontade de segmentos da sociedade brasileira, representados, dentre outros, pela comunidade

científico-acadêmica e pela Marinha. Porém, ao longo dos tempos, parecem-nos que foram

surgindo óbices ao PNM, quais sejam: as sérias dificuldades de ordem orçamentária, que

ameaçam a própria continuação do programa; a pouca mentalidade de defesa da área política

e de certos segmentos da população brasileira formadores de opinião-pública, por exemplo,

acadêmicos, universitários, artistas; e os baixos salários dos pesquisadores e técnicos do

CTMSP.

É lamentável que um Programa tão importante para o desenvolvimento do Brasil,

corra o risco de ser interrompido pela absoluta falta de recursos; pela insensibilidade dos

meios políticos, que não adotam o programa como sendo uma política de Estado; pelo Poder

Executivo que não aporta o orçamento necessário, e pelos segmentos da população

formadores da opinião-pública, tais como: cientistas políticos e professores universitários, que

não fazem lobby político para a continuidade do PNM. Caso se mantenha a atual a situação

em que se encontra o PNM, haverá uma sensível perda da “capacidade de conhecimento”

adquirida durante os anos em que o programa foi desenvolvido, pois as tecnologias estão

29 Decorrentes das leis que regulam esse tipo de relação no serviço público.30 Informações fornecidas em palestra sobre CTMSP do Contra-Almirante Carlos Passos Bezerril em 14jul.2006.

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sempre evoluindo, e se torna imperiosa a continuação das pesquisas para a manutenção do

“estado da arte” do mesmo conhecimento para que o Brasil não fique com uma tecnologia

obsoleta.

2.6 Política brasileira de salvaguardas

No governo Sarney (1985-1990), já dentro do contexto do Pós-Guerra Fria

(1989), o Brasil passou a ser alvo de críticas da comunidade internacional e de alguns

segmentos da sociedade brasileira em relação ao seu programa de energia nuclear (5:195). Os

Estados nucleares suspeitavam que o programa brasileiro tivesse fins militares Em

decorrência daquelas críticas, o governo considerou que tal suspeição poderia gerar fortes

dificuldades para as políticas externa e interna do Brasil. Assim, procurou-se trabalhar de

modo a se contrapor às críticas. Foram adotadas linhas de ação31 que se desenvolveram em

dois campos: interno e externo.

No tocante ao campo interno, adotaram-se duas iniciativas. A primeira foi

introduzir na Constituição Federal de 1988 um artigo pelo qual considera que a utilização da

energia nuclear só poderá ocorrer para fins pacíficos (art. 21), e a segunda que estabeleceu

que todas as atividades nucleares no Brasil devem ser submetidas à aprovação do Congresso

Nacional.

Em relação ao campo externo, foram cumpridas as seguintes ações:

a) em 18 de junho de 1991, o Brasil assinou com a Argentina o Acordo para Uso

Exclusivamente Pacífico da Energia Nuclear (Acordo de Guadalajara), que

criou um sistema de inspeções mútuas de salvaguardas, corroborando com o

Acordo Brasil-Argentina de Cooperação para o Desenvolvimento e a

Aplicação dos Usos Pacíficos da Energia Nuclear (1980 - Acordo Bilateral);

b) em 13 de dezembro de 1991, foi estabelecido um Acordo do Brasil e da

Argentina, por meio da Agência Brasileiro - Argentina de Contabilidade e

Controle de Materiais Nucleares (ABACC), com a AIEA para aplicação de

salvaguardas. O Acordo entrou em vigor em 4 de março de 1994;

c) em maio de 1994, entrou em vigor para o Brasil o Tratado sobre Proibição de

Armas Nucleares na América Latina e no Caribe (Tratado de Tlatelolco). O

Tratado foi assinado em 1967; e

31 Foi adotado o termo linhas de ação, em decorrência da não-existência de uma política estratégica global porparte do Estado brasileiro.

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d) Em setembro de 1998, o Brasil aderiu ao TNP.

Vale registrar, que, apesar de não haver obrigatoriedade imposta pelo TNP, o

Brasil ofereceu as instalações do CTMSP para o exercício de salvaguardas pela AIEA, por

ocasião da assinatura daquele tratado. A ação tomada pelo Brasil é motivo de ressalva, pois

nenhuma outra instalação militar no mundo foi oferecida para que sofressem inspeções pela

Agência. Essa oferta procurou demonstrar o comprometimento do Estado brasileiro com o

TNP e seus reais propósitos de fim pacífico de suas pesquisas na área nuclear.

Quanto ao Protocolo Adicional, até o presente momento, o Brasil não o ratificou.

Contudo, o general Felix, Ministro Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)

previu que, em decorrência de pressões diplomáticas que o Brasil vem sofrendo, há uma forte

tendência para que o Estado brasileiro assine o Protocolo Adicional. (29:1)

Caso o Brasil venha a assinar o Protocolo, seria necessária a introdução de

ressalvas, de modo a limitar o seu grau de intrusividade, pois não ocorrendo essa ação, o PNM

estaria correndo sério risco de sobrevivência. Essas ressalvas envolveriam a negociação, junto

à AIEA, dos seguintes tópicos:

a) as definições dos locais onde os inspetores poderiam ter acesso;

b) o acesso do pessoal da AIEA aos locais teria que ser acompanhado pelos

profissionais do CTMSP;

c) não seriam permitidos os acessos aos materiais relativos à propulsão naval, e

às informações sobre fornecedores, consultores, detalhes técnicos

institucionais, operação e produção; e

d) os detalhes já negociados no TNP não poderiam ser alterados. (27)

2.7 Política externa do Brasil

No final da década de 1990, quando se verificou que o PNM começou a

apresentar dificuldades de ordem orçamentária, observou-se que um dos componentes que

contribuíram para esse problema advinha das mudanças que ocorreram na política externa

brasileira, conforme será discutido a seguir.

Como caracterizado no livro “História da Política Exterior do Brasil”, nos anos

1990, o Itamaraty se apropriou de uma concepção de vertentes “Grantiana” (30:1) e

“Kantiana” (31:1) para a política externa brasileira (15:469). Naquela época, a opção da

política externa brasileira foi a valorização dos organismos multilaterais como o campo mais

indicado para a resolução dos conflitos entre os Estados. Esta opção contribuiu para que o

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Brasil abandonasse a tendência, iniciada nos anos 70, de uma política de desenvolvimento de

uma indústria de meios de defesa e da mencionada nacionalização da segurança. De certa

forma, essa política não valorizou o papel das Forças Armadas como um instrumento de

política externa (15:469) e, conseqüentemente, trouxe reflexos no campo interno, como por

exemplo, a sua contribuição, associada a uma política econômica austera, para a diminuição

ou não-crescimento do orçamento das Forças Armadas.

Essa mesma opção pela não-utilização da força como elemento de ação em favor

da “dissuasão pacífica”32, contribuiu, como já mencionado pelo deputado Aldo Rebelo, para

que houvesse no Brasil carência de uma mentalidade de defesa na população e no governo, de

forma acentuada na gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) (15:469).

Assim, nas palavras de Celso Lafer, ministro das Relações Exteriores de Fernando

Henrique Cardoso (32:21): “...os foros multilaterais constituiriam o melhor tabuleiro para o

Brasil exercitar, em nível global, sua competência na defesa dos interesses nacionais...”.

Essa opção foi uma alternativa política, em decorrência de o Brasil não ter

alcançado a condição de potência de primeira ordem. De certa maneira, a leitura que se pode

fazer dessa política foi que, com o respeito ao Direito Internacional, o Brasil encontrou uma

forma de contrabalançar parcialmente o excedente de poder econômico e militar dos países

mais desenvolvidos, em especial os EUA. (15:469)

Em relação à política externa brasileira do governo do presidente da República

Luiz Inácio Lula da Silva (2003), se verifica, a partir do discurso na Sessão de Posse, em 1º de

janeiro de 2003, no Congresso Nacional, e do estabelecimento da nova Política de Defesa

Nacional (PDN) (2005), que há uma tendência para se criar uma melhora, na visão do

governo, do papel da Forças Armadas. Entretanto, na questão do PNM, não se percebeu,

ainda, resultados concretos no tocante a um aumento nas verbas orçamentárias destinadas ao

referido programa.

O fato que deve ser ressaltado é que as políticas externas brasileiras adotadas a

partir dos meados da década de 1990 não deram um respaldo significativo ao PNM. Assim, há

necessidade de que o Ministério da Defesa efetue gestões mais acentuadas junto ao Ministério

das Relações Exteriores, e ao Congresso Nacional para que ocorra uma sinergia maior,

principalmente realçando os benefícios que os resultados do programa proporcionariam ao

Estado brasileiro no campo da política internacional, na área econômica e tecnológica e que

serão comentados mais adiante.

32 Termo foi empregado pelo embaixador Antônio Patriota em palestra proferida no Ministério das RelaçõesExteriores, em 5 de abril de 2006. Significa que o Brasil teria um poder de dissuasão pela sua política devalorização dos organismos multilaterais nas RI.

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3 O PNM E SUA IMPORTÂNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO ESTADONACIONAL

Este capítulo discutirá a questão da importância do PNM para o desenvolvimento

do Brasil, caso os óbices atuais sejam transpostos e ocorra a continuação do desenvolvimento

do referido programa. Dessa forma, ao longo do capítulo, serão respondidos dois

questionamentos de grande interesse, quais sejam: qual seria a importância do PNM para o

Brasil? Quais seriam os reflexos sobre o Poder Naval brasileiro, tradicional colaborador da

política exterior? Sobre o primeiro questionamento, pode-se identificar três contribuições

importantes: no campo econômico, com a geração de energia núcleo-elétrica e outros ganhos

na indústria, medicina e biologia, e no meio ambiente; na defesa, por meio do

desenvolvimento de uma planta de propulsão naval para um futuro submarino; e na ciência e

tecnologia que consolida sua conquista mediante a inserção do Brasil no cenário nuclear. No

segundo, serão estabelecidas as possíveis aspirações do Poder Naval Brasileiro em relação às

conquistas alcançadas e os reflexos no seu futuro emprego.

3.1 Contribuição à economia

Em 17 de outubro de 1956, quando se iniciou a operação da primeira usina

nuclear no mundo, a Calder Hall Reactor, na Inglaterra, ficou evidente que a geração núcleo-

elétrica seria um negócio promissor.

No início dos anos 1960, outro fator que veio a contribuir com a perspectiva de

novos negócios comerciais no âmbito da geração de energia núcleo-elétrica, foram as

descobertas de grandes reservas de urânio na Austrália, no Canadá, na então URSS e nos

EUA. Estas descobertas garantiram o abastecimento de urânio para as usinas nucleares que

passaram a ser construídas.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE) (2005), 85% da energia

elétrica produzida pelas usinas nucleares são provenientes, originalmente, de reatores

desenvolvidos para a propulsão naval. Estes reatores tinham como premissas a credibilidade e

a segurança. (32:1)

Hoje, conforme a AIE, a energia consumida na Terra tem, em grande parte,

origem em matérias-primas esgotáveis da natureza. Estimativas realizadas pela mesma

Agência em 1995, baseadas nas reservas demonstradas e na contabilização da energia

utilizada, concluíram que existem reservas de diversas fontes necessárias para prover à

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humanidade por um século (34:3). Esta estimativa estabelece um cenário de dúvidas quanto

ao futuro energético para o Planeta e para o Brasil.

Até o momento, o petróleo ainda é uma das fontes mais importante da matriz

energética mundial. Em passado recente, a dependência da matriz energética mundial ao

petróleo era muito mais significativa (34:6). Entretanto, ainda hoje, qualquer crise mais

profunda que ocorre no Oriente Médio ocasiona aumentos significativos dos preços do

petróleo, e assim repercutem na economia mundial.

Desta forma, ao se analisarem as variações de preços ao longo da história,

observa-se que elas contribuíram para uma tendência do abandono da geração de eletricidade

proveniente do petróleo, em razão da resolução dos Estados, sem exceção, de reduzirem suas

dependências do petróleo. Esse fato ressaltou também a necessidade da economia mundial

buscar uma nova matriz energética. O Anexo C apresenta as modificações mais importantes

ocorridas nas matrizes de alguns Estados (EUA, França, Alemanha, Inglaterra e Japão), no

período de 1973 a 2003, em razão das crises dos preços do petróleo. Observa-se uma nítida

opção pela energia nuclear.

Na atualidade, como se pode perceber, a eletricidade tem valor significativo, pois

é fonte de energia associada à qualidade de vida dos seres humanos. Isso ocorre, em

decorrência de sua ação direta nos benefícios sociais, como são exemplos: o aquecimento

domiciliar, os equipamentos eletrodomésticos, os meios de transportes como o metrô, e ao

desenvolvimento industrial.

Outro fator que corrobora na relevância da energia elétrica é a estimativa de que

ainda há 1,65 bilhões de pessoas em Estados em desenvolvimento que necessitam ter acesso à

eletricidade, notadamente em regiões rurais. Vários programas sociais de atendimento a essa

camada da população estão em andamento, como é o caso do Brasil. Tal fato, também,

pressionará mais ainda o crescimento da demanda elétrica. (35:1)

Devido a isso, a AIE projetou que, em 2003, a demanda de energia elétrica deverá

dobrar até 2030, representando uma taxa anual de crescimento de 2.45%. Entretanto, esse

valor representa uma média, de forma que há diferentes índices nas diversas partes do mundo.

Nos Estados mais desenvolvidos, espera-se uma reduzida taxa de crescimento da ordem de

1.3%, enquanto que na China e na Índia esta expectativa é de 4.4% e no Brasil de 3.1% ao

ano. (35:1)

Como conseqüência dessas taxas, verifica-se que o setor elétrico tem a

necessidade de grandes investimentos, de modo a otimizar a produção, a partir de suas três

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38

fontes de geração33, na modernização das unidades geradoras existentes e na expansão da

transmissão e distribuição de energia elétrica. Tal situação indica que há de se pensar em uma

nova matriz energética para o mundo que possa suprir toda a demanda esperada de

crescimento.

Outro fator que vem pressionando para que ocorra uma mudança na matriz

energética, incluindo as fontes geradoras de eletricidade, é a necessidade de se preservar o

meio ambiente, em decorrência de uma forte pressão da opinião pública mundial para redução

da poluição do mundo, notadamente a originária da queima do petróleo. Os acordos

internacionais, como o Protocolo de Kyoto, e as políticas dos diversos Estados visam à

diminuição das emissões dos gases causadores do aquecimento global, principalmente pela

queima de combustíveis fósseis. Cabe ser ressaltado que os EUA não assinaram o protocolo.

Esta pressão tende a gerar prioridades para as chamadas energias “livres de carbono” e

renováveis, como a hidroeletricidade, a biomassa, a energia solar, a energia eólica e a energia

nuclear.

As políticas adotadas para a preservação do meio ambiente se concentraram na

diminuição do uso do petróleo como fonte de energia. Inicialmente, esta substituição ocorreu

pela utilização da energia nuclear e subseqüentemente, pelo uso do gás natural, menos

agressivo ao ambiente, por diminuir a emissão dos gases responsáveis pelo aquecimento

global.

Nos dias de hoje, há uma discussão em relação ao uso da energia nuclear, em

razão de receios infundados em relação a uma possível contaminação por acidentes nucleares

nas usinas existentes e no armazenamento dos rejeitos. Essa discussão vem sendo capitaneada

por uma campanha coordenada pelos movimentos ambientalistas. Muitas vezes, as campanhas

de não-proliferação das usinas nucleares esquecem que a adoção de um programa de geração

de energia nuclear foi responsável pela significativa redução das emissões de poluição

mundial.

Cabe ser ressaltado que ocorreram, ao longo dos anos, poucos casos de acidentes,

relativos à geração de energia eletro-nuclear, ocorridos no mundo 34. O vazamento de

Chernobyl (1986) foi em decorrência de falha no projeto russo amplificado pelo inadequado

treinamento do pessoal de operação (37:1).

No Brasil, não há movimentos expressivos contrários, mas apenas contestações33 Os combustíveis fósseis, extremamente poluidores, fontes renováveis de energia e materiais físseis utilizados

na geração nuclear, tais como o urânio e o tório.34 As usinas possuem sistemas redundantes, interdependentes e fisicamente separados, em condições de prevenir

acidentes e, também, de resfriar o núcleo e os geradores em situações normais e de emergência

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39

fracas às construções de usinas nucleares. Esses movimentos não têm noção da grande

importância que a energia nuclear representou para a redução das emissões de gases poluentes

no mundo, na diminuição da dependência do petróleo e como as usinas nucleares são

seguras35.(22)

Em contrapartida aos movimentos contrários à energia nuclear, o grupo G8,

formado pelos EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha, Japão, Canadá, Itália e Rússia,

reunidos em São Petersburgo, em 16 de julho de 2006, indicou a geração nuclear de

eletricidade para ser incluída na lista dos projetos de desenvolvimento, tendo sido

recomendado, aos governos e às indústrias que apóiem o uso de energia nuclear como

elemento fundamental para atender à crescente demanda de energia elétrica, combatendo,

dessa forma, o aquecimento do globo terrestre, pois ela não resulta na emissão de qualquer

gás que contribua para o efeito estufa ou na formação de chuva ácida. (34:4)

Esse contexto vem reforçar o fato já mencionado de que se deve adotar uma nova

matriz energética que possa fazer frente às demandas que virão em decorrência do progressivo

aumento populacional, do desenvolvimento dos Estados e das exigências de controle da

poluição ambiental. De acordo com a AIE, essa nova matriz muito provavelmente envolverá a

utilização de várias fontes alternativas de produção de energia, sem a exclusão de nenhuma

matéria-prima. Nenhum recurso material pode ser desconsiderado, em razão da necessidade

de que as gerações futuras possam dispor dos combustíveis para atender as suas necessidades

energéticas, pois sua falta no futuro significará declínio econômico e pobreza para o mundo.

Pode-se exemplificar tal conclusão, a partir dos seguintes dados:

a) a demanda no mundo de energia sofreu um incremento em cerca de 3.3% a.a.

nos últimos 30 anos, ultrapassando a média de crescimento da população, que

foi de 2%; (35:5)

b) o crescimento do consumo foi maior nos países em desenvolvimento do que

nos países desenvolvidos;

c) o consumo per-capita de energia está se estabilizando nos países desenvolvidos

e está crescendo nos países em desenvolvimento; e

d) a população mundial terá crescido em cerca de 1.5 bilhões de pessoas, até

2030. Este incremento se daria em países em desenvolvimento, notadamente

em áreas urbanas. (38:1)

Assim, no atual estágio do desenvolvimento do conhecimento humano, a núcleo-

35 Informação fornecida em palestra sobre a Câmara dos Deputados do deputado Aldo Rebelo, presidente daCâmara dos Deputados, em 29 de maio de 2006.

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eletricidade deve ser considerada, dentro do cenário energético e da geração de energia

elétrica, como uma opção séria e pragmática.

Comentando-se sobre as reservas de urânio, elas são também limitadas, mas

dependendo das opções de demanda, do reprocessamento do material enriquecido já utilizado

e de novas técnicas de geração de energia usadas nas usinas, as reservas de materiais físseis

poderiam ser estendidas significativamente (a quantidade existente cresceria cerca de 50 a 60

vezes). As reservas de tório são tão grandes quanto as de urânio e devem também ser levadas

em conta para o futuro. Em função destas perspectivas, os materiais físseis como o urânio e o

tório podem cumprir papel importante na produção da eletricidade. (17:1)

As vantagens do urânio são bastante notórias. Exemplificando: em uma pastilha

de urânio, de cerca de 1 cm, são gastos 260 g. de yellow cake enriquecido a 3,5% de U235 e

equivaleria à energia de 3 barris de petróleo; ou a 1 tonelada (ton.) de carvão; ou a 2,5 ton. de

lenha; ou a 570 m3 de gás natural. Outro exemplo, uma central de 1000 MW representa uma

economia de 1,6 bilhões de litros de petróleo por ano, produzindo 5 bilhões de KW/h de

eletricidade que poderia suprir 650.000 residências.(36:1)

No Brasil, outros dois fatos que precisam ser enfatizados para modificação da

atual matriz energética brasileira são: primeiro, a crise de desabastecimento de energia elétrica

por que passou o Estado em 2001; e o segundo, mais recente, são os problemas que surgiram

decorrentes da nova política boliviana para o fornecimento do seu gás. Em 1° de maio de

2006, houve a desapropriação das instalações da Petrobrás pelo governo boliviano, que

ameaçou aumentar os seus preços.

Em relação à crise de desabastecimento, esta ocorreu em decorrência da geração

de energia elétrica brasileira, predominantemente hidroelétrica, ser bastante dependente das

condições pluviométricas do seu clima, ou seja, da quantidade de chuva que abastece os rios

brasileiros, em determinado ano. Em 2001, o país sofreu uma escassez de energia pela pouca

ocorrência de chuvas, notadamente no Sudeste.

Os defensores do modelo atual de geração de energia alegam que a Amazônia 36

possui uma das maiores reservas hídricas do mundo e que poderia suprir o Brasil por longo

tempo. Contudo, na atualidade, a construção de usinas com seus reservatórios na região é

bastante complexa, em razão dos aspectos sociais e impactos ambientais na área. Assim, não

se deve deixar de pensar em outras opções de fontes energéticas para o Brasil.

Com respeito à opção do urânio como fonte de geração de energia, há alguns

fatores positivos a seu favor, tais como:

36 Última fronteira hídrica brasileira.

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a) o Brasil possui a sexta reserva mundial, tendo sido prospectado somente um

terço do solo e na camada superficial de cem metros;

b) as capacidades tecnológica e intelectual conquistadas pelos brasileiros. O

Brasil possui o domínio do ciclo de enriquecimento do combustível nuclear e a

capacitação em projeto, em construção e operação de usinas nucleares; e

c) o PNM já possibilitou que o Brasil tivesse as condições necessárias para suprir,

com o combustível físsil, suas usinas nucleares (Angra I e II)37.

Sobre a questão dos rejeitos provenientes das atividades nucleares, o Brasil ainda

não equacionou o problema. Atualmente, eles estão sendo depositados em locais apropriados,

porém provisórios, dentro das próprias usinas. Estes locais de guarda possuem uma previsão

de vida útil de sessenta anos. Assim, durante esse período poderão ser tomadas as medidas

necessárias para construção de depósitos definitivos.

Ademais, o comércio mundial de urânio enriquecido movimenta 5 bilhões de

dólares38 (26) com projeção de aumento em função das novas usinas que estão ou serão

construídas. Atualmente, esse comércio é, em grande parte, abastecido pela conversão do

urânio altamente enriquecido (High Enriched Uranium – HEU), do programa soviético de

armas nucleares, em urânio de baixo enriquecimento (Low Enriched Uranium-LEU) para

oferta no mercado. Como essa fonte de recurso se esgotará, é esperada uma maior demanda

no mercado mundial, com uma previsão de aumento dos preços.

Nesse sentido, a questão central é que há de se considerar que o urânio,

diferentemente de outras fontes energéticas e de outros minerais, tem um alto valor

estratégico adicionado ao seu valor comercial, submetendo a sua comercialização à influência

da conjuntura política mundial, podendo, inclusive, sem aviso prévio, ter o seu comércio livre

impedido, criando condições especiais na sua disponibilidade e, conseqüentemente, no preço.

Vale acrescentar, que se espera obter muito mais do PNM. Assim, para o Brasil

entrar no seleto grupo dos Estados produtores e comerciantes de urânio enriquecido, teria

apenas que aumentar o número de ultracentrifugadoras instaladas na INB. Entretanto, o ciclo

de enriquecimento do urânio brasileiro apresenta um óbice que é a questão do Brasil não

produzir o hexafluoreto de urânio, tendo em vista que o investimento necessário para sua

industrialização seria bastante elevado e não existe o interesse das INB em financiarem o

empreendimento, pelo motivo de que o preço final do gás produzido ficaria mais caro que o

importado.

37 Serão supridos 60% do total da demanda.38 Informação fornecida em palestra sobre o CTMSP do Contra-Almirante Carlos Passos Bezerril, Diretor do

CTMSP, em 14 de julho de 2006..

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O projeto do LAB-GENE, sendo executado no CETMSP, permitirá que o Brasil

possa construir, em 2017, uma planta nuclear de geração de energia elétrica de capacidade

nominal de potência de cerca de 11.000 kw, para abastecimento potencial de cerca de 45 mil

consumidores residenciais (36:1), a partir do projeto em desenvolvimento naquele Centro.

Ganhos indiretos para o desenvolvimento da economia brasileira

Diversos segmentos se beneficiaram diretamente dos resultados alcançados até o

momento pelo PNM, seja pelo emprego direto de equipamentos ou tecnologias usados no

programa, seja pela utilização dessas tecnologias no desenvolvimento de produtos e

fornecimento de serviços.

Como resultados decorrentes do PNM, convém mencionar a aplicação de

subprodutos da energia nuclear, como por exemplo o radioisótopo, em diversos setores do

Estado, como: a agricultura, o meio ambiente, a medicina a biológica e a indústria com

diversos subprodutos, conforme os exemplos abaixo.

Agricultura e Meio Ambiente

Na área agrícola, o principal desenvolvimento foi na tecnologia de produção de

radioisótopos e na sua utilização como fontes radioativas que permitem a irradiação de

alimentos, com a finalidade de sua conservação. As experiências realizadas demonstram um

enorme potencial para a redução dos custos de armazenagem de alimentos. O método poderá

possibilitar um aumento da oferta de alimentos. O CTMSP, juntamente com o IPEN e a

Diretoria de Abastecimento da Marinha (DAbM), vêm desenvolvendo pesquisas visando à

melhoria da qualidade de alimentos e rações especiais para a Marinha, por meio do tratamento

desses alimentos por ionização, que poderão ser utilizados pelos navios e, principalmente,

pelos submarinos que terão sua autonomia aumentada em decorrência da ampliação do tempo

de utilização dos gêneros alimentícios perecíveis. A Agência de Vigilância Sanitária

(ANVISA) já aprovou a tecnologia. Em futuro próximo, serão possíveis o desenvolvimento

do projeto e a construção de um irradiador específico para essa finalidade.

No tocante ao meio ambiente, a tecnologia de introdução de isótopos “traçadores”

em ambientes controlados possui inúmeras aplicações, destacando-se:

a) determinação da origem da água da chuva na Amazônia. O peso isotópico da

água mostra que 50% da chuva na Amazônia vêm da própria floresta;

b) estudos de hábitos alimentares dos peixes;

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c) geo-localização de plantações de coca e de papoula por isótopos estáveis, os

quais localizam as respectivas concentrações de carbono das plantas que

originam estes produtos;

d) na preservação do meio ambiente, sendo os radiotraçadores usados em

levantamentos hidrogeológicos de avaliação de qualidade, distribuição e

renovação dos recursos hídricos;

e) no estudo da dispersão dos poluentes na atmosfera, água e solo, visando a sua

preservação; e

e) no desenvolvimento de equipamentos de radioproteção e de métodos de

monitoração ambiental com acompanhamento e controle do solo, rios, fauna e

flora. Esta tecnologia já está em uso no CTMSP, por meio do seu Laboratório

Radioecológico.39 (27)

Medicina e Biologia

Atualmente, as aplicações da tecnologia nuclear na medicina estão agrupadas nas

áreas nucleares e de imagens moleculares, prestando-se tanto para o diagnóstico, quanto para

o tratamento de doenças. A medicina nuclear apresenta uma tendência a ser dividida em dois

campos: o tradicional, que é o existente no Brasil; e o resultante da introdução da Tomografia

por emissão de Pósitrons (PET). A segunda tecnologia utiliza um aparelho chamado

CICLOTRON que, pelo mapeamento da verificação do metabolismo de glicose40 no

organismo, consegue confirmar os diagnósticos duvidosos de tumores efetuados pelos

métodos tradicionais.

Nas áreas médica e biológica, a principal aplicação é na produção de

Radioisótopos e radiofármacos, amplamente utilizados para diagnósticos e terapias, e o

desenvolvimento de processos de radioesterilização, empregados em tecidos humanos

destinados a transplantes, produtos médico-farmacêuticos e embalagens descartáveis.

Em relação à radioterapia, esta apresenta duas opções de equipamentos de

tratamento: o de cobalto 60 e os aceleradores lineares. O primeiro é de custo elevado e requer

muito tempo inoperante para manutenção. O segundo, em contrapartida, é menos dispendioso

e permite melhor tratamento, em razão de uma conformação perfeita do feixe radioativo de

acordo com o tumor.

39 Informação fornecida em palestra sobre o CTMSP do Contra-Almirante Carlos Passos Bezerril, Diretor doCTMSP, em 14 de julho de 2006.

40 A glicose é o alimento preferido de todos os tumores conhecidos.

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Indústria

Na indústria, cita-se, abaixo, as seguintes aplicações:

a) técnicas de análise estrutural com vistas ao prolongamento da vida útil de

instalação e equipamentos, e testes não destrutivos em estruturas metálicas e

de concreto;

b) irradiação de fios e cabos, acarretando a modificação de suas propriedades e o

aumento da resistência à corrosão, às interferências magnéticas e ao calor;

c) esterilização da turfa, utilizada como fertilizante das plantações de soja;

d) raios-X de aeroportos;

e) desinfecção de correspondências;

f) produção de blindagem de proteção balística utilizada nos tanques de

combustível dos Super Tucanos;

g) desenvolvimento e produção de válvulas a gás e TWT de microondas para

radares;

h) pesquisa e desenvolvimento e produção de fibra de carbono; e

i) produção de giroscópios e acelerômetros para sistemas inerciais.41 (27).

Efeitos multiplicadores

Durante o desenvolvimento do PNM, houve a necessidade de desenvolverem-se

equipamentos com requisitos rígidos de qualidade. Tal situação exigiu da indústria nacional a

sua capacitação para o desenvolvimento e para a fabricação de equipamentos e materiais

sofisticados, como geradores de vapor, pressurizadores, turbinas a vapor, condensadores, e

muitos outros.

Como exemplo do efeito multiplicador do programa, pode-se citar o aço

maraging, com características especiais, desenvolvido inicialmente para uso nas

ultracentrífugas, mas que também foi empregado na fabricação de células de carga, molas e

peças especial dos foguetes SONDA, nos mísseis antitanque fabricados pela empresa

ÓRBITA, em trens de pouso de aeronaves, entre outras aplicações, incluindo a exportação do

material. Outra significativa contribuição poderia ser obtida a partir da geração de energia

núcleo-eletricidade de uma usina do tipo do LAB-GEN que produziria o aquecimento

necessário para utilização em uma planta desalinizadora no nordeste, ou mesmo para tornar41Informação fornecida em palestra sobre o CTMSP do Contra-Almirante Carlos Passos Bezerril, Diretor do

CTMSP, em 14 de julho de 2006.

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fluido o petróleo pesado brasileiro extraído das plataformas de prospecção de alto-mar, de

modo a transportá-lo por meio de oleodutos42.

3.2 Contribuição à defesa

Aspirações do Poder Naval Brasileiro em relação às conquistas alcançadas e os seus

reflexos no seu emprego futuro.

O propósito da Marinha, ao iniciar o PNM, foi obter uma planta naval de

propulsão nuclear para submarino. Para um melhor entendimento das razões que a levaram a

essa decisão, serão examinados os aspectos estratégicos e táticos que justificam o emprego de

submarinos.

Aspectos doutrinários

As Orientações Estratégicas constantes da PDN estabelecem duas vertentes: uma

preventiva da Defesa Nacional, valorizando a ação diplomática como primeiro instrumento de

solução de conflitos e a capacidade militar dissuasória como postura estratégica; e outra

reativa da Defesa Nacional, considerando o emprego de todo Poder Nacional, com ênfase no

Poder Militar. Em ambas as vertentes, observa-se a importância desempenhada pelo segmento

militar do Estado brasileiro.

Apesar da PDN prever de forma lógica, hierarquizada e racional o uso do Poder

Militar, de acordo com as vertentes estabelecidas para as possíveis soluções dos conflitos

internacionais que envolvam o Brasil, registra-se aqui um paradoxo entre a teoria estabelecida

neste documento e a prática exercida pelo Ministério das Relações Exteriores na consecução

da diplomacia brasileira, conforme já mencionado.

A Política de Defesa Nacional (PDN) conceitua Defesa Nacional como sendo:

o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para adefesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaçaspreponderantemente externas, potenciais ou manifestas. (39:2)

O Poder Marítimo (PM), um dos componentes da expressão militar, é definido

pela Doutrina Básica da Marinha (DBM) como: a capacidade resultante da integração dos

recursos de que dispõe a Nação para a utilização do mar e águas interiores, visando à

conquista e manutenção dos objetivos nacionais.

42Informação fornecida em palestra sobre o CTMSP do Contra-Almirante Carlos Passos Bezerril, Diretor doCTMSP, em 14 de julho de 2006.

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Dentro do PM, há o seu braço armado, o Poder Naval, que é definido como o

componente militar do PM capaz de atuar no mar e nas águas interiores, na conquista e

manutenção dos objetivos nacionais. (40:6)

Nas Diretrizes, estabelecidas pela PDN destaca-se, pela sua relevância neste

trabalho, a questão imperativa de se aumentar a presença militar no Atlântico Sul, cuja área

marítima transcende mais de 4,5 milhões de km² de Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Nessa

ZEE são desenvolvidas atividades como a exploração de petróleo, pesca e a sua utilização

como via de comunicação de 95% do fluxo comercial brasileiro. Esta mesma área possui

imensos recursos naturais ainda não explorados, como o nióbio, entre outros.

É nesse contexto geopolítico que se faz presente a necessidade de um Poder Naval

preparado, atualizado, pronto e em condições de realizar suas tarefas básicas de controlar

áreas marítimas, negar o uso do mar ao inimigo, projetar o poder sobre terra e contribuir para

a dissuasão (40:7)

No atual Poder Naval brasileiro, é impossível lhe atribuir todas as tarefas básicas

clássicas, pois necessitaria, dentre outros requisitos, de um grande número de meios navais de

diversas classes, dotados de alta tecnologia, além de um orçamento bastante expressivo. A

perspectiva de uma rápida reversão desse quadro nos parece, neste momento, bastante

improvável, em decorrência das enormes demandas sociais que o Brasil necessita, e que

fazem com que os gastos governamentais sejam destinados para essa área específica.

Assim, torna-se imperioso hierarquizar, em termos de possibilidades de execução

e custos, as tarefas básicas do Poder Naval, a fim de adequar a Marinha Brasileira à sua

destinação constitucional.

O exame da questão coloca a negação do uso do mar43 como primeira prioridade,

pois representa a melhor opção para o Brasil defender-se de ameaças externas mais bem

preparadas44. Dessa forma, o meio naval mais adequado para realizar esta tarefa é o

submarino, pois suas características de discrição e de ocultação permitem sua permanência na

área marítima sem ser detectado, ou que opere em áreas controladas pelo inimigo. Além disso,

a presença de um submarino em determinada área marítima aumenta o risco e os esforços que

um oponente estará exposto, caso deseje operar nesse mesmo local. Podemos citar como

exemplo a Guerra das Malvinas (1982), quando houve a operação de um submarino nuclear

43Ação que busca dificultar o estabelecimento do controle de determinada área marítima por Estado ou aexploração de tal controle pelo mesmo

44Pode-se depreender que a ausência de um orçamento compatível só permite à Marinha, atualmente e em futuropróximo, controlar a área marítima específica por um tempo limitado. Assim, surge como alternativa tentarnegar, a um eventual inimigo, a possibilidade de exercê-lo.

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da Grã-Bretanha na “Zona de Exclusão” inglesa e que contribuiu para que os navios

argentinos não tentassem entrar na respectiva área.

A opção pelo submarino nuclear

Dentre os submarinos, o nuclear é o mais eficiente no cumprimento da tarefa de

negação do uso do mar, devido às suas três vantagens comparativas sobre o submarino

convencional: é mais discreto45 por mais tempo, já que não necessita esnorquear46; por possuir

maior capacidade de navegação em alto mar em longas distâncias47 e bem mais rápido; e,

finalmente, por ter a possibilidade de operar por longo período pelo fato de seu combustível

durar bastante tempo. Durante o seu período operativo, sua autonomia, ou seja, o tempo fora

da base é limitada apenas pela resistência da tripulação, pela capacidade de transportar

gêneros, ou pela sua dotação de torpedos e mísseis.

Finalmente, cabe um último questionamento: em que medida o domínio do

enriquecimento do urânio efetivamente poderia contribuir para a política externa brasileira? A

resposta é que, indubitavelmente, este domínio tem uma grande contribuição para a nossa

política externa. A disponibilidade de um Poder Militar respeitável daria o respaldo e o

discurso diplomático que potencializaria a política externa do Brasil, pois aumentaria o seu

poder de dissuasão, em razão do seu possível emprego. Além disso, a construção de um

submarino de propulsão nuclear poderia ser considerada uma ótima oportunidade de

demonstrar-se a capacidade militar de um Estado, preferencialmente respaldada em um

parque industrial respeitável. Outra argumentação é que a manutenção e operação de um

submarino nuclear ressaltariam a capacidade científico-tecnológica de um Estado como o

Brasil.

Pode-se citar ainda que no caso brasileiro, o enriquecimento do urânio contribuiria

para a liderança regional, para a valorização do multilateralismo econômico, na medida em

que o Estado brasileiro passaria a fazer parte do restrito clube de Estados detentores do

conhecimento do enriquecimento do urânio, e para o apoio às aspirações brasileiras de ser

membro permanente do CSNU.

Porém, não obstante os possíveis ganhos no cenário internacional, há

possibilidade de ocorrência de riscos, pois ao se assumir uma política externa apoiada, dentre

45 Em razão de produzir menor nível de ruído irradiado por não realizar o esnorquel.46 Operação realizada pelo submarino convencional para carregar suas baterias.47 É preciso ressaltar que o Brasil possui uma extensa costa.

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outros fatores, em um Poder Naval dotado de um submarino nuclear, seria possível o

surgimento da percepção de um desejo do Brasil de tornar-se uma potência hegemônica

regional, o que poderia levar a um desconforto no relacionamento com os demais Estados sul-

americanos.

3.3 Contribuição à ciência e à tecnologia

A tecnologia nuclear, como vimos, apresenta-se como de grande valor,

principalmente nos campos militar, econômico, político e das RI. Torna-se, assim, uma

realidade presente nos nossos dias, em razão da dimensão estratégica que confere aos Estados

que a dominam. Mesmo entre os “conhecedores do átomo”, há uma hierarquização que vai

das potências que possuem artefatos nucleares, passando pelas que só têm tecnologia nuclear

bastante avançada, chamadas de Estados nucleares civis, até as que conquistaram apenas o

conhecimento do enriquecimento do urânio.

O PNM permitiu que o Brasil obtivesse significativos avanços tecnológicos e

científicos, tanto na área do átomo como em outros setores já comentados. O domínio e o

enriquecimento do urânio contribuíram também no desenvolvimento do Estado brasileiro, na

medida em que o colocou no cenário internacional como possível potência civil e concedeu-

lhe relativo papel de destaque no contexto das RI.

Pertencer a esse contexto abre um amplo leque de possibilidades, pois permitiria

colocar o Brasil com chances de tornar-se um possível fornecedor de uma razoável gama de

produtos e serviços nucleares de elevado valor agregado, tais como: urânio enriquecido,

reatores, peças de reposição das usinas existentes, etc. A perspectiva do “mercado nuclear” é

de expansão com a previsão de uma contínua demanda. Outra importante questão está

relacionada ao fato de que sendo um Estado que domina essa tecnologia de ponta, ele poderia

ser chamado a participar das decisões nessa área.

Manter a prioridade de investimento do PNM é fator determinante para que se

continue o desenvolvimento da tecnologia nuclear e na manutenção de sua capacidade

adquirida, que são necessárias à viabilização do reator de potência, e que torna possível ao

Estado brasileiro ter a propulsão naval e mini-usinas núcleo-elétricas. A completa execução

do PNM permitiria também a inserção do Brasil no clube das potências nucleares civis, com

todas as suas possíveis nuances, nos campos econômico, das RI, militar e político.

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CONCLUSÃO

O Brasil buscou, a partir da década de 1940, desenvolver as atividades nucleares

com a finalidade de ter acesso à importante tecnologia de ponta que, dentre outros fatores,

permitiria diferenciá-lo nas RI, caso ocorra a execução completa do seu programa nuclear.

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Como Estado democrático, com longa trajetória histórica de profundo respeito às

normas internacionais que se coadunam com o pensamento de cooperação ao multilateralismo

e aos princípios do Direito Internacional, o Brasil vem buscando desenvolver o seu programa

nuclear, com fim pacífico, de acordo com o artigo IV do TNP. Nesse sentido, o Estado

procurou marcar o seu compromisso com a não-proliferação nuclear, a partir do ano 1967,

com a assinatura do Tratado de Tlatelolco e reforçado por outros acordos e tratados

internacionais assumidos e já comentados neste trabalho. Corroborando com esse

pensamento, o Estado brasileiro fez formalizar, na Constituição de 1988, a sua decisão de

proibir armas nucleares no Brasil.

Dessa forma, não se pode aplicar ao Brasil as mesmas preocupações que as

potências centrais têm para com os Estados que desenvolvem atividades nucleares paralelas,

em decorrência das possíveis suspeitas com relação aos fins. Por isso, as dificuldades que as

pesquisas brasileiras estão tendo para adquirirem matérias-primas sensíveis aos seus projetos

de desenvolvimentos tecnológicos são inconsistentes com as ações políticas e diplomáticas

adotadas pelo Estado brasileiro e devem ser combatidas em negociações bilaterais, entre

governos, e nas organizações multilaterais.

A conquista do domínio do ciclo de enriquecimento do urânio, pelo Brasil, foi um

marco histórico no campo do conhecimento com possíveis reflexos nas áreas econômica,

militar e das RI. Esta conquista, por si só, não encerraria totalmente as aspirações do Estado

brasileiro. Existem outros campos de aplicações que poderão ser beneficiados pela

continuação do PNM. Além disso, para a manutenção desse programa, se tem a necessidade

de se consolidar os resultados alcançados até agora e se atingir outros que vislumbram-se em

futuro próximo, por exemplo, o desenvolvimento do reator de potência e a planta de

propulsão nuclear para o submarino. Tais conquistas se refletiriam também na opção do Brasil

vir a empregar esse reator para a geração de energia elétrica, e o submarino como instrumento

político de dissuasão nas RI.

Na verdade, o PNM encontra-se em um ponto de inflexão para a sua continuação.

Conforme descrito, os óbices como: a não-visualização pela população e pela área política da

necessidade de uma política de defesa nacional; a política externa brasileira direcionada pelas

vertentes “Kantiana” e “Grantiana”; a perspectiva do Brasil vir a assinar o Protocolo

Adicional; e as políticas de contenção da proliferação de armas nucleares realizadas pelas

potências nucleares têm contribuído para estabelecer uma reduzida dimensão para o PNM,

com uma conseqüente diminuição dos orçamentos imprescindíveis à sobrevivência do

Programa. Assim é preciso desenvolver ações que possam combater esses óbices.

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Além do mais, como caracterizamos no início deste estudo, o nosso pensamento é

de que o realismo define predominantemente as RI entre os Estados e, certamente mais ainda,

a relação entre os detentores e os não detentores do conhecimento do enriquecimento do

urânio. Sendo o sistema internacional a arena onde os Estados perseguem os seus interesses

nacionais, muitas vezes conflitantes, parece-nos lógico prever que, periodicamente, possam

ocorrer crises, conflitos ou guerras que, algumas vezes, ameaçam a própria sobrevivência de

alguns.

Nesse sistema, os Estados buscam se relacionar com seus pares, utilizando-se para

isso da diplomacia, da formação de alianças, trocas comerciais, de pressões políticas e

econômicas, reforçados e respaldados por suas respectivas estruturas de Poder Militar. Sendo

assim, as contribuições do PNM ao desenvolvimento do Brasil, estudadas no Capítulo 3 deste

trabalho, poderiam dar, de certa forma, o fomento necessário à “estrutura de poder” do Estado

nacional brasileiro, de modo a inseri-lo no cenário internacional como potência nuclear civil,

aumentando-lhe a sua capacidade de barganha nas suas políticas internacionais e,

conseqüentemente, diminuindo sua interdependência externa.

Desde 1999, com o crescimento dos óbices muito em conseqüência das

dificuldades orçamentárias do programa, a Marinha vem adotando necessária gestão junto aos

diversos segmentos da sociedade brasileira e principalmente na política; com o propósito de

se buscar verbas orçamentárias, nos ministérios, órgãos e entidades de fomento de pesquisas.

Contudo, o resultado não se tem apresentado satisfatório.

Verifica-se que o PNM deveria ser tratado como um programa do Estado, cujos

resultados para o Brasil seriam extremamente positivos, nos diversos campos da economia,

das RI e da defesa. Constata-se também que o problema do PNM é, eminentemente, de cunho

político e só poderia ser contornado com ações realizadas pelo respectivo segmento do Estado

brasileiro. Estas ações passam necessariamente pela adoção do referido programa pela Casa

Civil da Presidência da República, como instituição coordenadora das diversas ações que

precisariam ser tomadas e a única com “força” política para as injunções necessárias. Nota-se

que a sugestão não significaria o afastamento da Marinha do programa, mas apenas a

transferência das gestões políticas ao Gabinete da Casa Civil.

Em relação aos movimentos ambientalistas, que procuram se contraporem a

qualquer programa nuclear, há que se tentar neutralizá-los com ações de esclarecimento da

opinião pública, utilizando-se do serviço de comunicação social do governo federal e do

diálogo com os movimentos representativos da sociedade brasileira, como forma de mostrar-

se as vantagens do PNM e sua contribuição para a economia e para o Estado brasileiro.

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ANEXO A

TRATADO SOBRE A NÃO-PROLIFERAÇÃO DE ARMAS NUCLEARES

Os Estados signatários deste Tratado, designados a seguir como Partes do

Tratado; considerando a devastação que uma guerra nuclear traria a toda a humanidade e, em

conseqüência, a necessidade de empreender todos os esforços para afastar o risco de tal guerra

e de tomar medidas para resguardar a segurança dos povos;

Convencidos de que a proliferação de armas nucleares aumentaria

consideravelmente o risco de uma guerra nuclear;

De conformidade com as resoluções da Assembléia-Geral que reclamam a

conclusão de um acordo destinado a impedir maior disseminação de armas nucleares;

Comprometendo-se a cooperar para facilitar a aplicação de salvaguardas pela

Agência Internacional de Energia Atômica sobre as atividades nucleares pacíficas;

Manifestando seu apoio à pesquisa, ao desenvolvimento e a outros esforços

destinados a promover a aplicação, no âmbito do sistema de salvaguardas da Agência

Internacional de Energia Internacional Atômica, do princípio de salvaguardar de modo efetivo

o trânsito de materiais fonte e físseis especiais, por meio do emprego, em certos pontos

estratégicos, de instrumentos e outras técnicas;

Afirmando o princípio de que os benefícios das aplicações pacíficas da tecnologia

nuclear - inclusive quaisquer derivados tecnológicos que obtenham as potências nuclearmente

armadas mediante o desenvolvimento de artefatos nucleares explosivos - devem ser postos,

para fins pacíficos, à disposição de todas as Partes do Tratado, sejam elas Estados

nuclearmente armados ou não;

Convencionados de que, na promoção deste princípio, todas as Partes têm o

direito de participar no intercâmbio mais amplo possível de informações científicas e de

contribuir, isoladamente ou em cooperação com outros Estados, para o desenvolvimento

crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos;

Declarando seu propósito de conseguir, no menor prazo possível, a cessação da

corrida armamentista nuclear e de adotar medidas eficazes tendentes ao desarmamento

nuclear;

Instando a cooperação de todos os Estados para consecução desse objetivo;

Recordando a determinação expressa pelas Partes no preâmbulo do Tratado de

1963, que proíbe testes com armas nucleares na atmosfera, no espaço cósmico e sob a água,

de procurar obter a cessação definitiva de todos os testes de armas nucleares e de prosseguir

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57

negociações com esse objetivo;

Desejando promover a diminuição da tensão internacional e o fortalecimento da

confiança entre os Estados, de modo a facilitar a cessação da fabricação de armas nucleares, a

liquidação de todos seus estoques existentes e a eliminação dos arsenais nacionais de armas

nucleares e dos meios de seu lançamento, consoante um Tratado de Desarmamento Geral e

Completo, sob eficaz e estrito controle internacional;

Recordando que, de acordo com a Carta das Nações Unidas, os Estados devem

abster-se, em suas relações internacionais, da ameaça ou do uso da força contra a integridade

territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou agir de qualquer outra maneira

contrária aos Propósitos das Nações Unidas, e que o estabelecimento e a manutenção da paz e

segurança internacional devem ser promovidos com o menor desvio possível dos recursos

humanos e econômicos mundiais para armamentos.

Convieram no seguinte:

Artigo ICada Estado nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não

transferir, para qualquer recipiendário, armas nucleares ou outros artefatos explosivos

nucleares, assim como o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos explosivos

e, sob forma alguma assistir, encorajar ou induzir qualquer Estado não-nuclearmente armado

a fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos explosivos

nucleares, ou obter controle sobre tais armas ou artefatos explosivos nucleares.

Artigo IICada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a não

receber a transferência, de qualquer fornecedor, de armas nucleares ou outros artefatos

explosivos nucleares, ou o controle, direto ou indireto, sobre tais armas ou artefatos

explosivos; a não fabricar, ou por outros meios adquirir armas nucleares ou outros artefatos

explosivos nucleares, e a não procurar ou receber qualquer assistência para fabricação de

armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares.

Artigo III1. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, compromete-se a

aceitar salvaguardas - conforme estabelecidas em um acordo a ser negociado e celebrado com

a Agência Internacional de Energia Atômica, de acordo com o Estatuto da Agência

Internacional de Energia Atômica e com o sistema de salvaguardas da Agência - com a

finalidade exclusiva de verificação do cumprimento das obrigações assumidas sob o presente

Tratado, e com vistas a impedir que a energia nuclear destinada a fins pacíficos venha a ser

desviada para armas nucleares ou outros artefatos explosivos nucleares. Os métodos de

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salvaguardas previstos neste Artigo serão aplicados em relação aos materiais fonte ou físseis

especiais, tanto na fase de sua produção, quanto nas de processamento ou utilização, em

qualquer instalação nuclear principal ou fora de tais instalações. As salvaguardas previstas

neste Artigo serão aplicadas a todos os materiais fonte ou físseis especiais usados em todas as

atividades nucleares pacíficas que tenham lugar no território de tal Estado, sob sua jurisdição,

ou aquelas levadas a efeito sob seu controle, em qualquer outro local.

2. Cada Estado, Parte deste Tratado, compromete-se a não fornecer:

a) material fonte ou físsil especial, ou

b) equipamento ou material especialmente destinado ou preparado para o

processamento, utilização ou produção de material físsil especial para qualquer Estado não-

nuclearmente armado, para fins pacíficos, exceto quando o material fonte ou físsil especial

esteja sujeito às salvaguardas previstas neste Artigo.

3. As salvaguardas exigidas por este Artigo serão implementadas de modo que se

cumpra o disposto no Artigo IV deste Tratado e se evite entravar o desenvolvimento

econômico e tecnológico das Partes ou a cooperação internacional no campo das atividades

nucleares pacíficas, inclusive no tocante ao intercâmbio internacional de material nuclear e de

equipamentos para o processamento, utilização ou produção de material nuclear para fins

pacíficos, de conformidade com o disposto neste Artigo e com o princípio de salvaguardas

enunciado no Preâmbulo deste Tratado.

4. Cada Estado não-nuclearmente armado, Parte deste Tratado, deverá celebrar -

isoladamente ou juntamente com outros Estados - acordos com a Agência Internacional de

Energia Atômica, com a finalidade de cumprir o disposto neste Artigo, de conformidade com

o Estatuto da Agência Internacional de Energia Atômica. A negociação de tais acordos deverá

começar dentro de 180 (cento e oitenta) dias a partir do começo da vigência do Tratado. Para

os Estados que depositarem seus instrumentos de ratificação ou de adesão após esse período

de 180 (cento oitenta) dias, a negociação de tais acordos deverá começar em data não

posterior à do depósito daqueles instrumentos. Tais acordos entrarão em vigor em data não

posterior a 18 (dezoito) meses depois da data do início das negociações.

Artigo IV1. Nenhuma disposição deste Tratado será interpretada como afetando o direito

inalienável de todas as Partes do Tratado de desenvolverem a pesquisa, a produção e a

utilização da energia nuclear para fins pacíficos, sem discriminação, e de conformidade com

os artigos I e II deste Tratado.

2. Todas as partes deste Tratado se comprometem a facilitar o mais amplo

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59

intercâmbio possível de equipamento, materiais e informação científica e tecnológica sobre a

utilização pacífica da energia nuclear e dele têm o direito de participar. As partes do Tratado

em condições de o fazerem deverão também cooperar - isoladamente ou juntamente com

outros Estados ou Organizações Internacionais - com vistas a contribuir para o

desenvolvimento crescente das aplicações da energia nuclear para fins pacíficos,

especialmente nos territórios dos Estados não-nuclearmente armados, Partes do Tratado, com

a devida consideração pelas necessidades das regiões do mundo em desenvolvimento.

Artigo VCada Parte deste Tratado compromete-se a tomar as medidas apropriadas para

assegurar que, de acordo com este Tratado, sob observação internacional apropriada, e por

meio de procedimentos internacionais apropriados, os benefícios potenciais de quaisquer

aplicações pacíficas de explosões nucleares serão tornados acessíveis aos Estados não-

nuclearmente armados, Partes deste Tratado, em uma base não discriminatória, e que o custo

para essas Partes, dos explosivos nucleares empregados, será tão baixo quanto possível, com

exclusão de qualquer custo de pesquisa e desenvolvimento. Os Estados não-nuclearmente

armados, Parte deste Tratado, poderão obter tais benefícios mediante acordo ou acordos

internacionais especiais, por meio de um organismo internacional apropriado no qual os

Estados não-nuclearmente armados terão representação adequada. As negociações sobre esse

assunto começarão logo que possível, após a entrada em vigor deste Tratado. Os Estados não-

nuclearmente armados, Partes deste Tratado, que assim o desejem, poderão também obter tais

benefícios em decorrência de acordos bilaterais.

Artigo VICada Parte deste Tratado compromete-se a entabular, de boa fé, negociações sobre

medidas efetivas para a cessação em data próxima da corrida armamentista nuclear e para o

desarmamento nuclear, e sobre um Tratado de desarmamento geral e completo, sob estrito e

eficaz controle internacional.

Artigo VIINenhuma cláusula deste Tratado afeta o direito de qualquer grupo de Estados de

concluir tratados regionais para assegurar a ausência total de armas nucleares em seus

respectivos territórios.

Artigo VIII1. Qualquer Parte deste Tratado poderá propor emendas ao mesmo. O texto de

qualquer emenda proposta deverá ser submetido aos Governos depositários, que o circulará

entre todas as Partes do Tratado. Em seguida, se solicitados a fazê-lo por um terço ou mais

das partes, os Governos depositários convocarão uma Conferência, à qual convidarão todas as

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Partes, para considerar tal emenda.

2. Qualquer emenda a este Tratado deverá ser aprovada pela maioria dos votos de

todas as Partes do Tratado, incluindo os votos de todos os Estados nuclearmente armados

Partes do Tratado e os votos de todas as outras Partes que, na data em que a emenda foi

circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência Internacional de Energia

Atômica. A emenda entrará em vigor para cada Parte que depositar seu instrumento de

ratificação da emenda após o depósito dos instrumentos de ratificação por uma maioria de

todas as Partes, incluindo os instrumentos de ratificação de todos os Estados nuclearmente

armado Partes do Tratado e os instrumentos de ratificação de todas as outras Partes que, na

data em que a emenda foi circulada, sejam membros da Junta de Governadores da Agência

Internacional de Energia Atômica. A partir de então, a emenda entrará em vigor para qualquer

outra Parte por ocasião do depósito de seu instrumento de ratificação da emenda.

3. Cinco anos após a entrada em vigor deste Tratado, uma conferência das partes

será realizada em Genebra, Suíça, para avaliar a implantação do Tratado, com vistas a

assegurar que os propósitos do Preâmbulo e os dispositivos do Tratado estejam sendo

executados. A partir desta data, em intervalos de 5 (cinco) anos, a maioria das Partes do

Tratado poderá obter-submetendo uma proposta com essa finalidade aos Governos

depositários-a convocação de outras Conferências com o mesmo objetivo de avaliar a

implementação do Tratado.

Artigo IX1. Este Tratado estará aberto à assinatura de todos os Estados. Qualquer Estado

que não assine o Tratado antes de sua entrada em vigor, de acordo com o parágrafo 3 deste

Artigo, poderá a ele aderir a qualquer momento.

2. Este Tratado estará sujeito à ratificação pelos Estados signatários. Os

instrumentos de ratificação e os instrumentos de adesão serão depositados junto aos Governos

do Reino Unido, dos Estados Unidos da América e da União Soviética, que são aqui

designados Governos depositários.

3. Este Tratado entrará em vigor após sua ratificação pelos Estados cujos

Governos são designados depositário.

Fonte: Decreto n° 2.864, de 7 de dezembro de 1998.

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ANEXO B

SITUAÇÃO DOS GASTOS ORÇAMENTÁRIOS DO PROJETO NUCLEAR DA MARINHA

Fonte: DGMM.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

1979

1981

1983

1985

1987

1989

1991

1993

1995

1997

1999

2001

2003

ANOS

MB

EXTRA-MB

TOTAL

62

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ANEXO CEVOLUÇÃO DA MATRIZ ELÉTRICA DOS ESTADOS

Fonte: AIEA

5,00

19,00

19,00

19,30

77,80

29,00

29,00

27,53

28,00

28,00

22,24

28,00

32,00

22,91

19,00

13,00

15,00

7,00

10,00

9,76

11,00

32,00

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EUA

França

Alemanha

Inglaterra

Japão

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Nuclear Gás Carvão Hidro Óleo

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