Bases Pedagogicas Do Trabalho Escolar

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Benigna Maria Freitas Villas BoasSilvia Lúcia Soares

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Estado do Acre

Governador

 Jorge Viana

Vice-Governador

Arnóbio Marques

Secretaria de Estado de Educação do Acre

Maria Corrêa da Silva

Coordenadora de Ensino Superior da SEEA

Maria José Francisco Parreira

Fundação Universidade de Brasília — FUB/UnB

Reitor

Timothy Martin Mulholland

Vice-Reitor

Edgar Nobuo Mamiya

Decano de Ensino e Graduação

Murilo Silva de Camargo

Decano de Pesquisa e Pós-graduação

Márcio Martins Pimentel

Faculdade de Educação — FE/UnB

Diretora

Inês Maria M. Zanforlin Pires de Almeida

Vice-Diretora

Laura Maria Coutinho

Coordenadora Pedágogica

Sílvia Lúcia Soares

Coordenador de Informática

Tadeu Queiroz Maia

Centro de Educação a Distância — CEAD/UnB

Diretor

Professor PhD. Bernardo Kipnis

Coordenadora Executiva

Jandira Wagner Costa

Coordenadora Pedagógica

Maria de Fatima Guerra de SousaGestão Pedagógica

Maria Célia Cardoso Lima

Gestão de Produção

Bruno Silveira Duarte

Design Gráfico

João Baptista de Miranda

Equipe de Revisão

Bruno RochaDaniele Santos

Fabiano ValeLeonardo MenezesRoberta Gomes

Apoio Logístico

Fernanda Freire Pinheiro

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Conhecendo as autoras_____________5

Seção 1

Trabalho docente: proletarização ou profissionalização_____7

Referências__________________________________________ 16

Seção 2Significado do trabalho e do trabalho escolar_____________ 19

Referências__________________________________________ 26

Seção 3A organização do trabalho escolar na LDB e nas Diretrizes

Curriculares Nacionais para a educação infantil e o ensino

fundamental_________________________________________ 29

Referências__________________________________________ 38

Anexos ___________________________41

Referências__________________________________________ 78

Sumário

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Conhecendo as autoras

Benigna Maria Freitas Villas Boas

Nasceu em Bonfim, Minas Gerais. É normalista, pedago-ga, mestre em Educação pela University of Houston, Texas, EstadosUnidos, doutora em Educação pela Universidade Estadual de Cam-pinas e pós-doutora pelo Instituto de Educação da Universidade de

Londres. Foi professora da Secretaria de Educação do Distrito Fe-deral, tendo atuado nas séries do ensino fundamental, no Curso deMagistério e em equipes de supervisão, currículo e planejamento.

Atualmente é professora da Faculdade de Educação daUniversidade de Brasília - UnB, aonde atua no Curso de Pedagogia enos cursos de Mestrado e de Doutorado em Educação. Desenvolvepesquisas sobre avaliação escolar. É autora do livro Portfólio, avalia-ção e trabalho pedagógico, publicado pela Editora Papirus.

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Silvia Lúcia Soares

Nasceu em Coromandel, Minas Gerais. É normalista, pe-dagoga, Mestre em Educação pela Universidade de Brasília. É pro-fessora da Secretaria de Educação do Distrito Federal, tendo atuadonos anos iniciais do ensino fundamental e no curso de magistério e

em equipes de coordenação pedagógica em nível local e interme-diário. Atuou como chefe da seção de magistério e como assistentedo Departamento de Pedagogia da extinta FEDF/SEDF. Atualmen-te está na Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, peloconvênio SEDF/UnB, onde oferece disciplinas relacionadas às Práti-cas Pedagógicas – Estágio Supervisionado e é membro participanteda Coordenação do Curso de Pedagogia a Distância – PEDEaD.

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Trabalho docente:

proletarização ou

profissionalização?1Objetivos:  analisar as características do trabalho docente como

proletarização e como profissionalização e seu impacto na organização

do trabalho pedagógico.

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Prezado(a) cursista,

Gostaríamos de iniciar nossa conversa com um poemade Gonçalves Dias, muito apropriado ao nosso tema:

[...]A vida é um combate,Que aos fracos abate,

Mas aos fracos e aos fortesSó sabe exaltar.Viver é lutar![...]

Na verdade lutamos por muitas coisas: por nossa sobre-vivência, pela ética, pela dignidade, pela igualdade, pela solidarieda-de, por uma sociedade mais justa e, sobretudo, para realizarmos umtrabalho pedagógico que propicie educação pública de qualidade.

Você, educador(a), é um(a) lutador(a) incansável! Em

suas relações de trabalho, individual e coletivamente, mesmo sobcondições adversas, produz conhecimento, detém saber, tem cons-ciência da realidade que o(a) circunda, enfim, você trabalha. Porém,você desenvolve um trabalho que não se realiza isoladamente nasociedade. As atividades que executa participam do processo ge-ral de trabalho. Esse processo passou por algumas transformações,através dos tempos, até chegar à sua forma de organização capi-talista. Enquanto os trabalhadores pré-industriais tinham controleabsoluto sobre o processo de trabalho, hoje, a maioria deles nãodetermina o “quê”, “como” e “quando” trabalhar. O trabalhador assa-lariado submete-se aos ritmos impostos pela maquinaria, aos fluxosplanificados de produção e às normas de produtividade impostaspelos dirigentes. Ele passou, pois, da independência que possuía naeconomia de subsistência à dependência imposta pelo Capitalis-mo.

A escola não se manteve à margem da expansão do ca-pitalismo. A difusão do capitalismo seguiu uma longa marcha, comrelação à organização das condições e da intensidade do trabalho.A organização do trabalho hoje existente é o resultado de uma lon-ga cadeia de conflitos entre patrões e trabalhadores e da realização

de uma profunda revolução cultural. Foram criados mecanismospara que as pessoas pudessem inserir-se nas relações de produçãode forma não-conflitiva. Esses mecanismos não poderiam estar nopróprio trabalho, pois as leis sobre o emprego das crianças nas fá-bricas eliminaram a possibilidade da aprendizagem do ofício, nemna família, que conservou os comportamentos característicos daprodução agrícola ou artesanal. Portanto,

[...] era preciso inventar algo melhor, e inventou-se e reinventou-se a escola; criaram-se escolas onde não as havia, reformaram-se asexistentes e nelas se introduziu à força toda a população infantil. A

instituição e o processo escolares foram reorganizados de tal formaque as salas de aula se converteram no lugar apropriado para acos-tumar-se às relações sociais do processo de produção capitalista,no espaço institucional adequado para preparar as crianças e os jovens para o trabalho (ENGUITA, 1989, p. 30).

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Como você pode perceber, a escola sempre desempe-nhou uma função social. Ela não existe simplesmente para ensinara ler e escrever, mas para preparar a criança para o desempenho deum papel social.

Se as escolas serviram à ordem capitalista e contribuempara a socialização para o trabalho, o meio mais forte de que se uti-lizam é o trabalho pedagógico, do qual participam professores ealunos. Neste primeiro momento, vamos tratar do trabalho docente.Que tipo de trabalho o professor realiza? Que características predo-minam nessa atividade? Que influências tem recebido o trabalhodocente? É importante analisar essa questão porque a percepçãoexistente sobre o trabalho do professor pode determinar a maneirade ele interagir com seus alunos e colegas. Antes de prosseguir aleitura, pense sobre o trabalho que você realiza: que característicaspredominam? Essas características estão também presentes no tra-balho de professores que atuam em outros níveis? Como a socieda-de percebe o seu trabalho? O que ela mais valoriza nele?

Álvaro Moreira Hypolito1 é um dos estudiosos do traba-lho docente. Em um texto recentemente publicado, Trabalho docen-

te e proficionalização: sonho prometido ou sonho negado (1999, p.83), ele nos informa que o trabalho de ensinar, tal qual ainda hoje éentendido, resultou do trabalho de ensino desenvolvido pela Igreja.No início do capitalismo, tornou-se necessária a existência de umainstituição especializada na tarefa de educar. Naquele momento aIgreja era a mais preparada para tal atividade. Por esse motivo, asprimeiras escolas funcionavam nas igrejas e conventos e o ensino

era ministrado pelo clero.

O processo de urbanização resultante do avanço dasrelações capitalistas, complementa Hypolito, “impunha uma am-pliação da oferta escolar de tal forma que o clero já não era maissuficiente para atender à demanda”. Chamaram-se leigos para co-laborar na tarefa de ensinar, os quais “deveriam fazer previamenteuma profissão de fé e um juramento de fidelidade aos princípios daIgreja” (KREUTZ, apud HYPOLITO, p. 82). Essa é a origem da idéia dedocência como sacerdócio, a qual, embora aparentemente tenhasofrido alterações, não tem mudado em essência, considera Hypo-lito.

Desenvolvendo sua análise, Hypolito diz que essa pers-pectiva não foi construída linearmente. A Igreja exercia forte con-trole sobre a educação e a sociedade, mas estavam presentes osembates político-ideológicos. A implantação do liberalismo e a con-solidação do Estado Republicano:

[...] expuseram de forma mais acentuada as contradições en-tre a visão sacerdotal e a visão profissional de docência. As

propostas que se articulavam através de associações profis-sionais e movimentos de professores, no século passado, in-cluíam a adoção de princípios liberais, luta por organizaçãoprofissional, especialização de funções e rejeição de funçõesnão-escolares, laicidade do ensino e fortalecimento do caráter

1 Álvaro Moreira Hypolito é professorda Faculdade de Educação da Univer-sidade Federal de Pelotas, Rio Grandedo Sul. Tem se dedicado a estudar otrabalho docente.

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público da educação. Por seu turno, a Igreja fervorosamenteatacava esses princípios e reafirmava seus preceitos assenta-dos no sacerdócio e na vocação (HYPOLITO, 1999, p. 84).

Os processos de urbanização e industrialização condu-ziram à formação de um sistema público de educação. Nesse movi-mento, esclarece Hypolito, é que a carreira docente foi organizada,por meio da funcionarização do professorado, o que inclui, além de

outros, dois processos: “de um lado, a assimilação pelo Estado departe dos reclamos por profissionalização e, de outro, o aumento docontrole estatal sobre o exercício docente”.

Alguns dos elementos presentes no processo de assi-milação pelo Estado, de parte dos reclamos por profissionalização,são: quem pode exercer as funções docentes, a organização e o re-conhecimento de uma carreira profissional, a organização de cursosde formação docente, etc. Hypolito adverte que isso não significaque tais metas tenham sido atingidas; elas faziam parte das propos-

tas. No segundo processo, o aumento do controle estatal sobre oexercício docente, decorrente do primeiro

[...] o Estado passa a exercer maior controle sobre a organiza-ção do sistema (grupos escolares, inspeção, diretores escola-res, etc.), sobre o currículo (conteúdos programáticos, provas,livros didáticos) e, conseqüentemente, sobre o processo detrabalho docente (métodos, materiais didáticos, supervisãopedagógica etc.) (HYPOLITO, 1999, p. 85).

O autor mencionado afirma que o profissionalismo pas-

sou a ser um discurso oficial, mas para exercer função disciplina-dora, controladora e ideológica. A existência de processos desqua-lificadores e rebaixamentos salariais, sempre presentes, diminuemas chances de acesso aos bens culturais, tais como: livros, cinema,música, formação continuada, etc. O processo de profissionalizaçãonão se faz sem o acesso a esses bens culturais e a outros, de esco-lha do professor e da escola. Hypolito considera que a “promessade que a profissionalização é a solução está sempre e fortementepresente, embora processos desprofissionalizadores sejam a tônica(1999, p. 85)”.

Hypolito (1999) conclui que o Estado admitiu e assimi-lou a profissionalização docente, mas não rejeitou completamenteo ideário da vocação e do sacerdócio. O discurso reaparece sob ou-tras formas, como, por exemplo, ao apresentar o magistério comoprofissão feminina ou como atividade adequada às “habilidades fe-mininas”, como dedicação ao atendimento de grupos cultural, socialou economicamente desprivilegiados, ou como “defesa de valoresideológicos do Estado, da Pátria e da Família (de que o Estado Novoe a Ditadura de 64 são exemplos)” (op. cit., p. 86).

A profissionalização docente implica a existência de au-tonomia pedagógica. O professor possui certa autonomia dentroda sala de aula, mas nem sempre participa das decisões que afetamseu trabalho. Ainda como aluno de cursos de formação de profes-

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sores, ele aprende o “quê”, “como” e “quando” ensinar e avaliar, comose todos os alunos fossem iguais e como se ele fosse um ser incapa-citado de pensar e de criar. Ao assumir o papel de professor, recebetodas as imposições da escola e do sistema de ensino em que esta seinsere. Espera-se dele o cumprimento de todo o conteúdo progra-mático, dentro de um prazo estipulado. No caso da escola pública,que, geralmente, funciona nas condições mais precárias, o trabalhodo professor é o mais limitado e restrito possível. Em muitos casos,ele conta apenas com o quadro de giz. Em outros, ele e os alunossubmetem-se apenas ao conteúdo do livro didático. Portanto, tudocontribui para a alienação do seu trabalho. O mais grave, porém, éque tudo concorre para a perpetuação da situação de dependênciaa que se submete o trabalho pedagógico. Com uma formação cadavez mais inadequada, com as condições de trabalho se deterioran-do e a remuneração aviltada, o professor corre o risco de ter o seutrabalho proletarizado, isto é, submetido a todas as explorações ca-pitalistas (VILLAS BOAS, 1993, p. 33).

A vivência de um trabalho escolar alienado é uma pre-paração para a alienação a que o futuro trabalhador irá se submetermais tarde. Assim, como na escola o aluno não questiona o conteú-do e a forma do seu trabalho, na sua vida profissional ele tenderá afazer o mesmo.

Segundo Jáen (1991), os professores são trabalhadoresque desempenham um trabalho assalariado e têm sofrido, comocategoria, importantes modificações em sua composição interna(aumento quantitativo, vinculação como empregados do Estado,

feminização etc.) e nos modos de execução e controle do traba-lho. Seu trabalho submete-se a uma crescente desqualificação, porexcluírem-se das funções de concepção e de planejamento e porterem reduzida sua capacidade de controle, o que os força a depen-derem de decisões tomadas pelos especialistas.

Essa degradação das condições de trabalho e a criação de resistên-cias pelo professorado frente ao Estado equiparam sua situação àdos operários na produção. Essa é uma das formas de proletariza-ção (JÁEN, 1991, p. 77).

A proletarização pode incluir tomada do tempo de ensi-no por tarefas administrativas de rotina: preenchimento de boletinsescolares, de diários de classe, de formulários de encaminhamentode alunos para serviços especializados, etc.

A tarefa original do professor, de ensinar, tem sido acres-cida de outras, algumas das quais se revestem de sentido assisten-cialista: distribuição de merenda, encaminhamento para atendi-mento médico, participação em eventos da comunidade, realizaçãode concursos de interesse da comunidade etc.

Derber (apud JÁEN, 1991, p. 77) oferece a seguinte in-terpretação das reações dos professores a essa situação: a perda decontrole sofrida por esses profissionais não tem provocado uma “re-belião ou desconformidade maciça”; têm predominado as respos-

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tas de acomodação, podendo ocorrer de duas formas. A primeira éa desensibilização ideológica, quando não se reconhece que a “áreaem que se perdeu o controle tenha algum valor ou importância”.Há um abandono do compromisso com os usos e fins sociais dotrabalho. O trabalhador se separa do contexto ideológico do seuemprego, interessando-se menos pela dimensão moral ou social dotrabalho e guiando-se por critérios técnicos e científicos. A segundaforma de resposta de acomodação dos profissionais submetidos aessa forma de proletarização é a cooptação ideológica, que se refe-re a “uma redefinição ou refundição dos fins e objetivos morais parafazê-los compatíveis com os imperativos da organização” (DERBER,apud JÁEN, op. cit., p. 79). Há uma identificação do caráter ideoló-gico e moral do trabalho com os propósitos morais definidos poroutros.

Jáen (1991, op. cit., p. 79) aponta uma diferença impor-tante entre o professorado e os trabalhadores industriais:

[...] os docentes, ao mesmo tempo em que são desqualificados, tam-bém se vêem submetidos a formas diversas de requalificação, en-tendendo-se por isso aquele processo que os força a adquirir novashabilidades e competências, vinculadas, especificamente, a duasdas transformações que a racionalização introduz em seu trabalho:a) o reforço da função disciplinar do docente [...]; e b) a transforma-ção das tarefas de ensino-aprendizagem propriamente ditas, espe-cialmente a de dotá-los de um caráter ‘quantitativo’, obriga a que oprofessor adquira novas técnicas [...].

Jáen (op. cit.) cita K. Harris, que admite ser necessáriodistinguir entre os aspectos “disciplinares” e os “instrutivos” do tra-

balho docente, ao se analisar a proletarização. Segundo ele, emboraseja possível constatar a desqualificação do professor em seu traba-lho “instrutivo”, não ocorre o mesmo em seu trabalho “disciplinar”:“o professor proletarizado controlará mais as crianças e cada vezinstruirá menos”.

Segundo Apple (1983) informa que, na escola, a desqua-lificação e a requalificação operam ao mesmo tempo. Assim que osprocedimentos de controle técnico entram na escola, na forma demateriais instrucionais previamente prescritos e de sistemas de ava-

liação do ensino, tem início o processo de desqualificação dos pro-fessores. Em conseqüência disso, eles são requalificados. Enquantoa desqualificação envolve a perda do “ofício”, isto é, a atrofia das ca-pacidades educacionais, a requalificação envolve a substituição decapacidades e de visões ideológicas de gerência. O crescimento detécnicas de mudança de comportamento e de estratégias de mane- jo de classe e sua incorporação nos materiais curriculares e no reper-tório dos professores são exemplos de alterações que têm ocorrido,relata Apple. Deste processo resulta que os professores perdem ocontrole das capacidades pedagógicas e curriculares, repassando-as para as grandes editoras. Essas capacidades são substituídas portécnicas destinadas a melhor controlar os alunos. Apple afirma queo controle técnico e a desqualificação tendem a caminhar juntos.

Jáen (op. cit.) apresenta outras diferenças entre os pro-

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fessores e os operários. Uma delas diz respeito ao surgimento deespecializações no ensino, acompanhado da criação de novos cam-pos de conhecimento e da qualificação de aspectos do trabalhodocente que anteriormente não requeriam habilidades específicas.É o caso do aparecimento da Orientação Educacional. Mas, apesardos especialistas, argumenta a autora, o professor pode realizar deforma autônoma seu trabalho.

Outra diferença refere-se ao uso de computadores naescola que, segundo Derber, Lawn e Ozga, citados por Jáen, podelevar à mecanização e rotinização do trabalho. Contudo, até o mo-mento, seu emprego é complementar e por um número reduzidode professores.

A questão da exclusão dos professores do planejamen-to do seu trabalho também é analisada. Mesmo que se pretendapadronizar tal atividade, através de modelos pré-estabelecidos,permanece presente certa autonomia do professor para adaptar os

métodos, materiais, conteúdos, avaliação etc. a cada aluno ou gru-po de alunos. Assim, o professor tem a possibilidade de pensar, deforma global, sobre o seu trabalho, o que não acontece com os ope-rários desqualificados.

Jáen (op. cit., p. 82) conclui sua análise afirmando que aperda de controle dos docentes sobre seu trabalho (sua proletari-zação) submete-se a numerosas limitações, contudo não se podeafirmar que tenha alcançado as formas avançadas que sofrem osoperários.

Comentando sobre o processo de desqualificação queatinge os professores nos Estados Unidos, Apple e Teitelbaun (1991)relatam que:

[...] nos níveis local, estadual e federal, os movimentos por sis-temas estritos de avaliação do trabalho dos professores, deeducação baseada na competência, de testagem, sistemasgerenciais, uma visão truncada das ‘aprendizagens funda-mentais’, objetivos e conteúdos curriculares determinadospor decreto e, assim por diante, são visíveis e estão em as-

censão. De forma crescente, métodos de ensino, textos, tes-tes e resultados estão sendo retirados das mãos das pessoasque devem pô-los em prática. Em vez disso, eles estão sendolegislados por departamentos estaduais de educação ou porassembléias estaduais [...] ( p.62-73).

Segundo os mesmos autores, quando as pessoas dei-xam de planejar e controlar grande parte de seu próprio trabalho,as habilidades essenciais para executar essas tarefas se atrofiam esão esquecidas.

Com a crescente tendência de controle do ensino mo-ver-se tanto para dentro quanto para fora da escola, os dois autoresamericanos vêem a possibilidade de, em seu país, o professoradoestar arriscado a perder conquistas obtidas arduamente, principal-

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mente às custas da atividade mal paga de uma força de trabalhoamplamente feminina. O controle externo do trabalho pedagógicocada vez mais penetra na sala de aula, com a intenção de determi-nar todas as atividades do professor. Nesse processo, ocorre, tam-bém, o movimento de dentro para fora, com o controle do ensino edo currículo sendo atribuído a corpos legislativos e administrativos,dispostos a orientar a escola de acordo com necessidades geren-ciais e industriais.

A superação da divisão do trabalho, da hierarquização eda conseqüente alienação, no interior da escola, significaria a subs-tituição do capitalismo por um modo de produção desprovido deexploração. Considerando que essa transformação da sociedade sóserá possível a partir de um movimento político que envolva todaa sociedade e que, portanto, demorará a acontecer, André (1990)acredita ser preciso encontrar espaço na escola para a construçãode uma nova ordem, para que se vá preparando esse movimentomaior. Para isso, a autora julga imprescindível a implantação, nas es-

colas, de sistemática de encontros e de reuniões, onde professores ecoordenadores possam analisar conjuntamente seu fazer pedagó-gico. Esses espaços de reflexão coletiva podem ser utilizados paraacompanhamento, avaliação e reformulação do trabalho pedagó-gico, visando ao seu aprimoramento. Esses encontros propiciarãoa análise da prática pedagógica, a partir do estudo da teoria quefundamentará a sua reformulação. Naturalmente, isso só será possí-vel sob uma gestão escolar democrática, que possibilite o diálogo,a comunicação horizontal entre professores e deles com os alunos,em um processo de reflexão crítica da prática pedagógica que aten-

da às necessidades e interesses dos alunos. A mediação da teoria,explica André, é fundamental para possibilitar o distanciamento daprática imediata, de modo a se entender suas relações com a práti-ca social total, superando-se explicações preconceituosas e estere-otipadas.

Essa sistemática de trabalho da equipe pedagógica, tor-nando-se uma constante na escola, irá transformando a mentalida-de dos professores, que, gradativamente, passarão a relacionar-secom os alunos e a desenvolver as atividades de forma mais cons-ciente. Para que essa mentalidade crítica se instale, é imprescindívelque o diretor da escola abra mão da centralização do poder, dividin-do-o com todos os que participam do trabalho.

Portanto, nesse texto, apresentamos o entendimento deprofissionalização e proletarização. Profissionalização é o processopelo qual os trabalhadores lutam para obter e manter seus direitos,de modo a serem considerados profissionais de uma determinadaárea. No nosso contexto de análise, “a profissionalização deve serentendida a partir de uma ótica que respeite a autonomia, resguar-de a participação da comunidade e consolide práticas educativas

emancipatórias” (HYPOLITO, 1999, p. 98). A profissionalização possi-bilita a organização do trabalho pedagógico de forma democrática.Isso significa que os professores e outros profissionais da educaçãoque atuam na escola são os que concebem, executam e avaliam o

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trabalho, com a participação dos alunos, pais e representantes dacomunidade. “ O profissionalismo, nesse processo, significa a me-lhoria do trabalho profissional e da qualidade social do ensino”, en-sina Hypolito (op. cit., p. 98).

Por outro lado, a proletarização é o processo pelo qualo trabalhador não tem controle sobre o trabalho que executa: mui-tas vezes não participa da sua concepção e avaliação e desenvolveo que outros estabeleceram para ele apenas cumprir. Além disso,o trabalho se realiza sem as condições necessárias e o trabalhadornão recebe a remuneração devida.

Várias são as conseqüências da profissionalização e daproletarização sobre o trabalho docente. O verdadeiro profissionalda educação é aquele que desenvolve seu trabalho com autono-mia, isto é, o concebe, o executa e o avalia. Pela proletarização, o pro-fessor não domina o processo de trabalho, isto é, apenas cumpreordens, como é o caso da simples aplicação de “pacotes” de ensino.

Pesquise

1. Para compreender melhor o texto, busque o entendi-mento de “economia de subsistência” e de “capitalismo”.

2. O que é “liberalismo”?

3. O que significa “laicidade do ensino”?

4. O que são “processos de urbanização e de industria-lização”?

5. O que vem a ser “alienação”?

Reita

1. Segundo Enguita (1989, p. 30), a escola foi criada parapreparar as crianças para o trabalho. Que função a escola está de-sempenhando atualmente?

2. Que tipo de acomodação à proletarização tem sidomanifestado por professores brasileiros e acreanos?

3. Um dos autores citados considera que, embora sejapossível constatar a desqualificação do professor em seu trabalho“instrutivo”, não ocorre o mesmo em seu trabalho “disciplinar”: “oprofessor proletarizado controlará mais as crianças e cada vez ins-

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truirá menos”. Você concorda? Como isso pode acontecer?

Atividade

1. Que aspectos da profissionalização estão presentesno trabalho que você executa?

2. Que aspectos da proletarização estão presentes no

trabalho que você executa?

3. Quais são as evidências de requalificação do seu tra-balho?

4. Quais as conseqüências da profissionalização e daproletarização sobre o trabalho pedagógico de que você participa?Pense na sua participação no trabalho da escola como um todo eno trabalho que realiza com seus alunos.

5. Registre suas conclusões em um texto.

Sugestões para leitura

ANDRÉ, E. D. M. A avaliação da escola e a avaliação na escola. Cader-

nos de pesquisa. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 74, ago., p.68-70, 1999.

ENGUITA, M. F. A ambigüidade da docência: entre o profissionalis-mo e a proletarização. Teoria & educação, Porto Alegre, n. 4, p. 41-61,

1991.

HYPOLITO, M. A. Processo de trabalho na escola; algumas categoriaspara análise. Teoria & educação, Porto Alegre, n. 4, p. 3-21, 1991.

Referências

ANDRÉ, E. D. M. A avaliação da escola e a avaliação na escola. Cader-

nos de pesquisa, São Paulo, Fundação Carlos Chagas, n. 74, ago., p.

68-70, 1999.

APPLE, M. W. Curricular form and the logic of technical control. In:APPLE, M. W. Ideology and practice in schooling. Philadelphia: TempleUniversity Press, 1983, p. 143-165.

APPLE, M. W. e TEITELBAUN, K. Está o professorado perdendo o con-trole de suas qualificações e do currículo?. Teoria & Educação, PortoAlegre, n. 4, p. 62-73, 1991.

ENGUITA, M. F.  A face oculta da escola. Porto Alegre: Artes Médicas,1989.

HYPOLITO, A. M. Trabalho docente e profissionalização: sonho pro-metido ou sonho negado? In: VEIGA, I. P. A.; CUNHA, M. I. da (Orgs.)

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Desmistificando a profissionalização do magistério. Campinas, SP: Pa-pirus, 1999.

JÁEN, M. J. Os docentes e a racionalização do trabalho em educação:elementos para uma crítica da teoria da proletarização dos docen-tes. Teoria & educação, Porto Alegre, n. 4, p. 74-90, 1991.

VILLAS BOAS, B. M. de F. Práticas avaliativas e organização do traba-

lho pedagógico, 1993. Tese (Doutorado). UNICAMP, Campinas.

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Significado do

trabalho e do

trabalho escolar2Objetivos:  analisar a constituição histórica da categoria trabalho e o

sentido do trabalho escolar.

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Discutimos, anteriormente, as características do traba-lho docente como proletarização e como profissionalização e seuimpacto, isto é, suas conseqüências para a organização do trabalhopedagógico. Falamos até agora em “trabalho docente”, isto é, no tra-balho do professor. Na escola somente ele executa um trabalho?O que é o trabalho? A relação entre o homem e o trabalho sempreesteve presente na história da humanidade. Mas qual é o signifi-cado de trabalho? Qual a relação que o homem estabelece com otrabalho? Para você, o que é trabalhar?

Para entendermos a organização do trabalho pedagó-gico escolar, faz-se necessário relembrarmos os movimentos histó-ricos que determinaram a forma atual de organização do trabalho,de modo geral.

Marx2 (1975) concebe o trabalho como todas as formasde atividade humana pelas quais o homem se relaciona com a natu-reza com o objetivo de transformá-la, apreendendo, compreenden-

do e transformando a realidade que o cerca, sendo, neste processo,transformado por ela. O trabalho é um ato exclusivamente humano,e, por ele, o homem se diferencia dos animais, como afirma Marx:

Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão,e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir sua col-meia; mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelhaé que ele figura na mente sua construção antes de transfor-má-la em realidade. No fim do processo do trabalho apareceum resultado que já existia antes idealmente na imaginaçãodo trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o

qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha cons-cientemente em mira, o qual constitui a lei determinante doseu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua vonta-de (MARX, 1989, p. 202).

Saviani (1991) nos ensina que o trabalho não é qualquertipo de atividade, mas uma ação adequada a finalidades, sendo, por-tanto, uma ação intencional. Pelo trabalho o homem objetiva-se nanatureza, nos instrumentos, com uma determinada finalidade, à qualsubordina sua vontade e sua própria ação. Assim, um dos aspectos

essenciais do trabalho humano é a sua adequação a uma finalidade.Outra característica também essencial é a unidade e a combinaçãoentre os atos de concepção e execução (FREITAS3 , 1996).

Se esse é o caráter geral do trabalho como atividade vi-tal do homem e de suas relações com a natureza, essas relações:

[...] se materializaram e adquiriram características particula-res através da história, oriundas das várias maneiras comoos homens se relacionam entre si e com a natureza e se or-ganizam para produzir sua vida material, em cada formação

social. Cada modo de produção muda a forma como se or-ganiza o processo de produção da vida material e espiritual,passando, por exemplo, no feudalismo, do conhecimento edo controle absoluto que os trabalhadores tinham sobre oseu próprio trabalho – trabalho manual, com características

2 Karl Heinrich Marx (1818-1883) foifilósofo e economista alemão, ideólo-go do comunismo e organizador domovimento proletrário internacional.Desenvolveu, durante toda sua vida,intensa atividade política, elaborandoa doutrina do socialismo.

3 Helena Costa L. de Freitas ofereceresumo muito bem elaborado sobreas relações entre trabalho e educação,em seu livro O trabalho como princípioarticulador na prática de ensino e nosestágios.

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artesanais –, realizando eles mesmos todas as etapas da pro-dução, até a dependência total do trabalhador aos ritmospróprios da produção fabril, na sociedade capitalista, em queo saber do artesão incorporado às máquinas conduz à perdado conhecimento e do domínio sobre o processo de traba-lho. O próprio trabalho, agora dividido, parcelado e distribu-ído a vários operários diante das máquinas impede tambémao trabalhador o domínio do seu processo, agora, posse do

capital (FREITAS, 1996, p. 38).

A característica principal da formação social capitalistaé, portanto, a divisão do trabalho e com ela a existência de duasclasses fundamentais, antagônicas entre si: o trabalhador que, parasobreviver, vende sua força de trabalho ao capitalista (que detémos meios de produção), submetendo-se a condições desumanas detrabalho, e o dono do capital. No capitalismo, o próprio trabalho étransformado em forma particular de mercadoria (FREITAS, op. cit.,p. 39).

A cisão na forma como o homem se relaciona com a na-tureza (o trabalho) – homens que só possuem sua força de trabalhoversus homens que possuem os meios de produção – tem váriosdesdobramentos, informa Freitas (op. cit., p. 39). A mesma autora,baseando-se em Harry Braverman, estudioso do assunto (autor deum livro clássico Trabalho e capital monopolista: a degradação dotrabalho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1974), esclarece quea divisão social do trabalho, característica de todas as sociedades,nada tem a ver com essa divisão no interior do trabalho, uma carac-terística particular da sociedade capitalista. “Enquanto a divisão so-

cial do trabalho cinde a sociedade entre ocupações, assegurando ocaráter social do trabalho, cada qual associada a determinado ramoda produção, a divisão pormenorizada do trabalho, no interior dasfábricas, destrói ocupações consideradas como tal e torna o traba-lhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de pro-dução. Expropriado de seu trabalho e do conhecimento sobre ele, otrabalhador se desumaniza”. Assim:

[...] enquanto a divisão social do trabalho subdivide a socie-dade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem eenquanto a subdivisão da sociedade pode fortalecer o indiví-duo e a espécie, a subdivisão do indivíduo, quando efetuadacom menosprezo das capacidades e necessidades humanas,é um crime contra a pessoa e contra a humanidade (BRAVER-MAN, 1974, p. 72).

A divisão do trabalho no capitalismo, ao separar a con-cepção da execução, faz com que as relações dos homens com anatureza e entre si assumam características diferenciadas e antagô-nicas. “Essa separação gera a fragmentação do trabalho e do conhe-cimento, levando à desumanização, uma vez que os homens per-

dem o domínio sobre o processo de trabalho e, conseqüentemente,a possibilidade de se fazerem homens pelo trabalho” (FREITAS, op.cit., p. 40).

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Segundo Marx (1983), o surgimento do capitalismo re-presentou, por um lado, o progresso em relação à fase anterior davida social – o feudalismo – mas, por outro lado, seu desenvolvimen-to só foi possível por meio da exploração cada vez maior da classeoperária, concentrando do lado oposto a ela a riqueza produzidapor uma imensa maioria de trabalhadores que, ao mesmo tempoem que produzem os bens necessários à existência da sociedade,aprofundam progressivamente sua própria miséria e alienam-secomo homens.

Atualmente, vivemos o reordenamento dos pilares docapitalismo. Para compreendermos esse reordenamento é precisoentendermos as diversas alterações que vêm ocorrendo no mundodo trabalho, inclusive a grande exclusão apresentada sob a formado emprego estrutural.

Com a internacionalização da economia, a expansão dossistemas de comunicação, a revolução da telefonia e o desenvolvi-

mento da informática em diversos setores de serviços, a base cien-tífico-tecnológica do trabalho passa a ser assentada na microeletrô-nica, o que tem introduzido modificações no mercado de trabalho.Com isso, estabelece-se a crise do trabalho assalariado, o aumentodo desemprego e a livre negociação entre patrão e empregados nabusca da manutenção do emprego, surgindo, portanto, novas rela-ções de trabalho.

Antes de abordarmos o trabalho pedagógico escolar,leia e reflita sobre a letra do poema abaixo. Ele trata do trabalho.

Que sentido de trabalho ele pretende transmitir? Por quê?

VAI TRABALHAR, VAGABUNDO

Autor: Chico Buarque de Holanda

Vai trabalhar, vagabundoVai trabalhar, criaturaDeus permite a todo mundo uma loucura.Passa domingo em família

Segunda-feira, belezaEmbarca com alegria na correnteza.Não perde mais um minuto, perde a questãoTenta pensar no futuroNo escuro tenta pensarVai renovar seu seguro,Vai caducar,Vai te entregar,Vai te estragar, vai trabalhar.

Chegou o momento de pensarmos no trabalho escolar.Quem o desenvolve? Que trabalho é esse? Como ele se insere no

trabalho, de modo geral?

Saviani (1991) nos ajuda a entender isso. A educaçãoé um trabalho, situando-se na categoria do trabalho não-material,

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como produção de idéias, conceitos, valores. Trata-se, em última ins-tância, “da produção do saber, seja do saber sobre a natureza, sejado saber sobre a cultura, isto é, o conjunto da produção humana”(SAVIANI, 1991, p. 20). Nessa produção não-material, o ato de produ-zir e o ato de consumir imbricam-se, diferenciando-se, por exemplo,de atividades – como a produção de livros e objetos de arte – emque o produto se separa do produtor, havendo um intervalo entreprodução e consumo. Poderíamos, então, dizer que o trabalho esco-lar é predominantemente intelectual? Enguita esclarece

[...] que não existem, propriamente, trabalhos estritamente intelec-tuais nem estritamente manuais, mas tão somente trabalhos quesão predominantemente uma coisa ou outra. O mais simples dostrabalhos manuais acarreta algum grau de atenção, premeditação evontade, enquanto o mais puro (perdoem os adjetivos obviamenteenviesados) trabalho intelectual exige ao menos um certo esforçofísico (ENGUITA ,1993, p. 243).

Enguita (1993, p. 240) nos mostra como os diferentes

mecanismos, rituais e práticas que constituem o trabalho escolar seaproximam do processo de trabalho de modo geral. Assim como otrabalhador “insere-se no processo de trabalho como algo já dado,predeterminado, sobre o qual sua capacidade de influência é nula”,de maneira análoga, “já está dada e predisposta a organização daescola para o aluno, privado da capacidade de criá-la ou modificá-la.Quando o aluno chega à sala de aula, já foram determinados todosos aspectos do que será sua experiência escolar: a configuração doespaço, a distribuição do tempo, a gama de materiais utilizáveis, adisposição que se pode fazer dos mesmos, a estruturação e classifi-cação dos estudantes em grupos, a estrutura hierárquica e a divisãode incumbências na escola, o que deve ser ensinado e aprendido, aforma como haverá de sê-lo, etc.

O trabalho escolar, como dizíamos há pouco, é geral-mente considerado como trabalho intelectual, mas, segundo Engui-ta, “se observarmos a distinção entre concepção e execução, salta àvista que se trata primordialmente de um trabalho de execução”. Asua maior parte é composta de memorização, processos rotineirose tarefas repetitivas. “A concepção desse trabalho costuma ser deresponsabilidade apenas dos professores, embora progressivamen-

te vá se deslocando para as mãos das autoridades e fabricantes demercadorias educacionais”, diz o autor. “Isso é especialmente certono ensino primário e só começa a deixar parcialmente de sê-lo emníveis superiores de educação”, considera Enguita. Este autor cha-ma a atenção para o fato de que cada classe pratica um trabalhoescolar análogo à função que logo lhe corresponderá no trabalhoprodutivo. Como ilustração, ele afirma que

[...] um ditado, obviamente, não é a mesma coisa que uma redaçãoou uma dissertação, nem um exercício de cálculo é igual a um pro-blema, nem a aprendizagem de memória da lista dos reis godos

eqüivale à interpretação das causas das guerras mundiais, qualquerque seja (ENGUITA, op. cit, p. 243-244).

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Explica o autor que essas diferentes atividades têm di-ferente valor propedêutico e pedagógico e expressam formas detrabalho escolar diversas, ou seja, relações sociais diferentes. Estaé uma questão que merece reflexão aprofundada. Converse comseus colegas sobre ela e escreva suas conclusões.

Ao longo deste texto estamos analisando como as re-lações no processo de produção capitalista estão presentes nointerior da escola. A avaliação é outra prática que se aproxima doprocesso produtivo. Com o objetivo de acompanhar o desenvolvi-mento integral da criança, as práticas avaliativas desempenham pa-pel importante no processo seletivo, por meio da eliminação e/oumanutenção das crianças na escola, principalmente as das classestrabalhadoras.

Luiz C. de Freitas (1991) considera que os objetivos, mé-todos e conteúdos, componentes do trabalho em sala de aula, sãoimpregnados de relações de poder

[...] que se sustentam a partir das práticas de avaliação do professor– em especial nas primeiras séries do primeiro grau. Tais relaçõesde poder, guardadas as especificidades da fábrica e da escola, estaúltima com função mediadora, são uma antecipação, na escola, dasrelações de poder no interior da fábrica (p. 265-285).

Chegou o momento de apresentarmos nosso enten-dimento de trabalho pedagógico, expressão à qual estaremos nosreferindo em todas as nossas reflexões. A expressão trabalho peda-gógico comporta dois significados. O primeiro se refere ao trabalho

realizado pela escola como um todo: aquele realizado diretamentecom os alunos e o que subsidia este trabalho, como a coordenaçãopedagógica, a secretaria escolar, a orientação educacional, a meren-da, as atividades junto à comunidade, etc.

Em sentido restrito, o trabalho pedagógico resulta dainteração do professor com seus alunos, em sala de aula conven-cional e em outros espaços. Neste caso, é o trabalho realizado peloprofessor com o grupo de alunos, composto por tarefas docentese discentes. O uso dessa expressão requer o entendimento de queo trabalho pedagógico pertence ao professor e aos alunos, não ca-bendo ao primeiro referir-se “à minha aula”, “à minha disciplina”, “àminha prova” etc., excluindo a co-responsabilidade dos alunos. Tra-balho pedagógico é aquele realizado em parceria. Portanto, tanto oprofessor quanto o aluno desenvolvem trabalho na escola. Para queo aluno vai à escola? Para aprender, se diz. As atividades de apren-dizagem que ele realiza não constituem seu trabalho? É certo queele realiza um trabalho diferente daquele do professor, que é remu-nerado, mas é o seu trabalho, com características peculiares. Se as-sim tratarmos o ofício do aluno e com ele organizarmos o trabalhopedagógico em regime de co-responsabilidade, estaremos contri-

buindo para a formação do cidadão e do trabalhador capaz de inse-rir-se criticamente na sociedade. Nessa perspectiva, abandonamosa idéia da transmissão do saber por meio do discurso magistral eadotamos a imagem de um saber construído por meio de uma ati-

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vidade disciplinada, o trabalho.

A escola é, pois, o local de trabalho do professor e doaluno; é o espaço onde se organizam e desenvolvem as atividadesde aprendizagem e que possibilita a criação, pelo aluno, dos sen-timentos de pertencer ao grupo e de ser proprietário daquilo queconstrói.

Analisando o ofício de aluno, hoje, Perrenoud afirmaque “fazer um bom trabalho, na escola, é fazer um trabalho nãoremunerado, largamente imposto, fragmentado, repetitivo e cons-tantemente vigiado”. Nessa situação, a energia dos alunos não é in-vestida na busca de melhores resultados. Acrescenta o autor quealguns profissionais estão acostumados a trabalhar perante um pú-blico que segue passo a passo os seus ensaios e erros. Porém, emmuitos ofícios, os trabalhadores não suportariam ser observadospermanentemente. Entregam o produto acabado, mas o métodode produção fica, em parte, na esfera do seu domínio privado. Na

aula, afirma Perrenoud, o trabalho do aluno está em constante ex-posição:

O professor pode espiar por cima do seu ombro, pedir-lhe para lhelevar o caderno, investir no seu trabalho, fazer-lhe uma perguntasem lhe dar tempo para refletir, antecipar um erro que ainda não foicometido, responsabilizá-lo pela demora em escolher ou em avan-çar mais depressa do que aquilo que o aluno é capaz. Munido, emgeral, de boas intenções, o professor imiscui-se, todavia, sem cessar,na ‘esfera pessoal’ dos alunos (PERRENOUD, 1995, p. 71).

Ao analisar o sentido do trabalho escolar, Perrenoud(1995) acredita que toda a escola é responsável por organizar o ofí-cio de professor e o ofício de aluno.

Você, como professor(a) e parte da comunidade escolar,como percebe o ofício de aluno?

Prezado(a) cursista: nesta seção, analisamos: o sentidodo trabalho desenvolvido na sociedade e o sentido do trabalho es-colar, assim como a relação entre esses dois trabalhos.

Pesquise

1. Que mudanças têm ocorrido no mundo do trabalhonos últimos anos?

2. Que conseqüências essas mudanças estão introdu-zindo no trabalho pedagógico escolar?

Reita1. Qual a responsabilidade da escola e a sua, particular-

mente, na formação do cidadão e do futuro trabalhador?

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Atividade

1. Levando em conta as idéias do texto, quais as caracte-rísticas do trabalho pedagógico em sua escola?

2. Quais as características do trabalho pedagógico da

turma sob sua responsabilidade?

3. No trabalho pedagógico realizado em sua escola, háseparação entre concepção e execução? Como isso acontece? Essaé uma questão discutida em sua escola? Como? Como se pode su-perar essa separação?

4. Desenvolva a seguinte pesquisa junto aos seus alu-nos: o que significa trabalhar? Que tipo de trabalho você realiza?

Sugestões para leitura

1. Leia reportagens de jornais e revistas que informemsobre as atuais exigências do mundo do trabalho. Alguns jornaisdestinam um caderno ao tema “emprego”, onde se incluem, tam-bém, algumas análises. Discuta com seus colegas as reportagens eestabeleça relação com o texto do fascículo.

2. Se possível, leia o livro  A escola pública como local de

trabalho, de Celestino Alves da Silva Júnior, da Editora Cortez. A pri-meira edição é de 1990.

Referências

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do tra-balho no século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

ENGUITA, M. F. A face oculta da escola: educação e trabalho no capi-

talismo. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

______. Trabalho, escola e ideologia: Marx e a crítica da educação.Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

FREITAS, H. C. de. O trabalho como princípio articulador na prática de

ensino e nos estágios. São Paulo: Papirus, 1996.

FREITAS, L. C. de. A dialética da eliminação no processo seletivo. Edu-

cação e sociedade, n. 39, p. 265-285, 1991.

MARX, K. Prefácio à contribuição à crítica da economia política. In:Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã e outros textos filosóficos.Lisboa, Editorial Estampa, 1975.

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_____. O capital. 13. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, S. A., 1989. v.I.PERRENOUD, P. Ofício de aluno e sentido do trabalho escolar . Portugal,Porto: Porto Editora, 1995.

SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. SãoPaulo: Cortez & Autores Associados, 1991.

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A organização do

trabalho escolar na

LDB e nas Diretrizes

Curriculares Nacionais

para a educação infantil

e o ensino fundamental

3Objetivos: identificar e analisar os aspectos da LDB e das Diretrizes Curriculares

Nacionais a serem considerados na organização do trabalho escolar.

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Neste fascículo, estamos analisando os aspectos do tra-balho (trabalho, de modo geral, trabalho docente e trabalho escolar)que nos auxiliarão a compreender a organização atual do trabalhopedagógico e as suas necessidades de avanço. Nesta última parte,discutiremos os artigos da LDB que apontam os rumos da organiza-ção desse trabalho.

Pode-se iniciar a análise da organização do trabalhoescolar, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- LDB, Lei n. 9.394, de 20/12/1996, pelos artigos 12 e 13. Vejamos,primeiramente, o que diz cada um deles.

Art. 12 - Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas co-muns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:

I elaborar e executar sua proposta pedagógica;II administrar seu pessoal e seus recursos materiais e financeiros;III assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-aula estabe-lecidas;

IV velar pelo cumprimento de plano de trabalho de cada docente;V prover meios para a recuperação dos alunos de menor rendimen-to;VI articular-se com as famílias e a comunidade, criando processosde integração da sociedade com a escola;VII informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendi-mento dos alunos, bem como sobre a execução de sua propostapedagógica.

Art. 13 - Os docentes incumbir-se-ão de:

I participar da elaboração da proposta pedagógica do estabeleci-mento de ensino;

II elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta peda-gógica do estabelecimento de ensino;III zelar pela aprendizagem dos alunos;IV estabelecer estratégias de recuperação para alunos de menorrendimento;V ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de par-ticipar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, àavaliação e ao desenvolvimento profissional;VI colaborar com as atividades de articulação da escola com as fa-mílias e a comunidade.

Dois aspectos dos artigos acima merecem destaque. Oprimeiro deles encontra-se no inciso I do Art. 12, que encarrega osestabelecimentos de ensino de elaborarem e executarem sua pro-posta pedagógica e nos incisos I e II do Art. 13, onde se afirma queos docentes incumbir-se-ão de participar da elaboração dessa pro-posta. Esses dois artigos concedem aos profissionais da educaçãoautonomia para organizarem o trabalho escolar, a qual não pode sedesvincular dos princípios basilares do ensino, enunciados no Art. 3da mesma lei, que discutiremos posteriormente. Nessa organizaçãose impõe o planejamento da avaliação como parte integrante daproposta pedagógica, até agora restrito à elaboração de provas e

testes. Esse planejamento requer: a) trabalho integrado de toda aequipe escolar, pois o processo avaliativo se dá em todos os am-bientes escolares e não apenas em sala de aula, como mostram re-sultados de pesquisas; b) fundamentação teórica; e c) comprome-timento com a aprendizagem de todos os alunos. O processo de

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planejamento do trabalho pedagógico escolar representa condiçãoindispensável para que a escola contribua para reverter a transmis-são de compreensão fragmentada, mecânica e arbitrária da reali-dade. Nesse contexto, não cabe a avaliação classificatória, seletiva,autoritária e punitiva, mas ganha força total a função diagnóstica,destinada a apoiar a aprendizagem.

O segundo aspecto a ser analisado é o entendimento derecuperação de estudos presente na Lei. Pesquisas têm demonstra-do que a recuperação de estudos tem servido a fins classificatórios,pelo fato de se resumir à aplicação de uma segunda prova, igualpara todos, como se as dificuldades fossem as mesmas, e de serembeneficiários dela apenas os alunos que não obtiveram a nota “mé-dia”, aquela que garante a aprovação. Percebe-se, então, que a escolase contenta com o aluno “médio”, aquele que tem nota para “passar”.Não se avalia o que cada um aprendeu e o que ainda não aprendeu,com vistas ao replanejamento do trabalho pedagógico que garantaa aprendizagem dos conteúdos considerados fundamentais. Os re-

sultados da avaliação, via de regra apresentados em forma de notasou menções, e as decisões quanto à aprovação e reprovação têmsido o foco de atenção do trabalho pedagógico. Essa percepção érepassada pela escola aos pais, que aprenderam a confiar no siste-ma de notas.

A LDB reforça esse entendimento da recuperação, aoestabelecer, em seu Art. 12, inciso V, que os estabelecimentos de en-sino terão a incumbência de “prover meios para a recuperação dosalunos de menor rendimento”. Está certa a lei ao considerar ser a

escola responsável por “prover meios” para a recuperação, usando,intencionalmente, o plural e articulando a avaliação aos procedi-mentos que assegurem a aquisição da aprendizagem. Isso significanão ser aceitável que o aluno tenha apenas a oportunidade de sesubmeter a uma segunda prova. Contudo, limitou-se a recuperaçãoàqueles de “menor rendimento”. O uso desta expressão parece indi-car ser natural a existência de dois grupos distintos de alunos: os de“maior rendimento”, os privilegiados, ou incluídos, e o dos de “menorrendimento”, isto é, excluídos, marginalizados. É necessário que aeducação escolar brasileira elimine esse tipo de discriminação, pormeio da construção de um trabalho pedagógico cujas práticas ava-liativas apóiem a aprendizagem de todos os alunos, sem distinção,e em todos os momentos. Nesse contexto, não cabe a recuperaçãode estudos episódica, discriminatória e classificatória. Aliás, assimcomo a lei não especifica as modalidades de aprendizagem, nãodeveria haver a necessidade de normatizar estudos de recuperação,por constituírem-se atividades do dia-a-dia escolar. A recuperaçãode estudos é parte integrante do trabalho escolar em que se apren-dem os conteúdos necessários ao desenvolvimento das atividadessubseqüentes. Isso é um direito de todos os alunos.

O fato de se exigir hoje da escola a elaboração ou cons-trução da sua proposta pedagógica ou projeto pedagógico não sig-nifica que a idéia seja nova. Cada escola sempre teve o seu projeto,sempre impregnado da dimensão política, pois nenhum trabalho

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se realiza de forma neutra. Planos de trabalho, planos de ação ousimplesmente projetos são nossos conhecidos há muito tempo.Talvez a novidade resida na insistente recomendação da sua “cons-trução coletiva”, como um processo permanente de discussão, coma participação de todos os envolvidos. Além disso, é necessáriofundamentação teórica, para que o trabalho escolar possa acom-panhar as mudanças sociais, e registro de todas as informações eações desenvolvidas. Isso significa que o projeto pedagógico não seresume à formulação escrita de um plano de trabalho: este é apenaso ponto de partida do processo.

A construção da proposta pedagógica ou projeto pe-dagógico leva em conta as prescrições legais. A primeira delas estácontida no Art. 2 da LDB: “A educação, dever da família e do Estado,inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedadehumana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando,seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para otrabalho”. O trabalho pedagógico escolar, incluída a avaliação, deve

contribuir para o alcance dessa finalidade. Não cabe a avaliaçãoque se restringe à aplicação de provas e atribuição de notas, istoé, punitiva, classificatória e excludente, mas a que contribui para aformação do cidadão como ser humano e como trabalhador. Nissoconsiste a formação do cidadão que tenha inserção social crítica.

O Art. 3 afirma que o ensino será ministrado com basenos seguintes princípios:

I igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;II liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o

pensamento, a arte e o saber;III pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;IV respeito à liberdade e apreço à tolerância;V coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;VI gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;VII valorização do profissional da educação escolar;VIII gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e dalegislação dos sistemas de ensino;IX garantia de padrão de qualidade;X valorização da experiência extra-escolar;XI vinculação entre a educação escolar e o trabalho e as práticassociais.

Observe que o caput  do artigo refere-se a princípios do“ensino”. O termo não está adequado porque por “ensino” pode-seentender apenas o trabalho do professor. Os princípios enunciadosconstituem a base do “trabalho pedagógico”, no sentido que esta-mos utilizando neste curso, de responsabilidade do professor e doaluno e da escola como um todo. Portanto, ao analisar os princípios,relacione-os ao trabalho pedagógico e não simplesmente à atua-ção do professor.

Todos esses princípios são importantes, porém, algunsdeles se relacionam mais diretamente à organização do trabalho daescola como um todo. Vejamos, a seguir, algumas das consideraçõesque podem ser feitas. Você poderá acrescentar outras.

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Segundo Carvalho (1997, p. 24), “a idéia da igualdade deoportunidades de acesso à escola é consensual no Brasil e no mun-do”. A grande novidade desse primeiro inciso é acrescentar à idéiade igualdade de oportunidades para o acesso a idéia de permanên-cia na escola, o que significa que a esta cabe a responsabilidade demanter seus alunos até a conclusão do curso. Portanto, o trabalhopedagógico deve ser organizado de forma a assegurar que todosos alunos permaneçam na escola e aprendam o que é fundamentalpara o prosseguimento dos estudos.

A liberdade apregoada pelo inciso II constitui um “prin-cípio fecundador da aprendizagem com autonomia” (CARNEIRO,1998, p. 34), por parte do aluno e do professor. O trabalho pedagó-gico que se quer é aquele que respeite essa autonomia. Em aten-dimento a esse princípio, o aluno terá oportunidade de formulare expressar suas próprias idéias e não simplesmente reproduzir opensamento de outros, o que geralmente acontece em provas equestionários; não será avaliado apenas por meio de provas, mas,

também, por outros procedimentos que lhe possibilitem expressar-se livremente; avaliará o seu próprio desempenho. O professor, porseu lado, terá autonomia para selecionar a metodologia, os recursosdidáticos e os procedimentos de avaliação mais adequados ao tra-balho que coordena. Além disso, cabe-lhe avaliar o desenvolvimen-to desse trabalho.

O princípio do pluralismo de idéias e de concepçõespedagógicas refere-se tanto ao aluno como ao professor. A pala-vra “pluralismo” refere-se a “grande número”, a “multiplicidade”. Esse

princípio requer que os conteúdos programáticos sejam multicul-turais, isto é, representem as diferentes manifestações culturais dopaís/região/localidade. O pluralismo de concepções pedagógicassignifica conceder a professores e alunos a autonomia de escolhe-rem aquelas mais adequadas ao trabalho em desenvolvimento. Ad-verte-nos Carneiro (op. cit., p. 34) que “ao professor e à escola cabecontribuir para desatar as capacidades intelectuais do aluno, porém, jamais para induzir este aluno a pensar como ele (professor) pensa.Se a escola não caminhar neste horizonte, o ensino será apenas umprocesso de impostura”. Nesse contexto, as atividades e os proce-dimentos de avaliação não poderão exigir que o aluno pense damesma forma que o professor.

O respeito à liberdade e o apreço à tolerância são prin-cípios altamente democráticos. Observe-se a insistência na idéia deliberdade, a qual se associa a de autonomia. Liberdade de pensar,falar, escolher, decidir, avaliar, ir e vir etc. A estas manifestações deliberdade correspondem as de tolerância: pelo que os outros pen-sam, falam, escolhem, decidem, avaliam, pelos caminhos por ondevão e de onde vêm. No caso específico da avaliação, a tolerância dizrespeito à necessidade de o avaliador não ter pressa e saber res-

peitar o ritmo de cada aluno, isto é, ter paciência e ouvi-lo em todaa sua argumentação, esperar que ele conclua as atividades, semdemonstrar desagrado. É muito comum o professor interromper oaluno que não está apresentando a resposta esperada ou fazer ex-

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pressões faciais de desaprovação. Freire (1998, p. 127) ensina que“somente quem escuta paciente e criticamente o outro fala com ele,mesmo que, em certas condições, precise de falar a ele”. O respeitodo professor à pessoa do aluno, à sua curiosidade, à sua timidez exi-ge o cultivo da humildade e da tolerância, acrescenta Freire (op. cit.,p. 74). O autor indaga: “como ser educador, sobretudo numa pers-pectiva progressista, sem aprender a conviver com os diferentes?”Esses princípios estão intimamente relacionados à avaliação.

A valorização do profissional da educação escolar cos-tuma incluir questões tais como: carreira de magistério, piso profis-sional, formação inicial e continuada, política de capacitação, con-curso para ingresso na carreira etc. Destacamos aqui a relevância daformação inicial e continuada, no sentido de que esses profissionaisse preparem continuamente para cumprir o que deles se espera,inclusive avaliar não só o aluno, mas todas as dimensões do traba-lho escolar. Associa-se a isso a exigência que hoje se coloca paraque a escola/curso (incluídos os alunos e todos os que com eles tra-

balham) avalie o seu próprio desempenho e preste conta dos seusresultados à sociedade (é o que os americanos e ingleses chamamde accountability ).

Os princípios da gestão democrática e da garantia depadrão de qualidade requerem o desenvolvimento de padrões deorganização e gerência que respeitem a natureza da instituição es-colar e que assegurem a participação ampla de todos os envolvidosno processo educativo, sem sacrifício dos objetivos de cada escola:“o de ensinar bem, o domínio das múltiplas linguagens e variadas

ciências” (CARVALHO, op. cit., p. 24).

Espera-se que a gestão democrática do ensino públi-co corresponda a uma avaliação nos mesmos moldes, isto é, quese articule a um trabalho comprometido com o desenvolvimentodo aluno, dos profissionais da educação e da escola/curso. Importaconceber e praticar a avaliação, cujo objetivo seja apreciar o fazerde sujeitos críticos a serviço da libertação e não da domesticação,em que se estimule o falar a como caminho do falar com (FREIRE,1998, p. 131).

Para a compreensão do princípio da garantia do padrãode qualidade, buscamos as contribuições de Demo4  (1994). Segun-do ele, qualidade aponta para a dimensão da intensidade, tendo aver com profundidade, perfeição e, principalmente, com participa-ção e criação. O autor faz distinção entre qualidade formal e política.A primeira significa “a habilidade de manejar meios, instrumentos,formas, técnicas, procedimentos diante dos desafios do desenvolvi-mento. Entre eles, ressaltam manejo e produção de conhecimento.São o expediente primordial de inovação (DEMO, 1994, p. 14).

Qualidade política “quer dizer a competência do sujeitoem termos de se fazer e de fazer história, diante dos fins históricosda sociedade humana. É condição básica da participação. Dirige-sea fins, valores e conteúdos” (id., p. 14).

4 Vale a pena ler o livro de Pedro DemoEducação e qualidade, indicado nas re-ferências.

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O conceito de “educação de qualidade” pode ser ple-onástico, afirma Demo, uma vez que os dois termos se implicamintrinsecamente. “Não há como chegar à qualidade sem educação,bem como não será educação aquela que não se destinar a formaro sujeito histórico crítico e criativo” (id., p. 16).

Qualidade, sendo questão de intensidade, não se satis-faz com o “maior”, pois quer o “melhor”; precisa do ter, mas realiza-seno ser, afirma Demo. Carece de forma “como instrumentação, maseclode em conteúdos, que são o fim”.

Qualidade de verdade, diz Demo:

[...] só tem ação humana, até porque é típico produto huma-no, no sentido de construção e participação. É condicionadapela quantidade, mas sobrepassa-a, porque qualidade não éapenas acontecer, mas especificamente fazer acontecer. De-signa a capacidade humana de inovação, no sentido primor-

dial de fazer história própria comum.

Educação, continua Demo:

[...] é o espaço e o indicador crucial de qualidade, porque re-presenta a estratégia básica de formação humana. Educaçãonão será, em hipótese nenhuma, apenas ensino, treinamento,instrução, mas especificamente formação, aprender a apren-der, saber pensar, para poder melhor intervir, inovar (p. 16).

Como categoria necessária do trabalho pedagógico

comprometido com o padrão de qualidade, a avaliação apropriar-se-á dos conceitos de formação do sujeito histórico crítico e criati-vo.

A valorização da experiência extra-escolar orienta a or-ganização do trabalho escolar no sentido de que o aluno está emprocesso permanente de construção da sua aprendizagem. O patri-mônio de conhecimentos que ele já construiu tem de ser reconhe-cido e ampliado. Este princípio se interliga ao do respeito à liberda-de e apreço à tolerância. Novamente buscamos o apoio de Freirepara a compreensão da organização do trabalho pedagógico queleve em conta esse princípio. Sem bater fisicamente no educando,diz Freire (1998),

[...] o professor pode golpeá-lo, impor-lhe desgostos e prejudicá-

lo no processo de sua aprendizagem.A resistência do professor,por exemplo, em respeitar a ‘leitura de mundo’ com que oeducando chega à escola, obviamente condicionada por suacultura de classe e revelada em sua linguagem, também declasse, constitui-se em um obstáculo à sua experiência de co-nhecimento [...] saber escutá-lo não significa [...] concordarcom ela, a leitura do mundo, ou a ela se acomodar, assumin-

do-a como sua. Respeitar a leitura de mundo, do educandonão é também um jogo tático com que o educador ou edu-cadora procura tornar-se simpático ao educando[...] signifi-ca tomá-la como ponto de partida para a compreensão dopapel da curiosidade, de modo geral, e da humana, de modo

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especial, como um dos impulsos fundantes da produção doconhecimento (p. 138).

Nesse contexto, cabe planejar o trabalho escolar queconsidere a produção do conhecimento do aluno como um proces-so que acontece dentro e fora dos espaços escolares.

A vinculação entre a educação escolar, o trabalho e aspráticas sociais pode ser entendida como o princípio-síntese dosdemais. O eixo orientador das atividades escolares é o entendimen-to de que alunos, professores e demais profissionais da educaçãoque atuam na escola desenvolvem um trabalho. A natureza dessetrabalho é diferente dos demais, porque não há produção de bensmateriais, mas de idéias. O que o aluno faz na escola é o seu traba-lho, organizado de maneira a possibilitar a vivência das práticas quecontribuam para a constituição de uma sociedade mais justa. Nessecontexto, surge a necessidade de se planejar a avaliação que sejaaliada dessa idéia, uma vez que ela é a categoria que inicia o proces-

so de trabalho, permeia-o e o conclui.

Muitos outros aspectos da organização do trabalho pe-dagógico estão presentes na LDB. Foram analisados até agora osque impulsionam essa organização. A continuidade da sua identifi-cação será solicitada a você mais adiante.

 A organização do trabalho pedagógico da escola levaem conta, também, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a edu-cação Infantil e o Ensino Fundamental, elaboradas pela Câmara de

Educação Básica do Conselho Nacional de Educação. Essas diretri-zes constituem dois documentos separados: um para a EducaçãoInfantil e outro para o ensino fundamental. Contudo, há diretrizescomuns aos dois. O Art. 2 de ambos é quase igual, diferenciando-sena designação de cada modalidade de educação: educação infantilou ensino fundamental. Vejamos o que se entende por diretrizescurriculares nacionais, segundo o Art. 2 das Diretrizes CurricularesNacionais para o ensino fundamental:

Diretrizes Curriculares Nacionais são o conjunto de definiçõesdoutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos

da educação básica, expressas pela Câmara de Educação Bá-sica do Conselho Nacional de Educação, que orientarão asescolas brasileiras dos sistemas de ensino na organização,articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostaspedagógicas.

Já o Art. 2 do documento referente à educação infantilsubstitui “que orientarão as escolas brasileiras” por “que orientarãoas Instituições de educação infantil”.

O Art. 3 de ambos os documentos trata especificamen-te das diretrizes nacionais, apresentando-as como os fundamentosnorteadores das ações pedagógicas:

a) os princípios éticos da autonomia, da responsabilida-

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de, da solidariedade e do respeito ao bem comum;

b) os princípios dos Direitos e deveres da Cidadania, doexercício da criticidade e do respeito à ordem democrática;

c) os princípios estéticos da sensibilidade, da criativida-de e da diversidade de manifestações artísticas e culturais.

As diretrizes acima constam do documento do ensinofundamental. O da educação infantil acrescenta, na letra “c”, o prin-cípio da ludicidade. Indagamos: por que considerar este princípioapenas na educação infantil? O trabalho pedagógico com os alunosdo ensino fundamental não deve, também, considerá-lo? Parece-nos que houve aí uma cochilada dos legisladores.

Pesquise

1. Segundo Carneiro (1998, p. 34), a liberdade apregoa-da pelo inciso II do Art. 3 da LDB constitui um “princípio fecundadorda aprendizagem com autonomia”. O que se entende por autono-mia? Um dos livros que você poderá consultar é Pedagogia da au-tonomia: saberes necessários à prática educativa, de Paulo Freire, daEditora Paz e Terra, 1998.

Reita

1. Como têm sido desenvolvidos os estudos de recupe-ração na escola onde você trabalha? Quais alunos são encaminha-dos para esses estudos? Quando? Quais conteúdos são trabalhadosnesses momentos? Como se avalia o trabalho realizado? Como seatribui a menção definitiva ao aluno?

2. Qual termo é mais apropriado: elaboração ou cons-trução da proposta pedagógica da escola? Por quê?

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Atividade

1. Ao estabelecer que a proposta pedagógica (projetopedagógico) seja elaborada e executada pelo próprio estabeleci-mento de ensino, com a participação dos docentes, a LDB deixa, emparte, implícita a idéia de quem deve ser envolvido nesse processo.Quem são esses participantes? Por que eles?

2. Que impacto pode ter para a formação do cidadão edo trabalhador a construção da proposta pedagógica pela própriaescola?

3. Confronte os princípios do “ensino” apresentados peloArt. 3 da LDB com os princípios das ações pedagógicas contidos noArt. 3 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantile o ensino fundamental. Quais deles são comuns? Quais são especí-ficos de cada uma das modalidades?

4. Identifique, na LDB, três outros aspectos a serem con-siderados na organização do trabalho pedagógico.

Sugestões para leitura

AMARAL, A. L. Dicionário crítico da educação – autonomia escolar.Presença Pedagógica. Belo Horizonte: Dimensão, v. 3, n. 16, jul./ago.,1997, p. 96-99.

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

BRASIL. Resolução CEB n. 1, de 7 de abril de 1999.

BRASIL. Resolução CEB n. 2, de 7 de abril de 1999.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticaeducativa.9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

Referências

BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

CARNEIRO, M. A. LDB fácil : leitura crítico-compreensiva Art. a Art.. 2.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

CARVALHO, A. M. de. A nova LDB: conceitos gerais, princípios, direi-tos e deveres. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, Dimensão, v. 3, n.14, mar./abr., 1997, p. 23-25.

DEMO, P. Educação e qualidade. Campinas, SP: Papirus, 1994.

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FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticaeducativa. 9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.

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Anexos

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Na área de educação, começa a existir de forma maisvisível uma preocupação com o processo de trabalho na escola. NoBrasil – e este trabalho procurará debater as contribuições e impas-ses teóricos entre os educadores brasileiros –, pelos avanços obti-dos sobre o tema Trabalho e Educação, chegou-se à necessidadede estudar como o trabalho está se organizando dentro da própria

escola, como as relações capitalistas penetram na escola, quais asformas de controle sobre os trabalhadores de ensino, a divisão dotrabalho na escola, o papel dos especialistas e as relações de poderetc.

Diferentes abordagens procuraram explicar o processode trabalho na escola com diferentes categorias. Cada uma dessasabordagens foi produzida procurando melhor explicar a escola en-quanto um local de trabalho. Assim, muito esforço foi, e está sendo,empreendido para este fim. Muitas contribuições e muitas incor-

reções podem ser encontradas no resultado desse esforço que é,afinal, coletivo.

A idéia deste trabalho é discutir, mesmo em caráter pro-visório, algumas dessas abordagens, considerando suas contribui-ções, convergências, divergências e impasses. Para exemplificar: háuma discussão profícua sobre a adequação (ou não) do empregodas mesmas categorias utilizadas na análise do processo de traba-lho da fábrica, para uma interpretação das relações de trabalho naescola. Uns acreditam que há uma especificidade do trabalho esco-lar que é relevante e impõe, portanto, uma análise diferenciada; ou-tros dizem que, apesar das diferenças – consideradas de certa ma-neira secundárias –, a natureza das relações de trabalho na escolaé capitalista e as principais características do trabalho fabril podemser encontradas na escola.

Este trabalho procura captar e discutir o embate teóricoexistente sobre o processo de trabalho na escola para, a partir daí,identificar alguns elementos constitutivos desse processo e buscardebater a materialidade nas relações capitalistas presentes na esco-la e as categorias que podem se mostrar adequadas para toda essa

análise.

Algumas categorias para análiseÁlvaro Moreira Hypolito é professor da Faculdade de Educação da Universidade

Federal de Pelotas. Teoria e Educação, n. 4, 1991, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

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Processo de trabalho na escola

No Brasil, neste século especialmente, a escola passoupor uma série de modificações que refizeram o seu perfil em ter-mos de estrutura e organização. Apesar dessas modificações nemsempre se mostrarem aparentes, substancialmente a escola transi-tou de um modelo tradicional, que se caracterizava pela autonomiado professor em relação ao ensino e à organização escolar e porprocessos burocráticos praticamente inexistentes, para um modelotécnico-burocrático, caracterizado pela redução da autonomia doprofessor em relação ao ensino e à organização da escola – divi-são de tarefas, formas de controle, hierarquização –, enfim, por umamarca burocrática muito acentuada.

Hoje nossa escola se encontra em uma situação de bai-xa qualidade de ensino. Os resultados da escola disponível para asclasses populares são preocupantes: índice de evasão e repetênciamuito grande; produção de analfabetos funcionais extraordinária;

ensino completamente desvinculado das necessidades da popula-ção, tanto em termos de conteúdos quanto de métodos, que nãoforma adequadamente aqueles que permanecem na escola.

São recorrentes os diagnósticos mostrando as condi-ções dessa escola e do trabalho nela realizado. O professorado des-sa escola está submerso em condições precárias de trabalho e for-mação. As condições de trabalho, desde os aspectos físico-materiaisàs condições de salário e carreira, são degradantes. Prédios escola-res caindo, sem manutenção, falta de material e recursos didáticos

retratam o cotidiano da escola. Os salários e os planos de carreiraexistentes não estimulam os professores a buscar algum tipo deaperfeiçoamento para melhorar profissionalmente. Nesse “quadronegro” não há, evidentemente, por parte dos professores, nenhumcompromisso com as políticas educacionais implementadas nestasúltimas décadas, pois estas se revelaram descompromissadas coma melhoria do ensino e da educação.

A formação dos professores está muito aquém daquiloque se poderia considerar razoável: no primeiro grau, aproximada-mente um terço dos professores são leigos; os cursos de formaçãode professores não preparam adequadamente os educadores paraenfrentar essa realidade dura e cruel da escola brasileira; não háprogramas sérios e duradouros de formação em serviço.

Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que essa si-tuação escolar velha e envelhecida foi sendo construída, ocorreuuma “modernização” das funções exercidas nas escolas, da máquinaburocrática, e das relações de poder. Há algum tempo vem sendoestimulada a figura do especialista, a racionalização administrativa,a hierarquia de funções, enfim, um modelo técnico-burocrático de

organização escolar tido como “moderno”.

Esse modelo traz como características: a fragmentaçãodo trabalho na escola; a hierarquização de funções com a concen-

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tração de poder nas mãos de alguns especialistas; forte controlesobre os professores, funcionários e alunos; perda da autonomiapor parte do professor sobre o seu trabalho; funcionários que nãose sentem comprometidos com a ação educativa da escola; sabercada vez mais fragmentado; várias instâncias pedagógico-adminis-trativas espalhadas e hierarquizadas por todo o sistema de ensino eoutras características desse tipo que poderiam ser aqui arroladas.

As relações capitalistas na escola: algumas considerações

Uma questão importante a ser abordada é a que tratada especificidade do trabalho escolar. As argumentações sobre essaespecificidade rumam em duas direções: uma, considera que a es-cola como um local de trabalho diferente, com características muitopróprias, no qual as relações capitalistas não conseguem penetrarplenamente; outra que, apesar de identificar diferenças, consideraque a lógica capitalista presente na fábrica e na escola é, essencial-

mente, a mesma.

A distinção entre essas análises tem se baseado muitoem conceitos desenvolvidos por Marx. A questão do trabalho pro-dutivo/trabalho improdutivo é um exemplo. Para Marx, trabalhoprodutivo é todo o trabalho que produz mais-valia, que valoriza ocapital. Marx, em suas obras, vale-se de vários exemplos para distin-guir um trabalho de outro: casos de cantor, de professor, de médico.Para ele, o que importa é a forma como e por quem o trabalho éapropriado. Se um cantor, como diz Marx, pratica a sua arte em pú-

blico sem ser contratado por um empresário da arte, ficando parasi mesmo com o total arrecadado, seu trabalho é improdutivo. Noentanto, se este trabalho é realizado por troca de salário, ficando oexcedente com o capitalista, seu trabalho é produtivo.

Por este raciocínio, os professores que atuam na redeprivada são trabalhadores produtivos, enquanto os professores darede pública são trabalhadores improdutivos. Essa discussão, emtermos da escola de hoje, não parece conduzir a lugares frutíferos.Machado (1989 a, p.106) chega a concluir que “nem a escola públicanem a escola privada geram mais-valia” pelo fato da escola situar-se

“ao nível da circulação” e apenas “transmitir o saber produzido nou-tras instâncias”. O autor cita Rubin (1987, p. 288) para chegar a essaconclusão. Parece que, neste caso, a interpretação do texto de Ru-bin não está correta, pois, se assim fosse, nenhum trabalho do setorterciário (bancos, por exemplo) seria produtivo. Ora, para o capitalnão importa se o que é vendido ou produzido é banana ou fanta-sia. A circulação de mercadorias faz parte do ciclo de produção docapital. Não é porque um setor (terciário, no caso) faz “circular” mer-cadorias produzidas em outras instâncias que não há produção demais-valia. Não nos parece que foi isto o que Rubin quis dizer com a

seguinte passagem:

[...] trabalho produtivo é todo o tipo de trabalho organiza-do sob a forma do processo capitalista de produção ou, maisprecisamente, o trabalho empregado pelo capital [...] na fase

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de produção. [...] O trabalho do vendedor não é produtivo,não porque não produza modificações nos bens materiais,mas porque é empregado pelo capital em fase de circulação.O trabalho do palhaço empregado pelo empresário circenseé produtivo, embora não provoque modificações em bensmateriais e, do ponto de vista das necessidades sociais, sejamenos útil que o trabalho do vendedor. O trabalho do pa-lhaço é produtivo por ser empregado pelo capital na fase de

produção (RUBIN, 1987, p. 288).

A natureza do trabalho em nada modifica o problema; aquestão é em como este trabalho está submetido à forma capitalis-ta de organização do trabalho, independentemente de seu resulta-do ser uma produção material ou não-material.

Por isso, o trabalho do professor da escola privada cer-tamente é produtivo, pois o dono de escola acumula capital atravésda exploração de mais-valia. Quanto à escola pública, a discussãoé mais delicada. No entanto, muitos acham que o Estado, no atu-al estágio de desenvolvimento capitalista, age diretamente para aacumulação do capital. Contudo, considerando-se a acumulação docapital a partir da produção imediata de mais-valia, o trabalho doprofessor de escola pública não deve ser considerado como produ-tivo, mas, como partícipe da acumulação mediata do capital, essetrabalho poderia ser considerado como produtivo.

Mas, aonde se chega com essa discussão no caso da es-cola? Num caso ou no outro, sendo ou não produtivo o trabalhodo professor, com todas as dúvidas que permeiam essa discussão,

pode-se chegar a explicações mais esclarecedoras sobre a escola?Certamente há que se buscar explicações que complementem esseembate teórico.

Saviani (1987) e Paro (1986) levantam outra discussão.Afirmam os autores que, para discutir a natureza do processo deprodução pedagógica (o escolar), é preciso contemplar os concei-tos marxistas de produção material e não-material. Somente assim,para eles, é possível avançar no sentido de superar o círculo provo-cado pela polêmica trabalho produtivo/improdutivo.

Partindo de Saviani (1987), Paro (1986) tenta buscar anatureza do trabalho pedagógico como uma especificidade da es-cola. Saviani, no trabalho citado, pretende discutir se a tendência deum ensino submetido às regras capitalistas é ou não generalizável.Todos esses autores consideram que, apesar das possíveis distin-ções entre escola pública e privada, os procedimentos de trabalhosão idênticos aos da escola capitalista, ou seja, é possível porme-norizar o trabalho na escola, dividindo funções de quem pensa ede quem executa. O que Saviani e Paro querem discutir, porém, é apossibilidade de generalização, na escola, das relações capitalistas.

Saviani discute essa problemática a partir de uma pas-sagem do Capítulo VI, inédito, de O Capital, de Marx, sobre a produ-ção imaterial. Este tema está presente também em Teorias da Mais-

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valia. Apesar de um tanto longo, é fundamental para a discussão acitação inteira do referido trecho:

A produção imaterial, mesmo quando se dedica apenasà troca, isto é, produz mercadorias, pode ser de duas espécies:

1. Resulta em mercadorias, valores de uso, que possuem uma formaautônoma, distinta dos produtores e consumidores, quer dizer, po-

dem existir e circular no intervalo entre produção e consumo comomercadorias vendáveis, tais como livros, quadros, em suma, todosos produtos artísticos que se distinguem do desempenho do artistaexecutante. A produção aí só é aplicável de maneira muito restrita,por exemplo, quando um escritor, numa obra coletiva de enciclopé-dia, digamos, explora exaustivamente um bom número de outros.Nessa esfera, em regra, fica-se na forma de transição para a produ-ção capitalista, e, desse modo, os diferentes produtores científicosou artísticos, artesãos ou profissionais, trabalham para um capitalmercantil comum de livreiros, uma relação que nada tem a ver como autêntico modo de produção capitalista e não lhe está ainda sub-sumida, nem mesmo formalmente. E a coisa em nada se altera como fato de a exploração do trabalho ser máxima justamente nessasformas de transição.

2. A produção é inseparável do ato de produzir, como sucede comtodos os artistas executantes, oradores, atores, professores, médicos,padres etc. Também aí o modo de produção capitalista só se verificaem extensão reduzida e, em virtude da natureza dessa atividade,só pode estender-se a algumas esferas. Nos estabelecimentos deensino, por exemplo, os professores, para o empresário do estabele-cimento, podem ser meros assalariados; há um grande número detais fábricas de ensino na Inglaterra. Embora eles não sejam traba-lhadores produtivos em relação aos alunos, assumem essa quali-dade perante o empresário. Este permuta seu capital pela força de

trabalho deles e se enriquece por meio desse processo. O mesmose aplica às empresas de teatro, estabelecimento de diversão etc. Oator se relaciona com o público na qualidade de artista, mas peran-te o empresário é trabalhador produtivo. Todas essas manifestaçõesda produção capitalista nesse domínio, comparadas com o conjun-to dessa produção, são tão insignificantes que podem ficar de tododespercebidas (MARX,1930, p. 403-404).

A interpretação levada a cabo pelos autores, a partirdessa consideração de Marx, é que “a especificidade da atividadeeducativa escolar impede que aí se generalize o modo de produção

capitalista”. Para Vitor Paro:

Saviani lança mão, então, dessa perspectiva de análise abertapor Marx, para aprofundar o exame da natureza do processopedagógico que tem lugar na escola, acabando por concluirque, aí, ‘em virtude da natureza própria do fenômeno educa-tivo’, o modo de produção capitalista não pode aplicar-se deforma plena (PARO, 1986, p.140).

O que Saviani tenta analisar é que o modelo de educa-ção tecnicista foi uma imposição à educação que a levou ao caos e

ao fracasso, pois, pela natureza e especificidade da educação – seruma produção imaterial onde o produto não é separável do ato deprodução –, o tecnicismo não é generalizável e sua implantação sig-nificaria a impossibilidade da educação. Conforme o próprio autor:

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[...] a pedagogia tecnicista acabou por contribuir para au-mentar o caos no campo educativo gerando tal nível de des-continuidade, de heterogeneidade e de fragmentação, quepraticamente inviabiliza o trabalho pedagógico (SAVIANI,1984, p. 18 -19).

Ao afirmar que existe uma especificidade da educaçãoque não a vincula diretamente à penetração das relações capita-

listas em seu interior, o que somente ocorreria de forma periférica,não estaria, o autor, abrindo o flanco para outras interpretações?Não seria, neste caso, a educação um fenômeno abstrato, acima dasclasses sociais, das relações sociais? E as soluções para a educaçãoseriam específicas, no sentido de técnicas?

Outro autor, Nicanor Sá (1986), critica duramente essavisão e expõe outro entendimento sobre o assunto. Ao referir-se aoproblema da “natureza da coisa” (fenômeno educativo) diz que:

Do ponto de vista dialético, a busca da natureza das coisas,enquanto processo analítico, conduz o entendimento aonada, quer dizer, à abstração pura. A natureza seria aquilo queresiste ao outro, ou aquilo que é afirmado no processo totalde mudança. O conceito de natureza, portanto, ou essência,do ponto de vista dialético, supõe as demais determinaçõesdo ser, deixando de ser assim pura abstração, o nada, para serconcretude enquanto conjunto das determinações. A tenta-tiva de afirmar uma determinação imutável de educação éidealista, não é materialista nem dialética. [...] Não há comoconsiderar uma natureza universal abstrata para a educação,porque ela está presente na totalidade da prática humana.Marx [citação anterior] refere-se a relações de produção his-toricamente determinadas, quando ainda não havia maiordesenvolvimento dos meios de produção nem processo dedivisão do trabalho nessa área (educação, por exemplo) (p.25).

Sá (1986) afirma que o tecnicismo é o resultado históri-co da educação capitalista. Para ele, na medida em que não se con-sidera como possível a adoção de relações capitalistas na escola, emtodas as suas esferas, cai-se numa visão limitada. Como se fosse um

evento arbitrário, efêmero e não resultasse do processo de forma-ção e de desenvolvimento da sociedade burguesa no Brasil.

Para o autor:

[...] as constatações que causam tanta perplexidade aos edu-cadores brasileiros sobre o sistema escolar não são ocasionaisdeficiências ou disfunções solucionáveis por ações técnicascompetentes. Ao contrário, essas constatações revelam amanifestação aparente de profunda transformação históricado sistema educacional, movimento esse determinado pelas

modificações no modo de produção. Em suma, não se trata

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de tentativa mal sucedida de imposição de uma concepção(ideologia de ação) (p. 22).

Essas observações estão sustentadas na idéia de quehouve profundas transformações na organização do trabalho es-colar e nos meios de trabalho dentro da sociedade capitalista. Aorganização do trabalho escolar “[...] é alterada pela introdução dotrabalho parcelar pedagógico e a multiplicação de trabalhadoresparcelares sob a rubrica da divisão do trabalho”. As mudanças nosmeios de trabalho podem ser constatadas “pela introdução de tec-nologia mediante a relação professor e aluno” (SÁ, 1986, p. 24).

Diferentemente de Saviani, que considera existir umainseparabilidade entre o consumo e a produção no fenômeno edu-cativo, SÁ (1986) considera que:

[...] o resultado principal de mudança no processo de traba-lho é a separação entre o produto e o processo de produ-

ção. A aula torna-se independente do professor, podendo seralienada como qualquer outra mercadoria no mercado: “ o‘pacote’ didático é um dos exemplos (p. 24).

Tecendo algumas considerações sobre essa discussão éimportante destacar que:

a) as observações de Marx sobre a produção não-ma-terial são corretas e ainda se aplicam em várias áreas. No entanto,quando Marx discutiu essa problemática, inclusive com exemplos(educação, medicina, teatro etc.), o Capitalismo estava em um de-terminado estágio de desenvolvimento. A “natureza da coisa” semodifica conforme evolui historicamente: a produção de sapatospor artesão e a produção de sapatos por uma grande indústria sãoformas de trabalho completamente distintas, apesar de o produtoser o mesmo. Tomemos, como exemplo, o caso do ator. No séculopassado, Marx somente teve contato com o trabalho do ator aovivo e esta era a única possibilidade. Portanto, o consumo semprese dava no mesmo instante da produção; ora, hoje no trabalho doator o teatro é apenas uma modalidade entre muitas em que o atode produção não coincide com o de consumo; há uma circulação,

enquanto mercadoria, do trabalho do ator já apropriado por umgrande empresário (redes de televisão, cinemas, vídeos, propagan-das, etc.). Com a medicina ocorre processo semelhante. Não se podede maneira alguma fazer dessa elaboração de Marx algo rígido, fixo,imutável;

b) em termos de educação, é inegável que é possível aintrodução de tecnologias que excluam, inclusive, a figura do pro-fessor fisicamente presente (Saviani admite essa introdução), atra-vés das máquinas de ensinar, do tele-ensino, instruções programa-

das (computador) etc.; quando isso não ocorre (principalmente peladificuldade de material) há outras estratégias bastante comuns que,se não excluem o professor, reduzem a sua atuação a um trabalho

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desqualificado, por meio do simples livro didático, da fragmentaçãodo trabalho, dos especialistas, etc;

c) o processo de trabalho escolar está sendo penetra-do por uma lógica capitalista e o modelo de organização vigentetende, mesmo que com novas conformações, a ser generalizável edominante em nossa sociedade. No entanto, há que se considerarque existem várias escolas em nossa sociedade: o conteúdo de clas-se da escola se expressa não só numa distribuição diferenciada doconhecimento como também na organização do trabalho escolar.O tipo de escola possibilitado para cada classe social, por cumprirfunções sociais diferentes, pelo menos em relação aos alunos, pos-sivelmente apresenta formas de organização diferentes.

Por fim, sobre essa polêmica, cabe ainda registrar que,mesmo concordando com Sá sobre a questão da especificidadeou não da educação e as formas capitalistas de desenvolvimentona escola, sua análise não leva em conta elementos presentes na

escola que tornam essa realidade contraditória. O controle sobre otrabalho do professor, a perda de autonomia pedagógica, a frag-mentação do trabalho não são fatores que se desenvolvem tran-qüilamente, pois o professor luta para não perder a autonomia, paranão ser controlado, e busca formas para superar a fragmentação dotrabalho. O processo de trabalho fabril se apresenta num grau mui-to maior de dominação e a análise do processo de trabalho escolarnão pode ser feita com o emprego absoluto das mesmas categorias.É preciso encontrar a particularidade, e não a especificidade, de de-senvolvimento do processo de trabalho na escola.

Sobre estas últimas idéias colocadas, Machado (1989b),em outro trabalho, consegue avançar no sentido de incorporar no-vas dimensões presentes no cotidiano escolar. O autor mostra queexistem três perspectivas centrais na análise da organização esco-lar: 1) a perspectiva que analisa a organização do trabalho escolarcomo fenômeno burocrático; 2) a perspectiva que adota o modelofabril como referência para a análise da organização do processo dotrabalho escolar – na qual ele inclui Nicanor Palhares Sá; 3) a pers-pectiva que entende a organização do processo de trabalho esco-lar como espaço social de confronto entre os interesses das classessociais.

Após criticar as duas primeiras perspectivas, incorpo-rando alguns pressupostos, o autor articula uma perspectiva parafazer avançar o entendimento dessa temática.

Segundo Machado (1989b):

A abordagem da organização do processo de trabalho escolar,como espaço social marcado pelo confronto dos interesses

de classes, compartilha de alguns pressupostos verificadosno enfoque crítico da escola como fenômeno burocrático,bem como na segunda perspectiva, na qual a organizaçãodo processo de trabalho escolar é analisada tendo o modelofabril como referência.

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Entre os pressupostos compartilhados, está o de que aorganização do processo escolar é histórica e socialmente deter-minada, bem como o de que a escola cumpre funções que podemestar diretamente relacionadas a interesses do capital. Entretanto,essa terceira perspectiva é uma tentativa de avanço em relação àsduas primeiras.

O avanço torna-se transparente quando, partindo domaterialismo dialético, imprime uma análise antropológica da or-ganização escolar, tentando captar a relação entre a estrutura e aação humana, entre os agentes coletivos e as condições históricas,dando ênfase a como seres humanos, oriundos das diferentes ca-madas sociais, reagem a limitações para mudá-las ou mantê-las.

Concebendo a escola como local social e contraditório,marcado pelo processo de luta e acomodação, procura resgatar adimensão cultural da escola como instância entre reprodução e re-sistência.

Nessa abordagem, a subjetividade e a ação humanaganham importância, posto que o poder passa a ser visto não deforma unidimensional e estática, mas sim de forma dinâmica e re-sultante da práxis histórico-social dos homens (p. 36).

É fundamental considerar esses novos aspectos levan-tados, para que a análise não se reduza a uma interpretação econo-micista e determinista da escola e da formação. Há que se chamar aatenção, porém, para o fato de que as relações sociais, o espaço de

confronto, as lutas e acomodações ocorram concretamente porquehá uma base material, ou seja, o próprio desenvolvimento da orga-nização do trabalho escolar, que conforma e é conformada pelossujeitos sociais presentes nessa realidade, e que é parte integrantedo movimento mais amplo de desenvolvimento da própria socie-dade capitalista. Esse destaque é importante, pois se isso não forlevado em conta, e não é o caso do autor citado, pode-se cair numsubjetivismo que nunca aponta qual é a base material das relaçõesde poder que são travadas no interior da escola.

Após essa discussão geral, passemos a tratar de algunspontos sobre o processo de trabalho escolar que poderão, maisconcretamente, desenvolver alguns dos elementos presentes naorganização escolar.

Como se poderia caracterizar, então, o processo de tra-balho na escola? Para isso é preciso discutir alguns elementos, quaissejam: o trabalho na escola, as formas de organização e participa-ção, o papel do saber e do aluno e os meios de trabalho.

Trabalhador do ensino: quem é o professor hoje?

Há alguns anos era muito nítida a figura do professorcomo um profissional, autônomo, dono de um saber, com controlesobre o seu trabalho e gozando de um reconhecimento público que

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o tornava uma autoridade em muitas comunidades. Hoje os pro-fessores, em sua maior parte, são identificados como assalariados,participantes de sindicatos fortes, com pouca qualificação e poucocontrole sobre o seu trabalho.

Com o processo de urbanização, com a industrialização,ocorreu a constituição de escolas em estruturas cada vez mais com-plexas e uma grande concentração de escolas. Isso levou a um au-mento acentuado do número de professores, fazendo desaparecera figura do professor autônomo e provocando o aparecimento doprofessor assalariado.

Pode-se afirmar que os professores são integrantes daclasse trabalhadora? Sim e não. Sim, porque estes estão submetidosa um processo de proletarização que, se não perfeitamente confi-gurado, está em pleno desenvolvimento. Por outro lado, somente oassalariamento não caracteriza um membro da classe trabalhadora.Um trabalhador é aquele que, além de vender sua força de trabalho,

não possui o controle sobre os meios, os objetivos e o processo deseu trabalho. O professor, mesmo já apresentando fortes caracterís-ticas daquilo que pode ser definido como classe trabalhadora, ain-da mantém boa parte do controle sobre o seu trabalho, ainda gozade uma certa autonomia e, em muitos casos, não é facilmente subs-tituído pela máquina. Uma resposta à questão formulada deve levarem conta esta situação ambivalente, contraditória, porque passa oprofessorado.

A situação de ambivalência do professorado, entre o

profissionalismo e a proletarização, é determinada por situaçõeshistoricamente constituídas. No Brasil, o processo de proletarizaçãoé acelerado5.

De acordo com Enguita (1990), um grupo profissionalé um grupo de pessoas, auto-regulado, que trabalha diretamentepara o mercado, oferecendo determinado tipo de bens ou serviços.É o que se poderia chamar de um profissional liberal. Realiza umtrabalho autônomo, com controle sobre seu processo de trabalho.Normalmente, seu campo de trabalho e conhecimento profissio-nal estão amparados por lei. Certos grupos profissionais – caso dosmédicos – mesmo quando assalariados, conservam um certo podersobre seu trabalho, sobre a formação da profissão (conteúdos, currí-culos, etc.) e gozam de um certo prestígio social.

O oposto à profissionalização é a proletarização. Nestecaso, além da força de trabalho ser vendida, o trabalhador não pos-sui nenhum controle sobre os meios de produção, sobre o objetoe o processo de trabalho. Não possui autonomia, constituindo-senum trabalhador coletivo. Seu saber, ao longo do desenvolvimentodo processo de trabalho, é apropriado pelo capital e incorporado

ao processo de produção. Passa o trabalhador por um fenômeno dedesqualificação.

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Para Enguita (1990):

O que faz com que um grupo ocupacional vá parar nas filei-ras privilegiadas dos profissionais ou nas desfavorecidas daclasse operária não é a natureza dos bens ou serviços queoferece, nem a maior ou menor complexidade do processoglobal de sua produção, mas a possibilidade de decomporeste último através da divisão do trabalho e da mecaniza-

ção – que, sim, está determinada em parte por sua naturezaintrínseca, a do processo –, o afã das empresas capitalistasou públicas por fazê-lo – que depende da amplitude de seumercado real e o potencial – e a força relativa das partes emconflito e sua capacidade de obter o apoio do Estado e dopúblico. Entre as formas inequívocas de profissionalizaçãoe proletarização, debate-se uma gama variada de gruposocupacionais que compartilham características de ambos osextremos. Constituem o que no jargão sociológico se desig-na como semiprofissões, geralmente formadas por gruposassalariados, com freqüência parte de burocracias públicas,

cujo nível de formação é similar ao dos profissionais liberais.Grupos que estão submetidos à autoridade de seus empre-gadores, mas que lutam por manter ou ampliar a autonomiano processo de trabalho e suas vantagens relativas na distri-buição de renda, poder e prestígio. Um destes grupos é cons-tituído pelos docentes (p. 150-151).

Os professores no Brasil apresentam algumas caracte-rísticas que podem situá-los, mesmo levando-se em conta a situa-ção ambivalente que vivem, mais num campo de constituição comoclasse trabalhadora do que como uma categoria profissional.

As condições de trabalho têm imposto uma situaçãoextremamente precária que os distancia, em termos de renda e deprestígio, do profissionalismo. Contraditoriamente, essa mesma si-tuação os conduz a uma busca incessante de regulamentação daprofissão: conquistas salariais, planos de carreira, garantias no em-prego e na qualificação para o exercício da profissão. Essas conquis-tas, quando ocorrem, se dão através de lutas sindicais – em enti-dades que estão organizadas muito mais segundo os moldes dossindicatos de trabalhadores do que de associações profissionais.

Apesar dessas lutas terem avançado no sentido de se unificaremcom o conjunto dos trabalhadores, ainda guardam muitas caracte-rísticas corporativas, próprias das categorias profissionais.

No entanto, se entendermos a constituição de uma clas-se como um movimento que se dá no embate das classes, ou seja,conforme pensa Thompson (1987), a classe forjada na própria lutade classe, podemos dizer que o professorado está em processo deformação, no sentido de constituir-se parte da classe trabalhadora.

Nosso professorado vive numa escola que se apresenta

bastante fragmentada. A divisão do trabalho, a introdução dos es-pecialistas, a separação entre os atos de conhecer e executar, a dimi-nuição do controle sobre o processo pedagógico, a influência cadavez menor sobre os conteúdos e métodos de ensino, enfim, a forma

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como o trabalho está organizado na escola evidencia o cotidianoque o professor enfrenta.

A escola está organizada de tal forma que o trabalhoalienado do professor o conduz para uma desqualificação crescente.A formação dos educadores brasileiros está muito longe da forma-ção das categorias profissionais que ainda se preservam. Diferente-mente de outros países, no Brasil não é necessária a formação pro-fissional para o exercício da profissão. Muitos professores do ensinofundamental e médio (próximo de 30% no ensino fundamental)são leigos. A rotatividade de educadores nas escolas é impressio-nante. Tudo isso faz com que seja relativamente fácil a substituiçãode mão-de-obra. Se o trabalho se desqualifica não é necessária umaformação qualificada. Essa desqualificação crescente afasta os pro-fessores da ilusão do profissionalismo.

Contudo, internamente, os trabalhadores do ensino seencontram divididos. Enquanto aqueles que estão encarregados da

transmissão direta do conhecimento (professores de sala de aula)sofrem mais fortemente as conseqüências da proletarização, os es-pecialistas (supervisores, orientadores, administradores etc.) procu-ram defender seus interesses corporativos, buscando constituir-secomo categorias profissionais.

Tudo o que tem sido argumentado até agora pode ficarprejudicado se não for acrescentado um outro elemento que é fun-damental para o entendimento do trabalho do professor e da suaconstituição como um coletivo: a relação de gênero.

A conformação do professor em assalariado, em tra-balhador, coincide com a feminização da profissão. Hoje a grandemaioria do professorado é constituída por mulheres. A análise declasse é insuficiente para interpretar o trabalho de ensinar, se nãolevar em conta a questão de gênero.

Numa sociedade patriarcal, o trabalho feminino é sem-pre considerado de menor prestígio, menos profissional. Apple(1986, p. 61) nos diz que “está bastante claro [...] que tão logo umtrabalho torna-se feminino, seu prestígio diminui. Há tentativas deproletarizá-lo, de tirá-lo do controle das pessoas que o fazem e deracionalizá-lo[...]”.

A educação sempre foi uma das áreas em que o traba-lho, segundo a lógica da ideologia patriarcal, era adequado para asmulheres por sua extensão do trabalho doméstico6.

A expansão das redes de ensino absorveu a mão-de-obra feminina, fato que coincidiu com os primeiros rebaixamentossalariais que afugentavam os profissionais homens, levando-os a

procurar empregos em outras áreas. Soma-se a isto o fato de que otrabalho feminino é considerado, ao longo do tempo, como transi-tório, e os salários como uma outra renda.

6 Este argumento e os seguintes es-tão baseados no trabalho de Enguita(1990), já referido, e no estudo de Araú- jo (1990). Este último, apesar de tratarda situação do professorado em Portu-

gal, contribui para o entendimento daquestão no Brasil.

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O aspecto cultural do patriarcado é muito forte em nos-sas sociedades ocidentais e a submissão imposta às mulheres foiutilizada como forma de submeter os educadores e as escolas aosinteresses dominantes. Historicamente, as mulheres foram sufoca-das pelo patriarcado e são, por isso, mais aptas a aceitar a autorida-de, a hierarquia dos homens. Os principais cargos de direção, nasdiversas funções do sistema de ensino, são ocupados por homens,apesar das mulheres constituírem a massa de trabalhadores do en-sino (diretores de escola, por exemplo).

Outro fator que contribuiu para a convergência de mu-lheres para o setor de ensino foi que, regra geral, os salários sãoidênticos para homens e mulheres. O que, como se sabe, não ocorrena maioria dos empregos.

Por fim, mesmo com essa rápida análise da questão degênero, pode-se levantar a idéia de que a composição feminina daforça de trabalho na educação, pelas condições históricas de sub-

missão da mulher, tem contribuído para proletarização da categoriae dificultado a profissionalização (ENGUITA, 1990).

O trabalho pedagógico

O objeto de trabalho sobre o qual se aplica a atividadehumana para transformá-lo, no caso do trabalho pedagógico, podeser o aluno e o saber.

O aluno pode ser considerado “como verdadeiro objetode trabalho” do processo produtivo escolar, já que ele se constituina própria realidade sobre a qual se aplica o trabalho humano, comvistas à realização do fim educativo. Isso quer dizer que, a exem-plo do que sucede com a matéria prima no âmbito da produçãomaterial, “o aluno não sai do processo educativo como era quan-do aí entrou” (PARO, 1986, p. 141). No entanto, o aluno não é meroconsumidor, ele é parte ativa do processo e, assim, além de objetoé também sujeito. O aluno, então, pode ser considerado como pro-dutor, co-produtor. Esse aluno não é também um objeto que nãooferece resistências, ou apenas resistências naturais; de acordo com

Paro (1986):

[...] sua resposta ao processo produtivo se dá de acordo com suanatureza humana, a qual transcende o puramente natural, emboranão o deixe de conter. Como essa transcendência só se dá atravésdo trabalho, temos que, no processo produtivo escolar, a respostado aluno à ação transformadora do trabalho humano (ação princi-palmente do professor, mas que inclui todos os demais elementosenvolvidos na atividade educativa) só pode dar-se através da parti-cipação ativa no processo, ou seja, através de seu trabalho (p.142).

O saber também pode ser considerado como objeto detrabalho, na medida em que pode ser retrabalhado no processo deensino como matéria-prima sobre a qual os produtores irão desen-volver suas atividades, transformando-a. Mas o saber acumulado,que já existe, pode ser um meio de trabalho.

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O produto da escola é, por um lado, o aluno “educado”e, por outro, o saber incorporado. Na verdade, a função da escola éformar trabalhadores (SANTOS, 1989), de um lado, e gestores tecno-lógicos, de outro. Por ser este o produto da escola, alguns autores(entre eles MACHADO, 1989a; TEIXEIRA, 1985) destacam que esta éuma das diferenças que devem ser levadas em conta na análise doprocesso de trabalho escolar. A posição de Teixeira (1985, p. 439) é aseguinte:

Sem entrar na discussão a respeito da propriedade ou im-propriedade da utilização de conceitos como ‘produto’, ‘pro-dutividade’, ‘eficácia’, o que se observa é que a especificidadedo ‘produto’ da escola e seus objetivos é tal que dificulta oestabelecimento de um padrão de medida para avaliaçãoimediata do êxito ou do seu fracasso. Em outras palavras, tor-na-se extremamente difícil determinar critérios para avaliar aeficácia de organização, quando o produto não é bem espe-cificado. Afinal o que é um aluno bem educado? Quais são ospadrões que temos para avaliar o comportamento dos indi-víduos enquanto unicamente um produto escolar?

Quanto a essa posição, é preciso considerar, em primeirolugar, que os autores têm razão ao falar da dificuldade de se estabe-lecer critérios de avaliação, pois o produto não é bem especificadoe, dessa forma, considerando uma avaliação imediata, esta é umaparticularidade da escola que a fábrica não enfrenta; em segundolugar, é preciso destacar que para o produto da escola – formaçãode trabalhadores – há uma avaliação mediata que talvez seja atémais importante do que a avaliação imediata. A avaliação (mediata)

do produto da escola se baseia num critério histórico e prospec-tivo, isto é, está a formação dos trabalhadores (produto da escola,não exclusivo) atendendo às demandas da sociedade? São as trans-formações no mundo do trabalho que têm determinado essa ava-liação e as reformas do ensino cumprem exatamente essa funçãoavaliativa e prospectiva.

O processo de dominação e controle sobre o trabalhodos educadores não se dá somente no que se refere ao conteúdodo ensino, mas também sobre as formas de transmissão desse con-

teúdo.

Há necessidade de um saber-fazer que, além de poderorientar o processo de produção, poderá definir o uso de materiaisdidáticos e métodos. A incorporação desse saber-fazer pela tec-nologia educacional e sua devolução para o professor sob formade um “pacote” pedagógico é um fator fundamental na desquali-ficação do trabalho, no domínio do controle sobre o trabalho e naexpropriação do saber do educador. Para exemplificar: no caso dolivro didático, grandes indústrias do livro – editoras – compilam umconhecimento, exploram os autores e orientam em muito o traba-

lho na sala de aula. Muitos professores, incentivados pelo sistema,seguem os livros didáticos. Essa é uma das formas de o capital exer-cer o domínio sobre o conteúdo e a forma da educação.

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Organização da escola e participação

Por fim, cabe abordar uma questão fundamental emtodo esse processo de trabalho na escola, aqui analisado, que é aquestão da organização e a participação. Em outras passagens doestudo, já foram feitas várias referências a esse aspecto, mas é preci-so que nos detenhamos nele um pouco mais.

Quando se fala num trabalho dividido, fragmentado, otrabalhador individual dá lugar para o trabalhador coletivo. Como ocapital enfrenta essa questão? Ora, para o capital, essa é a forma quelhe possibilita assumir a gerência sobre o trabalho. Para isso, todaa coordenação do trabalho é estabelecida desde fora (concepção)para um trabalho que deve ser desenvolvido (execução) sincroni-zadamente. Para tanto, a cooperação é a forma de coordenar umtrabalho com outro. A indústria capitalista não poderia funcionarsem a cooperação.

Muito se ouve falar nas escolas sobre a necessidade deum trabalho integrado, harmônico etc. A Cooperação é fundamen-tal para que o trabalho da escola se realize de acordo com os obje-tivos dos planejadores. Mas esta realidade é contraditória, pois, sea cooperação pode ser um fator de estabilidade para o poder, aomesmo tempo a reunião de trabalhadores coletivos possibilita umaunidade de interesses e favorece formas de resistências à domina-ção.

As entidades sindicais de professores, grupos isolados

em escolas, associações de categorias e científicas e o movimentopopular têm reivindicado insistentemente formas mais participati-vas de gestão escolar. Algumas conquistas foram obtidas com a for-mação de conselhos escolares, eleições para diretores, colegiadosetc.

Está no momento de se fazer uma avaliação dessas con-quistas, principalmente quanto ao caráter da participação. Muitasvezes a discussão sobre a democracia na escola se reduz à escolhaeleitoral dos diretores.

Não se pode concordar com formulações, tais como:“cabe ao diretor ampliar o espaço de ação dos professores”; “cabeao diretor permitir que os educadores da sua escola [...] possamreintegrar o trabalho pedagógico por meio de uma ação cooperati-va e participativa”; “[...] vejo os órgãos colegiados [...] como uma dasmaneiras de se conseguir comprometer os educadores com a es-cola e com a educação [...]”. Comprometer-se com qual escola? Qualeducação? É necessário ser mais preciso. A autora dessa colocação,Teixeira (1985), após uma análise do processo de trabalho na esco-la, começa a discutir a relação do educador com a administração

da escola e sugere caminhos como esses. Não se pode atribuir aum indivíduo, no caso o diretor, as funções que a autora propõe.As tarefas de mudança da escola numa perspectiva transformadorapassam, necessariamente, pela articulação do coletivo escolar e por

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um projeto político-pedagógico claramente definido em termos declasse.

Profundas mudanças na escola não serão obra de umdiretor bem intencionado. Essas mudanças passam por um questio-namento da organização do trabalho escolar e pela busca de novasformas de organização que possibilitem, pelo menos, a consciênciadas condições precárias, alienantes, desqualificadoras, em que ocor-re a produção escolar.

O Estado tem procurado esvaziar essas conquistas pormeio de diversos mecanismos de cooptação, numa clara estratégiade dominar com “participação”, à semelhança das formas participa-tivas que as fábricas têm encontrado para atenuar os conflitos entreo capital e o trabalho.

Conclusão

Na verdade, esta parte não tem um caráter conclusivo, já que toda a discussão aqui desenvolvida está aberta, no sentidode que os estudos existentes são polêmicos. O objetivo, então, é fa-zer uma síntese dos tópicos abordados, enunciando algumas cate-gorias que aparecem como positivas para a análise do trabalho naescola.

O entendimento de como as relações capitalistas pe-netram no interior da escola parece ser a base de sustentação da

compreensão dos demais elementos constitutivos do processo detrabalho na escola. Concretamente, a meu ver, a escola está perpas-sada pela lógica capitalista de maneira profunda. Isso significa dizerque, por um lado, ela não está “imune” a essa lógica e, por outro lado,o modelo fabril não pode ser utilizado mecanicamente para a análi-se da escola. A escola está crivada de elementos contraditórios quesão próprios do seu desenvolvimento. Há que se considerar, ainda,que a escola nunca é absolutamente dominada, mas apresenta-secomo um espaço contraditório de lutas, resistências, acomodações,submissões, conflitos entre interesses de classes e grupos.

A caracterização do professor como um trabalhador doensino fundamental, para se identificar o grau de qualificação/des-qualificação de sua força de trabalho, o grau de controle que aindaé exercido sobre o trabalho e o espaço de autonomia que ainda épossível ser explorado levam à conclusão de que o trabalhador doensino está, por vários aspectos, numa situação de ambivalência,apresenta características de proletarização e de profissionalização.Isso revela um coletivo em formação, em luta para se constituir par-te da classe trabalhadora, mas evidencia uma situação de identida-de social contraditória.

Esse aspecto de classe, apesar de fundamental, não ésuficiente para explicar a formação e constituição do professora-do. É preciso levar em conta as relações de gênero. Muitas facetasda conformação sóciocultural, política, econômica dos professores

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podem ser explicadas pela categoria gênero. No Brasil, os estudosque levam em conta as relações de gênero ainda são recentes, pelomenos na área de educação.

O trabalho pedagógico foi aqui explorado com a pers-pectiva de identificar elementos que devem ser considerados im-portantes para o estudo do processo de trabalho na escola. O estu-do mostra que devem ser considerados relevantes, evidentementenão excluindo outras possibilidades, o aluno e o saber, os conteúdos,as formas de ensinar, os recursos e materiais didáticos disponíveis eincentivados para uso do professor.

Tanto este último aspecto (trabalho pedagógico) quan-to a questão da organização geral e as formas de participação ne-cessitam ser mais aprofundados. A participação e a organização daescola vêm sofrendo alterações profundas como resposta aos an-seios de democratização da escola explicitados pelos professorese pela sociedade. Faz-se necessária uma avaliação mais cuidadosa

das estratégias políticas e das formas concretas de gestão que es-tão sendo implantadas nas escolas.

Referências

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ARAÚJO, Helena Costa G. As Mulheres professoras e o ensino esta-tal. Educação e Realidade, Porto Alegre, jul/dez. 1990.

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A ambigüidade da docência: entre o

profssionalismo e a proletarizaçãoMariano Fernandez Enguita é professor do Departamento de Sociologia da

Universidade Complutense de Madrid. Tradução de Álvaro Moreira Hypolito. Teoria e Edu-

cação, n. 4, 1991, Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

Os docentes vivem hoje, e desde há muito, uma crisede identidade que se tem visto refletida numa patente situação demal-estar e, mais recentemente, em agudos conflitos em torno deseu estatuto social e ocupacional, dentre os quais a polêmica sala-rial tem sido apenas a parte visível do iceberg. Nem a categoria nema sociedade em que estão inseridos conseguem pôr-se de acordo

em torno de sua imagem social e, menos ainda, de campos de com-petências, organização da carreira docente, etc.

As mil e uma polêmicas e dilemas em que se manifes-ta a ambivalência da posição do docente, árvores que dificilmentepermitem ver o bosque, poderiam se resumir, em minha opinião,em sua localização em um lugar intermediário e instável entre aprofissionalização e a proletarização. O termo “profissionalização”não se emprega aqui como sinônimo de qualificação, conhecimen-to, capacidade, formação e outros traços associados, mas como ex-

pressão de uma posição social e ocupacional, da inserção em umtipo determinado de relações sociais de produção e de processo detrabalho. No mesmo sentido, ainda que para designar um conteúdooposto, emprega-se o termo “proletarização”, que deve se entenderlivre das conotações superficiais que o associam unilateralmente aotrabalho fabril.

Em sentido estrito, um grupo profissional é uma cate-goria auto-regulada de pessoas que trabalham diretamente para omercado numa situação de privilégio monopolista. Só eles podemoferecer um tipo determinado de bens ou serviços, protegidos daconcorrência pela lei. Isso é o que se denomina também exercícioliberal de uma profissão. Diferentemente de outras categorias detrabalhadores, os profissionais são plenamente autônomos em seuprocesso de trabalho, não tendo de submeter-se a uma regulaçãoalheia. O fato de que a lei lhes delimite um campo e defina algumasde suas normas de funcionamento não expressa sua sujeição ao po-der público, mas antes sua influência sobre o mesmo. Os exemplosclássicos de grupos profissionais são, como é bem sabido, médicos,advogados e arquitetos. Hoje em dia, não obstante, numerosos pro-fissionais que têm reconhecidas as mesmas competências e direi-

tos que seus colegas em exercício liberal trabalham como assala-riados para organizações públicas ou privadas. No entanto, quandose trata de grupos com grande força corporativa como os citadose outros, conservam, ainda nessas condições, grande parte de suaautonomia no processo de trabalho e de seus privilégios relativos

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em termos de renda, poder e prestígio.

No extremo oposto do arco ocupacional encontra-se aclasse operária em sentido estrito. Um operário é um trabalhadorque não só perdeu ou nunca teve acesso à propriedade de seusmeios de produção, como também foi privado da capacidade decontrolar o objeto e o processo de seu trabalho, da autonomia emsua atividade produtiva. A culminação e o paradigma desse proces-so podem ser encontrados no trabalho dos operários industriais deuma linha de montagem, mas os fenômenos de divisão, desquali-ficação e degredação do trabalho não são privativos da esfera in-dustrial; encontram-se também nos setores terciário e quaternário,ainda que menos onipresentes que no secundário.

O estatuto de uma categoria ocupacional nunca é de-finitivo. Alguns grupos profissionais atuais o são porque puderamdefender uma posição tradicional, enquanto outros são de recen-te surgimento. Os grupos mais proletarizados têm sua origem, fre-

qüentemente, em categorias profissionais ou gremiais, mas nãopuderam manter suas prerrogativas. O que faz com que um grupoocupacional vá parar nas fileiras privilegiadas dos profissionais ounas desfavorecidas da classe operária não é a natureza dos bensou serviços que oferece, nem a maior ou menor complexidade doprocesso global de sua produção, mas a possibilidade de decomporeste último através da divisão do trabalho e da mecanização – queestá, sim, determinada em parte por sua natureza intrínseca, a doprocesso –, o afã das empresas capitalistas ou públicas por fazê-lo– que depende da amplitude de seu mercado real ou potencial – e

pela força relativa destas e daquele, isto é, de empregadores e em-pregados reais ou potenciais.

Entre as formas inequívocas de profissionalização eproletarização, debate-se uma variada coleção de grupos ocupa-cionais que compartilham características de ambos os extremos.Constituem o que se designa no jargão sociológico semiprofissões,geralmente compostas por grupos assalariados, amiúde parte deburocracias públicas, cujo nível de formação é similar ao dos profis-sionais liberais. Grupos que estão submetidos à autoridade de seusempregadores, mas que lutam por manter ou ampliar sua autono-mia no processo de trabalho e suas vantagens relativas à distribui-ção da renda, ao poder e ao prestígio. Um desses grupos é formadopelos docentes.

O docente como profissional

Há muitas maneiras de se definir uma profissão (v.STARR, 1982; WILENSKY, 1964; GOODE, 1957; LARSON, 1977). Aquio faremos sucintamente através de cinco características para, a se-

guir, tratar de ver em que medida são compartilhadas pelo grupode educadores.

Competência. O profissional supõe-se tecnicamentecompetente em um campo do conhecimento do qual estão excluí-

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dos os que não o são. Sua competência deve ser o produto de umaformação específica, geralmente de nível universitário. Seu sabertem um componente “sagrado”, no sentido de que não pode seravaliado pelos profanos. Só um profissional pode julgar outro, e só aprofissão pode controlar o acesso de novos membros, já que só elapode garantir e avaliar sua formação.

Em realidade, não é necessário que a profissão reúnatais competências: basta que assim pareça ao público. Quando, comsuas técnicas, contribuíam sobretudo para acelerar a morte daspessoas, os médicos já gozavam de um estatuto profissional. É maisque duvidoso que psicólogos, psiquiatras e psicanalistas contribu-am hoje para a cura dos doentes psíquicos, mas têm conseguidofazer com que um público importante assim o creia. Um elementoessencial para se obter a presunção de competência é o uso e re-conhecimento social de um jargão próprio: por exemplo, chamar“cardiopatia” a uma enfermidade do coração, “interdito de reinte-gração” a uma reclamação da propriedade perdida ou “curriculum”

a um programa de estudos.

Vocação. O próprio termo “profissão” evoca o aspectoreligioso do tema, invocando as idéias de fé e chamada. Em nume-rosos idiomas, “vocação”, “chamada”, “profissão” reúnem-se em ummesmo vocábulo ou são intercambiáveis. O profissional não traba-lha de maneira venal, mas como serviço a seus semelhantes; essa é a justificação teórica da proibição da competência entre os membrosda profissão. Por isso seu trabalho não pode ser pago, porque nãotem preço, seu exercício é “liberal” e sua retribuição toma a forma

de “honorários” (certamente elevados!). A profissão caracteriza-se,nesse caso, por sua vocação de serviço à humanidade.

Na realidade, é bem sabido que o principal atrativo deuma profissão liberal é constituído por seus rendimentos, além deoutras vantagens materiais e simbólicas, e que a verdadeira razãoda proibição da concorrência é evitar a queda das retribuições.Sabe-se, também, que os profissionais só estão disponíveis para opúblico quando este possui condição financeira e dentro de umhorário e um calendário decididos por eles mesmos. Seus preten-samente longos horários não o são tanto e, quando o são, podemser interpretados também como uma forma de aumentar seus ren-dimentos.

Licença. Os profissionais têm demarcado um campoexclusivo, geralmente reconhecido e protegido pelo Estado. Isso osdefende da intrusão e, portanto, da competência alheia. Supõe-seque essa licença seja a contrapartida de sua competência técnicae sua vocação de serviço. Esta idéia expressa-se em termos como“licenciatura”, “licenciado”, “faculdade”, “facultativo”, “vênia”, etc.

Independência. Os profissionais são duplamente autô-nomos no exercício de sua profissão, frente às organizações e frenteaos clientes. Frente às organizações, claro está, no exercício liberalda profissão; e, inclusive, quando se convertem em trabalhadores

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assalariados, através de seu controle coletivo das organizações queos empregam (por exemplo, o controle dos médicos sobre os hospi-tais públicos e privados, a forma de sociedade adotada pelas firmasde advogados etc.). Frente ao público, porque o cliente do profis-sional, diferentemente do cliente de uma loja, o qual se supõe sero consumidor soberano e que “sempre tem razão”, não tem razãoalguma; apenas tem necessidades, problemas ou urgências que sóo profissional sabe como resolver. O cliente pode estar, inclusive,obrigado a recorrer aos serviços do profissional, como sucede aolitigante numa disputa judicial, ao aluno em período obrigatório ouao particular que tem de demonstrar seu bom estado físico paraobter a carteira de habilitação de motorista.

Auto-regulação. Com base na identidade e na solidarie-dade grupal, a profissão regula por si mesma sua atuação, atravésde seu próprio código ético e deontológico, assim como de órgãospróprios para resolução de seus conflitos internos. A capacidade deauto-regulação supõe a real posse de uma competência exclusiva.

A profissão reserva-se o direito de julgar seus próprios membros, re-sistindo a toda pretensão dos profanos, isto é, dos clientes, do poderpúblico ou de outros grupos. Organiza-se colegial ou corporativa-mente, em qualquer caso à margem dos sindicatos de classe.

Em que medida compartilham os docentes essas carac-terísticas? Vejamos, de maneira bastante breve, pela mesma ordemem que foram apontadas anteriormente.

Competência. O professor primário tem uma competên-

cia oficialmente reconhecida, mas devida a uma educação superiorcurta, de menor prestígio que a universitária em sentido estrito. Oprofessor que tem um curso superior que não seja uma licenciaturapossui uma competência reconhecida como técnico em seu cam-po, mas não como docente. Seu saber não tem nada de sagrado ea educação é um desses temas sobre os quais qualquer pessoa seconsidera com capacidade para opinar, de modo que seu trabalhopode ser julgado (e o é) por pessoas alheias ao grupo profissional.Carecem ambos, enfim, de um jargão próprio.

Vocação. Ainda que no termo “professor” ressoe a idéiade vocação para uma parte dos docentes, no termo “maestro” [pro-fessor primário] ressoa simplesmente a idéia de trabalhador qua-lificado, significado original da palavra em castelhano. Tradicional-mente reconhecia-se um componente vocacional na prática dadocência, mas o retorno do individualismo consumista, associado àboa saúde política e ideológica do capitalismo em nossos dias, pa-rece estar terminando com isso: a imagem do graduado num cursouniversitário que se dedica ao ensino se move entre a de alguémque renunciou à ambição econômica em favor de uma vocação so-cial e a de quem não soube nem conseguiu encontrar algo melhor.

Em todo o caso, o docente é um assalariado, e as opiniões sobrea adequação ou não de seu salário dependem da valorização quese faça do seu trabalho que, diferentemente do de um profissional,possui um preço.

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Licença. O docente tem um campo demarcado, mas sóparcialmente. A lei não permite a outras pessoas avaliar e certificaros conhecimentos dos alunos, mas, tampouco, outorga aos profes-sores dos diferentes níveis, exclusivamente, a capacidade de ensinar, juntamente com o ensino regular. Há plena liberdade para o ensinoinformal; ao contrário, não poderíamos encontrar, por mais que bus-cássemos, uma medicina ou uma advocacia não regulamentadas.

Independência. Os docentes apenas parcialmente sãoautônomos, tanto frente às organizações como frente ao seu públi-co. Em sua quase totalidade, são assalariados. Quanto a seu público,os alunos, e por extensão os pais, não estão dispostos a situar-se namesma posição de dependência total que os pacientes, clientes deadvogados etc. A lei reconhece e outorga, por exemplo, o direito departicipação na gestão das escolas aos pais e aos alunos, mas nãofaz o mesmo com os pacientes em relação ao hospital. Não obs-tante, esse reconhecimento é apenas formal, pois os docentes têmgarantidas competências exclusivas, desfrutam de uma maioria se-

gura nos órgãos colegiados e estão submetidos a autoridades que,em geral, são docentes.

Auto-regulação. A categoria de docentes carece de umcódigo ético ou deontológico (o que não significa que sejam amo-rais ou não possuam normas grupais informais de comportamen-to!) e de mecanismos próprios para julgar seus membros ou resol-ver conflitos internos. Sem esse código ético, não há, na categoriade docentes, controle sobre a formação de seus membros futuros,ainda que possam influir no grupo dos que se formam professo-

res via universidade (neste caso, através do setor privilegiado dosprofessores universitários). Intervêm no controle dos mecanismosfinais de acesso, mas somente sob a tutela da burocracia pública oudos empregadores privados. Contam com organizações profissio-nais (associações), muito menos relevantes que as sindicais, que sedividem entre sindicatos filiados às centrais de classe e sindicatosindependentes e abertamente corporativos.

O Docente como trabalhador proletarizado

Segundo a iconografia usual, um proletário é um traba-lhador que veste macacão azul, realiza pesadas tarefas físicas, viveno limite da sobrevivência, segue a esquerda e, talvez, chegue a serseu o reino desta terra. A sociologia não pode negar que assim seja,mas, sim, pode oferecer uma definição menos romântica e maiscientífica. Um proletário é uma pessoa que se vê obrigada a vendersua força de trabalho – não o resultado de seu trabalho, mas suacapacidade de trabalho. Posto que nenhum capitalista a compra-rá por nada, um proletário é também um trabalhador que produzmais do que o salário que recebe e mais do que o necessário para a

reposição dos meios de trabalho que emprega. Vale dizer que pro-duz um sobretrabalho, um excedente ou, para ser mais exato, umamais-valia. Para assegurar que assim ocorra, o capitalista faz tudoque o pode, e pode bastante, para controlar e organizar o resulta-do e o processo de trabalho. Um proletário, por conseguinte, é um

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trabalhador que perdeu o controle sobre os meios, o objetivo e oprocesso de seu trabalho (sobre o processo de proletarização, verFernandez Enguita, 1989).

Mas nem a sociedade nem o setor capitalista da mes-ma se dividem clara e abertamente em perfeitos burgueses e emperfeitos proletários. Deixando de lado os primeiros, que aqui nãointeressam, a proletarização não pode ser entendida como um sal-to ou uma mudança drástica de condição, mas como um processoprolongado, desigual e marcado por conflitos abertos ou disfarça-dos. A proletarização é o processo pelo qual um grupo de trabalha-dores perde, mais ou menos sucessivamente, o controle sobre seusmeios de produção, o objetivo de seu trabalho e a organização desua atividade.

Obviamente, as condições de vida e trabalho dos pro-fessores não são as dos estivadores ou dos operários da indústriaautomobilística, mas isso não nos deve impedir de ver que, como

categoria, os docentes encontram-se submetidos a processos cujatendência é a mesma que para a maioria dos trabalhadores assala-riados: a proletarização. Esses processos, está claro, não atuam damesma forma, nem ao mesmo tempo, nem com os mesmos resul-tados sobre todas as categorias de trabalhadores. Alguns foramou são rapidamente transformados, outros requerem um períodolongo, outros resistem com pleno êxito a essa tendência e outros,enfim, debatem-se e opõem resistência pelo meio do caminho. Ve- jamos qual tem sido o processo e qual é a situação dos docentes.

A quase totalidade dos docentes é hoje assalariada. En-contram-se nessa situação todos os docentes no ensino público ea imensa maioria na rede privada de ensino. Nesse setor há que seexcluir os docentes-empresários, isto é, os que são proprietários deescolas, mas que contribuem também com seu próprio trabalho do-cente e, obviamente, os que, ainda que tendo uma origem docente,deixaram de trabalhar como tal para se converterem simplesmenteem empresários capitalistas do setor, mesmo em se tratando de pe-quenos empresários.

Hoje em dia, os termos “docente”, “educador”, “mestre”ou “professor” evocam de imediato a imagem de um trabalhadorassalariado, mas nem sempre foi assim. Até há poucas décadas, naEspanha, grande parte dos professores primários estava muito maispara trabalhadores autônomos que estabeleciam, por sua própriaconta, escolas nos povoados, ainda que com o apoio dos governoslocais, sob a forma de locais adequados e subvenções para alunossem recursos econômicos. Nas escolas privadas unitárias, o mestreera ao mesmo tempo o empresário e o trabalhador, talvez com oapoio de sua esposa ou de algum servente; era, em sentido estrito,um pequeno-burguês. A terminologia do magistério todavia apre-

senta vestígio disso, por exemplo quando se referem ao “mestre-proprietário” (maestro propietario) ou ao “cargo em propriedade”(plaza en propiedad). Outras reminiscências, menos simbólicas emais materiais, perduraram até bem pouco tempo, como é o caso

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das “permanencias” e das aulas particulares dadas pelos mesmosmestres a alguns de seus alunos.

A urbanização, a introdução das escolas completas e se-riadas, as concentrações escolares, a expansão do setor público, acriação de escolas privadas para setores com poder aquisitivo alto esua generalização para todos, com a política de subvenções e a ex-pansão do setor público, são os fatores que têm feito desaparecer odocente autônomo, inclusive o mestre público semi-autônomo dazona rural. A criação e logo o predomínio absoluto das escolas comvários grupos escolares supunham a divisão e hierarquização dosdocentes, com a aparição da figura do diretor e outras intermedi-árias. A figura do diretor tem seu correlato em uma certa perda deautonomia por parte do professor de base.

Outro aspecto a ser considerado é que a regulação doensino passou, com o tempo, da situação de limitar-se aos requisi-tos mais gerais para a de prescrever especificações detalhadas para

os programas de ensino. A administração determina as matériasque deverão ser dadas em cada curso, as horas que serão dedicadasa cada matéria e os temas de que se comporá. Em outras palavras,o docente tem perdido progressivamente a capacidade de decidirqual será o resultado de seu trabalho, pois este já lhe chega pre-viamente estabelecido em forma de disciplina, horários, programas,normas de avaliação etc. Não só assim, diretamente, mas também,indiretamente, através dos exames públicos (os antigos exames de“ingresso” e revalidação, os atuais exames de seleção) e, em geral,dos requisitos de acesso e dos pré-requisitos de base dos níveis ul-

teriores, aos quais deve amoldar-se o ensino nos anteriores. Tanto oensino privado como o público vêem-se afetados por essas regula-mentações gerais; além disso, a diferença principal entre um e ou-tro, que não é tão importante para o que aqui nos interessa, consis-te em que, no primeiro, a interpretação ou os acréscimos às normaslegais procedem do proprietário ou seu representante, enquanto,no segundo, provêm de um diretor nomeado pela Administração.

As regulamentações que recaem sobre o docente nãoconcernem somente ao “quê” ensinar, mas também, amiúde, a“como” ensinar. Em todo o caso, qualquer coisa não pode ser en-sinada de qualquer maneira, de modo que, ao decidir um conteú-do, as autoridades escolares limitam também a gama de métodospossíveis. Mas, além disso, sobretudo as autoridades das escolas, po-dem impor aos educadores formas de organizar as turmas e outrasatividades, procedimentos de avaliação, critérios de disciplina paraos alunos etc. O docente perde assim, também, e mesmo que sóparcialmente, o controle sobre o seu processo de trabalho.

Essa perda de autonomia pode ser considerada tam-bém como um processo de desqualificação do posto de trabalho.

Vendo limitadas suas possibilidades de tomar decisões, o docente já não precisa das capacidades e conhecimentos necessários parafazê-lo. A desqualificação vê-se reforçada, além disso, pela divisãodo trabalho docente, que reflete duplamente a parcelarização do

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conhecimento e das funções da escola. A primeira, através da pro-liferação de especialidades e do confinamento dos docentes emáreas e disciplinas. A segunda, por meio da delimitação de funçõesque são atribuídas de forma separada a trabalhadores específicos,desmembrando-se essas das competências de todos: é o caso daorientação, da educação especial, do atendimento psicológico etc.

Finalmente, para esse processo, contribuem também osfabricantes de livros didáticos e outras mercadorias educacionais.O livro didático especifica para o professor o conjunto de conheci-mentos que deverá transmitir, a seqüência dos mesmos e a formade transmiti-los e organizá-los. Ainda que de menor repercussão noconjunto da vida escolar, um efeito similar têm outros recursos do-centes, como os programas informatizados ou os chamados “paco-tes curriculares”.

Numa outra veia, os docentes, como a maioria dos tra-balhadores assalariados, produzem um sobretrabalho e, tratando-se

do setor privado, uma mais-valia, da qual se apropriam seus empre-gadores. A velha discussão entre marxistas sobre se os docentes sãotrabalhadores “produtivos” ou “improdutivos” carece inteiramentede sentido. Em primeiro lugar, porque desde o momento em que,como assalariados do setor privado, permitem a seus empresáriosembolsarem uma quantidade de dinheiro superior ao que lhes cus-tam, já produzem uma mais-valia, independentemente de que o re-sultado de seu trabalho seja um bem ou um serviço (FERNÁNDEZENGUITA, 1985); quanto aos do setor público, não podem produzirnem deixar de produzir mais-valia porque não produzem valor, já

que o setor público não produz para o mercado. Em segundo lugar,ainda que fosse ao contrário, isso não modificaria suas condiçõesde trabalho nem suas relações sociais de produção. A categoriza-ção dos trabalhadores do setor capitalista e a análise das relaçõessociais de produção em que estão imersos é função de seu lugar noprocesso material de produção, não no processo de valorização.

Os empresários do ensino privado têm o mesmo inte-resse que podem ter os fabricantes de salsichas em explorar seusassalariados, começando pelos professores, ou seja, todo o interessedo mundo. Quanto ao setor público como empregador, ainda queseus trabalhadores venham a conseguir melhores condições paraum mesmo trabalho que os do setor privado, não é menos certoque, no contexto da atual e prolongada crise fiscal do Estado, estetende a limitar seus gastos em salários e os docentes costumam seruma das categorias de funcionários mais vulneráveis.

A ambivalência do trabalho docente

A categoria dos docentes, de acordo com o exposto,

compartilha traços próprios dos grupos profissionais com outrascaracterísticas da classe operária. Para a sua proletarização contri-buem seu crescimento numérico, a expansão e concentração dasempresas privadas do setor, a tendência ao corte dos gastos sociais,a lógica controladora da Administração pública e a repercussão

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de seus salários sobre os custos da força de trabalho adulta. Mas,há também outros fatores que atuam contra essa tendência e, porconseguinte, a favor de sua profissionalização. O mais importante,sem dúvida, é a natureza específica do trabalho docente, que nãose presta facilmente à padronização, à fragmentação extrema dastarefas, nem à substituição da atividade humana pela das máquinas– ainda que esta última seja tão cara aos profetas da tecnologia. Ou-tros fatores relevantes, que com efeito vão na mesma direção, sãoa igualdade de nível de formação entre os docentes e as profissõesliberais, a crescente atenção social dada a problemática da educa-ção – ao menos a longo prazo – e a enorme importância do setorpúblico frente ao privado.

Como conseqüência, a categoria dos docentes move-semais ou menos em um lugar intermediário e contraditório entre osdois pólos da organização do trabalho e da posição do trabalhador,isto é, no lugar das semiprofissões. Os docentes estão submetidosà autoridade de organizações burocráticas, sejam públicas ou pri-

vadas, recebem salários que podem caracterizar-se como baixos eperderam praticamente toda a capacidade de determinar os finsde seu trabalho. Não obstante, seguem desempenhando algumastarefas de alta qualificação – em comparação com o conjunto dostrabalhadores assalariados – e conservam grande parte do controlesobre seu processo de trabalho. De certa forma, pode-se dizer quetanto eles como a sociedade em geral e seus empregadores emparticular têm aceitado os termos de um pacto: autonomia em tro-ca de baixos salários.

Nada permite esperar que os docentes venham a seconverter finalmente em grupo profissional, nem em um segui-mento a mais do proletariado, no sentido forte desses dois concei-tos. As mudanças sofridas pela categoria, assim como os conflitosem curso e as opções presentes, movem-se dentro de um leque depossibilidades cujos extremos continuam contidos dentro dos limi-tes da ambigüidade própria das semiprofissões. Trata-se, sempre, deganhar ou perder um pouco de algo, não de escolher entre o bran-co e o preto.

A maioria das mudanças na posição dos docentes ocor-ridas no último período pode ser interceptada sob a clave desseziguezague entre a profissionalização e a proletarização. A favor daprimeira têm apontado, por exemplo, o rebatizar os professores deensino fundamental como ”professores de EGB (Ensino Geral Bási-co)” e a conversão das escolas de magistério em flamantes escolasuniversitárias, com a conseqüente elevação dos requisitos de aces-so e titulação; a proclamação constitucional da liberdade de cáte-dra e o reconhecimento formal de competências aos colegiadosde professores; enfim, a funcionarização da maioria dos docentesdo setor público. A favor da segunda apontam, por exemplo, a ir-

rupção de novos especialistas nos centros que concentram para sicompetências arrancadas aos que só trabalham em sala de aula; aadmissão de pais e alunos nos conselhos escolares, o que questionaa exclusividade dos docentes sobre as questões de ensino e suscita

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por isso sua hostilidade; e, claro, a perda de poder aquisitivo dostrabalhadores do setor.

A reivindicação do reconhecimento de seu profissiona-lismo por parte dos docentes deve ser entendida de acordo com es-sas coordenadas, como uma expressão sintética de sua resistênciaà proletarização. Ao levantarem essa bandeira, os docentes atuamdo mesmo modo que na sua época o fizeram os grêmios de tra-balhadores artesanais na origem de muitas ocupações hoje plena-mente proletarizadas – por exemplo, os mecânicos ou os gráficos –,ou o que fazem agora numerosos grupos ocupacionais de criaçãorelativamente recente – por exemplo, os pilotos ou os jornalistas.Ninguém na história aceitou de bom grado converter-se em, oupermanecer, proletário.

As formas que toma, contudo, expressam algo mais.Concretamente o clima político-social do período e na relação dacategoria docente com o resto dos trabalhadores. Há dez ou quinze

anos, os docentes denominavam-se a si mesmos ”trabalhadores doensino”: discutiam-se por toda parte seu caráter de classe, sua fun-ção produtiva ou improdutiva etc., quase sempre com a vontadede demonstrar que eram tão bons trabalhadores como quaisqueroutros. Hoje em dia se fala sobretudo de “profissionalismo”, “dignifi-cação da profissão docente” e outras expressões do mesmo estilo.Em síntese: antes se reivindicava a identidade com o resto dos tra-balhadores, agora se trata de sublinhar e reforçar a diferença.

A feminização do setor

Se o emprego do plural masculino oculta sempre a com-posição por sexo das categorias designadas, no caso da docência,falsifica e inverte radicalmente a realidade. De 419.951 professoresno período 1985-86, 243.008, ou seja, 57,86%, eram professoras. (Es-ses dados, como todos os que se empregarão a seguir, procedem doCIDE, 1988b, e correspondem sempre ao período indicado, excetono caso da Universidade, cujos dados são de 1984-85. Esse relató-rio, com notáveis insuficiências, proporciona algumas vezes dadoscontraditórios entre si, mas é o único levantamento sistemático so-

bre a presença da mulher no sistema educativo espanhol de quedispomos).

Desagregando os números por setores, as mulheres re-presentam 93,8% do professorado de ensino pré-escolar (cujo to-tal, incluídos ambos os sexos, é de 39.573 professores), 62,1% dode EGB (193.445), 48,7% do BUP e COU (76.555), 33,6% do de FP(49.408), 24,89% do professorado da Universidade (44.981), 72,1%do de educação especial (13.965) e 50,7% do de educação perma-nente de adultos (3.029)7.

Portanto, uma análise da categoria docente não podeser simplesmente uma análise de classe: tem de ser também, ne-cessariamente e na mesma medida, uma análise de gênero. Se issoé verdade para praticamente qualquer categoria de trabalhadores,

7 Educação Geral Básica - EGB, oitoanos de curso básico; Formação Pro-fissional - FP, curso após a EducaçãoBásica; cursos de 1º, 2º e 3º graus comduração de dois anos cada um; Cursode Orientação Universitária - COU, têmacesso os que tenham Bacharelado ouFormação Profissional de nível médio,

programado e supervisionado pelauniversidade, desenvolvido por esco-las do Estado e particulares; Bacharela-do Unificado e Polivalente - BUP, cursocom duração de três anos, compreen-de matérias comuns e a escolha livrede atividade técnica profissional. (Notado Editor, com agradecimentos à Pro-fessora Ilza Jardim).

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mais verdadeiro será para um setor que, como o dos docentes, estáconstituído em sua maioria por mulheres. O contrário significarianegar-se os meios para compreender tanto a evolução global e aposição social da categoria como suas fraturas e sua problemáticainternas.

O termo “feminização” não só expressa um ponto dechegada, como também e fundamentalmente um processo. O au-mento proporcional da presença das mulheres no professoradotem sido espetacular e praticamente constante ao longo do tempo,muito acima de sua presença média na população ativa do país. Em1957, as mulheres já eram 62,37% dos professores de escola primá-ria; se nos fixamos nos subgrupos do sistema atual mais assimilá-veis àqueles, vemos que hoje representam 85,91% do professoradodo ciclo inicial e 68,14% do ciclo médio de EGB. Nos anos 1940-45,representavam 19,7% do professorado do bacharelado; hoje são55,0% do professorado do ciclo superior de EGB e 48,7% do BUPe COU Nos anos 1944-45, eram 4,5% do professorado universitário;

hoje significam 24,89%.

Podem aduzir-se diversos motivos para esse processo.Em primeiro lugar, o ensino é uma das atividades extradomésticasque a ideologia patriarcal imperante aceitou sempre entre as ade-quadas para as mulheres, vendo-a em grande medida como umaocupação transitória para as jovens e uma preparação para o exercí-cio da maternidade. Como outras “profissões femininas” (enfermei-ras, modistas, assistentes sociais etc). Assim, a atividade de ensinofica incluída no que se podem considerar extensões extradomésti-

cas das funções domésticas, surgidas sob o amparo do desenvolvi-mento dos serviços públicos no marco do Estado assistencial.

Em segundo lugar, os baixos salários do ensino têm afu-gentado progressivamente do mesmo os varões educados, para osquais a indústria, o comércio e outros ramos da Administração Pú-blica abriam novas e melhores oportunidades de emprego – pelomenos em termos de salário. Em contrapartida, a crença social deque o trabalho da mulher é sempre transitório ou anômalo e seusalário uma segunda fonte de renda, compartilhada em certo graupelas próprias mulheres, tem favorecido a manutenção dos saláriosem níveis baixos.

Em terceiro lugar, o empenho em submeter os docen-tes, tradicionalmente um setor inclinado às idéias avançadas e pro-gressistas, convertendo-os em fiéis transmissores da cultura e moraldominantes e defensores da conformidade com a ordem estabele-cida tem atuado também em favor da aceitação das mulheres, nor-malmente consideradas como mais conservadoras, menos ativas emais dispostas a aceitar a autoridade e a hierarquia que os homens,tanto por sua distinta educação como pela menor relevância do tra-

balho remunerado em suas vidas. Para explicar o processo de femi-nização, não importa muito se este argumento, que um autor temqualificado “teoria machista da profissionalização” (PARKIN, 1984) écerto ou não: basta que tenha sido considerado como tal.

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Por último, a escola, em especial a escola pública (logo,devido à intervenção estatal e à negociação coletiva, também a pri-vada), foi e é um dos poucos setores de emprego em que as mu-lheres recebem o mesmo salário que os homens (ao menos, nestepaís: Cf. PIQUERAS, 1988; não é assim no Reino Unido e nos EstadosUnidos, por exemplo: Cf. APPLE, 1986). Conseqüentemente é lógicoque as mulheres educadas tenham preferido um emprego no ensi-no antes que em outros muitos setores onde a discriminação sala-rial era manifesta, além de serem oferecidas, em geral, condições detrabalho menos desejada.

O processo de feminização tem tido conseqüências im-portantes para o ensino, de maneira geral raramente levadas emconsideração na análise deste. A primeira, sem dúvida, foi fazer daescola uma instituição menos sexista do que parece quando seatenta somente para a análise do conteúdo dos estudos. Parado-xalmente, a feminização maciça do setor fez com que, na primeirainstituição formal distinta da família a que se incorpora, a imensa

maioria das crianças pudesse encontrar mulheres em papéis e fun-ções não domésticas, distintas das de dona-de-casa, esposa e mãe.Além disso, e apesar da possibilidade de mimetização pelas mulhe-res dos comportamentos masculinos em um contexto ainda domi-nado pelas normas de comportamento deste gênero, não resta dú-vida de que a presença maciça das mulheres tem contribuído parao desenvolvimento da crítica feminista e das atitudes não sexistas,no sentido mais amplo, dentro das escolas (sobre o caráter sexistae anti-sexista da escola ver Fernandez Enguita (1988); e Subirats eBrullet (1988).

A segunda, de sentido contrário, refere-se à relação daescola com o mundo do trabalho. Se os professores primários dosexo masculino costumavam proceder de famílias encabeçadaspor trabalhadores manuais da indústria ou camponeses, as profes-soras primárias têm mais probabilidades de proceder de famíliasde classe média que enviaram seus filhos homens a estudos commais valor de mercado e suas filhas diretamente ao ensino – ou in-diretamente, através de estudos sem grande valor ocupacional. Noentanto, é altamente provável que essas mulheres, se não caem naendogamia profissional, contraiam matrimônio com homens comum status ocupacional mais alto, inequivocamente de classe média.O resultado final é um distanciamento global do professorado comrelação ao mundo, à experiência, à cultura e aos valores de trabalhomanual.

A terceira é a outra face de um dos motivos do processode feminização. Esta, efetivamente, tem contribuído para a prole-tarização ou tem dificultado a profissionalização do setor docente.Por um lado, a idéia do “segundo salário” e do “emprego provisório”permite à sociedade pagar menos. Além disso, uma sociedade pa-

triarcal está menos disposta a conceder autonomia no trabalho àsmulheres que aos homens. Por outro, existe uma série de fatoresque dificultam a ação sindical das mulheres: desde a “dupla jornada”até a escassa atenção das organizações sindicais e profissionais à

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sua problemática específica, passando por sua educação mais con-servadora, pelos escrúpulos de seus maridos diante de qualqueratividade extradoméstica etc. Definitivamente, trata-se de um efei-to previsto que, por meio de um raciocínio teleológico, integra-sena cadeia das causas do processo de feminização. Não obstante, háque se reafirmar que a luta pela profissionalização do setor passa,assim, a ser não só um conflito de classe, mas também de gênero, ecomo tal deve ser vista.

O gênero não só separa os docentes de outros gruposocupacionais: também os divide entre si. Os percentuais a que antesnos referimos, distribuídos entre os sucessivos níveis do ensino, jámostravam que, se a presença das mulheres na educação aproxi-ma-se de três quintos, há uma tendência decrescente desde a quasetotalidade do professorado de ensino pré-escolar até a quarta partedo universitário, o que significa uma presença inversamente pro-porcional aos salários, à autonomia, ao prestígio e às oportunidadesde promoção profissional dos distintos subgrupos de docentes.

Encontramos a mesma coisa ao nos fixarmos em outroscritérios de hierarquização interna do professorado. As mulheressão 25% do professorado universitário em seu conjunto, mas estepercentual, que é também o que representa o professorado das fa-culdades, cresce para 30,5% nas escolas universitárias e decrescepara 9,4% nas escolas técnicas superiores. Nas escolas universitá-rias, onde sua presença global é maior, pode representar, contudo,desde 66,6% em Biblioteconomia e Documentação ou 60,3% emTrabalho Social até 2,3% em Obras Públicas ou 8,7% em Telecomu-

nicações. Nesse mesmo grupo docente, 30,7% dos homens são ca-tedráticos, mas só 24,2% das mulheres o são. Nas escolas técnicassuperiores, 16,3% dos homens e 2,0% das mulheres o são; nas fa-culdades, 14,8% deles e 3,2% delas (todos os dados são do período1983-84). Poderiam ser acrescidos outros dados sobre o ensino uni-versitário, mas não parece necessário.

No bacharelado e COU, 14,3% dos homens são cate-dráticos, frente a 8,3% das mulheres. No Ensino Geral Básico, ondeas mulheres representam 62,1% do conjunto do professorado, são,todavia, só 46,49% dos diretores sem docência e 39,52% dos quetêm docência. Isso quer dizer que são diretores nove de cada cemprofessores homens, mas só quatro de cada cem professoras; emoutras palavras, estas têm menos da metade de oportunidades dechegar à direção que aqueles.

A heterogeneidade da categoria

Se até aqui vimos falando dos docentes em geral, che-ga o momento de atentar para suas divisões internas. Referir-se ao

“professorado” sem maior especificação é ocultar as notáveis dife-renças que separam os distintos grupos de professores, diferençasque dizem respeito a seus salários, suas condições de trabalho, seuprestígio, suas oportunidades de promoção e outros bens e vanta-gens sociais desejáveis.

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As pesquisas de estratificação reconhecem isso quan-do, ao se referirem aos trabalhadores não manuais e dos serviços,situam, no geral, dez por cento dos professores – constituídos ba-sicamente pelos funcionários docentes da universidade e, no caso,os diretores de centro secundário – no estrato superior, junto aos“gerentes”, “diretores” e “profissionais liberais”, e noventa por centodo restante no segundo grupo, junto aos “técnicos e empregadosmédios” (Cf. MIGUEL,1974, p. 372-373). Essa classificação, todavia, édemasiado generosa, vale dizer mistificadora com a realidade socialdos professores, viés que se deve à importância comumente dadaà educação formal, à margem de sua retribuição social, nos estudossobre estratificação ocupacional. Sem tal miopia, esses bens pode-riam descer ao capítulo de “administrativos e trabalhadores de ser-viços”.

Em todo caso, o que aqui interessa sublinhar não é sualocalização frente a outros trabalhadores não educadores, mas suadiversidade interna. Esta se manifesta abertamente, por exemplo,

nos salários de cada categoria (todas as referências quantitativas sebaseiam nos dados disponíveis em CIDE, 1988a). Um catedrático deuma universidade recebe um vencimento que equivale a mais doque o dobro do vencimento de um “mestre proprietário” (maestropropietario) e a três vezes (quatro até há muito pouco) o de umajudante universitário, todos eles em regime de dedicação exclu-siva. Além disso, o catedrático universitário tem oportunidades deaumentar e mais que dobrar seu vencimento através de pesquisasremuneradas, conferências e similares, para não falar do exercícioliberal de uma profissão, que o professor primário nunca terá. A isso,

todavia, há que se acrescentar retribuições indiretas como a bolsapara pesquisa que lhe corresponde, em qualquer caso, às ajudas deviagens etc. Um catedrático de ensino secundário recebe, por suavez, um salário quase quarenta por cento superior ao de um profes-sor primário. Tudo isso não são mais do que exemplos dentro de umsetor público, os quais devem ser complementados com o registrodas diferenças entre este e o privado: assim, os rendimentos de umcatedrático de instituto público superam em mais da metade os deum titular de escola privada de ensino secundário, sendo ambos osgraus máximos alcançáveis, e os de um professor primário estatal

superam em um terço os de um professor primário do ensino pri-vado.

As condições de trabalho são igualmente heterogêne-as. No ensino público, um professor de EGB tem vinte e cinco horasletivas semanais, um professor de ensino médio, dezoito e um ca-tedrático ou titular universitário, oito. Além disso, este último temum calendário notavelmente mais curto – praticamente reduzidoà metade do ano civil –, pode diminuir sua carga letiva global legalpor diversos procedimentos, tem toda ordem de facilidades parapequenas ausências e para licenças prolongadas. Também entre

ensino público e privado há diferenças: frente ao já assinalado parao primeiro, os professores de todo os níveis não-universitários dosegundo devem cumprir semanalmente vinte e oito horas letivas.

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Seu grau de autonomia não é menos diferente. Enquan-to os professores não-universitários estão limitados a dar as discipli-nas ou áreas de sua especialidade que figuram nos programas, quesão poucas, e devem seguir os temas preparados pela Administra-ção, os universitários podem dar qualquer conteúdo em suas disci-plinas e mudar facilmente de uma para outra. Enquanto os primei-ros se encontram submetidos em diferentes graus à autoridade decolegiados, diretores e proprietários, os segundos são plenamenteautônomos frente às autoridades acadêmicas no exercício de suadocência.

Seu prestígio social é inteiramente díspar. Se os cate-dráticos de universidades aparecem sempre nos primeiros postode qualquer classificação, os professores primários continuam sen-do objeto de frases como “passar mais fome que um mestre-escola”,“cada mestrinho tem seu livrinho”, etc. Sua auto-imagem está tam-bém polarizada: enquanto os professores universitários se conside-ram parte da nata da sociedade, os professores primários vêem-se

como classe média baixa, “professorinhas” e assim sucessivamente.

  A partir dessa hierarquização, podemos e devemosmatizar todas as considerações sobre o embate entre profissionali-zação e proletarização dentro do setor docente. É uma grande par-te da população a que agora passa mais fome ou, simplesmente,come pior que um mestre-escola. Ainda que os professores tenhamperdido autonomia e, provavelmente, prestígio social, não há por-que duvidar de que sua posição material melhorou ao longo dotempo em termos de rendimentos, de segurança no emprego e,

em certos aspectos, de condições de trabalho. A posição dos pro-fessores universitários tem-se degradado relativamente não tantopor uma queda de suas condições materiais como pela expansãoda categoria, que tem deixado de ser uma minoria muito restrita;isso, quando menos, traduz-se em perda de prestígio e distinção, senão coletiva, ao menos individualmente. O subgrupo mais castiga-do provavelmente tenha sido o do professorado de ensino médioque, com a massificação e virtual universalização deste, deixou deser uma minoria bastante exclusiva para ser um grupo a mais de as-salariados não-manuais. Se a isso se soma o fato de que se trata detrabalhadores que compartilham titulação universitária com outrosmelhor situados na administração pública e nas empresas privadas(também a compartilham com outros pior situados em ambas, masuma categoria sempre quer obter isonomia – a palavra de ordemdos últimos tempos – com relação aos que vivem melhor, e não aocontrário), compreender-se-á por que esse subgrupo é o mais preo-cupado com a “difamação profissional”.

Desde a perspectiva dessa fragmentação interna, pode-se captar melhor a gama de dificuldades que apresenta a articula-ção conjunta dos interesses presumíveis de todos os docentes. Há

professores e professores. Cada um se considera mais acima dosque estão abaixo, mas injustamente discriminado pelos que estãopor cima. Em todo caso, essa divisão torna muito difícil, numa épocade cultivo das diferenças, a aceitação de propostas como a do “cor-

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po único” de professores.

Um comentário conjuntural

A recente greve dos professores do ensino público não-universitário colocou de novo em foco essa problemática, trazendoà luz as ambigüidades de ambas as partes. A Administração atuou

ao longo de todo o conflito como se estivesse convencida – e pro-vavelmente estava, com um setor da imprensa fazendo coro – deque os professores nada mais são do que fracassados, perdedores,incompetentes. Naturalmente, não empregou tais epítetos, mas sãoo corolário latente de uma filosofia segundo a qual só se conver-te em professor quem não pode se converter em outra coisa: estu-dantes que não foram capazes de cursar um curso universitário emlugar do magistério e portadores de títulos universitários que nãosouberam encontrar trabalho no exercício liberal da profissão, emuma empresa privada ou em uma categoria melhor remunerada e

de maior prestígio.

O raciocínio era muito simples: se aceitam um trabalhomal remunerado, é porque não valem para outro. O pressupostosubjacente é que o único critério para escolher um emprego frentea outro é a remuneração. Assim, negava-se aos docentes a possibi-lidade de que haviam decidido sê-lo, simplesmente, por possuíremuma vocação social superior à ambição econômica. Isto é, negava-sea eles uma característica que, sem dúvida, reconhece-se generosa-mente para grupos profissionais que obtêm elevados rendimentos

e não moveriam um dedo se não fosse em troca destes.

Por outro lado, todavia, pedia-se aos professores profis-sionalismo para suportar sua situação. Não mais vocação, mas resig-nação. Pelo visto, da mesma forma que ao aceitar um trabalho malremunerado haviam mostrado não ser capazes, ao exigir uma me-lhora em seus vencimentos mostravam não ser profissionais, massimplesmente corporativos, uma espécie de corporativismo obrei-ro-funcional. Ao contrário, para dar crédito a seu profissionalismo,tinham de dar por boa a condição que ao mesmo tempo lhes eranegada, sua magra remuneração, e sentir-se suficientemente retri-

buídos para poder atender a uma vocação que não se lhes reconhe-cia, possuir prestígio que não se lhes atribuía e desempenhar umafunção social que não os recompensava. Porque, ao fim e ao cabo,em nossa sociedade não existe outro indicador de tais virtudes quenão a renda; além disso, é precisamente o presumido indicador, nãoo indicado, o que dá de comer.

Essa complicação não é um fenômeno exclusivamentelocal, ainda que entre nós receba uma feição espetacular devido àremuneração comparativamente baixa da docência. Em uma eco-

nomia de mercado, supõe-se que a forma de atrair trabalhadorescapacitados para qualquer atividade é oferecer-lhes uma remune-ração mais elevada que outras a que possam se dedicar alternativa-mente. Além disso, presume-se que o rendimento do trabalhadorno posto de trabalho é proporcional à sua satisfação diante do mes-

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mo e esta, aos salários percebidos. Sistematicamente, cada reuniãointernacional, seja do organismo que for, na qual se discute comoelevar a qualidade da educação – o tema da moda em nossos dias– é mencionado o problema dos professores. Afirma-se que a qua-lidade do ensino depende essencialmente destes e reconhece-sede imediato que suas remunerações são baixas. Mas, a seguir, acei-ta-se estoicamente que é quase impossível elevá-las – é muito fácilser estóico às custas dos outros – pelo grande número de traba-lhadores do setor, a necessidade de conter o gasto público etc., epropõe-se “remunerá-los” por outros caminhos: fundamentalmentetratá-los bem, elevar seu prestígio, reconhecer seu profissionalismoe exaltar sua função. O problema, como já foi dito, é que essas coi-sas, ainda que não careçam por si mesmas de importância, não secomem. Por outra parte, é inviável elevar o status simbólico de umacategoria sem que, ato contínuo, esta peça que esse reconhecimen-to se expresse na medida de valor universal, o dinheiro, recorrendose necessário for ao conflito trabalhista. Ademais, a combinação deuma elevada pressão moral com escassas recompensas materiais,

isto é, a elevação do status simbólico com a degradação do status econômico, não pode deixar de traduzir-se em frustração pessoal e,por conseqüência, em desafeição para com o próprio trabalho.

Outro aspecto da questão é que os educadores podemser mártires, mas isso não garante que sejam santos. A funcionariza-ção do ensino público, somada à relativa autonomia de cada docen-te no exercício de seu trabalho – particularmente, com já se disse,em seu processo de trabalho –, permite que seus rendimentos eesforços individuais se movam em graus de grande amplitude. Suas

atitudes e comportamentos não são iguais, podendo ir desde umaalta preocupação com seu trabalho, um desejo constante de atua-lização, uma elevada responsabilidade etc. até a passividade, a roti-na e a aplicação da lei do menor esforço mais absolutas. A culturaprofissional do grupo não parece suficiente para garantir a atuaçãode cada um de seus membros, ainda que, tampouco, caiba negar-lhe qualquer eficácia (vale a pena acrescentar que outros grupossemiprofissionais ou profissionais tampouco apresentam tal carac-terística, ainda que a pretendam e que se lhes reconheça). A funcio-narização, enfim, impede que atuem como estímulo do rendimento

os mecanismo habituais do mercado.

Esse é o marco em que se deve avaliar o problema quetem sido chamado de “carreira docente”: como instituir um sistemade estímulos que impeça de dormir na poltrona aqueles que pare-cem dispostos a fazê-lo, ainda que muitos não o estejam, e evitarque a carreira seja considerada medíocre. Não resta dúvida de queum setor do professorado encontra em sua vocação e responsabi-lidade estímulo suficiente para render adequadamente em seu tra-balho; para estes, o problema é simplesmente de justiça: que seubom trabalho seja reconhecido e recompensado. A questão é que

a organização do corpo docente, como a de qualquer outro, nãopode estar baseada na presunção da boa vontade individual e care-cer de meios para atuar quando esta não exista; ao contrário, deveestar organizada à prova da pior vontade, ou da falta de qualquer

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vontade, e contar com os meios para recompensar a boa e, ondenão exista, criá-la ou aproximar-se dos mesmos resultados atravésde outras motivações.

A atual situação presta-se bastante à atitude do apro-veitador. O professor que prefere trabalhar somente o mínimo seadapta normalmente a uma espécie de ”acordo brezhnieviano” queconsiste em conformar-se em receber pouco em troca de não darmais. Com esse comportamento, degrada a imagem de sua catego-ria e cerceia as oportunidades daqueles que trabalham mais dura-mente no sentido de obter uma recompensa adequada. Quandoestes últimos explodem, justamente por não verem reconhecido ovalor de seu trabalho, invocam a bandeira do igualitarismo e dasolidariedade do setor e conseguem ser aceitos, porque sua parti-cipação é necessária numa confrontação e em virtude da solidarie-dade efetiva daqueles que não deram mostras de tal no trabalhocotidiano.

Essa política de “café para todos” encontra necessaria-mente eco nos sindicatos de classe. Nenhum trabalhador nem sin-dicalista vê pessoalmente com bons olhos o companheiro que nãocumpre as normas; se não as da empresa, as informalmente aceitaspela categoria ocupacional de que se trate. No entanto, a organiza-ção e a dinâmica coletivas sindicais apontam em outro sentido. Ossindicatos baseiam sua existência no que os trabalhadores têm emcomum, não no que os diferencia. Qualquer reconhecimento das di-ferenças, sobretudo no plano das recompensas, pode ameaçar suaprópria existência. Isso é tanto mais certo desde o momento em

que se organizam como sindicatos “de indústrias” e não “de ofício”,antepondo a dimensão de assalariado à de profissional. Tal opção,provavelmente a mais viável e adequada, em geral a partir de umcerto desenvolvimento da industrialização, tem seus custos quan-do se aplica em particular a setores semiprofissionais como os do-centes. Concretamente, há dificuldade em se defender um sistemadiferencial de recompensas quando de fato existe uma atitude dife-renciada frente ao trabalho. Por acréscimo, a dinâmica dos conflitoscoletivos entre empregados e empregadores redunda na mesmadireção. Em sua origem, seu transcurso e sua resolução, a unidade éa base da força da categoria e resulta na necessidade de se fecharou ignorar qualquer fissura que possa ameaçá-la. No conjunto, tudoisso reforça um igualitarismo que, para além de qualquer critério deequivalência entre o trabalhadores individuais, remete-se à condi-ção formal idêntica dos membros da categoria e os priva da capaci-dade de controlar individualmente os seus membros.

A solução só pode vir através de mecanismos que ga-rantam, ao mesmo tempo, certa capacidade de controle da socie-dade sobre a profissão docente e certo ponto de auto-regulaçãodesta; que assegure um sistema de estímulos e contra-estímulos

suscetíveis de mobilizar a energia individual dos docentes na dire-ção desejada, e um sistema de contrapesos que permita a estes nãose converterem em simples marionetes da autoridade de plantão.Creio que compete à sociedade fixar os fins, grandes e pequenos,

A noção de situações didáticas e a-di-dáticas é conceito central da Teoria dasSituações, proposta por Guy Brousse-au, um grande pesquisador francês dasdidádicas das matemáticas, professorda Université de Bordeaux. Suas idéiasacerca das situações são muito bemtrabalhadas por José Luiz Magalhãesde Freitas, no capítulo Situações Didá-

ticas, do livro Educação Matemática daEDUC–PUC–SP.

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do ensino e, ao grupo profissional, arbitrar os meios. No plano dacarreira docente, isso significa empregar as oportunidades de aces-so, estancamento e rebaixamento, os diferenciais de salário e os be-nefícios e oportunidades marginais como instrumentos positivos enegativos de sanção, mas de maneira que, uma vez estabelecidos oscritérios, sejam os próprios docentes que os apliquem.

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