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ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DOS ACIDENTES FATAIS A VEÍCULO A MOTOR NA CIDADE DO SALVADOR (BAHIA), BRASIL Celso Pugliese * Fernando Carvalho * Dulce Bião* Celia Guimarães Neto Dias ** RSPU-B/267 PUGLIESE, C. et al. — Aspectos epidemiológicos dos acidentes fatais a veículo a motor na cidade do Salvador (Bahia), Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 9:271-83, 1975. RESUMO: Foi realizado um estudo com o objetivo de descrever certos as- pectos epidemiológicos dos acidentes de trânsito de veículo a motor, na cidade do Salvador, Bahia, Brasil, o qual envolveu coleta de informações no Departa- mento de Trânsito (DETRAN) e no Instituto de Medicina Legal. Ficou de- monstrado que os acidentes de trânsito de veículo a motor são mais freqüentes ao fim da tarde e concentram-se, sobretudo, no fim de semana, isto é, sábado e domingo. Motoristas do sexo masculino foram muito mais freqüentemente envolvidos em acidentes de trânsito do que os do sexo feminino. Foi concluído que os acidentes fatais envolvendo pedestres constituem-se importante problema urbano necessitando cuidadosa atenção por parte de educadores e dos ser- viços públicos responsáveis pelo setor do trânsito. Foi sugerida a necessidade de melhorar e tornar mais uniforme o sistema de notificação e classificação dos acidentes de veículo a motor pelo DETRAN da cidade do Salvador. UNITERMOS: Acidentes de trânsito. Epidemiologia. Mortalidade, Bahia (Brasil). * Do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA Parque Universitário, Canela, Salvador, BA — Brasil. ** Do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática da UFBA Parque Universi- tário, Canela, Salvador, BA — Brasil. INTRODUÇÃO O progresso científico e tecnológico, as transformações sócio-econômicas e o de- senvolvimento da medicina, características marcantes da sociedade desenvolvida, de- terminaram, em curto prazo, profundas modificações no padrão de doença. Nesse período, as doenças infecciosas e parasitá- rias que antes ocupavam lugar de desta- que como causas de mortalidade e de mor- bidade, foram progressivamente substituí- das e, hoje, nas nações industrializadas verifica-se que dois terços ou um pouco mais de todos os óbitos são devido a três grupos de causas — as doenças cardio- vasculares, os tumores malignos e os aci- dentes 17 . Os acidentes no decorrer do século vinte passaram a ter considerável impor- tância, não só como causa de óbitos e de incapacidade física permanente ou não, mas também pelas graves conseqüên- cias econômicas que este grupo de causas determinam.

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ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS DOS ACIDENTES FATAIS AVEÍCULO A MOTOR NA CIDADE DO SALVADOR (BAHIA), BRASIL

Celso Pugliese *Fernando Carvalho *Dulce Bião*Celia Guimarães Neto Dias **

RSPU-B/267

PUGLIESE, C. et al. — Aspectos epidemiológicos dos acidentes fatais a veículoa motor na cidade do Salvador (Bahia), Brasil. Rev. Saúde públ., S. Paulo,9:271-83, 1975.

RESUMO: Foi realizado um estudo com o objetivo de descrever certos as-pectos epidemiológicos dos acidentes de trânsito de veículo a motor, na cidadedo Salvador, Bahia, Brasil, o qual envolveu coleta de informações no Departa-mento de Trânsito (DETRAN) e no Instituto de Medicina Legal. Ficou de-monstrado que os acidentes de trânsito de veículo a motor são mais freqüentesao fim da tarde e concentram-se, sobretudo, no fim de semana, isto é, sábadoe domingo. Motoristas do sexo masculino foram muito mais freqüentementeenvolvidos em acidentes de trânsito do que os do sexo feminino. Foi concluídoque os acidentes fatais envolvendo pedestres constituem-se importante problemaurbano necessitando cuidadosa atenção por parte de educadores e dos ser-viços públicos responsáveis pelo setor do trânsito. Foi sugerida a necessidadede melhorar e tornar mais uniforme o sistema de notificação e classificação dosacidentes de veículo a motor pelo DETRAN da cidade do Salvador.

UNITERMOS: Acidentes de trânsito. Epidemiologia. Mortalidade, Bahia(Brasil).

* Do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da UFBA — ParqueUniversitário, Canela, Salvador, BA — Brasil.

** Do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática da UFBA — Parque Universi-tário, Canela, Salvador, BA — Brasil.

I N T R O D U Ç Ã O

O progresso científico e tecnológico, astransformações sócio-econômicas e o de-senvolvimento da medicina, característicasmarcantes da sociedade desenvolvida, de-terminaram, em curto prazo, profundasmodificações no padrão de doença. Nesseperíodo, as doenças infecciosas e parasitá-rias que antes ocupavam lugar de desta-que como causas de mortalidade e de mor-bidade, foram progressivamente substituí-das e, hoje, nas nações industrializadasverifica-se que dois terços ou um pouco

mais de todos os óbitos são devido a trêsgrupos de causas — as doenças cardio-vasculares, os tumores malignos e os aci-dentes 17.

Os acidentes no decorrer do séculovinte passaram a ter considerável impor-tância, não só como causa de óbitos ede incapacidade física permanente ounão, mas também pelas graves conseqüên-cias econômicas que este grupo de causasdeterminam.

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Volkov17 em recente conferência fezmenção que as perdas econômicas causa-das por acidentes foram, para os EUAem 1969 (115.000 óbitos e 10.800.000acidentes), da ordem de 22.700 (milhões)de dólares. Acrescentou, também, que nomesmo período as perdas econômicas fo-ram, para a República Federal da Ale-manha (5 milhões de acidentes), de vintemilhões de marcos ou quase um quartodo orçamento da República. Em recenteestudo, coordenado pela Pan-AmericanHealth Organization (PAHO) sobre ospadrões de mortalidade urbana, Puffer eGriffi th1 5 observaram que 21% (15,2%do sexo masculino e 5,8% do sexo femi-nino) de todos os óbitos, para o grupoetário de 15 a 74 anos, foram devido acausas externas. Por sua vez. Volkov 17

reportando-se a uma análise da mortali-dade por acidentes, assinala que as taxasmais elevadas, por cem mil habitantes,foram registradas na França (quase 75),na República Federal Alemã (quase 64)e nos EUA (em torno de 60).

Entre os acidentes, aqueles causadospor veículo a motor estão assumindo gran-de interesse nos dias atuais. Nos EUA,por exemplo, dos 93.800 óbitos acidentaisocorridos em 1960, 38.137 (40,6%) fo-ram devido a acidentes por veículo a mo-tor 16. Volkov 17 relata, para anos recen-tes, taxas por cem mil habitantes, de pes-soas acidentadas por veículo a motor, de550, 350, acima de 330, 300 e acima de300, respectivamente, para a Dinamarca,Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. Noestudo sobre os padrões de mortalidadeurbana na parte referente a acidentes detrânsito de veículo a motor, Puffer eGriffith 15 encontraram taxas anuais demortalidade por cem mil habitantes, ajus-tadas para a idade e por sexo bastantevariáveis. Valores extremos foram obser-vados na cidade da Guatemala (53,0)e em São Paulo 7 (18,6) para pessoas dosexo masculino. Por seu turno, para pes-soas do sexo feminino as taxas extremasde mortalidade foram observadas em SãoFrancisco da Califórnia 11, 9 e em Ribeirão

Preto 1, 7. Laurenti e col. 8 analisando33.974 acidentes de veículo a motor nacidade de São Paulo, encontraram percen-tuais de vítimas e de óbitos correspon-dentes a 62,50 e 5,13. Dados fornecidospelo Departamento de Trânsito (DETRAN)da cidade do Salvador 3 indicam que parao ano de 1972 ocorreram 3.519 acidentespara 4.913 vítimas com 387 óbitos(11,0%).

Apesar da maioria dos noticiários bra-sileiros 2, 9 clamarem em suas edições aelevada perda diária de vidas humanasem decorrência a acidentes de trânsito,a investigação desse problema não temdespertado muito interesse no âmbito daUniversidade brasileira. Mesmo assim,merecem destaque os estudos epidemioló-gicos conduzidos por Favero 5 e por Lau-renti e col. 8. O primeiro estudou a epi-demiologia dos acidentes de trânsito emRibeirão Preto e assinalou "que os aci-dentes de trânsito pelo número de pessoaslesadas e de óbitos que provocam, cons-tituem sério problema de saúde". Lau-renti e col. 8, por seu turno, analisando amortalidade por acidentes de trânsito deveículo a motor na cidade de São Paulo,em 1970, indicaram uma elevada morta-lidade, mesmo fazendo-se correção pararesidentes.

O presente trabalho tem como objetivoanalisar certos aspectos epidemiológicosdos acidentes de trânsito de veículo a mo-tor na cidade do Salvador.

M E T O D O L O G I A

O estudo teve início em janeiro de 1972e prolongou-se até os primeiros meses de1973. As informações relativas aos aci-dentes fatais ocorridos em 1972 foram ob-tidas simultaneamente na Delegacia deAcidentes de Veículos (DAV) e no Ins-tituto Médico Legal Nina Rodrigues( I M L N R ) .

Semanalmente era consultado o Livrode Ocorrências da DAV e todas as infor-mações sobre acidentes fatais comunicadosàquele órgão, no período, eram transfe-

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ridas para um questionário. Infelizmen-te, essas informações não eram suficiente-mente detalhadas, pelo que, se passou àconsulta dos processos de acidentes fataisinstaurados pela DAV. Esses processoscontinham dados descritivos do acidente,tais como: hora, local, tipo do acidente(colisão, atropelo, etc.), a marca, o mo-delo e o número de veículos envolvidosno acidente. Essas informações foramconsideradas referência básica para iden-tificação do morto.

Nos arquivos do IMLNR consultava-se,semanalmente, as guias para exame domorto e transferia-se para um outro ques-tionário determinados dados como idade,sexo, estado civil, ocupação, data do óbitoe os diagnósticos de necrópsia. As ca-racterísticas do indivíduo morto nem sem-pre eram descritas convenientemente e emmuitas oportunidades, termos como fun-cionário, trabalhador, ajudante, etc., apa-reciam na guia definindo ocupação. Emoutras oportunidades, as descrições dosdados de necrópsia eram bastante resu-midas, assim sendo as especificações quan-to às causas de morte e de tipos de trau-matismo que levaram ao óbito, eram mui-to falhas.

Em dezembro de 1972, foram efetuadasas últimas visitas de rotina ao IMLNRpara completar o levantamento.

Apesar desses esforços, restaram algunscasos em que não foram localizadas asvítimas de determinados acidentes, em-bora existissem processos no DAVdescrevendo essas ocorrências. Nessas cir-cunstâncias, os dados referentes às vítimasforam incluídos na categoria ignorado.Finalmente, em outras oportunidades, dis-púnhamos de todas as informações dasvítimas, contudo no DAV não constavaqualquer tipo de informação associandoesta vítima a um determinado acidentede veículo. Nesse caso, julgamos ser con-veniente a não inclusão do caso no estudo,assumindo-se ter sido o óbito indevida-mente classificado como acidente de trân-sito de veículo a motor. Todos os óbitosincluídos no estudo foram classificados

segundo a Classificação Internacional deDoenças4 (1965).

Numa última tentativa se conseguiu acolaboração das autoridades do ForumRuy Barbosa, as quais permitiram a ve-rificação de todos os processos ali arqui-vados referentes ao ano de 1972. Nesseparticular, o livro de tombo da Vara deAcidentes foi de grande utilidade, poispropiciou-nos aprimorar os dados sobreos acidentes fatais.

O Relatório do DETRAN3 , correspon-dente ao ano de 1973, onde constavam in-formações sobre acidentes de trânsito deveículo a motor, fatais e não fatais, e quepossibilitaram avaliar melhor a problemá-tica dos acidentes fatais na cidade do Sal-vador.

Acidentes de trânsito de veículo a motor1972-2973

Em 1972 foram registradas, peloDETRAN do município do Salvador, 3.597ocorrências das quais 275 representaramacidentes fatais. Estes acidentes envolve-ram 297 motoristas e 334 veículos e cau-saram a morte de 302 pessoas, dando umarelação vítimas/veículos envolvidos da or-dem de 1.1 para 1. O atropelo (67,3%)e choque entre veículos (14,2%) aparece-ram como os tipos mais comuns de aci-dentes fatais (Tabela 1).

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A Figura 1 mostra-nos que sábado é odia onde se registra maior número de aci-dentes (21,8%), vindo logo em seguidao dia de domingo (20,7%). Vale des-tacar, ainda, que 56,3% de todos os aci-dentes fatais de trânsito ocorreram entresexta-feira e domingo.

Na Figura 2, verifica-se que no mêsde agosto se registrou o maior percentual

de acidentes fatais (12,4%), apesar deterem sido observados percentuais altos,também paar os meses de janeiro (12,0%),março (9,5%) e abril (9,8%).

Tivemos oportunidade de analisar emrelação ao tempo todos os acidentes fataise não fatais ocorridos na cidade do Sal-vador em 1973. Assim sendo, quandoesses acidentes foram distribuídos atra-vés das horas do dia, observou-se que nasprimeiras horas da manhã o número deacidentes é mínimo. A partir das oitoda manhã começa progressivamente a au-mentar, para atingir um máximo entre17 hs e 18 hs, para então novamente decli-nar (Figura 3). Por sua vez, a distribui-ção desses acidentes pelos dias da semananão difere muito da descrita para 1972(Figura 4). Por fim, a distribuição men-sal de todos os acidentes de trânsito mos-tra-nos maior concentração nos meses dejaneiro, março e dezembro (Figura 5).

Características dos motoristas envolvidosem acidentes de trânsito de veículo a motor1972

A idade e o sexo dos motoristas queestiveram envolvidos diretamente nos aci-

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dentes aparecem na Tabela 2. Dos 297motoristas, 19,3% tinham idade entre 15e 24 anos; 34,7% pertenciam ao grupoetário de 25-34 anos e 18,8% tinham ida-de entre 35 e 44 anos. Houve, na pre-sente amostra, uma predominância dosexo masculino sobre o feminino com umarelação de 38,3 homens para uma mulher.

Na presente amostra observa-se que50,2% dos motoristas eram profissionais,os motoristas amadores contribuiram com21,7% e os não habilitados, isto é, pes-soas não autorizadas a dirigirem no trân-sito veículos a motor, contribuiram com6,7% (Tabela 3).

Na Tabela 4 observa-se que o atropeloe o choque entre veículos constituíram ostipos mais comuns de acidentes de trânsito,independente do tipo de habilitação domotorista. Vale ressaltar, todavia, que osmotoristas amadores (66,7% e 23,8%)sobrepujaram aos profissionais (61,1% e21,4%) e aos não habilitados (60,0% e20,0%).

Na Tabela 5 observa-se que quase trêsquartos das mortes por acidente de trân-sito ocorreram entre pessoas do sexo mas-culino. Apesar dos acidentes fatais teremsido assinalados em todos os segmentos dapopulação, eles foram especialmente im-portantes na faixa etária de 15 a 34 anos.Para este grupo etário encontrou-se 38,0%dos óbitos.

O atropelo (Tabela 6) constituiu-se,para todas as faixas etárias consideradasno presente estudo, o tipo mais comumde acidente de trânsito de veículo a motor(63,6%). Convém destacar na mesmaTabela que os percentuais de mortes poratropelo foram mais elevados para as fai-xas etárias extremas, isto é, 0 a 14 anos(91,1%) ; 55 a 64 anos (81,8%) e maisde 65 anos (89,3%). A colisão entreveículos foi responsável por 17,3% de to-das as mortes por acidentes de trânsito,sendo que os percentuais mais elevadosforam registrados entre as pessoas comidade entre 20-24 anos (21,9%), 25 a 29anos (32,2%) e 30-45 anos (26,9%).

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no. Convém assinalar, ainda, com res-peito a esta Tabela, que o capotamento,um tipo bem particular de acidente, ocor-reu exclusivamente entre pessoas do sexomasculino.

O intervalo de tempo decorrido entreo acidente e o óbito pode ser observadona Tabela 8. Convém esclarecer que osóbitos ocorridos no local dos acidentese/ou durante o transporte para o hospitalou serviço de urgência foram incluídosno intervalo de um dia. Assim sendo,verifica-se que 66,9% de todos os óbitosocorreram dentro deste intervalo, 11,9%entre 4 e 30 dias e 1,0% entre 31 e 180dias após o acidente.

A Tabela 9 mostra que 39,7% e 33,1%dos óbitos por acidentes de trânsito foramconseqüentes a traumatismos cranianos(N850-N854) e a fraturas (N800-N829).Por sua vez, 57 óbitos (18,9%) foramdevidos a traumatismos internos do tórax,abdome e bacia (N860-N869).

Na Tabela 7 observa-se que o atropelorepresentou o tipo mais comum de aci-dente fatal por veículo a motor para aspessoas do sexo feminino. Quanto aos de-mais tipos de acidentes fatais, os percen-tuais observados foram sempre mais ele-vados para os indivíduos do sexo masculi-

Tendência da mortalidade por acidentesde trânsito de veículo a motor1959-1972

A Tabela 10 mostra as taxas da mor-talidade por cem mil habitantes dos aci-

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dentes de trânsito de veículo a motor nacidade do Salvador. Observa-se que Sal-vador passou a experimentar, em anos re-centes, um rápido aumento das taxas demortalidade. O ajustamento da reta eestes dados refletem o mesmo fenômeno,isto é, os acidentes de trânsito estão emprogressiva ascenção em Salvador.

D I S C U S S Ã O

Adriasola e col.1 destacam a necessi-dade de se estabelecer um sistema unifor-

me de classificação e notificação de aci-dente de trânsito de veículo a motor, oqual possibilite a globalização dos dadosem caráter nacional. A utilização, pelosautores, de diferentes fontes de dados epi-demiológicos é uma demonstração de quea notificação e a classificação dos aciden-tes de trânsito se faz de modo incompletopelos agentes do DETRAN. Assim sen-do, tornou-se essencial a manipulação dosprocessos. Essa etapa, sempre envolveuuma grande parcela de paciência e labor,pois, para que tivéssemos acesso a umdeterminado processo, tínhamos que espe-rar um mínimo de três meses e, em algu-mas circunstâncias, somente após o tom-bamento do processo era possível comple-tar uma ficha epidemiológica de um aci-dente de trânsito.

Por sua vez, os laudos de autópsiaeram, também, incompletos por vezes fal-tando informações básicas como a idadee a ocupação do indivíduo. Além disso,alguns patologistas levavam quatro a cincomeses até que apresentassem uma descri-ção completa da necrópsia. Este últimoaspecto assume maior complexidade, pois,o preenchimento do atestado de óbito nemsempre era feito com clareza, predominan-do, por exemplo, informações como trau-matismo crânio-encefálico ou politrauma-tismo com fraturas expostas. Por conse-

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guinte, tinha-se que aguardar a descriçãodos dados de autópsia para, então, com-pletar o preenchimento da ficha corres-pondente do indivíduo fatalmente envolvi-do em um determinado acidente.

Do exposto, conclui-se que necessitamos,urgentemente, aprimorar o sistema de co-leta de informações sobre acidentes detrânsito e, também, educar, nos diferentesníveis de responsabilidade, os agentes res-ponsáveis pela notificação e descrição des-ses eventos.

Ficou evidenciado o elevado envolvi-mento de motoristas jovens em acidentesde trânsito (Tabela 2) , concordando, pois,com o que tem sido descrito na literaturaespecífica 13.

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Indivíduos do sexo masculino apresen-taram maiores percentuais de acidentesque pessoas do sexo feminino (Tabela 2).Parece ser muito difícil explicar o porquedessa diferença. McFarland11 diz que,tomando por base o número de motoristassem considerar o quanto eles dirigem —exposição ao risco de acidentes — os dosexo feminino são menos freqüentementeenvolvidos em acidentes. Todavia, caso ofator exposição seja considerado e se mo-toristas jovens do sexo masculino dirigemtrês vezes mais que os motoristas da mes-ma idade do sexo oposto, os primeirosestarão três vezes mais expostos à possi-bilidade de acidentes. Nestas circunstân-cias, portanto, a diferença de risco entreos dois sexos é mínima ou não existe.

Infelizmente, não nos foi possível iden-tificar algumas variáveis específicas, decaráter temporário, relacionadas ao indi-víduo e que poderiam influenciar a segu-rança da corrida nas rodovias, tais como:a fadiga, os efeitos do álcool, o papel de

certas doenças, o uso de drogas e medica-mentos. Várias estatísticas têm mostradoa influência dessas variáveis em elevar osriscos de acidentes de trânsito de veículosa motor 7, 12, 14. Com relação a essas in-formações, os laudos processuais examina-dos mostravam-se bem incompletos. Se-ria, portanto, de alta conveniência que oDETRAN da cidade do Salvador procuras-se estabelecer os equipamentos necessários,os quais possibilitariam uma melhor aná-lise da influência desses fatores humanosna segurança do trânsito de veículo a mo-tor, nas rodovias da cidade do Salvador.

O grupo ocupacional constituído portécnicos, foi o mais envolvido em acidentede trânsito, inclusive fatais. Esse grupoestá, sobretudo, representado por motoris-tas profissionais, ou seja, motoristas detáxi. Pela própria característica, estegrupo está em contínuo risco de ser en-volvido em acidentes de trânsito. Assim,o motorista de táxi dirige mais durantetodo o dia, compete com outros motoris-tas e, um fato mais agravante, o sistemacontratual efetuado com os proprietáriosdesses táxis, obriga-o a ultrapassar certoslimites do bem-estar físico, para obteruma determinada féria per diem.

No estudo, observou-se que 192 pedes-tres (63,6%) foram fatalmente envolvidosem acidentes de trânsito em 1972. Issorepresenta, ao nosso ver, um grave proble-ma urbano. A insegurança do pedestrenas áreas urbanas decorre de vários fa-tores, tais como: a falta de educação dopróprio pedestre, no que se refere às nor-mas do trânsito, aos problemas de urba-nização das principais vias de acesso dacidade do Salvador; a inexistência deáreas adequadas de estacionamento. Evi-dentemente, a solução desses problemasenvolve a educação de crianças e adultospara os problemas do trânsito, como tam-bém, uma efetiva atuação dos órgãos pú-blicos em melhorar as condições das ro-dovias e desenvolver medidas mais eficien-tes de fiscalização e controle.

Não nos foi possível derivar outros ti-pos de medidas comumente empregadas

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no estudo da mortalidade por acidentesde trânsito de veículo a motor 13. Os da-dos que aparecem na Tabela 10, por con-seguinte, não podem ser usados para me-dir o risco relativo de um motorista de umveículo. Para tanto, teríamos que consi-derar, entre outros fatores, o número dequilômetros dirigidos pelo motorista, oobjetivo da corrida, as condições do veí-culo usado e as condições da estrada, in-formações estas nunca registradas nasnotificações nem nos laudos periciais dosacidentes de trânsito examinados.

Finalmente, gostaríamos de concluir queo acidente de trânsito de veículo a motordeveria ser tratado como uma doença e,como sugere Frey 6, incluído no currículode todas escolas médicas, pois, representa,nos dias atuais um flagelo da sociedademoderna e uma causa importante de óbito.

C O N C L U S Õ E S

O estudo ora efetuado procurou analisardescritivamente o problema dos acidentesde trânsito de veículo a motor na cidadedo Salvador.

Ficou bem evidenciada a necessidadede se estabelecer um sistema uniforme denotificação e classificação criteriosa dosacidentes de trânsito ao nível do DETRAN,como, também, de tornar mais eficienteo Serviço Médico-Legal da cidade do Sal-vador.

A análise dos fatores humanos tempo-rários e ligados aos acidentes de trânsitonão foi possível ser realizada, pela ine-xistência dessas informações nas notifica-ções e/ou nos laudos processuais exami-nados.

Caracterizou-se, também, o elevado per-centual de óbitos entre pedestres para to-dos os grupos etários considerados, cons-tituindo-se, este fato, um grave problemaurbano, requerendo de um lado medidaseducativas de crianças e adultos e de ou-tro uma atuação mais efetiva dos órgãospúblicos na prevenção desses acidentes.

Finalmente, indicou-se a necessidade dese considerar o acidente de trânsito deveículo a motor uma grave doença da so-ciedade moderna e, como tal, deveria serincluída nos currículos de escolas médicasdo país.

RSPU-B/267

PUGLIESE, C. et al. — [Epidemiologic aspects of fatal motor vehicle trafficaccidents in the city of Salvador, Brazil]. Rev. Saúde públ., S. Paulo,9:271-83, 1975.

SUMMARY: A study was made aiming at the description of epidemiologicaspects of fatal motor vehicle accidents in the City of Salvador, Brazil. Thestudy involved the collecting of data in both the Traffic Department (DETRAN)and the Legal Medicine Institute. The study showed a time relationship, i.e.,the highest percentage of accidents due to motor vehicles was concentratedat noon and during weekends. Young male drivers were more frequently in-volved in accidents than females of the same age. The authors indicated thatpedestrian fatal accidents are essencially an urban problem needing a great dealof concern by educators and providers of public services. They also suggestedthe necessity of improving and of homogenizing the notification and classifica-tion system of motor vehicle accidents by the DETRAN in Salvador.

UNITERMS: Accidents, traffic. Epidemiology. Mortality, Bahia, Brazil.

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Recebido para publicação em 21-03-75Aprovado para publicação em 04-04-75