CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

167
1 CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH VII MiniENAPOL de Historiografia Linguística (2013) Bruna Polachini Julia de Crudis Patrícia Borges Stela Maris Danna (Orgs.) FFLCH-USP

Transcript of CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

Page 1: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

1

CADERNOS DE

HISTORIOGRAFIA LINGUIacuteSTICA DO

CEDOCH VII MiniENAPOL de Historiografia Linguiacutestica (2013)

Bruna Polachini Julia de Crudis Patriacutecia Borges

Stela Maris Danna (Orgs)

FFLCH-USP

CADERNOS DE

HISTORIOGRAFIA

LINGUIacuteSTICA DO CEDOCH VII MiniENAPOL de Historiografia Linguiacutestica (2013)

Bruna Polachini Julia de Crudis Patriacutecia Borges

Stela Maris Danna (Orgs convidadas do volume)

Cristina Altman

Olga Coelho (Orgs responsaacuteveis pela seacuterie monograacutefica)

Volume ndeg 1 Satildeo Paulo

2015

FFLCH-USP

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

Reitor Prof Dr Marco Antonio Zago Vice-reitor Prof Dr Vahan Agopyan

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

Diretor Prof Dr Seacutergio Franccedila Adorno de Abreu Vice-diretor Prof Dr Joatildeo Roberto Gomes de Faria

Secretaacuteria Kely Martins Mendonccedila

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA Chefe Profa Dra Cristina Altman

Vice-chefe Profa Dra Margarida Petter Coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Prof Dr Marcos Fernando Lopes Vice-coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Profa Dra Raquel Santana

Santos

CEDOCH Coordenadoras Profa Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho

Av Prof Lineu Prestes 159 S7 05508-900 - Satildeo Paulo - SP - Brasil

+55 (11) 3091-2114 cedochuspbr

Os textos publicados neste livro primeiro volume da seacuterie monograacutefica satildeo

de inteira responsabilidade de seus autores Permite-se a reproduccedilatildeo desde

que citada a fonte Esta ediccedilatildeo dos Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do

CEDOCH estaacute disponiacutevel em wwwcedochfflchuspbrcadernos

Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH VII

MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica (2013) | Satildeo

Paulo | v 1 | p 1-160 | 2015

ISBN 978-85-7506-263-0

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 1

Linguistic historiography in Brazil impressions and reflections

2

Pierre Swiggers

Directions for linguistic historiography 8

Pierre Swiggers

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

18

Bruna Soares Polachini

O contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

34

Patriacutecia Souza Borges

Uma breve revisatildeo dos antecedentes histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das gramaacuteticas racionalistas portuguesas do final do seacuteculo XVIII

54

Alessandro Jocelito Beccari e Ednei de Souza Leal

Dois modos do subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello 71

Luizete Guimaratildees Barros

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 2: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

CADERNOS DE

HISTORIOGRAFIA

LINGUIacuteSTICA DO CEDOCH VII MiniENAPOL de Historiografia Linguiacutestica (2013)

Bruna Polachini Julia de Crudis Patriacutecia Borges

Stela Maris Danna (Orgs convidadas do volume)

Cristina Altman

Olga Coelho (Orgs responsaacuteveis pela seacuterie monograacutefica)

Volume ndeg 1 Satildeo Paulo

2015

FFLCH-USP

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

Reitor Prof Dr Marco Antonio Zago Vice-reitor Prof Dr Vahan Agopyan

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

Diretor Prof Dr Seacutergio Franccedila Adorno de Abreu Vice-diretor Prof Dr Joatildeo Roberto Gomes de Faria

Secretaacuteria Kely Martins Mendonccedila

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA Chefe Profa Dra Cristina Altman

Vice-chefe Profa Dra Margarida Petter Coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Prof Dr Marcos Fernando Lopes Vice-coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Profa Dra Raquel Santana

Santos

CEDOCH Coordenadoras Profa Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho

Av Prof Lineu Prestes 159 S7 05508-900 - Satildeo Paulo - SP - Brasil

+55 (11) 3091-2114 cedochuspbr

Os textos publicados neste livro primeiro volume da seacuterie monograacutefica satildeo

de inteira responsabilidade de seus autores Permite-se a reproduccedilatildeo desde

que citada a fonte Esta ediccedilatildeo dos Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do

CEDOCH estaacute disponiacutevel em wwwcedochfflchuspbrcadernos

Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH VII

MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica (2013) | Satildeo

Paulo | v 1 | p 1-160 | 2015

ISBN 978-85-7506-263-0

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 1

Linguistic historiography in Brazil impressions and reflections

2

Pierre Swiggers

Directions for linguistic historiography 8

Pierre Swiggers

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

18

Bruna Soares Polachini

O contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

34

Patriacutecia Souza Borges

Uma breve revisatildeo dos antecedentes histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das gramaacuteticas racionalistas portuguesas do final do seacuteculo XVIII

54

Alessandro Jocelito Beccari e Ednei de Souza Leal

Dois modos do subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello 71

Luizete Guimaratildees Barros

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 3: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO

Reitor Prof Dr Marco Antonio Zago Vice-reitor Prof Dr Vahan Agopyan

FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

Diretor Prof Dr Seacutergio Franccedila Adorno de Abreu Vice-diretor Prof Dr Joatildeo Roberto Gomes de Faria

Secretaacuteria Kely Martins Mendonccedila

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA Chefe Profa Dra Cristina Altman

Vice-chefe Profa Dra Margarida Petter Coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Prof Dr Marcos Fernando Lopes Vice-coordenador de poacutes-graduaccedilatildeo Profa Dra Raquel Santana

Santos

CEDOCH Coordenadoras Profa Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho

Av Prof Lineu Prestes 159 S7 05508-900 - Satildeo Paulo - SP - Brasil

+55 (11) 3091-2114 cedochuspbr

Os textos publicados neste livro primeiro volume da seacuterie monograacutefica satildeo

de inteira responsabilidade de seus autores Permite-se a reproduccedilatildeo desde

que citada a fonte Esta ediccedilatildeo dos Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do

CEDOCH estaacute disponiacutevel em wwwcedochfflchuspbrcadernos

Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH VII

MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica (2013) | Satildeo

Paulo | v 1 | p 1-160 | 2015

ISBN 978-85-7506-263-0

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 1

Linguistic historiography in Brazil impressions and reflections

2

Pierre Swiggers

Directions for linguistic historiography 8

Pierre Swiggers

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

18

Bruna Soares Polachini

O contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

34

Patriacutecia Souza Borges

Uma breve revisatildeo dos antecedentes histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das gramaacuteticas racionalistas portuguesas do final do seacuteculo XVIII

54

Alessandro Jocelito Beccari e Ednei de Souza Leal

Dois modos do subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello 71

Luizete Guimaratildees Barros

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 4: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

Os textos publicados neste livro primeiro volume da seacuterie monograacutefica satildeo

de inteira responsabilidade de seus autores Permite-se a reproduccedilatildeo desde

que citada a fonte Esta ediccedilatildeo dos Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do

CEDOCH estaacute disponiacutevel em wwwcedochfflchuspbrcadernos

Cadernos de Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH VII

MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica (2013) | Satildeo

Paulo | v 1 | p 1-160 | 2015

ISBN 978-85-7506-263-0

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 1

Linguistic historiography in Brazil impressions and reflections

2

Pierre Swiggers

Directions for linguistic historiography 8

Pierre Swiggers

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

18

Bruna Soares Polachini

O contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

34

Patriacutecia Souza Borges

Uma breve revisatildeo dos antecedentes histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das gramaacuteticas racionalistas portuguesas do final do seacuteculo XVIII

54

Alessandro Jocelito Beccari e Ednei de Souza Leal

Dois modos do subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello 71

Luizete Guimaratildees Barros

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 5: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

SUMAacuteRIO

Apresentaccedilatildeo 1

Linguistic historiography in Brazil impressions and reflections

2

Pierre Swiggers

Directions for linguistic historiography 8

Pierre Swiggers

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

18

Bruna Soares Polachini

O contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

34

Patriacutecia Souza Borges

Uma breve revisatildeo dos antecedentes histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das gramaacuteticas racionalistas portuguesas do final do seacuteculo XVIII

54

Alessandro Jocelito Beccari e Ednei de Souza Leal

Dois modos do subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello 71

Luizete Guimaratildees Barros

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 6: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

96

Stela Maris Detregiacchi Danna

O tratamento do metatermo voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

114

Julia de Crudis Rodrigues

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha Lima e Gladstone Chaves de Melo

136

Luana Silva do Nascimento Cunha

COMISSAtildeO CIENTIacuteFICA

Profa Dra Cristina Altman (USP)

Prof Dr Joseacute Borges Neto (UFPR)

Profa Dra Maria Filomena Gonccedilalves

(Universidade de Eacutevora)

Profa Dra Marli Quadros Leite (USP)

Profa Dra Olga Coelho (USP)

Prof Dr Ricardo Cavaliere (UFF)

ORGANIZADORES RESPONSAacuteVEIS

Cristina Altman

Olga Coelho

ORGANIZADORES CONVIDADOS

Bruna Soares Polachini

Julia de Crudis Rodrigues

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

DIAGRAMACcedilAtildeO

Bruna Soares Polachini

REVISAtildeO

Bruna Soares Polachini

Edgard Bikelis

Julia de Crudis Rodrigues

Lygia Rachel Testa Torelli

Patriacutecia Souza Borges

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

1

APRESENTACcedilAtildeO

Eacute com grande satisfaccedilatildeo que apresentamos o primeiro Cadernos de

Historiografia Linguiacutestica do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica da Universidade de Satildeo Paulo) Este nuacutemero organizado por alunas de poacutes-graduaccedilatildeo desse centro de pesquisa as editoras convidadas eacute resultante de alguns dos trabalhos apresentados no VI MiniEnapol 1 de Historiografia Linguiacutestica ocorrido em setembro de 2013 Os trabalhos dos dois primeiros dias2 de evento satildeo brevementes descritos por Pierre Swiggers em seu texto ldquoLinguistic historiography in Brazil impressions and reflectionsrdquo Como nosso convidado de honra o professor Swiggers ministrou um minicurso concomitante ao MiniEnapol o qual tinha como parte de seus objetivos tratar de metodologias da Historiografia Linguiacutestica Convidamos o professor portanto para escrever um artigo sobre o tema e fomos gentilmente atendidas com o texto ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo

Os sete artigos seguintes satildeo relativos a apresentaccedilotildees do evento Os temas abordados estatildeo entre o tratamento do contato linguiacutestico no Brasil no iniacutecio do seacuteculo XX gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XVIII e XIX gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX e XX e alguns aspectos da gramaacutetica espanhola e oitocentista de Andreacutes Bello que eacute abordada em dois dos artigos Agradecemos imensamente agraves coordenadoras do CEDOCH Profa

Dra Cristina Altman e Profa Dra Olga Coelho ao convidado Prof Dr Pierre

Swiggers agrave comissatildeo cientiacutefica e aos responsaacuteveis pela diagramaccedilatildeo e

revisatildeo sem os quais esse trabalho natildeo poderia ter sido realizado

Os organizadores

1 Tradicional evento do Departamento de Linguiacutestica da USP em geral organizado somente por alunos de poacutes Haacute o evento mais geral simplesmente ENAPOL (Encontro de Poacutes-Graduando em Linguiacutestica da USP) que reuacutene os alunos do departamento e haacute tambeacutem suas versotildees menores ou ldquominirdquo que satildeo relativas a uma aacuterea especiacutefica como eacute o caso do MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica 2 Houve ainda um terceiro dia de evento com apresentaccedilotildees que natildeo resultaram em artigo Pode-se encontrar mais informaccedilotildees a seu respeito no site do evento httpminienapol2013fileswordpresscom

2

LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY IN BRAZIL IMPRESSIONS AND REFLECTIONS

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

Between September 23 and 25 I was invited to give lectures on issues in linguistic historiography at the Universidade de Satildeo Paulo (USP) and the Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM)3 During my stay in Satildeo Paulo the 7th MiniEnapol de Historiografia Linguiacutestica took place at USP4 this symposium organized by the Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia da Linguiacutestica (CEDOCH) and the Departamento de Linguiacutestica of USP comprised six afternoon sessions and I was able to attend all the presentations of the four sessions (mesas) that took place in the afternoons of September 23 and 24 ldquoMesa 1 Reflexotildees metahistoriograacuteficasrdquo (with presentations by Jorge Viana de Moraes and Bruna Soares Polachini)5 ldquoMesa 2 Pressupostos epistemoloacutegicos e programas de investigaccedilatildeordquo (with presentations by Patriacutecia Borges by Ednei de Souza Leal and a joint presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari) ldquoMesa 3 Categorias gramaticaisrdquo (with presentations by Luizete Guimaratildees Barros by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna and by Roberta Ragi) ldquoMesa 4 Categorias gramaticais e linguiacutesticasrdquo (with presentations by Julia de Crudis Rodrigues by Luana Silva do Nascimento Cunha and by Patriacutecia Veronica Moreira)6

3 I would like to thank Prof Cristina Altman (USP) and Prof Olga Ferreira Coelho (USP) for the invitation to lecture at USP and Prof Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) for the invitation to give a talk at UPM 4 The venue of the MiniEnapol was the Preacutedio de Letras of the Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas of USP 5 A third presentation that originally was scheduled by Vera Lucia Harabagi Hanna was cancelled 6 Due to other commitments I could not attend the sessions scheduled on Wednesday 25 September ldquoMesa 5 Contextualizaccedilatildeo e clima de opiniatildeordquo and ldquoMesa 6 Histoacuteria da liacutengua e historiografia da linguiacutesticardquo

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

3

In what follows I will present some impressions of and reflec-tions7 on the presentations (and subsequent discussions) that I was able to attend

First of all I was impressed by the dynamic involvement of so many young scholars on the Brazilian East Coast (with a strong concentration in the various universities of Satildeo Paulo and Rio de Janeiro) in linguistic-historiographical work 8 This strong involvement not only appeared from the number of (doctoral or postdoctoral) research projects presented at the 7th MiniEnapol but also from the stimulating interaction between these young researchers who actively discussed each otherrsquos projects and methodology

My second impression was one of a strong sense of (the need for) institutionalization of linguistic historiography this is testified to not only by the fact that the meeting was the seventh in a series exclusively devoted to linguistic historiography but also by the solid institutional embedding of most of the research projects exposed9

Thirdly I was impressed by the methodological awareness and the concern with metahistoriographical issues clearly manifested by the participants in the symposium The metahistoriographical 10 issues involved ranged from questions relating to overall interpretive schemes (eg in terms of lsquoparadigmsrsquo lsquoresearch

7 In this text I have put together a number of reflections jotted down while attending the presentations at the Satildeo Paulo meeting For a more principled set of reflections see the text ldquoDirections for Linguistic Historiographyrdquo 8 This is also evidenced by the continuous flow of issues of Brazilian linguistic and philogical journals in Brazil that have been devoted to linguistic historiography Eutomia Revista online de Literatura e Linguiacutestica 32 (2010) [organized by Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 141 (2012 ldquoDossieacute Historiografia da Linguiacutesticardquo) [organized by Cristina Altman and Ronaldo de Oliveira Batista] Confluecircncia 44-45 (2013) [organized by Ricardo Cavaliere] Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 161 (2014 ldquoDossieacute Histoacuteria des Gramaacuteticasrdquo) [organized by Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista] 9 Several of the participants presented doctoral (or postdoctoral) research projects carried out at USP UMP or the Universidade Federal Fluminense at Rio de Janeiro (UFF) 10 See the recently published book by Ronaldo de Oliveira Batista Introduccedilatildeo agrave historiografia da linguiacutestica Satildeo Paulo Cortez 2013

Pierre Swiggers

4

programsrsquo lsquocynosuresrsquo11 lsquotraditionsrsquo or an adaptation of Galisonrsquos lsquolayersrsquo 12 ) to issues of periodization as well as problems in the analysis of linguistic terminology13 and general reflections on the object of linguistic historiography (raising the problem of how to define lsquolinguisticsrsquo with respect to lsquorhetoricsrsquo lsquodialecticslogicrsquo14 and lsquosemioticsrsquo15)

I was also impressed with the lsquodensityrsquo of the materials studied in the various research projects dealing with the history of grammar As a matter of fact these projects involved the study of a comprehensive corpus of texts within a well-defined historical period (most often the 19th and 20th century)16

And here I come to another (general) impression viz that of a strong investment in the more lsquorecentrsquo history of Brazilian linguistics especially the development of grammatical studies this of course has evident historical reasons17 and has its direct motivation in the 11 Dell Hymesrsquo concept of cynosure was discussed in the presentation of Jorge Viana de Moraes 12 See Peter Galison How Experiments End Chicago University of Chicago Press 1987 and Image and Logic Chicago University of Chicago Press 1997 For the application to linguistics see P Swiggers ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo in Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica ed by C Corrales Zumbado J Dorta Luis et al Madrid ArcoLibros 2004 113-146 ldquoAnother Brick in the Wall The dynamics of the history of linguisticsrdquo in Amicitia in Academia Composities voor Els Elffers ed by J Noordegraaf et al Muumlnster Nodus 2006 21-28 These ideas were discussed by Bruna Soares Polachini in her presentation 13 Julia de Crudis Rodrigues discussed the (polysemous) term voz (lsquovoicersquo) in the history of Portuguese grammars of the 19th century (with reference to the complex history of Gr φωνή and Latin vox and their reflexes in Renaissance grammars of Portuguese) 14 This problem was raised in the presentation by Ednei de Souza Leal and Alessandro Jocelito Beccari dealing with the tradition of lsquorationalistrsquo grammars 15 The latter issue was dealt with by Patriacutecia Veronica Moreira 16 Eg Bruna Soares Polachini focused on five Brazilian grammars of (Brazilian) Portuguese published in the 19th century the grammars of A Alvares Pereira Coruja F Sotero dos Reis A Freire da Silva J Ribeiro and M de Araujo Maciel And Ednei de Souza Leal presented a detailed study of the Serotildees gramaticais of Ernesto Carneiro Ribeiro 17 After the end of the United Kingdom of Portugal Brazil and the Algarves and after the short-lived Kingdom of Brazil the Empire of Brazil was founded in 1822 At the end of a century of internal conflicts and wars Brazil became a Republic in 1889

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

5

documentation being available but it also testifies to the recognition of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) as an autonomous research object

On the other hand - and this is my final impression - I noticed a strong interest in the broader lsquoSouth-Americanrsquo linguistic tradition not only in the context of research on the history of missionary linguistics in Latin America18 but also with respect to 19th and 20th-century linguistics 19 One of the key figures in this lsquoLuso-Ibero-Americanrsquo configuration linking the Hispanic and Lusitanic traditions is of course Andreacutes Bello whose innovative grammatical views (eg on the classification of the parts of speech and on the function of grammatical categories) remain a source of inspiration20

In sum I was impressed by the methodological and epistemological maturity and robustness of the research projects that were presented by the enthusiastic involvement of such a large group of young researchers (all strongly encouraged by their promoters)21 as well as by the high quality of the presentations (supported by a power point presentation or by a paper version handout)

Let me now offer a few reflections (1) A first reflection concerns the considerable potentialities of

linguistic-historiographical research in Brazil there is first of

18 In this context special mention should be made of the wonderful exposition organized by CEDOCH on ldquoO conceito de gramaacutetica na tradiccedilatildeo de descriccedilatildeo ibero-americana (seacuteculo XV ao XIX)rdquo which put on display a wide variety of grammatical descriptions of (Brazilian) Portuguese of indigenous languages of Brazil and other South American countries as well as a number of foundational texts (eg Nebrijarsquos grammatical works) 19 In her presentation Roberta Ragi offered a study of the concept of grammatical lsquocasersquo in grammars of Quechua written (in Spanish) in the 19th century (but with reference to the history of the description of Quechua starting with Fray Domingo de Santo Tomaacutes) 20 Two papers viz by Luizete Guimaratildees Barros and by Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna explicitly dealt with Bellorsquos grammatical conceptions 21 Like Cristina Altman and Olga Ferreira Coelho (USP) Diana Luz Pessoa de Barros and Ronaldo de Oliveira Batista (UPM) Ricardo Cavaliere (UFF Rio de Janeiro) or Joseacute Borges Neto (Universidade Federal do Paranaacute)

Pierre Swiggers

6

course a tradition extending over several centuries of missionary linguistics involving the grammatical and lexical analysis description and normalization of various indigenous languages spoken in Brazil and from the 19th century on a very rich tradition of grammatical lexicographical philological and linguistic work on (Brazilian) Portuguese and its history The documentation available (in print or in manuscript) has not yet been catalogued and it would be worthwhile to dedicate a number of distinct projects to a meticulous cataloguing and archiving of these source-texts an endeavour for which an adequate division of labour 22 seems indispensable

(2) A second reflection concerns the lsquocontact-inducedrsquo 23 constitution and development of Brazilian linguistics (or lsquolinguistics in Brazilrsquo) linguistic knowledge in Brazil has been shaped first by the contact between European scholars (often missionaries) and the indigenous American languages then by the interaction between European and Brazilian intelligentsia and in the 20th century by the reception and assimilation of various trends of European and American structuralist generativist and - at present - functional and cognitive linguistics to this one should add the impact of semiotics as well as the interaction with surrounding linguistic traditions (in Argentina Peru Chili) This implies that a comprehensive historiographical approach of Brazilian linguistics should avail itself of concepts and models of the study of lsquolanguages in contactrsquo Brazilian linguistics has been to a large extent a linguistics of confluecircncias24

(3) A third reflection concerns the modelization(s) and terminological apparatus(es) used by Brazilian linguists (grammarians lexicographers language theoreticians) Here we should ask questions such as Where do we find explicit statements by the respective linguists about the use of models and terminologies Was there a specific Brazilian lsquoinputrsquo in these areas

22 In terms of chronological divisions and in terms of a division into study objects (eg Brazilian Portuguese lsquoMajorrsquo indigenous languages well studied since the first centuries of colonization lsquoMinorrsquo indigenous languages) 23 The aspect of lsquocontactrsquo (between Brazilian Portuguese and African languages) was central in the paper presented by Patriacutecia Borges 24 I allude here to the title of the Rio de Janeiro journal Confluecircncia

Linguistic Historiography in Brazil Impressions and Reflections

7

And if so in how far was this impact conditioned or motivated by linguistic situationsfacts peculiar to the (indigenous) languages spoken in Brazil What can be said about terminological traditions in Brazilian grammaticography 25 lexicography linguistics And finally has there been at any moment a specifically lsquoBrazilianrsquo linguistics (and if so how should it be characterized)

(4) A fourth reflection specifically relating to the history of the description of Brazilian Portuguese concerns the relation to Portuguese of Portugal At what time did the description of Brazilian Portuguese assume an lsquoautonomousrsquo (or lsquoautonomizingrsquo) stand and on what grounds was this status defended How did specific characteristics of Brazilian Portuguese acquire a lsquodemarcativersquo status How did the perception of differences between Brazilian Portuguese and Portuguese of Portugal affect (a) linguistic modelization and (b) linguistic terminology

(5) A final reflection concerns what I would call the lsquointegrative naturersquo of Brazilian linguistics throughout its history linguistic study in Brazil has been characterized by a propensity towards integration integration of linguistics and philology integration of a synchronical and diachronical26 perspective integration of a broad humanistic outlook and integration within linguistics of a pragmatic-semiotic approach

In conclusion there is much interesting work to be undertaken in the field of the historiography of Brazilian linguistics On the one hand there remains much to be done in terms of study of authors texts academic curricula etc on the other hand there is much that remains to be done in terms of perspectives the history of Brazilian linguistics lends itself not only to a study from the point of view of the history of science but also from a sociolinguistic and sociological point of view from an ecological-linguistic point of view and from the point of view of institutional history and cultural history

25 In her presentation Luana Silva do Nascimento Cunha focused on two key figures in the recent history of Brazilian Portuguese grammaticography viz Rocha Lima and Gladstone Chaves de Melo 26 In which etymology has received its due place for a Brazilian perspective on the history and practice of etymology see Maacuterio Eduardo Viaro Etimologia Satildeo Paulo Contexto 2011

8

DIRECTIONS FOR LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY

Pierre Swiggers (CHL University of Leuven)

0 INTRODUCTION

The present text27 is not intended as a lsquocatechismrsquo offering a set of prescriptions and normative principles for linguistic historiography Neither should it be read as a research outline or as a programme for the study of the linguistic past such an outline would have to involve an extensive (critical) discussion of models of research formats and of conditions to be imposed on the (meta)language of the historiographer 28 Without denying the theoretical and practical usefulness of such an undertaking it should be pointed out that the great variety of source-texts of sociocultural disciplinary and institutional contexts29 makes it very difficult to set up an lsquoalgorithmrsquo for linguistic historiographical research30 What is

27 For an elaborate discussion of the methodological and epistemological issues raised here I refer to Swiggers (2004) which can be supplemented with a number of more recent texts such as Swiggers (2009 2010 2012a 2013) For a discussion of models in linguistic historiography cf Swiggers (1990) 28 For a comprehensive study of the (meta)language of the historiographer see Ankersmit (1983) cf also Swiggers (1987) On the issue of metalanguage (in linguistics) in general see Swiggers (2011) 29 Not to speak of the diversity of lsquolinguistic materialsrsquo dealt with by those who have produced in the past some kind of lsquolinguistic knowledgersquo This diversified lsquolinguistic substancersquo can be called in conformity with the terminology of palaeo-ethnographers (cf Leroi-Gourhan 1943) the matter (French la matiegravere) to which (various) forms of linguistic lsquohandlingrsquo have been applied For the application of some concepts of palaeo-ethnography and of the lsquohistory of techniquesrsquo (French histoire des techniques) to the historiography of linguistics see Swiggers (2003 2012b) 30 See the point made in Goacutemez Asencio Montoro del Arco Swiggers (2014) the title of which may erroneously () suggest an lsquoauthoritarianrsquo metahistoriographical stand

Directions for Linguistic Historiography

9

offered here is a set of reflections on the object and the general methodology of linguistic historiography the purpose of these reflections is to point to (what I take to be relevant) directions31 for thinking about the pursuit of work in linguistic historiography a field which is now fully recognized as an academic discipline32

1 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY APPROACHING THE OBJECT

Linguistic historiography can be defined as the study 33 of linguistic knowledge in the past (up to the present) this definition correlates with that of linguistics as the historically developed body of language-directed approaches and of reflective activities concerning these approaches (cf Swiggers 1989) From this definition follow four different types of considerations (or broad

31 I allude here to the title of a volume (edited by WP Lehmann and Y Malkiel) in which a foundation-laying paper in the field of historical linguistics was published (viz Weinreich Labov Herzog 1968) Interestingly the set of five problems which Weinreich Labov Herzog identify for historical linguistics can be transposed to linguistic historiography viz (a) the constraints problem (which would be that of defining the gamut of descriptive and theoretical problems that can dealt with in linguistics) (b) the transition problem (which corresponds to change and pace of change in linguistic theorizingpractice) (c) the embedding problem (corresponding to the insertion on the longitudinal axis of changes in linguistic theorizingpractice) (d) the evaluation problem (which can be transposed to the issue of the societal implementation of changes in linguistic theorizingpractice) and (e) the actuation problem (which in linguistic historiography would correspond to the modalities of emergence and diffusion of [changes in] linguistic knowledge) 32 At present there are five scholarly journals exclusively devoted to linguistic historiography Historiographia Linguistica (1974-) Histoire Eacutepisteacutemologie Langage (1979-) Beitraumlge zur Geschichte der Sprachwissenschaft (1991-) Boletiacuten de la Sociedad Espantildeola de Historiografiacutea Linguumlistica (2002-) Revista argentina de Historiografiacutea Linguumliacutestica (2009-) 33 I use lsquostudyrsquo as a neutral term here which is admittedly a convenient way to circumvent the controversial issues as to (a) whether the historiographer should only lsquodescribersquo (and not lsquoexplainrsquo) the past (the view I take is that any kind of systematic description is in principle an explanatory account) (b) whether the historiographer can interpret the past without (implicitly) evaluating it

Pierre Swiggers

10

questions) that are crucial for linguistic historiographical study (and as a matter of fact for a proper understanding of linguistics as such)

(A) What kinds of linguistic knowledge have occurred over the past

The answer to this question can be given in the form of an enumeration of (at times overlapping) 34 lsquotypes of linguistic knowledgeinterestrsquo Broadly speaking these types can be organized as follows

- Language-(sub)systemic knowledge (ortho)graphical grammatical lexical (lexicologicallexicographical)

- Language-variational knowledge diatopical (= dialectological) diastratic (= sociolinguistic)

- Language-historical knowledge lsquogenealogicalrsquo genetic (ie properly historical) reconstructionist

- Language-comparative knowledge historical-comparative contrastive typological evaluative (lsquoqualitiesrsquo or lsquovicesrsquo of languages)

- Ecolinguistic and glottopolitical knowledge - Glottogenetic knowledge - General linguistic knowledge concerning the naturelsquolifersquo functions of language - lsquoParalinguisticrsquo knowledge neurolinguistic psycholinguistic - lsquoAppliedrsquo linguistic knowledge

(B) Through which processes has linguistic knowledge been produced diffused and lsquoreceivedrsquo

34 There are indeed various overlappings eg any general discussion within the fields of language-systemic language-variational language-historical and language-comparative knowledge is relevant for general linguistic knowledge the use of linguistic knowledge (of various kinds) in language teaching turns this into lsquoappliedrsquo linguistic knowledge language-historical knowledge at the level of lsquolanguage genealogyrsquo and genetic development has a bearing on glottogenetic knowledge orthographical knowledge is also a matter of ecolinguisticglottopolitical knowledge and some aspects of language-comparative knowledge are intertwined with ecolinguistic and glottopolitical knowledge etc

Directions for Linguistic Historiography

11

The answer to this question requires an investigation into the various factors that play a role in these processes the lsquoproducingrsquo instances (lsquoauthorsrsquo35 and their lsquotextsrsquo) the lsquointermediaryrsquo instances the channels of communicationtransmission the lsquoreceivingrsquo instances (lsquopublicrsquo) the linguistic problems or issues constituting the lsquosubject matterrsquo and the temporal frames (time of production period of reception of diffusion hellip)

(C) How have the knowledge contents been framed

This question which concerns the lsquoinner sidersquo of linguistic knowledge has a direct bearing on the way the linguistic historiographer will (re)write the history of linguistics (or most frequently part of it) A detailed treatment of it would involve a full-scale study of the vocabulary the lsquosyntaxrsquo and the expository format of the linguistic contents expressed For the present purpose it will suffice to outline the various types of content-frames

- lsquopresuppositionalrsquo [underlying assumptions and beliefs] - lsquopropositionalrsquo [hypotheses and affirmativenegative statements] - lsquomodularrsquo [this content-frame subsumes (a) theoretical model (b) techniques and procedures] - lsquoterminologicalrsquo

(D) In what (types of) contexts has linguistic knowledge been produced transmitted lsquoreceivedrsquo

In dealing with this question the linguistic historiographer will have to appeal to a distinction between

- the cultural-ideological context - the political context - the socio-economic context - the (eco)linguistic context - the scientific context

35 The notion of lsquoauthorrsquo should neither be absolutized nor should it be considered useless (or abusive) Cf Swiggers (2004) with reference to lsquodeconstructionistrsquo views on the concept of lsquoauthorrsquo

Pierre Swiggers

12

2 LINGUISTIC HISTORIOGRAPHY GOING ONErsquoS WAY

The methodology of linguistic historiography is broadly defined historiographical methodology applied to lsquolinguistic knowledgersquo (as outlined in 1) The application of historiographical methodology to linguistic knowledge requires from the linguistic historiographer (a) a capacity to understand and judge the various aspects of linguistic knowledge that are present in herhis source texts and (b) a (more than basic) knowledge with the goals principles and techniques of modern linguistics In other words it is essential for the linguistic historiographer to have received a properly linguistic training (cf Malkiel Langdon 1969)

As to historiographical methodology this includes three major components

(a) a heuristic component this involves the search for and identification of source materials (which if necessary have to be critically edited or translated) the gathering of information on their lsquocontextrsquo (context of production related texts influences etc) information on their historical relevance

(b) an hermeneutic component this involves the (critical analysis) of the (contents of the) source materials their interpretation with reference to the context relating them to earlier and later stages of linguistic knowledge appropriate insertion of the insights resulting from the analysis within a broader view on the history of linguistic knowledge The latter insertion will entail a reflection on lsquolong-run programsrsquo and lsquotechniquesrsquo in the evolutionary course of linguistic theorizing and practice on issues of canonization (and iconoclasm) of discontinuity vs continuity (lsquorevolutionrsquo vs lsquoparadigmrsquo) and especially on the nature and intensity of causal factors that have played a role in the production diffusion and reception (or non-reception ) of linguistic knowledge

(c) a systematic-reconstructive component this component is in fact intertwined with the hermeneutic component since both suppose the application of a type of categorization to the corpus of

Directions for Linguistic Historiography

13

source-texts36 Categorization underlies any attempt to understand history and to make it understandable The task of the historiographer of linguistics is complicated by the fact that in principle his object of study is already the product of (various types of) categorization efforts linguists describe or talk about language(s) in terms of concepts of idealized structures of a (historically developed) sublanguage37 and of models The linguistic historiographer thus has to proceed to a (higher-level) categorization extending over historical products which are the result of categorizing activities

Historians would be hard pressed to state specific lsquorules of

thumbrsquo for doing historiographical work different periods diverse source materials different research questions mostly require different investigation paths and strategies We can however outline a number of lsquotask domainsrsquo (a) major types of analysis focusing either on specific authors concepts techniques or focusing on the macro-evolution of moulds of linguistic knowledge in their social and institutional context (b) general research agendas dealing eg with various types of linguistic theories lsquoschools of linguistic thoughtrsquo and (national) traditions of linguistic research (c) a general terminological frame38 for describing and explaining the production diffusion and reception of linguistic knowledge

While the heuristic component is on the one hand lsquomateriallyrsquo restrained by the number (and quality) of the available source materials and while on the other hand it imposes a more uniformized working method the hermeneutic and the systematic-reconstructive components allow for more variety and freedom

36 On the (necessary) use of categories in historiographical work see Perelman (ed 1969) 37 I use this term as it is defined by Harris (1988) 38 Elsewhere (Swiggers 2010) I have outlined the three areas for which the linguistic historiographer should have a terminological apparatus at his disposal (a) the identification and study of anchoring points and clusters the identification of evolutionary lines (overall evolutionary course specific segments within a larger evolution relationships in time) (c) the study of contents formats and strategies associated with linguistic knowledge

Pierre Swiggers

14

Given a chosen research topic and a chosen chronological and geographical delimitation the historiographical research can vary according to

(a) perspective a basic distinction here is that between an in-ternal history of linguistic thinking focusing on linguistic views and practices taken on their own and an external history of linguistics according primacy to institutional political and socio-cultural factors in the context of which linguistic ideas and products came about

(b) depth of analysis some types of historiography focus on the collection of data or on making data available (eg in a critical edition or in some kind of corpus) while others embark on a critical assessment of the achievements of the past or try to explain what has happened in the historical course of linguistic knowledge

(c) expository format here we can distinguish between se-quential historiography (narrative account) topical historiography (focusing on the analysis of a theme or on the conceptions of an author or of a school of thought) and detached historiography (re-flecting on the history of some ideas or on general processes in the history of linguistics)

(d) intellectual scheme here a distinction can be made between atomistic historiography (sometimes called lsquochroniclingrsquo) structural historiography and axiomatic historiography The first focuses on individual facts and events the second on systematically organized linguistic views or on the links between linguistic ideas and philosophical or broad scientific views or on the interrelationship between ideas and practices in the long historical run of linguistics Axiomatic historiography is concerned with the presuppositions and axioms on which a theory is based and from which theoretical and descriptive statements are derived

(e) demonstrative purpose this refers to the intention of the historiographer who may want to write a classificatory account or to write a polemical or teleological or critical-systematic history of (segments in) the evolutionary course of linguistic knowledge

Directions for Linguistic Historiography

15

(f) lsquostylersquo39 this corresponds to the at times hardly definable features of asking (historiographical) questions of exploiting source materials of engaging in collateral issues as well as of writing up the historical account and ways of addressing onersquos readership

Reflecting upon onersquos objectives and tasks paying attention to (meta)historiographical principles and considerations is one thing another thing is doing historiographical work ie engaging in his-tory-writing That experience - crucially important in my view for a proper understanding of what linguistics is about (or canshould be about) - is a constant exercise of self-education and self-im-provement and of interaction with the past and present of the discipline The exercise is difficult but rewarding the field is large but inviting Hit the road Jack (and Jill)

REFERENCES

ANKERSMIT FR 1981 Narrative Logic A semantic analysis of the historianrsquos language The Hague Nijhoff

GOacuteMEZ ASENCIO JJ MONTORO DEL ARCO E SWIGGERS P (to appear) ldquoPrincipios tareas meacutetodos e instrumentos en historiografiacutea linguumliacutesticardquo In ML Calero Vaquera A Zamorano Aguilar et al (eds) Meacutetodos y resultados actuales en Historiografiacutea de la Linguumliacutestica Muumlnster Nodus 266 ndash 301

GRANGER G-G 1968 Essai drsquoune philosophie du style Paris Armand Colin

HARRIS ZS 1988 Language and Information New York Columbia University Press

LEHMANN WP MALKIEL Y (eds) 1968 Directions for Historical Linguistics Austin University of Texas Press

LEROI-GOURHAN A 1943 Lrsquohomme et la matiegravere Paris Albin Michel

39 On this concept of lsquostylersquo see Granger (1968)

Pierre Swiggers

16

MALKIEL Y LANGDON M 1969 ldquoHistory and Histories of Linguisticsrdquo Romance Philology 22 530-569

PERELMAN Ch (ed) 1969 Les cateacutegories en histoire Bruxelles Presses de lrsquoUniversiteacute Libre

SWIGGERS P 1987 ldquoRemarques sur le langage historiographiquerdquo In P Rion (ed) Histoire sans paroles (= Cahiers de lrsquoInstitut de Linguistique de Louvain 133-4) 29-48

SWIGGERS P 1989 ldquoLinguisticsrdquo In E Barnouw et al (eds) International Encyclopedia of Communications vol 2 New York - Oxford Oxford University Press 431-436

SWIGGERS P 1990 ldquoReflections on (Models for) Linguistic Historiographyrdquo In W Huumlllen (ed) Understanding the Historiography of Linguistics Problems and Projects Muumlnster Nodus 21-34

SWIGGERS P 2003 ldquoContinuiteacutes et discontinuiteacutes tension et synergie les rapports du latin et des langues vernaculaires refleacuteteacutes dans la modeacutelisation grammaticographiquerdquo In M Goyens W Verbeke (eds) The Dawn of the Written Vernacular in Western Europe Leuven Leuven University Press 71-105

SWIGGERS P 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutesticardquo In C Corrales et al (eds) Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL vol I Madrid ArcoLibros 113-146

SWIGGERS P 2009 ldquoLa historiografiacutea de la linguumliacutestica apuntes y reflexionesrdquo Revista argentina de historiografiacutea linguumliacutestica 1 67-76

SWIGGERS P 2010 ldquoHistory and Historiography of Linguistics Status Standards and Standingrdquo Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 [httpwww Revistaeutomiacombreutomia-ano3-volume2-destaqueshtml] 17 p

Directions for Linguistic Historiography

17

SWIGGERS P 2011 ldquoLe meacutetalangage de la linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiquesrdquo Revista do GEL 72 9-29

SWIGGERS P 2012a ldquoLinguistic Historiography Object methodology modelizationrdquo Todas as Letras Revista de Liacutengua e Literatura 14 38-53

SWIGGERS P 2012b ldquoLrsquohomme et la matiegravere grammaticale historiographie et histoire de la grammairerdquo In B Colombat et al (eds) Vers une histoire geacuteneacuterale de la grammaire franccedilaise Mateacuteriaux et perspectives Paris H Champion 115-133

SWIGGERS P 2013 ldquoA historiografia da linguiacutestica objeto objetivos organizaccedilatildeordquo Confluecircncia Revista do Instituto de Liacutengua Portuguesa 44-4 39-59

WEINREICH U LABOV W HERZOG M 1968 ldquoEmpirical Foundations for a Theory of Language Changerdquo In Lehmann Malkiel (eds) 1968 97-195

18

UMA PROPOSTA DE PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo PARA A GRAMATICOGRAFIA

OITOCENTISTA DO PORTUGUEcircS

Bruna Soares Polachini (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Neste artigo apresentamos parte dos resultados a que chegamos em nossa pesquisa de mestrado intitulada ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacuteficordquo (cf Polachini 2013) na qual observamos em diversos aspectos as continuidades e descontinuidades no tratamento da sintaxe de seis obras gramaticais a saber Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da Silva (1875) Ribeiro (1881) Maciel (1902[1894]) O resultado selecionado para ser apresentado neste artigo refere-se ao que chamamos de ldquoperiodizaccedilatildeo complexardquo considerando que a fizemos de acordo com as quatro capas ou dimensotildees que Swiggers (2004) distingue no conhecimento linguiacutestico a saber capa teoacuterica capa teacutecnica capa documental e capa contextual Nosso objetivo era observar se as capas movimentavam-se conjuntamente ou separadamente isto eacute no mesmo momento ou em momentos diferentes Isso permitiu que as rupturas ou permanecircncias fossem avaliadas em partes (as quatro capas) e em graus (ruptura ruptura com continuidades continuidade com rupturas e continuidade) natildeo apenas em rupturas transversais ou a divisatildeo entre tradiccedilotildees paradigmaacuteticas Nesta comunicaccedilatildeo apresentamos a periodizaccedilatildeo resultante desse trabalho e a comparamos com outras periodizaccedilotildees a saber Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) Parreira (2011) com vistas a debater diferentes metodologias de se analisar rupturas e permanecircncias

ABSTRACT In this paper we present the partial results of our masters degree research

titled ldquoThe treatment of syntax in Brazilian grammars of the 19th century a

historiographical studyrdquo (cf Polachini 2013) in which we study under various aspects the

continuities and discontinuities in the treatment of syntax according to six grammatical

works to wit Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) Freire da

Silva (1875) Ribeiro (1881) and Maciel (1902[1894]) The results presented here relate

to what we call ldquocomplex periodizationrdquo considering the periodization we did according

to the four layers or dimensions proposed by Swiggers (2004) in the field of linguistic

knowledge the theoretical layer the technical layer the documental layer and the

contextual layer Our aim was to verify if the layers moved jointly or separately ie all at

one or at different times This allowed us to assess the ruptures and continuities in

separate (the four layers) and by degrees (rupture rupture with continuities continuity

with ruptures and continuity) not only in transversal ruptures or division between

paradigmatic traditions We present here the periodization resulting from this and we also

compare it with other periodizations namely that of Nascente (1939) Elia (1975)

Cavaliere (2002) and of Parreira (2011) in order to discuss different methodologies on

how to analyze continuities and ruptures

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

19

1 INTRODUCcedilAtildeO

Este artigo cujo tema eacute a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo a partir de uma proposta de Swiggers (2004) eacute baseado em parte dos resultados40 obtidos na dissertaccedilatildeo de mestrado ldquoO tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo histori-ograacuteficordquo41 (cf Polachini 2013) na qual procuramos observar o tra-tamento da sintaxe em seis gramaacuteticas brasileiras do portuguecircs do seacuteculo XIX a saber o Epiacutetome da Grammatica Portugueza de Antocircnio Morais Silva publicada em 1806 o Compendio da grammatica da lingua nacional - Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta de Antonio Alvares Pereira Coruja cuja primeira ediccedilatildeo eacute de 1835 poreacutem tivemos acesso apenas agrave ediccedilatildeo de 187342 a Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica de Francisco Sotero dos Reis publicada em 1866 a Grammatica Portugueza de Augusto Freire da Silva publicada em 1875 a Grammatica Portugueza de Ribeiro publicada em 1881 e por fim a Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas de Maximino de Arauacutejo Maciel publicada primeiramente em 189443 contudo tivemos acesso apenas agrave terceira ediccedilatildeo de 1902

40 Na dissertaccedilatildeo chegamos a quatro resultados (1) Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem (2) A norma usus vs ratio e o portuguecircs brasileiro (3) Permanecircncia e mudanccedilas e (4) uma periodizaccedilatildeo complexa a qual em verdade estaacute estritamente relacionada com as trecircs anteriores e eacute a que abordamos especificamente neste trabalho 41 Dissertaccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone e defendida em julho de 2013 na Universidade de Satildeo Paulo Foi um projeto individual realizado conjuntamente com o projeto coletivo coordenado por Cristina Altman e Olga Coelho Documenta Grammaticae et Historiae que tinha objetivo de documentar gramaacuteticas produzidas entre os seacuteculos XVI e XIX 42 Natildeo eacute informado o nuacutemero dessa ediccedilatildeo mas considerando que posteriormente encontramos outras ediccedilotildees de 1846 (4a ediccedilatildeo) 1847 (5a ediccedilatildeo) 1865 (sem nuacutemero de ediccedilatildeo) ela eacute ao menos a seacutetima 43 A primeira gramaacutetica de autoria de Maximino Maciel foi publicada em 1887 com o tiacutetulo Grammatica analytica baseada nas doutrinas modernas satisfazendo agraves condiccedilotildees do actual programma A ediccedilatildeo de 1894 que estamos considerando como primeira da Grammatica Descriptiva seria em verdade uma segunda ediccedilatildeo da Grammatica Analytica bastante modificada

Bruna Soares Polachini

20

Nossa intenccedilatildeo era aleacutem de fazer um estudo sistemaacutetico acerca do tratamento dado agrave sintaxe nessas obras confrontar as periodizaccedilotildees jaacute existentes com a nossa a qual tem duas particula-ridades (1) tem como dados analisados somente e verticalmente o tratamento da sintaxe das obras (2) sua base metodoloacutegica eacute a propostas das capas de Swiggers (2004) Foram quatro as periodi-zaccedilotildees utilizadas para comparaccedilatildeo de Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) e Parreira (2011) as quais apresentamos no quadro abaixo

Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Morais (1806) Morais (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Maciel (1894)

Quadro 1 - Periodizaccedilotildees

Pode-se observar que haacute alguns criteacuterios diferentes nas peri-odizaccedilotildees Primeiramente Elia (1975) natildeo elege uma obra como primeira gramaacutetica brasileira do portuguecircs mas apenas a data de 1822 As outras periodizaccedilotildees apresentam obras diversas Nascentes (1939) considerando a gramaacutetica de Morais Silva (1806) como portuguesa (por razotildees pouco esclarecidas) diz que a primeira gramaacutetica efetivamente brasileira eacute na verdade a de Coruja44 Cava-liere e Parreira concordam que o Epitome de Morais Silva (1806) seria a primeira gramaacutetica brasileira de liacutengua portuguesa

Entretanto um ponto comum em todas as periodizaccedilotildees eacute o criteacuterio da ruptura epistemoloacutegica a qual se daacute em uma uacutenica

44 Natildeo se sabe ao certo por que Nascentes localiza o Compendio de Coruja (1835) como primeira gramaacutetica brasileira pois se o criteacuterio fosse a Independecircncia Poliacutetica (1822) e a publicaccedilatildeo no Brasil haveria o Compendio da Grammatica Portugueza de Antonio Costa Duarte publicado em 1829 no Maranhatildeo A hipoacutetese mais plausiacutevel eacute de que Nascentes desconhecia essa obra Ademais eacute de se ressaltar que havia ainda mais uma gramaacutetica escrita por um brasileiro e que eacute anterior a Coruja como observa Kemmler (2013) ao descrever a Arte da Grammatica Portugueza do Padre Inaacutecio Felizardo Fontes publicada no Rio de Janeiro em 1816

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

21

gramaacutetica a Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro (1881) em Nascentes (1939) Elia (1975) Cavaliere (2002) ao passo que a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) seleciona trecircs obras visto que a autora considera que a ruptura natildeo se daria de forma abrupta isto eacute por apenas uma obra mas se daria gradualmente assim ela se iniciaria com a Grammatica Portugueza de Freire da Silva (1875) continuaria na jaacute citada Grammatica Portugueza de Ribeiro (1881) e se concluiria na Grammatica Descriptiva de Maciel (1894) Ademais eacute preciso ressaltar que a ruptura observada por esses autores diz respeito ao abandono de aspectos teacutecnicos-teoacuterico relativos agrave tradiccedilatildeo da gramaacutetica geral e agrave emergecircncia do impacto de aspectos teacutecnico-teoacutericos referentes ao meacutetodo histoacuterico-comparativo

Pode-se notar portanto que das seis obras selecionadas para o nosso estudo cinco satildeo citadas nas periodizaccedilotildees A Grammatica Portugueza de Sotero dos Reis (1866) eacute incluiacuteda aqui por duas razotildees pelo seu prestiacutegio sendo considerada uma gramaacutetica sim-boacutelica do periacuteodo em que a gramaacutetica geral teve impacto sobre a produccedilatildeo gramatical brasileira e tambeacutem porque Freire da Silva (1875) menciona em sua obra que seu tratamento da sintaxe e das partes do discurso eacute um resumo do que haacute na gramaacutetica Sotero dos Reis Assim ao se considerar a periodizaccedilatildeo de Parreira (2011) eacute possiacutevel pensar que a mudanccedila estaria inicialmente em Sotero dos Reis (1866) e natildeo Freire da Silva (1875)

2 METODOLOGIA

A metodologia utilizada para formalizar a periodizaccedilatildeo como mencionamos anteriormente tem suas bases na proposta de Swig-gers (2004143) de que se pode distinguir no todo do conhecimento linguiacutestico quatro dimensotildees ou capas A capa teoacuterica abarca a visatildeo global da linguagem e a concepccedilatildeo das tarefas e do estatuto dos estudos linguiacutesticos A capa teacutecnica eacute composta pelas teacutecnicas de anaacutelise e pelos meacutetodos de apresentaccedilatildeo dos dados A documentaccedilatildeo linguiacutestica e filoloacutegica (nuacutemero de liacutenguas tipos de fontes de dados por exemplo) sobre o qual se baseia o estudo linguiacutestico compotildee a capa documental E por fim a capa contextual e instituicional corresponde ao contexto cultural e agrave contextura institucional

Bruna Soares Polachini

22

Essas capas constitutivas das diferentes manifestaccedilotildees de conhecimentos linguiacutesticos poderiam em periacuteodos de emergecircncia de novos paradigmas se deslocar de diferentes modos Assim con-sideradas ao menos duas propostas em competiccedilatildeo poderia haver profunda distinccedilatildeo em algumas ou uma das capas enquanto outras se manteriam estaacuteveis apenas no caso de ocorrerem mudanccedilas significativas em todas as capas ao mesmo tempo a qual Swiggers nomeia mudanccedila transversal poderiacuteamos pensar em processos equiparaacuteveis ao da revoluccedilatildeo cientiacutefica de Kuhn (1962) A proposta de Swiggers permite portanto lidar com movimentos mais sutis de mudanccedila tanto quanto com revoluccedilotildees Aleacutem disso permite operar com a noccedilatildeo de permanecircncia como constitutiva da histoacuteria tal como a de ruptura A tensatildeo continuidade-ruptura estaria assim sempre em jogo nos momentos de controveacutersia nos estudos linguiacutesticos Adiante citamos o graacutefico apresentado por Swiggers (2004143) para exemplificar esse modelo de anaacutelise

Graacutefico 1 ndash Dinacircmica das capas segundo Swiggers (2004143)

Concebendo exclusivamente o tratamento da sintaxe e a seccedilatildeo introdutoacuteria das obras onde os autores frequentemente fazem assunccedilotildees acerca da tendecircncia epistemoloacutegica que seguem consi-deramos neste trabalho aspectos diferentes das obras gramaticais em cada uma das capas Na capa teoacuterica analisamos as concepccedilotildees de liacutengua linguagem e gramaacutetica sustentadas pelos autores em suas introduccedilotildees e tambeacutem que poderiam ser inferidas pelo tratamento que datildeo agrave sintaxe Na capa teacutecnica abordamos a metalinguagem do tratamento de sintaxe Para tanto selecionamos cinco temas a sentenccedila a concordacircncia a hierarquia dos itens da sentenccedila a sintaxe figurada e os viacutecios) Na capa documental fizemos um levantamento

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

23

exaustivo dos exemplos apresentados pelos autores e suas respectivas referecircncias apresentadas para os exemplos as quais dividimos em cinco espeacutecies exemplos com referecircncia literaacuteria exemplos de fala cotidiana ou usual exemplos de liacutengua idealizada45 outros idiomas e exemplos sem qualquer referecircncia Finalmente na capa contextual foram analisados o contexto de produccedilatildeo das obras e o que nomeamos de termos externos os quais satildeo termos usados nessas obras que refletem externamente o clima de opiniatildeo intelectual de que faziam parte

Na anaacutelise46 da capa teoacuterica notamos ao longo do seacuteculo dois conceitos de liacutengualinguagem e tambeacutem dois conceitos de gramaacute-tica Por um lado nas gramaacuteticas dos autores anteriores a Julio Ribeiro (1881) isto eacute Morais Silva (1806) Coruja (1873[1835]) Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) a linguagem era considerada como expressatildeo do pensamento isto eacute como tendo dois niacuteveis um expresso e outro subjacente graccedilas ao frequente uso da elipse e do verbo substantivo como teacutecnica explicativa Jaacute Julio Ribeiro (1881) e Maciel (1902[1894]) criticam a elipse e rela-cionavam a linguagem a fatos (opondo-a por vezes ao que chamavam de metafiacutesica) Concluiacutemos assim que Ribeiro e Maciel analisam a linguagemliacutengua enquanto objeto empiacuterico ao passo que os outros trecircs autores a observam enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)47

45 Chamamos de liacutengua idealizada os dados que eram sentenccedilas reconstruiacutedas normalmente porque na visatildeo dos gramaacuteticos sofriam elipses ou omissatildeo de palavras Neste exemplo de Sotero dos Reis 1866161) ldquoQue dizes isto eacute quero saber a cousa que ou qual cousa dizesrdquo os dados apoacutes o ldquoisto eacuterdquo satildeo considerados liacutengua idealizada visto que ldquoquero saber a cousa querdquo estaria omitido na sentenccedila inicial 46 Neste artigo nosso objetivo eacute preconizar a metodologia de periodizaccedilatildeo portanto as anaacutelises satildeo sumariamente descritas Para detalhes acerca delas ver Polachini (2013) capiacutetulos 3 e 4 47 Este foi o assunto principal de um dos resultados abordados na dissertaccedilatildeo a saber Emergecircncia e queda do aspecto dual da linguagem Neste item tratamos da concepccedilatildeo de linguagem dos autores a partir de elementos da capa teoacuterica teacutecnica e documental os quais convergiam para a emergecircncia e posteriormente a queda do aspecto dual isto eacute da anaacutelise da liacutengua enquanto tendo dois niacuteveis (cf Polachini 2013)

Bruna Soares Polachini

24

A concepccedilatildeo de gramaacutetica estaacute de certa forma ligada agrave de lin-guagem visto que enquanto as gramaacuteticas anteriores a Ribeiro descrevem a gramaacutetica como um manual da expressatildeo do pensa-mento (tendo em conta os dois niacuteveis da linguagem) e consideram dois tipos de gramaacutetica a particular e a geral Ribeiro e Maciel de-finem a gramaacutetica como a reuniatildeo de fatos e normas da linguagem (empiacuterica pode-se dizer) organizados metodicamente Mas eacute im-portante ressaltar que Ribeiro ainda considera a oposiccedilatildeo entre gramaacutetica geral e gramaacutetica particular Maciel distingue a gramaacutetica em descritiva histoacuterica e comparativa Notamos uma longa continuidade na capa teoacuterica de Morais Silva (1806) ateacute Freire da Silva (1875) e posteriormente uma ruptura parcial entre este e Ribeiro (1881) e outra ruptura parcial entre este e Maciel (1902)

A capa teacutecnica se apresentou como a capa mais complexa de todas havendo continuidades e descontinuidades dentro dela mesma ateacute porque tratamos de cinco temas diferentes os quais discriminamos e descrevemos adiante

A sentenccedila foi em linhas gerais tratada de trecircs formas dife-rentes ao longo do seacuteculo XIX Num primeiro momento o que diz respeito agraves quatro obras anteriores a Ribeiro ela eacute formada por trecircs elementos minussujeito atributo e verbo (ou coacutepula) minus que resultariam em um Juiacutezo Posteriormente na obra de Ribeiro a sentenccedila eacute considerada ainda um juiacutezo ou um pensamento e eacute composta por divisotildees binaacuterias um sujeito e um predicado e o predicado seria dividido em coacutepula e o predicado propriamente dito Por fim Maciel considera apenas sujeito e predicado dando um novo significado para predicado que agora eacute tudo que se relaciona com o sujeito e descartando de vez a coacutepula enquanto elemento necessaacuterio da sentenccedila Ademais para Maciel a sentenccedila seria apenas pensamento natildeo mais juiacutezo

A concordacircncia eacute um tema que tem em grande parte conti-nuidade48 ao longo de todo seacuteculo sendo referida sempre ao menos

48 Haacute particularidades em Sotero dos Reis (1866) e Freire da Silva (1875) que ressaltamos na dissertaccedilatildeo no que diz respeito agrave concordacircncia em sentenccedilas de ldquoliacutengua idealizadardquo isto eacute em que algum objeto da concordacircncia estava oculto Esse eacute um procedimento frequente e que precisa ser analisado agrave parte Exceto por esse detalhe a continuidade prevalece sobre a ruptura no que diz respeito ao tema da concordacircncia

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

25

como aquela entre verbo e sujeito e tambeacutem entre nome e adjetivo O tema da hierarquia dos membros da sentenccedila sofre ao menos duas rupturas ao longo do seacuteculo Morais Silva fala apenas de regecircncia Jaacute Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva mencionam quatro tipos de complemento as quais se assemelham agraves funccedilotildees apresentadas por Maciel Abaixo o quadro sinteacutetico acerca da hierarquia dos membros da sentenccedila

Morais Silva Coruja Sotero dos Reis

Freire da Silva Ribeiro Maciel

Regecircncia Complemento Complemento Complemento Relaccedilotildees Funccedilotildees

Casos

Colocaccedilatildeo

Preposiccedilotildees

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Restritivo

Objetivo

Terminativo

Circunstancial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Subjetiva

Predicativa

Atributiva

Objetiva

Adverbial

Vocativa

Quadro 2 ndash Hierarquia dos itens da sentenccedila nas seis gramaacuteticas

Assim vemos que Morais Silva estaria numa tradiccedilatildeo que natildeo teria continuidade a qual tem como criteacuterio de hierarquia da sentenccedila somente a noccedilatildeo de regecircncia Os trecircs autores posteriores fazem parte de um paradigma da noccedilatildeo de complemento que so-breviveu por um determinado tempo na gramaticografia brasileira oitocentista mas que eacute substituiacutedo no uacuteltimo quarto do seacuteculo por noccedilotildees como de relaccedilatildeo e de funccedilatildeo

A sintaxe figurada oscila entre a continuidade e a desconti-nuidade Pretendemos preconizar os detalhes estruturais na orga-nizaccedilatildeo das figuras sintaacuteticas seja em suas continuidades ou em suas mudanccedilas levando em conta a estrutura do esquema quadripartite49 mencionado e analisado por Cleacuterico (1979) Morais Silva considera omissatildeo excesso substituiccedilatildeo e ordem Coruja considera omissatildeo (a substituiccedilatildeo estaria dentro da omissatildeo) excesso e ordem Sotero dos Reis e Freire da Silva consideram omissatildeo excesso discoacuterdia aparente e ordem (nesse momento a substituiccedilatildeo foi excluiacuteda) Por fim Ribeiro e Maciel consideram apenas omissatildeo excesso e ordem (sendo a discoacuterdia aparente parte da omissatildeo) Assim exceto pelo

49 Este esquema eacute composto de acordo com Cleacuterico (1979) pelas categorias omissatildeo aumento ordem e substituiccedilatildeo

Bruna Soares Polachini

26

desaparecimento da categoria de substituiccedilatildeo e o surgimento da discoacuterdia aparente existe certa continuidade das categorias e das figuras havendo apenas mudanccedilas de taxionomia

No que diz respeito aos viacutecios nota-se que dos seis autores selecionados apenas trecircs apresentam uma seccedilatildeo especiacutefica ou trechos ao longo do tratamento da sintaxe para tratar de viacutecios satildeo eles Morais Silva Ribeiro e Maciel Eles apresentam como viacutecios sintaacuteticos o barbarismo o solecismo e eventualmente o brasi-leirismo Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo tecircm essa mesma preocupaccedilatildeo minus o que aparenta ser uma tendecircncia da proacutepria concepccedilatildeo de linguagem que tinham50

Pudemos ver assim que a capa teacutecnica eacute complexa justamente por ser multifacetada Haacute rupturas entre quase todos os autores mas sempre parciais As uacutenicas gramaacuteticas que tecircm continuidade entre si satildeo a de Freire da Silva e Sotero dos Reis visto que a de Freire da Silva faz na verdade como ele mesmo menciona na contra-capa da obra um resumo da gramaacutetica de Sotero dos Reis

A anaacutelise da capa documental foi feita por meio do levanta-mento exaustivo dos exemplos que os autores apresentavam no tratamento da sintaxe Esses exemplos foram divididos a posteriori em cinco espeacutecies (1) em que constava referecircncia literaacuteria (2) exemplos de fala cotidiana quando por exemplo citavam alguma regiatildeo especiacutefica do Brasil Portugal ou outro paiacutes lusoacutefono (3) liacutengua idealizada que como explicamos anteriormente refere-se a exemplos em que havia reconstituiccedilatildeo da sentenccedila (4) outros idi-omas (que natildeo o portuguecircs visto que todas as obras eram gramaacuteticas dessa liacutengua) (5) dados sem quaisquer referecircncias

50 Visto que como sua preocupaccedilatildeo era com a relaccedilatildeo entre um niacutevel expresso e outro subjacente e com as generalidades da liacutengua em detrimento por vezes de particularidades pouco ou nada era explorado enquanto viacutecio

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

27

1 2 3 4 5

Morais Silva (1806) 160

(267)

2

(03)

45

(75)

5

(08)

388

(647)

Coruja (1873[1835) -- -- 14

(9)

--

141

(91)

Sotero dos Reis (1866) 3

(06)

-- 51

(98)

5

(09)

454

(887)

Freire da Silva (1875) 3

(18)

-- 21

(114)

-- 160

(868)

Ribeiro (1881) 46

(33)

16

(16)

10

(07)

49

(34)

1252

(91)

Maciel(1902[1894]) 651

(628)

18

(18)

-- -- 367

(354)

Quadro 3 ndash Nuacutemeros e percentuais das cinco espeacutecies de exemplos

Como se pode ver pelos dados numeacutericos os dados com (1) referecircncia literaacuteria satildeo usados amplamente apenas por Maciel e Morais Silva sendo este o tipo de dado principal daquele Jaacute o dado tipo (2) fala cotidiana ganha importacircncia percentual apenas no fim do seacuteculo ainda que pequena Vemos tambeacutem a queda de (3) a fala idealizada que em Maciel jaacute nem sequer eacute mencionada A categoria (4) outros idiomas sofre flutuaccedilotildees Os dados (5) sem referecircncia satildeo maioria para cinco gramaacuteticas a uacutenica exceccedilatildeo eacute Maciel cuja maioria dos dados tecircm referecircncia literaacuteria

Em linhas gerais se observamos os outros itens que natildeo (1) e (5) vemos que existe nas trecircs primeiras obras certa continuidade percentual no que diz respeito ao item (3) isto eacute a linguagem ide-alizada Entretanto quando observamos o item (2) apesar de ser uma quantidade miacutenima eacute importante ressaltar que Morais Silva usa dados de fala cotidiana os quais natildeo eram comuns na eacutepoca enquanto Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva natildeo utilizam da mesma forma que Morais Silva apresenta muito mais dados com referecircncia literaacuteria do que esses autores sendo estes portanto fatores de ruptura Por outro lado as trecircs obras de Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva apresentam continuidade visto que o nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria eacute nulo ou inexpressivo ademais a frequecircncia de dados do item (3) cujo percentual se manteacutem proacuteximo de 10 eacute analisada por noacutes como continuidade Haacute

Bruna Soares Polachini

28

poreacutem uma ruptura entre a continuidade observada em Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva com o que vem adiante isto eacute Ribeiro Notamos que Ribeiro apresenta pouquiacutessimos dados de (3) liacutengua idealizada da mesma forma que haacute uma quantidade pequena mas significativa no contexto de (2) fala cotidiana e um aumento relevante de dados de (4) outras liacutenguas Haacute portanto ruptura parcial Ao se observar as similaridades e dissimilaridades entre Ribeiro e Maciel observamos tambeacutem uma ruptura parcial dado que existe continuidade no que diz respeito ao baixo ou nulo nuacutemero de exemplos de (3) liacutengua idealizada em contraposiccedilatildeo ao nuacutemero significativo de exemplos de (2) fala cotidiana Os pontos de ruptura satildeo o alto nuacutemero de exemplos com (1) referecircncia literaacuteria de Maciel enquanto em Ribeiro haacute pouquiacutessimos e a ausecircncia de dados de (4) liacutengua estrangeira em Maciel

Por fim a capa contextual foi analisada de acordo principal-mente com dois criteacuterios o contexto especiacutefico de produccedilatildeo das obras e os termos externos utilizados por elas e seus significados Chamamos de termos externos palavras ou expressotildees em que apa-reciam com frequecircncia nas obras para se referir agrave anaacutelise linguiacutestica ou agrave liacutengua mas que natildeo eram exatamente metatermos (como metafiacutesica caipira etc) Notamos que havia mais rupturas do que continuidades entre os autores exceto por Sotero dos Reis e Freire da Silva que imprimem apenas uma ruptura parcial jaacute que a maior parte dos termos externos eram iguais devido ao fato da gramaacutetica de Freire da Silva ter sido em grande parte inspirada na de Sotero dos Reis

Vistos os criteacuterios pelos quais tentamos chegar a uma perio-dizaccedilatildeo ldquocomplexardquo dessa gramaticografia gostariacuteamos agora de focar a atenccedilatildeo de fato no graacutefico resultante dessa periodizaccedilatildeo

3 PERIODIZACcedilAtildeO ldquoCOMPLEXArdquo

Chamamos essa dinacircmica temporal de periodizaccedilatildeo de ldquocom-plexardquo tanto porque ela eacute organizada em funccedilatildeo das quatro capas propostas por Swiggers (2004) quanto porque dificilmente vere-mos na produccedilatildeo considerada uma mudanccedila transversal (ou re-volucionaacuteria) Ao contraacuterio disso parecem-nos mais salientes al-gumas importantes mudanccedilas parciais

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

29

Em nosso graacutefico considerado o eixo horizontal mostramos quatro tipos diferentes de processo a continuidade na qual haacute bastante em comum entre as obras eacute indicada pela ausecircncia de separaccedilatildeo expressa pelo pontilhado mais distanciado haacute a ruptura parcial em que a continuidade eacute mais relevante expressa por um pontilhado mais proacuteximo representamos uma ruptura parcial em que a ruptura eacute mais relevante por fim propusemos que existe ruptura com o traccedilo contiacutenuo As duas rupturas parciais foram acreacutescimos agrave proposta de Swiggers (2004) apoacutes observar a exis-tecircncia de complexidade interna agraves proacuteprias capas o que natildeo nos permitiria a oposiccedilatildeo ldquocontinuidade-descontinuidaderdquo Assim nosso graacutefico tem este resultado51

AMS COR SDR FDS RIB MAC

Capa Contex-tual

Capa Teoacuterica

Capa Teacutecnica

Capa Docu-mental

Quadro 4 ndash Periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

A capa contextual como mencionamos anteriormente possui por conta da distacircncia temporal e mesmo espacial da produccedilatildeo das gramaacuteticas somente rupturas Haacute somente uma continuidade parcial entre Sotero dos Reis e Freire da Silva devido sua proximidade geograacutefica-temporal e o fato de haver influecircncia reconhecida do primeiro sobre o segundo No que diz respeito agrave capa teoacuterica parece haver uma concepccedilatildeo de liacutengualinguagem e gramaacutetica muito similar ateacute Ribeiro existe portanto ruptura parcial ateacute que Maciel ao romper com as concepccedilotildees que Ribeiro ainda carregava da tra-diccedilatildeo anterior apresenta uma continuidade parcial com Ribeiro Sobre a multifacetada capa teacutecnica observamos que entre as quatro primeiras gramaacuteticas haacute certas diferenccedilas as quais classificamos como continuidade parcial Entre Ribeiro e Freire da Silva o qual tem

51 No graacutefico haacute abreviaccedilotildees e siglas para as gramaacuteticas sobre as quais fazemos as correspondecircncias AMS Antocircnio Morais Silva (1806) COR Coruja (1873[1835]) SDR Sotero dos Reis (1866) FDS Freire da Silva (1875) RIB Ribeiro (1881) MAC Maciel (1902[1894])

Bruna Soares Polachini

30

continuidade com Sotero dos Reis notamos por outro lado uma ruptura parcial e por fim entre Ribeiro e Maciel haacute continuidade parcial Por fim a capa documental nos demonstrou que os dados linguiacutesticos selecionados por Morais Silva tecircm similaridades com os das trecircs gramaacuteticas posteriores mas com ressalvas por conta do alto nuacutemero de dados com referecircncia literaacuteria e agravepresenccedila de dados de fala cotidiana Entre Coruja Sotero dos Reis e Freire da Silva haacute poreacutem continuidade Ribeiro promove uma ruptura parcial ao ter um percentual muito baixo de dados de fala idealizada e o alto nuacutemero de dados de outros idiomas e fala cotidiana Por fim haacute mais uma ruptura parcial com Maciel cuja grande maioria de dados tem referecircncia literaacuteria e ademais os dados de outras liacutenguas e liacutengua idealizada satildeo nulos

Quando comparamos nossa periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo com as demais concordamos com Cavaliere (2002) e Parreira (2011) em que Morais Silva (1806) inauguraria a gramaticografia brasileira do portuguecircs visto que aleacutem de ser o primeiro autor de gramaacuteticas do portuguecircs nascido no Brasil jaacute apresenta ao menos um dado referente agrave fala cotidiana do Brasil em oposiccedilatildeo agravequela de Portugal A primeira ruptura na gramaticografia brasileira do portuguecircs seria tomando em linhas gerais o que foi visto nas quatro capas a de Ribeiro que como se pode ver no proacuteprio graacutefico faz quase uma ruptura transversal exceto por alguns elementos que tecircm continuidade nas capas teacutecnica e teoacuterica

Discordamos de Parreira (2011) no que diz respeito agrave ruptura que Freire da Silva (1875) teria promovido visto que sua gramaacutetica eacute ao menos no tratamento da sintaxe essencialmente igual agrave de Sotero dos Reis (1866) 52 Por outro lado concordamos com Nascentes (1939) Elia (1975) e Cavaliere (2002) que apresentam Ribeiro (1881) como pode-se dizer agente de uma ruptura Entre-tanto natildeo o vemos como totalmente revolucionaacuterio jaacute que acredi-tamos haver uma segunda ruptura com Maciel (1902[1894]) pen-

52 Parreira (2011) como pudemos constatar por suas referecircncias bibliograacuteficas teve acesso apenas agrave oitava (1894) e agrave nona (1906) ediccedilotildees da gramaacutetica de Freire da Silva agraves quais haviam sofrido consideraacuteveis modificaccedilotildees em relaccedilatildeo agrave primeira

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

31

sando assim como Parreira (2011) que haveria uma ruptura gra-dual da qual Maciel consolidaria diversos pontos e eliminaria certas heranccedilas que Ribeiro ainda mantinha da corrente teoacuterica anterior

Em siacutentese se colocaacutessemos nossa periodizaccedilatildeo a qual res-saltamos diz respeito especificamente ao tratamento da sintaxe tomada na sua dimensatildeo terminoloacutegica ao lado das outras o quadro ficaria dessa forma

Nascentes (1939)

Elia (1975) Cavaliere (2002)

Parreira (2011)

Polachini (2013)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Morais Silva (1806)

Coruja (1835)

Freire da Silva (1875)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881) Ribeiro (1881)

Ribeiro (1881)

Maciel (1894) Maciel (1894)

Quadro 5 ndash Periodizaccedilotildees comparadas

4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As capas propostas por Swiggers foram essenciais para que a pesquisa fosse realizada em minuacutecias como se pocircde ver no graacutefico Haacute poreacutem questotildees teoacutericas e teacutecnicas que poderiam ainda ser tratadas como a complexidade da capa teacutecnica e mesmo algumas questotildees sobre que dados satildeo mais apropriados para cada capa Alguns pontos a se destacar eacute que nossa anaacutelise pode ser considerada parcial pois analisamos apenas gramaacuteticas que apareciam em outras periodizaccedilotildees salvo Sotero dos Reis (1866) Pode tambeacutem ser considerada estaacutetica na medida em que observamos apenas as primeiras ediccedilotildees das obras ou ediccedilotildees mais proacuteximas com que tivemos contato durante a pesquisa Esses dois pontos tecircm sido trabalhados em nossas pesquisas recentes Entretanto consideramos que a anaacutelise apresenta contribuiccedilotildees relevantes seja no que diz respeito agrave descriccedilatildeo do tratamento da sintaxe dessas obras seja mesmo na aplicaccedilatildeo da proposta de Swiggers para a proposiccedilatildeo de uma periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo

Bruna Soares Polachini

32

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

Fontes Primaacuterias

MORAIS SILVA Antonio de 1806 Epiacutetome da Grammatica Portugueza Lisboa Simatildeo Thaddeo Ferreira

CORUJA Antonio Alvares Pereira 1873[1835] Compendio da grammatica da lingua nacional Nova Ediccedilatildeo Ampliada e Mais Correcta Rio de Janeiro Esperanccedila

FREIRE DA SILVA Augusto 18756 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Maranhatildeo Typ do Frias

SOTERO DOS REIS Francisco 1866 Grammatica portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica Maranhatildeo Typ de R de Almeida

SOTERO DOS REIS Francisco 1877 Grammatica Portugueza accommodada aos principios geraes da palavra seguidos de immediata applicaccedilatildeo pratica 3a ediccedilatildeo revista corrigida e annotada Maranhatildeo Livraria de Magalhatildees amp C

RIBEIRO Julio 1881 Grammatica Portugueza Satildeo Paulo Tip Jorge Seckler

MACIEL Maximino de Arauacutejo 1902[1894] Grammatica Descriptiva baseada nas doutrinas modernas 3a ediccedilatildeo augmentada com muitas notas e resumos synopticos Rio de Janeiro e Paris H Garnier Livreiro-Editor

Fontes Secundaacuterias

CAVALIERE Ricardo 2002 ldquoUma proposta de periodizaccedilatildeo dos estudos linguiacutesticos no Brasilrdquo Revista Confluecircncia ndeg23

CLEacuteRICO Geneviegraveve 1979 laquo Rheacutetorique et syntaxe Une laquo figure chimeacuterique raquo lrsquoeacutenallage raquo In Revue Histoire et Eacutepisteacutemologie Langage Elipse et Grammaire Tome 1 fascicule 2 1979 pp 3-25

ELIA Silvio 1975 ldquoOs Estudos Filoloacutegicos no Brasilrdquo In Ensaios de Filologia e Linguiacutestica Rio de Janeiro Grifo 2ordf ed pp 117-176

Uma proposta de periodizaccedilatildeo ldquocomplexardquo para a gramaticografia oitocentista do portuguecircs

33

NASCENTES Antenor 1939 ldquoA filologia portuguesa no Brasil (esboccedilo histoacuterico)rdquo In _____ Estudos Filologicos Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira p 21-45

KEMMLER Rolf 2013ldquoA primeira gramaacutetica da liacutengua portuguesa impressa no Brasil a Arte de Grammatica Portugueza (1816) de Inaacutecio Felizardo Fortesrdquo Revista Confluecircncia ndeg4445

PARREIRA Andressa D 2011 Contribucioacuten a la historia de la gramaacutetica brasilentildea del siglo XIX Tesis Doctoral Salamanca Universidad de Salamanca Faculdade de Filologiacutea

POLACHINI Bruna S 2013 O tratamento da sintaxe em gramaacuteticas brasileiras do seacuteculo XIX estudo historiograacutefico Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos Meacutetodos y Problemas en la historiografiacutea de la linguiacutesticardquo Nuevas Aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congresso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22 al 25 de octubre de 2003 p113-146

34

O CONTATO ENTRE O PORTUGUEcircS BRASILEIRO E AS LIacuteNGUAS AFRICANAS NA VISAtildeO DE

MENDONCcedilA (1935[1933]) E RAIMUNDO (1933) UMA ANAacuteLISE HISTORIOGRAacuteFICA53

Patriacutecia Souza Borges (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o tratamento dado agrave questatildeo do contato das liacutenguas africanas com o Portuguecircs Brasileiro doravante PB em duas obras consideradas como fundamentais dessa tradiccedilatildeo de estudos desenvolvida no Brasil (Bonvini 2009 Petter 1998) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva [ - 1960] Considerados como textos de mesma natureza pela criacutetica ambos defenderiam a hipoacutetese da lsquoinfluecircnciarsquo das liacutenguas africanas no portuguecircs brasileiro principalmente no domiacutenio lexical (Bonvini 2009) Neste artigo ao contraacuterio do que tem sido afirmado na literatura buscamos evidenciar aspectos que diferenciam esses textos por meio da anaacutelise do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004)

ABSTRACT This article aims to analyze the approaches given to linguistic contact between several African languages and Brazilian Portuguese as seen in two groundbreaking books in this area of study (Bonvini 2009 Petter 2000) A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) by Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912-1990] and O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) by Jacques Raimundo Ferreira da Silva [-1960] This literature adheres to a similar rationale that is both texts defend the hypothesis of influence from African languages on Brazilian Portuguese mainly in the lexical domain (Bonvini 2009) In this article however we would like to affirm the opposite We shed light on some aspects that differentiate the aforementioned books by treating this phenomenon according to the concept of (research) program as proposed by Swiggers (1981a 1991a 2004)

1 INTRODUCcedilAtildeO

Analisamos neste artigo duas obras do seacuteculo XX que exploraram a relaccedilatildeo entre o PB e as liacutenguas africanas A influecircncia africana no Portuguecircs do Brasil (1935[1933]) de Renato Firmino

53 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho defendida em 2015 na Universidade de Satildeo Paulo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

35

Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] e O elemento afro-negro na Liacutengua Portuguesa (1933) de Jacques Raimundo Ferreira da Silva ( - 1960) Ambos satildeo frequentemente citados em textos da tradiccedilatildeo brasileira de estudos sobre esse contato como seus lsquofundadoresrsquo pois teriam sido os primeiros a realizar pesquisas aprofundadas sobre o tema (Bonvini 2009 Petter 1998)

Na retrospectiva histoacuterica proposta por Bonvini (2009) Mendonccedila e Raimundo figuram como estudos prototiacutepicos sobre a relaccedilatildeo entre o Portuguecircs Brasileiro (doravante PB) e as liacutenguas africanas vista da perspectiva da lsquoinfluecircnciarsquo Essa vertente seria preponderante ao longo dos anos 1930 e buscaria defender as especificidades do PB frente agraves caracteriacutesticas do portuguecircs europeu Haveria uma ideologia nacionalista disseminada por diferentes circuitos intelectuais que tambeacutem permearia os estudos linguiacutesticos o Brasil independente buscava seu lugar em relaccedilatildeo agrave antiga metroacutepole54 Depois dessa fase a hipoacutetese da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo teria sido discutida em um contexto em que se dava iniacutecio a formaccedilatildeo e a atuaccedilatildeo mais especializada dos estudiosos da liacutengua com a fundaccedilatildeo de faculdades de letras cujas explicaccedilotildees de caraacuteter mais interno ganharam destaque em oposiccedilatildeo agrave mobilizaccedilatildeo de dados extralinguiacutesticos Atuaram nesse sentido os estudiosos Serafim Pereira da Silva Neto (1950) Gladstone Chaves de Melo (1946) e Siacutelvio Edmundo Elia (1940)55

Ao analisar a conduccedilatildeo desses estudos Bonvini critica alguns aspectos que teriam prevalecido dentre eles aspectos que dizem respeito agrave natureza e ao tratamento das fontes e agrave metodologia de estudos empregada

Com relaccedilatildeo agrave natureza e ao tratamento das fontes o africanista afirma que as hipoacuteteses de trabalho foram formuladas sem apoio em

54 Segundo Bonvini (2009) a questatildeo do contato entre o PB e as liacutenguas africanas foi retomada tambeacutem em termos de ldquoinfluecircnciardquo por Castro (1976 1980) indicando que embora descontiacutenua tal vertente se mostraria recorrente ao longo da histoacuteria 55 Segundo Bonvini (2009) mais recentemente os pesquisadores estrangeiros Gregory Guy (1981 1989) John Holm (1987) e Alan Baxter em 19871988 retomaram o debate acerca da lsquocrioulizaccedilatildeorsquo Holm por exemplo considera o PB como um semicrioulo a partir da comparaccedilatildeo com crioulos de base ibeacuterica dados sociohistoacutericos e demograacuteficos

Patriacutecia Souza Borges

36

ldquofatos precisos devidamente identificados e datados suscetiacuteveis de servir de ldquoprovasrdquo histoacutericasrdquo (Bonvini 2009 21) O que teria prevalecido segundo Bonvini seria uma constante repeticcedilatildeo de suposiccedilotildees feitas sem consulta a fontes documentais precisas

A criacutetica referente agrave metodologia empregada diz respeito agrave seleccedilatildeo preponderante de dados de natureza leacutexico-semacircntica ou morfossintaacutetica recorte que ele julga inadequado para lidar quer com o conceito de lsquoinfluecircnciarsquo quer com o de lsquocrioulizaccedilatildeorsquo

Haacute poucos trabalhos que estabeleccedilam a histoacuteria do tratamento do contato entre o PB e as liacutenguas africanas no Brasil56 e por isso muito se ha repetido sobre a natureza dos trabalhos sobre esse tema aqui incluiacutedos os textos de Mendonccedila e Raimundo considerados ambos como centrados nos aspectos lexicais que as liacutenguas africanas teriam contribuiacutedo na formaccedilatildeo do portuguecircs falado no Brasil

Cientes de que para analisar e estabelecer aproximaccedilotildees entre diferentes produtos linguiacutesticos eacute necessaacuterio ir aleacutem de roacutetulos mais aparentes nos valemos do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo57 proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) que permitiraacute ressaltar a natureza interna dos trabalhos

O conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo permite distinguir e agrupar pesquisas linguiacutesticas ainda que sejam realizadas de acordo com diferentes teorias uma vez que o conceito de programa revela a maneira mais ampla de os estudiosos lidarem com um mesmo objeto de investigaccedilatildeo (neste caso a relaccedilatildeo entre PB e liacutenguas africanas)

Swiggers (1981a 1991a 2004) distingue lsquoprogramas de investigaccedilatildeorsquo na histoacuteria da linguiacutestica a partir de trecircs paracircmetros lsquovisatildeo de liacutenguarsquo lsquoincidecircncia de anaacutelisersquo e lsquoteacutecnicarsquo que tambeacutem empregaremos com o objetivo de lsquoclassificarrsquo internamente a produccedilatildeo que Mendonccedila e Raimundo O autor entende que

56 Encontramos ateacute o momento os textos de Socircnia Queiroz (2002) Ana Stela Cunha e Andreacute P Bueno (2004) e Dante Lucchesi (2012 2009) 57 Um programa de investigaccedilatildeo ldquo[hellip] is a complex cognitive system which makes possible some particular operations and results while excluding other possibilities One program subsumes several theories which despite technical and terminological differences have the same concept of how the object of the discipline must be investigated Both object method are defined intra-theoretically but the unity of a program resides the similar conceptions of how a certain method must ldquodeal withrdquo the object of a particular disciplinerdquo (Swiggers 1981a 12)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

37

a) lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo diz respeito agrave maneira como a linguagem (ou as liacutenguas ou os grupos linguiacutesticos) eacute considerada e aos modos de conceber as relaccedilotildees entre liacutengua e realidade liacutengua e literatura liacutengua e sociedade liacutengua e cultura tambeacutem se inclui aqui a concepccedilatildeo do campo de investigaccedilatildeo ou da disciplina

b) lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo diz respeito agraves formas linguiacutesticas (por exemplo morfema item lexical frase conteuacutedo) e agrave natureza e funccedilatildeo preferencialmente atribuiacutedas a essas formas

c) lsquoTeacutecnicarsquo corresponde ao conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos adotados

Segundo esses paracircmetros Swiggers delimita ao longo da histoacuteria dos estudos da linguagem no Ocidente quatro programas fundamentais de investigaccedilatildeo o lsquoprograma de correspondecircnciarsquo o lsquoprograma descritivistarsquo o lsquoprograma socioculturalrsquo e o lsquoprograma de projeccedilatildeorsquo

Nas linhas seguintes procuramos contextualizar analisar e em certa medida comparar os trabalhos de Mendonccedila e Raimundo muitas vezes avaliados como semelhantes do seguinte modo breve perfil biograacutefico dos autores e descriccedilatildeo das obras e anaacutelise da metodologia de estudos dos textos aspecto criticado por Bonvini (2009) por meio do conceito de programa de investigaccedilatildeo (Swiggers 1981a 1991a 2004) visatildeo de liacutengua incidecircncia da anaacutelise e teacutecnica58

58 Trata-se de uma anaacutelise parcial de dados de nosso projeto de mestrado intitulado ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI)rdquo que tem como objetivo mapear e analisar a produccedilatildeo que investigou o contato entre o portuguecircs brasileiro e as liacutenguas africanas no Brasil e propor uma lsquoperiodizaccedilatildeo entrelaccediladarsquo (inter-relaccedilatildeo entre aspectos internos e externos) para a histoacuteria dessa produccedilatildeo a partir do conceito de lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo proposto por Swiggers (1981a 1991a 2004) Nessa perspectiva pretendemos sinalizar preponderacircncias ausecircncias semelhanccedilas e distinccedilotildees que auxiliem a melhor delimitar lsquofasesrsquo ndash numa abordagem linear do tempo ndash aleacutem de permanecircncias rupturas retomadas e apagamentos que se verifiquem entre as diferentes lsquofasesrsquo nessa histoacuteria

Patriacutecia Souza Borges

38

2 A INFLUEcircNCIA AFRICANA NO PORTUGUEcircS DO BRASIL (1935[1933]) DE RENATO FIRMINO MAIA DE MENDONCcedilA [1912 - 1990]

Renato Firmino Maia de Mendonccedila [1912 - 1990] foi bacharel em Ciecircncias e Letras pelo Coleacutegio Dom Pedro II e professor de liacutengua portuguesa no mesmo coleacutegio Foi diplomata pesquisador e historiador Nascido na cidade de Pilar (Alagoas) e falecido no Rio de Janeiro Concorreu a cargo de diplomata pelo Instituto Rio Branco e empatou com Guimaratildees Rosa (Sales Rocha In Mendonccedila (2012[1935]) Fundou caacutetedras em universidades do exterior e recebeu muitos precircmios aspectos que parecem informar que ele tenha sido um intelectual destacado e prestigiado em sua eacutepoca

A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil foi publicada pela primeira vez em 1933 Haacute 6 ediccedilotildees posteriores da obra o que sugere que a obra tem sido revisitada de tempos em tempos Utilizamos nessa anaacutelise 2ordf ediccedilatildeo (255 paacuteginas) de 1935 que parece ser a ediccedilatildeo consolidada pelo autor e com o maior nuacutemero de reproduccedilotildees

Eacute no capiacutetulo ldquoInfluecircncia Africana no Portuguecircsrdquo que Mendonccedila (1935[1933]) procura sistematizar as contribuiccedilotildees das liacutenguas africanas ao portuguecircs falado no Brasil O autor explora os diferentes niacuteveis de articulaccedilatildeo foneacutetico fonoloacutegico morfoloacutegico lexical e sintaacutetico

Mendonccedila afirma que seu objetivo eacute apresentar ldquoum trabalho que vem incorporar aos estudos socircbre as alteraccedilotildees do portuguecircs do Brasil e deseja ardentemente contribuir para a independecircncia e cultura do idioma nacionalrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 16) Em seu texto fazem-se presentes alguns temas relevantes no periacuteodo como por exemplo o da denominaccedilatildeo e do estatuto da liacutengua portuguesa falada no Brasil (entre outros Pinto 1978 1981)

Segundo Mendonccedila esse tema gerava polecircmica embora ningueacutem soubesse exatamente o que era a lsquoliacutengua brasileirarsquo Seu objetivo era criar uma lsquocodificaccedilatildeorsquo (termo de Mendonccedila) das mudanccedilas no PB que natildeo fosse motivada pelo entusiasmo do nacionalismo brasileiro ldquoembora fosse para noacutes motivo de orgulho dizer no estrangeiro que temos uma literatura e uma liacutengua

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

39

brasileira Em suma que falamos brasileirordquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

Enquanto escritores filoacutelogos e estudiosos prefeririam as denominaccedilotildees ldquonosso idiomardquo ldquoliacutengua nacionalrdquo e ldquoo idioma nacionalrdquo Mendonccedila utiliza os termos ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo e ldquoportuguecircs brasileirordquo

Mendonccedila declara o interesse em divulgar os dados a que chegasse no empreendimento de lsquocodificaccedilatildeorsquo de peculiaridades do PB agraves massas uma vez que ldquonada possa interessar mais o nosso povo do que a sua proacutepria liacutenguardquo e entendia que o desenvolvimento do PB apontava para a configuraccedilatildeo de um novo idioma ldquoA expressatildeo do brasileiro a emissatildeo dos sons a pronuacutencia caracteriacutestica o vocabulaacuterio corrente a proacutepria coordenaccedilatildeo das palavras na frase representam a feiccedilatildeo proacutepria cada vez mais acentuada de um novo idiomardquo (Mendonccedila 1936 prefaacutecio)

21 lsquoPrograma de investigaccedilatildeorsquo de Mendonccedila (1935[1933])

211 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Em Mendonccedila (1935[1933]) a liacutengua eacute vista pela oacutetica das relaccedilotildees entre sociedade e cultura ancoradas na noccedilatildeo de contato eacutetnico e linguiacutestico Mendonccedila afirma que o PB constitui-se como um dialeto do PE e sofre um processo evolutivo de diferenciaccedilatildeo em relaccedilatildeo a ele O ldquodialeto brasileirordquo tambeacutem denominado ldquobrasileirordquo ldquoliacutengua brasileirardquo ldquoportuguecircs do Brasilrdquo ldquoportuguecircs brasileirordquo apresentaria subdialetos ou seja variedades (sociais (ldquopopularrdquo ldquocultordquo) e regionais (ldquocaipirardquo ldquoda cidaderdquo)

A diferenciaccedilatildeo do lsquodialeto brasileirorsquo natildeo resulta apenas das coerccedilotildees geograacuteficas mas tambeacutem da contribuiccedilatildeo indiacutegena e africana instaura-se uma perspectiva que considera o modo de constituiccedilatildeo da histoacuteria do povo como responsaacutevel pela mudanccedila linguiacutestica O autor considera esse aporte como fundamental e insuficientemente aprofundado principalmente no que se refere ao papel das liacutenguas africanas

Quanto agraves liacutenguas africanas faladas pelos sete milhotildees de negros escravizados vindos ao Brasil segundo estimativa de Mendonccedila (1935[1933] 73) ele enumera ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo

Patriacutecia Souza Borges

40

ldquoquimbundordquo ldquogecircge ou ewerdquo ldquotapa ou niferdquo e ldquoguruncisrdquo Sendo que atuaram como lsquoliacutenguas geraisrsquo ldquonagocirc ou iorubaacuterdquo na Bahia e o ldquoquimbundordquo no norte e no sul do paiacutes remetendo a posiccedilatildeo de Nina Rodrigues e outros (1935[1933]84) Os povos que teriam predominado em termos geograacuteficos seriam os ldquonagocircsrdquo na Bahia os ldquocongosrdquo em Pernambuco e ldquoangolasrdquo nos estados do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo

Sobre a existecircncia de liacutenguas crioulas no Brasil ele afirma ldquoNo Brasil deve ter havido dialetos crioulos em diversos lugares da colocircnia Tiveram poreacutem existecircncia muito instaacutevel e cedo desapareceramrdquo (Mendonccedila 1935[133]) 111)

Para Mendonccedila o estudo das transformaccedilotildees linguiacutesticas que provocavam a diferenciaccedilatildeo do ldquodialeto brasileirordquo em relaccedilatildeo ao Portuguecircs Europeu era urgente e constituiacutea um programa de estudos de uma geraccedilatildeo Nesse sentido critica a ausecircncia de trabalhos de natureza dialetoloacutegica e a predominacircncia de estudos que privilegiam a pesquisa de ldquoassuntos lusitanosrdquo atrelados ao campo da filologia

Um outro aspecto fortemente criticado pelo autor eacute a ausecircncia de distinccedilatildeo entre fenocircmenos de origem indiacutegena e africana ou mesmo a atribuiccedilatildeo de contribuiccedilotildees notadamente africanas agraves liacutenguas nativas brasileiras Segundo ele

Isto resulta da proeminecircncia indevida que se conferiu ao iacutendio com prejuiacutezo do negro na formaccedilatildeo da nacionalidade brasileira Haacute mesmo aiacute muita coisa influenciada pelo indianismo de Gonccedilalves Dias e Alencar O negro que sua no eito e esfalfado trabalha sob o chicote natildeo oferece a mesma poesia do iacutendio aventureiro que erra pelas florestas (Mendonccedila 1935[1933] 109)

Tal constataccedilatildeo no entanto natildeo faz o autor deixar de reconhecer a participaccedilatildeo das liacutenguas indiacutegenas na formaccedilatildeo do portuguecircs brasileiro que teria no entanto sido exageradamente valorizada pelos estudiosos em detrimento do contributo negro59

A ldquovisatildeo de liacutenguardquo sustentada por Mendonccedila estaacute em consonacircncia com a hipoacutetese de que eacute possiacutevel descrever e explicar a emergecircncia e as mudanccedilas no PB com recurso aos contatos eacutetnicos e linguiacutesticos sendo a liacutengua deles resultante um patrimocircnio da naccedilatildeo

59 Outras anaacutelises apontam que esta tambeacutem era a percepccedilatildeo de Macedo Soares (Coelho 2012 por exemplo)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

41

tal como boa parte da geraccedilatildeo de estudiosos de seu tempo dedicou-se a refletir

212 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

No que concerne aos dados relativos ao contato do PB com as liacutenguas africanas as anaacutelises que Mendonccedila realiza reportam-se a usos linguiacutesticos regionais (porque do ldquointeriorrdquo do paiacutes) e socioculturais (porque relativos a estratos especiacuteficos) como o autor faz notar no trecho seguinte em que menciona aspectos da morfologia do portuguecircs do Brasil ldquoO vestiacutegio mais notaacutevel acha-se no plural conservado pela linguagem dos caipiras e matutos que deixando o substantivo invariaacutevel dizem sempre as casa os caminho aquelas horardquo (Mendonccedila 1935[1933] 119-120 grifos do autor)rdquo

Tambeacutem nas consideraccedilotildees de caraacuteter mais geral o autor privilegia determinadas variedades da liacutengua como a lsquopopularrsquo ldquoO negro influenciou sensivelmente a nossa linguagem popular Um contato prolongado de duas liacutenguas sempre produz em ambos fenocircmenos de osmoserdquo (Mendonccedila 1935[1933] 113)

Mendonccedila reconhece no entanto que esses usos linguiacutesticos diferenciados devido ao contato com o elemento negro estatildeo presentes tambeacutem nas modalidades cultas incluiacutedos os literaacuterios como nas seguintes passagens

[a respeito do r do infinitivo dos verbos] mesmo na linguagem culta do Brasil o r final soa levementerdquo (Mendonccedila 1935[1933] 116)

[a respeito da reduccedilatildeo dos ditongos] Em Pernambuco e Alagoas mesmo a gente letrada soacute pronuncia quecircjo mantecircga fecircjatildeo decircxe (M Marroquim A liacutengua do nordeste]rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 118-119) 60

Os traccedilos seriam caracteriacutesticos da linguagem menos prestigiada mas afetariam tambeacutem os domiacutenios de prestiacutegio (ldquomesmo na linguagem cultardquo ldquomesmo a gente letradardquo)

60 Marroquim Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Companhia Editora Nacional

Patriacutecia Souza Borges

42

Os niacuteveis de articulaccedilatildeo privilegiados na anaacutelise do PB ndash principalmente na modalidade popular influenciado por liacutenguas africanas ndash satildeo o foneacutetico-fonoloacutegico e o lexical

Ao lado da contribuiccedilatildeo geneacuterica e imprecisa que deu o africano para o alongamento das pretocircnicas e a elocuccedilatildeo clara e arrastada deixou sinais bem seus nos dialetos do interior principalmenterdquo (Mendonccedila 1935[1933] 112)

Em Pernambuco e Alagoas os negros deixaram certos adjetivos no dialeto local capiongo cassange cafuccediluacute ingangento canguacutelo macambuzio [] (Mendonccedila 1935[1933] 121)

A influecircncia africana sobre a sintaxe e a morfologia do PB seriam segundo o autor menores

Na morfologia o negro deixou apenas vestiacutegios o que eacute explicaacutevel pela diferenccedila profunda entre as liacutenguas indo-europeias e africanasrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 119)

Na sintaxe a influecircncia africana eacute ainda menos sensiacutevelrdquo (Mendonccedila 1935[1933] 123)

213 lsquoTeacutecnicarsquo

Partindo da premissa de que contato motiva a mudanccedila linguiacutestica Mendonccedila tenta mapeaacute-la a partir de um conjunto de princiacutepios e meacutetodos descritivos que prevecirc a inserccedilatildeo do fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social

Acompanhando dados da histoacuteria social o autor assinala que agrave medida que a presenccedila negro-africana cresce no Brasil a indiacutegena vai desaparecendo Tal mudanccedila no cenaacuterio ldquoracialrdquo nacional eacute acompanhada tambeacutem de uma transformaccedilatildeo na esfera linguiacutestica

Esta transformaccedilatildeo eacutetnica reflete-se na esfera linguiacutestica e a liacutengua acompanha a raccedila na sua evoluccedilatildeo Liacutengua e raccedila formam dois elementos que tecircm evoluccedilatildeo paralela a ponto de serem muitas vezes confundidos (Mendonccedila 1935[1933] 110)

Essa perspectiva segundo Protti (2001) era predominante no periacuteodo entre 1920 e 1945 nos estudos linguiacutesticos no Brasil que consideravam o contato entre lsquoraccedilasrsquo termo do autor como o principal motor da mudanccedila linguiacutestica

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

43

O meacutetodo descritivo adotado por Mendonccedila visa demonstrar as modificaccedilotildees sofridas pelo PB principalmente em suas modalidades mais populares a partir do impacto das liacutenguas africanas (com destaque para o quimbundo e o iorubaacute) em diferentes niacuteveis linguiacutesticos mas com privileacutegio de dados foneacutetico-fonoloacutegico e lexicais como vimos anteriormente Em geral o autor propotildee uma formulaccedilatildeo geral (que leva em conta as dimensotildees social e linguiacutestica do fenocircmeno) e em seguida arrola uma seacuterie de exemplos comprobatoacuterios daquilo que afirma

REDUCcedilAtildeO Os ditongos ei e ou por influecircncia africana reduziram-se na liacutengua popular do Brasil

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Peixe → pecircxe

Beijo → becircjo (Mendonccedila 1935[1933] 118 grifos do autor)

Haacute certas locuccedilotildees que foram introduccedilotildees vulgarizadas no portuguecircs graccedilas ao negro angu-caroccedilo angu-de-negro banzeacute-de-cuia bodum-azedo azeite-de-dendecirc dendecirc-de-cheiro (Mendonccedila 2012[1933] 122 grifos do autor)

A metalinguagem privilegia termos que embora tambeacutem correntes em abordagens sincrocircnicas satildeo comuns em estudos diacrocircnicos tais como ldquoreduccedilatildeordquo ldquodissimilaccedilatildeordquo ldquosuarabactirdquo Tambeacutem a apresentaccedilatildeo graacutefica dos dados com recorrente emprego de setas direcionadas da esquerda para a direita reforccedila a pressuposiccedilatildeo de comparaccedilatildeo entre um estaacutegio original (o portuguecircs tal como falado na Europa e introduzido no Brasil) e um estaacutegio modificado pela influecircncia africana

chegar rarr chega

ei → ecirc ndash cheiro → checircro

Com o mesmo intuito de mapear a origem de fatos de destaque

no PB de sua eacutepoca Mendonccedila ainda realiza comparaccedilotildees com outras liacutenguas tais como

Patriacutecia Souza Borges

44

- liacutenguas crioulas na Aacutefrica ldquoA queda do r final aparece tambeacutem nos dialetos crioulos da Aacutefrica cabo-verdiano ndash onde agraves vezes cai chegar rarr chegaacute da ilha de S Tomeacute ndash onde agraves vezes cai cuieacute em vez de colher []rdquo (Mendonccedila 1935[1933] 115 grifos do autor)

- liacutenguas romacircnicas [sobre a vocalizaccedilatildeo] ldquoromeno ndash a antiga consoante l molhado reduziu-se no Norte a y semivogal foais rarr folia fiu rarr filiu muiere rarr muliererdquo (Mendonccedila 1935[1933] grifos do autor)

- liacutenguas africanas [sobre o suarabacti no quimbundo] ldquoJustifica esta nossa hipoacutetese o tratamento semelhante que sofrem os grupos consonacircnticos entre os angolenses que falam o quimbundo ldquoRodolfo rarr Rodolofu Cristovatildeo rarr Kirisobo Cristina rarr Kirixinardquo (Mendonccedila 1935[1933] 117 grifos do autor)

Em conjunto os resultados da anaacutelise aqui apresentada parecem indicar que a obra de Mendonccedila se insere no lsquoprograma de investigaccedilatildeorsquo sociocultural cuja lsquovisatildeorsquo fundamenta-se na relaccedilatildeo da liacutengua com fatores externos - o contato entre falantes de diferentes liacutenguas gera a mudanccedila linguiacutestica e a variaccedilatildeo linguiacutestica cuja lsquoincidecircnciarsquo eacute sobre dados linguiacutesticos do PB (especialmente das variedades menos prestigiadas (mas tambeacutem das prestigiadas)) e dados sociais correlacionaacuteveis agrave mudanccedila agrave variaccedilatildeo linguiacutestica e agrave determinaccedilatildeo dos usos linguiacutesticos cuja lsquoteacutecnicarsquo insere o fato linguiacutestico na perspectiva da evoluccedilatildeo social vista como um conjunto de muacuteltiplas coerccedilotildees (as origens geneacuteticas da(s) liacutengua(s) as caracteriacutesticas do contato eacutetnico e linguiacutestico seu contexto (social eacutetnico linguiacutestico) de desenvolvimento sua preservaccedilatildeo em grupos) e cujas lsquofontes-objetorsquo satildeo diversificadas indo das literaacuterias agraves do repertoacuterio popular tradicional A reconstruccedilatildeo do lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo ancorado em obras e autores que tambeacutem refletem tais preocupaccedilotildees parece corroborar essa nossa classificaccedilatildeo do texto61

61 Natildeo apresentamos aqui a anaacutelise dos autores e obras que compotildeem o lsquohorizonte de retrospeccedilatildeorsquo (Auroux 1992) por conta do espaccedilo Basta informar que satildeo autores brasileiros atuantes na descriccedilatildeo do PB e suas variedades tais como Maacuterio Marroquim Mario Marroquim (Aacutegua Preta (PE)1896 ndash Maceioacute (AL) 1975) Antocircnio Joaquim de Macedo Soares (Maricaacute (RJ) 1838 - Rio de Janeiro 1905) Amadeu Ataliba Arruda Amaral Leite Penteado (Capivari (hoje Monte-Mor) 1875 mdash Satildeo Paulo 1929) entre outros

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

45

3 O ELEMENTO AFRO-NEGRO DA LIacuteNGUA PORTUGUESA (1933) DE JACQUES RAIMUNDO FERREIRA DA SILVA [ ndash 1960]

Jacques Raimundo Ferreira da Silva62 foi professor do Coleacutegio Dom Pedro II e do Instituto de Educaccedilatildeo ambos no Rio de Janeiro membro do Conselho Nacional de Ensino e da Academia Carioca de Letras Segundo a Revista da Academia Fluminense de Letras 63 (Niteroacutei 1949-1976) teria sido dado como desaparecido em 09 de novembro de 1960 Foi tambeacutem fundador do Botafogo Football Club em 1904 no Rio de Janeiro atuando como secretaacuterio na primeira diretoria conforme informaccedilotildees do site oficial do clube

Aleacutem de O elemento afro-negro na liacutengua portuguesa (1933) Raimundo publicou O negro brasileiro e outros escritos (1936) e A liacutengua portuguesa no Brasil (Expansatildeo penetraccedilatildeo unidade e estado atual) (1941)

31 lsquoProgramaccedilatildeo de investigaccedilatildeorsquo

311 lsquoVisatildeo de liacutenguarsquo

Agrave diferenccedila de Mendonccedila (1933) que foca sua anaacutelise nas mudanccedilas do portuguecircs causadas pelas liacutenguas africanas a partir de um componente externo (o contato eacutetnico) Raimundo natildeo inclui aspectos contextuais em sua anaacutelise linguiacutestica Ele menciona certos aspectos nas seccedilotildees em que trata da histoacuteria dos povos africanos e sua vinda para o Brasil Ou seja ele admite que o contato eacute o motivador da mudanccedila linguiacutestica no entanto essa premissa natildeo implica a consideraccedilatildeo de fatores externos nas anaacutelises que realiza A anaacutelise ateacutem-se aos dados linguiacutesticos vistos como autocircnomos

Segundo Raimundo no iniacutecio do seacuteculo XIX quase dois milhotildees de negros escravizados teriam vindo para o Brasil (Raimundo 1933 28) Portugal e Brasil teriam recebido os mesmos povos africanos que ele distribui em dois grupos guineano-sudanecircs e bantos Com seguranccedila de acordo com Raimundo teriam vindo os seguintes

62 Ainda natildeo localizamos muitas informaccedilotildees sobre esse autor 63 Revista da Academia Fluminense de Letras volumes 11-14 1960 p 263

Patriacutecia Souza Borges

46

povos ldquoiorubaacutesrdquo ldquobornus ou carurisrdquo ldquohaussaacutesrdquo ldquotapas ou nifecircs ou nufecircsrdquo ldquoefeacutes ou eveacutesrdquo ldquominasrdquo ldquomandingas ou mandecircsrdquo ldquosussusrdquo ldquocrusrdquo ldquocraos ou craocircsrdquo lsquogibis ou queaacutesrdquo ldquocamerunsrdquo ldquoadamauaacutesrsquo ldquobassas ou baccedilasrdquo As liacutenguas (ldquoidiomasrdquo) que teriam tido maior impacto no portuguecircs falado no Brasil seriam ldquo[] o ioruba de pronunciadas afinidades com o efeacute e os do Congo de Angola de Moccedilambiquerdquo (Raimundo 1933 43)

Outro traccedilo diferenciador entre esses dois textos contemporacircneos eacute que a interferecircncia do elemento negro na liacutengua portuguesa eacute concebida em Raimundo como algo negativo observemos como exemplo no trecho abaixo em que Raimundo avalia o portuguecircs falado pelos negros

A sua meia-liacutengua eacute uma sorte de geringonccedila ou jerga em que os vocaacutebulos de aqueacutem mar se deturpam se adulteram se desfeitiam estropeando-se ou adiantando-se aos sons e siacutelabas entrecortadas estas muitas vezes permutados aqueles outras tantas o amanho das frases o regime dos verbos a situaccedilatildeo dos termos e das palavras tudo se altera Com o tempo innovam-se ou criam-se vocaacutebulos pelo conuacutebio de idiomas como surdem(sic) outros afixos (Raimundo 1933 67-8)

312 lsquoIncidecircncia de anaacutelisersquo

Com relaccedilatildeo agrave anaacutelise do PB haacute menos variedades mencionadas do que em Mendonccedila (autor que como vimos distingue usos marcados social e regionalmente) verificamos em Raimundo somente duas menccedilotildees agrave lsquofala popularrsquo e agrave lsquofrase popularrsquo seus contrapontos (lsquofala cultarsquo lsquofrase cultarsquo) natildeo aparecem

A escassez do documento escrito a natildeo ser limitado de modo sem duacutevida imperfeito por autores de obras regionais a remotidade da eacutepoca da escravatura natildeo havendo sequer um remanescente afro-negro empecem sobremaneira a eficaacutecia da pesquisa e observaccedilatildeo para se determinar a influecircncia do escravo no foneticismo e na fala popular Todavia estamos certos de que o negro contribuiu grandemente para os modificar na Ameacuterica (Raimundo 1933 73 grifo nosso)

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas aacute copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente aacute proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste aacute poliacutecia gramaticalrdquo (Raimundo 1933 85 grifo nosso)

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

47

Afora essas duas ocorrecircncias menccedilotildees agraves variedades especiacuteficas do PB (linguagem de caipiras e outros grupos) natildeo estatildeo presentes Ao que parece ele toma o PB como um bloco uacutenico o que parece apontar para uma visatildeo de liacutengua mais condizente com a do lsquoprograma de investigaccedilatildeo descritivistarsquo (ver mais adiante)

Mendonccedila restringe-se agrave anaacutelise do PB mobilizando autores brasileiros que se dedicaram a estudaacute-lo jaacute Raimundo analisa tambeacutem a influecircncia de liacutenguas africanas no Portuguecircs Europeu e conta com a ajuda de pesquisadores estrangeiros64 como vemos nos capiacutetulos ldquoO afronegro no teatro quinhentistardquo e ldquoGramaacutetica de cassanjaria no seacuteculo de quinhentosrdquo para tanto recorre a textos literaacuterios de Gil Vicente considerados por ele como ldquodocumentaccedilatildeo relevante para o apreccedilo das alteraccedilotildees que experimentaria posteriormente o portuguecircs do Brasil sob a influiccedilatildeo imediata do negrordquo (Raimundo 1933 15) O uso de textos literaacuterios na anaacutelise linguiacutestica contribui para assinalar a caracteriacutestica de estudo mais filoloacutegico e descritivo em Raimundo Segundo ele os textos de Gil Vicente satildeo ldquo[] fiel o arremecircdo da linguagem do negro por exacto o registro dos vocaacutebulos foneticamente e das construccedilotildees solecizadasrdquo (Raimundo 1933 17)

Ainda que o autor destaque a interferecircncia africana no domiacutenio lexical a descriccedilatildeo de Raimundo tal como a de Mendonccedila procuraraacute apontar fatos relativos a todos os niacuteveis de anaacutelise linguiacutestica porque ele tambeacutem parece reconhecer a presenccedila africana em todos eles como se vecirc por exemplo na justificativa do estudo gramatical das liacutenguas africanas como um todo

O conhecimento em resumo do mecanismo gramatical das liacutenguas afro-negras que mais cooperaram para o aumento do leacutexico portuguecircs fez-se necessaacuterio como prova que se sobreveste de importacircncia A sua foneacutetica eacute de

64 Como por exemplo Claacuteudio Filipe de Oliveira Basto [1886 ndash 1945] etnoacutegrafo e filoacutelogo portuguecircs contemporacircneo de Francisco Adolfo Coelho [1847 ndash 1919] e Joseacute Leite de Vasconcelos [1858 - 1941] autores de estudos literaacuterios dialetoloacutegicos e de filologia portuguesa Aleacutem disso a obra eacute dedicada a Fernando Ortiz Fernandeacutez [1881-1969] caracterizado por Raymundo como ldquopublicista folclorista e afrinigoacutelogo cubano ilustre sob todos os aspectosrdquo (dedicatoacuteria) ldquoeminente publicista professora da Universidade de Havana nosso amigo e nosso mestrerdquo (p 92) cuja produccedilatildeo intelectual dirigiu-se ao estudo da influecircncia negra na cultura cubana nas perspectivas linguiacutestica e antropoloacutegica

Patriacutecia Souza Borges

48

tatildeo grande interecircsse como a do latim fonte de sobrepujante coacutepia vocabular do idioma nacional A morfologia ministra fundamentos valiosos para o esclarecimento da origem de muitos vocaacutebulos em que aglutinaram dois ou mais elementos africanos [] mas natildeo se sobrexecele tanto o trato com a sintaxe cuja influecircncia rara ou escassamente se faz sentir em boleios e giros da linguagem de entre o povo avalassando em vez o meio familiar [] O conhecimento do vocabulaacuterio eacute de suma relevacircncia estudado por classes e apontadas as novas criaccedilotildees conforme a iacutendole e o modelo do vernaacuteculordquo (Raimundo 1933 43)

As formas linguiacutesticas estudadas estatildeo principalmente no domiacutenio foneacutetico-fonoloacutegico (o autor privilegia o estudo dos metaplasmos) e lexical (visto o ldquoVocabulaacuteriordquo apresentado com 90 paacuteginas) mas ele procura tambeacutem dar conta de fenocircmenos dos demais niacuteveis de anaacutelise

A influecircncia das liacutenguas sul-africanas natildeo se restringiu apenas agrave copiosa importaccedilatildeo de vocaacutebulos primaacuterios e derivados alargou-se ainda que escassamente agrave proacutepria sintaxe actuando de preferecircncia no amanho da frase popular que resiste agrave poliacutecia gramatical [] b) O uso generalizado do presente do indicativo no futuro do mesmo modo c) o emprego preferencial de estar com por ter que eacute vernaacuteculo e claacutessico aquela mulher estaacute com (tem) febre etc []rdquo(Raimundo 1933 85)

Em outro trecho a respeito do portuguecircs falado pelos negros tambeacutem podemos observar a predileccedilatildeo de Raimundo pelos aspectos foneacutetico-fonoloacutegicos a ldquofoneacuteticardquo apresenta 26 apontamentos de modificaccedilotildees e somente 9 referentes agrave ldquoMorfologia sintaxe e registro de vocaacutebulosrdquo

313 lsquoTeacutecnicarsquo

Com relaccedilatildeo aos meacutetodos descritivos adotados Raimundo mais afeito a uma anaacutelise baseada na abordagem histoacuterico-comparativa apega-se agrave apresentaccedilatildeo de muitos exemplos dados a partir da apresentaccedilatildeo de uma caracteriacutestica mais ou menos geral ldquoTroca do d por r possivelmente depois de permutado com l riabo (diabo) reos (deos) condiro (escondido) firalgo (fidalgo) rinheiro (dinheiro) rise (disse) sapantaro sesuro (sesudo) toro (todos) turo (tudo)rdquo (Raimundo 1933 20)

A anaacutelise de Raimundo privilegia como mencionamos o apontamento de metaplasmos ldquo1 Troca do o pretoacutenica em u nuticcedila

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

49

(notiacutecia) fugar (afogar) 2 Alargamento da vogal toacutenica ou craseada prsquoatrais (para atraacutes) ais vez (agraves vezes)rdquo (Raimundo 1933 69 grifos do autor)

Tal como em Mendonccedila a metalinguagem utilizada eacute aquela tradicionalmente usada em estudos diacrocircnicos agrave diferenccedila que em Raimundo esse modo de apresentaccedilatildeo e anaacutelise dos dados eacute mais farto e sistemaacutetico Na seccedilatildeo destinada agrave descriccedilatildeo de liacutenguas africanas Raimundo adota a teacutecnica de comparaacute-las com o portuguecircs como no seguinte exemplo ldquo[sobre o ioruba] Haacute sete vogais a e eh i oh u Usamos do h posposto por nos faltarem sinais proacuteprios ou melhor adequados eh profere-se semelhante ao nosso e acusado ou aberto e oh entre o nosso oacute ou ditongo au[]rdquo (Raimundo 1933 44 grifos do autor)

Em conjunto a anaacutelise de lsquovisatildeo incidecircncia teacutecnicarsquo parece indicar que as preocupaccedilotildees de Raimundo satildeo de cunho mais descritivista se contrapondo aos interesses mais socioculturais observados em Mendonccedila A questatildeo da influecircncia natildeo estaacute neste segundo caso sendo tratada da perspectiva de construccedilatildeo de valores nacionais ou paacutetrios e nem sendo desenvolvida a partir do estudo concomitante da liacutengua e das questotildees de uma histoacuteria etno-cultural brasileira Assim em Raimundo a lsquovisatildeorsquo parece indicar a percepccedilatildeo da liacutengua como objeto autocircnomo A lsquoincidecircnciarsquo recai sobre a estruturaccedilatildeo das formas com destaque para a concepccedilatildeo da liacutengua como todo mais unificado do que diversificado (sem variedades sociais e regionais relevantes natildeo muito distinto do PE como vemos por exemplo em seu estudo sobre a lsquogramaacutetica cassangersquo a partir dos textos de Gil Vicente) Como lsquoteacutecnicarsquo o autor privilegia o estabelecimento de classificaccedilatildeo para os fatos a determinaccedilatildeo de contextos a segmentaccedilatildeo e a comutaccedilatildeo de unidades equivalentes Quanto agraves lsquofontesrsquo satildeo predominantemente de origem natildeo informada O lsquohorizonte de retrospecccedilatildeorsquo que conseguimos depreender revela-se diverso do de Mendonccedila 1935[1933]

4 SIacuteNTESE

As descriccedilo es e ana lises sobre as obras de Mendonccedila (1935[1933]) e Raimundo (1933) levam a s seguintes consideraccedilo es Mendonccedila parece estar em dia logo direto com outros estudiosos da

Patriacutecia Souza Borges

50

linguagem brasileiros que antes ou contemporaneamente a ele se preocupavam em examinar a questa o da formaccedila o do portugue s do Brasil em uma perspectiva que levasse em conta o contexto A ana lise permite afirmar que preocupaccedilo es de cara ter sociocultural predominam em sua obra na qual o elemento externo isto e a mudanccedila no panorama e tnico e social e gerador da mudanccedila linguiacute stica Sua abordagem po e em destaque que a alegada lsquoinflue nciarsquo africana na o se restringe ao le xico mas se estende a todos os niacute veis linguiacute sticos ainda que em menor grau sendo observada nos feno menos de concorda ncia nominal invariabilidade de ge nero e nu mero e em mudanccedilas fone tico-fonolo gicas Sua obra denota que as fontes documentais para a pesquisa foram ainda que se possam fazer ressalvas variadas

Quanto a obra de Raimundo nota-se que na o ha um apelo a causa dialetolo gica nacional e o lsquohorizonte de retrospeccedila orsquo parece contemplar estudos produzidos fora do Brasil (Portugal Cuba) ale m dos ja prestigiados estudos de Nina Rodrigues e Joa o Ribeiro Do ponto de vista da incide ncia predomina preocupaccedila o com a descriccedila o dos feno menos linguiacute sticos tomados autonomamente como por exemplo na explicitaccedila o de mudanccedilas fone ticas mais ou menos sistema ticas Tal como Mendonccedila Raimundo explora dados de todos os niacute veis de articulaccedila o linguiacute stica ao desenvolver seu estudo

Resumidamente desejamos ressaltar que reconhecemos aspec-tos que parecem diferenciar esses dois textos que te m sido considerados como da mesma tradiccedila o A sua forma de lidar com o contato entre o portugue s e as liacute nguas africanas e distinta ate mesmo numa perspectiva geogra fica no caso de Raymundo e clara a e nfase sobre o que teria se processado em Portugal sendo o que aconteceu no Brasil uma espe cie de decorre ncia Tambe m e preciso dizer que os textos de Mendonccedila e Raymundo te m sido classificados como excessivamente lexicalistas na exploraccedila o da relaccedila o entre o PB e as liacute nguas africanas em termos de lsquoinflue nciarsquo nossa ana lise contudo na o confirma esse traccedilo

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

51

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AUROUX Silvain 1992 A revoluccedilatildeo tecnoloacutegica da gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da Unicamp

BONVINI Emilio 2009 ldquoLiacutenguas africanas e portuguecircs falado no Brasilrdquo In FIORIN Joseacute Luiz PETTER Margarida (Orgs) Aacutefrica no Brasil a formaccedilatildeo da liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto p 15-62

BONVINI Emilio PETTER Margarida 1998 Portugais du Breacutesil et langues africaines Langages Paris n 130 p 68-83

BORGES Patriacutecia de Souza 2014 Liacutenguas africanas e portuguecircs brasileiro anaacutelise historiograacutefica de fontes e meacutetodos de estudos no Brasil (seacutec XIX-XXI) 2014 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas Universidade de Satildeo Paulo Satildeo Paulo

CASTRO Yeda Pessoa de 1980 Aacutefrica descoberta uma histoacuteria recontada Revista de Antropologia (Satildeo Paulo) Satildeo Paulo v 23 p 135-140

CASTRO Yeda Pessoa de 1976 De lrsquointeacutegration de apports africains dans les parlers de Bahia au Breacutesil Lubumbashi Tese (Doutorado em liacutenguas e literaturas africanas) Universiteacute Nationale du Zaumlire 2v Universidade Federal da Bahia

CHAVES DE MELO Gladstone 1946 A liacutengua do Brasil Rio de Janeiro Padratildeo

COELHO Olga Ferreira 2012 O Portuguecircs do Brasil em Macedo Soares (1938-1905) Liacutemite Revista de estudios portugueses y de lusofoniacutea v 6 p 199-215 2012

CUNHA Ana Stela de Almeida BUENO Andreacute 20042005 Situaccedilotildees Linguageiras favorecedoras da difusatildeo do portuguecircs A Aacutefrica na Historiografia Linguiacutestica Brasileira Liacutengua Linguiacutestica amp Literatura Joatildeo Pessoa vol 2 nordm 12 p 33-48

Patriacutecia Souza Borges

52

ELIA Siacutelvio 1960[1940] O problema da liacutengua brasileira Rio de Janeiro Instituto Nacional do livroMEC

GUY Gregory 1989 On the nature and the origins of popular Brazilian Portuguese Estudios sobre Espantildeol de Ameacuterica y Linguistica Afroamericana Bogotaacute Instituto Caro y Cuervo p 227-245

GUY Gregory 1981 Linguistic variation in Brazilian Portuguese aspects of phonology sintax and language history PhD Dissertation University of Pennsylvannia Ann Arbor University Microfilms Internacional

HOLM John ldquoCreole influence on popular Brazilian Portugueserdquo In GILBERT G (ed) Pidgin and Creole Languages Honolulu University of Hawaii Press p 406-429

LEITE Serafim 1938 Histoacuteria da companhia de Jesus no Brasil Rio de Janeiro Instituto Nacional do Livro

LUCCHESI Dante 2012 A diferenciaccedilatildeo da liacutengua portuguesa no Brasil e o contato entre liacutenguas Estudos de Linguistica Galega v 4 p 45-65

LUCCHESI Dante 2009 Histoacuteria do Contato entre Liacutenguas no Brasil In LUCCHESI Dante BAXTER Alan RIBEIRO Ilza (Org) O Portuguecircs Afro-Brasileiro 1ordf edSalvador EDUFBA v 1 p 41-73

MARROQUIM Maacuterio 1934 A Liacutengua do nordeste (Alagocircas e Pernambuco) Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional

MENDONCcedilA Renato 1936 O portuguecircs do Brasil origem evoluccedilatildeo tendecircncias Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira

MENDONCcedilA Renato 1935[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Prefaacutecio de Rodolfo Garcia Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional Seacuterie V Brasiliana Volume XLVI 2ordf ediccedilatildeo ilustrada com mapas e gravuras

MENDONCcedilA Renato 2012[1933] A influecircncia africana no portuguecircs do Brasil Brasiacutelia Fundaccedilatildeo Alexandre de Gusmatildeo

PETTER Margarida 1998 A presenccedila de liacutenguas africanas no portuguecircs do Brasil Estudos Linguumliacutesticos (Satildeo Paulo) Satildeo Joseacute do Rio Preto v XXVII p 777-783

O contato entre o portuguecircs brasileiros e as liacutenguas africanas na visatildeo de Mendonccedila (1835[1933]) e Raimundo (1933) uma anaacutelise historiograacutefica

53

PINTO Edith Pimentel 1981 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1920-1945 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

PINTO Edith Pimentel 1978 O portuguecircs do Brasil textos criacuteticos e teoacutericos 1820-1920 fontes para a teoria e histoacuteria Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo

QUEIROZ Socircnia 2002 Remanescentes culturais africanos no Brasil Aletria Belo Horizonte p 48-60

RAIMUNDO Jacques 1933 O elemento afro-negro da Liacutengua Portuguesa Rio de Janeiro Renascenccedila Editora

SILVA NETO Serafim da 1950 Introduccedilatildeo ao estudo da liacutengua portuguesa no Brasil Rio de Janeiro Presenccedila

SWIGGERS Pierre 2004 Modelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutestica Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J et al Madrid Arco Libros p 113-145

SWIGGERS Pierre 1991a Lrsquohistoriographie des sciences du langage inteacuterecircts et programmes International Congress of Linguistics 14 1987 (August 10 ndash August 15) BerlinGDR Proceedings Berlin Akademie-Verlag p 2713-2716

SWIGGERS Pierre 1981 a The History-writing of Linguistics A Methodological Note General Linguistics 21 v1 p11-16

54

UMA BREVE REVISAtildeO DOS ANTECEDENTES HISTOacuteRICOS DA PRESSUPOSICcedilAtildeO DE DOIS

NIacuteVEIS DA LINGUAGEM NA SINTAXE DAS GRAMAacuteTICAS RACIONALISTAS PORTUGUESAS DO

FINAL DO SEacuteCULO XVIII

Alessandro Jocelito Beccari (Faculdade de Administraccedilatildeo Ciecircncias Educaccedilatildeo e Letras)

Ednei de Souza Leal (Universidade Federal do Paranaacute)

RESUMO Este trabalho visa investigar alguns dos antecedentes histo ricos de um pressuposto epistemolo gico impliacute cito no entendimento da oraccedila o nas grama ticas racionalistas tambe m conhecidas como grama ticas filoso ficas produzidas no final do se culo XVIII Nessas grama ticas as oraccedilo es sa o entendidas como estruturas proposicionais que refletem o pensamento e correspondem a segmentos constituiacute dos por apenas tre s elementos ba sicos a saber sujeito coacutepula e atributo Essa estrutura proposicional segue o modelo tradicional racionalista que diferencia sintaxe de construccedila o Grama ticas da tradiccedila o racionalista em liacute ngua portuguesa costumam incluir um capiacute tulo denominado fraseologia em que essa distinccedila o e assumida como princiacute pio Assim nessas grama ticas as discusso es sobre fraseologia partem da proposta de dois niacute veis da linguagem um profundo lo gico de cara ter universal e inato que e chamado de sintaxe e outro caracterizado pelo uso chamado de construccedilatildeo Este artigo propo e dois caminhos de investigaccedila o complementares dessa distinccedila o 1) um mapeamento dos antecedentes mais importantes da dicotomia ldquosintaxe-construccedila ordquo na histo ria dos estudos da linguagem desde a Antiguidade 2) uma investigaccedila o da recepccedila o dos preceitos racionalistas na tradiccedila o gramatical em liacute ngua portuguesa O objetivo e demonstrar que a oposiccedila o ldquosintaxe-construccedila ordquo na tradiccedila o luso-brasileira tem como pressuposto fundamental o inatismo linguiacute stico e ale m disso que as noccedilo es que constituem esse conceito de inatismo sa o historicamente anteriores ao racionalismo moderno ABSTRACT This work aims to investigate some of the historical antecedents of an epistemological assumption implicit in the understanding of the sentence in the rationalist grammars (also known as philosophical grammars) produced in the end of the 18th century In these grammars sentences are seen as propositional structures which reflect thought and correspond to segments consisting of only three basic elements namely subject copula and attribute This propositional structure follows the traditional rationalist model which differentiates syntax from construction Grammars of the Portuguese rationalist tradition usually include a chapter called fraseologia in which such distinction is assumed as a principle Therefore in these grammars discussions on phraseology start with the proposal of two levels of language a logical profound level endowed with a universal and innate character which is called sintaxe and a superficial one characterized by use called construccedilatildeo This article proposes two complementary venues of research of this distinction 1) a

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

55

mapping of some of the most important antecedents of the dichotomy syntax-construction in the history of language studies since Antiquity 2) an investigation of the reception of the rationalist precepts in the grammatical tradition in Portuguese The objective is to demonstrate that the opposition syntax-construction in the Luso-brazilian tradition has as its fundamental assumption linguistic innateness and moreover that the notions which constitute this concept of innateness are historically prior to modern rationalism itself

1 INTRODUCcedilAtildeO

Nossa pretensa o neste trabalho e mostrar algumas noccedilo es que foram importantes nas chamadas Grama ticas Racionalistas Atrave s de um ra pido mapeamento historiogra fico-epistemolo gico desde a Antiguidade procuraremos demonstrar como a distinccedila o entre ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo se relacionam com a cara noccedila o de ldquoinatismo linguiacute sticordquo noccedila o que volta a ganhar importa ncia na segunda metade do se culo XX Em seguida faremos uma associaccedila o com Grama ticas Racionalistas da tradiccedila o iluminista de Portugal isso para atestar a recepccedila o das noccedilo es de ldquosintaxerdquo e ldquoconstruccedila ordquo em grama ticas em liacute ngua portuguesa Dessa forma procuramos sugerir com tais consideraccedilo es o quanto a linguiacute stica moderna e tributa ria dos modelos racionalistas flagrantes no caso da Grama tica Gerativa Transformacional explicitada pelo pro prio Noam Chomsky em Cartesian Linguistics (1966) Obra na qual Chomsky procura associar os conceitos da enta o noviacute ssima Grama tica Gerativa Transformacional a s noccedilo es basilares ja presentes nos modelos racionalistas de grama tica Por outro lado Chomsky tenta dissociar a ideia de que a Linguiacute stica nascera apenas no se culo XIX

Edward Lopes (1986) aponta como principais caracteriacute sticas de uma Grama tica Filoso fica (doravante GF)

Por filosoacutefica compreenda-se desde logo baseada nos princiacute pios da filosofia iluminista do racionalismo cla ssico que inspirou a Grammaire Geacuteneacuterale et Raisonneacutee (1660) de Port Royal de Arnault e Lancelot seu mais direto modelo e fonte de toda a Linguiacute stica Cartesiana dos se culos XVII e XVIII por raisonneacutee que SB ora traduz por ldquofiloso ficasrdquo mesmo ora por ldquorazoadardquo atenda-se uma teoria que explana seus pontos de vista a partir de dado entendimento das relaccedilo es lo gicas que articulam o pensamento e as liacute nguas naturais [] (Lopes 1986 67)

Para ale m desse famoso atestado de paternidade procuraremos discorrer brevemente sobre como o modelo racionalista teria sido

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

56

influenciado por intuiccedilo es linguiacute sticas anteriores como as grama ticas modistas da Idade Me dia

Embora ate o momento a historiografia na o tenha estabelecido uma cronologia ou periodizaccedila o mais exata e noto ria a existe ncia de uma tradiccedila o lo gico-filoso fica nos estudos da linguagem Em uma visa o retrospectiva essa tradiccedila o comeccedila em Aristo teles e nos estoicos passa por Prisciano na Antiguidade Tardia retorna nos caroliacute ngios na Alta Idade Me dia ressurge com os modistas do Medievo Tardio passa por um periacute odo de hibernaccedila o no Renascimento das belas-letras e volta a tona no pensamento de Sanctius no se culo XVI e sobretudo nos trabalhos dos religiosos da abadia de Port-Royal (Robins 1983) Duas observaccedilo es gerais podem ser feitas a respeito dessa corrente de pensamento lo gico-filoso fico internamente esta quase sempre ligada aos estudos de sintaxe externamente sempre e antecedida e sucedida por periacute odos de descontinuidade em que a corrente principal dos estudos linguiacute sticos passa a se interessar mais pelos dados da linguagem do que por aspectos teo ricos (Koerner 1989)

Tanto grama ticas portuguesas como brasileiras sofreram influe ncia da GF ate fins do se culo XIX mais propriamente no caso do Brasil ate 1881 quando se deflagra o iniacute cio da chamada era da ldquoGrama tica Cientiacute ficardquo (Cavaliere 2001) agora com base nos estudos ldquocientiacute ficosrdquo encetados principalmente pelos me todos histo rico-comparatistas Alguns grama ticos tendo maior lucidez sobre o fazer gramatical distinguem o sistema da sintaxe exposto na GF em oposiccedila o a um sistema presente em grama ticas de liacute ngua inglesa e alema e o caso de Ernesto Carneiro Ribeiro (ver Serotildees Gramaticais de 1890 em comparaccedila o com sua terceira ediccedila o de 1919) e tambe m de Julio Ribeiro (para tal confronte-se as ediccedilo es de 1881 e de 1884 da sua Grammatica Portugueza)

Este artigo propotildee uma investigaccedilatildeo que vaacute aleacutem das noccedilotildees gerais encetadas pelas Gramaacuteticas Racionalistas como a questatildeo da Gramaacutetica Universal jaacute tatildeo debatida e concentre-se no pressuposto teoacuterico-metodoloacutegico nos capiacutetulos sobre sintaxe dessas obras que buscam associar a sintaxe agrave loacutegica mais precisamente fazem distinccedilatildeo entre um niacutevel loacutegico profundo universal e inato e outro superficial e particular no fenocircmeno linguagem Disso resulta que alguns gramaacuteticos diferenciem ldquosintaxerdquo de ldquoconstruccedilatildeordquo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

57

Ao longo da histoacuteria a loacutegica e a sintaxe sempre tiveram uma estreita associaccedilatildeo ldquoo aparecimento dos tratados de loacutegica redigidos no vernaacuteculo acompanham globalmente a gramaticizaccedilatildeo ()rdquo (Auroux 1992 12) As gramaacuteticas em verdade sempre buscaram na loacutegica seus conceitos sintaacuteticos mais precisos Aqui buscaremos entatildeo mapear esse pressuposto teoacuterico e de que forma ele eacute re-cepcionado na Ilustraccedilatildeo portuguesa por meio de duas gramaacuteticas da tradiccedilatildeo loacutegico-filosoacutefica produzidas em Portugal Aleacutem disso examinaremos seu percurso anterior Esse pressuposto que eacute visiacutevel desde a Antiguidade jaacute na Idade Meacutedia estaacute muito proacuteximo da tradiccedilatildeo universalista de que essas gramaacuteticas em liacutengua portuguesa tambeacutem fazem parte

A definiccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ao que tudo indica aparece pela primeira vez em 1250 concomitantemente agrave primeira proposta de um meacutetodo experimental no Ocidente um franciscano inglecircs que viveu haacute mais de 700 anos Roger Bacon (ca 1220-1292) foi autor tanto da definiccedilatildeo de uma gramaacutetica universal quanto da proposiccedilatildeo de uma ciecircncia baseada em experimentos empiacutericos Na introduccedilatildeo de sua gramaacutetica do grego (ca 1250) Roger Bacon assim resume a noccedilatildeo de Gramaacutetica Universal ldquogrammatica una et eadem est secundum substantia in omnibus linguis licet accidentaliter varieturrdquo(ldquoa gramaacutetica eacute a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmenterdquo) 65 (Bacon 1902 [ca 1250]) Essa eacute a primeira definiccedilatildeo expliacutecita de uma gramaacutetica universal na histoacuteria intelectual do Ocidente de que se tem notiacutecia Cerca de vinte anos mais tarde gramaacuteticos da Franccedila e do norte da Europa posteriormente chamados de modistas devido ao tiacutetulo comum de seus tratados (tractatus de modis significandi ie ldquotratado sobre os modos de significarrdquo) partiratildeo da definiccedilatildeo de Roger Bacon e de ideias de

65 Considerada a primeira formulaccedilatildeo expliacutecita de uma noccedilatildeo de gramaacutetica univesal na histoacuteria dos estudos da linguagem Roger Bacon assim a expressa [] grammatica una et eadem est secundum substantiam in ominibus linguis licet accidentaliter varietur [] ldquo [] a gramaacutetica eacute substancialmente a mesma em todas as liacutenguas embora varie acidentalmente []rdquo (Grammatica graeca II 1 2) A Gramaacutetica grega de Roger Bacon eacute dividida em partes que se sudividem em distinctiones ldquodistinccedilotildeesrdquo e estas em capiacutetulos Este trecho encontra-se no segundo capiacutetulo da primeira distinccedilatildeo da segunda parte A ediccedilatildeo aqui empregada eacute a de Nolan e Hirsch (1902)

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

58

linguiacutestas do final do seacuteculo XII e iniacutecio do seacuteculo XIII para criar as primeiras gramaacuteticas de dependecircncias sintaacuteticas da histoacuteria da linguiacutestica europeacuteia gramaacuteticas cujos pressupostos procuram submeter-se aos princiacutepios da loacutegica e da metafiacutesica aristoteacutelicas

2 MEacuteTODOS DE PESQUISA EMPREGADOS NESTE TRABALHO

Os me todos de pesquisas empregados neste trabalho foram baseados nos modelos encetados pela Historiografia Linguiacutestica especialmente aqueles preconizados por Koerner (1989) e Swiggers (2004) Da contraparte epistemolo gica nos valemos de leituras tais como Auroux (1993) e Borges Neto e Dascal (2004)

Como levantamos aqui uma discussa o epistemolo gica com o auxiacute lio da Historiografia Linguiacute stica este trabalho na o visa meramente enumerar uma ou mais escolas de pensamento sobre a linguagem humana mas sim auxiliar ainda que modestamente num ponto especiacute fico que foi no nosso entendimento crucial para a dina mica da Histo ria sobre os estudos linguiacute sticos a distinccedila o entre um niacute vel universal e inato e outro particular e muta vel na linguagem Dito de outra forma na o e praxe da Historiografia Linguiacute stica enaltecer esta ou aquela orientaccedila o teo rica sobre a linguagem mas antes investigar de maneira mais isenta possiacute vel intuiccedilo es sobre a linguagem humana para que dessa forma se possa expor de maneira precisa o percurso seguido pela Linguiacute stica No nosso caso em particular investimos mais propriamente naquilo que concerne a epistemologia de duas obras para dessa forma podermos associa -las a algumas generalizaccedilo es pressupondo que as chamadas Grama ticas Filoso ficas influenciaram fortemente obras subsequentes

3 A GRAMAacuteTICA FILOSOacuteFICA NA TRADICcedilAtildeO GRAMATICAL EM

LIacuteNGUA PORTUGUESA

Ja na tradiccedila o em liacute ngua portuguesa surgem grama ticas aos moldes racionalistas desde o iniacute cio do se culo XVIII com a ascensa o da Ilustraccedila o em Portugal ndash ha quem diga e Carlos Assunccedila o (2007) e um deles que o Meacutetodo Gramatical para Todas as Liacutenguas de Amaro

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

59

de Roboredo surgido em 1643 seria ja uma Grama tica Racionalista Mas e em 1783 que surge uma GF de grande impacto em Portugal e que servira mesmo como modelo para obras posteriores a Gramaacutetica Filosoacutefica e Ortografia Racional da Liacutengua Portuguesa de Bernardo de Lima e Melo Bacelar

Esta grama tica segundo estudiosos como Amadeu Torres (2001) que inclusive a reeditou e obra basilar para o periacute odo racionalista Dentre outros aspectos segundo o mesmo Amadeu Torres Bacelar valorizou a definiccedila o sema ntica das categorias gramaticais definiu liacute ngua como expressa o do pensamento e ao mesmo tempo na o perdeu de vista a funccedila o comunicativa desenvolveu extraordinariamente os estudos sinta ticos da linguagem portuguesa buscou seriamente uma filiaccedila o gene tica entre as liacute nguas deu vasa o aos modernos estudos da Filosofia da Linguagem e mesmo da Pragma tica dentre outros aspectos relevantes de cunho pedago gicos inclusive Ainda segundo Torres mesmo que a grama tica de Bacelar tenha sido editada posteriormente a s Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina de Jeronymo Contador de Argote editada em 1721 e A arte da grammatica da Lingua Portuguesa de Anto nio Jose dos Reis Lobato editada em 1770 ela teria sido a primeira grama tica autenticamente filoso fica na tradiccedila o portuguesa

Por outro lado a ja amplamente citada Gramaacutetica Filosoacutefica da Liacutengua Portuguesa de Jero nimo Soares Barbosa e tida por muitos estudiosos ndash ver Moura Neves (2002) Mattos e Silva (1986) entre outros ndash como a mais bem acabada grama tica produzida durante o Iluminismo portugue s Esta obra ale m de trazer inu meras discusso es de cunho filoso fico sobre a liacute ngua humana foi responsa vel por introduzir na tradiccedila o gramatical um sistema de ana lise gramatical que seria a base daquilo que ainda hoje e usado em grama ticas pedago gicas Dessa forma o que dessa obra se destaca e sua sintaxe justamente por introduzir novos termos e sobretudo a noccedila o de que a proposiccedila o e o espelho do pensamento Nesse sentido a grama tica de Soares Barbosa segue fielmente o modelo da Gramaacutetica de Port-Royal pois esta tambe m associa a faculdade da linguagem a um aspecto quase exclusivamente inato

[] as palavras [sa o] sons distintos e articulados que os homens

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

60

transformaram em signos para significar seus pensamentos E por isso que na o se pode compreender bem os diversos tipos de significaccedila o que as palavras conte m se antes na o se tiver compreendido o que se passa em nossos pensamentos pois as palavras foram inventadas exatamente para da -las a conhecerrdquo (Port-Royal [1660] 29)

E e justamente nesse sentido que Soares Barbosa divide a mate ria que trabalha com a ldquoproposiccedila ordquo em Sintaxe e Construccedila o

Nestas duas oraccedilotildees Alexandre venceo a Dario e A Dario venceo Alexandre as construcccedilotildees satildeo contrarias porecircm a syntaxe he a mesma Ambas ellas em quanto conduzem para a maior ligaccedilatildeo das ideias e clareza da enunci-accedilatildeo satildeo do foro da Grammatica em geral e da Lingua Portugueza em es-pecial que entre os signaes das relaccedilotildees conta tambem a construccedilatildeo local dos vocabulos (Soares Barbosa 1822 362-363)

Tal como na Grammaire

A construccedilatildeo das palavras se distingue geralmente da conveniecircncia em que as palavras devem convir entre si e da do regime quando um dos dois causa uma variaccedilatildeo no outro A primeira em sua maior parte eacute a mesma em todas as liacutenguas porque se trata de uma sequecircncia natural daquilo que estaacute em uso por toda a parte para melhor distinguir o discurso (Port-Royal 125 ndash grifos nossos)

Soares Barbosa tambe m chama a construccedila o de ldquoCara ter Realrdquo da liacute ngua justamente por dizer respeito a fala (autorizada pelo uso) Ja a Sintaxe seria a outra faceta concernente agora a escrita que Soares Barbosa chama de ldquoCara ter Nominalrdquo ldquoA Grammatica (hellip) na o foi ao principio outra couza sena o a sciencia dos caracteres ou Reaes representativos das couzas ou Nominaes significativos dos sons e das palavrasrdquo (Soares Barbosa 1822 I)

4 DA HISTOacuteRIA

Entendemos aqui por linguiacute stica toda reflexa o sobre a linguagem que no caso do Ocidente teve seu iniacute cio ja na Antiguidade pre -socra tica Ja se discute naquela e poca a aparente oposiccedila o entre natureza ou convenccedilatildeo da linguagem A partir desse entendimento procuraremos de maneira breve fazer uma associaccedila o horizontal dos filo sofos gregos ao se culo XVII se culo este que viu surgir justamente as grama ticas racionalistas Mais precisamente e tomando como historicamente patente que a primeira grama tica

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

61

desse modelo seja a Gramaacutetica de Port-Royal editada em 1660 (Grammaire geacuteneacuterale et raisonneacutee contenant les fondemens de lart de parler expliqueacutes dune maniegravere claire et naturelle no original em france s) situaremos aiacute o ponto de converge ncia de nossa discussa o histo rica

Aristoacuteteles foi quem primeiramente procurou sistematizar natildeo apenas os estudos sobre a linguagem humana mas muitos outros como aqueles que posteriormente ficaram conhecidos como ldquociecircncias exatasrdquo Foi tambeacutem provavelmente o mesmo Aristoacuteteles o primeiro a inculcar a mateacuteria que hoje chamamos de Loacutegica no acircmbito dos estudos gerais Mais propriamente aquilo que se convencionou chamar de ldquoloacutegica de base aristoteacutelicardquo e que continua com seu mesmo modelo ateacute praticamente fins do seacuteculo XIX

A associaccedilatildeo da loacutegica com os fenocircmenos linguiacutesticos especi-almente a sintaxe foram realizados antes mesmo dos modistas na Idade Meacutedia Essa associaccedilatildeo jaacute eacute observaacutevel em Anselmo de Aosta ou da Cantuaacuteria (ca 1033-1109) que ataca um problema seminal para os estudos da linguagem posteriores em seu diaacutelogo De grammatico (O gramaacutetico) (1979 [ca 1059] 172-97) Nessa obra Anselmo questiona-se a palavra ldquogramaacuteticordquo faz referecircncia a alguma coisa que eacute possuiacuteda por algo ou algueacutem ie uma qualidade (propriedade) ou eacute uma substacircncia independente (De Libera 1998 295) Anselmo explica que embora ldquogramaacutetic-ordquo e ldquogramaacutetic-ardquo diferenciem-se apenas por letras que equivalem a suas desinecircncias de gecircnero (Prisciano) correspondem tambeacutem a termos que se diferenciam logicamente (Aristoacuteteles) porque ldquogramaacuteticardquo significa sempre um sujeito e ldquogramaacuteticordquo pode significar duas coisas diretamente um predicado (um termo acidental concreto) ie ldquoser um conhecedor de gramaacuteticardquo indiretamente ldquogramaacuteticordquo significa uma substacircncia (sujeito) ou o possuidor desse predicado ldquoum conhecedor de gramaacuteticardquo De acordo com Anselmo ldquo gramaacuteticordquo natildeo pode significar logicamente o sujeito de uma proposiccedilatildeo de maneira direta porque eacute impossiacutevel pensaacute-lo sem o estatuto de predicado algueacutem pode ser chamado de ldquogramaacuteticordquo como em ldquoO gramaacutetico faz gramaacuteticardquo mas o significado loacutegico (primeiro) do termo ldquogramaacuteticordquo eacute sempre o de um predicado Portanto no De grammatico Anselmo separa significado loacutegico de gramaticalidade

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

62

o sujeito gramatical pode equivaler ao predicado loacutegico ou natildeo As preocupaccedilotildees semacircnticas de Anselmo abrem caminho para uma tradiccedilatildeo na filosofia da linguagem que procuraraacute esclarecer a diferenccedila entre pensamento gramatical e pensamento loacutegico os nominalistas foram os principais representantes dessa tradiccedilatildeo no contexto medieval (Beccari 2013 95)

Com a Renascenccedila e com esta a redescoberta dos textos pla-tocircnicos a sintaxe de base loacutegica perde seu sentido dando lugar a uma sintaxe de base estiliacutestica

Pensar a gramaacutetica como sendo ou natildeo regida por um conjunto de regras ou princiacutepios universais ou naturais parece ser o ponto de ruptura que nos permite entender a principal diferenccedila entre o paradigma medieval e humanista para os estudos da linguagem O proto-humanismo tem uma perspectiva visivelmente oposta agrave dos modistas com respeito agrave possibilidade de estabilizaccedilatildeo do conhecimento sobre uma liacutengua por meio de regras universais ou naturais (Beccari 2013 182) Vejamos por exemplo um excerto do Convivio de Dante (II XIII 1066) em que o ceacutelebre poeta florentino fala sobre a natureza da gramaacutetica

E queste due proprietadi hae La Gramatica cheacute per la sua infinidade li raggi de la ragione in essa non si terminano in parte spezialmente de li vocabuli e luce or di qual agrave in tanto quanto certi vocabuli certe declinazioni certe costruzioni sono in uso che giagrave non furon e molte giagrave furono che ancor saranno si come Orazio nel principio de la Poetria quando dice lsquoMolti vocabuli rinasceranno che giagrave cadderorsquo (ldquoE estas duas propriedades tem a Gramaacutetica pois que pela sua infinidade os raios da razatildeo natildeo logram penetraacute-la inteiramente em especial no que ao leacutexico se refere e luz ora de aqui ora de ali na medida em que certos vocaacutebulos certas declinaccedilotildees certas novas construccedilotildees que antes natildeo existiam se acham em circulaccedilatildeo e muitos que jaacute foram voltaratildeo a ser tal com diz Horaacutecio no princiacutepio da Arte Poeacutetica quando diz lsquoRenasceram muitos vocaacutebulos caiacutedos em desusorsquordquo)

66 Os nuacutemeros ldquoII XIII 10rdquo referem-se na ordem inversa ao 10ordm paraacutegrafo do 13ordm capiacutetulo do 2ordm tratado do texto original do Convivio de Dante Alighieri Utiliza-se aqui a traduccedilatildeo para o portuguecircs de Soveral (1992) As referecircncias ao De vulgari eloquentia seguiratildeo o mesmo meacutetodo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

63

Vecirc-se no excerto acima que as ldquoregrasrdquo que os modistas iden-tificam como naturais ou universais satildeo para Dante Alighieri cambiantes mutaacuteveis ateacute mesmo imprevisiacuteveis A essa fluidez das regras gramaticais observadas por Dante se acrescentaraacute uma va-lorizaccedilatildeo cada vez maior da sonoridade da linguagem em detrimento de sua natureza interna loacutegica sintaacutetica Isso porque o humanismo estaacute muito mais interessado na reconstruccedilatildeo dos valores esteacuteticos da Antiguidade do que nas explicaccedilotildees loacutegico-filosoacuteficas da linguagem tiacutepicas da Escolaacutestica dos seacuteculos XIII e XIV

Do ponto de vista dos humanistas a base teo rica dos modistas especialmente no que concerne a sintaxe havia tomado tal complexidade a ponto de se fazer contraproducente e pouco elucidativa para a imitaccedila o do estilo dos autores latinos Ale m disso os mesmos humanistas com as redescobertas dos tesouros litera rios da Antiguidade voltaram a valorizar a beleza traduzida atrave s da literatura cla ssica greco-romana E dessa forma tambe m que a linguagem dos cla ssicos volta a ser o para metro do bom uso da liacute ngua Com o desinteresse pela lo gica e a metafiacute sica aristote licas as questo es lo gicas nos estudos da linguagem foram praticamente esquecidas ate meados do se culo XVII

Com a ascensa o do racionalismo filoso fico retornam as pesquisas linguiacute sticas num a mbito diriacute amos hoje mais formal flagrantemente com inspiraccedila o nas velhas grama ticas modistas Tambe m suscitada da modiacute stica medieval mas agora com um enfoque bastante diferente discute-se a natureza da liacute ngua sob o aspecto de sua construccedila o Ora volta-se novamente a se discutir o suposto inatismo da liacute ngua como atestado em Bacelar

Comeccedilara o os homens a traficar e communicar se mais e mais e para este fim inventara o copia de sons Destes e dos innatos derivara o outros e determinando as leis de os collocar viera o desta sorte a ter huma perfeita lingua de communicaccedilatildeo cujo arrazoado ou discursado regulamento se chama Grammatica Philosophica (Bacelar 1783 6)

Ou seja para Bacelar a grama tica e um livro que descreve leis muitas das quais inatas A associaccedila o da aquisiccedila o da liacute ngua com o inatismo humano trouxe conseque ncias definitivas sobre a confecccedila o das chamadas Grama ticas Tradicionais ainda hoje em compe ndios escolares a sintaxe e praticamente toda de base lo gico-aristote lica

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

64

5 EPISTEMOLOGIA DA SINTAXE

Em 1660 na abadia jansenista de Port-Royal nas proximidades de Paris surge aquela que seria a obra modelar para todas as grama ticas racionalistas subsequentes a Gramaacutetica de Port-Royal de Antoine Arnault e Claude Lancelot Trata-se de uma obra de cunho pedago gico mas que na o deixa de salientar preceitos ndash posteriormente basilares ndash de uma visa o bastante particular da linguagem humana Assim ao mesmo tempo em que havia em Port-Royal essa preocupaccedila o latente com a educaccedila o houve la tambe m uma inega vel contribuiccedila o na reformulaccedila o de noccedilo es ate enta o esquecidas Como no caso da ldquoexpropriaccedila ordquo do conhecimento encetado pela GF no se culo XX tambe m em Port-Royal houve uma busca profunda de conceitos enta o praticamente esquecidos E mais um caso a comprovar que um conhecimento produzido nem sempre tem conseque ncias lineares

[] nem sempre o que esta em evide ncia e o mais relevante [] a pesquisa historiogra fica na o precisa seguir uma linearidade temporal principalmente quando constro i uma histo ria de ldquoproblemasrdquo (a ser) enfrentados pela disciplina (Coelho e Hackerot 2003 390)

Possivelmente um dos preceitos mais peculiares na Grama tica de Port-Royal diz respeito a que todas as liacute nguas teriam aspectos pontuais em comum ndash o que mudaria na verdade seriam o le xico e algumas regras sinta ticas Nesse niacute vel duplo (geral-particular) aquilo que sera chamado de sintaxe diz respeito a um conjunto de leis que rege a ordem das palavras numa dada oraccedila o enquanto aquilo que se denominara ldquoconstruccedila ordquo e a contraparte sobressaliente da sintaxe esta u ltima comum a todas as liacute nguas Segundo Soares Barbosa a sintaxe e a parte lo gica da grama tica que se diferencia de dos aspectos automa ticos das liacute nguas (fone ticos e ortogra ficos) que ele chama de Mechanica

A grammatica he pois que na o outra couza segundo temos visto sena o a Arte que ensina a pronunciar escrever e falar corretamente qualquer Lingua tem naturalmente duas partes principaes huma Mechanica que considera as palavras como mero vocabulos e sons articulados ja pronunciados ja espcriptos e como taes sujeitos a s leis physicas dos corpos sonoros e do movimento outra Logica que considera as palavras na o ja como vocabulos mas como signaes artificiaes da ideias e suas relaccedilo es e como taes sujeitos

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

65

a s leis psychologicas que nossa alma segue no exercicio das suas operaccedilo es e formaccedila o de seus pensamentos as que s leis sendo as mesmas em todos os homens de qualquer naccedila o que seja o ou fossem devem necessariamente communicar a s Linguas pelas ques se desenvolvem e exprimem estas operaccedilo es os mesmos principios e regras geraes que as dirigem (hellip) (Soares Barbosa 1822 XI)

O jansenismo movimento religioso de posiccedilo es teolo gicas contra rias seja aos preceitos calvinistas seja aos jesuiacute ticos predominantes no se culo XVII e combatido ja em fins deste mesmo se culo Como resultado disso a grama tica a lo gica e praticamente todos os ensinamentos de Port-Royal foram esquecidos por de cadas Todavia foram posteriormente recuperados por grandes estudiosos como Condillac que chegou mesmo a fazer escola na Franccedila Du Marsais e Chessang foram alguns de seus disciacute pulos

Como foi visto anteriormente as noccedilo es de uma grama tica universal e inata de distinccedila o entre lo gica e grama tica e com conseque ncia de uma intuiccedila o de diferentes niacute veis e tipos de ana lise ja estavam presentes na Antiguidade e foram desenvolvidos na Idade Me dia Essas noccedilo es encontraram oportuno eco no se culo XVII Como vimos tanto a base filoso fica cartesiana quanto seus correspondentes gramaticais tomam a pressuposiccedila o do inatismo como axioma tico ao ser humano Ainda que outros modelos concorrentes na sintaxe tenham surgido eles jamais conseguiriam livrar-se da lo gica de base aristote lica Ou seja o modelo tripartido e exemplar em toda GF

As partes essenciaes da Grammatica sa o tres A primeira he o som que representa o Agente ou Nominativo a segunda o som que mostra a Acccedilatildeo ou verbo e a terceira o som que faz as vezes de Accionado paciente ou caso porque todas as Naccedilo es communicam a todas as mais o essencial do que vira o ouvira o ou ideara o (isto he os seus conceitos) com os sobreditos tres unicos sons e faltando-lhe algum delle nada comunica o em termos E porque esses unicos tres sons compo em a Oraccedilatildeo (ou sa o a proposiccedila o) que he a unica couza que o Grammatico pertende fazer (Bacelar 1783 12)

E assim a exemplo da Grama tica de Port-Royal

O julgamento que fazemos das coisas como quando digo ldquoA Terra e redondardquo se chama PROPOSICcedilA O e assim toda proposiccedila o encerra necessariamente dois termos um chamado sujeito que e aquilo de que se afirma algo como terra o outro chamado atributo que e o que se afirma algo como redonda ndash

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

66

ale m da ligaccedila o entre esses dois termos eacute (Port-Royal 30)

De todo modo fica patente a associaccedila o entre lo gica e liacute ngua porque fica igualmente evidente para os racionalistas a associaccedila o entre linguagem e pensamento

No se culo XIX no Brasil assim como ja havia ocorrido em boa parte da Europa central (Portugal Franccedila Espanha Inglaterra Ita lia e Alemanha) ha uma paulatina desvalorizaccedila o dos preceitos racionalistas em favor da pretensa cientificidade promovida pelos me todos histo rico e comparativo No entanto por se concentrarem quase que exclusivamente no le xico ndash graccedilas aos avanccedilos dos estudos filolo gicos ndash a sintaxe de base racional ainda persiste e influencia ainda que discretamente a produccedila o gramatical ao longo do se culo XIX Uma alternativa constatada nas grama ticas portuguesas e brasileiras foi a adoccedila o de uma sintaxe que tinha em sua base filoso fico-epistemolo gica os preceitos do Empirismo ingle s Nele a noccedila o de inatismo e praticamente suprimida em favor da experie ncia e assim na o ha mais sentido em se falar em universalismo da liacute ngua mas no parentesco entre as liacute nguas que com me todos empiacute ricos pode comprovar as verdadeiras relaccedilo es entre as liacute nguas

Hoje todo o estudo da grammatica a que na o acompanham as observaccedilo es sobre a historia da lingoa em sua evoluccedila o progressiva como um organismo vivo e que na o se pode subtrahir a s leis a que esta sujeito tudo o que vive e incompleto e repellido para o puro dominio dos estudos abstractos e metaphysicos [] (Carneiro Ribeiro 1890 1)

Afirmaccedila o semelhante encontra-se tambe m em Julio Ribeiro

As antigas grammaticas portuguezas eram mais dissertaccedilotildees de metaphysica do que exposiccedilotildees dos usos da lingua [] Abandonei por abstractas e vagas as definiccedilotildees que eu tomaacutera [anteriormente] preferi amoldar-me aacutes de Whitney [] O systema de syntaxe eacute o systema germanico de Becker modificado e introduzido na Inglaterra por C P Mason e adoptado por Whitney por Bain [] (Julio Ribeiro 1884 I-II)

Ainda que tais afirmaccedilo es convivam com ldquoLogicamente considerada compo em-se a proposiccedila o de tres partes ou membros sujeito verbo e attributordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ainda que o mesmo autor estivesse ja admitindo uma mudanccedila na forma de se enxergar a ana lise gramatical e em conseque ncia seus pressupostos epistemolo gicos permanecem inalterados ldquoProposiccedilatildeo ou oraccedilatildeo

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

67

a que os grammaticos inglezes chamam tambem sentenccedila (sentence) outra coisa na o e que a enunciaccedila o de um juizordquo (Carneiro Ribeiro 1919 504) Ou seja no Brasil assim como na mesma e poca possivelmente em Portugal a ana lise lo gica de base racionalista aparentemente perdia sua influe ncia graccedilas aos estudos enta o ldquocientiacute ficosrdquo de base postivista

6 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Nem tudo comeccedila com Descartes Diferentemente daquilo que referenciara Chomsky em seu Cartesian Linguistics (1966) algumas das intuiccedilo es mais basilares expostas nas grama ticas racionalistas sobretudo as noccedilo es em que o inatismo e defendido alguns casos expostos claramente na sintaxe das grama ticas racionalistas ja estavam postas muito antes da ediccedila o de 1660 da Grammaire Desde os modistas medievais o modelo sinta tico associado a Lo gica aristote lica e debatido depois e retomado em Sanctius e apenas posteriormente em Port-Royal A ideia de que Port-Royal deve tudo a Descartes na o e propriamente verdadeira e preciso rever essa afirmativa justamente a partir de seus antecessores e do espiacute rito da e poca juntamente com suas respectivas necessidades A tradiccedila o gramatical ja tem 2500 anos e por isso na o se podem atribuir dicotomias precipitadas a essa tradiccedila o ta o diversificada Nesse sentido ao procurarmos em qual ponto da histo ria das grama ticas nascem os pressupostos fundamentais da GF vemos seus surgimento na Antiguidade e na Idade Me dia um aprofundamento das questo es conforme argumentamos aqui No caso das grama ticas da tradiccedila o em liacute ngua portuguesa o modelo da GF foi de suma importa ncia em fins do se culo XVIII na o apenas para a educaccedila o formal mas ainda para todo um conjunto de necessidades intelectuais de que carecia Portugal naquele instante Com relaccedila o a s grama ticas produzidas no Brasil a GF teve influenciou direta sendo seu modelo praticamente abandonado apo s a chegada dos preceitos ldquocientiacute ficosrdquo sobretudo a partir de 1881 com a publicaccedila o da Grammatica Portugueza de Julio Ribeiro marco inaugural da chamada ldquograma tica cientiacute ficardquo no Brasil

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

68

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALIGHIERI D 1992 Conviacutevio Traduccedila o SOVERAL C Eduardo de Lisboa Guimara es editores

ANSELMO SANTO 1979 ldquoO grama ticordquo In NUNES R A da Costa (Trad) Os pensadores Santo Anselmo de Cantuaacuteria monoloacutegio prosloacutegio a verdade o gramaacutetico pedro abelardo loacutegica para principiantes histoacuteria das minhas calamidades Sa o Paulo Abril p 172-97

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 2001 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal ou Gramaacutetica geral e razoada contendo os fundamentos da arte de falar explicados de modo claro e natural as razo es daquilo que e comum a todas as liacute nguas e das principais diferenccedilas ali encontradas etc 2 ed Sa o Paulo Martins Fontes

ASSUNCcedilA O Carlos GONCcedilALO Fernandes 2007 ldquoAmaro de Roboredo grama tico e pedagogo portugue s seiscentista piomeiro na dida tica das liacute nguas e nos estudos linguiacute sticosrdquo In ROBOREDO Amaro de Methodo Grammatical para todas as Linguas (Ediccedila o facsimilada prefaciada por ASSUNCcedilA O Carlos e GONCcedilALO Fernandes) Tra s-os-Montes Vila Real Centro de Estudos em Letras Universidade Tra s-os-Montes e Alto Douro

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo CampinasEditora da Unicamp

_______ 1993 Filosofia da Linguagem Campinas Editora da Unicamp

BACELAR Bernardo de Lima e Melo 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portuguesa Lisboa Officina de Sima o Thaddeo Ferreira [versa o eletro nica coleccedila o particular]

BACON Roger ca 1250 ldquoGrammatica graecardquo In NOLAN E HIRSCH S A (Ed) 1902 The greek grammar of Roger Bacon and a fragment of his hebrew grammar Cambridge Cambridge University Press

BARBOSA Jero nimos Soares 1822 Gramaacutetica Philosophica da Lingua Portuguesa Lisboa Tipographia da Academia de Sciencias [versa o eletro nica disponiacute vel em

Histoacutericos da pressuposiccedilatildeo de dois niacuteveis da linguagem na sintaxe das grmaacuteticas racionalistas portuguesas no final do seacuteculo XVIII

69

lthttppurlpt1281P391htmlgt Acesso em 08 de Dezembro de 2013]

BECCARI Alessandro Jocelito 2013 Uma traduccedilatildeo da Grammatica Speculativa de Tomaacutes de Erfurt para o portuguecircs acompanhada de um estudo introduto rio notas e glossa rio 2013 500f Tese (doutorado) - Universidade Federal do Parana Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Programa de Po s-Graduaccedila o em Letras Defesa Curitiba 26 de Marccedilo de 2013

BORGES NETO Joseacute e DASCAL Marcelo 2004 ldquoDe que trata a linguumliacutestica afinalrdquo In BORGES NETO J Ensaios de filosofia da linguiacutestica Satildeo Paulo Paraacutebola p 31-65

CARNEIRO RIBEIRO Ernesto 1890 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 1ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

__________________________________1919 Serotildees Gramaticaes ou Nova Grammatica Portugueza 3ordf ediccedila o Bahia Imprensa Popular

CAVALIERE Ricardo 2001 ldquoUma proposta de periodizaccedila o dos Estudos Linguiacute sticos no Brasilrdquo Alfa v4 5 n1 p 49-69

CHOMSKY Noam 2009 [1966] Cartesian linguistics a chapter in the history of rationalist thought Third Edition New York Harper amp Row Third Edition edited with a new introduction by James McGilvray Cambridge University Press

KOERNER E F K 1989 ldquoModels in linguistic historiographyrdquo In KOERNER E F K (Org) Practicing linguistic historiography selected essays AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company

OCKHAM W of 1979 ldquoSeleccedila o de obrasrdquo In MATTOS Carlos L de (Trad) Os pensadores Tomaacutes de Aquino Dante Duns Scot Ockham seleccedilatildeo de textos Sa o Paulo Abril p 345-410

QUINTILIANO 1944 Instituiccedilotildees oratoacuterias Sa o Paulo Ediccedilo es Cultura

FARACO Carlos Alberto 2008 Norma culta brasileira desatando aluns noacutes Satildeo Paulo Paraacutebola

Alessandro Jocelito Beccari Ednei de Souza Leal

70

MATTOS E SILVA Rosa Virginia 1989 Tradiccedilatildeo gramatical e gramatica tradicional [fundamentos da gramatica tradicional leitura critica das gramaticas escolares anaacutelise da sintaxe do portuguecircs] Satildeo Paulo Contexto

NEVES M H de M 2001 A gramaacutetica histoacuteria teoria e anaacutelise ensino Sa o Paulo UNESP

ROBINS R H 1979 Pequena Histoacuteria da Linguiacutestica Rio de Janeiro Ao Livro Te cnico

SWIGGERS Pierre 2004 ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la Linguumliacutesticardquo In Nuevas aportaciones a la hiistoriografia linguumlistica v4 2003 La Laguna Actas de La Laguna Arco libros S L p 113-145

TRINDADE Patriacute cia de Castro 1989 As estruturas mentais de um portuguecircs do seacuteculo XVIII Jero nimo Soares Barbosa 1989 ix 137 f Dissertaccedila o (mestrado) - Universidade Federal do Parana Curso de Po s-Graduaccedila o em Letras Setor de Cie ncias Humanas Letras e Artes Defesa Curitiba

TORRES Amadeu 2004 ldquoO contributo conceptual das grama ticas filoso ficas para a histo ria da liacute ngua portuguesardquo In BRITO Ana Maria FIGUEIREDO Oliacute via e BARROS Clara (orgs) 2004 Linguiacutestica Histoacuterica e Histoacuteria da Liacutengua Portuguesa Actas do Encontro em Homenagem a Maria Helena Paiva Faculdade de Letras da Universidade do Porto 5-6 de Novembro de 2003 Secccedila o de Linguiacute stica do Departamento de Estudos Portugueses e Estudos Roma nicos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto p 385-395

71

DOIS MODOS SUBJUNTIVOS AO MODO DE ANDREacuteS BELLO

Luizete Guimaratildees Barros (Universidade Estadual de Maringaacute)

RESUMO Em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) e na Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello apresenta uma proposta de divisatildeo do subjuntivo em dois modos subjuntivo comum e subjuntivo hipoteacutetico O subjuntivo comum abarca as formas de presente e passado do subjuntivo (amehaya amado amarahubiera amado) e o subjuntivo hipoteacutetico se reserva agraves formas em -re conhecida como futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) empregada em oraccedilotildees condicionais Si aconteciere X ocurriraacute Y A inovaccedilatildeo desta teoria se deve agrave inclusatildeo do futuro do subjuntivo como forma do sistema temporal espanhol ponto que recebeu criacuteticas na eacutepoca dessas publicaccedilotildees pelo fato de que certos gramaacuteticos consideravam jaacute em desuso formas em futuro do subjuntivo Nosso estudo discute a corrente agrave qual tal classificaccedilatildeo se filia assim como investiga dados da expressatildeo escrita hispano-americana que explicitam a ocorrecircncia das formas em ldquo-rerdquo

ABSTRACT In Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (1810) and in Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1847) Andreacutes Bello proposes the division of the subjunctive in two ways the common subjunctive and the hypothetical one The common subjunctive mood covers the present and past form of the subjunctive (amehaya amado amarahubiera amado) while the hypothetical mood is circumscribed to the forms in -re (amarehubiere amado) known as the future subjunctive and used in conditional clauses such as Si aconteciere X ocurriraacute Yrdquo The innovation of this theory is the inclusion of the future subjunctive mood as a form of verbal tense systems in the Spanish language a view that was criticized at the time of those publications due to the fact that some grammarians considered the future subjunctive mood as obsolete This paper discusses the approach from this classification It also researches data from the Hispanic American writing to explain the event of the forms in -re

Estoy dispuesto a oiacuter con docilidad las objeciones que se hagan a lo que en esta gramaacutetica pareciere nuevo aunque si bien se mira se hallaraacute que en eso mismo algunas veces no innovo sino restauro (Bello 1984 [1847] 29)

Luizete Guimaratildees Barros

72

1 INTRODUCcedilAtildeO

Iniciamos este artigo com esta epiacutegrafe retirada do proacutelogo da Gramaacuteticade la lengua castellana destinada al uso de los americanos (Bello 1984 [1847]) que ilustra dois de nossos objetivos primeiros especifica o emprego no espanhol hispano-americano do seacuteculo XIX de um caso com as formas em ldquondashrerdquo (ldquopareciererdquo neste exemplo) e questiona sobre a inovaccedilatildeo ou tradiccedilatildeo teoacuterica a que essa obra se vincula

Explicamos tambeacutem que a inquietaccedilatildeo que inspira este trabalho nasce do fato de que vaacuterios livros de gramaacutetica espanhola destinam o mesmo espaccedilo agrave conjugaccedilatildeo de verbos no futuro do subjuntivo ndash cantare cantares cantare cantaacuteremos cantareis cantaren ndash que o espaccedilo reservado ao presente do subjuntivo por exemplo cante cantes cante cantemos canteacuteis canten 67 Isso faz que o leitor-brasileiro aluno de espanhol como liacutengua estrangeira tire duas conclusotildees iniciais a) que o futuro do subjuntivo faz parte do sistema verbal espanhol e b) que satildeo numerosos os exemplos das formas subjuntivas em ldquondashrerdquo no espanhol escrito e oral da Ameacuterica hispacircnica e da peniacutensula

E como nossa inquietaccedilatildeo proveacutem do confronto entre liacutenguas como espanhol e portuguecircs iniciamos nossa abordagem pela men-ccedilatildeo a uma gramaacutetica do espanhol como liacutengua estrangeira para depois passarmos agrave revisatildeo do tratamento gramatical em espanhol

2 GRAMAacuteTICA DE ESPANHOL COMO LIacuteNGUA ESTRANGEIRA

A obra de Vicente Masip (2010) traz a conjugaccedilatildeo verbal do futuro do subjuntivo nas duas liacutenguas portuguecircs e espanhol e inclui na parte referente agrave morfossintaxe o esquema verbal do subjuntivo

67 Damos como exemplo as publicaccedilotildees da Real Academia Espanhola o Esbozo de la nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola ndash GRAE (Madrid Espasa-Calpe 1975 263-268) assim como o dicionaacuterio eletrocircnico DRAE ndash Diccionario de la Real Academia Espantildeola ndash wwwraees E tambeacutem a Gramaacutetica de la lengua espantildeola de Alarcos Llorach (Madrid Espasa-Calpe 1994 171 - 177) e a Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos de Vicente Masip (2010 148-150 162-176) satildeo algumas das inuacutemeras obras que trazem a conjugaccedilatildeo do futuro do subjuntivo espanhol

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

73

com as formas em presente preteacuterito e futuro (Masip 2010 148 - 151 162 - 176)

Nossa pesquisa detalha no entanto que esse parece ser um dos poucos autores a apresentar na seccedilatildeo da sintaxe espanhola a razatildeo para a consideraccedilatildeo sobre a morfologia das formas em ldquondashrerdquo Isso porque ao apresentar a traduccedilatildeo de frases portuguesas Masip (2010236) diz que as formas em futuro do subjuntivo satildeo teori-camente corretas mas ldquoanquilosadasrdquo ndash isto eacute ldquoenrijecidas sem atividaderdquo68

Masip (2010) apresenta os princiacutepios que regem a sintaxe es-panhola ditados pela consecutio temporum latina segundo a qual

La gramaacutetica latina llamaba consecutio temporum a la correspondencia de los tiempos entre indicativo y subjuntivo ocurriacutea cuando el verbo principal expresaba sentimientos subjetivos o simplemente negaba mediante subordinacioacuten

La consecutio temporum no soacutelo se ha conservado en portugueacutes y espantildeol sino que se ha perfeccionado especialmente en portugueacutes que posee y usa con propiedad el futuro de subjuntivo (del que careciacutea el latiacuten) El espantildeol ha consentido que a lo largo de los siglos se atrofiaran sus futuros del subjuntivo El resultado es linguumliacutesticamente desastroso pues han sido sustituidos por el presente y preteacuterito perfecto de subjuntivo lo que acarrea grandes problemas a los hablantes de portugueacutes que poseen en su coacutedigo la correlacioacuten perfecta (Masip 2010236)

Eacute importante notar o objetivo didaacutetico ao destacar o problema de correspondecircncia espanhol-portuguecircs nesta obra que ressalta que o futuro do subjuntivo se atrofiou em espanhol Por essa razatildeo na paacutegina seguinte a esta citaccedilatildeo o autor explica este esquema por frases em que o tempo da oraccedilatildeo principal em indicativo coincide com o da subordinada em subjuntivo em paralelismo entre presente preteacuterito e futuro nos dois modos verbais nas duas liacutenguas A ilustraccedilatildeo desta simetria obedece aos padrotildees sintaacuteticos que as liacutenguas neolatinas aperfeiccediloam a partir do latim que natildeo dispunha da forma em futuro do subjuntivo segundo o professor de espanhol da universidade de Pernambuco - UFPE

68 Ver ldquoancilosar anquilosarrdquo em Dicionaacuterio online de portuguecircs in httpwwwdiciocombrancilosar consultado em 2012014

Luizete Guimaratildees Barros

74

Copiamos no extrato a seguir as formas em portuguecircs entre parecircnteses seguidas da traduccedilatildeo ao espanhol em que grifamos os dados em futuro de subjuntivo apresentados como segunda possi-bilidade de traduccedilatildeo ao espanhol Haacute de ressaltar que o portuguecircs serve de base a esse quadro pois apresenta o futuro do subjuntivo como forma recorrente que ilustra portanto a simetria

Diagrama de la consecutio temporum INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE E IMPERATIVO PRESENTE (Desejo que venha) Deseo que vengas (Duvido que tenha feito uma boa viagem) Dudo que haya hecho buen viaje (Tenho dito que fique calada) He dicho que te calles (Diga-lhe que desapareccedila [para desaparecer]) Diacutegale que desaparezca FUTURO FUTURO (Jantarei quando vocecirc chegar) Cenareacute cuando llegues (llegares) (Jantarei quando vocecirc tiver comeccedilado) Empezareacute cuando hayas empezado (hubieres empezado) (Terei adormecido quando vocecirc se deitar) Me habreacute dormido cuando te acuestes (acostares) (Terei adormecido antes de vocecirc ter terminado) Me habreacute dormido antes que hayas terminado (hubieres terminado) PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO (Desejava tanto que a filha fizesse um bom casamento) Deseaba tanto que la hija se casara bien (Chegou a duvidar que passasse na prova) Llegoacute a dudar que aprobara el examen (Dissera-lhe que fosse embora [para ir embora]) Le habiacutea dicho que se fuera (Pediu que comprasse um carro [para comprar]) Le pidioacute que comprara un coche (MASIP 2010237)

Esse resumido quadro demonstra que as formas em ldquondashrerdquo

ocorrem em oraccedilotildees subordinadas adverbiais temporais ndash iniciadas por ldquocuando antes querdquo ndash seguindo principal em futuro Aparecem

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

75

como segunda opccedilatildeo (entre parecircnteses) porque satildeo preteridas no espanhol de hoje pelas correlatas em presente de subjuntivo Haacute que destacar a predominacircncia de subordinadas substantivas nos outros exemplos em presente e preteacuterito Recordamos portanto que a inclusatildeo deste esquema se deve ao fato de que Masip (2010) considera perfeito o paralelismo sintaacutetico ditado pela consecutio temporum em portuguecircs que manteacutem vivo as formas do futuro do subjuntivo e em espanhol considera o mesmo paralelismo imperfeito pela falta de correspondecircncia em futuro

A falta de correspondecircncia temporal entre espanhol e portu-guecircs explica a importacircncia desse tema aos que se dedicam ao ensino de espanhol como liacutengua estrangeira no Brasil e a relevacircncia desse toacutepico em cursos de linguiacutestica constrativa Haacute que destacar tambeacutem que o paralelismo temporal ditado pela consecutio temporum tem sido a forma como as gramaacuteticas vecircm explicando a correlaccedilatildeo verbal em espanhol

3 GRAMAacuteTICA DO ESPANHOL

Comeccedilamos a expor a visatildeo teoacuterica do tema do subjuntivo pela perspectiva oficial da Gramaacutetica da Real Academia Espanhola ndash (GRAE) que ilustra a correlaccedilatildeo temporal entre indicativo e subjuntivo da seguinte forma

INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Creo que viene Juan Creo que vendraacute Juan No creo que venga Juan Creo que ha venido Juan Creo que habraacute venido Juan No creo que haya venido Juan PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Creiacute que llegaba Juan Creiacute que llegariacutea Juan No creiacute que llegara Juan Creiacute que llegoacute Juan No creiacute que llegase Juan Creiacutea que habiacutea llegado Juan No creiacutea que hubiera llegado Juan Creiacutea que habriacutea llegado Juan No creiacutea que hubiese llegado Juan (GRAE 1975 477)

Luizete Guimaratildees Barros

76

A simplificaccedilatildeo do quadro extraiacutedo da GRAE demonstra que o espanhol apresenta a consecutio temporum em presente e passado Para a complementaccedilatildeo em futuro a explicaccedilatildeo eacute outra a saber

Trataremos en paacuterrafo aparte de los futuros (llegare y hubiere llegado) en la lengua claacutesica y de sus supervivencias en el uso moderno ya que esas formas no guardan hoy correspondencia alguna con los futuros de indicativo(GRAE 1975477)

A exclusatildeo do futuro do subjuntivo do sistema verbal espanhol encontra respaldo em outras paacuteginas da gramaacutetica da academia espanhola que em longa tradiccedilatildeo de ediccedilotildees recentes vem difundindo o seguinte parecer que reproduzimos de acordo com a ediccedilatildeo de 1975

Hoy solo se usa aunque poco en la lengua literaria y en algunas frases he-chas conservadas en el habla coloquial como ldquosea lo que fuererdquo ldquovenga de donde viniererdquo ldquoAdoacutende fueres haz lo que vieresrdquo (refraacuten) (GRAE 1975 482)

Conveacutem lembrar que essa citaccedilatildeo eacute retirada da terceira parte da obra dedicada agrave sintaxe Na parte anterior destinada agrave morfologia a mesma publicaccedilatildeo inclui a conjugaccedilatildeo do futuro (cantare) e do futuro perfeito (hubiere cantado) do modo subjuntivo sem atentar para o detalhe da contradiccedilatildeo de manter a conjugaccedilatildeo de uma forma verbal dita ultrapassada em outros extratos da mesma obra (Ver GRAE 1975262-268)

Aleacutem dessa contradiccedilatildeo haacute de recordar que essa obra traz a terminologia oficial de chamar ldquoamabardquo e ldquoamariacuteardquo de preteacuterito imperfeito e condicional E informa tambeacutem que a teoria de Bello chama as formas em questatildeo de ldquoco-preteacuteritordquo e ldquopos-preteacuteritordquo respectivamente Para o sistema temporal de Andreacutes Bello o pre-teacuterito imperfeito corresponde ao ldquoco-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula CA em que C representa a concomitacircncia e A a ante-rioridade isto eacute concomitante ao passado e o condicional eacute cha-mado de ldquopos-preteacuteritordquo e eacute representado pela foacutermula PA em que P representa a posterioridade e A a anterioridade isto eacute posterior ao passado Desta forma a academia difunde a teoria temporal do gramaacutetico sul-americano ao lado da nomenclatura oficial que di-vulga os nomes de ldquopreteacuterito imperfectordquo e ldquocondicionalrdquo respecti-vamente (GRAE 1975 262-268)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

77

A gramaacutetica de Alarcos Llorach (1994) tambeacutem apresenta a terminologia temporal de Andreacutes Bello e sobre a vigecircncia das formas de futuro de subjuntivo na expressatildeo oral e escrita em espanhol natildeo discrepa das afirmaccedilotildees anteriores jaacute que para ele

Del esquema anterior se ha descartado la forma cantares que hoy salvo en alguna zona conservadora es mero arcaiacutesmo de la lengua escrita Perdura en foacutermulas sueltas como Sea lo que fuere adonde fueres haz lo que vieres etc o en usos de la tradicional lengua juriacutedica y administrativa ldquoSi alguien infrigiere esta disposicioacuten seraacute obligado a pagar la indemnizacioacuten que hubiere lugarrdquo Aparece esporaacutedicamente en la lengua literaria con regusto arcaizante ldquoDejeacute la perezosa fantasiacutea vagar a su antojo llevando el pensa-miento por donde ella fuererdquo(Alarcos Llorach 1994 160)

No entanto Alarcos Llorach (1994 160) daacute sequecircncia a este texto conferindo a Bello um espaccedilo especial neste assunto por reconhecer sua opiniatildeo particular que tratamos a seguir

4 GRAMAacuteTICA DE BELLO

Como jaacute destacamos anteriormente a gramaacutetica espanhola vem reproduzindo a teoria verbal do venezuelano Andreacutes Bello (naascido em Caracas 1781 ndash morto em Santiago de Chile ndash 1865) exposta inicialmente em Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana (AIT) artigo publicado em 1810 (reproduzido na versatildeo de 1979) e reformulada em Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (GCA) de 1847 (reproduzido na ediccedilatildeo de 1984) Nossa pesquisa constata a vigecircncia desta teoria temporal na histoacuteria gramatical espanhola pelo fato de que obras posteriores ao seacuteculo XIX como a de Alarcos Llorach por exemplo trazem a terminologia de Bello que chama o preteacuterito mais que perfeito de ldquoante-co-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula ACA significa anterior e concomitante ao passado ndash e o preteacuterito anterior de ldquoante-preteacuteritordquo ndash cuja foacutermula AA significa anterior ao passado ndash como nomenclatura primeira seguida da oficial apresentada entre parecircnteses (Ver Alarcos Llorach 1994170-177)

Haacute de destacar tambeacutem que aventamos neste artigo a hipoacutetese de que o nome do primeiro tratado verbal de Andreacutes Bello faz menccedilatildeo agrave corrente filoloacutegica ao qual se filia A saber o tiacutetulo Anaacutelisis

Luizete Guimaratildees Barros

78

ideoloacutegico se refere agrave lsquoideologiarsquo uma corrente filosoacutefica de ilu-ministas tardios que se inspiram nos princiacutepios racionalistas da Encyclopedie e da Gramaacutetica de Port-Royal (1660) conforme de-fendem Yllera (1981) e Danna (201459) Em paacuteginas posteriores de sua dissertaccedilatildeo de mestrado Stela Danna (2014 67-68) afirma no entanto que ainda que Bello rechace as lsquoabstraccedilotildees ideoloacutegicasrsquo ele parece aceitar e dar continuidade agrave tradiccedilatildeo do gramaacutetico espanhol Sanchez de las Brozas tanto que reproduz certos termos caracteriacutesticos da produccedilatildeo racionalista tais como atributo elipsis proposicioacuten entre outros Por outro lado Yllera (1981) parece questionar a tendecircncia geral do trabalho verbal de Andreacutes Bello ainda que pareccedila reconhecer em sua obrita inicial resquiacutecios claros de racionalismo ideia sobre a qual voltaremos posteriormente

Antes poreacutem importa ressaltar que apesar da ampla aceitaccedilatildeo da teoria temporal de Andreacutes Bello um tema de sua proposta verbal natildeo costuma ser reproduzido em obras posteriores a divisatildeo dos modos verbais em dois tipos de subjuntivo ndash o comum e o hipoteacutetico E o fato de que seja postulado por primeira vez o subjuntivo hipoteacutetico como modo agrave parte na histoacuteria da gramaacutetica espanhola pode ser apontado como fator de inovaccedilatildeo o que nos leva a recordar as palavras da epiacutegrafe inicial ldquono innovo sino restaurordquo no sentido de ponderar para qual lado tende esta parte desta gramaacutetica

Expomos de maneira resumida a seccedilatildeo modal que nos inte-ressa principiando pelo subjuntivo comum

41 Subjuntivo comum

O subjuntivo comum compreende as formas do presente (cante haya cantado) e preteacuterito do subjuntivo (cantara ~ cantase hubiera cantado ~ hubiese cantado) e eacute estabelecido por paralelismo temporal entre os verbos da oraccedilatildeo principal em presente e passado do indicativo e o verbo da oraccedilatildeo subordinada em presente e preteacuterito em subjuntivo em esquema que copiamos do paraacutegrafo 457 de GCA que apresenta um graacutefico que resumimos assim

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

79

SUBJUNTIVO COMUacuteN INDICATIVO SUBJUNTIVO PRESENTE PRESENTE Quiero que estudies el Derecho Deseo Ruego Te encargo PRETEacuteRITO PRETEacuteRITO Quise que estudiases o estudiaras el Derecho Deseeacute Te rogueacute Te encargueacute (Bello GCAsect 457160)69

Para Andreacutes Bello a seleccedilatildeo dos modos se faz por condicio-namento sintaacutetico no qual o regime desempenha papel primordial O interessante dessa teoria estaacute em que natildeo soacute o subjuntivo se vecirc como modo regido por verbos de suposiccedilatildeo ou duacutevida O indicativo tambeacutem pode estar regido por verbos como ldquoafirmar saberrdquo apa-rentes ou subentendidos Aiacute reside a uniformidade de sua teoria que natildeo classifica apenas o subjuntivo como modo da oraccedilatildeo su-bordinada ndash como no exemplo ldquodudo que tus intereses prosperenrdquo ndash mas tambeacutem o indicativo que pode estar manifesto em exemplos como ldquoAfirmo que tus intereses prosperanrdquo (Bello GCA sect 45158)

Noacutes relacionamos a elisatildeo do verbo principal que condiciona o indicativo ao tratamento que Alicia Yllera (1981492-493) confere aos outros modos verbais isto eacute ao subjuntivo e imperativo Na passagem a seguir essa autora afirma que correntes linguiacutesticas do seacuteculo XX reprovam o tratamento que Bello daacute aos modos verbais por consideraacute-los de acordo com formas impliacutecitas isto eacute de maneira anaacuteloga ao que faz Lakoff (1969 344) com os verbos abstratos

El estructuralismo reprochoacute a Bello como en general a la gramaacutetica general el explicar las formas presentes en el discurso a partir de formas so-breentendidas por el contrario ciertas corrientes de la gramaacutetica generativa y transformacional partiendo de presupuestos distintos llegan a anaacutelogas conclusiones Asiacute se ha puesto en relacioacuten su teoriacutea de los verbos eliacutepticos que rigen subjuntivo o imperativo con los verbos abstractos de George

69 As duas obras gramaticais de Bello ndash AIT e GCA ndash estatildeo organizadas em paraacutegrafos cuja numeraccedilatildeo tem sido respeitada em publicaccedilotildees diversas Por esse motivo reproduzimos a abreviatura da ediccedilatildeo consultada ndash GCA ndash seguido do paraacutegrafo ndash sect 457 ndash e da paacutegina correspondente ndash 160 ndash da maneira como se segue (Bello GCA sect 457160)

Luizete Guimaratildees Barros

80

Lakoff y Robin Lakoff y se ha apuntado que ciertas investigaciones llegariacutean a considerar tambieacuten al indicativo independiente como subordinado a un verbo principal eliacuteptico (Yllera 1981492- 493)

Essa consideraccedilatildeo retoma a discussatildeo geral sobre a orientaccedilatildeo teoacuterica de nosso autor No artigo El verbo en Andreacutes Bello ori-ginalidad y tradicioacuten Yllera aponta resquiacutecios de tradiccedilatildeo na defi-niccedilatildeo do imperativo iexclVenga como forma abreviada de ldquoYo le ordeno (a usted) que usted vengardquo O verbo da oraccedilatildeo principal ldquoordenarrdquo estaacute omitido nesta construccedilatildeo com optativo imperativo de acordo com essa explicaccedilatildeo gramatical de ranccedilo generalista Essa autora assim como M L Rivero (1977) postula que o comportamento teoacuterico de estudar a liacutengua natildeo apenas pelos elementos aparentes mas reconhecer verbos abstratos e formas eliacutepticas se deve agrave tradiccedilatildeo racionalista de Port-Royal que repercute no seacuteculo XX nos encaminhamentos da gramaacutetica gerativa mencionada no fragmento citado Por essa razatildeo na divisatildeo dos modos verbais de Andreacutes Bello haacute modos como o imperativo que se explicam por uma subordinaccedilatildeo apagada

E retomamos a questatildeo modal recordando que para Bello os modos verbais satildeo cinco porque tanto subjuntivo quanto o optativo se desdobram Desta forma satildeo modos verbais em espanhol o indicativo (com subordinante expliacutecito ou impliacutecito) subjuntivo comum (com subordinante expliacutecito) subjuntivo hipoteacutetico (que ocorre basicamente na subordinada condicional) optativo impera-tivo (com subordinante impliacutecito) e optativo comum (com subor-dinante expliacutecito) Para este trabalho importa a divisatildeo do subjun-tivo

411 Valores temporais do subjuntivo comum

Compreendido portanto que Bello considera tanto indicativo como subjuntivo como modos subordinados passamos a expor a maneira como Bello atribui valor temporal agraves formas subjuntivas Por paralelismo entre os dez valores temporais estabelecidos agraves formas indicativas classificam-se dados em subjuntivo comum conforme se vecirc em

PRESENTE ndash C - Ameamo ldquoPareacuteceme que alguien habla en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibo que alguien hable en el cuarto vecinordquo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

81

FUTURO ndash P - Ameamareacute ldquoEs seguro que llegaraacute mantildeana el correordquo ldquoEs dudoso que llegue mantildeana el correordquo(Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Por comutaccedilatildeo entre indicativosubjuntivo Bello estabelece mais de um significado temporal agrave forma ldquoamerdquo que recebe os sig-nificados de presente ndash classificado como C concomitacircncia ndash e de futuro - classificado como P ndash posterioridade

Como a forma simples de presente do subjuntivo tem dois valores temporais de presente e futuro ndash C e P ndash a forma composta correspondente ldquohaya cantadordquo tem o mesmo nuacutemero de valores temporais pois o traccedilo de anterioridade eacute acrescido aos significados temporais da forma simples correlata Desta forma o acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ndash A ndash aos valores temporais anteriores explica portanto os significados de ante-presente ndash AC e ante-futuro ndash AP conforme se vecirc em

ANTE-PRESENTE ndashAC - ldquoBien se echa de ver que ha pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echa de ver que haya pasado por aquiacute un ejeacutercitordquo ANTE-FUTURO ndashAP ndash ldquoPuedas estar cierto que para cuando vuelvas se habraacute realizado tu encargordquo ldquoPuede ser que para cuando vuelvas se haya realizado tu encargordquo (Bello AIT sect81 430 GCA sect654206)

Em esquema similar Bello se vale do paralelismo entre formas em indicativo e em subjuntivo para explicar os valores temporais das formas do preteacuterito imperfeito do subjuntivo Trecircs significados temporais de passado envolvem seu emprego a saber o de passado ndash visto como A ndash Anterior o de co-passado ndash visto como CA concomitante ao anterior - e o de poacutes-passado ndash visto como PA ndash poacutes-anterior conforme se vecirc nos pares que evidenciam o raciociacutenio deste autor que opera por oposiccedilatildeo

PRETEacuteRITO ndash A ndash Amaraameacute ldquoMuchos historiadores afirman que Roacutemulo fundoacute Romardquo ldquoHoy no se tiene por auteacutentico que Roacutemulo fundara Romardquo CO-PRETEacuteRITO ndash CA ndash amaraamabaldquoParecioacuteme que hablaban en el cuarto vecinordquo ldquoNo percibiacute que hablaran en el cuarto vecinordquo POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash amaraamariacutea ldquoSe anunciaba que al diacutea siguiente llegariacutea la tropardquo ldquoPor improbable se teniacutea que al diacutea siguiente llegara la tropardquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Luizete Guimaratildees Barros

82

E assim como agrave forma composta em presente ldquohaya amadordquo eacute atribuiacutedo dois valores temporais ndash AC e AP em que a anterioridade eacute acrescida aos valores C e P da forma simples ldquoamerdquo em preteacuterito tambeacutem opera a mesma correlaccedilatildeo De maneira que agrave forma simples em preteacuterito trecircs valores satildeo atribuiacutedos A CA e PA Portanto agrave forma composta correlata satildeo atribuiacutedos tambeacutem trecircs valores ndash AA ACA e APA conforme se vecirc em

ANTE-PRETEacuteRITO ndash AA hubiese amadohube amado Oslash ldquoComo no hubiese recibido aviso de que le buscaban tratoacute de ocultarserdquo ANTE-CO-PRETEacuteRITO ndash ACA hubiese amadohabiacutea amado ldquoBien se echaba de ver que habiacutea pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ldquoNo se echaba de ver que hubiese pasado por alliacute un ejeacutercitordquo ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA hubiese amadohabriacutea amado ldquoTe prometieron que cuando volviese se habriacutea ejecutado tu encargordquo ldquoProcuraacutebamos que para cuando volvieras se hubiese ejecutado tu encargordquo (Bello AIT sect81430 GCA sect654206)

Haacute que mencionar que embora natildeo se apresente nenhum dado em indicativo com a forma de ante-preteacuterito para exemplificar a correlaccedilatildeo temporal indicativosubjuntivo isso natildeo eacute motivo para inviabilizar o sistema pautado na simetria As dez formas verbais do indicativo ndash cinco formas simples (amo ameacute amareacute amaba amariacutea) e cinco formas compostas (he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado) ndash equivalem cada uma a um valor temporal representado por uma foacutermula Sendo assim as cinco formas simples ndash amo ameacute amareacute amaba amariacutea ndash correspondem cinco foacutermulas temporais C A P CA PA E o valor temporal das cinco formas compostas ndash he amado hube amado habreacute amado habiacutea amado habriacutea amado ndash eacute estabelecido pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade em relaccedilatildeo agrave forma simples correspondente AC AA AP ACA APA Essa eacute a loacutegica do sistema temporal das formas do indicativo que se compotildee de dez valores temporais a saber C A P CA PA AC AA AP ACA APA conforme se vecirc no esquema que AIT reconhece como os valores temporais das formas simples e compostas do indicativo

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

83

Valores Fundamentais dos Tempos do Indicativo

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C - Presente ndash amo AC - Ante-presente ndash he amado

P - Futuro ndash amare AP - Ante-futuro ndash habreacute amado

A - Preteacuterito ndash ame AA - Ante- preteacuterito ndash hube amado

CA - Co-preteacuterito ndash amaba ACA - Ante-co-preteacuterito ndash habiacutea amado

PA - Poacutes-preteacuterito ndash amaria APA - Ante-pos-preteacuterito ndash habriacutea amado

Alicia Yllera critica a correlaccedilatildeo entre formas simples e com-postas do indicativo dizendo que Bello

ldquobuscaba () representar un sistema armoacutenico de los tiempos verbales castellanos convencido de que dicha armoniacutea existe en la lengua ndash como en el pensamiento ndash y de que su descubrimiento es prueba del acierto de la explicacioacuten (Yllera 1981 506)

O subjuntivo natildeo apresenta dez formas discretas Morfologi-camente quatro satildeo as formas do subjuntivo comum duas simples ndash ameamara ~ amase ndash e duas compostas ndash haya amado hubiera amado ~ hubiese amado Cumpre lembrar que eacute possiacutevel alternacircncia de formas no preteacuterito imperfeito do subjuntivo isto eacute formas que em portuguecircs equivalem agrave terminaccedilatildeo ndashsse em espanhol equivalem agraves terminaccedilotildees ndashse e ndashra E cada uma dessas formas recebe mais de um valor temporal sendo que a forma simples de presente do subjuntivo ndash ame ndash apresenta dois valores temporais ndash C e P e as duas formas simples de expressatildeo do preteacuterito imperfeito do subjuntivo ndash amara ~ amase ndash manifestam trecircs valores temporais ndash A CA PA sendo que a posterioridade eacute caracteriacutestica comum agraves formas de subjuntivo comum

E em processo similar agrave atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas compostas em indicativo em subjuntivo tambeacutem o traccedilo de anterioridade eacute acrescido ao da forma simples correlata sendo assim a forma composta haya amado corresponde a dois valores temporais ndash AC e AP e as duas formas compostas de preteacuterito imperfeito do subjuntivo hubiera amado ~ hubiese amado equivalem a trecircs valores temporais ndash AA ACA APA Ilustramos a seguir a interpretaccedilatildeo do sistema temporal do subjuntivo comum

Luizete Guimaratildees Barros

84

Valores dos Tempos Simples e Compostos do Subjuntivo Comum

FORMA SIMPLES FORMA COMPOSTA

C ndash Presente ndash ame AC ndash Ante-presente ndash haya amado

P ndash Futuro ndash ame AP ndash Ante-futuro ndash haya amado

A- Preteacuterito ndash amara AA ndash Ante-preteacuterito ndash hubiera amado

CA ndash Co-preteacuterito ndash amara ACA ndash Ante-co-preteacuterito ndash hubiera amado

PA ndash Pos-preteacuterito ndash amara APA ndash Ante-pos-preteacuterito ndash hubiera amado

E dessa forma se classificam as quatro formas (amehaya amado amarahubiera amado) com dez valores temporais que configuram o modo verbal do subjuntivo comum A C P AC AP CA PA AA ACA APA

42 Subjuntivo hipoteacutetico

No capiacutetulo XXI referente aos modos do verbo Bello (GCA sect 469 - 470163) define o modo hipoteacutetico como caracteriacutestico do espanhol porque natildeo existe em latim nem em outras liacutenguas ro-mances Cumpre lembrar no entanto que nosso autor natildeo considera o portuguecircs visto que em capiacutetulo posterior Bello especifica o francecircs e o italiano como as liacutenguas romances agraves quais se refere (Ver GCA Cap XXVIII sect 658207)

O fato de ser uma forma exclusiva do espanhol coloca-se como dificuldade tanto que o autor acrescenta ao paraacutegrafo 470 uma nota cujas palavras importam recordar e que o fazemos grifando partes que merecem comentaacuterios

Estas formas introducen en la conjugacioacuten castellana algunos embarazos y dificultades de que yo hubiera podido desentenderme siguiendo el ejemplo de otros pero el uso que se ha hecho de las ediciones anteriores de esa ldquogramaacuteticardquo para dar ciertas reglas sobre la materia aunque pocas veces con la exactitud y precisioacuten necesarias me hacen creer que mis trabajos en esa parte no han sido del todo infructuosos y me alienta ahora a dilucidarlos y mejorarlos en lo posible (Bello GCAsect 470163)

Nesta nota o autor alerta sobre a dificuldade de sua classifi-caccedilatildeo que natildeo eacute encontrada em outros gramaacuteticos Nesta parte ressaltamos o fato de que essa categorizaccedilatildeo modal parece ter se mostrado como novidade na histoacuteria da gramaacutetica espanhola jaacute que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

85

natildeo encontra paracircmetros em gramaacuteticos anteriores cuja descriccedilatildeo do espanhol estaacute calcada em exemplos retirados do modelo da tradiccedilatildeo latina E nesta nota o gramaacutetico venezuelano do seacuteculo XIX adverte tambeacutem que por ver imperfeiccedilotildees estaacute burilando sua definiccedilatildeo dos modos verbais entre os quais natildeo descarta a subdi-visatildeo do subjuntivo

Segundo Bello o modo hipoteacutetico natildeo desempenha a funccedilatildeo de oraccedilatildeo principal natildeo eacute regido por verbos que regem o subjuntivo comum e natildeo tem sentido optativo desta forma se sabe o que esse modo natildeo eacute de acordo com a nota XI (BELLO GCA165-166) Resta saber entatildeo o que esse modo eacute

Bello (GCA sect469163) define o subjuntivo hipoteacutetico por seu significado constante de ldquocondicioacuten o hipoacutetesisrdquo E dado que o sub-juntivo comum pode tambeacutem expressar hipoacutetese em ldquoes posible que llueva hoyrdquo sobra a condiccedilatildeo como caracteriacutestica semacircntica do modo hipoteacutetico que tem como emprego um uso retirado de Cervantes que escreveu El Quijote em 1605-1615

ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mostraacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect88 431-432)

Este eacute um caso prototiacutepico do emprego do subjuntivo hipoteacutetico e traz a oraccedilatildeo condicional com ldquosirdquo seguida de principal em futuro como ldquoSi ella fuere tan hermosa confesaremos la verdadrdquo

E como esse uso data do seacuteculo XVII e natildeo eacute forma usual no espanhol de hoje em que predominaldquosi ella es tan her-mosaconfesaremos la verdadrdquo discorremos a seguir sobre a vi-gecircncia dessa forma na expressatildeo oral e escrita hispacircnica

421 Emprego do futuro do subjuntivo em espanhol

Ainda que sejam escassos os exemplos de emprego das formas em ldquondashrerdquo em castelhano nos valemos da obra de Bello para mostrar dois outros dados de construccedilatildeo similar agrave anterior retirados do proacutelogo de GCA

Los he sentildealado con diverso tipo y comprendido los dos en un solo tratado no soacutelo para evitar repeticiones sino para proporcionar a los profesores del primer curso el auxilio de las explicaciones destinadas al segundo si alguna vez las necesitaren (Bello 1984 [1847] 31)

Luizete Guimaratildees Barros

86

Si todo lo que propongo de nuevo no pareciere aceptable mi ambicioacuten quedaraacute satisfecha con que alguna parte lo sea y contribuya a la mejora de un ramo de la ensentildeanza que no es ciertamente el maacutes luacutecido pero es uno de los maacutes necesarios(Bello 1984 [1847] 34)

Deste modo ldquosi necesitarenrdquo e ldquosi pareciererdquo ilustram o modelo de condicional usado pelo escritor No entanto esse natildeo eacute o uacutenico emprego desta forma verbal Haacute um dado no proacutelogo da gramaacutetica que evidencia o emprego em oraccedilatildeo adjetiva em exemplo como

Por este medio queda tambieacuten al arbitrio de los profesores el antildeadir a las lecciones de la ensentildeanza primaria todo aquello que de las del curso posterior les pareciere a propoacutesito seguacuten la capacidad y el aprovechamiento de los alumnos (Bello GCA31)

Caso anaacutelogo faz parte do proacutelogo dos Principios de Ortologiacutea y meacutetrica a saber

El profesor o maestro que adoptare mi texto para sus lecciones ortoloacutegicas tiene a su arbitrio el hacer en eacutel las modificaciones que guste y acomodarlo a sus opiniones particulares en esos puntos variables que afortunadamente ni son muchos ni de grande importancia (Bello 1979 [1835] 550)

Natildeo eacute nosso objetivo enumerar todos os casos de emprego da forma em questatildeo Queremos registrar apenas que essa forma parece ter sido frequente na expressatildeo de Andreacutes Bello (1979 686) que era tambeacutem jurista e foi um dos autores do primeiro Coacutedigo Civil do Chile de 1855 E apesar dos dados anteriores extraiacutedos de sua produccedilatildeo bibliograacutefica apresento tambeacutem um emprego retirado de carta a um amigo escrita por ocasiatildeo da morte de sua filha encontrado em visita recente a um museu em Caracas que diz Usted me habla de corazoacuten si asiacute no fuere no hallariacutean las palabras de usted tan faacutecilmente el camino del miacuteordquo (Andreacutes Bello ndash Parte de afiche en la Casa de Bello ndash Caracas ndash 872013)

A linguagem coloquial de missiva a um amigo se distancia um tanto da foacutermula burocraacutetica agrave qual eacute comum circunscrever o em-prego do futuro do subjuntivo em espanhol Autores de obras didaacute-ticas sobre o tema do subjuntivo explicam esse uso da maneira como se lecirc em

las formas del futuro (formas en ndashre) apenas se utilizan en el habla cotidiana y su uso se restringe en la lengua escrita a ciertos casos muy especiales (foacutermulas juriacutedicas refranes frases hechas etc) o a autores que

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

87

deliberadamente buscan un estilo arcaizante solemne o burocraacutetico(Borrego Ascencio Prieto 1985 13)

Esse tom pode ser demonstrado por exemplos extraiacutedos de Camilo Joseacute Cela (1916-2002) romancista espanhol ganhador do Precircmio Nobel de Literatura em 1989 que num artigo anterior a esse precircmio intitulado ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo (1987) escreve em forma deliberadamente solene trecircs dados em que o terceiro traz a forma condicional que nos ocupa Satildeo eles

ldquoYo me permito rogar al que leyere que se detenga no maacutes que muy breves instantes a considerar que el problema en su esencia es muy otrordquo

ldquoMateo Alemaacuten en su Guzmaacuten de Alfarache aconseja no entrar donde no se pudiere libremente salirrdquo

ldquoAlguien se encargaraacute de dar aire si mereciere la pena daacuterselordquo(CELA citado por Barros 1991 144)

Em Sintaxis hispanoamericana Kany (1969225) diz que o fu-turo do subjuntivo vigorou como forma frequente na literatura dos seacuteculos de Ouro ateacute o seacuteculo XIX sobrevivendo ainda em algumas regiotildees da Ameacuterica Hispacircnica E haacute uma passagem em Bello (1984 [1847] sect 470163) que reitera o uso dessa forma verbal ldquova cundi-endo sobre todo entre los americanosrdquo

Alarcos Llorach (1994 160) afirma tambeacutemldquoYa Andreacutes Bello consignaba el desuso de cantares y apuntoacute sus equivalenciasrdquo Sobre essas equivalecircncias haacute pontos a considerar

422 Regra para o emprego das formas em ldquondashrerdquo

Como continuaccedilatildeo agrave citaccedilatildeo anterior Alarcos Llorach (1994 160) oferece dois casos para os quais Bello apresentou equivalecircn-cias Satildeo eles ldquoSi alguien llamare (llama) a la puerta le abrireacute Es-tamos apercibidos para lo que sobreviniere (sobrebenga)rdquo e o pri-meiro deles merece as seguintes observaccedilotildees de Bello

Para que se aprecie lo que ello importa obseacutervese que en muy estimables escritores se confunden a veces la forma en ldquoaserdquo ldquoarardquo ldquoeserdquo ldquoerardquo del subjuntivo comuacuten con la en ldquoererdquo ldquoarerdquo del hipoteacutetico diciendo por ejemplo Si alguien llamase a la puerta le abriraacutes Si llegase a tiempo le convidareacute []Podemos dar a los lectores menos instruidos una regla que los preservaraacute de caer en una confusioacuten de Modos y tiempos que va cundiendo sobre todo

Luizete Guimaratildees Barros

88

entre los americanos ldquoSiempre que a la forma ldquoaserdquordquo eserdquo vemos que consiente la lengua sustituir la forma en ldquoarerdquo ldquoererdquo (acerca de la cual no cabe error en los que tengan por lengua la castellana) podemos estar seguros que esta segunda es la forma propiardquo (Bello 1984 [1847] nota al sect 470163-164)

Vecirc-se portanto que parecia vigorar a coexistecircncia entre as formas do preteacuterito imperfeito e do futuro do subjuntivo em con-dicionais com ldquosirdquo seguidas de principal em futuro E neste particular Bello dita uma regra baseado nos escritores claacutessicos e ensina que a forma em ldquo-rerdquo prevalece no caso em questatildeo Cumpre frisar que Bello fala aos menos instruiacutedos com o objetivo professoral de quem defende um modelo de liacutengua claacutessica que perdure como a voz da Ameacuterica Espanhola

Haacute que mencionar tambeacutem que a aplicaccedilatildeo dessa regra parece simples aos falantes do castelhano fator que desfavorece a noacutes falantes do portuguecircs E nos paraacutegrafos seguintes ndash sect 471 sect 472 ndash o autor discorre sobre formas em indicativo e subjuntivo que se classificam no modo hipoteacutetico Mas como nosso assunto se cir-cunscreve agraves formas em ndashre nos limitamos a exemplificar seus valores temporais na medida que expomos a seguir

423 Valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico

Bello confere quatro valores temporais agraves formas do hipoteacutetico P AP PA e APA

Comeccedilamos a expor sua explicaccedilatildeo pelos valores temporais das formas em ndashre que satildeo dois P ndash para a forma simples e AP para a composta correspondente A saber

FUTURO - P - ldquoSentildeor Caballero nosotros no conocemos a esa senotildera mos-traacutednosla que si ella fuere tan hermosa como deciacutes de buena gana y sin apremio alguno confesaremos la verdadrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 88431- 432)

A forma simples em ldquo-rerdquo tem o significado futuro e o exemplo de Cervantes ilustra este caso

A forma composta ldquohubiere cantadordquo por sua vez recebe o valor de ante-futuro ndash AP ndash pelo acreacutescimo do traccedilo de anterioridade ao valor temporal da forma simples correspondente Damos como exemplo um dado de AIT forjado por Bello

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

89

ANTE-FUTURO ndash AP - ldquoCuando se hubiere preparado la casa pasaremos a habitarlardquo(Bello AIT sect 91432)

Na gramaacutetica haacute outro exemplo de ante-futuro ldquoSi para fines de semana hubiere llegado el correordquo (Bello GCAsect 662209) tambeacutem criado por ele isto eacute natildeo eacute citaccedilatildeo de nenhum extrato retirado de obra falada ou escrita em espanhol Repare como se trata de uma expressatildeo solta em que natildeo se expotildee a sequecircncia isto eacute a conse-quecircncia loacutegica do enunciado condicional Esse fato nos leva a con-cluir que mesmo a linguagem literaacuteria e juriacutedica fazendo parte do universo do autor Bello natildeo apresenta exemplos autecircnticos da forma composta mas traz alguns dados da forma simples retirados dos seacuteculos claacutessicos da literatura espanhola

Ainda que seja difiacutecil estabelecer a data de vigecircncia em espanhol das formas em ndashre a Gramaacutetica da Real Academia constata que o futuro perfeito do subjuntivo desapareceu da liacutengua coloquial e literaacuteria fazendo parte apenas de alguns poucos exemplos da linguagem juriacutedica como

ldquoPodraacuten exigirsi no hubiere obtenido el beneficio de pobreza el abono de los derechos honorarios e indennizacionesrdquo(Ley del enjuiciamiento criminal tit XIX art 242)rdquo( GRAE 1975 482)

Para Andreacutes Bello no entanto parece natildeo ser relevante a constataccedilatildeo dos dados via um corpus determinado mas a imple-mentaccedilatildeo de casos de maneira tal que justifique a configuraccedilatildeo de um modo verbal As formas exclusivas do modo hipoteacutetico satildeo duas a simples amare e a composta hubiere amado E dois satildeo os valores temporais do modo hipoteacutetico a posterioridade - P - que abarca a forma simples amare e AP ndash ante-futuro ndash que abarca a forma composta hubiere amado

Chamo a atenccedilatildeo para o detalhe de que a posterioridade eacute traccedilo comum agraves foacutermulas do subjuntivo hipoteacutetico cujas formas exclusivas desse modo ndash formas em ndashre ndash foram expostas anteriormente Falta explicar ainda os outros dois valores temporais do modo hipoteacutetico PA ndash pos-preteacuterito e APA ndash ante-pos-preteacuterito

Para a expressatildeo dos dois valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico ndash PA e APA ndash Bello se vale de formas do subjuntivo co-mum e apresenta outros exemplos pela anteposiccedilatildeo de formas verbais que modificam os fragmentos anteriores Para expor sobre o

Luizete Guimaratildees Barros

90

pos-preteacuterito - PA Bello modifica o extrato de Cervantes antepondo-lhe uma forma verbal em passado e assim ilustra outro valor temporal do subjuntivo hipoteacutetico que se realiza pela forma simples do subjuntivo comum fuese

POS-PRETEacuteRITO ndash PA ndash ldquoDijeacuteronle que le mostrase aquella senotildera que si ella fuese tan hermosa como su merced siginificaba de buena gana confesariacutean la verdadrdquo(AIT sect 89432)

E para expor sobre o ante-pos-preteacuterito - APA Bello apresenta o exemplo com a forma composta do subjuntivo comum hubiese reparado

ANTE-POS-PRETEacuteRITO ndash APA ndashldquoSe determinoacute que cuando se hu-biese reparado la casa pasaacutesemos a habitarlardquo(AIT sect 92432)

Dessa forma apresentamos pelo menos um exemplo dos quatro valores temporais atribuiacutedos ao subjuntivo hipoteacutetico E para a melhor compreensatildeo desse assunto apresentamos outro modo verbal especiacutefico dessa teoria verbal que parece natildeo encontrar precedentes na histoacuteria da gramaacutetica espanhola os valores secun-daacuterios do indicativo Por ser essa uma categoria importante para a compreensatildeo do subjuntivo hipoteacutetico expomos agrave continuaccedilatildeo os dois modos de maneira paralela jaacute que compreendemos que se trata de estaacutegios paralelos do mesmo assunto

424 Subjuntivo hipoteacutetico valores secundaacuterios do indicativo

Aleacutem do subjuntivo hipoteacutetico Bello cria uma categoria proacutepria que chama de ldquovalores secundarios de las formas indicativasrdquo (AIT ndash sect 57 a 69 426 - 428) e de ldquosignificados secundarios de los tiempos del indicativordquo (GCA - sect 669 ndash 676 211 - 213) Trata-se das formas indicativas empregadas em oraccedilotildees que seguem uma subordinada temporal ou condicional com sentido prospectivo cujo emprego prototiacutepico se encontra no paraacutegrafo 59 de AIT como se vecirc em

ldquoCuando percibas que mi pluma se envejece (dice el Arzobispo de Granada a Gil Blas) cuando notes que se baja mi estilo no dejes de advertiacutermeloDe nuevo te lo encargo no te detengas un instante en avisarme cuando observes que se debilita mi cabezardquo [] no te detengas en avisarmerdquo (Bello AIT sect 59426)

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

91

Apresentam-se no exemplo anterior trecircs formas em presente de indicativo ndash C ndash ldquose envejecerdquo ldquose bajardquo e ldquose debilitardquo ndash que suce-dem oraccedilatildeo temporal com ldquocuandordquo cujo sentido de ldquoaprehensioacuten futurardquo justifica o acreacutescimo do valor temporal futuro ndash P ndash agrave foacutermula anterior conhecida como C ndash concomitante Desta feita esta teoria postula que CP ndash co-futuro representa o valor temporal das formas indicativas sublinhadas em que o presente do indicativo ndash C ndash recebe sentido prospectivo devido ao condicionamento sintaacutetico dado pela oraccedilatildeo temporal que antecede seu emprego

Os valores secundaacuterios do indicativo compreendem as quatro formas indicativas compostas pelo traccedilo da concomitacircncia a saber amo ndash C amaba ndash CA he amado ndash AC habiacutea amado ndash ACA que tecircm seu valor temporal alterado dada sua posiccedilatildeo em contexto de sequecircncia agrave oraccedilatildeo temporal prospectiva

Satildeo duas formas simples presente - amo ndash C co-preteacuterito - amaba ndash CA E a essas duas se antepotildee a anterioridade nas duas formas compostas correspondentes a saber ante-presente ndash he amado ndash AC e ante-co-preteacuterito - habiacutea amado ndash ACA

Ao significado temporal fundamental dessas quatro formas indicativas lhe eacute acrescentado o traccedilo de posterioridade de maneira que o valor primitivo se transforma em secundaacuterio quando em ambiente prospectivo Dessa forma o quadro a seguir mostra que no contexto sintaacutetico de um ldquosirdquo prospectivo os valores fundamentais da coluna da esquerda se transformam em posteriores na coluna da direita conforme se vecirc em

Valor Secundaacuterio do Indicativo SI+ C - Presente ndash amo se faz

CP - Co-Futuro

CA - Co-preteacuterito ndash amaba

CPA - Co-poacutes-preteacuterito

AC - Ante-presente - He amado

ACP - Ante-co-futuro

ACA - Ante-co-preteacuterito Habiacutea amado

ACPA - Ante-co-poacutes-pre-teacuterito

A tabela mostra o processo de atribuiccedilatildeo de valor temporal agraves formas indicativas que Bello explica como o ldquopresente se convierte en co-futurordquo o co-preteacuterito ldquose transformardquo em poacutes-preteacuterito assim

Luizete Guimaratildees Barros

92

como o ante-presente ldquopassa ardquo ante-futuro e o ante-co-preteacuterito ldquose converterdquo em ante-co-poacutes-preteacuterito A similaridade das palavras entre aspas e o vocabulaacuterio gerativo faz que Yllera (1981 485-486) afirme que nos encontramos diante de regras que poderiam ter sido formuladas dentro do marco da gramaacutetica gerativa e transformacional

E esta regra que envolve os valores secundaacuterios do indicativo se mostra como um dos estaacutegios para a compreensatildeo do modo hipoteacutetico que compreende a oraccedilatildeo com ldquosirdquo cujo exemplo damos a seguir

FUTURO - P - ldquoAlliacute tomaraacute vuestra merced la derrota de Cartagena donde se podraacute embarcar con buena ventura y si hay viento proacutespero mar tranquilo y sin borrasca en poco menos de nueve antildeos se podraacute estar a la vista de la gran laguna Meoacutetidesrdquo(CERVANTES citado por Bello AIT sect 94432- 433)

Haacute que notar que no paraacutegrafo 98 de AIT Bello afirma que ldquosi hayrdquo pode considerar-se como uma elipse de ldquosi sucediere que hayrdquo (Bello AIT sect 98433) Desta forma demonstramos como o valor secundaacuterio da forma de presente de indicativo ldquohayrdquo se manifesta como posterior isto eacute co-futuro ndash CP ndash ou concomitante agrave posteri-oridade dado que segue um subjuntivo hipoteacutetico da condicional ldquosi sucediere querdquo em que haacute a elipse de ldquosucediere querdquo cujo valor temporal se resume agrave posterioridade ndash P - isto eacute futuro conforme demonstra tabela a seguir

Desta maneira num primeiro estaacutegio que compreende os va-lores secundaacuterios a posterioridade eacute acrescida a foacutermulas com concomitacircncia conforme expusemos na tabela anterior e a seguir a concomitacircncia eacute retirada da foacutermula atribuiacuteda ao modo hipoteacutetico conforme se vecirc em

Modo Subjuntivo Hipoteacutetico SI+ CP = Co-Futuro se faz

P = Futuro

CPA = Co-poacutes-preteacuterito

PA = poacutes-preteacuterito

ACP = Ante-co-futuro

AP = Ante-futuro

ACPA = Ante-co-poacutes- preteacuterito

APA = Ante-poacutes-preteacuterito

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

93

Bello compreende os valores secundaacuterios como um estaacutegio para o estabelecimento dos valores temporais do subjuntivo hipoteacutetico de maneira que o traccedilo de posterioridade eacute acrescido aos valores fundamentais de formas indicativas que se compotildeem com a concomitacircncia e a seguir a concomitacircncia eacute subtraiacuteda para a caracterizaccedilatildeo do modo hipoteacutetico como se vecirc em tabela que ilustra os trecircs estaacutegios assim sistematizados

MODO SUBJUNTIVO HIPOTEacuteTICO

INDICATIVO

VALOR

PRIMAacuteRIO

VALOR

SECUNDAacuteRIO

SUBJUNTIVO

HIPOTEacuteTICO

Presente C CP- co-futuro P- futuro

Co-preteacuterito CA CPA- co-poacutes-preteacuterito PA ndash poacutes-preteacuterito

Ante-presente AC ACP- ante-co-futuro AP- ante-futuro

Ante-co-preteacuterito ACA ACPA- ante-co-poacutes-preteacuterito

APA- ante-poacutes-preteacuterito

Dessa forma o subjuntivo hipoteacutetico se configura a partir do valor primaacuterio do indicativo em valor secundaacuterio pelo acreacutescimo do traccedilo da posterioridade e na eliminaccedilatildeo do traccedilo de concomitacircncia no terceiro estaacutegio do modo hipoteacutetico

5 Consideraccedilotildees finais

A divisatildeo do subjuntivo em dois modos verbais ndash o comum e o hipoteacutetico ndash depende da consideraccedilatildeo do futuro do subjuntivo (amarehubiere amado) como forma expressiva do sistema espa-nhol O gramaacutetico venezuelano Andreacutes Bello inova ao incorporar essas formas como exclusivas do modo hipoteacutetico caracteriacutestica de construccedilotildees condicionais prospectivas como ldquoSi sucediere X ocurriraacute Yrdquo

Tal definiccedilatildeo natildeo encontra seguidores nas gramaacuteticas poste-riores devido ao fato de que as formas em ldquondashrerdquo entraram em desuso no espanhol do seacuteculo XIX conservando-se em alguns clichecircs e em linguagem juriacutedica e rebuscada opiniatildeo de alguns historiadores do castelhano

Luizete Guimaratildees Barros

94

Essa explicaccedilatildeo parece natildeo convencer no entanto ao jurista e legislador Andreacutes Bello que a empregava vez por outra inclusive o proacutelogo de sua gramaacutetica atesta o seu uso

Outra explicaccedilatildeo para a eliminaccedilatildeo desse ponto em estudos gramaticais posteriores se deve ao fato de que tal comentaacuterio se pauta em elementos elididos Concordamos portanto com A Ylera (1981) que reconhece traccedilos de racionalismo na gramaacutetica de An-dreacutes Bello por postular o modo subjuntivo hipoteacutetico de acordo com um conjunto de regras que se aplicam de maneira que incluem um estaacutegio compreendido pelos valores secundaacuterios do indicativo A semelhanccedila entre essa ideia e os pressupostos da teoria chomskiana do seacuteculo XX mostra como a gramaacutetica de Bello recupera elementos cartesianos E atesta tambeacutem como Andreacutes Bello explica em seu primeiro estudo ndash Anaacutelisis ideoloacutegico de los tiempos de la conjugacioacuten castellana ndash partes que satildeo reproduzidas posteriormente na gramaacutetica e como este autor constroacutei um tratado de orientaccedilatildeo generalista que considera a liacutengua como coacutepia do pensamento e postula que a explicaccedilatildeo de uma liacutengua serve agraves demais jaacute que todas as liacutenguas refletem o entendimento

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 1994 Gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa - Calpe

ARNAULD Antoine LANCELOT Claude 1980 [1660] Gramaacutetica general y razonada de Port-Royal (Traduccioacuten estudio preliminar ndash R Morillo-Velaverde Peacuterez) Madrid SGEL

_______ 1992 [1660] Gramaacutetica de Port-Royal Satildeo Paulo Martins Fontes

BARROS Luizete Guimaratildees 1991 Alrededor del futuro de subjuntivo Anais do IV Congresso de Professores de Espanhol Leonilda Ambrozio Nair Takeuchi (orgs) APEEPR Curitiba p 141-146

_______ 1998 Tradiccedilatildeo e inovaccedilatildeo na teoria verbal da gramaacutetica de Andreacutes Bello Tese de Doutorado UFRJ Rio de Janeiro

Dois modos subjuntivo ao modo de Andreacutes Bello

95

BELLO Andreacutes 1979 [1810] Anaacutelisis ideoloacutegica de los tiempos de la conjugacioacuten castellana Obra literaria Caracas Ayacucho p 415-459

_______ 1984[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid EDAF

BORREGO J ASCENCIO J C PRIETO E 1985 El subjuntivo ndash valores y usos Madrid SGEL

CELA Camilo Joseacute 1987 ldquoAlrededor de los premios literariosrdquo In Revista Nuevas de Espantildea n 13 87 Satildeo Paulo

DANNA Stela Maris Detregiacchi Gabriel 2014 Metalinguagem e lsquoescolha retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais da Ameacuterica do Sul Dissertaccedilatildeo de Mestrado USP Satildeo Paulo

KANY Charles E 1976 Sintaxis hispanoamericana Madrid Gredos

LAKOFF Robin 1969 ldquoReview of Grammaire geacuteneacuterale et raisoneacuteerdquo In Language v 45 june 1969 p 344

MASIP Vicente 2010 Gramaacutetica espantildeola para brasilentildeos Satildeo Paulo Paraacutebola Editorial

REAL ACADEMIA ESPANtildeOLA 1975 Esbozo de una nueva gramaacutetica de la lengua espantildeola Madrid Espasa-Calpe

RIVERO Mariacutea Luisa 1977 La concepcioacuten de los modos en la gramaacutetica de Bello y los verbos en la gramaacutetica generativa In Estudios de gramaacutetica generativa de espantildeol Madrid Caacutetedra p 69 - 85

YLLERA Alicia 1981 El verbo en Andreacutes Bello originalidad y tradicioacuten In Bello y Chile tercer congreso del bicentenario Caracas Fundacioacuten La Casa de Bello t I p 477-514

96

INOVACcedilAtildeO E CONSERVACcedilAtildeO DE ARTIGOS E PRONOMES NA GRAMAacuteTICA (1853[1847])

DE ANDREacuteS BELLO

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna (CEDOCH - Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados de um estudo acerca de continuidades e rupturas propostas por Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) pela anaacutelise da lsquometalinguagemrsquo gramatical utilizada ao tratar o estatuto de pronomes e artigos do castelhano Para tanto a anaacutelise metalinguiacutestica se baseia na metodologia desenvolvida para o Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altmanamp Coelho 2006 ndash atual) que contempla quatro paracircmetros (i) significante (ii) significado (iii) exemplos (iv) taxionomia Sabendo-se que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] 116) apresentamos neste artigo (a) informaccedilotildees de ordem externa ao autor e agrave obra (b) e dados de ordem lsquointernarsquo como as definiccedilotildees de pronome e artigo encontradas em Bello (1853[1847]) e em obras gramaticais pertencentes agrave tradiccedilatildeo hispacircnica de descriccedilatildeo linguiacutestica tais como as de Salvaacute (1852[1830]) e da Gramaacutetica da Real Academia Espantildeola (1771) Os resultados apontam para a existecircncia de continuidades e descontinuidades entre as obras destacando-se entre as rupturas empreendidas por Bello a exclusatildeo de pronomes e artigos das classes de palavras a singularidade dos pronomes pessoais de primeira e segunda pessoa e o caraacuteter transfrasal de suas anaacutelises

ABSTRACT This paper aims to present the results from the study regarding the existence of continuities and discontinuities proposed by Andreacutes Bello (Venezuela 1781 ndash 1865) on the Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) by analyzing the grammatical ldquometalanguagerdquo applied for the treatment of the relation between Spanish pronouns and articles In this sense the metalanguage analysis is based on the methodology developed for the Projeto Documenta Gramaticae et Historiae (Altman amp Coelho 2006 ndash atual) which comprehends four parameters (i) signifier (ii) signified (iii) examples (iv) taxonomy Knowing that the metalinguistic studies are made by subjects who interact with each other in a contemporaneous socio-political-cultural context and a past scientific tradition (Swiggers 2005[2004] 116) it is presented on this paper (a) data that are ldquoexternalrdquo to the author and his work and (b) data that are ldquointernalrdquo such as the definitions of pronoun and article found in Bello (1853 [1847]) and in grammatical works belonging to the Hispanic tradition of linguistic description as in RAE (1771) Garceacutes (1791) and Salvaacute (1835[1830]) The results point to the existence of some continuities and significant ruptures launched by Bello such as the exclusion of pronouns and articles from the parts of speech the singularity of the first and second person personal pronouns and the transphrasal character of his analysis

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

97

0 INTRODUCcedilAtildeO

Este trabalho 70 tem o objetivo de investigar continuidades e descontinuidades metalinguiacutesticas relacionadas ao tratamento dado aos artigos e pronomes na Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847]) de Andreacutes Bello (1781 ndash 1865) A escolha deste tema deve-se agrave grande polecircmica que gira em torno da definiccedilatildeo e estatuto de tais categorias no esquema gramatical do gramaacutetico venezuelano merecedora de diversas reflexotildees posteriores (Alarcos Llorach 2009[1999] Carreter sd Martiacutenez 1989 entre outros) que apontaram ora lsquoinovaccedilatildeorsquo ora lsquoconservaccedilatildeorsquo nos estudos de Bello

A anaacutelise metalinguiacutestica da qual partimos baseia-se na meto-dologia do Projeto Documenta Grammaticae et Historiae71 (Altman amp Coelho 2006ndashatual) que contempla a observaccedilatildeo de quatro categorias

a) Significante isto eacute expressatildeo metalinguiacutestica emprega-da para tratar de um dadofenocircmeno da liacutengua-objeto b) Significado a definiccedilatildeo proposta pelo autor para aquele tipo de dadofenocircmeno c) Exemplos os dados linguiacutesticos apresentados sua natureza e status dentro do sistema segundo os proacuteprios autores d) Taxonomia isto eacute a rede terminoloacutegica a que cada termo selecionado estava vinculado

Para atingirmos o objetivo traccedilado averiguamos as continui-dades e rupturas por meio do cotejo entre as sistematizaccedilotildees pre-sentes em Bello (1853 [1847]) e aquelas presentes nas obras que ele 70 A presente investigaccedilatildeo estaacute vinculada agrave dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul na qual buscamos verificar em linhas gerais os diaacutelogo que Andreacutes Bello (Venezuela 1781 minus 1865) e Manuel Said Ali Ida (Brasil 1861 minus 1953) estabeleceram com tradiccedilotildees europeias e americanas de estudos da linguagem nas obras Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) e Difficuldades da Liacutengua Portugueza (1919[1908]) 71 O Projeto Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de Documentaccedilatildeo Linguiacutestica e Historiograacutefica realizado pelos pesquisadores do CEDOCH (Centro de Documentaccedilatildeo em Historiografia Linguiacutestica) propotildee constituir um banco de dados que reuacutena (a) versotildees eletrocircnicas de textos gramaticais representativos da tradiccedilatildeo iberoamericana (b) um conjunto de dados que contextualizem esses textos e (c) o mapeamento da metalinguagem que tem caracterizado esta tradiccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

98

cita no proacutelogo como bases para a elaboraccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana a saber Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) e a Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849) 72

1 BELLO E A GRAMAacuteTICA DE LA LENGUA CASTELLANA (1853[1847])

Considerando que os estudos linguiacutesticos satildeo realizados por sujeitos que interagem entre si com um contexto soacutecio-poliacutetico-cultural contemporacircneo a eles e com uma tradiccedilatildeo cientiacutefica passada (Swiggers 2005[2004] p 116) acreditamos na importacircncia de comentarmos brevemente informaccedilotildees de ordem lsquocontextualrsquo isto eacute pertencentes agraves dimensotildees social poliacutetica e cultural (designada tambeacutem como lsquodimensatildeo externarsquo) de Bello sua obra e do clima de opiniatildeo (Koerner 1996)

Andreacutes Bello foi poliacutetico professor jurista e gramaacutetico Viveu em diferentes paiacuteses na Venezuela na Inglaterra e no Chile Neste uacuteltimo paiacutes contribuiu para o crescimento da receacutem-criada Uni-versidade do Chile As diferentes atividades que exerceu e os dis-tintos lugares em que residiu possibilitaram-lhe entrar em contato com correntes intelectuais europeias em especial as francesas e inglesas (Velleman 1976) e a estabelecer amizade com renomados estudiosos tais como Jeremy Bentham (1748 minus 1832) James Mill (1773 minus 1836) John Stuart Mill (1806 minus 1873) Joseacute Mariacutea Blanco White (1775 minus 1841) Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Vicente Salvaacute (1786 ndash 1849) entre outros

Publicou em 1847 a primeira ediccedilatildeo da Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos considerada - ateacute certo ponto - uma continuadora da tradiccedilatildeo gramatical espanhola (cf Trujillo 1988 Lliteras 2000 Arnoux 2008) por conter referecircncias

72 Natildeo incluiacutemos em nossa anaacutelise a obra Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) por natildeo conter material significativo a respeito da relaccedilatildeo entre pronomes e artigos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

99

expliacutecitas73 a textos gramaticais ibeacutericos tais como Gramaacutetica de la lengua castellana (1771) da Real Academia Espantildeola Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas de Gregorio Garceacutes (1733 ndash 1805) Opuacutesculos gramaacutetico-satiacutericos (1832[1823]) de Juan Antonio Puigblanch (1775 ndash 1840) Gramaacutetica de la Lengua Castellana seguacuten ahora se habla (18305[1830]) de Vicente Peacuterez Salvaacute (1786 ndash 1849)

Natildeo obstante esta gramaacutetica tambeacutem foi percebida por alguns analistas como inovadora e influente no contexto latino-americano As novidades propostas pelo gramaacutetico hispano-americano seriam esperadas considerando-se o momento histoacuterico-ideoloacutegico em que sua Gramaacutetica foi publicada marcado pelos movimentos de emancipaccedilatildeo das colocircnias hispano-americanas e pela consequente reorganizaccedilatildeo poliacutetica e social destes novos paiacuteses Nesse contexto segundo a literatura criacutetica especiacutefica Bello teria dado uma nova direccedilatildeo aos estudos linguiacutesticos da Ameacuterica por enxergar no idioma um emblema nacionalista assim seria para ele importante descrever a liacutengua castelhana em suas particularidades locais

Neste sentido uma das inovaccedilotildees da Gramaacutetica de la lengua castelhana reconhecida pelas crocircnicas histoacutericas posteriores teria sido a inclusatildeo da linguagem oral dos americanos (Barros 2000 54) Arnoux (2008 215) indica ainda como inovadoras a ideia de garantir uma autonomia agraves liacutenguas74 e a valorizaccedilatildeo de certas varian-tes linguiacutesticas americanas do castelhano Por sua vez Lujaacuten identifica nesta Gramaacutetica traccedilos precursores de um Programa Minimalista ao propor que Bello por exemplo eliminaria a distinccedilatildeo entre as categorias de nome e adjetivo (este seria uma subclasse do nome) (Lujaacuten 1999)

Haacute ainda estudiosos que sem especificar temaacuteticas dizem considerar natildeo soacute a Gramaacutetica mas o proacuteprio autor como um exemplo de ldquotransfusatildeo culturalrdquo e ldquobalance finalrdquo entre uma Espa-nha dos seacuteculos XVI XVII e XVIII e um ldquoestilordquo hispano-americano proacuteprio de se proceder (Baquero 1989 p 139)

73 Ou segundo Koerner (1996a) poderiacuteamos dizer ldquoinfluecircncias expliacutecitasrdquo (p 61) 74 Por meio da adoccedilatildeo de um modelo especiacutefico ndash e natildeo geral aplicado a vaacuterios idiomas ndash de descriccedilatildeo linguiacutestica

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

100

2 OS PRONOMES E ARTIGOS EM BELLO (1853[1847])

O estatuto que Andreacutes Bello atribui aos pronomes e artigos eacute um dos temas que repercutiu nos estudos posteriores por ser ora considerado inovador ora conservador Detendo-nos na sistemati-zaccedilatildeo que propotildee na Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos (1853[1847]) verificamos que os pronomes seriam para Bello ldquonombres que significan primera segunda oacute tercera persona ya expresen esta sola idea ya la asocien con otrardquo (1853[1847] 47) Natildeo fariam parte das sete classes de palavra da liacutengua castelhana75 e dividir-se-iam em (i) pessoais (ii) possessivos e (iii) demonstrativos

Dentre estas subcategorias os pronomes pessoais tomariam a posiccedilatildeo de sujeito (yo tuacute nosotros vosotros) de complemento (me te nos vos) ou de teacutermino (miacute ti nosotros vosotros) e indicariam primeira segunda ou terceira pessoa Contudo os exemplos ofere-cidos pelo gramaacutetico englobam apenas os pronomes que identifi-cariacuteamos como de primeira ou segunda pessoa a saber yo tuacute no-sotros e vosotros A exclusatildeo dos pronomes de terceira pessoa (eacutel ella ellos e ellas) ficaria notoacuteria no seguinte fragmento ldquoLa misma indeterminacioacuten de persona se encuentra aun en los adjetivos eacutel y aquel que se tienen por de la tercerardquo (Bello 1853[1847] 48)

O gramaacutetico indica a diferenccedila entre os pronomes pessoais do caso nominativo utilizados nos lsquoexemplosrsquo isto eacute os pronomes de primeira (yo e nosotros) e segunda pessoa (tuacute e vosotros) e os pronomes de terceira pessoa que por seu caraacuteter de indetermina-ccedilatildeo 76 estariam mais proacuteximos dos demonstrativos Por sua vez pronomes de primeira e segunda pessoa como yo e tuacute assinalariam especificamente as pessoas do momento de fala

Jaacute os pronomes possessivos indicariam possessatildeo ou pertenccedila em primeira segunda ou terceira pessoa Teriam como formas miacuteo

75 Para Bello as sete classes de palavras incluem substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo 76 A indeterminaccedilatildeo se daria pela ausecircncia de outro dado que especificasse o sentido Em outras palavras Bello indica que os pronomes de primeira e segunda pessoa teriam a especificidade de per se enquanto os pronomes de terceira pessoa ndash assim como os demonstrativos ndash necessitariam vincular-se a outros dados para possuiacuterem um significado determinado no que se refere a pessoa

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

101

tuyo nuestro vuestro suyo e derivados As formas que antecederiam substantivos ndash tais como mi(s) tu(s) su(s) ndash seriam resultantes de apoacutecopes nas primeiras

Os pronomes demonstrativos teriam a funccedilatildeo de ldquomostrar los objetos sentildealando su situacioacuten respecto de determinada personardquo (Bello 1853[1847] 53) De acordo com a proximidade ou distacircncia do objeto com relaccedilatildeo agrave primeira ou segunda pessoa os dados lin-guiacutesticos relacionados a essa lsquodefiniccedilatildeorsquo satildeo assim divididos (a) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira pessoa ndash ex este esta estos estas (b) os que indicam proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave segunda pessoa ndash ex ese esa esos esas (c) os que indicam distacircncia do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira e segunda pessoas ndash ex aquel aquella aquellos aquellas

Separado do capiacutetulo dos pronomes poreacutem sucedendo-o en-contramos um texto sobre os artigos definidos que nas palavras do gramaacutetico venezuelano se assemelhariam aos demonstrativos

El la es por consiguiente un demostrativo como aquella y esta pero que demuestra oacute sentildeala de un modo mas vago no expresando mayor oacute menor distancia Este demostrativo llamado ARTIacuteCULO DEFINIDO es adjetivo y tiene diferentes terminaciones para los varios geacuteneros y nuacutemeros la casa los campos las casasrdquo (Bello 1853[1847] 55-56 [itaacutelicos do autor negritos meus])

Conforme depreendemos da citaccedilatildeo Bello demonstra cap-tar forte relaccedilatildeo entre as unidades linguiacutesticas correspondentes a pronomes demonstrativos e artigos definidos O gramaacutetico consi-dera os artigos apenas os definidos e os aproxima dos pronomes eacutel ella ellos ellas

Entende ainda que as formas pronominais teriam dado ori-gem agraves formas articulares ldquodebemos pues mirar las formas el la los las como abreviaciones de eacutel ella ellos ellas y estas uacuteltimas como las naturales y primitivas del artiacuteculo (Bello 1853[1847] 57-58 [itaacutelicos do autor]) A diferenccedila de uso entre os artigos abreviados (el la los las) e os iacutentegros (eacutel ella ellos ellas) dependeria da existecircncia ou conhecimento do substantivo a ser especificado Na sua presenccedila ou conhecimento empregar-se-ia a forma encurtada na sua ausecircncia ou desconhecimento a forma completa

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

102

A categorizaccedilatildeo das formas natildeo-abreviadas parece ser uma dificuldade para o gramaacutetico Pela histoacuteria origem e determinados usos seriam artigos poreacutem estas formas tambeacutem compartilham propriedades dos pronomes pessoais como a declinaccedilatildeo por casos e sua vinculaccedilatildeo ao verbo da proposiccedilatildeo Esta questatildeo polecircmica mereceu o acreacutescimo de uma nota especiacutefica em ediccedilotildees posteriores na qual Bello afirma que

La idea que doy del artiacuteculo definido en el capiacutetulo XIV me parece fundada en observaciones incontrastables que sin metafiacutesicas ni sutilezas manifiestan pertenecer esta palabra a la familia de los pronombres demostrativos (Bello 1988[1853] 794 ndash notas [negritos nossos])

Si se imputase haber sostenido que el artiacuteculo era un pronombre demostrativo o que cierto pronombre que se llama comuacutenmente personal era un artiacuteculo se habriacutea dicho la pura verdad (Bello 1988[1853] 795 ndash notas [itaacutelicos do autor negritos nossos])

Os fragmentos acima parecem indicar o posicionamento do gramaacutetico a favor da inclusatildeo dos artigos dentro da subclasse pro-nomes demonstrativos Ao mesmo tempo Bello adverte que artigos e pronomes pessoais seriam distintos poreacutem tambeacutem reconhece que as obras gramaticais anteriores vecircm oscilando ao categorizar as formas eacutel la ellos e ellas ora como artigos ora como pronomes pessoais Aleacutem disso Bello recupera os termos primeira segunda e terceira pessoa e em apenas um uacutenico momento de sua Gramaacutetica inclui as formas integrais como eacutel entre as partiacuteculas pronominais

La declinacion por casos es exclusivamente propia de los pronombres yo tuacute eacutel (en ambos nuacutemeros y geacuteneros) y del sustantivo derivado ello pero aunque los otros nombres no la tienen pues que su estructura material no varia ya sean sugetos complementos oacute teacuterminos podemos designar en ellos tres casos bajo una sola forma nominativo complementario acusativo y terminal (Bello 1853[1847] 61 [itaacutelicos do autor])

Foi justamente a dificuldade de categorizaccedilatildeo de artigos e pronomes vista acima que suscitou interpretaccedilotildees divergentes a respeito da compreensatildeo que Bello tinha do tema Para Carreter (sd 367) por exemplo o artigo em Bello seria uma variedade do pronome demonstrativo ao passo que Martiacutenez (1989) por sua vez

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

103

interpreta que os artigos satildeo concebidos por Bello como de-monstrativos ndash e natildeo pronomes - por derivarem dos chamados de-monstrativos latinos

Afinal essa dificuldade jaacute estava presente nas obras que ele diz tomar por base Em outras palavras retomamos a nossa per-gunta principal Bello conserva ou inova ao apontar essa dificuldade Em que medida O que ela pode nos revelar sobre o caraacuteter inovador ou conservador de sua obra

Perseguindo o nosso objetivo expomos entatildeo o exame das lsquodefiniccedilotildeesrsquo lsquotermosrsquo e lsquorede terminoloacutegicasrsquo relacionados ao tema dos pronomes e artigos encontradas nas obras que Bello diz seguir no proacutelogo da Gramaacutetica de la lengua castellana (1853[1847])

3 O TRATAMENTO DADO AOS PRONOMES E ARTIGOS NAS OBRAS DE BASE

31 A Gramaacutetica da RAE (1771)

De acordo com a Gramaacutetica de la Real Academia Espantildeola cuja primeira ediccedilatildeo data de 1771 obra mais antiga dentre as que Bello diz tomar como base pronomes e artigos separadamente integrariam as nove partes da oraccedilatildeo da liacutengua castelhana junto do nome verbo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo

O pronome eacute entendido nesta obra como ldquopalabra oacute parte de la oracion que se pone en lugar del nombrerdquo (RAE 1771 34) e se subclassificaria em pessoal demonstrativo possessivo e relativo

Os pronomes pessoais que indicam o agente que realiza um ofiacutecio satildeo divididos em primeira (ex yo mi me nosotros nos) se-gunda (ex tuacute ti a ti vosotros vosos) e terceira pessoa (ex eacutel le la lo ello se si consigo) Os pronomes demonstrativos antecederiam nomes e teriam a funccedilatildeo de demonstrar ou indicar a proximi-dadedistacircncia de uma pessoa ou objeto assumindo como paracirc-metro os interlocutores do momento de fala Os pronomes possessivos atribuiriam a posse de um ente a uma pessoa e compartilhariam as formas e significaccedilotildees dos adjetivos Jaacute as partiacuteculas reunidas sob o lsquosignificantersquo pronomes relativos fariam a ldquorelacioacuten aacute persona oacute cosa que ya se ha dichordquo (RAE 1771 47)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

104

No Quadro 1 reunimos sinteticamente as subclassificaccedilotildees dos pronomes presentes nesta gramaacutetica e na de Bello para uma melhor visualizaccedilatildeo

RAE (1771) Pessoal Demonstrativo Possessivo Relativo Exemplos

linguiacutesticos Yo mi me tu

te eacutel le lo etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro etc

Que quien qual cuyo

etc Bello

(1853[1847]) Pessoal Demonstrativo Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute no-sotros voso-tros me te

etc

Este ese aquel aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Quadro 1 As subcategorias do Pronome (RAE-Bello)

Por sua vez o artigo eacute definido como a parte da oraccedilatildeo que tem como finalidade distinguir os gecircneros dos nomes Os artigos se diferenciariam facilmente do pronome de acordo com o elemento gramatical que o antecederia ou sucederia

quando son artiacuteculos se ponen siempre aacutentes de nombres como el hombre la muger los hombres lo bueno lo faacutecil pero quando son pro-nombres se ponen siempre aacutentes o despueacutes del verbo como eacutel habloacute oacute habloacute eacutel la dixeron oacute dixeacuteronla la castigaron oacute castigaacuteronla [hellip] (RAE 1771 37 [itaacutelicos do autor])

Verificamos que haacute em geral a conservaccedilatildeo de lsquosignificantesrsquo com respeito aos pronomes nas duas obras assim como a existecircncia de criteacuterios semacircnticos sintaacuteticos e pragmaacutetico-discursivos para a subclassificaccedilatildeo das partiacuteculas pronominais Diferentemente de Bello que inclui os pronomes relativos no grupo dos demonstrativos a Gramaacutetica da RAE entende que estes dados linguiacutesticos constituiriam outra subclasse Vemos que esta divergecircncia taxonocircmica deriva das distintas lsquodefiniccedilotildeesrsquo atribuiacutedas a estas duas subclasses Com relaccedilatildeo aos artigos observamos que ali estariam reunidos apenas os definidos assim como em Bello Entretanto ressaltamos que a obra espanhola natildeo menciona nenhum tipo de discussatildeo nem revela falta de clareza ao definir eou categorizar dados linguiacutesticos entre os pronomes e os artigos definidos

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

105

32 Os Fundamentos de Garceacutes (1791)

A obra Fundamentos del vigor y elegancia de la lengua castellana (1791) escrita por Gregorio Garceacutes embora natildeo ofereccedila ao leitor uma sistematizaccedilatildeo clara e hierarquizada da liacutengua castellana trata das partes constituintes deste idioma que incluem os artigos e os pronomes

Apesar de o autor natildeo apresentar uma definiccedilatildeo ou divisatildeo dos pronomes pela leitura da obra conseguimos distinguir as seguintes subcategorias dos pronomes (i) primitivos (ex yo tu eacutel nosotros nos vosotros vos si se le etc) divididos em primeira segunda e terceira pessoa que teriam a propriedade de se declinarem por casos (nominativo ou obliacutequo - acusativo e dativo) (ii) possessivos (ex mi tu su mio tuyo suyo cuyo etc) (iii) demonstrativos (ex este aqueste ese aquel) cujo uso dependeria da proximidade do objeto em relaccedilatildeo agrave primeira segunda ou terceira pessoa (iv) relativos (ex tal) (v) indeterminados (ex alguno) e (vi) distributivos (ex otrootro unootro)

O quadro abaixo apresenta um contraste entre as subdivi-sotildees dos pronomes proposta Bello (1853[1847]) e as subcategorias que inferimos da leitura de Garceacutes (1791)

Quadro 2 As subcategorias do Pronome (Garceacutes-Bello)

Podemos dizer portanto que houve conservaccedilatildeo de alguns lsquosignificantesrsquo relativos ao pronome entre as obras de Garceacutes e Bello embora o primeiro indique mais subclasses pronominais incluindo

Garceacutes Primitivo Demons- trativo

Possessivo Relativo Indeter- minado

Distribu- tivo

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tu eacutel nosotros nos voso-tros se le

etc

Este ese aquel

aqueste etc

Miacuteo mi tuyo tu nuestro vuestro

cuyo etc

Tal etc Alguno etc

Otrohellipotro Unohellipuno

Bello (1853

[1847])

Pessoal Demons-trativo

Possessivo - - -

Exemplos linguiacutes-

ticos

Yo tuacute noso-tros vo-

sotros me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu

nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

106

nestas subcategoriais outros lsquodadosrsquo linguiacutesticos natildeo citados por Bello

Com efeito os artigos satildeo definidos nos Fundamentos pela sua funccedilatildeo de ldquodeterminar y distinguir la persona oacute cosa con quien se acompantildeardquo e ldquoexpresa pues lo tres geacuteneros en singular asiacute el cielo la tierra lo profundordquo (Garceacutes 1791 1 [itaacutelicos do autor]) Vemos que assim como na Gramaacutetica de la RAE Gregorio Garceacutes natildeo cita as formas identificadas como artigos indefinidos

Eacute interessante observar que no capiacutetulo sobre artigo este autor menciona o que ele chama de vozes le los las les etc advertindo que estas seriam casos obliacutequos relacionados ao pronome eacutel e natildeo artigos Natildeo obstante no capiacutetulo dos pronomes o religioso explicita a dificuldade de classificar as partiacuteculas presentes nas expressotildees la de e el de em frases como el de los muchos trabajos77 entre artigos ou entre formas equivalentes aos pronomes demonstrativos Apenas a explicitaccedilatildeo do sujeito como em el heacuteroe de los muchos trabajos poderia sanar esta confusatildeo

Apesar de natildeo apresentar uma sistematizaccedilatildeo gramatical e enfocar traccedilos de estilo a respeito do uso por exemplo de deter-minados artigos ou elisotildees constatamos que Garceacutes e Bello coinci-dem ao classificar e tratar os chamados artigos definidos Por sua vez o espanhol indica a complexidade de classificar certos dados linguiacutesticos como pronome ou artigo devido ao seu contexto espe-ciacutefico de uso

33 A Gramaacutetica de Salvaacute (1835[1830])

Vicente Salvaacute na sua Gramaacutetica de la lengua castellana seguacuten ahora de habla (1835[1830]) concebe estas duas categorias gramaticais como autocircnomas embora as comente tambeacutem em um mesmo capiacutetulo intitulado ldquoDel artiacuteculo y del pronombrerdquo Ambas integrariam as nove partes da oraccedilatildeo junto do nome verbo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo e conjunccedilatildeo

Salvaacute define o pronome como ldquoun signo que indica las personas que intervienen en la conversacionrdquo (Salvaacute 1835[1830] 49) Considerando que em uma conversaccedilatildeo poderia haver ateacute trecircs

77 Exemplo presente nos Fundamentos (1791)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

107

pessoas os pronomes pessoais se dividiriam em trecircs primeira pessoa (yo nosotros) segunda pessoa (tu vosotros) e terceira pessoa (eacutel ella ellos ellas) Aleacutem dos pessoais Salvaacute comenta a existecircncia dos chamados pronomes demonstrativos (este ese aquel e derivados) pronomes indefinidos ou indeterminados (ninguno alguien etc) pronomes possessivos (miacuteo tuyo suyo etc) e finalmente os pronomes relativos (cuyo cual quien que) Estes uacuteltimos seriam mais propriamente adjetivos

Em contraste com a sistematizaccedilatildeo de Bello (1853[1847]) os pronomes em Salvaacute (1835[1830]) podem ser representados e con-trapostos conforme apresentamos no Quadro 3

Quadro 3 As subcategorias do Pronome (Salvaacute-Bello)

Observamos portanto que Salvaacute subdivide os pronomes em

cinco categorias ao passo que Bello reconhece apenas trecircs delas Em geral as categorias presentes em ambas as esquematizaccedilotildees englobam os mesmos fenocircmenos linguiacutesticos exceto a classe dos pronomes pessoais Salvaacute natildeo expotildee duacutevidas ao classificar eacutel ella e seus plurais nesta categoria enquanto Bello oscila Contudo ambos parecem identificar os pronomes ndash em especial os pessoais ndash com os actantes da conversaccedilatildeo

O artigo ndash englobando nesta classe ao contraacuterio de Bello tanto os definidos (el la los las) como os indefinidos (un una unos unas) ndash seria caracterizado pela funccedilatildeo que exerce na oraccedilatildeo Em linhas gerais serviriam para (i) indicar a espeacutecie do objeto (ii) determinar

Salvaacute (1835[1830])

Pessoal Demons-trativos

Indefinido ou Indeter-

minado

Possessivo Relativo

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute eacutel ella vos

nos me te etc

Este ese aquel

aqueste aquese etc

Ninguno alguien otro etc

Mio Tuyo suyo nuestro vuestro etc

Cuyo cual que quien etc

Bello (1853[1847])

Pessoal Demonstrativo

- Possessivo -

Exemplos linguiacutesticos

Yo tuacute nosotros vosotros

me te etc

Este ese aquel

aquello etc

Miacuteo tuyo mi tu nuestro vuestro etc

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

108

o indiviacuteduo de que se fala (iii) apontar o gecircnero e nuacutemero do nome que o sucede

Segundo o estudioso espanhol artigos definidos e indefinidos se diferenciariam pela propriedade de particularizaccedilatildeo os primeiros particularizariam o objeto ou ente de que se fala enquanto o segundo natildeo Salvaacute indica ainda que os artigos definidos conteriam uma forccedila demonstrativa isto eacute atuariam como demonstrativos Por este motivo objetos ou entes uacutenicos (como por exemplo a palavra Dios 78 [Deus] nomes proacuteprios etc) natildeo necessitariam de artigos definidos pois implicitamente jaacute estariam particularizados

Sinteticamente verificamos portanto que Salvaacute acrescenta a subcategoria indefinido aos definidos ndash que em Bello seriam os verdadeiros artigos Ambos os conjuntos de dados teriam uma mesma funccedilatildeo geral poreacutem os artigos definidos se diferenciariam dos indefinidos pela capacidade de particularizar um ente ou objeto Esta particularizaccedilatildeo poderia converter-se em um poder de demonstraccedilatildeo ou identificaccedilatildeo levando Salvaacute a identificar uma forccedila demonstrativa nesta classe de artigos

34 Siacutentese

A anaacutelise detalhada exposta acima acerca dos lsquosignificantesrsquo das lsquodefiniccedilotildeesrsquo dos lsquoexemplosrsquo e da lsquorede taxonocircmicarsquo propostos pela RAE (1771) por Gregoacuterio Garceacutes (1791) Vicente Salvaacute (1835[1830]) e Andreacutes Bello (1853[1847]) pode ser esquematizada no Quadro 4

78 Exemplo apresentado por Salvaacute (1835[1830] 143)

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

109

Partes da oraccedilatildeo

Limite entre pronomes e

artigos

Subcategorias dos pronomes

Subcategoria dos artigos

RAE (1771) nome verbo pronome artigo particiacutepio adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Bem niacutetido pessoal demonstrativo possessivo relativo

-

Garceacutes (1791) - Niacutetido em alguns contextos

e pouco niacutetido em outros

primitivo demonstrativo possessivo relativo indeterminado distributivo

-

Salvaacute (1835[1830])

nome verbo pronome artigo particiacutepio preposiccedilatildeo adveacuterbio interjeiccedilatildeo conjunccedilatildeo

Niacutetido pessoal demonstrativo indefinido ou indeterminado possessivo relativo

definido indefinido

Bello (1853[1847])

substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo interjeiccedilatildeo

Pouco niacutetido pessoais possessivos demonstrativos

definido (iacutentegros e abreviados)

Quadro 4 Pronome e artigos nas quatro obras analisadas

4 NUANCES DE lsquoCONSERVACcedilAtildeOrsquo E lsquoINOVACcedilAtildeOrsquo METALINGUIacuteSTICAS EM BELLO (1853[1847])

Ao longo da anaacutelise empreendida pudemos perceber algumas manutenccedilotildees que Bello operou em sua gramaacutetica por exemplo (i) as categorias pronominais tais como os pronomes possessivos e demonstrativos estatildeo presentes nas quatro gramaacuteticas (ii) Salvaacute e Bello apresentam semelhanccedilas na definiccedilatildeo e sistematizaccedilatildeo dos pronomes pessoais eles representariam os actantes da conversaccedilatildeo

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

110

(iii) Bello considera como artigos apenas os definidos assim como a Gramaacutetica da RAE e os Fundamentos de Garceacutes

Poderiacuteamos tambeacutem observar algumas nuances de continui-dades e descontinuidades Referimo-nos por exemplo (i) agrave pontual dificuldade que Garceacutes demonstra em classificar as formas eacutel la los las em determinados contextos linguiacutesticos que poderia ter auxiliado Bello em sua reflexatildeo sobre os pontos de contato entre pronomes e artigos e (ii) agrave propriedade demonstrativa do artigo apontada tambeacutem por Salvaacute embora o espanhol classifique pro-nomes e artigos em categorias distintas

Contudo tambeacutem foi possiacutevel detectar fortes rupturas em Bello (1853[1847]) A primeira que citamos eacute a exclusatildeo dos pronomes e artigos dentre as classes de palavra da liacutengua castelhana A segunda seria a natildeo-inclusatildeo das formas eacutel ella ellos ellas nos exemplos dos pronomes pessoais A terceira seria a inclusatildeo dos artigos definidos dentro da subclasse (pronomes) demonstrativos expliacutecita em nota acrescentada em ediccedilatildeo posterior

Essas rupturas revelam que Bello identifica uma especificidade na primeira e segunda pessoa que as diferenciaria da chamada terceira pessoa Esta intuiccedilatildeo do gramaacutetico caraquenho no entanto natildeo aparece detalhadamente formalizada Na verdade evidencia uma anaacutelise aleacutem da frase que considera o momento de fala Sabemos que apenas um seacuteculo depois Eacutemile Benveniste sis-tematizou a categoria pessoa no capiacutetulo ldquoA natureza dos pronomesrdquo da obra Problemas de linguumliacutestica geral I (2005[1966]) considerando o momento de enunciaccedilatildeo De acordo com Benveniste a singularidade do pronome eu e consequentemente de tuvocecirc estaria ligada ao fato de que ldquonatildeo constituem uma classe de referecircncia uma vez que natildeo haacute lsquoobjetorsquo definiacutevel como eurdquo (Benveniste 2005[1966] 278)

Quanto agrave taxionomia as unidades pronominais caracterizadas por Bello como correspondentes agrave terceira pessoa ndash eacutel ella e seus plurais ndash aparecem estritamente ligadas aos artigos definidos el la los las e aos pronomes demonstrativos Bello eacute portanto o uacutenico a excluir minus dentre os materiais de anaacutelise consultados minus a terceira pessoa dos lsquoexemplosrsquo de pronomes pessoais e a vincular esses dados diretamente aos artigos e pronomes demonstrativos sem definir a qual destes ofiacutecios pertenceriam

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

111

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Os dados analisados apontam assim tanto para inovaccedilotildees significativas quanto para algumas conservaccedilotildees entre Bello e os autores que o caraquenho diz tomar como base Estes autores naturais da Espanha ex-metroacutepole das receacutem-independentes naccedilotildees latino-americanas estiveram presentes na formaccedilatildeo erudita de Bello Dessa forma era de se esperar que o sistema gramatical do venezuelano tivesse pontos de contato com essas obras

Com efeito Bello parece adaptar os conhecimentos que adquiriu aos problemas que investigou Essas adaptaccedilotildees estatildeo relacionadas agrave sensibilidade que este estudioso revelou ao interpretar e aplicar com pertinecircncia os conhecimentos a que teve acesso identificando a importacircncia do contexto transfrasal na reflexatildeo que faz a respeito do caraacuteter demonstrativo do artigo e da singularidade da terceira pessoal pronominal

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ALARCOS LLORACH Emilio 2009[1999] Gramaacutetica de la lengua espantildeola Real Academia Espantildeol Coleccioacuten Nebrija y Bello Madrid Espasa Calpe

ALTMAN Cristina amp COELHO Olga 2006-atual Documenta Gramaticae et Historiae Projeto de documentaccedilatildeo linguumliacutestica e historiograacutefica (Projeto integrado CEDOCH-DLUSP CNPq) Endereccedilo eletrocircnico httpwwwfflchuspbrdldocumenta

ARNOUX Elvira N de 2008 Los discursos sobre la nacioacuten y el lenguaje en la formacioacuten del Estado (Chile 1842 ndash 1862) Estudio glotopoliacutetico 1ordf ed Buenos Aires Santiago Arcos editor

BAQUERO G 1989 Andreacutes Bello Cuadernos Hispanoamericanos Nordm 464 Madrid feb p 136 ndash 139

BARROS L G 2000 ldquoLengua y nacioacuten en la Gramaacutetica de Bellordquo Anuario brasilentildeo de estudios hispaacutenicos 10 p 47 ndash 56

BELLO Andreacutes 1853 [1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Imprenta de la biblioteca econoacutemica de educacioacuten y ensentildeanza

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna

112

______________ 1988[1847] Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco Libros

BENVENISTE E 2005[1966] Problemas de linguiacutestica geral I Traduccedilatildeo de Maria da Gloacuteria Novak e Maria Luisa Neri Campinas Pontes editores

CARRETER Fernando Laacutezaro sd ldquoEl problema del artiacuteculo en espantildeol una lanza por Bellordquo Homenaje a la memoria de don Antonio Rodriacuteguez-Montildeino 1910-1970 Valencia Cristalia p 347 ndash 371

DANNA S M D G 2014 Metalinguagem e lsquoescolha de retoacutericarsquo em Bello (1853[1847]) e Said Ali (1919[1908]) faces dos estudos gramaticais na Ameacuterica do Sul 218 paacuteginas Dissertaccedilatildeo de Mestrado Satildeo Paulo Universidade de Satildeo Paulo

GARCEacuteS Gregorio 1791 Fundamento del vigor y elegancia de la lengua castellana expuesto en el propio y uso vario de sus partiacuteculas Madrid Imprenta de la viuda de Ibarra

RAE 1771 Gramaacutetica de la Lengua Castellana compuesta por la Real Academia Espantildeola Madrid D Joachin de Ibarra Disponiacutevel em cervantesvirtualcom e em archiveorg (28082013)

KOERNER K 1996 ldquoQuestotildees que persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo Revista da Anpoll nordm2

LLITERAS M 2000 ldquoLa gramaacutetica de Bello y sus fuentes hispaacutenicasrdquo SCHMITT Christian CARTAGENA Nelson (eds) La Gramaacutetica de Andreacutes Bello (1847-1997) Bonn Romanistischer Verlag p 82 ndash 102

LUJAacuteN Marta 1999 ldquoMinimalist Bello Basic Categories in Bellorsquos Grammarrdquo GUTIERREZ-REXACH J MARTIacuteNEZ-GIL F (eds) Advances in Hispanic Linguistics Somerville MA Cascailla Press

MARTIacuteNEZ Mordf Aacutengeles Aacutelvares 1989 El pronombre I Madrid ArcoLibros

PUIGBLANCH J A 1832[1828] Opusculos gramatico-satiricos del Dr D Antonio Puigblanch contra el Dr D Joaquin Villanueva escritos escritos en defensa propia en los que tambieacuten se tratan materias de interes comun Londres Imprenta de Vicente Torras

Inovaccedilatildeo e conservaccedilatildeo de artigos e pronomes na gramaacutetica (1853[1847]) de Andreacutes Bello

113

SALVAacute Vicente 1835[1830] Gramaacutetica de la lengua castellana segun ahora se habla 2ordf edicioacuten Pariacutes Libreriacutea de los SS Don Vicente Salvaacute e hijoValencia Libreria de los Mallen y Berard

SAID ALI Manuel 1919 Difficuldades da Liacutengua Portugueza Rio de Janeiro Livraria Acadecircmica [1908 2ordf ediccedilatildeo - revista pelo autor]

SWIGGERS P 2005 [2004] ldquoModelos meacutetodos y problemas en la historiografiacutea de la linguumliacutestica Nuevas aportaciones a la historiografiacutea linguumliacutesticardquo Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL La Laguna (Tenerife) 22-25 octubre de 2003 ed Corrales Zumbado C Dorta Luis J Et Al Madrid Arco Libros p 113-145

TRUJILLO R 1988 Aspectos Generales BELLO Andreacutes Gramaacutetica de la lengua castellana destinada al uso de los americanos Madrid Arco libros p7 ndash 145

114

O TRATAMENTO DO METATERMO VOZ EM GRAMAacuteTICAS PORTUGUESAS DO SEacuteCULO XIX79

Julia de Crudis Rodrigues (CEDOCH Universidade de Satildeo Paulo)

RESUMO O estudo da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa nos revela que apesar de sua aparente estabilidade terminoloacutegica e conceptual ao longo dos seacuteculos eacute possiacutevel verificar mudanccedilas significativas no modo de descriccedilatildeo e organizaccedilatildeo do sistema linguiacutestico portuguecircs Buscamos nesse artigo expor as mudanccedilas ocorridas a partir da anaacutelise de voz metatermo chave dessa tradiccedilatildeo no que diz respeito ao tratamento da foneacutetica da fonologia e da ortografia presente nas gramaacuteticas do portuguecircs A partir desse estudo pudemos notar que um metatermo que se mostrava polissecircmico no iniacutecio da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa foi se especificando ao longo dos seacuteculos para finalmente perder seu vieacutes mais especializado e metalinguiacutestico e passar a ser utilizado simplesmente como um termo da linguagem corrente

ABSTRACT The study of grammatical portuguese tradition reveals that despite its apparent terminological and conceptual stability over the centuries it is possible to notice significant changes in the description and organization of the Portuguese language system In this article we intented to show the changes occured from the analysis of voice fundamental metatherm for this tradition with regard to the treatment of phonetics phonology and spelling found in Portuguese grammars From this study we found that a metatherm that we considered polysemous at the beginning of the Portuguese grammatical tradition had been specified itself through the centuries to finally lose its most specialized and metalinguistic characteristic and turned to be used simply as a term in everyday speech

1 INTRODUCcedilAtildeO

A partir da anaacutelise da metalinguagem utilizada por autores de gramaacuteticas portuguesas para tratar da foneacutetica da fonologia e da ortografia da liacutengua temos buscado estabelecer o quanto as concepccedilotildees caracteriacutesticas de um seacuteculo marcado pelo cientificismo como foi o seacuteculo XIX preservam ou subvertem das concepccedilotildees tradicionais na gramaticografia do portuguecircs tomando como base

79 Este artigo faz da dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo orientada pela Profa Dra Olga Ferreira Coelho Sansone defendida em setembro de 2015 na Universidade de Satildeo Paulo Dissertaccedilatildeo esta que foi desenvolvida como projeto individual relacionado ao projeto coletivo desenvolvido no CEDOCH Documenta Grammaticae et Historiae coordenado pela Profa Dra Cristina Altman e pela Profa Dra Olga Coelho

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

115

de comparaccedilatildeo o seacuteculo XVI Os gramaacuteticos quinhentistas foram os primeiros a sistematizar a liacutengua portuguesa o que conferiu a esse periacuteodo uma necessidade de detalhar os sons da liacutengua que ateacute entatildeo natildeo haviam sido descritos por isso as sessotildees dedicadas a aspectos ortograacuteficos foneacuteticos e fonoloacutegicos receberam certo destaque na organizaccedilatildeo das obras Na mesma medida os estudos do significante linguiacutestico viriam a se tornar aos poucos no seacuteculo XIX um dos principais focos de interesse dos estudos da linguagem De fato em um estudo preliminar da tradiccedilatildeo das gramaacuteticas portuguesas pudemos notar que o tratamento das letras e dos sons do portuguecircs depois das sistematizaccedilotildees iniciais embora sempre estivessem presentes perderam um pouco de forccedila em gramaacuteticas lusitanas dos seacuteculos XVII e XVIII (Roboredo 1619 e Bento Pereira 1672 do seacuteculo XVII e Argote 1721 Reis Lobato 1770 e Bacelar 1783 do seacuteculo XVIII) para serem retomados pelos estudiosos da liacutengua portuguesa do seacuteculo XIX momento em que se buscava um vieacutes cientiacutefico para os estudos linguiacutesticos o que resultou em uma tentativa por exemplo de incorporar um ldquotomrdquo mais teacutecnico agrave metalinguagem descritora como seraacute mostrado mais adiante

2 MATERIAL

Como dissemos anteriormente o corpus da nossa pesquisa eacute composto por gramaacuteticas portuguesas dos seacuteculos XVI e XIX Satildeo elas

A) Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde 1536 de Fernatildeo de Oliveira (1507 ndash 1580) Eacute possiacutevel afirmar de acordo com Buescu (1984 1975) e tambeacutem a partir das proacuteprias palavras de Oliveira (1536) que sua obra natildeo seria propriamente a primeira gramaacutetica portuguesa mas sim um primeiro estudo da liacutengua uma vez que ela natildeo apresenta a estrutura tiacutepica de uma gramaacutetica que embora ainda natildeo plenamente fixada a tradiccedilatildeo apresenta 80 A obra de Oliveira (1536) conta com 75 80 Uma gramaacutetica segundo Auroux (1992) deve conter pelo menos uma categorizaccedilatildeo das unidades linguiacutesticas exemplos e regras Sua estrutura relativamente estaacutevel tem sido composta por ortografiafoneacutetica partes do discurso morfologia sintaxe e figuras de construccedilatildeo O autor acrescenta ainda que os exemplos tecircm um papel decisivo para a constituiccedilatildeo de uma gramaacutetica pois de

Julia de Crudis Rodrigues

116

paacuteginas e apresenta 50 capiacutetulos natildeo nomeados Os cinco primeiros que vatildeo ateacute a paacutegina 9 satildeo utilizados pelo autor para fazer um resumo da histoacuteria portuguesa seus reis seus reinos etc Os proacuteximos 24 capiacutetulos do 6ordm ao 29ordf satildeo dedicados agraves lsquoletrasrsquo mais especificamente agrave foneacutetica e agrave ortografia do capiacutetulo 30 ao 42 o autor discorre sobre a lexicologia os proacuteximos seis capiacutetulos de 43 a 48 satildeo dedicados agrave morfologia enquanto o capiacutetulo 49 fala sobre a construccedilatildeo (a sintaxe) O capiacutetulo 50 eacute utilizado pelo autor para justificar possiacuteveis erros em sua gramaacutetica

B) Grammatica da lingua portuguesa Olyssippone Typographum Lisboa 1540 de Joatildeo de Barros (1496 ndash 1570) A gramaacutetica portuguesa segundo Barros (1540) conteacutem as mesmas partes que a gramaacutetica latina Divide-a desse modo em Etimologia81 que trata da diccedilatildeo Ortografia que trata principalmente da letra Prosoacutedia que trata da siacutelaba e Sintaxe que trata da construccedilatildeo (Barros 1540 2v) Diferentemente de Oliveira (1536) a gramaacutetica de Joatildeo de Barros parece enquadrar-se no modelo proposto por Auroux (1992) uma vez que trata de todas as partes referidas pelo autor utilizando-se para isso de classificaccedilotildees das unidades exemplos e regras Barros pretendeu elaborar uma gramaacutetica do tipo preceitiva utilizando para tanto os termos da tradiccedilatildeo de Gramaacutetica Latina ldquocujos filhos noacutes somos por natildeo degenerar delardquo (Barros 1540 2v) O gramaacutetico acrescenta ainda que a utilizaccedilatildeo de tais termos se deva aleacutem de ao fato de o latim ser a liacutengua que deu origem ao portuguecircs agrave necessidade de uma metalinguagem para a construccedilatildeo de sua obra

C) Ortografia da Liacutengua Portuguesa por Joatildeo de Barreira Lisboa 1576 de Nunes de Leatildeo A ortografia de Leatildeo eacute dividida em 14 capiacutetulos natildeo numerados satildeo eles 1) ldquoDa definiccedilatildeo da ortografia e da vozrdquo em que o autor explica que ldquoA ortografia eacute a ciecircncia de bem escrever qualquer linguagem porque por ela sabemos com que letras

um lado eles satildeo o nuacutecleo da liacutengua normatizada e de outro testemunham sempre uma realidade linguiacutestica ndash eles podem tanto disfarccedilar a ausecircncia de regras expliacutecitas como ser usados contra as regras a que foram relacionados servindo nesse caso para explicar outras 81 O metatermo etimologia segundo Auroux (1992) eacute utilizado para designar morfologia este emprego do metatermo segundo o autor cairia em desuso apenas no seacuteculo XVIII

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

117

se hatildeo-de escrever as palavrasrdquo (Leatildeo 1576 49) Leatildeo afirma ainda que as palavras satildeo o sujeito dessa arte a gramaacutetica e que satildeo compostas de letras que por sua vez satildeo compostas por vozes 2) ldquoDas letras e de sua divisatildeo e naturezardquo Para Leatildeo letra eacute voz simples que deve ser representada graficamente por apenas uma figura E fazendo uma anaacutelise etimoloacutegica do metatermo o autor conclui que letra eacute aquela que abre caminho ao que se lecirc 3) ldquoDa letra A e das outrasrdquo capiacutetulo em que Nunes de Leatildeo faz uma descriccedilatildeo acuacutestica articulatoacuteria de cada uma das letras do alfabeto 4) ldquoDa afinidade que algũas letras tem entre si e como se convertem ũas em outrasrdquo apoacutes discorrer sobe as particularidades isoladas de cada letra o autor passa a falar das semelhanccedilas existentes entre algumas delas 5) ldquoDos ditongos da liacutengua portuguesardquo Ditongo eacute o ajuntamento de duas vogais e toda liacutengua tem os seus proacuteprios Haacute liacutenguas que possuem tritongos ndash ajuntamento de trecircs vogais 6) ldquoDas siacutelabas e dicccedilotildeesrdquo 7) ldquoDas letras em que as siacutelabas podem acabar no meio das dicccedilotildeesrdquo Neste capiacutetulo o autor explicita as letras que podem finalizar as siacutelabas as que natildeo podem e algumas exceccedilotildees 8) ldquoDas letras em que podem acabar as dicccedilotildees da liacutengua portuguesardquo 9) ldquoDa divisatildeo das dicccedilotildees e como se devem separar as siacutelabasrdquo 10) ldquoDas letras que se podem ajuntar a outras na composiccedilatildeo das siacutelabasrdquo neste capiacutetulo o autor descreve com qual consoante cada consoante pode se juntar para formar siacutelabas 11) ldquoDas letras que se dobram nas dicccedilotildeesrdquo 12) ldquoDas dicccedilotildees que dobram as letrasrdquo 13) ldquoDas letras que se aspiramrdquo 14)ldquoRegras gerais da ortografia portuguesardquo

D) Gramaacutetica Filosoacutefica da Linguagem Portuguecircza Composta e oferecida a el rei nosso senhocircr Lisboa Imprensa Reacutegia 1818 de Joatildeo Crisoacutestomo do Couto e Melo (1775-1838)

A gramaacutetica de Couto e Melo (1818) oferecida ao Rei D Joatildeo VI eacute segundo o proacuteprio autor fruto de seu estudo sobre a linguagem utilizada por importantes nomes da literatura portuguesa A obra compotildee-se de um prefaacutecio da ldquointroduccedilatildeo agrave gramaacutetica filosoacutefica portuguecircza ou arte de pensarrdquo onde Couto e Melo introduz o conceito de ideia e o relaciona com os sentidos humanos tais como a visatildeo a audiccedilatildeo o tato etc os sentidos seriam os canais de nossas ideias pois eacute a partir dele que criamos nossa percepccedilatildeo sobre todas as coisas Essa percepccedilatildeo nos permite que tenhamos determinados juiacutezos e a relaccedilatildeo entre dois ou mais juiacutezos eacute o que forma o raciociacutenio A

Julia de Crudis Rodrigues

118

percepccedilatildeo o juiacutezo e o raciociacutenio satildeo para o autor operaccedilotildees da alma humana e a uniatildeo dessas operaccedilotildees constitui o que Couto e Melo compreende por entendimento A partir dessas noccedilotildees o autor comeccedila a construir uma base para sua gramaacutetica a nossa alma percebe um objeto independente (uma substacircncia) e outros que com ele se relacionam e dele dependem damos a eles o nome de sujeito e atributo

Por tanto quando formacircmos ecircste juizo Deos eacute justo isto eacute quando percebecircmos a relaccedilatildeo que aacute entre a ideia de Deos e a de justiccedila temos jaacute percebido estas duas ideias cuja ecircxisteacutencia e a da ligaccedilatildeo delas ou a sua relaccedilatildeo que chacircmo verbo formam o juizo e que delas fazecircmos por isso em tocircdo juizo aacute sempre trecircs ideias elementares a sabecircr substaacutencia verbo adjunto donde no juizo propocircsto por exemplo Deos eacute substaacutencia ou sujeito eacute verbo e justo adjunto ou atributo (Couto e Melo 1818 10)

Couto e Melo afirma ainda em sua introduccedilatildeo que a linguagem eacute o sistema ou coleccedilatildeo dos sinais convencionados das nossas ideias juiacutezos e raciociacutenios O autor desenvolve ainda mais essas ideias acrescentando a noccedilatildeo de argumentaccedilatildeo para concluir que essas operaccedilotildees satildeo a base para a composiccedilatildeo e compreensatildeo de sua gramaacutetica Couto e Melo divide sua obra em trecircs partes primeira eacute a ldquoortoepiardquo capiacutetulo em que o autor discorre sobre som voz letra articulaccedilatildeo tom duraccedilatildeo pronunciaccedilatildeo A segunda trata da ldquoetimologiardquo nela Couto e Melo fala das partes da oraccedilatildeo A terceira e uacuteltima parte trata da ldquoSintasserdquo com reflexotildees sobre concordacircncia regecircncia e figuras de diccedilatildeo

E) Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Princiacutepios da Grammatica Geral Applicados aacute Nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia Real das Sciencias 1822 de Jerocircnimo Soares Barbosa (1737 ndash 1816)

Na introducccedilatildeo de sua gramaacutetica Soares Barbosa fala sobre alguns sistemas de escrita como o da pintura o dos Hieroglyphicos a escrita Symbolica e a escrita litteral Ainda na introducccedilatildeo o autor explica que gramaacutetica eacute ldquoarte que ensina a pronunciar escrever e falar correctamente qualquer Linguardquo (Barbosa 1822 VIII) e afirma que ela eacute sempre dividida em duas partes uma mechanica que leva em conta a palvra enquanto seu aspecto fiacutesico e sonoro (nesta parte entram a ortoeacutepia e a ortografia) e a logica que leva em conta as palavras com relaccedilatildeo ao seu aspecto psicoloacutegico como

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

119

representaccedilatildeo de ideias (nesta parte entram a etimologia e a sintaxe) Apoacutes a introduccedilatildeo Soares Brbosa divide sua gramaacutetica em quatro partes

Orthoepia que ensina a distinguir e a conhecer os sons articulados proprios da Lingua para bem os pronunciar A Orthographia que ensina os signaes Litteraes adoptados pelo uso para bem os representar A Etymologia que ensina as especies de palavras que entratildeo na composiccedilatildeo de qualquer Oraccedilatildeo e analogia de suas variaccedilotildees e propriedades geraes E a Syntaxe finalmente que ensina a coordenar estas palavras e dispol-as no discurso de modo que faccedilatildeo hum sentido ao mesmo tempo distincto e ligado quatro partes da Grammatica Portugueza que faratildeo a materia dos quatro Livros desta obra (Barbosa 1822 1)

F) Grammatica Analytica da Lingua Portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Officina Typographica de Casimir 1831 de Francisco Solano Constacircncio (1777 ndash 1846)

No proecircmio da obra gramaacutetica eacute definida como a ldquocolleccedilatildeo de preceitos para fallar escrever e ler huma lingua correctamente isto he conformando-se ao que o uso dos doutos tem estabelecidordquo (Constacircncio 1831 2) O autor acrescenta que todas as liacutenguas tecircm os mesmos elementos e que a diferenccedila existente entre elas eacute a maneira de aplicaccedilatildeo desses termos A gramaacutetica de Constacircncio eacute dividida em cinco partes a primeira trata das letras e dos sons do portuguecircs a segunda e a terceira discorrem sobre as partes da oraccedilatildeo a quarta parte trata da sintaxe e das figuras de diccedilatildeo e a quinta parte leva em consideraccedilatildeo o que o autor entende por prosoacutedia e ortografia da liacutengua portuguesa

G) Grammatica Nacional Lisboa Typographica Franco-Portugueza 1864 de Francisco Juacutelio Caldas Aulete (1823 ndash 1878)

Logo na introduccedilatildeo da Grammatica Nacional de Aulete haacute definiccedilotildees sore os sons e as vozes da liacutengua portuguesa Tambeacutem na introduccedilatildeo o autor explica o que satildeo cada um dos seguintes sinais ortograacuteficos apoacutestrofe cedilha traccedilo de uniatildeo trema til acentos (agudo circunflexo e breve) Aulete jaacute adianta tambeacutem nesta seccedilatildeo que todas as palavras que existem satildeo divididas nos seguintes grupos substantivo adjetivo verbo adveacuterbio preposiccedilatildeo conjunccedilatildeo e interjeiccedilatildeo A primeira das trecircs partes que dividem a gramaacutetica de Aulete eacute ldquodo conhecimento e classificaccedilatildeo das palavrasrdquo

Julia de Crudis Rodrigues

120

Nessa seccedilatildeo o autor trata de cada uma das partes da oraccedilatildeo mencionadas acima A segunda trata ldquoDa Orthographiardquo do portuguecircs Cabendo entatildeo agrave uacuteltima parte discorrer sobre a ldquoSyntaxerdquo da nossa liacutengua Durante toda a gramaacutetica o autor propotildee exerciacutecios para aplicaccedilatildeo das regras que prescreve em sua obra

H) Noccedilotildees elementares de grammatica portugueza Porto Lemos e Cia Editores 1891 de Francisco Adolpho Coelho (1847 ndash 1919)

A introduccedilatildeo de trecircs paacuteginas busca evidenciar a importacircncia dessa gramaacutetica afirmando que natildeo repete o que gramaacuteticos anteriores jaacute disseram mas busca acrescentar algumas ideias e propor novas reflexotildees a respeito de outras sobre os fatos da liacutengua Logo apoacutes a introduccedilatildeo haacute uma seccedilatildeo nomeada ldquopreliminaresrdquo em que Coelho trata dos tipos de proposiccedilotildees ou oraccedilotildees e introduz o que seriam as partes da oraccedilatildeo Em seguida haacute o que o autor chama de ldquoprimeira parterdquo que eacute dedicada aos sons e agraves letras A segunda parte trata da formaccedilatildeo das palavras explicando processos de derivaccedilatildeo e composiccedilatildeo Tambeacutem na segunda parte Coelho retoma as partes da oraccedilatildeo falando minuciosamente de cada uma delas A terceira parte eacute dedicada agrave maneira de formaccedilatildeo das proposiccedilotildees Haacute ainda um apecircndice que explicita os varios sinais empregados na escrita tais como ponto final viacutergula ponto de interrogaccedilatildeo travessatildeo etc Por fim haacute uma seccedilatildeo denominada conclusatildeo em que o autor afirma ser a gramaacutetica ldquoo conjunto de sons drsquoelementos de formaccedilatildeo de palavras e processos de sua combinaccedilatildeo e processos de proposiccedilotildees drsquoessa linguardquo (Coelho 1891 126) Essa gramaacutetica deve contar com trecircs partes a phonologia a morfologia e a sintaxe respectivamente partes um dois e trecircs de sua obra

3 METODOLOGIA

O trabalho que trata da metalinguagem na qual se insere a terminologia de acordo com Swiggers (2010) lida com uma complexidade teoacuterica e metodoloacutegica que decorre de algumas razotildees tais como 1) o fato de a metalinguagem em questatildeo ter de ser descrita atraveacutes de uma meta-metalinguagem que pressupotildee ainda uma ou algumas meta-meta-metalinguagens 2) esse tipo de trabalho se daacute no campo de uma ciecircncia humana a dos estudos da linguagem que eacute caracterizada por uma certa indefiniccedilatildeo material (por exemplo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

121

o que eacute liacutengua linguagem quais satildeo seus niacuteveis e unidades) que por isso abre espaccedilo para muacuteltiplas latitudes interpretativas e 3) especificamente o estudo da terminologia de descriccedilatildeo exige muitas vezes um compartilhamento de metatermos (por exemplo alguma espeacutecie de lsquotraduccedilatildeorsquo para o leitor atual) mas as tentativas de compartilhamento se natildeo forem bem conduzidas podem por exemplo criar deturpaccedilotildees quanto ao sentido ou o modo de uso do metatermo Assim eacute preciso que se tenha consciecircncia dos tipos de transposiccedilatildeo que se faz da metalinguagem de um campo para outro de uma eacutepoca a outra de um contexto a outro Com efeito como assinalam outros autores como Koerner (1996) o tratamento da metalinguagem exigiraacute que o historioacutegrafo siga uma seacuterie de princiacutepios com vistas a evitar o anacronismo

Para controlar esses trecircs complexos aspectos Swiggers (2010) propotildee que ao se analisar a metalinguagem em geral e a terminologia especificamente de uma obra um autor uma escola uma eacutepoca eacute preciso levar em conta alguns criteacuterios que ele denomina paracircmetros classecircmicos Swiggers (2010) enumera sete paracircmetros que satildeo os seguintes

1 O conteuacutedo dos metatermos Segundo esse paracircmetro a

anaacutelise deve considerar tanto o conteuacutedo focal ou seja a relaccedilatildeo entre o metatermo em si (como significante) e o que ele significa quanto o conteuacutedo contrastivo ou seja a rede de conteuacutedos dentro da qual o metatermo assume seu conteuacutedo dinacircmico ou relacional Como por exemplo se tomarmos o metatermo Ditongo em Soares Barbosa (1822) encontraremos a seguinte definiccedilatildeo ldquoDipthtongo quer dizer hum som feito de dois isto he duas vozes unidas em hum somrdquo Se o leitor natildeo souber o que eacute som e o que eacute voz para o autor natildeo seraacute possiacutevel compreender o significado de ditongo Assim para que haja uma compreensatildeo completa do texto a ser estudado eacute fundamental notar que os metatermos de uma obra natildeo estatildeo isolados mas tecircm uma relaccedilatildeo de dependecircncia uns com os outros

2 A incidecircncia dos metatermos Neste caso a anaacutelise ocupa-se do que podemos chamar de atualizaccedilatildeo de um termo que eacute a aplicaccedilatildeo que deles eacute feita com relaccedilatildeo a um niacutevel de descriccedilatildeo ou de teorizaccedilatildeo Trata-se por exemplo dos dados de liacutengua aos quais se aplica o metatermo Vimos antes que por exemplo Soares Barbosa

Julia de Crudis Rodrigues

122

(1822) utiliza os metatermos [consonancia] liacutequida e corrente para se referir aos segmentos S L e R

3 A marca ldquoheuriacutesticardquo dos metatermos Trata-se da ligaccedilatildeo de um metatermo com o procedimentomanipulaccedilatildeo que sustenta seu emprego A marca heuriacutestica natildeo somente permite compreender o sentido em uso de um metatermo mas tambeacutem permite em retrospectiva diferenciar conteuacutedos divergentes de um mesmo metatermo Note-se por exemplo as definiccedilotildees do metatermo ldquoetimologiardquo de Reis Lobato (1770) e de Couto e Melo (1818)

A Etymologia he a parte da Grammatica que enſina as diverſas eſpecies de palavras que entratildeo na oraccedilatildeo Portugueza e as ſuas propriedades (Lobato 1770 2)

A parte da Gramaacutetica denominada Etimologia trata assim como fica dito da origem e derivaccedilatildeo dos vocaacutebulos como expressotildees drsquoideias por isso conveacutem sabecircr a origem de cacircda vocaacutebulo para se-conhececircr a focircrccedila da sua significaccedilatildeo (Couto e Melo 1818 19)

4 A marca teoacuterica dos metatermos o pressuposto aqui eacute que a significaccedilatildeo das terminologias eacute ldquocontroladardquo pela referecircncia global do modelo no qual elas se inserem Observe o seguinte trecho de Couto e Melo (1818)

66 Pronunciaccedilatildeo declamando eacute a aacuteccedilatildeo de dizer em voz alta algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente e acompanhando a voz do gesto e accedilatildeo 67 Pronunciaccedilatildeo lendo eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz mecircnos alta que a da pronunciaccedilatildeo declamando algum discurso com o tom e duraccedilatildeo competente sem acompanhar a voz do gesto nem drsquoaacuteccedilatildeo deve poreacutem atendecircr-se que a voz secircija naturalmente expedida com tom doce e agradaacutevel acompanhada do ar polido e delicado que os antigos chamavam urbanidade e pelo qual se distinguem mũi facilmente os Provincianos dos Cortesatildeos 68 Pronunciaccedilatildeo conversando eacute a aacuteccedilatildeo de dizecircr em voz menos alta que na pronunciaccedilatildeo lendo qualquer discurso fazendo menor firmecircza nas siacutelabas longas que aquela que se-deve fazer na pronunciaccedilatildeo lendo atendendo sempre a que natildeo aja afetaccedilatildeo nem acanhamento e de nenhuma sorte a elevaccedilatildeo e duraccedilatildeo de som gestos e acionados que competem aacute pronunciaccedilatildeo declamando e lendo (Couto e Melo 1818 57-58)

O autor afirma que haacute trecircs tipos de pronunciaccedilatildeo e pelo que podemos notar da descriccedilatildeo acima existem regras extralinguiacutesticas que orientam como e quantos devem ser esses tipos de pronunciaccedilatildeo Trata-se de uma teoria mais geral de codificaccedilatildeo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

123

social A visatildeo geral de linguagem que anima essa distinccedilatildeo passa pela consideraccedilatildeo das correlaccedilotildees entre liacutengua e sociedade

5 A marca disciplinar dos metatermos trata-se das ligaccedilotildees

que um metatermo (ou um conjunto de termos) apresenta com algum domiacutenio disciplinar a partir do qual ele foi transferido para a linguiacutestica Podemos usar como ilustraccedilatildeo a passagem da obra de Couto e Melo (1818) em que ele se vale de metatermos que satildeo produtivos em classificaccedilotildees das ciecircncias bioloacutegicas - classe ordem gecircnero e espeacutecie ndash para classificar e organizar os sons e as letras

6 A marca macro-cientiacutefica dos metatermos trata-se da

inserccedilatildeo de metatermos (gerais) da linguiacutestica no contexto geral das ciecircncias por exemplo o metatermo lei termo-chave da linguiacutestica (diacrocircnica) da segunda metade do seacuteculo XIX cujo conteuacutedo deve ser compreendido em funccedilatildeo do contexto cientiacutefico da eacutepoca

7 A marca cultural dos metatermos no niacutevel mais englobante a terminologia da linguiacutestica veicula certos valores e pressuposiccedilotildees culturais (que podem por sua vez ser sustentados por dados linguiacutesticos) Nesse niacutevel o exame da terminologia linguiacutestica desemboca em uma etnografia do discurso e da praacutetica linguiacutesticos

Levaremos em conta para este texto o primeiro desses

paracircmetros que eacute o do conteuacutedo dos metatermos De acordo com essa concepccedilatildeo haacute para cada metatermo uma perspectiva focal ou seja uma perspectiva que toma o conteuacutedo ldquoem sirdquo e uma perspectiva contrastiva ou seja que avalia a relaccedilatildeo do conteuacutedo focal especiacutefico com outros conteuacutedos com os quais ele se relaciona Assim por hipoacutetese eacute possiacutevel chegar a uma rede terminoloacutegica miacutenima que situa o metatermo na obra Realizamos por essa perspectiva a anaacutelise do metatermo voz em cada uma das gramaacuteticas apresentadas no item 2 e apoacutes estabelecidos os conteuacutedos focal e contrastivo tanto nas obras do seacuteculo XVI quanto nas gramaacuteticas do seacuteculo XIX realizamos uma comparaccedilatildeo entre os dados a que chegamos em cada periacuteodo

Julia de Crudis Rodrigues

124

4 ANAacuteLISE

41 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XVI

Em pesquisa anterior (cf Crudis 2011) pudemos notar que haacute alguns metatermos que satildeo fundamentais para a compreensatildeo de textos descritores da liacutengua portuguesa do seacuteculo XVI uma vez que aleacutem deles serem retomados e ressignificados atraveacutes dos seacuteculos eacute a partir da noccedilatildeo desses metatermos que as ideias e reflexotildees sobre os sons do portuguecircs satildeo construiacutedas Desse modo letra som voz entre outros podem ser considerados metatermos-chave da tradiccedilatildeo gramatical portuguesa Fizemos um levantamento exaustivo desses metatermos nas obras de Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) (Crudis 2011) e observamos que voz de um modo geral era no seacuteculo XVI utilizado para se referir a uma unidade focircnica assim como figura se referiria agrave escrita desses segmentos Voz poderia ser assim a expressatildeo sonora seja considerando um uacutenico segmento focircnico seja considerando unidades com mais de um segmento (siacutelabas palavras) como poderemos notar nos trechos que seguem

Fernatildeo de Oliveira por exemplo afirma que a letra eacute figura de voz e que podem ser divididas em vogais e consoantes Assim letra seria a expressatildeo graacutefica da voz (expressatildeo focircnica) O trecho completo estaacute transcrito abaixo

LEtra e figura de voz eſtas dividimos em cotildeſoantes τ vogaes as vogaes tem em ſi voz τ as conſoantes natildeo ſe natildeo junto cotilde as vogaes Como a que he vogal τ b que he cotildeſoante τ nam tẽ voz ao menos tatildeo perfeyta como a vogal para As figuras deſtas letras chamatildeo os Gregos caracteres τ os latinos notas τ nos lhe podemos chamar ſinaes Os quaes hatildeo de ſer tantos como as pronunccediliaccedilotildees a q os latinos chamatildeo elementos τ nos aspodemos interpretar fundamẽtos das vozes τ eſcritura (Oliveira 1536 10 grifo nosso)

Notamos tambeacutem que voz natildeo representa apenas a expressatildeo focircnica das letras mas de segmentos maiores que vatildeo desde ditongos e siacutelabas ateacute vocaacutebulos como se vecirc no exemplo

Agora aqui natildeo falamos das palauras ſe natildeo em qnto ſatildeo vozes τ por tatildeto ſo dizemos das cotildediccedilotildees da voz τ eſcritura deſſas palauras as qes hatildeo de ter ẽ ſi ajũtamẽto de ſyllabas aſſi como as ſyllabas ſe ajũtatildeo de letras (Oliveira 1536 39 grifo nosso)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

125

Pelos exemplos a seguir eacute possiacutevel notar que tambeacutem para Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) voz representa expressatildeo focircnica

ſyllaba ę hũa das quaacutetro paacutertes da noacuteſſa Grammaacutetica que correſponde aacute Proſodia que quęr dizer accedilento e canto aqual ſyllaba ę aiũtamẽto de hũa uogal cotilde hũa e duas e as uezes tres cotildeſoantes que iũtamente fazẽ hũa ſoacute uoacutez (Barros 1540 6v-7r grifo nosso)

E porque as palavras que satildeo o sujeito desta arte constam de letras e as letras de voz comeccedilaremos da difiniccedilatildeo dela E voz natildeo eacute outra coisa senatildeo ũa percussatildeo ou ferimento do ar que se pronuncia pela boca do animal e se forma com arteacuteria liacutengua e beiccedilos E da voz haacute duas maneiras ũa articulada e outra inarticulada ou confusa Articulada se chama a que sendo ouvida se entende e escreve a qual tambeacutem chamam declarada e inteligiacutevel Confusa eacute a que natildeo representa mais que um simples som como um gemido E da voz articulada e que se pode entender a mais pequena parte e indiviacutedua eacute letra (Leatildeo 1576 [1983] 49 grifo nosso)

Enquanto Fernatildeo de Oliveira e Joatildeo de Barros utilizam o metatermo voz ao longo de suas gramaacuteticas Nunes de Leatildeo o utiliza apenas no comeccedilo de sua ortografia parecendo substituiacute-lo depois por pronunciaccedilatildeo Essa sinoniacutemia reforccedila a compreensatildeo que tivemos de que voz se refere agraves unidades do plano da expressatildeo

Aleacutem destas letras temos mais quatro em pronunciaccedilatildeo posto que natildeo em figura que satildeo ccedil ch lh nh das quais usamos acrescentando agrave primeira um sinal de diferenccedila do c comum e as outras h nota de aspiraccedilatildeo para suprir as figuras das ditas letras de que carecemos (Leatildeo 1576 [1983] 52 grifo nosso)

Embora normalmente o metatermo seja usado no seacuteculo XVI para se referir agrave expressatildeo sonora de algum segmento haacute momentos desses textos que apresentam uma ambiguidade com relaccedilatildeo ao seu so Na passagem seguinte por exemplo voz parece ser tomado como sinocircnimo de palavra

Eſtas diz ccediliccedilero no terccedileiro liuro a ſeu irmatildeo quinto as velhas digo nos diz elle q guardatildeo muito a anteguidade das linguas porq falatildeo com menos gente acaratildeo q quer dizer jũto ou a par τ ſamicas que ſinifica por ventura τ outras piores vozes ainda agora as ouuimos τ zotildebamos δllas mas natildeo e muito de marauilhar diz marco varratildeo q as vozes ẽuelheccedilatildeo τ as velhas alghũa ora pareccedilatildeo mal porq tambem envelheccedilẽ os homẽs cujas vozes ellas ſatildeo τ iſto e verdad q a fremoſa meneniccedile deſpois de velha natildeo e pa ver τ aſſi como os olhos ſe ofendẽ vendo as figuras q a elles natildeo contentatildeo

Julia de Crudis Rodrigues

126

aſſi as orelhas natilde conſintẽ a muſica τ vozes fora de ſeu tempo τ coſtume τ muy poucas ſatildeo as couſas q duratildeo por todas ou muytas idades em hũ eſtado quanto mais as falas q ſempre ſe conformatildeo cotilde os conccedileitos ou entenderes juyzos τ tratos dos homẽs (Oliveira 1536 49-50 grifo nosso)

A partir dos exemplos exibidos acima verificamos ser de fato essencial observar os metatermos sempre relacionando-os a outros metatermos ou seja nos atendo agrave anaacutelise do conteuacutedo contrastivo dos termos de acordo com a metodologia de Swiggers Sem a percepccedilatildeo do que seja letra som vogal consoante palavra seria impossiacutevel traccedilar a noccedilatildeo de voz desses autores quinhentistas

42 O METATERMO VOZ PARA O SEacuteCULO XIX

Como jaacute vimos anteriormente natildeo eacute possiacutevel analisar um metatermo dentro de uma obra sem relacionaacute-lo a outros metatermos Desse modo para se aproximar do que os autores compreendiam por voz eacute preciso considerar suas concepccedilotildees a respeito de pelo menos letra consoante vogal e articulaccedilatildeo

De um modo geral para esses autores oitocentistas a letra seria um sinal graacutefico que pode ser dividido em vogais e consoantes

Para Couto e Melo Soares Barbosa e Aulete voz eacute a expressatildeo sonora das vogais Esses autores classificam no plano da escrita as letras em vogais e consoantes A diferenccedila eacute que enquanto Couto e Melo e Aulete classificam as letras no plano sonoro em vozes e articulaccedilotildees Soares Barbosa as classifica em vozes e consonacircncias pois apesar de concordar que as consoantes sejam articulaccedilotildees afirma que as vogais tambeacutem o sejam e por isso prefere chamar as consoantes de consonacircncias A organizaccedilatildeo desses metatermos pode ser conferida no quadro abaixo

Plano escrito Plano sonoro Couto e Melo Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees Aulete Vogais Vozes

Consoantes Articulaccedilotildees

Soares Barbosa Vogais Vozes

Consoantes Consonacircncias Tabela 1

Em Couto e Melo encontramos as seguintes passagens

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

127

Voacutez eacute a inflessatildeo do som causada pela diferente abertura da bocircca e sem uniatildeo dos beiccedilos nem da lingua nem dos dentes nem da garganta [] Daqui vem o dizer-se que qualquer voz tem por caracteriacutestica a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se e drsquoabaixarse quanto o permitir a respiraccedilatildeo (Couto e Melo 1818 39 grifo nosso)

Articulaccedilatildeo eacute a infleacutessatildeo do som causada pela diferente uniatildeo dos beiccedilos da lingua dos dentes e da garganta [] Daqui vem o dizecircr-se que qualquer articulaccedilatildeo natildeo tem a possibilidade de prolongar-se drsquoelevar-se drsquoabaixar-se como qualquer vox por isso meacutesmo que tira a sua esseacutencia da interceacutessatildeo do som por alguma das partes mograveveis do orgam da fala (Couto e Melo 1818 39-40 grifo nosso)

Percebemos que para este autor o crucial eacute a utilizaccedilatildeo ou natildeo do aparelho fonador para que consigamos diferenciar as vogais das consoantes ou as vozes das articulaccedilotildees O que conta para as vozes eacute a respiraccedilatildeo uma vez que eacute ela quem determina seu tom e sua duraccedilatildeo Couto e Melo natildeo demonstra o inventaacuterio completo dos sons do portuguecircs apenas daacute alguns exemplos quando fala nos tipos de vogais (que podem ser orais e nasais) e consoantes (que podem ser labiais guturais ou linguais)

Caldas Aulete define voz como

Os sons simples que existem no nosso idioma satildeo aacute acirc eacute ecirc egrave i oacute ocirc u exemplo paacute cacircmara feacute recircde li poacute pouua uacutetil Estes sons denominam-se vozes (Aulete 1864 03)

Os caracteres com que as vozes se representam por meio de escripta chamam-se vogaes aquelles com que se figuram as articulaccedilotildees appelidam-se consoantes uns e outros lettras e a collecccedilatildeo das lettras denomina-se alphabeta [] Ha vinte e cinco caracteres para figurar todas as vozes e articulaccedilotildees da lingua portugueza (Aulete 1864 4)

Assim consoante eacute o caractere que serve de figura (ou grafema) para as articulaccedilotildees e vogal eacute o caractere que serve de figura (grafema) para as vozes Tanto as vozes quanto as articulaccedilotildees tecircm um nome um modo de representaccedilatildeo graacutefica e um valor que seria o conjunto das manifestaccedilotildees sonoras possiacuteveis desses elementos Aulete expotildee o seguinte quadro das consoantes do portuguecircs (cf Aulete 1864 04)

Julia de Crudis Rodrigues

128

Caracteres Valor Nome vulgar A a aacute agrave aacute

B b begrave begrave C c qegrave segrave cegrave D d degrave degrave E e eacute ecirc egrave i eacute F f fegrave eacuteffe G g guegrave Ge Ge H h agha I i i i J j jecirc ji K k qegrave caacute L l le elle M m megravesup1 eme N n negrave eacutene O o oacute ocirc u oacute P p pegrave pecirc Q q qegrave qecirc R r regrave rregrave erre S s segrave xegrave zegrave esse T t tegrave tecirc U u u u V v vegrave vecirc X x xograve csegrave zegrave segrave chis Y ysup2 i i grego Z z zegrave xegrave zecirc

Para o gramaacutetico Soares Barbosa (1822 02-03) as vozes seriam

as differentes articulaccedilotildees e modificaccedilotildees que o som confuso formado na glottis recebe na sua passagem das differentes aberturas e situaccedilotildees immoveis do canal da bocca Este canal bem como hum tubo ou corda poacutede ser tocado em differentes pontos e aberturas desde sua extremidade interior ateacute aacute exterior e daqui a multidatildeo e variedade de vozes nas Linguas das Naccedilotildees As Letras que na Escriptura as figuratildeo chamatildeo-se vogaes (Barbosa 1822 2-3)

Como vimos anteriormente a diferenccedila entre Soares Barbosa e os outros dois autores eacute que ele considera as vozes tambeacutem como articulaccedilotildees que seria o movimento dos laacutebios com a abertura e o fechamento da boca Soares Barbosa afirma que a liacutengua portuguesa conta com 20 vozes apresentando o quadro abaixo

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

129

CORDA VOCAL PORTUGUEZA ORAL PURA ORAL NASAL

Figura Nome Valor Figura Nome Valor 1 Arsquo aa Grande Aberto Marsquos nome 1Atilde am an A til claro Latilde 2 A a Pequeno Mas conj 2 Atilde A til surdo Lama

3 Ersquo ee Grande Aberto Secirc verbo 3 Ẽ em en E til claro Sẽpre 4 Ecirc e Granje Fechado Secirc verbo 4 Ẽ E til surdo Senha 5 E e Pequeno Se conj 6 E I

Abbiguo ou Surd

Cearsquor Ciarsquor

7 I i Commum Virsquocio 5 Ĩ im in I til claro Sim 8 Orsquo oacuteo Grande Aberto Avoacute femin 6 Otilde om

on O til claro Som

9 Ocirc ou Grande fechado

Avocirc masc 7 Otilde O til surdo So

10 O o Pequeno O artigo 11 O U

Ambiguo ou surd

Soarsquor Suarsquor

12 U u Commum Tumulo 8 Ũ um un

U til claro U

Satildeo entatildeo 12 vozes orais e 8 vozes nasais Assim como em Aulete todas as vozes apresentam uma ou mais figuras (caractere no caso de Aulete) que eacute o grafema que a representa na escrita um nome que eacute como as chamamos e um ou mais valores que satildeo as manifestaccedilotildees sonoras de cada voz

Dos cinco autores do seacuteculo XIX que temos estudado Couto e Melo (1818) Aulete (1864) e Soares Barbosa (1822) satildeo os que mais se aproximam entre si no que diz respeito agrave concepccedilatildeo de voz

A gramaacutetica de Constacircncio (1831) traz uma concepccedilatildeo diferente do que seria voz Embora natildeo haja uma definiccedilatildeo para o metatermo o autor o utiliza ora para se referir agrave voz humana ora para se referir agrave palavra ou ao vocaacutebulo como podemos conferir nas citaccedilotildees seguintes

Os grammaticos tem multiplicado as classificaccedilotildees dos sons elementares das linguas e das letras que os representatildeo Ignorando o verdadeiro mechanismo da voz humana que ainda hoje natildeo estaacute bem conhecido fizeratildeo divisotildees mais ou menos inexactas humas fundadas nos orgatildeos vocaes que contribuem a formar os sons outras na propriedade que cada som tem de se ligar mais ou menos facilmente a outros (Constacircncio 183112-13 grifo nosso)

Julia de Crudis Rodrigues

130

Alem do que hum grande numero de vozes gregas se achatildeo introduzidas na litteratura de todas as linguas modernas como acephalo philanthropia anthropophago e todos os nomes de figuras de rhetorica (Constacircncio 1831 272)

3ordm As vozes gregas ou latinas que tem as duas ultimas syllabas breves v g geometra perfidoavido esqualido timido e muitas outras (Constacircncio 1831 252)

O primeiro trecho eacute um exemplo da utilizaccedilatildeo de voz para se referir agrave voz humana e o segundo um exemplo de como o autor utiliza-se do termo enquanto palavra Observando-se os trechos que seguem eacute possiacutevel notar entretanto que Constacircncio apesar de conceber voz de um modo diferente dos outros trecircs autores que vimos tal como eles tambeacutem considera que a expressatildeo sonora das vogais natildeo se utiliza de liacutengua dente e laacutebio para se realizar Aleacutem disso o autor nota o fato de as vogais se diferenciarem entre si devido agrave abertura da boca e enfatiza tambeacutem a importacircncia da respiraccedilatildeo para sua concretizaccedilatildeo

Chamatildeo-se vogaes as letras a e i o u y porque representatildeo sons proferidos por hum impulso da voz sem o concurso da acccedilatildeo da lingua dos beiccedilos ou dos dentes (Constacircncio 1831 05)

O caracter das vogaes he serem susceptiveis de se prolongarem e de se poderem modular ou cantar propriedades que resultatildeo de serem sons produzidos pela diversa abertura da boca e forccedila da emissatildeo do ar expirado (Constacircncio 1831 13)

O gramaacutetico compartilha tambeacutem da noccedilatildeo de consoante enquanto articulaccedilatildeo

Dos sons consoantes ou como outros melhor lhe chamatildeo articulaccedilotildees ou sons articulados huns podem prolongar-se outros natildeo mas nenhum se pode cantar ou modular Esta he a verdadeira distincccedilatildeo entre as vogaes e as consoantes (Constacircncio 1831 13)

As consoantes prolongaacuteveis a que se refere o autor no trecho satildeo as que chamamos hoje de fricativas

A partir desses trechos podemos concluir que Constacircncio utiliza o metatermo som para se referir agrave expressatildeo sonora das vogais e consoantes ldquoo som vogalrdquo ldquoo som consoanterdquo

O quadro das letras do portuguecircs segundo Constacircncio fica do seguinte modo (cf Constacircncio 1831 05-06)

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

131

Figura Nome Som A a aacute aacute atilde a surdo B b becirc b C c cecirc K antes de a o u ccedil antes de

e i y C ccedil cecirc cedilhado ccedil ss D d decirc d E e eacute eacute ecirc ẽ e surdo ou mudo F f eacutefe f G g gecirc gue antes de a o u j an-

tes de e i y H h agaacute natildeo tem som proprio ou he si-

gnal de aspiraccedilatildeo apenas sensiacutevel

I i i i J j ji j K k kaacute k L l eacutele l M m eacuteme m N n eacutene n O o oacute oacute ocirc otilde o surdo P p pecirc p Q q Kecirc k R r eacuterre r forte brando S s eacutesse ccedil z es T t tecirc t U u u u V v vecirc v X x xis ch es ss Z z zecirc z Y y ipsilon i

Na gramaacutetica de Adolpho Coelho (1891) natildeo encontramos o

metatermo voz designando alguma unidade da liacutengua mas apenas em referecircncia agrave voz humana

Os sons pertencem aacute lingua fallada satildeo produzidos pelos movimentos dos nossos orgatildeos da voz as lettras e os signaes auxiliares pertencem aacute lingua escripta Natildeo devemos confundir os sons com as lettras Os sons e as lettras que os representam dividem-se em VOGAES e CONSOANTES (Coelho 1891 23)

Julia de Crudis Rodrigues

132

O autor estabelece a distinccedilatildeo entre aspectos graacuteficos e sonoros utilizando-se para isso dos metatermos som e letra Classificando entatildeo esses sons e letras em vogais e consoantes

O inventaacuterio das letras do portuguecircs para Coelho estaacute organizado no quadro seguinte

som vogal ex som vogal

som vogal nasal

ex som vogal nasal

som consoante

ex som consoante

a aberto ha atilde ratilde k kilo a fechado para ẽ vento t tu a guttural sal ĩ fim p paacute e aberto seacute otilde som g gato e fechado secirc ũ um d doacute e surdo dedal b boi i li m mau o aberto soacute n noacute o fechado avocirc r para u tu rr rato l laacute ũ (nh) unha lh velho s (ch) chaacute s atenuado este j joio j atenuado deste s soacute z zaacutes f feacute v vou

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

As anaacutelises desenvolvidas pelos autores ao menos em relaccedilatildeo agrave caracterizaccedilatildeo geral das unidades que seriam relevantes para o tratamento dos aspectos foneacuteticos e fonoloacutegicos da liacutengua satildeo mais ou menos estaacuteveis Por exemplo todos os autores datildeo um lugar privilegiado agrave distinccedilatildeo entre vogais e consoantes e com exceccedilatildeo de Couto e Melo (1818) agrave elaboraccedilatildeo de inventaacuterios completos delas e agrave classificaccedilatildeo dessas vogais e consoantes segundo certos criteacuterios acuacutestico-articulatoacuterios Tambeacutem as formas de conceituar esses elementos guarda semelhanccedilas Assim como vimos para os autores

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

133

do seacuteculo XVI as vogais satildeo as letras que podem ser pronunciadas sozinhas sem ajuda de nenhuma outra letra e podem formar siacutelaba as consoantes satildeo as que precisam de uma vogal para poder ser pronunciadas e formar siacutelabas O seacuteculo XIX entende as vogais como equivalentes agraves vozes definido-as como letras que natildeo dependem de liacutengua dente ou laacutebios para sua realizaccedilatildeo enquanto as consoantes ou articulaccedilotildees dependeriam desses elementos para serem produzidas

Ao procurar reconstruir a rede de termos correlacionaacuteveis a voz vimos que todos os gramaacuteticos o empregam em contextos de anaacutelise que pressupotildeem a consideraccedilatildeo de uma dimensatildeo acuacutestico-articulatoacuteria e de uma outra dimensatildeo a dimensatildeo graacutefica do plano da expressatildeo da liacutengua Eles recorrem para tanto a outros metatermos tais como letra figura valor articulaccedilatildeo vogais consoantes que permitem delimitar melhor o que entendem por voz

Ateacute onde conseguimos chegar com relaccedilatildeo agrave anaacutelise de voz em seus aspectos focal e constrastivo esse metatermo inicialmente eacute usado para referir toda e qualquer unidade do plano da expressatildeo mas no seacuteculo XIX ele eacute preferencialmente usado com referecircncia apenas agraves vogais e agrave voz humana Haacute ainda o uso especiacutefico de Constacircncio que o emprega como aparente sinocircnimo do que entenderiacuteamos como palavra Quando chegamos em Coelho o uso do metatermo estaacute restrito agrave referecircncia voz humana como aliaacutes tendemos a empregar o metatermo voz no contexto dos estudos da foneacutetica e fonologia atualmente

Parece assim que se o metatermo voz tinha um papel central na rede de termos necessaacuterios para tratar das dimensotildees focircnica e ortograacutefica da liacutengua ele eacute praticamente suprimido desse quadro de trabalho no seacuteculo XIX (jaacute que a referecircncia que Coelho faz a voz estaacute mais proacutexima do valor do termo na linguagem corrente do que de um valor mais especializado estritamente metalinguiacutestico que ele parece ter tido antes) Dito de outro modo esse metatermo que emerge polissecircmico na tradiccedilatildeo parece se perder quando nos aproximamos da virada do seacuteculo XIX para o XX

Julia de Crudis Rodrigues

134

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ARGOTE J C de 1725 Regras da lingua portugueza espelho da lingua latina ou disposiccedilaotilde para facilitar o ensino da lingua latina pelas regras da portugueza Lisboa Officina da Musica

AUROUX Sylvain 1992 A Revoluccedilatildeo Tecnoloacutegica da Gramatizaccedilatildeo Campinas Editora da UNICAMP

BACELLAR Bernardo de L e M 1783 Grammatica Philosophica e Orthographia Racional da Lingua Portugueza Lisboa Oficina de Simatildeo Thaddeo Ferreira

BARBOSA Jerocircnimo S 1822 Grammatica Philosophica da Lingua Portugueza ou Principios da Grammatica Geral Applicados agrave nossa Linguagem Lisboa Typographia da Academia 1822

BARROS Joatildeo de 1540 Grammatica da lingua portuguesa Olyssipone Lodouicum Rotorigiu[m]

BUESCU M L C 1984 Historiografia da Liacutengua Portuguesa seacuteculo XVI Lisboa Livraria Saacute da Costa editora

BUESCU M L C 1975 A gramaacutetica da Linguagem portuguesa de Fernatildeo de Oliveira Ediccedilatildeo criacutetica Lisboa Imprensa Nacional ndash Casa da Moeda

CALDAS AULETE Francisco J 1864 Grammatica Nacional Lisboa Tipografia da sociedade tipograacutefica franco-portuguesa

COELHO F Adolpho 1891 Nocoes elementares de grammatica portugueza Porto Lemos amp Cia Editores

CONSTANCIO Francisco S 1831 Grammatica analytica da lingua portugueza offerecida aacute mocidade estudiosa de Portugal e do Brasil Paris Na Off Typ de Casimir

COUTO e MELO Joatildeo C do 1818 Grammatica Philosophica da linguagem portugueza Lisboa Impressatildeo Reacutegia

CRUDIS Julia de 2011 Questotildees ortograacuteficas nas primeiras obras descritoras da liacutengua portuguesa uma anaacutelise da metalinguagem em Fernatildeo de Oliveira (1536) Joatildeo de Barros (1540) e Nunes de Leatildeo (1576) Relatoacuterio de Iniciaccedilatildeo Cientiacutefica Satildeo Paulo FFLCH

O tratamento do metatermos voz em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX

135

CRUDIS Julia de 2015 Foneacutetica e Fonologia em gramaacuteticas portuguesas do seacuteculo XIX terminologia teacutecnicas e contextos para a descriccedilatildeo Dissertaccedilatildeo de Mestrado Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo

KOERNER Konrad 1996 ldquoQuestotildees que Persistem em Historiografia Linguiacutesticardquo In Revista da Anpoll nordm02 p 45-70

LEAtildeO Duarte N de 1576 Ortografia da Liacutengua Portuguesa Lisboa Joatildeo de Barreira

LOBATO Antonio J dos R 1770 Arte da grammatica da lingua portugueza Lisboa Regia Officina Typografica

OLIVEIRA Fernatildeo de 1536Grammatica da lingoagem portuguesa Lisboa Casa de Germatildeo Galharde

PEREIRA Bento 1672 Ars Grammaticaelig pro Lingua Lusitana addiscenda Latino Idiomate proponitur in hoc libello velut in quadam academiola divisa in quinque classesinstructas subselliis recto ordine dispertitis ut ab omnibus tum domesticis tum exteris frequentari possint Ac finem ponitur Ortographia ars recte scribendi ut sicut prior docet recte loqui ita posterior doceat recte scribere linguam Lusitanam In gratiam Italorum conjugationibus Lusitanis Italaelig correspondent Ludguni Sumptibus Laurentii Anisson

SWIGGERS Pierre 2010 (2011) Le meacutetalangage de la Linguistique reacuteflexions agrave propos de la terminologie et de la terminographie linguistiques Satildeo Paulo Revista do Gel 72 p 9-29

136

A DESCRICcedilAtildeO DOS CONECTORES NAS GRAMAacuteTICAS DE ROCHA LIMA E GLADSTONE CHAVES DE MELO82

Luana Silva do Nascimento Cunha (Universidade Federal Fluminense)

RESUMO Com este trabalho agrave luz dos pressupostos da Historiografia Linguiacutestica pretendemos examinar a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees na Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima e na Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo A metodologia aplicada segue a linha de anaacutelise qualitativa dos dados retirados dos corpora Os passos foram os seguintes leitura de textos teoacutericos levantamento de hipoacutetese seleccedilatildeo de capiacutetulos descriccedilatildeo dos dados anaacutelise e conclusotildees Ao analisar os resultados supomos que estes gramaacuteticos descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade teoacuterica

ABSTRACT In this paper according to Linguistic Historiography main principles we intend to examine the description of the preposition in Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) by Rocha Lima and Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) by Gladstone Chaves de Melo Its methodology is based on the qualitative analysis of corpora data The research followed the following steps reading theoretical texts posing a hypothesis chapter selection data description analysis and conclusions The research results lead us to suppose that these grammarians described the prepositions in Portuguese according to a theoretical uniformity

1 INTRODUCcedilAtildeO

A presente pesquisa teve como proposta examinar brevemente as descriccedilotildees dos conectores em duas gramaacuteticas do seacuteculo XX de tal sorte que se contribua para construir um perfil das teses empregadas pela produccedilatildeo linguiacutestica brasileira do periacuteodo em foco no tocante ao entendimento que se aplicava agrave classe dos conectivos seus aspectos morfoloacutegicos e sintaacuteticos bem como seu emprego na estruturaccedilatildeo do texto O sistema de descriccedilatildeo e interpretaccedilatildeo dos fatos linguiacutesticos

82 Este artigo eacute parte de dissertaccedilatildeo de mestrado intitulada Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB orientada pelo Prof Dr Ricardo Stavola Cavaliere defendida em 2015 na Universidade Federal Fluminense

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

funda-se nas observaccedilotildees acerca da liacutengua construiacuteda por um sujeito enunciador cuja obra eacute digna de ser examinada para que se estabeleccedila o corpus e assim se possibilite a investigaccedilatildeo historiograacutefica

Desse modo para o desenvolvimento do presente trabalho elegeram-se as seguintes obras Gramaacutetica normativa da liacutengua portuguesa (2005) de Rocha Lima (1915 ndash 1991) e Gramaacutetica fundamental da liacutengua portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo (1917 ndash 2001)

Dentre os conectores que poderiam ser pesquisados elegeu-se para o enfoque deste trabalho o estudo dos fatos linguiacutesticos a partir das preposiccedilotildees e locuccedilotildees prepositivas Examinaremos o modo como os autores descrevem essa classe no corpus proposto com a intenccedilatildeo de interpretar suas percepccedilotildees natildeo soacute no que diz respeito agrave materialidade linguiacutestica como tambeacutem ao universo extralinguiacutestico

Conforme se atesta nestas consideraccedilotildees iniciais buscou-se observar a concepccedilatildeo desses gramaacuteticos em relaccedilatildeo agraves preposiccedilotildees bem como os pontos em comum e as divergecircncias em suas definiccedilotildees Pretende ainda a investigaccedilatildeo verificar a atualidade dos estudos desses autores e a sua contribuiccedilatildeo no desenvolvimento da ciecircncia da liacutengua

A linha teoacuterica adotada eacute a da Historiografia da Linguiacutestica que tem como principais representantes Konrad Koener Pierre Swiggers e Sylvain Auroux No Brasil o estudo historiograacutefico eacute desenvolvido por Cristina Altman Ricardo Cavaliere Jarbas Vargas Nascimento Neusa Bastos Olga Coelho dentre outros historioacutegrafos

A Historiografia da Linguiacutestica (HL) abrange a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo de maneira interdisciplinar de como o conhecimento linguiacutestico foi obtido e executado Assim a HL considera aleacutem da ciecircncia da linguagem a histoacuteria dos contextos a filosofia a sociologia e outros fatores pertinentes agrave pesquisa

Construir-se-aacute a anaacutelise em termos comparativos com vistas a revelar algumas diferenccedilas existentes entre as descriccedilotildees Entre os escopos do trabalho estaacute ao cotejar esses objetos de estudo o de tornar mais evidentes as caracteriacutesticas das obras estudadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

138

O resultado do trabalho apresentaraacute a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees baseada em princiacutepios uma vez que se investigaraacute quais satildeo os pressupostos para sua sistematizaccedilatildeo descriccedilatildeo e anaacutelise como objeto de estudo

Considera-se interessante a elaboraccedilatildeo da presente pesquisa uma vez que o estudo das preposiccedilotildees poderaacute proporcionar ao pesquisador de Liacutengua Portuguesa um delineamento inicial dessa classe gramatical na perspectiva de dois notaacuteveis gramaacuteticos do seacuteculo passado Conhecer o tratamento que esses autores deram agraves preposiccedilotildees eacute essencial para que se entenda a construccedilatildeo do conhecimento linguiacutestico

2 SOBRE A HISTORIOGRAFIA DA LINGUIacuteSTICA

21 A Historiografia da Linguiacutestica e o papel do historioacutegrafo

Na descriccedilatildeo de um objeto o toacutepico fundamental eacute o ponto por onde se inicia a pesquisa pois os processos de anaacutelise seratildeo conduzidos por esse criteacuterio A Historiografia da Linguiacutestica caracteriza-se por fazer uma reflexatildeo dos fatos da liacutengua de maneira interdisciplinar Segundo Swiggers (20102)

A historiografia Linguiacutestica eacute o estudo interdisciplinar do curso evolutivo do conhecimento linguiacutestico ela engloba a descriccedilatildeo e a explicaccedilatildeo em termos de fatores intradisciplinares e extradisciplinares (cujo impacto pode ser lsquopositivorsquo ie estimulante ou lsquonegativorsquo ie inibidores ou desestimulantes) de acordo com o conhecimento linguiacutestico ou mais genericamente o know-how linguiacutestico foi obtido e implementado

Nessa perspectiva a Historiografia da Linguiacutestica ou Historiografia Linguiacutestica83 tem caraacuteter indisciplinar e consiste na investigaccedilatildeo da construccedilatildeo e difusatildeo do pensamento linguiacutestico em diferentes recortes temporais

De acordo com Koerner (1995) o historiador da linguiacutestica tem de gozar de duas habilidades a linguiacutestica e histoacuteria que devem ser aliadas agrave filosofia e agrave histoacuteria das ciecircncias

83 A pesquisadora Cristina Altman (2001 2009) e o linguista Konrad Koener (1995) tecem importantes consideraccedilotildees a respeito de tal discussatildeo Swiggers (2009) tambeacutem julga as duas terminologias equivalentes

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

Cabe destacar que o historioacutegrafo da Linguiacutestica primeiramente deve ser um linguista uma vez que apenas um estudioso da linguagem humana poderaacute desempenhar de forma apropriada anaacutelises de pesquisas ligadas agrave faculdade da liacutengua Contudo faz-se necessaacuterio que o historioacutegrafo aleacutem de linguista seja um pesquisador dos acontecimentos histoacutericos Alicerccedilado nessas bases intelectuais o historioacutegrafo da linguiacutestica seraacute capaz de analisar e interpretar os textos que vier a examinar

Outra qualidade indispensaacutevel a esse profissional eacute a percepccedilatildeo Ao investigar uma obra deve-se considerar os influxos da corrente histoacuterica Ou seja natildeo se deve proceder uma anaacutelise de um texto escrito numa determinada eacutepoca com os valores ou visatildeo hodierna Todavia cabe ao historioacutegrafo da linguiacutestica levar em consideraccedilatildeo os agentes que influenciaram na construccedilatildeo da obra estudada

22 Princiacutepios historiograacuteficos

Ao realizar uma anaacutelise Koerner (1995) propotildee que sejam seguidos trecircs princiacutepios que cooperaratildeo para que a garantir o caraacuteter cientiacutefico da pesquisa historiograacutefica Satildeo eles o princiacutepio de contextualizaccedilatildeo o princiacutepio de imanecircncia e o princiacutepio de adequaccedilatildeo teoacuterica Teceremos a seguir comentaacuterios iniciais a cerca desses princiacutepios os quais seratildeo orientadores de nossa pesquisa

O princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estaacute ligado ao estado geral de opiniatildeo do ambiente social da eacutepoca em que foi originado o documento Desse modo ao ser examinado o material natildeo pode ser privado de seu contexto histoacuterico-cultural e dos influxos do periacuteodo de sua produccedilatildeo

O princiacutepio de imanecircncia relaciona-se ao levantamento de informaccedilotildees e agrave determinaccedilatildeo de uma interpretaccedilatildeo ampla do material natildeo soacute no que diz respeito agraves teorias linguiacutesticas mas tambeacutem ao contexto histoacuterico da eacutepoca de publicaccedilatildeo Esse princiacutepio produz um efeito restaurador do passado e possibilita a compreensatildeo do documento (Nascimento 2005 23) Adicionado ao princiacutepio de contextualizaccedilatildeo estabelece uma diretiva eficaz no processo de interpretaccedilatildeo do documento

Luana Silva do Nascimento Cunha

140

O princiacutepio de adequaccedilatildeo estaacute relacionado agrave compreensatildeo do passado do documento a ser analisado e agrave interpretaccedilatildeo das informaccedilotildees colhidas agrave luz das abordagens contemporacircneas Assim esse princiacutepio liga-se agrave possiblidade de o historioacutegrafo da liacutengua comparar os coacutedigos com descriccedilotildees verbais e reatualizar o documento (Nascimento 2005 23)

Esses princiacutepios apresentados por Koerner constituem fundamentos metodoloacutegicos baacutesicos da Historiografia da Linguiacutestica a serem seguidos no instante em que o historioacutegrafo estiver procedendo sua anaacutelise

3 PREPOSICcedilAtildeO DEFINICcedilOtildeES

31 A definiccedilatildeo de Chaves de Melo

As preposiccedilotildees satildeo componentes que tecircm a funccedilatildeo de ligar unidades no texto por isso chamamo-las de conectivos Segundo Melo (2001 106) ldquocomo diz o nome satildeo os conectivos palavras que estabelecem ligaccedilotildees palavras que concretizam por assim dizer as relaccedilotildees sintaacuteticas Ora existem pelo menos dois tipos de relaccedilotildees sintaacuteticas a lsquocoordenaccedilatildeorsquo e a lsquosubordinaccedilatildeorsquordquo

Haacute outras classes gramaticais que se ocupam da mesma funccedilatildeo no texto como conjunccedilotildees adveacuterbios e pronomes Os pronomes podem se referir a termos referentes ao passado ou a que ainda viratildeo Os adveacuterbios por sua vez acompanham o verbo o adjetivo ou outro adveacuterbio modificando-os Em contrapartida agraves preposiccedilotildees cabe a funccedilatildeo de exclusivamente estabelecer viacutenculos Ligam-se a substantivos adjetivos verbos ou adveacuterbios para marcar as relaccedilotildees gramaticais representadas no texto

Conforme Melo (2001 106) ldquoa preposiccedilatildeo eacute a palavra que subordina elementos sintaacuteticos natildeo expressos por uma oraccedilatildeo gramaticalrdquo O autor explica que ao dizer roupa de latilde por exemplo a preposiccedilatildeo de subordina a palavra latilde agrave roupa Assim ldquolatilde existe em funccedilatildeo de roupa para dar um esclarecimento a respeito de roupardquo (Melo 2001 106)

O autor ainda assevera o quatildeo sutil e casual eacute a diferenccedila entre a preposiccedilatildeo e a conjunccedilatildeo subordinativa Na realidade satildeo dois conectivos da mesma natureza Segundo Coutinho (1962 316)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

ldquopoucas foram as conjunccedilotildees que o portuguecircs herdou do latimrdquo Visando a suprir tal lacuna a Liacutengua Portuguesa se utilizou de outras classes de palavras especialmente as preposiccedilotildees e os adveacuterbios

Faz-se ainda na obra pesquisada a divisatildeo entre preposiccedilotildees acidentais e essenciais As preposiccedilotildees acidentais satildeo adjetivos ou adveacuterbios que satildeo empregados com a utilidade de conectar unidades (Melo 2001 107)

As preposiccedilotildees acidentais ou melhor dito palavras preposicionadas satildeo adjetivos e adveacuterbios que tambeacutem exercem a funccedilatildeo ligadora subordinante Exemplificam-se com afora (ldquoAfora Joaquim outros compareceramrdquo) conforme (ldquoTudo saiu conforme seus desejosrdquo)

O autor exemplifica sua definiccedilatildeo apresentando uma seacuterie de construccedilotildees compostas por preposiccedilotildees acidentais conforme se atesta na tabela 1

PREPOSICcedilAtildeO ACIDENTAL

EXEMPLOS

afora Afora Joaquim os outros compareceram conforme Tudo saiu conforme seus desejos consoante Executamos tudo consoante o programa

fora mediante menos Todos menos Rodrigo aderiram agrave ideia salvante (exceto) salvo Foram trecircs os agressores salvo erro

segundo Continuaccedilatildeo do Santo Evangelho segundo Mateus tirante Tirante Benedito os mais concordaram visto Visto ser hoje feriado continuaremos o trabalho

amanhatilde

(Melo 2001 107) - Tabela 1

Dessarte as preposiccedilotildees acidentais satildeo vocaacutebulos derivados de outra classe gramatical que podem figurar como preposiccedilatildeo e cuja estrutura moacuterfica pode ser compreendida numa determinada sincronia do sistema linguiacutestico Distinguem-se dessas as preposiccedilotildees essenciais tambeacutem denominadas preposiccedilotildees simples

Natildeo encontramos na Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) uma definiccedilatildeo especiacutefica de preposiccedilatildeo essencial Da gramaacutetica tradicional recebemos a seguinte liccedilatildeo denominam-se preposiccedilotildees essenciais os vocaacutebulos que aparecem na liacutengua unicamente como preposiccedilotildees

Luana Silva do Nascimento Cunha

142

A seguir apresentamos na tabela 2 a lista de preposiccedilotildees essenciais que encontramos em sua obra

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante apoacutes ateacute com contra de desde durante em entre exceto para per perante por sem sob sobre traacutes

(Melo 2001 107) ndash Tabela 2

No subcapitulo seguinte seraacute possiacutevel notar que todas as preposiccedilotildees citadas por Rocha Lima encontram-se na lista de Chaves Melo natildeo obstante haja quatro preposiccedilotildees na lista de Chaves de Melo que natildeo constam na de Rocha Lima84 Ressalte-se que nas obras consultadas natildeo havia a expressatildeo etc ou outra equivalente Assim entendemos que foram citados todos os vocaacutebulos que os autores consideravam como preposiccedilotildees

32 A definiccedilatildeo de Rocha Lima

Em sua Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) Rocha Lima inicia o capiacutetulo Preposiccedilatildeo apresentando ao leitor o seguinte conceito ldquopreposiccedilotildees satildeo palavras que subordinam um termo da frase a outro ndash o que vale dizer que tornam o segundo dependente do primeirordquo (Rocha Lima 2005 180) A descriccedilatildeo apresentada neste paraacutegrafo eacute exemplificada pelos seguintes enunciados 85 livro de Pedro obediente a seus pais moro em Satildeo Paulo Observa-se que as palavras destacadas satildeo denominadas preposiccedilotildees porque ligam entre si dois termos da frase que vecircm respectivamente antes e depois delas

Ao descrever conceito de preposiccedilatildeo o Rocha Lima emprega as seguintes nomenclaturas antecedente para referir-se ao termo que precede a preposiccedilatildeo e consequente para referir-se ao termo posposto agrave preposiccedilatildeo

Moro em Satildeo Paulo

ANTECEDENTE 1deg termo

PREP CONSEQUENTE 2deg termo

84 Estatildeo sublinhadas no quadro Preposiccedilotildees Acidentais de Gladstone Chaves de Melo indicar nuacutemero do quadro 85 Rocha Lima retirou os exemplos da Gramaacutetica portuguesa de Maacuterio Pereira de Sousa Lima (2ordf ed 1945 p 38-9)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 3

Ao observarmos a tabela 3 explicita-se assim a relaccedilatildeo de sentido existente entre o primeiro e o segundo termo Como se pode observar haacute um termo regente aquele que pede a preposiccedilatildeo e haacute um termo regido aquele sucede a preposiccedilatildeo Ressalte-se que o termo regente pode ser um verbo ou um nome daiacute falamos em regecircncia verbal e regecircncia nominal

Em seguida discriminam-se as preposiccedilotildees em essenciais e acidentais Na obra estudada natildeo haacute definiccedilatildeo do que seriam as preposiccedilotildees essenciais poreacutem este princiacutepio estaacute nos compecircndios de alguns autores ldquohaacute palavras que soacute aparecem na liacutengua como preposiccedilotildees e por isso se dizem preposiccedilotildees essenciaisrdquo (Bechara 2010 294)

A seguir na tabela 4 apresentamos as preposiccedilotildees essenciais descritas na obra de Rocha Lima

PREPOSICcedilOtildeES ESSENCIAIS

a ante ateacute apoacutes com contra de desde em entre para por perante sem sob sobre

(Rocha Lima 2005 180) - Tabela 4

Designam-se preposiccedilotildees acidentais os vocaacutebulos que descaindo seu significado original passaram a exercer a funccedilatildeo de preposiccedilatildeo Em sua obra (1972 p 181) Rocha Lima observa que ldquohaacute outras palavras de outras espeacutecies que podem figurar como preposiccedilotildeesrdquo Em seguida na tabela 5 apresentamos ao leitor uma lista desse tipo de vocaacutebulos descritos pelo autor

PREPOSICcedilOtildeES ACIDENTAIS

exceto durante consoante mediante fora afora segundo tirante senatildeo visto

(Rocha Lima 2001 181) - Tabela 5

Luana Silva do Nascimento Cunha

144

4 AS LOCUCcedilOtildeES PREPOSITIVAS

Nas duas obras pesquisadas encontramos definiccedilotildees muito semelhantes para locuccedilotildees prepositivas ldquosatildeo combinaccedilotildees de duas ou mais palavras com valor de preposiccedilatildeo Tais locuccedilotildees terminam sempre aliaacutes por preposiccedilatildeordquo (Melo 2001 108) ldquosatildeo duas ou mais palavras que desempenham o papel de preposiccedilatildeo Nessas locuccedilotildees a uacuteltima palavra eacute sempre preposiccedilatildeordquo (Rocha Lima 2005 181)

Vale lembrar que os autores natildeo fazem a distinccedilatildeo entre palavra e vocaacutebulo86

Exibimos a seguir na tabela 6 a lista de locuccedilotildees prepositivas apresentadas por cada autor

ROCHA LIMA

ao lado de antes de aleacutem de adiante de a despeito de acima de abaixo de depois de em torno de a par de apesar de atraveacutes de de acordo com com respeito a por causa de quanto a respeito a junto a em atenccedilatildeo a graccedilas a etc

MELO atraveacutes de antes de longe de perto de depois de aleacutem de diante de apesar de a fim de a respeito de sem embargo de em torno de com respeito a devido a quanto a graccedilas a em redor de acerca de por entre por detraacutes de por sobre a modo de em vez de etc

(Rocha Lima 2001 181 Melo 2001 108) - Tabela 6

Como se depreende da amostragem as locuccedilotildees prepositivas evidentemente exercem a mesma funccedilatildeo das preposiccedilotildees a de subordinar um termo a outro

5 CONTRACcedilAtildeO E COMBINACcedilAtildeO

Melo emprega o termo contraccedilatildeo quando da junccedilatildeo da preposiccedilatildeo com outro vocaacutebulo resulta perda foneacutetica Segundo o autor (2001107) ldquoalgumas preposiccedilotildees se combinam com outros vocaacutebulos em geral o artigo produzindo como efeito um vocaacutebulo

86 Segundo Mattoso vocaacutebulo eacute uma forma dependente desprovida de significado ldquoPalavras satildeo vocaacutebulos providos de significaccedilatildeo externa A palavra eacute sempre uma forma livre e pois um lexema na terminologia norte-americanardquo (Camara Junior 1977 241 e 187)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

soacute Se dessa combinaccedilatildeo originar perda de fonema para algum dos elementos teremos uma contraccedilatildeordquo

Quanto ao termo combinaccedilatildeo natildeo encontramos uma definiccedilatildeo expliacutecita na obra pesquisada todavia depreendemos que o autor considere que ocorra tal fenocircmeno quando a preposiccedilatildeo ligando-se a outro vocaacutebulo natildeo sofre reduccedilatildeo o autor emprega o termo combinaccedilatildeo Ao discorrer sobre o assunto o autor faz a seguinte afirmaccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoA preposiccedilatildeo a combina-se tambeacutem com o artigo o(s) daiacute resultando a pronuacutencia deste artigo como semivogal e o aparecimento de um ditongo grafado ao Dei um livro ao meninordquo

Nos demais exemplos do capiacutetulo preposiccedilotildees ao exemplificar o autor sempre usava a palavra contraccedilatildeo (Melo 2001 108) ldquoda contraccedilatildeo de em com o artigo o resultou finalmente nordquo ldquoa antiga preposiccedilatildeo per () combina-se com o artigo produzindo como resultado pelo e flexotildeesrdquo Note-se que em todas as vezes em que autor usou o termo contrataccedilatildeo o exemplo apresentado sofria reduccedilatildeo foneacutetica

Em contrapartida na obra de Rocha Lima natildeo eacute possiacutevel perceber com clareza essa distinccedilatildeo Aliaacutes o autor nem mesmo emprega o termo contraccedilatildeo Ao apresentar exemplos o autor emprega a palavra combinaccedilatildeo ateacute mesmo quando se refere a junccedilotildees (de preposiccedilatildeo a outro termo) que resultaram perda foneacutetica (Melo 2005 182) ldquono ndash combinaccedilatildeo da antiga preposiccedilatildeo en com a antiga forma do artigo definido lo por assimilaccedilatildeo do l ao n e queda do e inicial en + lo ndash enlo ndash enno ndash (e)no ndash nordquo

A diferenccedila entre combinaccedilatildeo e contraccedilatildeo aparece na obra de alguns gramaacuteticos conforme a visatildeo acadecircmica de cada um Tal distinccedilatildeo natildeo foi descrita na NGB Em seu Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica Cacircmara Juacutenior natildeo faz distinccedilatildeo entre esses dois termos (1977 84) ldquoCONTRACcedilOtildeES ndash Nome dado agrave aglutinaccedilatildeo (v) de dois vocaacutebulos gramaticais numa nova partiacutecula que se torna um morfema composto Tambeacutem se usa o termo COMBINACcedilAtildeO que eacute menos expressivordquo

A descriccedilatildeo de Rocha Lima assemelha-se agrave compreensatildeo que Cacircmara Junior apresenta Por outro lado a visatildeo de Chaves de Melo se distancia do trecho citado

Luana Silva do Nascimento Cunha

146

Ainda no que diz respeito a esse tema vale a pena salientar o destaque que Rocha Lima daacute agraves combinaccedilotildees produzidas pelas conjunccedilotildees a e de A tabela 7 apresenta a lista encontrada na obra

a + o= ao de + o = do

a + os= aos de + este = deste

a + agrave= agrave de + esse = desse

a + as= agraves de + isto = disto

a + aquele= agravequeles de + aquele = daquele etc

a+ aqueles= agravequeles

a+ aquelas= agravequelas

a + aquilo = agravequilo etc

Tabela 7

Dessa maneira o autor exemplifica que tipos de combinaccedilotildees pode haver quando as preposiccedilotildees a e de se ligam ao artigo definido e a alguns pronomes

Melo tambeacutem discorre a esse respeito apresentando alguns exemplos dessas contraccedilotildees em seu texto Sobre a preposiccedilatildeo a ligada a artigo ou pronome o gramaacutetico observa que na pronuacutencia portuguesa haacute uma abertura maior de timbre em relaccedilatildeo agrave pronuacutencia brasileira

6 O VALOR DAS PREPOSICcedilOtildeES

Nas duas obras pesquisadas ambos os autores iniciam um novo capiacutetulo no livro para tratar sobre o valor das preposiccedilotildees Agrave semelhanccedila da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa (2005) de Rocha Lima a Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa (2001) de Gladstone Chaves de Melo apresenta um capiacutetulo na parte de Morfologia em que trata sobre a descriccedilatildeo das preposiccedilotildees locuccedilotildees prepositivas e contraccedilotildees e outro capiacutetulo na parte de sintaxe em que descreve a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo e seu valor de acordo com as relaccedilotildees de sentido

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

61 Sobre a preposiccedilatildeo a

Ambos os autores descrevem a funccedilatildeo exercida pela preposiccedilatildeo a de introduzir o objeto indireto correspondendo em vista disso ao uso do dativo latino A fim de exemplificar essa funccedilatildeo da preposiccedilatildeo Rocha Lima cita o seguinte exemplo de Joseacute de Alencar ldquoIracema depois que ofereceu aos chefes licor de Tupatilde saiu do bosquerdquo (Rocha Lima 2005356)

Ainda sobre esse assunto Melo assevera que devem ser compreendidas e analisadas como objeto indireto e natildeo como complemento nominal determinadas expressotildees regidas de a e que encontram correspondente em outras com o valor possessivo como em ldquoTudo isso passou pela cabeccedila ao rapaz em poucos segundosrdquo (Melo 2001197)

Outra funccedilatildeo que pode ser exercida por essa preposiccedilatildeo descrita nas duas obras analisadas e a de reger o objeto direto preposicionado como se pode ver em ldquoBenza Deus aos teus cordeirosrdquo (Rocha Lima 2005356)

Rocha Lima fala sobre uma outra funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a o de reger o complemento de muitos adjetivos sobretudo os que denotam disposiccedilatildeo de acircnimo em relaccedilatildeo ao objeto aproximaccedilatildeo semelhanccedila e concomitacircncia Na tabela 8 apresentamos que adjetivos equivaler aos valores descritos pelo autor

DISPOSICcedilAtildeO DE AcircNIMO EM RELACcedilAtildeO A UM OBJETO

aceito agradaacutevel caro favoraacutevel benigno fiel doacutecil propiacutecio leal amigo contraacuterio hostil traidor avesso adverso rebelde odioso refrataacuterio uacutetil nocivo prejudicial pernicioso sensiacutevel duro surdo cego mudo atento alheio

APROXIMACcedilAtildeO proacuteximo propiacutenquo vizinho adstrito comum

SEMELHANCcedilA semelhante anaacutelogo igual idecircntico equivalente conforme paralelo

CONCOMITAcircNCIA coevo coetacircneo contemporacircneo

(Rocha Lima 2005 357) - Tabela 8

Aleacutem desses tambeacutem devem ser incluiacutedos os adjetivos terminados em nte oriundos de verbos que se constituem com a como sobrevivente e correspondente os particiacutepios passivos de

Luana Silva do Nascimento Cunha

148

verbos reflexos que se constituem com a como aperfeiccediloado e acostumado os comparativos formais anterior posterior superior e inferior

Os exemplos seguintes foram retirados da obra de Rocha Lima (2005 357)

Pois eu digo que este eacute o templo aceito a Deus (Rui) E foi fiel ao juramento santo (Filinto Eliacutesio) Eacutes surdo a seus lamentosrdquo (Herculano) Seu cepticismo natildeo fazia duro aos males alheios (Machado de Assis) Que motivo tatildeo forte a obriga a exigir desse moccedilo sacrifiacutecio superior a suas posses (Machado de Assis)

Haacute ainda outra funccedilatildeo apresentada por Rocha Lima que essa preposiccedilatildeo pode exercer encetar o complemento de alguns substantivos verbais que preservam o regime dos verbos correspondentes como em Natildeo conhecem a obediecircncia aos superiores e a reverecircncia aos mestres (Rui) (Rocha Lima 2005357)

Melo afirma que o a forma numerosas locuccedilotildees adverbiais que exercem a funccedilatildeo de adjunto adverbial cuja maior parte tem o nome no feminino e no plural Na tabela 9 apresentamos as locuccedilotildees descritas por Melo

LOCUCcedilOtildeES ADVERBIAIS

agrave toa agraves avessas agraves claras agraves escuras agraves direitas agraves tontas agrave escuta a esmo a desbarato a pelo a talho de foice agraves cegas agrave surdina agrave vista agrave compita agrave socapa agrave sorrelfa agrave puridade agrave solta agrave pressa e agraves pressas a peacutes juntos agrave uma a bocados aos borbototildees a ouro e fio agrave revelia a bandeiras despregadas agrave risca a torto e a direito e tantas outras

Tabela 9

Melo tambeacutem observa a funccedilatildeo da preposiccedilatildeo a precedendo infinitivo como em a falar a escrever Essa construccedilatildeo equivale a geruacutendio Na linguagem coloquial portuguesa essa construccedilatildeo eacute bem mais empregada do que o geruacutendio (agrave exceccedilatildeo do Alentejo) No portuguecircs brasileiro ocorre o inverso Contudo na liacutengua literaacuteria empregam-se as duas maneiras

O a seguido de infinitivo tambeacutem pode indicar o que cumpre a fazer no futuro ou o que vai acontecer como em contas a pagar liccedilotildees a dar cartas a responder (Melo 2001200) Melo assevera que essa construccedilatildeo natildeo tem boa tradiccedilatildeo vernaacutecula Em certos casos

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

devemos usar para ou por em outros uma subordinativa relativa contas para (por) pagar liccedilotildees para dar cartas para responder (Melo 2001 200)

Na tabela 10 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo a encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X

concessatildeo X

concomitacircncia X

condiccedilatildeo X conformidade X X

direccedilatildeo X X

distacircncia X

distribuiccedilatildeo singularizaccedilatildeo X

fim X X

instrumento X X

lugar X

meio X X

modo X

motivo X

movimento X X

mudanccedila passagem transformaccedilatildeo

X

posiccedilatildeo X X

proximidade X X

quantidade medida e preccedilo

X X

referecircncia X

tempo X X

Tabela 10

62 Sobre a preposiccedilatildeo ateacute

Luana Silva do Nascimento Cunha

150

Rocha Lima diz que muitas vezes as preposiccedilotildees a e ateacute concorrem na indicaccedilatildeo de ideia de termo empregando-se preferencialmente o ateacute quando se tem o objetivo de frisar bem a ideia de limite Depois do seacuteculo XVII o emprego das duas preposiccedilotildees passou a ser usado Na seguinte frase de Rui Barbosa pode-se observar as duas possibilidades que oferece a liacutengua portuguesa ldquoTudo assim desde os astros no ceacuteu ateacute os microacutebios no sangue desde as nebulosas no espaccedilo ateacute aos aljocircfares do rocio na relva dos pradosrdquo (Rocha Lima 2005 365)

Sobre essa preposiccedilatildeo Melo diz apenas que ela regendo substantivo antecedido de artigo pode enfatizar-se [enfatizar a si mesma Natildeo seria um recurso discursivo O sentido de Ao lavar e Ateacute ao lavar natildeo satildeo os mesmos] com a preposiccedilatildeo a como em ldquoAteacute ao lavar dos cestos eacute vindima (Proveacuterbio)rdquo (Melo 2001200)

Na tabela 11 apresentamos a ideia atribuiacuteda agrave preposiccedilatildeo ateacute encontrada nas gramaacuteticas analisadas

RL M

limite X

Tabela 11

63 Sobre a preposiccedilatildeo com

Melo chama a atenccedilatildeo para um uso da preposiccedilatildeo com menos comum com mais infinitivo indicando concessatildeo como em ldquoEle [Arcebispo] soacute com trabalhar mais que todos [isto eacute ldquonatildeo obstante trabalharrdquo] sofria ()rdquo (Melo 2001 201)

Rocha Lima observa (2005366) que essa preposiccedilatildeo tambeacutem pode ser empregada falando do que se tem como em estaacute com febre do que se traz como em andar com cinco aneacuteis nos dedos do que se conteacutem como em um caixote de laranjas

Segundo o mesmo autor empregar-se ainda o com com verbos e locuccedilotildees que expressam a qualidade das relaccedilotildees entre seres como em estar de bem ou de mal com algueacutem

Na tabela 12 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo com encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

causa X X companhia X X

concessatildeo X

instrumento X X

modo X

oposiccedilatildeo X

simultaneidade X X

Tabela 12

64 Sobre a preposiccedilatildeo contra

Ambos os autores concordam que a ideia geral da preposiccedilatildeo contra eacute de oposiccedilatildeo A partir daiacute segundo Melo (2001201) derivam outros sentidos como posiccedilatildeo fronteira hostilidade proteccedilatildeo objeccedilatildeo etc

Destaca-se na obra de Melo um novo emprego que se consagrou na liacutengua portuguesa ldquoregecircncia do complemento de apertar cingir e sinocircnimosrdquo como em ldquoRugindo de coacutelera ao contemplarem este espetaacuteculo [os cavaleiros de Pelaacutegio] apertavam contra o peito a cruz das espadasrdquo (Melo 2001201)

Na tabela 13 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo contra encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

hostilidade X

objeccedilatildeo X

oposiccedilatildeo X X

posiccedilatildeo fronteira (antagocircnica) X

proteccedilatildeo X

proximidade X

Tabela 13

Luana Silva do Nascimento Cunha

152

65 Sobre a preposiccedilatildeo de

Segundo Rocha Lima (2005367) uma das funccedilotildees da preposiccedilatildeo de eacute a de introduzir o complemento relativo de muitos verbos tais como precisar de gostar de depender de lembrar-se de esquecer-se de abster-se de etc Tambeacutem cumpre esta preposiccedilatildeo a funccedilatildeo de iniciar o objeto direto preposicional como em ldquoOuviraacutes dos contos comeraacutes do leite e partiraacutes quando quiseres (Rodrigues Lobo)rdquo

Ainda de acordo com o mesmo autor a preposiccedilatildeo de tambeacutem pode preceder uma oraccedilatildeo subordinativa reduzida de infinitivo a qual cumpra a funccedilatildeo de sujeito de determinados verbos de efeito moral como em ldquoDoacutei-me tambeacutem senhor conde ndash acrescentou o cavaleiro ndash de ser eu quem vos houvesse de trazer tatildeo desagradaacutevel notiacutecia (Herculano)rdquo (Rocha Lima 2005 367)

Rocha Lima tambeacutem destaca seu papel de ligar um substantivo a outro quer imediatamente quer mediante certos verbos desempenhando o papel de caracterizar definir ou retratar algo ou algueacutem A preposiccedilatildeo de tambeacutem liga-se agrave interjeiccedilatildeo ai ou guai e por analogia apresenta-se com vocaacutebulos como coitado feliz infeliz pobre usadas em exclamaccedilotildees como em ldquoAi ai ai deste uacuteltimo homem estaacute morrendo e ainda sonha com a vida (Machado de Assis)rdquo (Rocha Lima 2005369)

Aleacutem dessas funccedilotildees essa preposiccedilatildeo ainda rege infinitivos que compotildeem conjugaccedilotildees perifraacutesticas com verbos como cessar ter haver deixar etc como em cessou de falar ter de ir havemos de partir deixaste de comparecer

Na tabela 14 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo de encontrados nas gramaacuteticas analisadas

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

RL M

agente da passiva X

assunto X

causa X X

componente de locuccedilotildees X X

efeito X estado aspecto X

instrumento X

lugar X

lugar onde X

mateacuteria X

meio X

modo X

origem X X

pertenccedila X

ponto de partida X

referencia X

restriccedilatildeo individuaccedilatildeo X

tempo X

Tabela 14

66 Sobre a preposiccedilatildeo desde

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo desde em sua gramaacutetica Rocha Lima observa que essa preposiccedilatildeo indica o ldquoponto de partida de um movimento ou extensatildeordquo (2005371) para marcar sobretudo distacircncia

Na tabela 15 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo desde encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

ponto de partida X

Tabela 15

Luana Silva do Nascimento Cunha

154

67 Sobre a preposiccedilatildeo em

Chaves de Melo afirma (2001204) que a preposiccedilatildeo em forma diversas locuccedilotildees adverbiais e prepositivas tais como em cheio em comum nesse interim dentro em em redor de em torno de E ainda conclui que em rege o geruacutendio expressivo de tempo anterior ou simultacircneo e de condiccedilatildeo ou hipoacutetese como em ldquoNingueacutem desde que entrou [neste mundo] em se tratando da proacutepria consideraccedilatildeo mentia sem dificuldade (Machado Quincas p105)rdquo (Chaves de Melo 2001205)

Na tabela 16 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo em encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

assunto mateacuteria X

causa X

estado X X

finalidade X

forma X

lugar X X modo X X

mudanccedila de estado X X

preccedilo X

restriccedilatildeo especificaccedilatildeo X tempo X X

termo acabamento X

Tabela 16

68 Sobre a preposiccedilatildeo entre

Chaves de Melo observa (2001 205) que ldquonatildeo oferece dificuldade o emprego desta preposiccedilatildeo cujo sentido fundamental eacute posiccedilatildeo intermediaacuteriardquo Tambeacutem compartilha desse entendimento Rocha Lima que em sua obra descreve (2005374) que aleacutem disso a preposiccedilatildeo entre eacute empregada antes de adjetivos visando a

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

expressar certo estado de perplexidade ou vacilaccedilatildeo como em ldquoMereccedilo Inquiriu ela entre desvanecida e modesta (Machado de Assis)rdquo

Na tabela 17 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo entre encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

perplexidade X

posiccedilatildeo X X reciprocidade X

sentido partitivo X

totalidade X

Tabela 17

69 Sobre a preposiccedilatildeo para

Segundo Rocha Lima (2005374) a preposiccedilatildeo para tem a funccedilatildeo de introduzir o objeto indireto A ideia fundamental desse vocaacutebulo conforme Chaves de Melo (2001206) eacute de movimento destino

Na tabela 18 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo para encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

capacidade X

capacidade X

consequecircncia X

designaccedilatildeo do que uma coisa requer para ser efetuada

X

direccedilatildeo X X

finalidade X X

finalidade relativa X

movimento X X proporcionalidade X referecircncia X

Luana Silva do Nascimento Cunha

156

segregaccedilatildeo X serventia X

tempo X X

Tabela 18

610 Sobre a preposiccedilatildeo por

Aleacutem de formar um grande nuacutemero de locuccedilotildees adverbiais (Chaves de Melo 2001 208) a preposiccedilatildeo por anuncia o agente da voz passiva e rege o anexo predicativo do objeto direto de certos verbos sobretudo ter haver tomar dar (=declarar) julgar (Rocha Lima 2001376)

Na tabela 19 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo por encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

causa X X

conformidade X

duraccedilatildeo X

favor X X fim X

finalidade X indicaccedilatildeo do autor da accedilatildeo87

lugar com ideia de dispersatildeo X X

lugar por onde X X

meio X X

preccedilo valor X

substituiccedilatildeo X tempo X X

Tabela 19

87 A preposiccedilatildeo ldquopor rege o complemento da passiva indicando o autor da accedilatildeo (na liacutengua claacutessica o agente da passiva eacute mais frequentemente regido de ldquoderdquordquo(Melo 2001 p208)

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

611 Sobre a preposiccedilatildeo sem

A preposiccedilatildeo sem natildeo aparece descrita na obra de Chaves de Melo Rocha Lima natildeo tece longas consideraccedilotildees a respeito desse vocaacutebulo O autor limita-se a dizer que o sem designa (2005377) negaccedilatildeo ausecircncia desacompanhamento

Na tabela 20 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sem encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

Ausecircncia X

desacompanhamento X

Negaccedilatildeo X

Tabela 20

612 Sobre a preposiccedilatildeo sob

Chaves de Melo natildeo descreve a preposiccedilatildeo sob em sua obra Rocha Lima (2005377) observa que essa preposiccedilatildeo expressa posiccedilatildeo inferior e com mais frequecircncia eacute utilizada no sentido conotativo como em sob pretexto de sob pena de sob proposta de etc

Na tabela 21 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

RL M

posiccedilatildeo inferior

Tabela 21

613 Sobre a preposiccedilatildeo sobre

Chaves de Melo (2001208) afirma que a ideia fundamental da preposiccedilatildeo sobre eacute a de superioridade O autor ressalta que essa preposiccedilatildeo exercia na liacutengua claacutessica mais amplo campo semacircntico do que na liacutengua contemporacircnea uma vez que era empregada em distintas situaccedilotildees hoje estranhas para o leitor hodierno

Na tabela 22 apresentamos as ideias e valores atribuiacutedos agrave preposiccedilatildeo sob encontrados nas gramaacuteticas analisadas

Luana Silva do Nascimento Cunha

158

RL M

assunto X

causa X

direccedilatildeo X

excesso X superioridade X X

tem o sentido de ldquoaleacutem derdquo X tempo aproximado X X

Tabela 22

7 CONCLUSAtildeO

A partir das observaccedilotildees aqui apresentadas postulamos que haacute nas referidas gramaacuteticas o propoacutesito de apresentar uma contribuiccedilatildeo pedagoacutegica prezando o ensino da tradiccedilatildeo gramatical e de uma liacutengua padratildeo desejaacutevel

Cremos ainda que Rocha Lima e Chaves de Melo descreveram as preposiccedilotildees da Liacutengua Portuguesa pautados em uma uniformidade ou harmonia teoacuterica uma vez que seus conceitos promovem uma formaccedilatildeo linguiacutestica bastante similar

As contribuiccedilotildees aqui destacadas mostram que a Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa de Rocha Lima e da Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa de Gladstone Chaves de Melo obras de grande valor para as demandas atuais de pesquisadores de Liacutengua Portuguesa Linguiacutestica e aacutereas afins Suas concepccedilotildees no que diz respeito agrave visatildeo das preposiccedilotildees estatildeo em conformidade com as concepccedilotildees das gramaacuteticas hodiernas

Neste trabalho trazemos algumas consideraccedilotildees que os referidos autores apresentam a cerca preposiccedilotildees Buscou-se pensar a respeito das visotildees aqui apresentadas embora sem a pretensatildeo de apresentar uma explicaccedilatildeo concluiacuteda Procuramos pelo menos discuti-las Esperamos contudo que esta pesquisa possa servir como uma reflexatildeo a fim de que o interesse pelo assunto seja despertado

A descriccedilatildeo dos conectores nas gramaacuteticas de Rocha e Lima e Gradstone Chaves de Melo

160

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

BECHARA Evanildo Moderna gramaacutetica portuguesa 37 ed Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2004

CAMARA JUacuteNIOR Joaquim Mattoso 2011 Estrutura da liacutengua portuguesa 43 ed Petroacutepolis RJ Vozes

___________________________________________ Dicionaacuterio de Linguiacutestica e Gramaacutetica 1977 7 ed Petroacutepolis RJ Vozes

CUNHA Luana Descriccedilatildeo do conectivo em cinco gramaacuteticas da NGB 2015 Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos da Linguagem) - Universidade Federal Fluminense

KOERNER Konrad 1995 Professing Linguistic Historiography Amsterdam Philadelphia John Benjamins

NASCIMENTO Jarbas V 2005 Fundamentos teoacuterico-metodoloacutegicos da Historiografia Linguumliacutestica In Historiografia linguumliacutestica rumos possiacuteveis Jarbas Vargas Nascimento (org) Satildeo Paulo Ediccedilotildees Pulsar Terras do Sonhar

MELO Gladstone Chaves de Gramaacutetica Fundamental da Liacutengua Portuguesa 4ed Rio de Janeiro Ao livro teacutecnico 2001

ROCHA LIMA Carlos Henrique da Gramaacutetica Normativa da Liacutengua Portuguesa 44 ed Rio de Janeiro Joseacute Olympio 2005

SWIGGERS Pierre 2010 Histoacuteria e Historiografia da Linguiacutestica Status Modelos e Classificaccedilotildees Eutomia Revista Online de Literatura e Linguiacutestica 32 (17 p)

Page 7: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 8: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 9: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 10: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 11: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 12: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 13: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 14: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 15: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 16: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 17: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 18: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 19: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 20: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 21: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 22: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 23: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 24: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 25: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 26: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 27: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 28: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 29: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 30: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 31: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 32: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 33: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 34: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 35: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 36: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 37: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 38: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 39: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 40: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 41: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 42: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 43: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 44: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 45: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 46: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 47: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 48: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 49: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 50: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 51: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 52: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 53: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 54: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 55: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 56: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 57: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 58: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 59: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 60: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 61: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 62: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 63: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 64: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 65: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 66: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 67: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 68: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 69: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 70: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 71: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 72: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 73: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 74: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 75: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 76: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 77: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 78: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 79: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 80: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 81: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 82: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 83: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 84: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 85: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 86: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 87: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 88: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 89: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 90: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 91: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 92: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 93: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 94: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 95: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 96: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 97: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 98: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 99: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 100: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 101: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 102: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 103: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 104: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 105: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 106: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 107: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 108: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 109: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 110: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 111: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 112: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 113: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 114: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 115: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 116: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 117: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 118: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 119: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 120: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 121: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 122: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 123: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 124: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 125: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 126: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 127: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 128: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 129: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 130: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 131: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 132: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 133: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 134: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 135: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 136: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 137: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 138: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 139: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 140: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 141: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 142: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 143: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 144: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 145: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 146: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 147: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 148: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 149: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 150: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 151: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 152: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 153: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 154: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 155: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 156: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 157: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 158: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 159: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 160: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 161: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 162: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 163: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 164: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 165: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH
Page 166: CADERNOS DE HISTORIOGRAFIA LINGUÍSTICA DO CEDOCH