Assinatura de Jesus | Capitulo 1

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A ASSINATURA DE JESUS: “O chamado de Jesus é revolucionário. Se nós o puséssemos em prática, mudaríamos o mundo em questão de meses.” — Brennan Manning, em A assinatura de Jesus O chamado de Jesus está escrito nas páginas da sua vida? Brennan Manning, autor do clássico best-seller O evangelho maltrapilho, dedicou grande parte de sua vida a ajudar outras pessoas a sentirem a realidade do amor e da graça de Deus. Essa bondade e misericórdia provocam enorme gratidão, mas o cristão maduro sabe que há um próximo passo importante a ser dado: a obediência radical para viver o evangelho como Jesus viveu. Brennan escreve: “Qualquer espiritualidade centrada no ‘eu’, e não no ‘outro’, é uma espiritualidade falida”. Com coragem e paixão, características marcantes em sua vida, Brennan Manning desafia os leitores a correrem o risco de ter uma vida marcada por simplicidade, pureza de coração, oração incessante, serviço aos outros e alegria plena.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Manning, Brennan A assinatura de Jesus : o chamado a uma vida marcada por paixão santa e

fé inabalável / Brennan Manning ; [traduzido por Maria Emília de Oliveira]. — 1. ed. — São Paulo : Editora Vida, 2014.

Título original: The signature of Jesus : the call to a life marked by holy passion and relentless faith.

ISBN 978-85-383-0312-1

1. Jesus Cristo – Pessoa e missão 2. Vida cristã I. Título.

14-08964 CDD-248.4

1. Vida Cristã : Cristianismo 248.4

Índice para catálogo sistemático:

1. edição: out. 2014

© 1996, Brennan Manning© Guia de meditação pessoal, 2012, Brennan ManningOriginalmente publicado nos EUA com o título The Signature of JesusCopyright da edição brasileira © 2014, Editora VidaEdição publicada com permissão da Multnomah Books uma divisão da Random House, Inc. (Colorado Springs, Colorado, EUA)

Todos os direitos desta tradução em língua portuguesa reservados por Editora Vida.

Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Scripture quotations taken from Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, NVI ®.Copyright © 1993, 2000 by International Bible Society ®. Used by permission IBS-STL U.S. All rights reserved worldwide. Edição publicada por Editora Vida,salvo indicação em contrário.

Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.

Editora VidaRua Conde de Sarzedas, 246 – Liberdade

CEP 01512-070 – São Paulo, SPTel.: 0 xx 11 2618 7000Fax: 0 xx 11 2618 7030

www.editoravida.com.br

Editor responsável: Marcelo SmargiasseEditor assistente: Gisele Romão da Cruz Santiago

Tradução: Juliana KummelRevisão de tradução: Andrea Filatro

Revisão de provas: Sônia Freire Lula AlmeidaProjeto gráfico: Claudia Fatel Lino

Capa: Arte Peniel

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Sumário

Uma palavra de abertura ................................................................... 7

1. De Harã a Canaã ........................................................................ 15

2. A assinatura de Jesus ................................................................... 32

3. Poder e sabedoria ........................................................................ 47

4. Tolos por Cristo .......................................................................... 61

5. O discipulado hoje ...................................................................... 77

6. Espiritualidade pascal .................................................................. 99

7. Comemore a escuridão ...............................................................119

8. O amor de Jesus .........................................................................138

9. A disciplina do segredo ..............................................................157

10. A coragem de arriscar ...............................................................167

11. Agarrando-se a Deus ................................................................177

12. Lázaro riu! ...............................................................................195

Uma palavra de encerramento ........................................................203

Guia de meditação pessoal .............................................................209

Pós-escrito .....................................................................................239

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Para Hillery e Ed Moise,com gratidão

or Biloxi e Galv ton,N’awlins e Houston,

pelos peix vermelhos enegr idos e o manjar Cajun,mas acima de tudo

pela inatura do amor de voc na minha vida.

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Uma palavra de abertura

N este livro entreguei o meu coração e as minhas palavras para

ele ser o que é: rude e suave, áspero e compassivo, íntegro e

abalado, sincero e provocante, extraído dos recônditos da vida.

A palavra profética convoca incessantemente a igreja de volta

à pureza do evangelho e ao escândalo da cruz. Em suas nume-

rosas cartas, Paulo reforça que seguir Jesus é percorrer a estrada

principal até o Calvário. Espalhados ao longo da estrada, repou-

sam os esqueletos do nosso ego, os cadáveres das nossas fantasias

controladoras e os estilhaços da hipocrisia, da espiritualidade

autoindulgente e da falta de liberdade.

A maior carência da nossa época é por uma igreja que venha

a ser o que raramente tem sido: o Corpo de Cristo com a face vol-

tada para o mundo, amando os outros sem levar em conta religião

ou cultura, dedicando-se a uma vida de colaboração, oferecendo

esperança a um mundo aterrorizado e apresentando -se como al-

ternativa genuína à ordem atual das coisas. “A igreja digna desse

nome é um grupo de pessoas no qual o amor de Deus quebrou o

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feitiço dos demônios e dos falsos deuses que estão hoje produzin-do depressão no mundo”.1

Não quero a religião de extrema violência que prefere ter Clint Eastwood, não Jesus, como herói; nem busco uma religião especulativa que aprisiona o evangelho nos salões da erudição, muito menos uma religião barulhenta e acomodada que não pas-sa de apelo à emotividade. Anseio por entusiasmo, inteligência e compaixão em uma igreja sem luxos, que acene carinhosamente para que o mundo venha desfrutar a paz e a união que possuímos pela presença do Espírito Santo no nosso meio.

A assinatura de Jesus — a cruz — é a expressão suprema do amor de Deus pelo mundo. A igreja somente é a igreja do Cristo crucificado quando traz a marca de sua assinatura, quando olha para fora de suas paredes e percorre com ele o caminho da cruz. A igreja que se volta para dentro, com disputas e discussões em torno de ques-tões teológicas insignificantes, perde a identidade e a missão.

No alvorecer do século XXI, o que separa os cristãos compro-metidos dos não comprometidos é a profundidade e a qualidade do nosso amor por Jesus Cristo. Os cristãos superficiais constroem ce-leiros maiores na euforia do evangelho da prosperidade; a tendência é seguir a última moda e cantarolar baixinho seu caminho até o céu; os derrotados são perseguidos por fantasmas do passado.

A minoria vitoriosa, porém, não se deixa intimidar pelos pa-drões culturais da maioria que sempre caminha no mesmo ritmo, vivendo e comemorando como se Jesus estivesse próximo — pró-ximo no tempo e próximo no espaço —, testemunha das nossas motivações, do nosso discurso e do nosso comportamento. E, de fato, ele está muito próximo.

A fidelidade à Palavra nos levará ao caminho da mobilidade descendente (famosa expressão usada por Henry Nouwen) em um

1 KÄsemann, Ernst. Jesus Means Freedom. Philadelphia: Fortress Press. p. 77.

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mundo obcecado por ascensão. Não vamos nos encontrar no ca-minho do poder, mas no caminho da renúncia ao poder; não no caminho do sucesso, mas no caminho do serviço ao próximo; não no caminho largo do elogio e da popularidade, mas no cami-nho estreito da zombaria e da rejeição.

Ser cristão é ser semelhante a Cristo. De algum modo, devemos perder a vida a fim de encontrá-la. O cristianismo não prega apenas um Deus crucificado; prega também homens e mulheres crucifica-dos. “Quanto a mim, que eu jamais me glorie, a não ser na cruz do nosso Senhor Jesus Cristo, por meio da qual o mundo foi crucifica-do para mim, e eu para o mundo” (Gálatas 6.14). Não há discipulado sem a cruz. Não serei seguidor de Jesus se viver com ele somente em Belém e Nazaré, mas não no Getsêmani ou no Calvário.

Você foi chamado a uma vida de discipulado radical? À po-breza de Madre Teresa? À oração dos pais do deserto? Ao martírio de Dietrich Bonhoeffer? À vida celibatária de Jesus e de Paulo? A uma carreira profética? Ao ministério de tempo integral em fa-vor dos oprimidos e desprivilegiados? E eu, fui chamado?

Ao meditar nessas questões enquanto ler este livro, você precisará de muita sinceridade e discernimento. Nem todos são chamados, como o jovem rico, a abandonar tudo literalmente (v. Marcos 10.17-30).

Jesus nunca disse a Lázaro e a suas irmãs, Marta e

Maria, que eles deveriam abandonar tudo o que possuíam.

Não disse a Nicodemos ou a José de Arimateia que eles

estavam excluídos do Reino. O rico Zaqueu proclamou:

“Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos

pobres” (Lucas 19.8) — não tudo, apenas a metade. Ainda

assim, Jesus lhe disse: “Hoje houve salvação nesta casa!”

(v. 9). A reação de Zaqueu foi suficientemente satisfatória

para fazê-lo herdar o Reino. Isso reflete a resposta de João

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Batista às multidões: “Quem tem duas túnicas dê uma a

quem não tem nenhuma” (3.11).2

Há diversos graus de discipulado. Logo depois da minha con-versão, comecei a invejar secretamente a generosidade de espírito, a intensidade de oração e a presença de dons espirituais dos outros que faziam parte da igreja. Foi uma experiência inesquecível de libertação quando, um dia em oração, os meus olhos pousaram nas palavras de João Batista: “Uma pessoa só pode receber o que lhe é dado dos céus” (João 3.27).

Algumas pessoas foram tão traumatizadas pela vida que a simples sobrevivência, um dia de cada vez, passou a ser sua única preocupação. Outras foram tão enlameadas pelas circunstâncias, tão marcadas por deficiências físicas e emocionais, tão machuca-das e golpeadas pelos caprichos da vida que mal são capazes de olhar para além das próprias necessidades. Por exemplo, William Barry pensa no homem do qual Jesus expulsou uma legião de de-mônios e em sua reação após a cura:

Quando Jesus estava entrando no barco, o homem que

estivera endemoninhado suplicava-lhe que o deixasse ir com

ele. Jesus não o permitiu, mas disse: “Vá para casa, para a sua

família e anuncie-lhes quanto o Senhor fez por você e como

teve misericórdia de você” (Marcos 5.18,19, grifos nossos).

Aparentemente, o homem não considerou lamuriosamente

injusta essa “rejeição”. Ao contrário, “aquele homem se foi

e começou a anunciar em Decápolis quanto Jesus tinha feito

por ele. Todos ficavam maravilhados” (v. 20).3

2 bUrgHardt, Walter J. Still Proclaiming Your Wonders. Ramsey, NJ: Paulist

Press, 1984. p. 136.3 barry, William. Finding God in All Things. Notre Dame, IN: Ave Maria

Press, 1991. p. 97-98.

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Pelo jeito, aquele homem não fora chamado a um discipula-do radical. Ainda assim, ele foi chamado, assim como nós somos chamados, a ouvir com atenção a primeira palavra que Deus nos dirige. Essa palavra é o dom de nós para nós — a nossa existência, a nossa natureza, a nossa história pessoal, a nossa singularidade, a nossa identidade. Tudo o que possuímos e somos representa um modo único, jamais repetido, que Deus escolheu para expressar-se no tempo e no espaço. Cada um de nós, feito à imagem e seme-lhança de Deus, é mais uma promessa que Deus fez ao Universo de que continuará a amá-lo e a cuidar dele.

No entanto, mesmo quando a fé nos convence de que somos uma palavra de Deus, continuamos sem saber o que Deus está tentando dizer por meio de nós. Thomas Merton escreveu:

Deus me profere como uma palavra que contém um pensa-

mento parcial de sua divindade. A palavra nunca será capaz de

compreender a voz que a profere. No entanto, se eu for fiel ao

conceito que Deus profere em mim, se for fiel ao pensamento

que ele teve a intenção de incorporar em mim, estarei pleno de

sua realidade e o encontrarei em todo lugar em mim mesmo, e

a mim mesmo em lugar nenhum. Estarei perdido nele.4

Devemos aguardar, com resistência e perseverança, que Deus esclareça o que ele deseja dizer por meio da nossa vida. Essa es-pera requer paciência e atenção, bem como a coragem de permitir que fale por nosso intermédio. Essa coragem vem apenas pela fé em Deus, que não profere palavras falsas.

Uma das lições mais impressionantes da Bíblia é o livre uso que Deus faz de seres humanos frágeis para executar seu propósito. Nem

sempre ele escolhe o santo e o devoto, ou o emocionalmente estável.

4 Seeds of Contemplation. New York: Panthea Books, 1956. p. 62.

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O respeitável Liebermann, influente missionário do século XIX, era

um maníaco-depressivo que não conseguia atravessar uma ponte sem

o desejo compulsivo de saltar dela! “O Espírito Santo é portador de

dádivas, e às vezes essas dádivas são distribuídas em profusão em

lugares inesperados”.5 Deus concede sua graça profusamente, mas de

modo desigual. E não explica por que alguns são chamados a um

discipulado radical e outros não.

Somos todos maltrapilhos privilegiados, mas sem nenhum

merecimento, às portas da misericórdia de Deus; por isso, aqueles

que são chamados a um discipulado radical não têm motivo para

vangloriar-se: “Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura

para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fra-

queza para envergonhar o que é forte” (1Coríntios 1.27).

O dom do discipulado radical é pura graça a nós que não

temos nenhum direito a ela, porque não podemos controlar os

desejos mais profundos do nosso coração. Não fosse assim, sim-

plesmente escolheríamos esses desejos, e tudo estaria resolvido.

A coragem de viver como profeta e como alguém que ama está

além do alcance humano. Sem a graça de Deus, não podemos se-

quer desejar Deus. Sem a graça de Deus, não conseguimos viver de

acordo com as palavras de Cristo. Toda a nossa boa vontade e deter-

minação implacável não bastam para manter-nos equilibrado. Em

todas as reuniões dos Alcoólicos Anônimos do país está pendurado

um cartaz com os dizeres: “Prossigo apenas pela graça de Deus”.

Esse tema é extraordinariamente ilustrado no romance Franny and Zooey, de J. D. Salinger. Bessie insiste para que o filho Zooey

procure ajuda profissional para sua irmã, Franny. Zooey pensa

cuidadosamente no assunto e finalmente diz:

5 Jones, Alan. Exploring Spiritual Direction. New York: Winston-Seabury

Press, 1982. p. 73-74.

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O psicanalista que poderia fazer algum bem a Franny te-

ria de ser um tipo bastante peculiar. Não sei... Em primeiro

lugar, teria de acreditar que somente pela graça de Deus ele

foi inspirado a estudar psicanálise. Teria de acreditar que so-

mente pela graça de Deus ele não foi atropelado por um...

caminhão antes mesmo de obter sua carta de motorista. Teria

de acreditar que somente pela graça de Deus ele tem inteli-

gência inata para ajudar, de alguma forma, seus... pacientes.

Não conheço nenhum bom psicanalista que pense assim.

Mas seria o único que poderia fazer algum bem a Franny.6

Jesus anseia ver em seus discípulos radicais o que ele viu nas

criancinhas: um espírito de receptividade pura e simples, depen-

dência completa e confiança radical no poder, na misericórdia e

na graça de Deus mediante o Espírito de Cristo. Ele declarou:

“Sem mim vocês não podem fazer coisa alguma” (João 15.5).

Da mesma forma que em meu livro O evangelho maltrapilho7

abordei o tema da graça radical, este livro aborda o tema do dis-

cipulado radical. Seja qual for a medida de graça que tenhamos

recebido, seja qual for o grau de discipulado para o qual fomos cha-

mados, todo cristão está debaixo da cruz de Jesus Cristo, em quem

encontramos salvação.

Por mais oculto e singelo que seja o seu testemunho, oro

pedindo que você seja suficientemente ousado para ser diferente,

suficientemente humilde para cometer erros, suficientemente co-

rajoso para ser queimado no fogo e suficientemente verdadeiro

para ajudar os outros a entender que prosa não é poesia, que

6 New York: Bantam Books, 1964. p. 109. Apud: barry, William. Finding God

in All Things. Notre Dame, IN: Ave Maria Press, 1991. p. 98.7 São Paulo: Mundo Cristão, 2005. [N. do T.]

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De Harã a Canaã

De Harã a Canaã

De Harã a CanaãDe Harã a Canaã

discurso não é canção, e que coisas tangíveis, visíveis e perecíveis

não são adequadas para receber a assinatura com a marca do

sangue do Cordeiro.

Então o senHor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do

meio dos seus parentes e da casa de seu pai, e vá para a

terra que eu lhe mostrarei.

Farei de você um grande povo,

e o abençoarei.

Tornarei famoso o seu nome,

e você será uma bênção.

Abençoarei os que o abençoarem

e amaldiçoarei os que o amaldiçoarem;

e por meio de você

todos os povos da terra serão abençoados”.

Partiu Abrão, como lhe ordenara o senHor, e Ló foi com

ele. Abrão tinha setenta e cinco anos quando saiu de Harã.

Levou sua mulher Sarai, seu sobrinho Ló, todos os bens que

haviam acumulado e os seus servos, comprados em Harã;

partiram para a terra de Canaã e lá chegaram. Abrão atra-

vessou a terra até o lugar do carvalho de Moré, em Siquém.

Naquela época os cananeus habitavam essa terra.

O senHor apareceu a Abrão e disse: “À sua descendên-

cia darei esta terra”. Abrão construiu ali um altar dedicado

ao senHor, que lhe havia aparecido (Gênesis 12.1-7).

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De Harã a CanaãDe Harã a Canaã

De Harã a CanaãDe Harã a Canaã

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De Harã a CanaãDe Harã a Canaã

De Harã a Canaã

1De Harã a Canaã

Ao sair de Harã — “da sua terra, do meio dos seus parentes e da

casa de seu pai” —, Abrão iniciou uma jornada que nunca fize-

ra antes, rumo a uma terra que jamais vira. Ele partiu não porque era

capaz de prever o papel que desempenharia na história da salvação,

mas simplesmente por causa de sua experiência pessoal, a experiên-

cia espiritual de Deus falando com ele. Não havia nenhum programa

que ele pudesse seguir; nenhuma experiência semelhante na histó-

ria que apoiasse sua decisão; nenhum modelo pelo qual pudesse ob-

ter uma identidade psicológica. A experiência espiritual se tornou

uma intimação: Deus está no comando. E o futuro pertence a Deus.

No tempo certo, Deus lhe mostraria a terra.

Deus faria dele o pai de uma nação.

Somente Deus transformaria a vida dele em bênção para to-

dos os filhos infelizes e desorientados deste mundo.

A questão mais decisiva para Abrão naquele momento não

era saber como seriam os vinte anos seguintes, mas a qualidade

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de experiência religiosa, a influência presente de Deus. Isso mexe

com o âmago da fé: crer em um Deus pessoal que nos chama e nos

conduz. Abrão obedeceu ao chamado. Por enquanto, o chamado

era suficiente. Se ele tivesse exigido mais detalhes e elementos prá-

ticos do plano em jogo, teria demonstrado a antítese da fé, porque

a fé nunca se baseia em garantias humanas.

No Novo Testamento, Zacarias, que buscava certezas, insistiu

em receber uma garantia divina antes de render-se à palavra de

Deus (v. Lucas 1.18). Isso não é fé.

A jornada do homem que passaria a ser conhecido como

Abraão é um paradigma da fé autêntica. Ele se moveu em direção

à obscuridade, ao indefinido, à ambiguidade, e não em direção a

um plano predeterminado e claramente delineado para o futuro.

Cada determinação futura, cada passo seguinte revelava apenas

um discernimento da influência de Deus no momento presente.

“Pela fé Abraão, quando chamado, obedeceu e dirigiu-se a um

lugar que mais tarde receberia como herança, embora não soubesse para onde estava indo” (Hebreus 11.8, grifos nossos). A realidade

da vida para homens e mulheres cristãos exige que saiam de onde

estão enraizados, daquilo que é óbvio e seguro, e entrem no de-

serto sem explicações racionais que justifiquem suas decisões ou

deem garantias para o futuro. Por quê? Porque Deus sinaliza esse

movimento e oferece sua promessa. Só isso.

Convém considerar que, antes de seu encontro com o Deus

único e verdadeiro, Abraão tinha muitas crenças religiosas, como

tinham todos os de sua tribo e da região de Harã. (Até um ateu

tem suas convicções, porque o próprio fato de não acreditar em

Deus é, em si, uma crença religiosa.1) O que aconteceu a Abraão

1 breemen, Peter Van. Called by Name. Denville, NJ: Dimension Books, 1976.

p. 8.

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é que Deus o convocou para livrá-lo dessas crenças religiosas e lhe

concedeu fé — um passo gigantesco.

Para os cristãos de hoje, há uma diferença essencial entre

crença e fé. As nossas crenças religiosas são a expressão visível

da nossa fé e do nosso compromisso individual com a pessoa de

Jesus. No entanto, se as crenças cristãs herdadas da nossa família

e transmitidas a nós pela tradição da igreja local não estiverem

fundamentadas em uma experiência radical e transformadora de

Jesus como o Cristo, então o abismo entre as nossas afirmações

de credo e a nossa experiência de fé aumentará, e o nosso tes-

temunho não terá nenhum valor. O evangelho não convencerá

ninguém, a não ser que convença a nós mesmos de que somos

transformados por ele.

Depois de dois mil anos de história da Igreja, por que só um

terço da população mundial aceitou a Cristo? Por que a persona-

lidade de muitos cristãos piedosos é tão opaca? Por que Friedrich

Nietzsche repreende os cristãos por “aparentarem não estar sal-

vos”? Por que raramente ouvimos aquilo que o antigo advogado

disse a respeito de John Vianney: “Hoje me aconteceu algo ex-

traordinário. Vi Cristo em um homem”? Por que a nossa alegria,

o nosso entusiasmo e a nossa gratidão não contagiam os outros

com o anseio por Cristo? Por que o fogo e o espírito de Pedro e

Paulo estão tão claramente ausentes na nossa pálida existência?

Talvez porque poucos de nós tenhamos empreendido a jor-

nada de fé para atravessar o abismo entre o conhecimento e

a experiência. Preferimos ver o mapa a visitar o lugar. O fan-

tasma da realidade da nossa falta de fé convence-nos de que a

experiência não é real; real é a explicação que damos à expe-

riência. As nossas crenças — que William Blake chamou de

“algemas forjadas na mente” — distanciam-nos do domínio da

nossa experiência pessoal.

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Daniel Taylor escreve:

A mentalidade secular faz o jogo da dúvida quase

exclusivamente e, em geral, zomba de quem não a segue.

Ironicamente, no entanto, a Igreja também faz esse jogo

em alguma medida. O mistério do evangelho, o parado-

xo da encarnação e o maravilhoso enigma da graça per-

manecem congelados em um sistema altamente racio-

nalizado e/ou autoritário de teologias, códigos, regras,

prescrições, ordens de serviço e formas de governar a

Igreja. Tudo é anotado, tudo é organizado, a fim de que

tudo possa estar definido e os transgressores possam ser

detectados.2

O movimento de Harã a Canaã é a jornada em meio ao abismo.

Temos de passar definitivamente das crenças para a fé. Sim, somos

chamados a crer em Jesus. Mas a nossa crença nos convida a algo

maior: a ter fé nele. A fé é o que nos forçará a buscar a mente de

Cristo, a adotar uma vida de oração, abnegação, bondade e envol-

vimento para edificar o Reino de Deus, não o nosso.

Quando chamou Abraão para abandonar a segurança

do mundo em que ele habitava, Deus lhe pediu também que

abandonasse as crenças religiosas politeístas. Todos os conceitos

anteriores que Abraão tinha de Deus desapareceram. O mesmo

processo é necessário para nós. Quando encontramos o Deus re-

velado por, e em, Jesus Cristo, precisamos rever todas as nossas

ideias anteriores acerca de Deus. Jesus, o revelador da divindade, de-

fine Deus como amor. Com base nessa revelação, precisamos aban-

donar a estrutura corrosiva e corroída pelos vermes do legalismo,

2 taylor, Daniel. The Myth of Certainty. Waco, TX: Jarrell, 1986. p. 134.

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de Harã a Canaã

moralismo e perfeccionismo que corrompe a boa-nova, transfor-

mando-a em um código ético, em vez de um caso de amor.

Jesus lancetou o tumor da crença religiosa que perdera sua

alma e nem sequer a conhecia. Os fariseus haviam distorcido a

imagem de Deus em um distante guarda-livros que está sempre

à procura de pecadores (e um dia nos desmascarará se as nossas

contas não estiverem em ordem). Os fariseus estavam tão ocupa-

dos refinando e aperfeiçoando as fórmulas religiosas e eram tão

dedicados a estudar aquilo em que acreditavam, que se esquece-

ram do verdadeiro significado de suas crenças. Haviam acreditado

por muito tempo, mas sua fé se entorpecera. Aguardaram o Mes-

sias por tanto tempo, que suas expectativas enfraqueceram.

E, ainda assim, apesar de Jesus ter condenado a religião fari-

saica, o espírito do legalismo, “tal como a semente mais desprezí-

vel germinada no Jardim, havia florescido na treliça dos séculos”.3

Muitos cristãos continuam temerosos, porque ainda se apegam a

uma ideia de Deus muito diferente daquela pregada por Jesus.

Continuam em Harã, mantendo intacto seu velho sistema de

crenças. Acreditam que podem salvar a si mesmos se permane-

cerem imóveis e sem respirar, ou se embarcarem em aventuras

heroicas de jejuns ou vigílias, na esperança de conseguir a apro-

vação de Deus à força.

Jesus declarou repetidas vezes que o medo é o inimigo da vida:

“Não tenha medo; tão somente creia” (Lucas 8.50).

“Não tenham medo, pequeno rebanho, pois foi do agrado

do Pai dar-lhes o Reino” (12.32).

“Coragem! Sou eu. Não tenham medo!” (Mateus 14.27).

3 Kennedy, Eugene. The Choice to Be Human: Jesus Alive in Matthew’s

Gospel. New York: Doubleday, 1988. p. 211-212.

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O medo produz uma cautela mortífera, um recuo, uma espe-

ra paralisante, até que a pessoa não consiga mais identificar o que

está esperando ou para que está se salvando. Quando tememos o

fracasso mais do que amamos a vida; quando somos dominados

por pensamentos a respeito do que poderíamos ter sido; quando so-

mos perseguidos pela disparidade entre o nosso “eu” ideal e o nosso

“eu” verdadeiro; quando somos atormentados pela culpa, pela ver-

gonha, pelo remorso e pela autocondenação, negamos a fé no Deus

de amor. Deus nos chama a sair do lugar, a abandonar o conforto

e a segurança do status quo, e a embarcar na arriscada liberdade da

viagem rumo à nova Canaã. Quando, porém, adiamos a viagem

por medo, isso representa não apenas uma decisão de permanecer

em Harã, mas também falta de confiança.

A minha fé hesitante me fez adiar o chamado de Deus para

me casar com Roslyn. Adiei a decisão por três anos (o que foi, em

si, uma decisão), na esperança de que Deus se cansasse de aguar-

dar a minha tomada de decisão e que a voz interior da verdade fos-

se acometida de laringite. Antes de deixar o conhecido ambiente

da vida franciscana, eu queria que Deus esboçasse as linhas exa-

tas, para que eu soubesse explicitamente para onde estava indo.

A fé autêntica esquiva-se, é claro, dessa certeza. Ela significa que

não temos nada a que nos apegar. Devemos sempre abandonar

alguma coisa e não olhar para trás (v. Lucas 9.62). Se recusarmos

a prosseguir e insistirmos em sinais e provas tangíveis, a nossa fé

diminuirá, e isso significa incredulidade. Ironicamente, ao longo

do processo inteiro, as minhas crenças religiosas permaneceram

firmes e inabaláveis.

O Deus de Abraão — o Deus e Pai de Jesus Cristo — não é

uma ameaça. A certeza de que ele deseja que vivamos, cresçamos,

desabrochemos e experimentemos a plenitude da vida é a premis-

sa básica da fé autêntica. No entanto, a minha relutância em fazer

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a oração de abandono criada por Charles de Foucauld — “Pai,

faz comigo o que quiseres” — revela que ainda estou preso ao

grilhão do ceticismo e do medo: Permitir que Deus tenha controle so-bre mim poderá prejudicar a minha saúde, a minha reputação e a minha segurança. Ele poderá tirar os meus suspensórios vermelhos, o meu relógio de marca, e me enviar à Tanzânia como missionário. Se ele me deixasse permanecer no templo da rotina, eu me entregaria inteiramente a ele.

A fé bíblica é uma atitude que se adquire gradualmente ao

longo de muitas crises e provações. Por meio da provação agoni-

zante com seu filho Isaque (v. Gênesis 22.1-19), Abraão aprendeu

que Deus deseja que vivamos e não morramos, que cresçamos e

não murchemos. Ele sabia que o Deus que o chamara à esperança

inabalável era digno de confiança. “Talvez seja esta a essência da

fé: estar convencido de que Deus é digno de confiança.”4

Louis Evely relatou a história de uma senhora idosa que lia a

Vida de Jesus, de Renan, e muitos outros “breviários do ceticismo”.

Ela declarou: “Simplesmente não consigo acreditar que Cristo seja

Deus. Se fosse, teria me dado uma prova, porque quero acreditar

nele sinceramente”. Ela não queria acreditar; queria conhecer, des-

cobrir algum fato que satisfizesse seu intelecto. Mas a fé verdadeira

não reside apenas no intelecto. A Verdade que é Cristo não é algo

puramente racional. Quando amamos alguém, mil argumentos não

constituem uma prova, nem mil objeções constituem uma dúvida.5

Se aprendi algo na neblina acumulada durante uma vida lon-

ga, é que a jornada de Harã a Canaã é uma jornada pessoal. Cada

um de nós tem a responsabilidade de responder individualmente ao

chamado de Cristo e de se comprometer com ele de modo pessoal.

4 breemen, Peter Van. Called by Name. Denville, NJ: Dimension Books, 1976.

p. 16.5 evely, Louis. That Man Is You. Ramsey/Toronto: Paulist Press, 1967. p. 114.

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Será que creio em Jesus ou nos pregadores, mestres e nuvens de

testemunhas que me falam dele? Será que o Cristo no qual eu creio

é realmente meu, ou é aquele dos teólogos, pastores, progenitores e

de Oswald Chambers? Ninguém — pais, amigos ou igreja — pode

nos absolver dessa decisão pessoal e fundamental a respeito da na-

tureza e da identidade do filho de Maria e José. A pergunta de Jesus

a Pedro — Quem vocês dizem que eu sou? — é dirigida a todo aquele

que deseja ser discípulo.

Vamos dedicar um tempo para refletir sobre a credibilidade

daquele que nos chama. Ele me pede que arrisque tudo, alegando

ser o caminho, a verdade e a vida. Ao contrário de Buda, Maomé e

outros fundadores das grandes religiões do mundo, Jesus me con-

vida não apenas a acreditar em seus ensinamentos, mas a deposi-

tar toda a minha fé nele. Quem é esse carpinteiro de Nazaré que

ousa exigir que eu me submeta a ele?

Não há nada impressionante na árvore genealógica desse ho-

mem. Na genealogia de Jesus — o filho de Davi, o filho de Abraão

—, Mateus inclui o nome de algumas mulheres de reputação du-

vidosa: Tamar, a nora de Judá, disfarça-se de prostituta a fim de

engravidar dele (v. Gênesis 38.12-30); Raabe é a famosa prostituta

de Jericó (v. Josué 2.1); e Bate-Seba é aquela que deu à luz um

filho depois de cometer adultério com o rei Davi, o qual, por não

conseguir negar que era o pai da criança, assassinou Urias, o ma-

rido da adúltera (v. 2Samuel 11).

Por certo, Deus não elege necessariamente aqueles que pos-

suem uma linhagem impecável para realizar sua obra neste mun-

do.6 Em seu livro Toxic Faith [Fé tóxica], Steve Arterburn e Jack

6 maCKey, James. Jesus: The Man and the Myth. New York/Ramsey: Paulist

Press, 1979. p. 274-275. Neste ponto, confiei totalmente na erudição cuidado-

sa de Mackey para o tratamento da genealogia de Jesus.

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Felton relacionam 21 crenças de fé tóxica. “Deus usa somente gi-

gantes espirituais” destaca-se na lista:

Muitos deixam de receber as bênçãos de ministrar aos

outros porque acreditam que Deus usa somente os perfei-

tos ou quase perfeitos. [...] Na minha vida, e também nas

Escrituras, tenho observado que o oposto é verdadeiro.

Deus quase sempre usa pessoas com grandes imperfeições

ou que passaram por grandes sofrimentos, para realizar

muitas tarefas importantes em seu Reino. [...] Ninguém é

imperfeito demais para ser usado por Deus.7

Sim, a genealogia de Jesus não inspira confiança messiânica.

E quanto a seu nascimento? Obscuro? Sim, totalmente obscuro.

Impressionantemente obscuro. As circunstâncias de sua concepção

são chocantes, para dizer o mínimo. (“Imagine você tentando con-

tar a alguém que o seu filho, que, como todos sabem, nasceu sete

meses depois do seu casamento, e que todos consideram ser uma

ameaça à lei e à ordem civis e eclesiásticas, foi concebido pelo

Espírito Santo!”)8

Trinta anos depois, esse galileu relativamente inculto vai ao

rio Jordão para ser batizado por João e receber o batismo de arre-

pendimento pelo perdão de pecados. Sua carreira deslancha. Ele

não se torna nem estadista nem economista, nem general nem

autor famoso, embora fosse certamente um contador de histórias

com veia poética. Enquanto ele caminhava a esmo pela região

onde nasceu, sua família decidiu que ele precisava ser colocado

7 Nashville, TN: Oliver Nelson Books, 1991. p. 72-73.8 maCKey, James. Jesus: The Man and the Myth. New York/Ramsey: Paulist

Press, 1979. p. 278.

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sob custódia preventiva (v. Marcos 3.21). Os líderes religiosos de

sua época desconfiaram de possessão demoníaca (v. Marcos 3.22)

e os espectadores o insultaram com palavrões. Finalmente, ele foi

executado como herege, blasfemador, falso profeta e instigador do

povo depois de ser submetido a um julgamento perante as mais

altas cortes do país.

É esse o Filho de Deus? É esse o homem que me chama para de-

dicar a vida inteira a ele? Que me diz que a vida não tem nenhum

significado sem ele?

Que a origem da nossa fé poderia ser encontrada em um ho-

mem de nascimento obscuro e, portanto, vulnerável a desconfian-

ça, e que morreu como um criminoso; que a substância da nossa

fé deveria consistir na convicção de que pessoas ilegítimas, peca-

doras e criminosas podem dizer “Aba” a Deus; que prostitutas

podem entrar no Reino de Deus antes dos religiosamente respeitá-

veis — que não se trata de uma visão de fé acessível à especulação

e ao bom senso!

A leitura da Bíblia não pode, em si, produzir um compromis-

so de fé cristã. Nem as crenças dos meus pais, professores ou da

igreja, nem o testemunho dos meus amigos, nem culto ou credo,

nem código ou instituição, nem livros como este ou mil sermões

de Billy Graham, Tony Compolo e Chuck Swindoll podem, sozi-

nhos, produzir o compromisso da fé cristã.

A possibilidade de alguém reconhecer na fragilidade humana de Jesus a plenitude do poder de Deus para salvar somente se concretiza após uma in-tervenção milagrosa de Deus. “Fé radical não é uma conquista, porque,

se fosse uma conquista, nós haveríamos de desejá-la e alcançá-la. Ao

contrário, é um dom, e cabe a nós reagir, observar e orar”.9 Paulo, ao

9 brUeggemann, Walter. The Prophetic Imagination. Philadelphia: Fortress

Press, 1978. p. 112.

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escrever aos coríntios, reconhece que o Espírito, outorgado por Jesus,

torna possível o ato mais básico da vida cristã: “Ninguém pode dizer:

‘Jesus é Senhor’, a não ser pelo Espírito Santo” (1Coríntios 12.3).

A fé que Jesus inspirou em seus discípulos causou um im-

pacto tão profundo que aqueles homens acharam impossível

acreditar que alguém pudesse ser igual a ele ou maior, nem mes-

mo Moisés ou Elias, nem mesmo Abraão. Seria inconcebível um

profeta, juiz ou Messias vir depois de Jesus. Não era necessário

aguardar ninguém mais. Jesus era tudo. Era tudo o que os judeus

esperaram e pelo qual oraram. Jesus cumprira, ou estava prestes

a cumprir, toda promessa e toda profecia. Se alguém iria julgar

o mundo no final, esse alguém seria ele. Se alguém iria ser apon-

tado como o Messias, Rei, Senhor, Filho de Deus, como poderia

ser outro senão Jesus?

Jesus foi considerado a reviravolta na história da hu-

manidade. Transcendeu tudo o que já havia sido dito ou

que tinha vindo. Foi, em todos os sentidos, a última e a

suprema palavra. Estava em condições de igualdade com

Deus. Sua palavra era a palavra de Deus. Seu Espírito era o

Espírito de Deus. Seus sentimentos eram os sentimentos de

Deus. O que ele representava era exatamente o que Deus

representava. Não era possível nenhuma avaliação mais

elevada.10

Essa foi a experiência dos seguidores de Jesus. A fé cristã con-

temporânea ressoa a avaliação da igreja primitiva. Em um senti-

do real, Jesus é a nossa fé. Conforme escrevi antes: “Não somos

10 nolan, Albert. Jesus Before Christianity. Maryknoll, NY: Orbis Books,

1978. p. 136. [Jesus antes do cristianismo. São Paulo: Paulinas, 1988.]

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agentes de viagem entregando folhetos de lugares que nunca vi-

sitamos”. Somos investigadores de fé em um país sem fronteiras,

um país que descobrimos, pouco a pouco, não ser um lugar, mas

uma pessoa. A nossa fé inclui as nossas crenças, mas também as

transcende, porque a realidade de Jesus Cristo não pode ser confi-

nada a formulações doutrinárias.

A pergunta daqui em diante não é mais Jesus é semelhante a Deus?, mas Deus é semelhante a Jesus? Esse é o significado tradicio-

nal da afirmação de que Jesus é a Palavra de Deus. “Não é Deus

que nos revela Jesus: É Jesus que nos revela Deus.”11 Não pode-

mos deduzir nada a respeito de Jesus a partir do que imaginamos

saber a respeito de Deus; precisamos deduzir tudo a respeito de

Deus a partir do que sabemos a respeito de Jesus.

Como aconteceu com Abraão, todas as nossas imagens ante-

riores de Deus desapareceram.

***

O dom da minha fé em Jesus Cristo não está na dependência

ou sob o domínio de nenhum poder fora da minha experiência da

graça de Deus. Quando as crenças substituem a experiência verda-

deira; quando passamos a confiar na autoridade dos livros, insti-

tuições ou líderes sem que o conheçamos; quando permitimos que a

religião se interponha entre nós e a experiência primária de Jesus

como o Cristo, perdemos a realidade que a própria religião descreve

como suprema.

A propósito, aqui se encontra a origem de todas as guer-

ras santas, bem como do fanatismo, da intolerância e da divisão

dentro do Corpo de Cristo. Nada prejudicou tanto o cristianismo

11 Ibid. p. 137.

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quanto as cruzadas. Qualquer um ficaria zonzo apenas de enu-

merar as batalhas que, segundo alegam, foram travadas em nome

da fé “verdadeira”. Choques de crenças encontram-se sob o ter-

rorismo que aparece todos os dias nas manchetes, “e [sob] a in-

timidação exercida mais anonimamente, porém com sentimento

de justiça, para exortar pessoas comuns a práticas e seitas que

alegam deter a combinação secreta do favor de Deus”.12

Depois de vinte e dois anos vivendo uma fé de segunda

mão, encontrei Jesus em 8 de fevereiro de 1956 e me mudei de

Harã para Canaã — da crença para a fé. Era meio-dia. O sino

do ângelus do recluso monastério carmelita soava ao longe. Eu

estava ajoelhado em uma pequena capela em Loretto, Pensilvânia.

Às 15h15, levantei-me trêmulo do chão, sabendo que a maior

aventura da minha vida havia apenas começado. Entrei na nova

perspectiva descrita com esmero por Paulo em Colossenses 3.11:

“Cristo é tudo e está em todos”.

Durante aquelas três horas de joelhos, tive a sensação

de ser um menino ajoelhado na praia. Ondas pequenas

molhavam-me os joelhos. Aos poucos, as ondas ficaram

maiores e mais fortes até alcançarem a minha cintura. De

repente, uma onda enorme de grande força jogou-me para

trás e arrastou-me da praia, fazendo-me girar no espaço

com o corpo em arco. Eu mal sabia que estava sendo car-

regado para um lugar onde nunca estive antes — o coração

de Jesus Cristo...

Naquela primeira experiência na minha vida de ser ama-

do incondicionalmente, eu movia o corpo para trás e para a

12 Kennedy, Eugene. The Choice to be Human: Jesus Alive in Matthew’s Gospel.

New York: Doubleday, 1988. p. 213-214.

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frente entre o êxtase e o medo. [...] O momento prolongou-

se em um agora interminável até que, sem nenhum aviso, sua

mão agarrou o meu coração. Eu mal conseguia respirar.

A conscientização de ser amado não era mais gentil, terna e

confortável. O amor de Cristo, o Filho de Deus crucificado,

assumiu a violência, a fúria e a paixão de uma repentina

tempestade de primavera. Jesus morreu na cruz por mim!

Eu já sabia disso, mas não da maneira que John Henry

Newman descreve como “conhecimento conceitual” — abstra-

to, longínquo, grandemente irrelevante para as questões

intrínsecas da vida, como se fosse mais uma quinquilharia

na empoeirada casa de penhores das crenças doutrinárias.

No entanto, em um momento ofuscante de verdade sal-

vadora da vida, aquele foi um conhecimento real me cha-

mando para um compromisso pessoal de mente e coração.

Cristianismo significava ser amado e apaixonar-se por

Jesus Cristo. Mais tarde, as palavras da primeira carta de

Pedro iluminariam e confirmariam a minha experiência:

“Mesmo não o tendo visto, vocês o amam; e apesar de não

o verem agora, creem nele e exultam com alegria indizível

e gloriosa, pois vocês estão alcançando o alvo da sua fé, a

salvação das suas almas” (1.8,9).

Por fim, exausto, sem forças, sentindo-me fraco e per-

dido em uma humilhação indizível, eu estava novamente

ajoelhado na praia enquanto ondas calmas e serenas de

amor me envolviam carinhosamente, como se uma suave

maré estivesse saturando a minha mente e o meu coração

em uma condição tranquila de profunda adoração.13

13 manning, Brennan. Lion and Lamb: The Relentless Tenderness of Jesus. Old

Tappan, NJ: Revell, 1986. p. 33-34.

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Naquele dia, conheci o amor e o poder de Deus — a essência

da fé cristã. Precisamos conhecer o amor e o poder de Deus com

um entendimento maior que o nosso, porque o amor e o poder de

Deus ultrapassam o simples conhecimento humano. Precisamos

conhecê-los com a mente do próprio Cristo. Essa é a forma mais

básica do encontro cristão redentor. Esse é o movimento que parte

da crença e leva à experiência por meio da fé.

Se quisermos nos comprometer com o discipulado radical, se

quisermos viver com a assinatura de Jesus escrita nas páginas da

nossa vida, necessitamos da força e do encorajamento de outros

cristãos. A nossa maior necessidade, porém, é do poder inesgotável

do amor de Cristo. O milagre do cristianismo é que essa necessida-

de já foi atendida. Por meio de uma vida de oração levada a sério,

conscientizamo-nos de que já temos o que procuramos. Pela fé,

chegamos a entender o que já está lá (falaremos disso mais adian-

te). O poder habita dentro de nós e excede de tal forma a nossa

necessidade, que o contato consciente com ele nos arrebata para

fora de nós, além de qualquer coisa que poderíamos ter imaginado

ou desejado, e nos leva para dentro da realidade que é Cristo.

Recentemente, recebi a cópia de uma carta encontrada no es-

critório de um jovem pastor em Zimbábue, África, logo após ele

ser torturado por causa de sua fé em Jesus Cristo. Reproduzo a

carta textualmente:

Faço parte da comunidade dos que não se envergonham.

Tenho o poder do Espírito Santo. A sorte foi lançada. Ultra-

passei a linha divisória. A decisão foi tomada — sou discípulo

dele. Não olharei para trás, não esmorecerei, não afrouxarei

o passo, não retrocederei nem permanecerei parado. O meu

passado está redimido, o meu presente faz sentido, o meu fu-

turo está garantido. Não quero mais saber de vida humilhante,

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de andar por onde enxergo, de joelhos lisos, de sonhos sem

cor, de visões domesticadas, de conversas mundanas, de do-

ações baratas e de objetivos medíocres.

Não necessito mais de destaque, prosperidade, posição,

promoções, aplausos ou popularidade. Não preciso ser o

certo, o primeiro, o maioral, o reconhecido, o elogiado,

o considerado ou o recompensado. Agora vivo pela fé,

curvo-me na presença dele, ando com paciência e sou mo-

tivado pela oração; e esforço-me com poder.

O meu rosto está firme, o meu passo é ligeiro, o meu

objetivo é o céu, a minha estrada é estreita, o meu caminho

é acidentado, os meus companheiros são poucos, o meu

Guia é confiável, a minha missão é clara. Não posso ser

comprado, comprometido, desviado, tentado, mudado de

rumo, iludido ou atrasado. Não recuarei diante do sacrifí-

cio, não hesitarei na presença do inimigo, não me prostitui-

rei na poça da popularidade nem me perderei no labirinto

da mediocridade.

Não desistirei, não me calarei, não esmorecerei até es-

tar em pé e abastecido, até ter orado, ter liquidado a dívi-

da e ter pregado para a causa de Cristo. Sou discípulo de

Jesus. Preciso seguir em frente até que ele venha, preciso

doar-me até ter as forças esgotadas, e preciso pregar tudo o

que sei até que ele me impeça de continuar trabalhando. E,

quando ele decidir voltar, não terá problema algum em me

reconhecer… o meu estandarte estará claro!

Talvez a única medida sincera da fé autêntica seja a minha

disposição para o martírio. Não apenas a minha disposição para

morrer por Jesus Cristo e pelo evangelho, mas para viver por ele

um dia de cada vez.

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A cruz é a assinatura permanente do Cristo ressurreto.

O modo de vida assinado pela cruz exige uma fé desprovida de

sentimento, êxtase e visão. “Porque vivemos por fé, e não pelo

que vemos” (2Coríntios 5.7). Embora seja um dom de Deus, a

fé exige esforço vigoroso da nossa parte, se quisermos produzir

fruto. O eremita contemporâneo Carlo Caretto escreveu: “Deus

nos fornece o barco e os remos, mas diz: ‘Cabe a você remar’.

Executar atos positivos de fé é como treinar essa habilidade; ela

é desenvolvida com treinamento para que os músculos sejam

desenvolvidos pela ginástica”.

Este livro não é uma obra pastoral refinada, nem uma série de

meditações bem-comportadas para pessoas piedosas. É um livro so-

bre ser herói para a causa de Jesus Cristo — para a causa de ninguém

mais a não ser Cristo, e de tal maneira que somente os olhos de Jesus

necessitem ver. É um convite à fé autêntica e a um discipulado radi-

cal, à pureza do evangelho, à estrada íngreme para o Calvário e ao

escândalo da cruz, a uma vida de liberdade sob a assinatura de Jesus.

Em última análise, a fé não é a soma das nossas crenças nem um

modo de falar ou pensar; é um modo de viver que só pode ser arti-

culado adequadamente mediante a prática. Reconhecer Jesus como

Salvador e Senhor é importante, desde que tentemos viver como ele

viveu e organizar a nossa vida de acordo com os valores dele. Não

precisamos teorizar acerca de Jesus; precisamos fazê-lo presente no

nosso tempo, na nossa cultura e nas nossas circunstâncias. Somente

uma prática verdadeira da fé cristã pode comprovar aquilo em que

acreditamos. O filósofo francês Maurice Blondel gostava de dizer:

“Se você quiser realmente entender aquilo em que o homem crê, não

preste atenção no que ele diz, mas observe o que ele faz”.

Permita-me dar-lhe uma sugestão simples. Cada vez que você

virar uma página deste livro, sussurre estas palavras: “Senhor, au-

menta a minha fé”.

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