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História da Educação Autora Vera Regina Beltrão Marques 2009

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História da Educação

AutoraVera Regina Beltrão Marques

2009

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M357 Marques, Vera Regina Beltrão. / História da educação. / Vera Regina Beltrão Marques. — Curitiba : IESDE

Brasil S.A. , 2009.100 p.

ISBN: 85-8900-859-2

1. Educação-História. I. Título.

CDD 370.9

SumárioIntrodução à História da Educação ......................................................................................5

Da História da Pedagogia à História da Educação ..................................................................................5

A Educação na Antigüidade Clássica ...................................................................................9Grécia .......................................................................................................................................................9

Roma ....................................................................................................................................17Entrando pela história ..............................................................................................................................17Educando à romana ..................................................................................................................................17A educação grega revisitada ....................................................................................................................19

Sob as asas dos ensinamentos cristãos: a Educação na Idade Média ..................................21Como se educava o povo? .......................................................................................................................21Dos colégios às universidades .................................................................................................................22Por que ir à universidade? ........................................................................................................................24A formação dos ofícios ............................................................................................................................25

A modernidade educativa: o humanismo .............................................................................27Histórias que cumpre contar ....................................................................................................................27O Renascimento na Educação .................................................................................................................29

Os inícios da Pedagogia Moderna ........................................................................................33Escolas reformadas ..................................................................................................................................33Educação da Contra-reforma ...................................................................................................................35

A Educação da Contra-reforma aporta no Brasil .................................................................37As escolas dos jesuítas: a formação dos clérigos e dos curumins ...........................................................37As indígenas reivindicavam saber ler e escrever .....................................................................................38

Revolucionários da Ciência: a Educação do século XVII ...................................................41As ciências chegam à escola ....................................................................................................................42A escola moderna e a formação do homem civil .....................................................................................44

No Brasil, a revolução pedagógica deitava arcas .................................................................47Ainda entre clérigos .................................................................................................................................47E as mulheres coloniais? ..........................................................................................................................48“Mulher que sabe muito é mulher atrapalhada, para ser mãe de família saiba pouco ou saiba nada” ....49Os conventos educavam as mulheres ......................................................................................................50

As luzes na Educação e o homem novo ...............................................................................53A Educação dos cidadãos .........................................................................................................................54Como deve ser a escola do homem novo? ...............................................................................................54A criança entra para a história .................................................................................................................55

A quem cabia educar no Brasil setecentista? .......................................................................57Jesuítas expulsos, professores régios são contratados: inicia-se o lento processo de laicização educacional ...............................................................................57Os colégios-seminários: a Educação vetada aos judeus, negros, mulatos e aos filhos de “uniões ilícitas” ..................................................................................................59Corporações de ofício: homens brancos e livres aprendiam atividades manuais ....................................................................................................60

O século da Pedagogia e os vínculos com a sociedade: a Educação oitocentista ...........................................................................61

Novos sujeitos passíveis de serem educados ...........................................................................................61As escolas para crianças pobres; escolas para o povo .............................................................................62A Educação dos pequenos .......................................................................................................................64

Os anos oitocentos no Brasil: cabe derramar a instrução para todas as classes ...................................................................65

Cabia formar professores .........................................................................................................................67O ensino que profissionaliza ....................................................................................................................68Escolas para os pequeninos .....................................................................................................................68

A República sustenta o direito à Educação? ........................................................................71Educação: questão nacional .....................................................................................................................71Templos da civilização: os grupos escolares ...........................................................................................71Imigrantes e Educação .............................................................................................................................73

A Educação higienizada .......................................................................................................75A ordem médica chega às escolas ............................................................................................................75A escola higiênica e as propostas eugenizadoras .....................................................................................75Saúde, moral e trabalho: máximas para todos .........................................................................................76

Nos tempos da Escola Nova ................................................................................................79O manifesto, novos métodos, novos programas escolares: o aluno está no centro do processo educativo ..........................................................................................79As classes populares tiveram acesso à Educação? ..................................................................................81

Sob a Ditadura Militar .........................................................................................................85A Educação na Constituição de 1967 ......................................................................................................85E a escola da Ditadura? ............................................................................................................................86

As universidades brasileiras: ainda a Educação de poucos .................................................89Faculdades e universidades ......................................................................................................................89Incluídos e excluídos das hostes universitárias .......................................................................................91

Referências ...........................................................................................................................95

A modernidade educativa: o humanismo

Histórias que cumpre contar1

O período, compreendido no intervalo dos séculos XI e XIV, assistiu o ressurgimento do comércio e das cidades. A intensificação dos conta-tos entre o Ocidente e o Oriente proporcionado primeiro pelas Cruza-

das, depois pela instalação de feitorias comerciais permanentes, garantiam um fluxo contínuo de produtos, especiarias e sobretudo de um estilo de vida novo na Europa.

As grandes cidades (burgos), tornadas centros de produção artesanal e co-mercial, criadas e desenvolvidas pelo estabelecimento desse eixo comercial, foram favorecidas pelo crescimento demográfico e pelo aumento da produção de alimen-tos nos campos europeus, decorrente da introdução de novas técnicas agrícolas.

A predominância das cidades sobre os campos, a superação das trocas na-turais pela economia de base monetária e a dinâmica do comércio promoveram mudanças e uma ruptura nas corporações de ofício medievais e, principalmente, projetaram e fortaleceram uma nova camada – a burguesia – ávida pelo poder político e prestígio social, correspondentes à sua opulência material.

No entanto, a conjugação de diversos fatores estruturais internos associados àquelas condições, progressivamente, abalaram os sustentáculos feudais, prenun-ciando seu final.

No século XIV eclode grave crise, acarretando drásticas transformações. Dentre as causas apontadas pelos historiadores como sendo as principais respon-sáveis, encontramos: a peste negra, que dizimou entre um terço e metade da popu-lação européia; a Guerra dos Cem Anos (1346-1450) deflagrada entre os soberanos da França e da Inglaterra, que ampliou o funesto quadro; e, as revoltas populares provocadas pela desorganização da produção e disseminação da fome nos campos e cidades, decorrentes dessa mortalidade.

Além disso, o declínio demográfico viria sobrecarregar os camponeses re-manescentes, os quais teriam sua jornada de trabalho e seus impostos aumentados pelos senhores feudais, que não queriam ter seus rendimentos diminuídos. Era contra essa superexploração que os trabalhadores se revoltavam.

A busca de uma fórmula para se produzir mais encontrou a saída preferen-temente na adoção do trabalho assalariado, ou seja, através do arrendamento os servos seriam liberados para venderem os excedentes no mercado das cidades.

1Essa síntese histórica foi produzida a partir dos

livros: O renasci mento; His-tória das sociedades; His tória do pensamento e Histó ria da pedagogia, principalmente.

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Estimulados pela perspectiva de aumento de seus rendimentos, os arren-datários incrementaram as técnicas e aumentaram a produção; por outro lado, ao passar a predominar as atividades agrocomerciais sobre as culturas de sub-sistência, a necessidade de áreas de cultivo maiores suscitou o aparecimento de reivindicações de propriedade exclusiva e privada de terras. Tudo concorria para a dissolução do sistema feudal de produção.

No desenrolar desses acontecimentos, as estruturas social e política sofre-ram profundas modificações. Os senhores feudais dispendendo recursos para fa-zer frente às despesas da longa guerra e aos custos aumentados da produção, endividavam-se frente aos capitalistas burgueses, e com freqüência viam-se obri-gados a desfazerem-se de partes de suas propriedades. Se por um lado a nobreza depauperava-se e enfraquecia-se, o oposto ocorria com a classe burguesa.

O comércio, outro componente importante desse processo agora já fortale-cido, à procura de menores preços do transporte de mercadorias, estimularia e se beneficiaria da procura de novas rotas marítimas, que com as descobertas de no-vas terras veria o Atlântico transformar-se no cenário principal, deslocando para um segundo plano o Mar Mediterrâneo.

As cidades surgidas como centros comerciais nessas novas rotas, entre elas Sevilha, Lisboa, Londres, foram acompanhadas por cidades como Lion, na Fran-ça, Antuérpia em Flandres e Augsburg na Alemanha, frutos de uma maior inte-gração do transporte marítimo com o terrestre.

O campo político no qual os conflitos de interesses invariavelmente afloram com muita intensidade, não ficaria imune a essas transformações.

O fortalecimento das monarquias locais colocava às claras que uma nova hegemonia política, social e cultural estruturava-se. A gestação do Estado moder-no “interessado no domínio da sociedade civil e que exerce um domínio racional, pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade ...”, configurou-se. (CAMBI, 1999, p. 244).

A unificação política em torno da monarquia, vista como um recurso legí-timo contra as arbitrariedades da nobreza, pressupunha também a instituição de impostos, moedas, leis e normas, pesos e medidas, fronteiras e aduana. “A ruptura dos antigos laços sociais de dependência social e das regras corporativas promo-vem, portanto, a liberação do indivíduo e o empurram para a luta da concorrência com os outros indivíduos, conforme as condições postas pelo Estado e pelo ca-pitalismo. O sucesso ou fracasso nessa nova luta dependeria, segundo Maquiavel – o introdutor da ciência política precisamente nesse momento – de quatro fatores básicos: acaso, engenho, astúcia e riqueza. Para os pensadores renascentistas, os humanistas, a educação seria o fator decisivo”. [...] O momento histórico coloca-va em foco sobretudo a capacidade criativa da personalidade humana. (CAMBI, 1999; SEVCENKO, 1984, p. 10).

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O Renascimento na EducaçãoTodo esse complexo processo vem também tocar profundamente a educação

e a pedagogia, que são, por sua vez, radicalmente transformadas tanto no terreno político e religioso como no ético e social. No âmbito político, o nascimento do Estado moderno, “pensado desde o centro e disseminado por toda a sociedade que se vê assim controlada em todas as suas manifestações, é que vem determinar uma pedagogia política, típica do mundo moderno (melhor: típica e central, até os dias de hoje) e uma educação articulada sob muitas formas e organizada em muitos agentes (família, escola, associações, imprensa etc.), que convergem num processo de envolvimento e conformação do indivíduo, de maneira cada vez mais capilar”. (CAMBI, 1999, p. 244).

O despertar cultural que caracteriza o início do Renascimento é sobretudo uma afirmação renovada do homem, dos valores humanos nos vários domínios: desde as artes à vida diária. (GARIN, 1991). Nesse movimento colocava-se

aberta polêmica com a tradição medieval e escolástica, toda propensa a valorizar o papel da transcendência religiosa e a colocar o indivíduo dentro de uma rígida escala social, a nova civilização concebe o homem como ‘senhor do mundo’ e ponto de referência da criação, ‘cópula do universo’ e ‘elo de conjunção do ser’. (CAMBI, 1999, p. 224).

Um homem quenão exclui Deus, mas que volta as costas aos ideais de ascese e da renúncia, pronto para imergir no mundo histórico real com o intento de dominá-lo e nele expandir sua própria humanidade. O homem da nova civilização, uma vez adquirida a consciência de poder ser o artífice de sua própria história, quer viver intensamente a vida da cidade junto com seus semelhantes; para isso mergulha na vida civil, engaja-se na política, no comércio e nas artes exprimindo uma visão harmônica e equilibrada dos aspectos multiformes dentro dos quais se desenvolve a atividade humana. (CAMBI, 1999, p. 224).

A Itália, por seu desenvolvimento econômico e posição geográfica privile-giada, que lhe havia facilitado o domínio comercial no Mediterrâneo, é que mais condições reúne para o desabrochar do Renascimento. Suas comunas evoluem conformando-se em cidades-Estados, que embora formalmente democráticas, en-contram-se sob o domínio de “poderosas famílias burguesas: os Visconti e, depois, os Sforza, em Milão, e os Medici, em Florença, são os principais exemplos. Sua ri-queza permite contratar sábios, filósofos, cientistas e artistas, ou, então patrocinar a sua formação”, além de sua proximidade com Constantinopla transformá-la em “abrigo natural de seus emigrados” recebendo através destes toda uma tradição intelectual e cultural do Império do Oriente. (VALVERDE, 1987, p. 191).

Esses financiadores de uma nova cultura, burguesia, príncipes e monarcas, eram chama-dos mecenas, isto é, protetores das artes. Seu objetivo não era somente a autopromoção, mas também a propaganda e difusão de novos hábitos, valores e comportamentos. [...] As atividades e os campos de reflexão que mais preocupavam os pensadores renascentistas aparecem condensados nas artes plásticas: a filosofia, a religião, a história, a arte, a técni-ca e a ciência. (SEVCENKO, 1984, p. 24).

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Nesse contexto histórico e social afirmado, primeiro na Itália e posterior-mente no restante da Europa, baseado numa concepção nova de homem como sujeito ativo, exige uma formação “polivalente” garantidora do “exercício de fun-ções variadas na sociedade. [...] Tal formação se realiza através de um currículo formativo baseado essencialmente na leitura dos clássicos gregos e latinos. O es-tudo direto dos clássicos permite não só superar a utilização puramente grama-tical e estilística que deles fez a cultura medieval, mas sobretudo descobrir uma humanidade feita de valores universais elaborados e produzidos na Antigüidade. [...] ainda que não desapareçam completamente as gramáticas e os compêndios de inspiração escolástico-medieval”. (CAMBI, 1999, p. 225).

Todavia,essa ação cultural não foi desenvolvida tanto pelas escolas como pela própria vida de uma minoria cortesã e cidadã, e pela cultura que um escol garimpava de Grécia e Roma. A massa do povo quedou à margem dessa influência, bem que não privada dela graças à contemplação dos espetáculos e obras de arte promovidos pelos príncipes e pelas cidades. [...] A influência humanista foi naturalmente maior no ensino e cultura superior, em acade-mias fundadas no estilo platônico e em ateneus docentes. (LUZURIAGA, 2001, p. 95).

Mesmo que de caráter eminentemente aristocrático, não se deve deixar de sublinhar seus indiscutíveis méritos, ao “atribuir grande importância no plano didático aos jogos e à educação física, no âmbito de uma revalorização, depois da decidida negação medieval do mundo físico e natural, e mais ainda de descobrir a infância, o valor da vida infantil, da sua especificidade e de assegurar-lhe um lugar não-secundário no quadro do mais amplo contexto social” ... preparando aquele “interesse psicológico” e aquela “preocupação moral” que estarão nos fun-damentos da pedagogia moderna e contemporânea. (CAMBI, 1999, p. 226-7).

Costuma-se atribuir a Francesco Petrarca (1304-1374) a exposição da concepção humanista sobre a formação do homem. Não escreveu sobre edu-cação, mas sua Vida dos antigos, suas cartas e toda a sua obra poética nela influíram grandemente.

Dentre outros importantes autores ligados à formação do homem renas-centista, encontraremos Pier Paolo Vergerio (1370-1444). No seu tratado De in-genuis moribus et liberalibus studis adulescentiae defende a importância da edu-cação para uma vida de engenho e livre do ócio. “Desenvolve positivamente um quadro de estudos liberais necessários a todos indistintamente, não só para aque-les de nobres costumes, mas também ‘para aqueles de engenho medíocre, os quais devem ser tanto mais ajudados quanto menor for a sua natural capacidade”’ ... Também sobre o processo de aprendizagem, faz afirmações significativas inferin-do que o mesmo “requer uma vida ordenada e metódica, além de uma distribuição racional do tempo nas diversas ocupações, mas também quando requer a ligação entre a educação intelectual e a física, de modo que ‘o corpo possa tolerar por ser forte e obedecer com facilidade’ e ‘a mente possa discernir e racionalmente comandar’”. (CAMBI, 1999, p. 230).

Vittorino da Feltre, lecionou gramática e matemática por vinte e dois anos em Pádua, onde abriu a Casa Giocosa, ensinando filhos de príncipes, de nobres e de gente humilde. “Foi, na realidade, a primeira escola nova da Europa, onde se

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ensinavam, em ambiente de liberdade, a cultura clássica e a fé cristã e se conside-rava a vida integral dos alunos, com a música, os exercícios físicos, a poesia, as ciências etc.”. (LUZURIAGA, 2001, p. 96).

Com Leon Battista Alberti (1404-1472), “o humanismo adquire uma dimen-são menos ligada ao espírito do classicismo e mais alinhada com as exigências práticas do tempo”. Em suas páginas “redescobre-se uma grande atenção pela infância, quando ele censura aqueles que ‘batem e espancam’ as crianças, descar-regando sobre elas seus desgostos e ressentimentos” [...] (CAMBI, 1999, p. 232).

Ressaltaria ainda: Erasmo (que será tratado no movimento da Reforma do século XVI); Juan Luís Vives (1492-1540) cujo grande destaque pedagógico re-sidiu na aplicação da psicologia à educação, no emprego da língua materna para o aprendizado das línguas clássicas e na utilização do método indutivo no ensi-no; Rabelais (1495-1553) atento observador da natureza a relaciona às ciências da educação. Foi duro contestador da escolástica e suas críticas adquiriram corpo em duas obras. Gargantua e Pantagruel satiricamente fazem a crítica dos formalismos educativos herdados da Idade Média.

Não seria possível deixar de mencionar Montaigne (1532-1592), arguto crí-tico de sua época, propõe a educação integral como a formação desejada: “Não basta fortalecer só a alma, é preciso também endurecer os músculos” e formar o juízo. “Entre os estudos liberais comecemos por aqueles que nos façam livres”. “O fruto do nosso trabalho deve consistir em fazer o aluno melhor e mais prudente”. (LUZURIAGA, 2001, p. 106-7).

Se muitos são os expoentes da studia humanitatis (estudos humanísti-cos), Garin não deixa de garantir o título de humanistas também aos “pequenos mestres-escolas, os professores de Gramática e de Retórica. Foram esses mestres que prepararam os jovens para os primeiros contatos com os clássicos, que subs-tituíram finalmente os auctores octo medievais”. (1991, p. 15).

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