Avaliação Final - História e Historiografia da Arte Colonial (UNICAMP 2015)
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Transcript of Avaliação Final - História e Historiografia da Arte Colonial (UNICAMP 2015)
Universidade Estadual de Campinas
IFCH - Departamento de História
HH726 A – Historiografia da Arte e da Arquitetura do Período Colonial na
América Latina
Professora: Dra. Renata Maria Martins
Aluno: Isaac Carlos Trevisan da Costa - R.A.: 146488
Resenha: GUIDO, Ángel. El espírito de la emancipación en dos artistas americanos
[conferência pronunciada em Santa Fé, Argentina, em 19 de novembro de 1931]. In:
Redescubrimiento de America en el Arte. Rosario, República Argentina, 1940, pp.
121-164.
Ángel Guido nasceu e morreu na cidade de Rosário, Argentina,
respectivamente em 29 de Setembro de 1896 e em 29 de Maio de 1960. Arquiteto e
engenheiro civil graduado pela Universidade Nacional de Córdoba, foi um dos
criadores do Monumento Histórico Nacional da Bandeira e professor de História da
Arquitetura e Urbanismo. Possui muitos trabalhos significativos para se compreender
o mundo americano colonial; dentre estes, o que se extraiu este capítulo:
“Redescubrimiento de America en el Arte”.
Neste texto que aqui será trabalhado, o autor se detém a interpretar a arte e a
arquitetura deste mundo colonial sob a perspectiva da insurgência de seus
habitantes-artistas. Com uma escrita demasiada romantizada em diversas ocasiões,
Guido traz Aleijadinho, na América portuguesa, e o índio Kondori, na América
hispânica – ambos, hoje, questionados quanto a seus métodos ou até mesmo
quanto à existência – como grandes representantes de um sentimento já posterior à
“conquista”, ou invasão, europeia; um sentimento traduzido em estilo artístico, que já
visa delimitar maior autonomia e certo rompimento com as características vindas da
metrópole. Arte e rebeldia não só podiam, como caminhavam juntas neste contexto:
“El arte, señores, no ha marchado nunca destrabado
de la inquietud social de su pueblo (...). En efecto, el artista
plástico, no hará uso de la conspiración valiente, de a arenga
proselitista o de la espada puesta en homenaje
revolucionario. El artista plástico, repito, se enrolará en el
movimiento para simbolizar en piedra viva su insurrección
cierta, ante el entronizado español, prepotente y dictador.
Porqué, señores, el arte plástico puede muy bien ser
instrumento de rebeldía.”1
Esse sentimento insurgente seria a força motriz para a emancipação das
populações americanas frente a seus colonizadores e estaria totalmente presente
nas artes plásticas coloniais, visando quebrar com aquilo que seria o padrão dos
vice-reinos europeus, com o que considera uma ditadura estética. Uma arte que
seria “insolente para el español civil” e “hereje para el español católico”.2
Tratando primeiramente sobre Aleijadinho, a leitura parece ser mais fluida, a
priori, ao leitor brasileiro. Ícone do período colonial na América portuguesa, seus
trabalhos são constantemente requisitados para se falar do contexto. Inclusive, no
ensino básico da população brasileira o artista aparece com certa frequência nos
materiais didáticos e salas de aula, o que o torna mais próximo e conhecido ainda
nos dias atuais.
Sua biografia é breve: nascido em 29 de Agosto de 1730, filho de arquiteto
português e mãe escrava, Antonio Francisco Lisboa contou com mestres que lhe
ajudaram durante sua aprendizagem como escultor – por mais que, crava Guido,
sua extrema habilidade o fez superar tais mestres e adquirir nome, rapidamente, por
todo Brasil. Seu apelido deu-se em função da doença que o acometeu após os seus
47 anos e o atormentaria até o fim de seus dias. É interessante ressaltar que não se
sabe qual foi a doença; Guido conta-nos isso em um dos momentos que exalta sua
romantização:
“Las crónicas mineras consideran a enfermedad de
este gran artista no muy certero. Algunas consideran la
1 GUIDO, Ángel. El espírito de la emancipación en dos artistas americanos [conferência pronunciada
em Santa Fé, Argentina, em 19 de novembro de 1931]. In: Redescubrimiento de America en el Arte.
Rosario, República Argentina, 1940. P. 125.
2 GUIDO, op cit, p. 126.
‘zamparina’, otras la lepra, otras la avariosis, el escorbuto,
etc. La verdad dolorosa y cruel, es que el Aleijadinho pareció
ser el señalado por el destino para cargar los más horribles
tormentos.”3
Seu aspecto tornava-se, com a doença, feroz e sinistro, espantoso. Guido
prossegue sua romantização ao afirmar que tal fatalidade atingiu-o para além do
físico: “sitió su alma”.4 Aleijadinho não toleraria piedades lusitanas em função de seu
amor próprio e de seu “espírito rebelde”. A doença não o faria parar ou o diminuiria:
o tornaria violento, representando a insurgência não somente do americano contra o
europeu, mas também a do escravo negro – visto que ele possuía sangue negro nas
veias. Sua obra passava a se dirigir a marqueses, generais e ao homem português,
que escravizava o africano. Inclusive, seriam representativas as figuras de “Os
Passos”, em Congonhas do Campo, onde Cristo possui “figura apolínea, digna de
um Donatello”5, enquanto os soldados romanos são grotescos e de atitudes cômicas,
representando e ridicularizando as autoridades lusitanas. O impacto de sua obra
faria, em pouco tempo, Aleijadinho ultrapassar as de portugueses na América.
Suas dificuldades são exaltadas para dizer que, mesmo que existissem e
fossem grandes, ele as superava e viajava a longas distâncias para proliferar sua
obra. Mesmo sem dedos nos pés, se arrastava ou cavalgava até seus destinos;
mesmo sem dedos nas mãos, um aparato de couro em cada uma delas o amparava
na hora de esculpir – e o fazia sem descanso, sem intervalos, justificando a
qualidade e a quantidade de sua enorme obra.
Finalizando, Guido vê, retomando a ideia aqui ja explicitada, que a marca
insurgente de Aleijadinho é um de seus grandes traços, citando um estudioso da
vida de Aleijadinho, José Mariano Filho:
“La característica más peculiar del arte de Antonio
Francisco Lisboa, es su rebelión violenta y arrogante contra
aquello que podría llamarse espíritu de la metrópoli, espíritu
3 Ibidem, p. 128.
4 Ibidem, p. 129.
5 Ibidem, p. 134. É interessante ressaltar o recurso de alteridade utilizado por ÁngelGuido que François Hartog classificaria por “comparação”. Ver HARTOG, François. O espelho de Heródoto: Ensaio sobre a representação do outro. Tradução de Jacyntho Lins Brandão. 2ª Edição. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014. Pp. 255-260.
portugués en el arte Brasileño. (...) El Aleijadinho, espíritu
rebelde e independiente, hizo obra propia, personal,
típicamente brasileña. (...) Pero esta rebelión mantenida
contra el arte lusitano, también lo fué y con creces, contra el
hombre lusitano.”6
Para além, compara a vida e a obra de Aleijadinho com os rumos do século XVIII,
comparando sua tragédia pessoal com uma “tragédia” para os criollos e indígenas: a
lepra era como a mita, a encomienda e a escravidão; sua vontade em trabalhar
equipara-se à vontade e à personalidade criolla; e sua rebelião reflete à
emancipação criolla.
Tratando sobre o índio Quechua Kondori, há pouquíssimas informações
referentes, só sabe-se que nasceu no século XVIII em um povoado próximo de
Potosí e sua obra máxima é a Portada de San Lorenzo de Potosí, considerada
totalmente americana por Guido, exemplar criollo muito distante do ultrabarroco
espanhol.
O sentimento insurgente também estaria em Kondori, mas diferentemente de
Aleijadinho, no índio não foi violento, e sim paciente; gravou em pedra a angústia
diante da opressão europeia7, esculpindo para que as gerações futuras que a alma
deste índio não se dobrou perante a cruz e a espada. E assim, com rebeldia,
exprimia sua insolência, amargura e heresia criolla, pouco se importando com a
proporção clássica, substituindo a cruz cristã pelo sol inca e a cariátide europeia
pela indiátide americana. Estes últimos dois pontos são mais detalhados a seguir.
Quanto ao sol, o autor mostra como Kondori escandalizou a iconografia
católica, profanando as imagens protetoras dos solares privados.8 “Difícil habría sido
andar cien pasos, en el Potosí de las postrimerías del siglo XVIII, sin encontrar el sol
y la luna esculpidos en los frontispícios religiosos (...).”9 A insurreição dava-se com a
utilização de vários elementos por Kondori, como estrelas, flores, charangos, etc.,
6 Ibidem, p. 133-134.
7 Ibidem, p. 138.
8 Ibidem, p. 139.
9 Idem.
mas o sol gravado em pedra americana para a eternidade era o que havia de mais
representativo dentre esta rebelião estética e espiritual, pois foi tornando-se uma
imagem familiar para a cidade de Potosí no período, além de ser associado às
imagens dos indígenas e dos criollos. Já quanto às indiátides, estas representavam
o índio que era sobrepujado cada vez mais pela mita, trazendo toda a amargura
criolla, toda a angústia sufocada. Como destaca Guido, as indiátides são símbolos
de insurreição social perante a violência sofrida. Em resumo, nas palavras de Guido:
“Su insurrección espiritual, hizo que labrara en piedra
viva el sol incaico, sublevándose contra el espíritu católico
español. Su insurrección social, hizo que exaltara en belleza
eterna, en la indiátide, al mitayo, esclavizado y animalizado
por el realista codicioso y audaz.”10
Referência bibliográfica:
GUIDO, Ángel. El espírito de la emancipación en dos artistas americanos
[conferência pronunciada em Santa Fé, Argentina, em 19 de novembro de
1931]. In: Redescubrimiento de America en el Arte. Rosario, República
Argentina, 1940.
HARTOG, François. O espelho de Heródoto: Ensaio sobre a representação
do outro. Tradução de Jacyntho Lins Brandão. 2ª Edição. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2014.
Imagens
10 Ibidem, p. 146.
Uma foto de Ángel Guido com uma dedicatória datada de 1937. Disponível em:
http://www.angelguidoartproject.com/eng/popup_galeria_a_g_02.php?nocache=1434960896771
Acesso em 22/06/2015 às 05h16.
Pintura do século XIX feita por Euclásio Ventura, considerada “retrato” de Aleijadinho, exposta no
Museu Mineiro, em Belo Horizonte. Disponível em: http://s2.glbimg.com/lxc42kPB1_cXUK0MK-
Ouk_bJwp0=/s.glbimg.com/jo/g1/f/original/2014/11/17/aleijadinhoquadro620.jpg
Acesso em 22/06/2015 às 05h21.
Cena de “Os passos” em Congonhas do Campo, obra de “Aleijadinho”. Disponível em:
http://revistasagarana.com.br/santuario-do-bom-jesus-de-matozinhos/
Acesso em 22/06/2015 às 05h28.
Entrada da igreja de San Lorenzo, em Potosí (Destaque para as indiátides nos pilares ao lado da
porta). Obra do índio Kondori. Disponível em: http://www.historiadelarte.us/arquitectura-colonial/la-
estetica-barroca-y-el-legado-cultural-indigena/
Acesso em 22/06/2015 às 05h34.
Índia-sereia tocando charanga, logo abaixo da lua, rodeada por estrelas. Detalhe da entrada da Igreja
de San Lorenzo, em Potosí. Obra do índio Kondori. Disponível em:
https://abaporu.wordpress.com/2007/06/25/baroquize-this/
Acesso em 22/06/2015 às 05h37.
Imagem invertida do lado oposto à figura anterior, destacando novamente a índia-sereia e seu
charango, porém com a presença do sol, além das estrelas. Detalhe da entrada da Igreja de San
Lorenzo, em Potosí. Disponível em: http://carlosdmesa.com/2013/05/16/una-sirena-y-un-charango-
simbolos-del-mestizaje-boliviano/
Acesso em 22/06/2015 às 05h43.