CAO-Crim · Por isso, a posse ou porte de arma desmuniciada e a posse ou porte de munição...

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Boletim Criminal Comentado–novembro 2018 (semana 3) 1 CAO-Crim Boletim Criminal Comentado - novembro 2018 (semana 3) Mário Luiz Sarrubbo Subprocurador-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais Coordenador do CAO Criminal: Arthur Pinto de Lemos Júnior Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma Ricardo José Gasques de Almeida Silvares Rogério Sanches Cunha Analista Jurídica Ana Karenina Saura Rodrigues

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Boletim Criminal Comentado–novembro

2018 (semana 3)

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CAO-Crim

Boletim Criminal Comentado - novembro 2018

(semana 3)

Mário Luiz Sarrubbo

Subprocurador-Geral de Justiça de Políticas Criminais e Institucionais

Coordenador do CAO Criminal:

Arthur Pinto de Lemos Júnior

Assessores: Fernanda Narezi Pimentel Rosa

Marcelo Sorrentino Neira Paulo José de Palma

Ricardo José Gasques de Almeida Silvares

Rogério Sanches Cunha

Analista Jurídica

Ana Karenina Saura Rodrigues

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Sumário

ESTUDOS DO CAOCRIM ........................................................................................................................... 3

Crimes de posse e porte irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido

(respectivamente arts. 12 e 14, ambos da Lei n. 10.826/2003): natureza

jurídica............................................................................................................................................3

STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM ........................................ 5

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-TEMA: RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE E CONCESSÃO, DE OFÍCIO DE HC PARA

TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL- PROVA ILÍCITA - VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO FORA DOS CASOS

PERMITIDOS PELA CF........................................................................................................................5

2- TEMA: PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO DE DELAÇÃO PREMIADA: ilegalidade..............................7

DIREITO PENAL:

1-TEMA: Art. 305 do CTB – STF - É constitucional a punição da fuga do local do acidente....................9

2- TEMA: ART 366 CPP- PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE SUSPENSÃO

- AFASTADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA....................................................................12

3-TEMA: CONDENAÇÃO CRIMINAL- SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS .......................................13

STF/STJ: Notícias de interesse institucional .......................................................................................... 15

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ESTUDOS DO CAOCRIM

Crimes de posse e porte irregular de arma de fogo, acessório ou munição de uso permitido

(respectivamente, arts. 12 e 14, ambos da Lei n. 10.826/2003): natureza jurídica.

O art. 12 da Lei 10.826/03 tipifica a conduta de posse irregular de arma de fogo de uso

permitido:

“Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, em

desacordo com determinação legal ou regulamentar, no interior de sua residência ou

dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o

responsável legal do estabelecimento ou empresa”.

O art. 14, por sua vez, pune o porte ilegal de arma de fogo de uso permitido. E, não obstante

a rubrica, diversas outras condutas além do porte podem caracterizar o crime: deter, adquirir,

fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, emprestar, remeter, empregar, manter

sob guarda ou ocultar.

Há quem sustente que a punição pelas condutas subsumidas aos referidos artigos só se

justifica diante de uma concreta situação de perigo para a segurança e a paz púbica, bens

jurídicos tutelados pelo tipo. Por isso, a posse ou porte de arma desmuniciada e a posse ou

porte de munição desacompanhada da arma não seriam capazes de caracterizar o delito.

A orientação dominante, no entanto, aponta em sentido diverso, isto é, de que os crimes são

de perigo abstrato, dispensando a demonstração de risco efetivo à incolumidade pública:

“1. A decisão agravada está em consonância com a jurisprudência desta Corte, sedimentada

no sentido de que o crime previsto no art. 12 da Lei n. 10.826/03 é de perigo abstrato, sendo

desnecessário perquirir sobre a lesividade concreta da conduta, porquanto o objeto jurídico

tutelado não é a incolumidade física e sim a segurança pública e a paz social, colocadas em

risco com a posse de arma de fogo, acessório ou munição (AgRg no HC 414.581/MS, Rel.

Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 15/3/2018, DJe 21/3/2018).” (AgRg no

AREsp 1.319.859/SP, j. 18/09/2018).

Esse entendimento da Corte Cidadã tem sido prestigiado pelo TJ SP:

Clique aqui para ter acesso ao acórdão – Porte ilegal de arma de fogo- Laudo pericial-

Constatação da eficácia da arma dispensável

Clique aqui para ter acesso ao acórdão -Arma inapta – Irrelevância- Crime de perigo abstrato-

Laudo atestando a inaptidão da arma – Desnecessário

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Clique aqui para ter acesso ao acórdão - Ausência de laudo pericial comprovando a

potencialidade lesiva da arma de fogo- Falta de prova da materialidade delitiva- Absolvição.

Aliás, em mais de uma oportunidade, o STF já decidiu que a criação de crime de perigo abstrato

não viola a Constituição, significando, na realidade, proteção eficiente do bem jurídico

tutelado (HC 104.410/RS).

Essa orientação, contudo, não inviabiliza o reconhecimento do crime impossível. A Terceira

Seção do STJ, de forma copiosa, vem decidindo que, demonstrada por laudo pericial a

inaptidão da arma de fogo para o disparo, é atípica a conduta de portar ou de possuir arma

de fogo, diante da ausência de afetação do bem jurídico incolumidade pública (HC 445.564/SP,

j. 15/05/2018).

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STF/STJ: decisões de interesse institucional COMENTADAS PELO CAOCRIM

DIREITO PROCESSUAL PENAL:

1-TEMA: RELAXAMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE E CONCESSÃO, DE OFÍCIO DE HC PARA

TRANCAR O INQUÉRITO POLICIAL- PROVA ILÍCITA- VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO FORA DOS

CASOS PERMITIDOS PELA CF.

STJ-HC 439.140/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em

04/09/2018, DJe 11/09/2018

Ementa:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO

DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO

RESTRITIVA. INVASÃO DE DOMICÍLIO PELA POLÍCIA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. ORDEM

DENEGADA.

1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental relativo à

inviolabilidade domiciliar, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela

podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou

desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".

2. A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à privacidade do indivíduo,

o qual, na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço de intimidade preservado

contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a

excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige.

3. O ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência

de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito

fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão

permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra

possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.

4. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em

residência sem mandado judicial apenas se revela legítimo - a qualquer hora do dia, inclusive

durante o período noturno - quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas

pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa,

situação de flagrante delito (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010).

5. A ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos,

diante da discricionariedade policial na identificação de situações suspeitas relativas à

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ocorrência de tráfico de drogas, pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à

inviolabilidade domiciliar.

6. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em transformar a casa em salvaguarda de

criminosos, tampouco um espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só

justifica o ingresso na moradia alheia a situação fática emergencial consubstanciadora de

flagrante delito, incompatível com o aguardo do momento adequado para, mediante

mandado judicial, legitimar a entrada na residência ou local de abrigo.

7. A análise feita na sentença permite concluir que a autoridade policial se dirigiu a local

mencionado em notícia anônima e, somente depois de verificar "movimentação estranha" no

lugar, é que procedeu à busca e apreensão.

8. A respeito dos motivos que levantaram suspeitas, os policiais relataram que conheciam a

rotina dos moradores da localidade e que a residência em questão "geralmente está aberta e

com movimentação de pessoas naquele horário", circunstância que, por fugir à normalidade,

somada à notícia recebida, ensejou a diligência realizada. Vê-se, portanto, a presença de

fundadas razões a justificar a conduta.

9. Para afastar a conclusão das instâncias ordinárias - de que os policiais identificaram situação

anormal naquela moradia - seria necessária ampla dilação probatória, incompatível com a via

estreita do habeas corpus.

10. Ordem denegada.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

A busca domiciliar, como o próprio nome indica, é aquela feita na casa de alguém. Sendo a

casa, nos termos de preceito constitucional, o “asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI, da

CF), somente nas hipóteses expressamente previstas em lei admite-se o ingresso na casa

alheia sem o consentimento do morador, a saber: 1) a qualquer hora, em caso de flagrante

delito, desastre ou para prestação de socorro; 2) fora de tais hipóteses, somente por meio de

mandado judicial e durante o dia.

Precedida ou não de mandado, é imprescindível a observância dos requisitos do periculum in

mora e do fumus boni juri. O primeiro deles é de fácil constatação, posto que, regra geral, a

demora na tomada da medida acarretará o perecimento da prova, dos vestígios do crime,

tudo a recomendar a urgência em seu deferimento. Maior dificuldade é a análise do fumus

boni juris, que, na hipótese, vem definido na expressão fundadas razões. Seguindo a lição de

Ada, Scarance e Magalhães, “é pressuposto essencial da busca que a autoridade, com base

em elementos concretos, possa fazer um juízo positivo, embora provisório, da existência de

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motivos que possibilitem a diligência. Deve dispor de elementos informativos que lhe façam

acreditar estar presente a situação legal legitimadora de sua ação” (As nulidades no processo

penal, 1995, p. 147).

De qualquer forma, é sempre uma medida discricionária, cuja apreciação compete à

autoridade, a quem caberá julgar a conveniência da diligência, certo que tal poder

discricionário não deve confundir-se com arbitrariedade.

Sobre o tema, ver dois importantes acórdãos do TJ SP:

Clique aqui para ter acesso a acórdão do TJSP- Tráfico de drogas e busca e apreensão sem

mandado judicial em residência particular- Prova lícita

Clique aqui para ter acesso a acórdão no mesmo sentido do TJSP

Este tema aqui analisado foi trazido ao CAOCrim pelo Procurador de Justiça, Dr. Sérgio Neves

Coelho.

Clique aqui para ter acesso ao Parecer

2- TEMA: PRISÃO POR DESCUMPRIMENTO DE DELAÇÃO PREMIADA: ilegalidade

STJ- Publicado em notícias do STJ no dia 12/11/2018

A colaboração do acusado não pode ser judicialmente exigida e é sempre voluntária. Seguindo

esse entendimento, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Nefi Cordeiro, concedeu

liminar em habeas corpus para revogar as prisões temporárias de dois investigados na

“Operação Capitu”, da Polícia Federal, que investiga esquema de corrupção no Ministério da

Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ocorrido em 2014, que supostamente

beneficiaria o Grupo J&F.

Neri Geller e Rodrigo Figueiredo, então ministro da Agricultura e secretário de Defesa

Agropecuária, respectivamente, foram presos no último dia 9 de novembro, porque os

investigados continuariam a ocultar fatos, muito embora aparentemente se comportassem

como se estivessem colaborando com a Justiça, assinando acordos de colaboração premiada.

Para o juiz, eles estariam “direcionando a atividade policial” para aquilo que lhes interessaria

revelar. As prisões foram confirmadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Ao analisar os pedidos de liberdade, o relator no STJ constatou que houve excesso nas ordens

de prisão. “A falta de completude na verdade pode ser causa de rescisão do acordo ou de

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proporcional redução dos favores negociados, mas jamais causa de risco ao processo ou à

sociedade, a justificar a prisão provisória”.

Nefi Cordeiro explicou que “esconder fatos hoje não significa que se prejudique a colheita de

provas, mesmo investigatórias, do limite fático já revelado e criminalmente perseguido”. O

ministro lembrou que o crime de quase cinco anos atrás e a indicada destruição de provas, em

2015, não são fatos recentes para justificar a prisão cautelar.

“Ao que parece, prende-se porque não colaborou por completo, mais como punição do que

por riscos presentes”, avaliou o relator, ao destacar que não é lícita a prisão, preventiva ou

temporária, por descumprimento do acordo de colaboração premiada. “A prisão temporária

exige dar-se concretizado risco às investigações de crimes graves e a tanto não serve a omissão

de plena colaboração no acordo negociado da delação premial”, concluiu.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Percebam que, no caso em comento, julgado pelo STJ, os colaboradores teriam ocultado

informações, não se confundindo com falsidade positiva (fraude). Nesta hipótese

(falsidade/fraude), entendemos viável não somente a revogação do acordo de colaboração

premiada, mas também a decretação da prisão preventiva do colaborador, sem prejuízo das

penas do crime do art. 19 da Lei 12.850/13. É que, em se tratando de colaboração fraudulenta,

o pseudo colaborador coloca em risco a instrução criminal, fundamento suficiente da prisão

cautelar, nos termos do art. 312 do CPP.

Não se pode perder de vista que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no HC 127.483/PR,

Relator o Ministro Dias Toffoli, Acórdão publicado no Diário Oficial da Justiça de 4 de fevereiro

de 2016, noticiado no Informativo de Jurisprudência n. 796, assentou que a colaboração

premiada é veículo de produção probatória, ou seja, meio de obtenção de provas:

“A colaboração premiada é um negócio jurídico processual, uma vez que, além de ser

qualificada expressamente pela lei como ‘meio de obtenção de prova’, seu objeto é a

cooperação do imputado para a investigação e para o processo criminal, atividade de natureza

processual, ainda que se agregue a esse negócio jurídico o efeito substancial (de direito

material) concernente à sanção premial a ser atribuída a essa colaboração”.

DIREITO PENAL:

1-TEMA: Art. 305 do CTB – STF - É constitucional a punição da fuga do local do acidente.

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O art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro pune, com detenção de seis meses a um ano, a

conduta de afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à

responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

O dispositivo não estabelece uma espécie de omissão de socorro, tipificada no art. 304 e que

visa à preservação da integridade física do ofendido, que, prontamente atendido, terá maior

chance de recuperação e menor possibilidade de sofrer consequências mais graves que

poderiam decorrer da ausência de socorro. O propósito do art. 305 é forçar o motorista a

permanecer no local a fim de não impedir (ou, pelo menos, dificultar), a apuração dos fatos.

Conforme bem apanhado por Heleno Cláudio Fragoso, “basicamente o legislador procura,

incriminando a fuga, forçar o agente a permanecer no local do fato. O que se observa, porém,

é que a fuga do motorista não tem sua objetividade jurídica no interesse da preservação da

vida humana ou incolumidade da pessoa, sendo essencialmente incriminada porque perturba

a ação da justiça, dificultando o esclarecimento do fato e a efetivação da responsabilidade

jurídica (civil e criminal) do causador do acidente”.

Em virtude disso, são inúmeras as vozes que pregam a inconstitucionalidade do tipo penal,

pois, se ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo (nemo tenetur se detegere),

não é razoável que um tipo penal obrigue o motorista a permanecer no local do acidente e

contribua para sua própria responsabilização.

De fato, trata-se de uma tipificação excêntrica, que não encontra paralelo em outras

situações, muitas vezes mais graves. O homicida não é punido porque foge do local do crime

logo após ceifar a vida da vítima; o que comete latrocínio tampouco sofre punição criminal

porque foge depois de subtrair os bens e matar a vítima; o estuprador não reponde por delito

autônomo porque abandona a vítima depois de constrangê-la à prática sexual; nem mesmo

quem comete homicídio culposo sofre alguma consequência além da pena cominada ao

crime. Em todas estas situações a fuga é empreendida para evitar a responsabilidade penal e,

certamente, dificulta a apuração e contraria os interesses da administração da Justiça, mas

não ocorreria a nenhuma pessoa sensata criar tipos penais para punir condutas como estas.

Mas há também quem sustente a plena constitucionalidade do tipo penal sob o argumento

de que o motorista que permanece no local do acidente não é compelido a produzir provas

contra si mesmo. Em nenhum momento da apuração do crime, com efeito, pode ser ele

obrigado a praticar qualquer ação que lhe incrimine, nem pode ser obrigado a prestar

esclarecimentos, porque a ordem constitucional lhe assegura o direito ao silêncio. O que se

pretende é simplesmente a manutenção da sede do acidente para que os órgãos responsáveis

possam promover a devida apuração. Manter o local inalterado é imprescindível para a

realização de perícias, por exemplo. Como no mais das vezes o motorista foge com o próprio

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veículo envolvido no acidente, torna-se impossível o exame técnico completo. Na prática,

ocorre uma espécie de fraude processual para impedir a adequada investigação.

Diante da controvérsia, o STF foi provocado a decidir sobre a constitucionalidade do art. 305

do CTB.

No caso julgado (RE 971.959), o motorista foi condenado a oito meses de detenção porque

havia colidido com outro veículo e fugiu em seguida. Na apelação, foi absolvido pelo Tribunal

de Justiça do Rio Grande do Sul, que considerou inconstitucional o artigo 305 do CTB, porque

a presença obrigatória no local do acidente representaria violação da garantia de não

autoincriminação. Diante disso, o Ministério Público interpôs recurso extraordinário para que

o Supremo dirimisse a dúvida.

Inicialmente, o ministro Luiz Fux reconheceu a repercussão geral da matéria, no que foi

seguido pelos demais:

“A análise da presente controvérsia se faz necessária, máxime em razão de decisões proferidas

por diversas Cortes Estaduais no sentido da inconstitucionalidade do preceito em questão,

consignando que a simples permanência na cena do crime já seria suficiente para caracterizar

ofensa ao direito ao silêncio. Obrigar o condutor a permanecer no local do fato, e com isso

fazer prova contra si, afrontaria ainda o disposto no artigo 8º, inciso II, alínea “ g”, do Pacto

de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), do qual o Brasil é

signatário.”

No mérito, o tribunal concluiu, por maioria, que o art. 305 do CTB é compatível com a ordem

constitucional.

Em síntese, o ministro Luiz Fux argumentou que o tipo penal tutela a administração da Justiça,

prejudicada pela fuga e alteração do local do acidente. Embora o princípio da não

autoincriminação seja prestigiado pela jurisprudência do STF, trata-se de direito que encontra

certas limitações, como, por exemplo, a possibilidade de punição por falsa identidade, ainda

que o agente tenha o propósito de defender-se ao ocultar seu nome verdadeiro. Além disso,

a obrigatoriedade de permanência no local não impõe ao motorista a participação em

diligências de cunho probatório, nem o compele a assumir algum tipo de responsabilidade.

Na mesma toada da inexistência de direitos absolutos, a ministra Rosa Weber ponderou que

a permanência do condutor no local do acidente facilita sua identificação e a apuração de

responsabilidades, e, caso existam vítimas, é algo que incrementa – mesmo que

indiretamente, já que este não é o escopo do tipo – a proteção à vida e à integridade física.

O ministro Alexandre de Moraes seguiu o relator destacando a necessidade de medidas

enérgicas contra a situação caótica do trânsito brasileiro, cujos acidentes geram dispêndio de

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recursos bilionários que poderiam ser destinados a outras áreas que sofrem com a falta de

investimentos.

Na mesma linha, o ministro Edson Fachin lembrou a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário,

à qual o Brasil aderiu em 1981, que estabelece a obrigatoriedade de que o condutor ou

qualquer outro usuário da via implicado em acidente de trânsito, caso haja mortos ou feridos,

advirta a polícia e permaneça ou volte ao local até a chegada da autoridade incumbida da

investigação.

O ministro Barroso apontou que garantir a fuga como exercício do direito à não

autoincriminação estimula a irresponsabilidade e a falta de solidariedade, algo com o que o

Estado não pode compactuar.

Por fim, os ministros Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia consideraram inexistir ofensa à

Constituição Federal. A punição, segundo eles, não é irrazoável nem desproporcional, pois

baseada em circunstâncias concretas que a justificam. Além disso, “A presença do condutor

no local do acidente, por si só, não significa qualquer autoincriminação e pode até constituir

um meio de autodefesa, na medida em que constitui uma oportunidade para esclarecer as

circunstâncias do acidente que, eventualmente, podem militar a seu favor”. E, em casos

específicos nos quais o condutor sofra risco de agressões ou mesmo em que tenha ele próprio

sofrido lesões no acidente, e por isso seja obrigado a deixar o local, a punição pode ser

afastada pela exclusão da ilicitude (estado de necessidade).

A divergência ficou por conta dos Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e

Dias Toffoli, todos na linha de que o direito à não autoincriminação é abrangente e envolve

não só o direito ao silêncio, mas também o de não contribuir de nenhuma forma para a

produção de provas que prejudiquem o próprio agente:

“Não calha aqui o argumento de que, permanecendo em silêncio, não estaria a produzir prova

contra si. A comprovação da conduta criminosa pressupõe a configuração de autoria e de

materialidade, e a permanência do imputado no local do crime inquestionavelmente contribui

para a comprovação da autoria, assentando o seu envolvimento com o fato em análise

potencialmente criminoso”.

Além disso, é desproporcional, em relação a crimes mais graves, punir alguém pela simples

fuga do local do acidente.

Mas, diante da maioria formada pela constitucionalidade do dispositivo, firmou-se a seguinte

tese de repercussão geral:

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“A regra que prevê o crime do artigo 305 do CTB é constitucional posto não infirmar o princípio

da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e as hipóteses de exclusão de tipicidade e

de antijuridicidade”.

A tese vencedora foi sustentada oralmente pelo Procurador-Geral de Justiça de SP, perante

a Corte, tendo o Ministério Público de São Paulo ingressado no feito como “amicus curiae”.

2- TEMA: ART 366 CPP- PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE

SUSPENSÃO - AFASTADA A PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

STJ- RECURSO ESPECIAL Nº 1.777.304 - SP

Ementa:

RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. ABORTO PROVOCADO PELA GESTANTE. ART.

124 DO CP. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO. ART. 366 DO

CPP. PRAZO PRESCRICIONAL QUE VOLTA A FLUIR APÓS O PERÍODO DE SUSPENSÃO.

PRECEDENTES. NÃO TRANSCORRIDO O PERÍODO DE 8 ANOS. AFASTADA A PRESCRIÇÃO.

Recurso especial provido.

Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor do acórdão

Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e

Especiais.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Uma vez determinada a suspensão do processo, porque o réu, citado por edital, não

compareceu e nem constituiu defensor, deve ser suspenso, também, o prazo prescricional.

Seria mesmo demasiado que o réu, nessas condições, já beneficiado com a suspensão do

processo (e, portanto, imune à eventual condenação), ainda contasse com a possibilidade de

ver sua punibilidade extinta pela prescrição da pretensão punitiva. Haveria, assim – em que

pese a possibilidade de decretação da prisão preventiva – inegável estímulo à fuga, criando-

se uma situação de impunidade incompatível com o Direito. Como alertou Damásio de Jesus,

quando da entrada em vigor da nova redação do art. 366 do CPP (que prevê a suspensão do

prazo prescricional para o réu citado por edital), “é necessário tocar o sino dos dois lados para

se saber onde está desafinado, se na parte da acusação ou da defesa” (Notas ao art. 366 do

Código de Processo Penal, com a redação da Lei n° 9271/96, Boletim IBCCrim n° 42, edição

especial, junho de 1996).

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Debate aguerrido foi travado referente ao período pelo qual deveria permanecer suspenso o

prazo prescricional. Alguns defendiam que a suspensão deveria ocorrer por prazo

indeterminado. O STF chegou a adotar esse posicionamento, mas logo abandonou, posto que,

se aceito, criaria uma situação de imprescritibilidade, não prevista na Constituição.

Pensou-se na possibilidade de se tomar o prazo máximo de prescrição, independentemente

da infração penal em tese perpetrada pelo réu, ou seja, aquele de vinte anos, previsto no art.

109, inc. I do Código Penal.

Prevaleceu, contudo, a tese de que o período de suspensão do prazo prescricional é regulado

pelo máximo da pena cominada. Nesse sentido, inclusive, temos a Súmula 415 do STJ.

3-TEMA: CONDENAÇÃO CRIMINAL- SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS

STF- RE 1121434, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, julgado em 08/11/2018, publicado em

PROCESSO ELETRÔNICO DJe-239 DIVULG 09/11/2018 PUBLIC 12/11/2018

Decisão: 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão proferido pelo

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que afastou a suspensão dos direitos políticos

decorrente da condenação criminal sob o fundamento de que a medida exige motivação

expressa e específica (eDOC.1, p. 220). Não foram opostos embargos de declaração. No

recurso extraordinário, interposto com base no art. 102, III, “a”, do permissivo constitucional,

aponta-se ofensa aos art. 15, III, da Constituição Federal. Sustenta, em síntese, que “o preceito

contido no artigo 15, inciso III, da Constituição Federal, é autoaplicável, não exigindo qualquer

complementação ou justificativa, encontrando seu fundamento no próprio Texto Maior”

(eDOC.1, p. 231). É o relatório. 2. A irresignação merece prosperar. A tese defendida encontra

respaldo na jurisprudência desta Corte na compreensão de que a suspensão de direitos

políticos decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado encontra-se

prevista em dispositivo autoaplicável (art. 15, III, CF) e é medida automática derivada da

formação da coisa julgada. O Supremo Tribunal Federal assentou essa compreensão em

inúmeras Ações Penais originárias – determinando a suspensão de direitos políticos por

aplicação do art. 15, III, CF – e na esfera recursal, tanto pelo debate direto do tema quanto em

casos análogos que se ancoraram em idêntica premissa. Nesse sentido: RECURSO

EXTRAORDINÁRIO. CONDENAÇÃO CRIMINAL. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. ART. 15,

INC. III, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. NORMA DE EFICÁCIA PLENA. RECURSO PROVIDO

(RE 660.776, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 05.02.2014) Agravo que se nega

provimento, visto achar conforme, o acórdão recorrido, com a orientação do Plenário

Supremo Tribunal, no sentido da automaticidade dos efeitos condenação criminal, em face do

Boletim Criminal Comentado–novembro

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art. 15, III, da Constituição 179.502, DJ DE 8-9-85 [rectius: 8-9-95]). (AI 185371 AgR, Relator(a):

Min. OCTAVIO GALLOTTI, Primeira Turma, julgado em 27.08.1996, DJe 30.05.1997) EMENTA:

- Condição de elegibilidade. Cassação de diploma de candidato eleito vereador, porque fora

ele condenado, com trânsito em julgado, por crime eleitoral contra a honra, estando em curso

a suspensão condicional da pena. Interpretação do artigo 15, III, da Constituição Federal. - Em

face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos

se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em

julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena. Recurso extraordinário

conhecido e provido. (RE 179502, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado

em 31.05.1995, DJ 08.09.1995) 3. Ante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário,

nos temos do art. 21 do RISTF, para o fim de reformar o acórdão recorrido e restabelecer a

suspensão dos direitos políticos do condenado. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 08 de

novembro de 2018. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente

Esta jurisprudência foi incluída a pedido do Setor de Recursos Criminais Extraordinários e

Especiais.

COMENTÁRIOS DO CAO-CRIM

Estabelece a CF (art. 15): “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão

só se dará nos casos de: (...) III – condenação criminal transitada em julgado, enquanto

durarem seus efeitos”.

Prevalece que a condenação definitiva, não importando crime, quantidade ou tipo de pena,

suspende a capacidade ativa do reeducando enquanto durarem os seus efeitos. Nesse

sentido, aliás, o art. 18 da Resolução 113 do CNJ:

“O juiz do processo de conhecimento expedirá ofícios ao Tribunal Regional Eleitoral com

jurisdição sobre o domicílio eleitoral do apenado para os fins do artigo 15, inciso III, da

Constituição Federal”.

Percebam que a norma constitucional é autoaplicável, não exigindo qualquer

complementação ou justificativa por parte do magistrado.

Entretanto, alertamos que o STF admitiu que “possui repercussão geral a controvérsia sobre

a suspensão de direitos políticos no caso de substituição da pena privativa de liberdade pela

restritiva de direitos” (RE 601182 RG, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j 03/03/2011), causa

pendente de julgamento.

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STF/STJ: Notícias de interesse institucional

Notícias STF 13 de novembro de 2018 1- 1ª Turma autoriza extradição de acusados do sequestro e do homicídio de filha de ex-presidente do Paraguai Clique aqui para ler a íntegra da notícia

Notícias STJ

12 de novembro de 2018

2- Ministro estende a Joesley Batista efeitos de decisão que libertou investigados na

Operação Capitu

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