Café torrado brasileiro além das fronteiras

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AGRO PECUÁRIO ESTADO DE MINAS S E G U N D A - F E I R A , 2 3 D E J A N E I R O D E 2 0 0 6 2 ARTIGO Café torrado brasileiro além das fronteiras ANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS Doutor em administração e docente da Universidade Federal de Lavras (Ufla) MARA LUIZA GONÇALVES FREITAS Especialista em cafeicultura empresarial e mestre em administração – Ufla O Brasil consolidou-se como tradicional exportador de café verde e solúvel, deixando como lacuna histórica a oportunida- de de inserir-se no mercado in- ternacional como grande ven- dedor também do produto tor- rado em grão e/ou moído (T&M). Ao contrário da indús- tria de café solúvel, estruturada para o atendimento do merca- do internacional e que atual- mente responde por um volu- me exportado de US$ 280 mi- lhões anuais, o segmento de T&M voltou-se apenas para o mercado interno. Não se pode dizer que essa especialização no mercado consumidor nacional foi to- talmente ruim, pois ela cola- borou para que o país se tor- nasse o segundo maior mer- cado consumidor mundial per capita. De acordo com a Associação Brasileira da In- dústria de Café (Abic), o mer- cado brasileiro caminha para assumir a liderança mundial, a ser atingida até 2010, por meio do consumo de 21 mi- lhões de sacas por ano. No que diz respeito à ação internacional do segmento de T&M, criou-se uma miopia e por que não dizer um certo re- ceio deste segmento em atuar além das fronteiras, que come- çaram a ser superadas por al- gumas torrefações brasileiras no início da década de 90, coli- dindo com o processo de aber- tura da economia nacional. A compreensão desse re- cente processo de expansão internacional foi tema de dis- sertação de mestrado produzi- da no Programa de Pós-gra- duação em Administração e Economia da Universidade Fe- deral de Lavras (Ufla), a qual buscou avaliar o olhar do exe- cutivo sobre essa nova moda- lidade de negócio da indústria de torrefação e moagem de ca- fé nacional. De acordo com o estudo, a expansão internacio- nal é um processo construído ao longo do tempo, para torre- fações já consolidadas no mer- cado interno, mesmo que es- sas sejam fruto de investimen- to de grupos de produtores de café, fixados em território na- cional e com histórico de atua- ção no comércio internacional de café in natura. Para que a internacionali- zação da torrefação dê-se de forma sólida e consistente, os resultados apontam para a necessidade prioritária de am- pliarem-se investimentos em tecnificação das plantas in- dustriais e, respectivamente, em processos de certificação acreditados internacional- mente, bem como para um aumento maciço de investi- mentos em marketing seto- rial/promoção internacional de marcas brasileiras. Nesse sentido, ressalta-se que a presença do Estado como principal fonte financiadora do processo de internacionaliza- ção é fundamental, especial- mente para pequenas e médias empresas, na fase de acesso a mercados. Atualmente a pre- sença do Estado concentra-se em atividades que envolvem diplomacia, organização de missões empresariais e de pro- jetos bipartites, como os pro- gramas setoriais integrados (PSI), da Agência de Promoção das Exportações (Apex-Brasil). Além dos aspectos citados acima e não menos importante, está o uso das exportações de cafés industrializados de alta qualidade (gourmet) como es- tratégia de posicionamento dos exportadores nacionais, tanto para mercados tradicionais co- mo para os emergentes. O in- vestimento em qualidade, alia- do ao aproveitamento da voca- ção natural do Brasil como prin- cipal país produtor, a proximi- dade da indústria com o produ- tor e a capacidade instalada da torrefação nacional geram van- tagens competitivas e compara- tivas ímpares: o melhor café brasileiro chega às gôndolas in- ternacionais com preços até 50% mais baratos que os simila- res disponíveis no mercado ex- terno, favorecendo a conquista de consumidores pelo gosto e pelo bolso. O preço médio nego- ciado em 2005, de acordo com a Abic, foi de US$ 3,75, o quilo. A mensagem que esse es- tudo deixa é que o sucesso até então alcançado com a recen- te ação internacional da in- dústria de café oferece a força motriz para que, gradativa- mente, mais torrefações ex- pandam seus negócios e am- pliem a geração de emprego e renda. Isso significa contribuir para o desenvolvimento na- cional, ao mesmo tempo em que se corrobora para a cons- trução de um novo horizonte para a cafeicultura brasileira no cenário mundial. A produção mundial de café da safra 2006/07 deve ficar entre 120 milhões e 122 milhões de sacas de 60 quilos, segundo estimativa da Organização Internacional do Café (OIC). Para a safra 2005/06, o órgão manteve a previsão de 108 milhões de sacas. A entidade estima que o consumo mundial de café aumente para 118,7 milhões de sacas este ano e para 120,5 milhões em 2007. A organização calcula que, no ano passado, o consumo do grão tenha ficado em 116,9 milhões de sacas (na foto, café armazenado na Colômbia). PELO MUNDO PEDRO UGARTE/AFP

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Artigo publicado no Jornal O Estado de Minas em 23 de Janeiro de 2006

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A G R O P E C U Á R I O

E S T A D O D E M I N A S � S E G U N D A - F E I R A , 2 3 D E J A N E I R O D E 2 0 0 6

2

AARRTTIIGGOO

Café torrado brasileiro além das fronteirasANTÔNIO CARLOS DOS SANTOS

Doutor em administração e docente da

Universidade Federal de Lavras (Ufla)

MARA LUIZA GONÇALVES FREITAS

Especialista em cafeicultura empresarial

e mestre em administração – Ufla

O Brasil consolidou-se comotradicional exportador de caféverde e solúvel, deixando comolacuna histórica a oportunida-de de inserir-se no mercado in-ternacional como grande ven-dedor também do produto tor-rado em grão e/ou moído(T&M). Ao contrário da indús-tria de café solúvel, estruturadapara o atendimento do merca-do internacional e que atual-mente responde por um volu-me exportado de US$ 280 mi-lhões anuais, o segmento deT&M voltou-se apenas para omercado interno.

Não se pode dizer que essaespecialização no mercadoconsumidor nacional foi to-talmente ruim, pois ela cola-borou para que o país se tor-nasse o segundo maior mer-cado consumidor mundialper capita. De acordo com aAssociação Brasileira da In-dústria de Café (Abic), o mer-cado brasileiro caminha paraassumir a liderança mundial,a ser atingida até 2010, pormeio do consumo de 21 mi-lhões de sacas por ano.

No que diz respeito à açãointernacional do segmento deT&M, criou-se uma miopia epor que não dizer um certo re-ceio deste segmento em atuaralém das fronteiras, que come-çaram a ser superadas por al-gumas torrefações brasileirasno início da década de 90, coli-dindo com o processo de aber-tura da economia nacional.

A compreensão desse re-cente processo de expansãointernacional foi tema de dis-sertação de mestrado produzi-da no Programa de Pós-gra-duação em Administração eEconomia da Universidade Fe-deral de Lavras (Ufla), a qualbuscou avaliar o olhar do exe-cutivo sobre essa nova moda-

lidade de negócio da indústriade torrefação e moagem de ca-fé nacional. De acordo com oestudo, a expansão internacio-nal é um processo construídoao longo do tempo, para torre-fações já consolidadas no mer-cado interno, mesmo que es-sas sejam fruto de investimen-to de grupos de produtores decafé, fixados em território na-cional e com histórico de atua-ção no comércio internacionalde café in natura.

Para que a internacionali-zação da torrefação dê-se deforma sólida e consistente, osresultados apontam para anecessidade prioritária de am-pliarem-se investimentos emtecnificação das plantas in-dustriais e, respectivamente,

em processos de certificaçãoacreditados internacional-mente, bem como para umaumento maciço de investi-mentos em marketing seto-rial/promoção internacionalde marcas brasileiras.

Nesse sentido, ressalta-seque a presença do Estado comoprincipal fonte financiadora doprocesso de internacionaliza-ção é fundamental, especial-mente para pequenas e médiasempresas, na fase de acesso amercados. Atualmente a pre-sença do Estado concentra-seem atividades que envolvemdiplomacia, organização demissões empresariais e de pro-jetos bipartites, como os pro-gramas setoriais integrados(PSI), da Agência de Promoção

das Exportações (Apex-Brasil).Além dos aspectos citados

acima e não menos importante,está o uso das exportações decafés industrializados de altaqualidade (gourmet) como es-tratégia de posicionamento dosexportadores nacionais, tantopara mercados tradicionais co-mo para os emergentes. O in-vestimento em qualidade, alia-do ao aproveitamento da voca-ção natural do Brasil como prin-cipal país produtor, a proximi-dade da indústria com o produ-tor e a capacidade instalada datorrefação nacional geram van-tagens competitivas e compara-tivas ímpares: o melhor cafébrasileiro chega às gôndolas in-ternacionais com preços até50% mais baratos que os simila-

res disponíveis no mercado ex-terno, favorecendo a conquistade consumidores pelo gosto epelo bolso. O preço médio nego-ciado em 2005, de acordo com aAbic, foi de US$ 3,75, o quilo.

A mensagem que esse es-tudo deixa é que o sucesso atéentão alcançado com a recen-te ação internacional da in-dústria de café oferece a forçamotriz para que, gradativa-mente, mais torrefações ex-pandam seus negócios e am-pliem a geração de emprego erenda. Isso significa contribuirpara o desenvolvimento na-cional, ao mesmo tempo emque se corrobora para a cons-trução de um novo horizontepara a cafeicultura brasileirano cenário mundial.

A produção mundialde café da safra2006/07 deve ficarentre 120 milhões e122 milhões de sacasde 60 quilos, segundoestimativa daOrganizaçãoInternacional do Café(OIC). Para a safra2005/06, o órgãomanteve a previsãode 108 milhões desacas. A entidadeestima que oconsumo mundial decafé aumente para118,7 milhões desacas este ano e para120,5 milhões em2007. A organizaçãocalcula que, no anopassado, o consumodo grão tenha ficadoem 116,9 milhões desacas ((nnaa ffoottoo,, ccaaffééaarrmmaazzeennaaddoo nnaaCCoollôômmbbiiaa)).

PELO MUNDO

PEDRO UGARTE/AFP