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Alguns leitores talvez fiquem desanimados com aperspectiva de um capítulo inteiro sobre os “pri-mórdios” ou a “pré-história” da arquitetura, acredi-tando que as construções realmente interessantes e

as ideias verdadeiramente provocadoras se encontram mui-tas páginas à frente; felizmente, este não é o caso. As es-truturas que apresentamos neste capítulo inicial são ricas e

 variadas e, com frequência, sofisticadas. Além disso, por se-rem “antigas” e sempre locais, estão de certa forma mais ex-postas à revelação do que as estruturas posteriores. Ou seja,elas expõem certos princípios fundamentais da arquitetura,assim como – quem sabe – alguns aspectos fundamentaisda condição humana, para que os consideremos.

Em 1964, o polímato, arquiteto, engenheiro e histo-riador Bernard Rudofsky organizou a exposição ArchitectureWithout Architects (Arquitetura Sem Arquitetos) no Museude Arte Moderna da Cidade de Nova York, e, embora sur-preendente para a época, acabou se tornando extremamenteinfluente. A exposição causou certo frisson ao surgir em umperíodo de questionamento cultural generalizado nos Esta-

dos Unidos; o subtítulo do livro que a acompanhava – AShort Introduction to Non-Pedigreed Architecture (Uma BreveIntrodução à Arquitetura Sem Pedigree) – indica porque elaera tão fantástica ou, melhor dizendo, iconoclástica. Ilus-trando, com uma admiração pessoal evidente, aquilo quechamava de arquitetura “vernacular, anônima, espontânea,autóctone, rural”, Rudofsky defendia um estudo muito maiscompleto – cronológica e geograficamente – do ambienteconstruído, que não tratasse exclusivamente de construçõesfeitas para os ricos e poderosos e não resultasse exclusiva-mente das iniciativas daqueles que poderíamos chamar deprojetistas com formação acadêmica. As imagens dos exem-plos de arquitetura que ele exibiu e analisou incluíam mor-ros artificiais da China, casas escavadas na rocha da Turquia,coletores de vento do Paquistão e muito mais.

 Ao ler o livro de Rudofsky e, especialmente, as pági-nas iniciais deste capítulo, você tende a deixar de lado

as questões de moda e até mesmo de estilo, favorecendoformas anônimas ou mesmo “arquétipas”, embora dis-tintas, para compreender melhor as respostas humanas aambientes particulares; materiais de construção locais es-pecíficos; sistemas estruturais elementares, porém expres-sivos em termos de lógica; e condições sociais primitivas,porém sutis. Você poderá assimilar a essência da função,

do espaço e do significado ao “começar” com a arquitetu-ra da pré-história, isto é, a era anterior ao surgimento dalinguagem escrita.

 A pré-história começa por volta de 35000 a.C. e se en-cerra, aproximadamente, em 3000 a.C. nas terras do les-te do Mediterrâneo, e bem depois de 2000 a.C. em partesda Europa ocidental. Na escala temporal da humanidade,essas datas correspondem aos primeiros anos da evoluçãohumana “moderna”, desde as sociedades cooperativas decaçadores e coletores até as civilizações agrícolas com umaárea de assentamento fixa e classe dirigente. Na ausênciade registros escritos, os arqueólogos e historiadores preci-sam interpretar as evidências fragmentadas dos povos an-

tigos – cerâmicas, utensílios domésticos – encontradas emlocais espalhados por toda a Europa, África e Ásia. Novastecnologias, incluindo o uso do carbono 14 radioativo, datermoluminescência e da análise dendrocronológica (o es-tudo dos anéis de crescimento das árvores), têm ajudadona datação dos artefatos; contudo, tanto os métodos comoas hipóteses derivadas deles estão sujeitos a revisões con-tínuas à medida que os pesquisadores encontram novasevidências e reexaminam ideias antigas. As reconstruçõesbaseadas em buracos de estacas ou fundações de alvenarianos ajudam a visualizar as edificações simples construídaspelas primeiras sociedades e nos oferecem pistas relativasàs estruturas mais elaboradas que vieram depois.

Salão Hipostilo, Grande Templo de Amon, Carnac, Egito, cerca de1390–1224 a.C.

Este enorme saguão composto por colunas de grande diâmetro edistribuídas muito próximas entre si era iluminado pela luz do sol filtradapelos clerestórios, um dos quais é apresentado aqui. A aura misteriosa dosalão hipostilo contrastava com a luz solar que incidia nos pátios internosdo templo.

Cronologiainício da pré-história cerca de 35000 a.C.os sumérios desenvolvem uma linguagem escrita 3500 a.C.construção de Stonehenge cerca de 2900–1400 a.C.antigo Reino Egípcio 2649–2134 a.C.construção das pirâmides de Gisé 2550–2460 a.C.construção do Zigurate de Ur 2100 a.C.Reino Médio Egípcio 2040–1640 a.C.Novo Reino Egípcio 1550–1070 a.C.

CAPÍTULO 1

OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA

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30  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

OS ASSENTAMENTOS PRÉ-HISTÓRICOS EAS CONSTRUÇÕES MEGALÍTICASO leste europeuOs assentamentos humanos parecem ter se originado como pequeno clã ou núcleo familiar, com um número sufi-

ciente de pessoas vivendo juntas para oferecer assistênciamútua na caça e coleta de alimentos e proteção conjuntacontra inimigos. Dentre as mais antigas cabanas que foramdescobertas estão aquelas em sítios arqueológicos no pla-nalto central da Rússia (atual Ucrânia), por volta de 14000a.C. A maior casa foi construída de ossadas de mamutes etoras de pinheiro, com revestimento de peles de animaise uma fogueira central, tinha forma de cúpula e incluíapartes de esqueletos de quase 100 mamutes em sua estru-tura. Arqueólogos também descobriram agrupamentos decabanas revestidas de pele de cerca de 12000 a.C. entre ascidades de Moscou e Novgorod. A maior delas, medindocerca de 12,0 × 4,0 metros em planta baixa, tinha um for-mato irregular formado por três cones de galhos de árvoresinclinados e intertravados e era aberta no topo, para que afumaça de três fogueiras pudesse escapar.

 As escavações de sítios urbanos sugerem que as comu-nidades maiores surgiram muito depois. A existência de as-sentamentos urbanos dependia de excedentes agrícolas quepermitissem a algumas pessoas terem funções especializadas(sacerdote, comerciante, mercador, artesão) não diretamen-te vinculadas à produção de alimentos. Duas das mais anti-gas comunidades urbanas que se tem conhecimento foramJericó, Israel (cerca de 8000 a.C.), e a cidade mercantil deÇatal Hüyük (6500–5700 a.C.), na Anatólia, parte da atual

 Turquia. Jericó era um assentamento fortificado, com umamuralha de pedra de até 8,0 metros de espessura, compreen-dendo uma área de cerca de quatro hectares. Suas primeirashabitações consistiam de cabanas circulares de barro que tal-

 vez tivessem coberturas cônicas. Os habitantes eram agricul-tores e caçadores que enterravam os mortos no chão de suascabanas. Apesar de sua importância, Çatal Hüyük parecia serdesprotegida; a cidade era um denso aglomerado de mora-dias sem ruas (Figuras 1.1a, b). Os habitantes acessavam asmoradias pelas coberturas, enquanto aberturas altas nas pa-redes serviam para a ventilação. As paredes de tijolo de bar-ro e a estrutura arquitravada de madeira definiam espaçosretangulares que tocavam as casas contíguas, de modo que

juntas, elas configuravam a muralha da cidade. Entre as ca-sas havia santuários sem janelas contendo motivos decorati- vos de búfalos e estatuetas de deidades. Essas representaçõespareciam indicar que os temas da arte rupestre pré-histórica– caçadas e fecundidade – não haviam sido descartados poresta sociedade urbana primitiva. O assentamento em ÇatalHüyük é o precursor das comunidades mais sofisticadas quese desenvolveram nos vales férteis dos rios Tigre e Eufrates noinício do quarto milênio antes de Cristo.

O oeste europeu A transição para comunidades urbanas se deu de maneiramais lenta no oeste da Europa, embora a passagem de socie-

1.1a Perspectiva artística das edificações, Çatal Hüyük, Anatólia, cerca de6500–5700 a.C.

Observe como as edificações tocam umas nas outras, formando gruposcontínuos ocasionalmente separados por pátios fechados. As construções

são uma mistura de moradias, oficinas e santuários, todos acessados pelascoberturas.

1.1b Perspectiva artística da sala do altar, Çatal Hüyük, Turquia, cerca de6500–5700 a.C.

A figura central no lado esquerdo da parede representa uma mulher dando aluz, enquanto os crânios de touros com chifres sugerem elementos masculinos.Sem documentação escrita, é difícil entender completamente o significado deoutras características da arquitetura, como, por exemplo, os desníveis no piso.

1.2 Túmulo megalítico, Er-Mané, Carnac, Bretanha, França, cerca de 4200 a.C.

Esta edificação apresenta um exemplo primitivo de uma construçãocom cúpula, na qual as pedras são assentadas em fiadas de alvenaria seca(sem argamassa), com cada fiada projetada ligeiramente além da anterior,para definir espaço. O mesmo sítio arqueológico contém outras câmarasmortuárias pré-históricas e quase 300 megálitos de pé e tombados dispostosem fileiras e alinhados para indicar a direção do nascer do sol no verão e ossolstícios de i nverno e outono e equinócios de primavera.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 31

dades caçadoras e coletoras para grupos agrícolas maiores,sob o comando de um rei-sacerdote, tenha sido semelhanteà experiência das sociedades da orla leste do Mar Mediter-râneo. No oeste europeu, as mais significativas conquistasda arquitetura pré-histórica foram as construções megalíti-cas, compostas por grandes pedras ou matacões (megálito significa, literalmente, “pedra grande”), muitas das quaisedificadas como observatórios astronômicos ou túmuloscomunitários para as classes privilegiadas. Antes de 4000a.C., câmaras mortuárias de alvenaria de pedra seca (pedrasassentadas sem argamassa) com coberturas abobadadas ru-dimentares já eram construídas na Espanha e na França. Umdos primeiros túmulos megalíticos, datado de 4200 a.C.,fica em Er-Mané, Carnac, na Bretanha (Figura 1.2), França.

 Assim como muitos outros monumentos funerários, este foiestabilizado por uma camada de cobertura de terra.

 A Irlanda é particularmente rica em túmulos megalí-ticos, contando com mais de 500 sítios arqueológicos do-cumentados. Construir esses túmulos comunitários – pararestos mortais cremados ou não – parece ter sido não sóuma manifestação de reverência pelos ancestrais, mas tam-bém um meio de demarcar territórios – tais monumentossão frequentemente encontrados em terrenos proeminentes.Entre os mais impressionantes está o túmulo com galeriafunerária de Newgrange, no Condado de Meath, construídopor volta de 3100 a.C., no topo de uma colina junto ao rioBoyne. Uma colina de terra de aproximadamente 90 metrosde diâmetro e 11 metros de altura cobre a câmara mortuá-ria, enquanto o peso do solo fornece estabilidade para osmegálitos sobre ela. Grandes rochas decoradas cercam operímetro da colina. (O revestimento de quartzo branco éuma reconstrução moderna baseada em escavações, propor-cionando visibilidade à distância.) A entrada sul leva a umapassagem ascendente de 10 metros de comprimento cobertapor lintéis de pedra que terminam em uma câmara crucifor-

me, encimada, por sua vez, por uma abóbada em colmeiacom seis metros de altura. Partes da alvenaria de pedra dapassagem e da câmara foram decoradas com padrões talha-dos, incluindo formas em diamante e espiral, cujos signi-ficados são desconhecidos (Figuras 1.3–1.4). A construção

1.3 Plantas baixas e corte, túmulo com galeria funerária de Newgrange,Condado de Meath, Irlanda, cerca de 3100 a.C.

A câmara cruciforme deste túmulo comunitário é acessada por uma longapassagem criada por pedras verticais. A área hachurada quase horizontalrepresenta o percurso da luz solar do início da manhã durante o solstício deinverno, que ilumina o chão da passagem e da câmara, estabelecendo umaconexão entre os mundos humano e celestial.

1.4 Entrada do túmulo com galeria funerária de Newgrange, Condado deMeath, Irlanda, cerca de 3100 a.C.

Esta fotografia mostra a fachada de pedra reconstruída pelos arqueólogos.Observe a abertura retangular que serve como “bandeira” sobre a porta,abrindo caminho para a luz do sol durante o solstício de inverno. As formasem espiral na pedra que bloqueia a passagem direta talvez representem o sol.A antiga porta de pedra está visível à direita da abertura.

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como um todo apresenta uma orientação bastante cuidado-sa para que, nos cinco dias junto ao solstício de inverno,a luz do sol nascente entre pela porta e por uma aberturaretangular  em forma de bandeira, se arraste pela passagem eilumine a câmara por cerca de 15 minutos (Figura 1.4). Paraaqueles que têm a sorte de testemunhar este evento anual (aúnica ocasião em que há luz no interior), o efeito é mágicoe muito comovente. A construção de um túmulo tão grande(há outros dois na mesma escala nas proximidades) pro-

 vavelmente exigiu esforços contínuos ao longo de muitos

1.5 Stonehenge, Planície de Salisbury, Inglaterra, cerca de 2900–1400 a.C.

Stonehenge – talvez o monumento mais famoso do período pré-histórico– exemplifica a capacidade que algumas civilizações primitivas tinham deorganizar trabalhadores e materiais para criar locais cerimoniais evocativos. Aheel stone fica na parte superior esquerda, além do círculo.

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anos. A tecnologia disponível não oferecia nada mais resis-tente que ferramentas de cobre ou bronze para trabalhar aspedras, e não havia veículos com rodas ou animais de carga

para auxiliar no transporte. Ainda assim, seus construtoresantigos fizeram as observações astronômicas necessárias eorganizaram uma força de trabalho suficiente para mano-brar pedras que chegam a pesar cinco toneladas.

 A capacidade de trabalhar com pedras grandes e obser- var fenômenos astronômicos fundamentais foram usadas namais famosa das construções megalíticas – Stonehenge, lo-

calizada na Planície de Salisbury, no sudoeste da Inglaterra(Figuras 1.5–1.7). É possível observar pelo menos três fasesde construção distintas. A primeira começou por volta de2900 a.C., com a escavação de dois diques circulares con-cêntricos. Dentro do perímetro, 56 furos distribuídos igual-mente (os furos Aubrey) foram cavados e preenchidos comgesso, enquanto uma linha de visualização do horizonte, anordeste, foi demarcada a partir do centro até chegar a umapedra vertical pontiaguda (a heel stone), fora dos diques. Em2400 a.C., aproximadamente, 82 pedras de dolerita do ta-manho de ataúdes – pesando cerca de duas toneladas cada– foram trazidas de pedreiras das montanhas de Pressely, noPaís de Gales, e erguidas em um anel duplo de 38 pares, comseis pedras adicionais definindo o eixo de chegada a nor-deste. Em algum momento, talvez antes da conclusão destasegunda fase, as pedras de dolerita foram removidas (suascavidades de base são chamadas de furos Q e R). A terceirae última fase envolveu o transporte de 35 lintéis e 40 pedrassarcen (um tipo de arenito), que chegam a pesar 20 tonela-

das cada. Elas foram erguidas formando um círculo de 30pedras verticais pontiagudas que fecham cinco trilitos (duaspedras verticais encimadas por um lintel) distribuídos emformato de U e focados na Avenida – o eixo que leva à partenordeste, em direção à heel stone. As protuberâncias (bossas)deixadas nos topos das pedras verticais se encaixam nos fu-ros (encaixes) escavados nas faces inferiores dos lintéis, demodo que as pedras se travavam com uma sambladura deencaixe quando posicionadas corretamente.

Para muitos visitantes modernos, o projeto sofisticado ea escala gigantesca do conjunto parecem ir além das capa-cidade dos povos pré-históricos. Assim, o sítio já foi inter-pretado como obra de gigantes, mágicos, pessoas vindas do

Mar Egeu e até de extraterrestres. A verdade é mais prosaicae, em última análise, mais significativa: o arqueoastrônomo

m050

tf 0510

Colina norte

Avenida

Colina sul

Heel stone 

Círculo depedras sarcen

Trilitos

Furos Y

Furos Z

Furos Aubrey

Dique

Furos Q e R (localização

das doleritas)

   1 .   7

1.6 Planta baixa, Stonehenge, Planície de Salisbury, Inglaterra, cerca de2900–1400 a.C.

Esta planta baixa inclui a terraplanagem original. Os trilitos em forma de Uestabelecem o eixo da avenida, que passa entre as pedras periféricas para sealinhar com a heel stone colocada fora do círculo. No solstício de verão, o solnasce exatamente acima da heel stone se visto a partir do centro dos círculosconcêntricos.

1.7 Stonehenge, Planície de Salisbury, Inglaterra, cerca de 2900–1400 a.C.

Esta vista do norte mostra a configuração atual das pedras. Nos locais ondeficavam os lintéis, as protuberâncias (bossas) que mantinham as pedrashorizontais no lugar podem ser vistas no topo dos elementos verticais.A heel stone é a pedra mais alta à esquerda.

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34  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

Gerald Hawkins demonstrou que Stonehenge era um grandeobservatório para se determinar os solstícios (estabelecendo,assim, o calendário anual) e prever eclipses lunares e sola-res – um conhecimento provavelmente muito útil para umasociedade que não dispunha de almanaques. Seu leiaute cir-cular pode muito bem refletir uma relação simbólica com ofirmamento, um vínculo entre os reinos humano e celestial.

 A experiência acumulada com a construção e a orien-tação dos túmulos megalíticos permitiu que os primeiroshabitantes das Ilhas Britânicas erguessem uma das obrasde arquitetura mais assombrosas de todos os tempos. Sto-nehenge representa o auge da capacidade de construção eobservação científica do período pré-histórico. Seus cons-trutores venceram o desafio de transportar e trabalhar pe-dras colossais. Doleritas do País de Gales foram transporta-das por mais de 300 km até o terreno, principalmente pelaágua, e arrastadas por terra na última etapa da jornada. Asmaiores pedras sarcen verticais vieram de Marlborough Do-

 wns, que fica a aproximadamente 24 km do local, e é pro-

 vável que tenham sido arrastadas desde lá. Experimentosmodernos com o transporte e a montagem de um trilito naescala dos de Stonehenge indicam que seria possível usarmáquinas simples (alavancas e planos inclinados), um tre-nó com base engordurada, plataformas de madeira, cordasresistentes e cerca de 130 pessoas trabalhando juntas.

A ANTIGA MESOPOTÂMIA A distinção entre o mundo pré-histórico e as eras históri-cas se baseia no surgimento da linguagem escrita, desen-

 volvida por volta de 3500 a.C. pelos sumérios, no Orien-te Médio – em terras hoje ocupadas pelo Iraque e Irã. Lá,

nas terras férteis entre os rios Tigre e Eufrates (chamada deMesopotâmia, ou “entre os rios”, pelos gregos antigos),surgiram as primeiras civilizações com escrita, organiza-das em comunidades urbanas independentes, conhecidascomo cidades-estado. A escrita foi elaborada primeiramen-te como um meio de documentar transações governamen-tais e somente mais tarde foi usada para o que poderíamoschamar de fins literários, narrando as lendas, conquistasgloriosas, esperanças e os temores das pessoas. Por volta de3000 a.C., talvez em decorrência do contato com a Meso-potâmia, outro centro de civilização surgiu no nordeste da

 África, ao longo das margens do rio Nilo, no Egito. Estasduas regiões – o Egito e a Mesopotâmia – são consideradasos berços da história e da arquitetura ocidentais.

 Apesar dos conflitos atuais no Oriente Médio, é prová- vel que nenhuma cultura pareça mais distante para o estu-dante atual de história da arquitetura do que a da antiga Me-sopotâmia. Existem imagens religiosas fortes provenientesde escrituras judaico-cristãs, como as histórias de dilúvios eda Torre de Babel, ambas relacionadas à Mesopotâmia; con-tudo, as imagens textuais não são suficientes – e Hollywoodainda não conseguiu representar este local e seus habitantescomo fez com o Egito e os egípcios antigos. O ideal talvezseja começar com a leitura do ensaio ao lado para entenderum pouco da cultura da Mesopotâmia e, então, chegar a umpanorama – e este panorama começa com seus rios.

 A Mesopotâmia abarca uma área com aproximada-mente 800 km de extensão e apenas 480 km de largura. Aosul, faz fronteira com o Golfo Pérsico, cujo litoral norte, noterceiro milênio antes de Cristo, se encontrava aproxima-damente 210 km mais longe do que hoje está. Além disso,fatores como alterações nos canais dos rios, mudanças cli-

máticas e a maior salinidade das terras anteriormente irriga-das têm provocado mudanças profundas no meio ambientedesde a antiguidade. Os rios Tigre e Eufrates correm para ogolfo separadamente. O Eufrates nasce nas montanhas doleste da Turquia e serpenteia pelas planícies em suas partesmais baixas. O Tigre, ainda mais a leste, nasce nas mesmasmontanhas, mas percorre um curso d’água mais rapidamen-te em função dos seus muitos tributários nas montanhas deZagros. Por essa razão, o Tigre era menos navegável e nãotinha um efeito unificador tão grande quanto o Eufrates noque se refere aos assentamentos junto às suas margens.

 As culturas mesopotâmicas progrediram muito explo-rando seus rios. Além de controlá-los ao máximo, se ba-

searam neles para construir elaborados canais de irrigaçãoque resultaram numa paisagem fértil, quase paradisíaca. Ali, cultivaram plantações suficientemente abundantespara permitir o armazenamento de grãos excedentes emgrande escala. Por sua vez, este suprimento de comida re-lativamente estável e abundante permitiu o surgimento degrandes populações urbanas e o corolário da urbanização –a especialização. Os especialistas mesopotâmicos incluíam,além de sacerdotes e mercadores, artesãos, artistas e arqui-tetos capazes de produzir belos objetos, expressar a visãode mundo de sua cultura e tentar conectar a humanidadecom o cosmos.

Os sumérios, arcadianos e neossumériosEm geral, os sumérios são descritos como os responsáveis porcriar a primeira civilização do planeta, que começou a tomarforma por volta de 4000 a.C. Naquela época, os habitantesdas terras férteis do sul da Mesopotâmia já dominavam asartes da agricultura e haviam criado sistemas de irrigação paracontrolar as águas do Rio Eufrates. Esta civilização – que du-rou até 2350 a.C. aproximadamente – é conhecida como Su-méria; sua forma típica de assentamento era a cidade-estado,um centro político e religioso dedicado a servir aos deusesinspirados em elementos naturais. Essas divindades incluíama trindade divina de Anu, deus do céu; Enlil, deus da terra;

e Ea, deus da água; acompanhados de Nannar, deus da lua;Utu, deus-sol; e Inanna, deusa da fertilidade. Os sumériosacreditavam que o céu e a terra eram dois discos que haviamsido separados por uma explosão e que toda a existência eragovernada pelos deuses, representantes das condições climá-ticas imprevisíveis que afetam a vida humana. Também acre-ditavam que os seres humanos tivessem sido criados a partirde depósitos de silte aluvial nos vales dos rios com a finali-dade de atender aos deuses e liberá-los do trabalho. Como sebeneficiavam da adoração humana, os deuses precisavam danossa fidelidade. Logo, havia um equilíbrio nas forças criado-ras e destruidoras dos deuses e uma interdependência mútuaentre eles e as pessoas.

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Os sumérios veneravam vários deu-ses de diferentes tipos e níveis de

importância, e os representavamem sua arte. Este pequeno objeto (Figura1.8) é a cabeça de uma ovelha talhada porum escultor sumério, talvez em Uruk, hámais de cinco mil anos. Atualmente, ele estáno Museu de Arte Kimbell, de Louis Kahn,em Fort Worth, no Texas (veja as Figuras16.15–16.17). Esta bela obra de arte conse-gue nos aproximar dos sumérios anônimosque criaram uma arquitetura monumentalquase que exclusivamente a partir do barro.

É preciso imaginar a figura inteira,seu corpo intacto, com 60 ou 90 cm dealtura e aproximadamente o mesmocomprimento. Os curadores do museuinterpretam-na como um símbolo da deu-sa Dittur, cujo filho Dumuzi era um deusimportante, do pastoreio e do leite (daí aimagem da ovelha), bem como do reinodos mortos.

 A cabeça da ovelha está bastante des-gastada, mas precisamos imaginá-la comoera no passado – imaculada, realista eanimada – e considerar sua representaçãonuma sociedade em que tais animais eram

essenciais para a sobrevivência humana.Com sua boca ampla, narinas abertas e

orelhas alertas – que parecem ter acaba-do de ouvir a voz do pastor ou do deusdo pastoreio – ela nos convida ao toquerespeitoso (talvez até uns tapinhas, se nãofosse tão sagrada). Novamente, podemosimaginar o calor rústico de sua lanugem esua respiração silenciosa. Podemos ima-ginar o artista tentando comunicar sua“textura de ovelha” e transmitir seu signi-ficado enquanto trabalhava a pedra maciada qual a escultura foi feita.

Seu lar provavelmente era um localcomo o Templo Branco (veja a Figura 1.11).

 Ali, ela era tratada pelos sacerdotes e vene-rada diariamente. O Museu Nacional doIraque, em Bagdá – tragicamente saqueadodurante a guerra em 2003 – continha ima-gens esculpidas de tais sacerdotes e outrossumérios em posição de adoração (Figura1.9). A forma dessas estátuas é mais abstrataque a da ovelha, com torsos superior e infe-rior em forma de cunha, como os caracteresda escrita cuneiforme suméria; seus traçosmais marcantes são os olhos extrema-mente proeminentes, em posição ritual, e

mãos quase contorcidas, aparentementeexpressando certa ansiedade. Os sumérios

lutavam contra inúmeras incertezas em umaterra onde a natureza – e, principalmente,o clima – oscilava incrivelmente entre abenevolência e a malevolência. Eles faziamas mesmas perguntas que nos fazemos atéhoje. De onde teriam vindo? Como podiamter algum controle sobre o meio ambiente?O que encontrariam após a morte?

A VISÃO DE MUNDO DOS SUMÉRIOSMichael Fazio

1.8 Cabeça de ovelha em arenito, cerca de 3200 a.C.,14,6 cm x 14,0 cm x 15,9 cm.

O criador deste pequeno animal de pedra capturou tanto suas“características de ovelha” como o aspecto enigmático da

eternidade, ao qual aspiram as grandes obras de arte religiosas.

1.9 Estatueta suméria, Tell Asmar, cerca de 2900–2600 a.C., gesso revestido com conchas e calcário preto,

aproximadamente 45 cm.

Compare esta estatueta com a cabeça da ovelha na Figura1.8. Enquanto a ovelha foi representada de maneira realista,o devoto sumério é estilizado. O mesmo fenômeno ocorre

na arte egípcia, na qual as figuras menos sagradas eramfrequentemente representadas com um alto grau de realismo,ao passo que as imagens de faraós ou deuses eram abstratas –como se a abstração pudesse oferecer uma ideia melhor dos

aspectos mais imponderáveis da condição humana.

ENSAIO

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36  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

 As comunidades urbanas surgiram ao redor de santuá-rios, isto é, as moradias dos deuses e os depósitos de ali-mentos excedentes, o que resultou na criação de conjuntosde templos monumentais nos núcleos das cidades sumérias.O primeiro nível de Eridu, a cidade mais antiga, tinha umpequeno santuário com altar de tijolo em frente a um nicho na muralha, construído provavelmente para receber umaestátua a ser venerada; altares e nichos foram encontrados

em todos os templos sumérios posteriores. As reconstruçõesdo templo de Eridu aumentaram sucessivamente o santuá-rio original, que era relativamente modesto, e, por volta de3800 a.C., ele já se encontrava sobre uma plataforma. Seusmuros estabilizados pela forma trapezoidal configuravamuma sala de altar retangular com câmaras laterais menores.Mais ou menos na mesma época, a cidade de Tepe Gawra,quase 800 km ao norte, abrigava uma acrópole com doistemplos, um santuário e habitações. Suas edificações prin-cipais compunham um pátio interno em forma de U. Suasfachadas eram articuladas por pilastras (Figura 1.10), umtema que seria retomado no início da arquitetura egípcia.

 A maioria das edificações sumérias foi construída com

tijolos secos ao sol (adobe), um material obtido facilmentecolocando-se lama em moldes e deixando secar ao sol por

 várias semanas; porém, os tijolos resultantes não resistembem ao intemperismo. O resultado é que grande parte daarquitetura suméria que conhecemos se resume a funda-ções e partes inferiores de paredes. As coberturas eram fei-tas com elementos leves de madeira ou junco, incapazesde vencer grandes vãos; por isso, os espaços internos erampequenos. Na arquitetura suméria e posteriormente na me-sopotâmica, as edificações importantes tinham mais dura-bilidade, uma vez que seus tijolos recebiam revestimentosresistentes a intempéries, e maior formalidade, sendo ele-

 vadas sobre plataformas artificiais.

Isso aconteceu em Uruk, onde o chamado Templo Bran-co foi construído (cerca de 3500–3000 a.C.) sobre uma basede caliça com 12 metros de altura; esse material foi obtidode edificações anteriores e recebeu uma camada de caiaçãoprotetora sobre muros de terra inclinados cobertos por tijo-los secos ao sol (Figura 1.11). O acesso ao templo se dava poruma câmara na lateral mais longa, de maneira que um “eixoquebrado” levava do exterior ao saguão e ao santuário.

 As estruturas contemporâneas escavadas no conjuntode Eanna (dedicado à deusa Inanna), que fica nas proxi-midades, incluem dois grupos de templos nos lados de umpátio ornamentado com um mosaico composto por mi-lhares de pequenos cones de terracota. A base de cada conefoi mergulhada em esmalte preto, branco ou vermelho, esua ponta foi inserida no muro de argila para formar umzigue-zague policromático com elementos circulares.

Em 2350 a.C., povos de linguagem semita instaladosprincipalmente nas cidades de Sipar e Akkad – de onde

 veio o nome “acadiano” – depuseram a civilização sumé-

ria. As evidências sugerem que os acadianos eram um povo violento, governado por um rei militar e não apenas poruma classe de sacerdotes. Eles assimilaram muitos aspectosda cultura suméria, e sua forma de governo centralizada é aorigem da hegemonia da Babilônia, que ocorreria cerca de500 anos mais tarde.

1.10 Reconstrução da Acrópole, Tepe Gawra, Suméria (Iraque), cerca de3800 a.C.

Este edifício religioso estava associado a uma sociedade urbana maiscomplexa que as da pré-história. A escala da edificação construída na parte

alta da cidade (acrópole) reflete a importância da religião e da classe delíderes religiosos para seus habitantes. As pilastras reforçavam as paredes deadobe. O templo norte fica na extremidade esquerda, no alto do desenho, emede aproximadamente 7,5 x 12,0 metros.

m520

tf 570

Terraço

Eixo de entradaSantuário

Saguão

Rampa

1.11 Vista e planta baixa do Tempo Branco, Uruk, Mesopotâmia (Iraque),cerca de 3500–3000 a.C.

Muitos templos da Mesopotâmia foram construídos sobre plataformaselevadas. A base deste templo foi feita, em parte, com a caliça de edificaçõesque ocupavam o terreno anteriormente, e conta com muros inclinados numpadrão regular e protegidos por camadas de caição, o que acabou dando

nome ao templo.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 37

O império acadiano, por sua vez, foi dominado por volta de 2150 a.C. pelos gutis, um grupo de tribos oriun-das das regiões montanhosas do Irã. A influência militardos gutis diminuiu em um século, permitindo que alian-ças políticas semelhantes às existentes entre as primeirascidades-estado sumérias renascessem no período chamadoneossumério (cerca de 2150–2000 a.C.). Este período tes-temunhou o desenvolvimento das formas dos templos ur-banos, especialmente do templo elevado sobre uma colinaartificial escalonada, o zigurate. Construídos geralmentecom tijolos secos ao sol e solidarizados com betume, fei-

 xes de junco ou corda, os zigurates eram revestidos por umpano externo de tijolos cozidos, resistentes a intempéries.Sobre sua base retangular, o zigurate subia com muros in-clinados para dentro numa série de plataformas sucessivas,terminando num templo alto, no topo. Uma escadariacentral dava acesso ao templo. (Os elementos assim distri-buídos no centro de uma forma simétrica e alinhados nadireção de um mesmo ponto são conhecidos como axiais.)

Os zigurates eram projetados para elevar os templos até osdeuses, permitindo que esses descessem dos céus e garan-tissem a prosperidade da comunidade. Simbolicamente, ozigurate também pode ter representado as montanhas deonde os sumérios vieram. Para que os deuses se sentissemem casa nas planícies do vale aluvial, os sumérios e seussucessores na Mesopotâmia talvez tenham buscado recriarseus antigos lares nas montanhas. A elevação do templobem acima do vale também podia refletir o desejo de pro-teger o conjunto sagrado das enchentes; o certo é que davaa ele destaque visual em relação à cidade.

Pouco resta dos zigurates construídos durante o breveinterlúdio neossumério. Depois que o revestimento exter-

no foi removido pelos saqueadores, o núcleo de terra dos

zigurates sofreu uma erosão considerável. Das majestosasmontanhas artificiais que se elevavam sobre as cidades me-sopotâmicas, somente o zigurate de Ur (cerca de 2100 a.C.)ainda conserva parte de seus detalhes de arquitetura (Fi-guras 1.12–1.13). Ainda hoje é possível identificar as trêslongas escadarias que convergiam numa torre de entradana altura da primeira plataforma. Lanços mais curtos leva-

 vam ao segundo e terceiro terraços, aos quais apenas os sa-cerdotes tinham acesso. Esses níveis superiores e o templono cume hoje não passam de pilhas de destroços; contudo,arqueólogos calculam que a altura original do zigurate erade mais ou menos 21 metros, com uma base de aproxima-damente 60 × 45 metros. Contrastando com os complexosde templos grandiosos, as habitações das pessoas comunsficavam em bairros extremamente densos. As plantas bai-

 xas eram quase ortogonais, com habitações construídas em volta de pátios internos que forneciam luz e ar fresco a to-dos os cômodos (Figuras 1.14 a, b). As habitações apresen-tavam um muro cego para a rua, o que garantia a privaci-

dade dos moradores. Até hoje, casas com pátio são comunsem comunidades do Mediterrâneo e do Oriente Médio.

1.12 Zigurate de Ur, Mesopotâmia (Iraque), cerca de 2100 a.C.

A mais bem conservada dentre as gigantescas colinas artificiais sagradas quese elevavam sobre todas as cidades grandes da Mesopotâmia, este ziguratefoi construído para aproximar o templo aos deuses. Seu núcleo é de tijoloseco ao sol (adobe), revestido por uma camada externa de tijolos cozidos ebetume, que servia como proteção contra a ação do clima.

1.13 Reconstrução do zigurate de Ur, Mesopotâmia (Iraque), cerca de 2100 a.C.

Este desenho mostra os detalhes originais que foram perdidos, incluindopainéis recuados definidos por faixas de pilastras e parapeitos. A populaçãoabaixo podia observar as procissões de sacerdotes passando por sucessivoslanços de escada até chegaram ao templo, sobre a plataforma no ápice dozigurate.

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38  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

Os babilônios, hititas e assíriosEm 1800 a.C., a Mesopotâmia foi dominada pela dinastia

 Amorita, da cidade-estado da Babilônia, cujo rei mais cé-lebre foi Hamurabi (1728–1686 a.C.). Em 1830 a.C., os

 vigorosos hititas indo-europeus subjugaram a Babilônia econquistaram o norte da Mesopotâmia. Mais ao sul, os assí-

rios – falantes de uma língua semita – assumiram o controlee estabeleceram capitais sequencialmente em Calah (atualNimrud), Dur-Sharrukin (Khorsabad) e Nínive (Kuyunjik).

 As cidadelas extremamente fortificadas construídas paracada capital refletem as guerras incessantes lutadas pelos as-sírios, bem como o caráter implacável de seus reis.

Khorsabad, a cidade real construída por Sargão II cercade 720 a.C., apresenta as principais características da arqui-tetura e do planejamento urbano assírios (Figuras 1.15 a, b).Projetando-se em relação a uma das muralhas fortificadasda cidade, o palácio de 100 mil m² ocupava um platô queficava 15 metros acima do nível do solo. A geometria orto-gonal organizava as edificações da área ao redor do palácio,

articulado por meio de uma série de pátios. Um zigurate debase quadrada com 43,6 metros de lado se elevava sobre umeixo com baluartes; seus sete níveis representavam a ordemcósmica dos sete planetas. Os pátios do palácio eram cer-cados por cômodos retangulares – incluindo a sala do tro-no, acessada por uma rota tortuosa e criada, provavelmente,para confundir ou assustar os visitantes e intensificar a aurade poder e grandeza. Touros alados com cabeças humanasem alto relevo, talhados em blocos de pedra com quatrometros de altura, guardavam as entradas do palácio. Ossos emúsculos foram representados de maneira realista, enquan-to penas, cabelo e barba foram estilizados, transmitindocom vigor o poder do monarca: como homem, o senhor dacriação; como águia, o rei dos céus; e como touro, o fecun-dador do rebanho. Dentro do palácio, outras imagens emalto relevo representavam exércitos em marcha, queimando,matando e saqueando, o que enfatizava a tolice de se resistirao poder assírio. Sem qualquer sutileza, Sargão II usou a artee a arquitetura de seu palácio para comunicar o poder irre-sistível representado pela sua pessoa.

Muro em tornodo recinto sagrado

Muralhada cidade

Área residencial

Área residencial

Portão fortificado

m0050

tf 00510

m050

tf 0510

Zigurate

1.14a Cidade de Ur, Mesopotâmia (Iraque), cerca de 2100 a. C.

Esta planta mostra o conjunto murado com o zigurate e a muralha que

demarcava os limites da cidade. Parte da área residencial que foi escavadapode ser vista a sudeste do centro da cidade. Observe o arranjo labirínticodas habitações, em grande contraste com os espaços abertos maiores doscentros administrativo e cerimonial.

1.14b Planta da área residencial, Ur, Mesopotâmia (Iraque), cerca de 2100 a.C.

As fundações remanescentes indicam habitações organizadas em plantas

ortogonais e espaços de estar distribuídos em torno de pátios centrais(hachurados), configuração que promovia a densidade urbana e ao mesmotempo dava privacidade e ar fresco a cada lar. Versões posteriores deste tipode habitação podem ser encontradas em Mohenjo-Daro (no Vale do Indo),Priene (na Ionia ocidental, atual Turquia) e em cidades islâmicas no OrienteMédio e no norte e leste da África.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 39

Os persasEm 539 a.C., o Império Persa era governado por Ciro II. An-tes, os persas haviam deposto os Medes e expandido os li-mites de sua capital, em Susa (atual Irã), e conquistado todaa Mesopotâmia, Ásia Menor e até o Egito, por volta de 525a.C. Em um século, passaram a dominar territórios do Danú-bio ao Indo, e de Jaxartes ao Nilo, não conseguindo subjugarapenas a península grega. A maior contribuição à arquiteturaremanescente dos persas é a ruína impressionante de Persé-polis (Figura 1.16), cidade fundada por Dário em 518 a.C.como capital cerimonial para suplementar Susa, a capital ad-

ministrativa, e Pasárgada, o centro da corte. Carentes de tra-dições artísticas próprias, os persas se inspiraram à vontadenas culturas que conquistaram. Em Persépolis, são evidentesos reflexos de portões de templos e salões hipostilos egíp-cios, salões de audiência hititas e esculturas da temática ani-mal mesopotâmica. O grande palácio, usado principalmentepara cerimônias de Ano Novo e início da primavera, ocupava

Zigurate

Sala do trono

Pátio de gala

Pátio de entrada

Templos

m0520

tf 0570

1    . 1    5    a   

1.16 Planta baixa do palácio, Persépolis, Pérsia (Irã), cerca de 518 a.C.

Este grande complexo foi edificado por pelo menos três monarcas persas paraser uma das capitais do império. Suas ruínas revelam influências da arquiteturade outras culturas da Mesopotâmia, especialmente dos hititas e assírios, bemcomo dos egípcios.

1.15a Reconstrução do palácio, Khorsabad, Assíria (Iraque), cerca de 720 a.C.

As muralhas fortificadas protegiam o palácio. O salão de audiências realera acessado por uma sequência de pátios internos e câmaras menores.Compare-o com os leiautes axiais típicos da arquitetura egípcia.

1.15b Planta baixa do palácio, Khorsabad, Assíria (I raque),cerca de 720 a.C.

A rota cerimonial, que levava da entrada sudeste à sala dotrono, é tortuosa, envolvendo três mudanças de direção.O zigurate escalonado é uma versão reduzida das formasencontradas nas primeiras cidades da Mesopotâmia.

Salão das Cem Colunas

(salão de audiências de Xerxes)

Palácio de Xerxes

Pequeno

paláciode Dário

Salão de

audiênciasde Dário

m0010

tf 0030

Escadadoterraço

1     . 1     8     

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um terraço de 450 × 270 metros; continha pátios de recep-ção, salões para banquetes e salões de audiência, distribuí-dos em um leiaute quase ortogonal. A sala do trono do rei

 Xerxes, conhecida como Salão das Cem Colunas e concluídapor Artaxerxes, era o maior espaço coberto do palácio, comcapacidade para abrigar 10 mil pessoas dentro de sua plan-ta quadrada com cerca de 80 metros de lado. A maioria daconstrução foi feita em pedra. Colunas de pedra sustentavam

as vigas de madeira da cobertura em seus peculiares  capitéis duplos esculpidos na forma de touros e leões (Figura 1.17).O terraço era acessado por lanços de escada ladeados por es-culturas em relevo, que representavam delegações de 23 na-ções prestando homenagem ao soberano (Figura 1.18). Essasesculturas de pedra – envolvidas em atividades semelhantesàs dos visitantes reais – eram um tira-gosto da pompa e dosbanquetes que aguardavam no palácio acima.

 As conquistas de Alexandre, o Grande, encerraram odomínio persa em 331 a.C. Os exércitos de Alexandre aca-baram chegando à Índia, até onde os artesãos persas pare-cem tê-los acompanhado e então permanecido. Eles ajuda-ram a construir a capital em Pataliputra (atual Patna) para

Chandragupta, onde os salões hipostilos e capitéis comformas animais lembram o palácio de Persépolis. A arqui-tetura persa se tornou uma das principais influências daarquitetura de pedra primitiva da Índia.

O EGITO ANTIGO A cultura popular é rica em imagens do Egito Antigo, seja

em filmes épicos representando Moisés e os faraós, seja emfilmes de terror clássicos nos quais Boris Karloff, interpre-tando a múmia, perambula ameaçadoramente, impondoa justiça antiga a arqueólogos ingênuos e saqueadores detumbas gananciosos. Tudo isso é muito divertido – assimcomo as fantasiosas especulações sobre as pirâmides egíp-cias terem sido construídas por visitantes do espaço sideralusando raios antigravidade – mas em nada ajuda a esclare-cer os feitos reais de homens e mulheres comuns do Valedo Nilo, mesmo aqueles de cinco mil anos atrás. Comoos mesopotâmicos, os egípcios antigos produziram umaarquitetura espetacular ao reunir as forças de toda a sua ci-

 vilização e colocá-las a serviço de valores culturais muito

1.17 Vista das ruínas do palácio, Persépolis, Pérsia (Irã), cerca de 518 a.C.

Estas são duas colunas remanescentes do salão de audiências de Dário, com

capitéis bem preservados. Os exércitos de Alexandre, o Grande, saquearam eincendiaram Persépolis.

1.18 Escadaria do terraço superior, Persépolis, Pérsia (Irã), cerca de 518 a.C.

Aqui, podem ser vistas colunas isoladas do salão de audiências de Dário,

com as portas do palácio de Dário ao fundo e o palácio de Xerxesmais além.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 41

difundidos. Esta arquitetura é muito mais diversificada doque se pode imaginar e, além de ser facilmente entendidapelo intelecto moderno, é extremamente esclarecedora emtermos de ideias de projeto aplicáveis a qualquer época.

 A geografia do Egito é dominada por um grande rio, oNilo, que nasce nos planaltos de Uganda e passa pelo Su-

dão e pela Etiópia, atravessando mais de 3.200 km antes dedesembocar no Mar Mediterrâneo, ao norte. Nos 960 kmdo vale do rio, a agricultura é favorecida pelo clima quentee pelos depósitos anuais de silte orgânico oriundo das en-chentes, que renovam a fertilidade dos campos. Na épocadas dinastias, as margens do vale tinham pântanos e cam-pinas ricas em animais de caça. (Hoje, o deserto toma con-ta do local.) Fora da estreita faixa fértil que margeia o Nilo,grandes áreas inóspitas de deserto protegiam o local contrainvasores, assim como o Mediterrâneo servia de barreirapara os assentamentos no delta do rio. Logo, a cultura quesurgiu naquelas margens era predominantemente agríco-la, contrastando com os assentamentos urbanos da turbu-

lenta Mesopotâmia. A vida egípcia se organizava em tornoda inundação anual, e o ritmo cíclico das estações gerouuma civilização que permaneceu incrivelmente estável pormais de dois mil anos. Dois centros de civilização egípcia,com práticas culturais diferentes, surgiram nos tempos pré--históricos: o Baixo Egito, no amplo Delta do Nilo, e o AltoEgito, no vale mais estreito, ao sul. Muito cedo, os egípciostambém desenvolveram uma escrita na forma de hierógli-fos, sistema que usava símbolos pictóricos e fonéticos pararegistrar informações.

 A história do Egito começa por volta de 3000 a.C.,quando Menes, faraó do Alto Egito, uniu o Alto e o BaixoEgito e estabeleceu sua capital em Mênfis, perto da junção

dos dois territórios. (Observe que as datas relativas à históriaegípcia, especialmente no caso de faraós específicos das pri-meiras dinastias, ainda são debatidas por especialistas. Por-tanto, todas as datas fornecidas aqui devem ser entendidascomo aproximadas.) Como todos os seus sucessores, Menesera ao mesmo tempo o soberano secular e a manifestaçãode Hórus – deus com cabeça de falcão que era a divindadedos faraós. Quando morria, o faraó passava a ser identifi-cado com Osíris, pai de Hórus e senhor do submundo, en-quanto seu sucessor assumia o papel de Hórus. A teologiaegípcia associava tanto Osíris como Hórus a Rá, o deus-sol,cujo símbolo – no antigo templo de Heliópolis – era a pedracônica benben de forma fálica, posteriormente estilizada

como uma pirâmide. Portanto, o uso de formas piramidaisno topo dos fustes de pedra (obeliscos) ou na edificaçãopropriamente dita (como nas pirâmides) era um símbolo

 visual da conexão entre o soberano e o deus-sol.

O Período Dinástico Primitivo e o Reino Antigo(1ª a 8ª dinastias, cerca de 2920–2134 a.C.) A história do Egito se divide em 30 dinastias, englobandoo período da ascensão do faraó Narmer ao trono (cerca de3000 a.C.) à conquista do Egito por Alexandre, o Grande,em 332 a.C. Quase tudo o que sabemos deste período ini-cial vem de monumentos funerários e inscrições, cujo foco

é a transição do mundo dos vivos para o mundo dos mor-tos. Os egípcios acreditavam piamente em uma pós-vida, naqual ka, a força vital, se reunia com ba, a manifestação física,para se tornar um akh, ou espírito. Rituais elaborados eramfeitos dentro de câmaras mortuárias para garantir o suces-so da transformação da vida em morte. A preservação docorpo físico (ou, pelo menos, o impedimento temporáriode sua putrefação) após a morte era de grande importânciae os defuntos deviam ter à disposição objetos cotidianos,servos pessoais, comida, bebida e uma câmara permanenteadequada. Quando preparada de maneira inadequada paraa pós-vida, a ka de uma pessoa importante – especialmenteo faraó – podia vagar pelo mundo insatisfeita, fazendo mal-dades para os vivos. Portanto, era do interesse da sociedadeoferecer um bom tratamento ao corpo e espírito do faraó,o que levou à construção de túmulos duradouros para a re-aleza e ao desenvolvimento da mumificação para preservaro corpo. Os túmulos – e não os templos ou palácios – setornaram as edificações religiosas mais duradouras.

 As mastabas, túmulos primitivos, foram construídascomo moradas eternas para os mortos e, muito provavel-mente, baseavam-se no projeto das habitações dos vivos.

 As habitações comuns eram feitas de junco, sapé e madeira– materiais totalmente inadequados para uma residênciapermanente; por isso, os construtores das mastabas usaramtijolos para obter uma durabilidade maior e, ao mesmotempo, preservaram os detalhes característicos dos feixesde junco e suportes de madeira convencionais. A mastababásica (Figura 1.19) era uma edificação em forma de blocoapoiada no solo, contendo uma sala pequena para oferen-das e outra câmara para o corpo e a estátua do falecido. Osbens mundanos guardados com o morto logo atraíram os

ladrões, fazendo com que uma das primeiras revisões doprojeto da mastaba acrescentasse um túnel profundo sob aedificação. O corpo era colocado na base, e o túnel preen-chido com pedra e caliça para deter possíveis intrusos. Nacâmara acima do solo, ou  serdab, uma estátua do falecidorecebia oferendas. Posteriormente, em busca de maior per-manência, começaram a ser usadas pedras na construçãodas mastabas.

1.19 Desenho de mastabas.

Esta perspectiva aérea mostra as câmaras mortuárias sob as estruturas e suaspequenas câmaras, ou serdabs, colocadas no nível do solo, para receberoferendas ao espírito do defunto. Acredita-se que esses túmulos, construídoscom adobe ou pedra, eram baseados no projeto de habitações reais feitascom materiais menos duradouros.

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Ohistoriador gregoHeródoto (484–425a.C.) viajou por todo

o mundo antigo e escreveu a

primeira história em forma denarrativa. Ele era um observa-dor apaixonado da cultura, esuas citações definem uma dascaracterísticas essenciais dascivilizações mesopotâmica eegípcia: sua dependência dosrios. Evidentemente, a água éum ingrediente essencial paraqualquer forma de vida, masa água corrente é necessáriapara o desenvolvimento dacivilização, pois, além de serbebida e irrigar, também servepara remover os dejetos hu-manos que se acumulam emáreas densas. Portanto, todasas civilizações primitivas – do

 Vale do Indo aos Maias – sebasearam em rios. Nós aschamamos de civilizações “hi-dráulicas”.

Por necessidade, a ci- vilização hidráulica é umafederação corporativa, con-trastando, por exemplo, comum grupo de cidades-estado

beligerantes. Em uma baciahidrográfica determinada, énecessário um forte controlecentralizado para se cons-truir um sistema de canaisinterdependente, que desvieágua para a irrigação e faça a drenagemdos pântanos para o cultivo, ou barragense diques para controlar as enchentes econter a água. Os primeiros engenheiroshidráulicos aprenderam as técnicas datopografia e desenvolveram as habilidades

necessárias para administrar projetos deconstrução em grande escala, buscandocontrolar as águas que traziam tantoabundância quanto destruição. Como He-ródoto observou, a nação egípcia era defi-nida pelo Nilo, e não resta dúvida de que

os engenheiros responsáveispelas pirâmides aprenderam afazer levantamentos topográfi-cos e obras de terraplanagem,

além de organizar grandescontingentes de mão de obranas margens do rio. Tambémse acredita que, como ficavamociosos durante as inunda-ções, os agricultores eramrecrutados para as equipes deconstrução de projetos gigan-tescos, como as pirâmides.

Os rios Tigre, Eufrates eNilo também serviam comoartérias de transporte princi-pais para a troca de bens entreas muitas cidades que os mar-geavam. Ainda hoje, na erados aviões a jato, o meio maisbarato de transporte de cargaspor quilômetro-tonelada éa barca fluvial. No períodomedieval, era dez vezes maisbarato transportar cargas embarcos do que em carroçaspuxadas por bois. Além disso,por causa do Nilo, os egípciosantigos não precisavam de

 veículos com rodas ou estra-das pavimentadas; a biga foi

uma invenção importada quechegou tarde para os egípcios,que preferiam se deslocarpelo rio; não é surpresa quetenham desenvolvido técnicasde construção sofisticadas

para barcos de todos os tamanhos. Naspinturas dos túmulos, as maiores embar-cações são representadas carregadas comgrandes obeliscos, como o da Figura 1.20,uma carga que chegava a pesar mil tone-ladas.

1.20 Obelisco em uma pedreira, Aswan, Egito.

AS CIVILIZAÇÕES “HIDRÁULICAS”Dan MacGilvray 

Praticamente não chove na Assíria. Essa pouca água nutre as raízes dos cereais, mas é a irrigação do rio que desenvolve a

plantação e faz com que os grãos realmente cresçam. Não é como no Egito, onde o rio propriamente dito sobe e alaga oscampos: na Assíria, eles são irrigados manualmente e por máquinas de irrigação com braços oscilantes. Pois todo o territó-

rio da Babilônia, como o do Egito, é cortado por canais. O maior deles é navegável: ele corre… do Eufrates até o Tigre…

…toda a terra… regada pelo Nilo em sua passagem era o Egito, e todos os que moravam abaixo da cidade de Elefan-

tine (Aswan) e bebiam da água deste rio eram considerados egípcios.

…não há homens no resto do Egito ou em qualquer parte o mundo que se beneficiem tanto do solo com tão pouco

esforço; eles não têm o encargo de trabalhar a terra com o arado, nem com a enxada… o rio sobe por conta própria, molha

os campos, e então volta para o seu lugar; assim, cada homem semeia seu campo e solta seus porcos para enterrar as se-

mentes e espera pela colheita…

ENSAIO

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1.21 A pirâmide escalonada de Saqqara, Egito, cerca de 2630 a.C.

Por ser a primeira construção de pedra em escala monumental noEgito, este túmulo c riou um precedente para as pirâmides posteriores,dos faraós. Seu arquiteto, Imhotep, seria lembrado por sua genialidadee, mais tarde, cultuado como um deus.

1.22a Planta baixa do complexo funerário de Djoser, Saqqara, Egito,cerca de 2630 a.C.

A pirâmide escalonada é o elemento retangular no centro, dominandoo Grande Pátio, que é acessado pelo Salão Processional estreito, nocanto esquerdo inferior. Os egípcios colocaram os dois blocos de pedraem forma de B no pátio para que a ka de Djoser continuasse a corridacerimonial entre eles, simbolizando, para toda a eternidade, a unidadedo Alto e Baixo Egito.

1.22b Corte e planta baixa da pirâmide escalonada, Saqqara, Egito,cerca de 2630 a.C.

O corte mostra as sucessivas etapas da construção, durante a qual aforma original da mastaba foi ampliada até se tornar uma pirâmide,com a câmara mortuária sob o centro. A planta baixa mostra a astúciados ladrões de túmulos posteriores, que criaram um túnel pararesgatar o tesouro enterrado com Djoser.

Altar

Templo funerárioPirâmideEntr ada Salão process ional Pátio Heb-Se d0 100 m

0 300 ft

m050

tf 0510

A Entrada originalB Segunda entradaC Entrada dos ladrões

* Câmaras azuis

 

B

B

C

C

C

 

 1. 2 1

Blocos de pedra

Grande Pátio

A

B

B

C

C

C

*

*

*

*

A

As primeiras pirâmides À medida que o ritual religioso prescrito pelos sacerdotesevoluiu e começou a dar mais importância ao faraó, a mas-taba foi ampliada proporcionalmente, resultando na pro-dução da pirâmide. Após a morte, o faraó acompanhava odeus-sol em sua jornada diária pelo céu; por isso, precisavaser impulsionado para cima. A pirâmide – inicialmente umaforma escalonada e verticalizada como o zigurate, cujo pico

recebia os primeiros raios de luz da manhã – era o emble-ma do deus-sol adorado em Heliópolis. Sua forma tambémfaz referência simbólica ao renascimento anual da natureza,uma vez que, quando as águas baixam, os primeiros sinaisde vegetação aparecem em pequenos outeiros. Assim, a for-ma escalonada da pirâmide e, a partir de certo momento,a pirâmide propriamente dita, representava o renascimentotanto diário como anual ao longo de toda a eternidade.

 Atribui-se a Imhotep, arquiteto da Terceira Dinastia, oprojeto da primeira pirâmide para o complexo funerário dofaraó Djoser (2630–2611 a.C.), em Saqqara, nos subúrbiosde Mênfis (Figura 1.21). Esta também foi a primeira constru-ção monumental em pedra no Egito – o que não é pouco

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44  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

para uma tradição que perdurou por 4.600 anos. A plantabaixa do complexo tem a forma de um grande retângulo, co-bre 14 hectares e é cercada por uma muralha com 10 metrosde altura e 1.600 metros de extensão (Figuras 1.22 a, b). Háapenas uma entrada, uma pequena porta na quina sudesteque leva a um estreito salão processional com colunatas. Nofinal do salão fica o acesso ao pátio principal, dominado pelapirâmide escalonada de Djoser, que se eleva 60 metros acimade sua base de 121 × 109 metros. Inicialmente uma mastaba,a pirâmide foi construída em várias etapas até chegar à suaforma atual – um volume que sobe em seis níveis. O exteriorda pirâmide foi revestido com blocos de arenito desbasta-dos, enquanto os pátios e edificações adjacentes parecem serrepresentações do palácio terrestre de Djoser em Mênfis, re-construído ali para durar pela eternidade. A aparência e os de-talhes típicos dos materiais originais foram reproduzidos napedra: pilares em forma de feixe de junco ou caule de papiro,tetos de toras de madeira e até uma dobradiça de pedra parauma porta, também de pedra, completamente imóvel. Ao

norte da pirâmide fica o templo funerário onde foi realizadoo ritual anterior ao enterro. Uma estátua de Djoser olhandopara fora repousa em uma câmara pequena; uma pequenaabertura na parede, em frente aos olhos de pedra da estátua, éo único acesso ao mundo exterior.

O complexo de Djoser inclui áreas para a prática de ri-

tuais que hoje não são bem entendidos, mas que, aparen-temente, eram símbolos importantes do vínculo entre o Alto e o Baixo Egito. O grande pátio era o cenário da corridaHeb-Sed, da qual o faraó participava anualmente para garan-tir a fertilidade dos campos. O percurso consistia de quatrocircuitos do pátio em cada direção – no sentido horário parauma metade do reino, e no sentido anti-horário para a outra.Djoser tinha duas câmaras mortuárias que representavam seupoder e sua paternidade em relação ao Alto e ao Baixo Egito.Uma câmara, localizada abaixo da pirâmide, continha suamúmia em um ataúde de alabastro. O acesso era bloqueadopor um tampão de pedra com 1,8 metro de diâmetro e pesa-

 va seis toneladas; essa proteção se mostrou inadequada, pois

os ladrões encontraram uma maneira de entrar no túmuloainda na antiguidade. Em 1928, escavadores descobriram asegunda câmara, no lado sul da muralha. Embora tambémtivesse sido saqueada, ela continha, originalmente, os órgãosinternos do faraó embalsamados, simbolizando sua fertili-dade e a proteção do Baixo Egito. Os ladrões de túmulo nãoroubaram a bela faiança azul que decorava as paredes – eque hoje são tudo o que resta do interior. Esses azulejos estãoassentados em faixas de pedra horizontais e verticais, repre-sentando uma trama de junco entre as peças de madeira ane-

 xadas a suportes maiores, também de madeira. Uma paredetraz um baixo relevo representando Djoser enquanto corria aHeb-Sed. Usando a coroa branca do Alto Egito, o faraó foi re-

tratado na maneira típica da arte egípcia, com cabeça, pernase pés em perfil, e o torso virado para frente. Nesta obra emparticular, os artistas egípcios capturaram as característicasessenciais do corpo humano com bastante exatidão, aindaque a pose não seja “realista” ou natural.

Desde seu surgimento em Saqqara, a evolução daquiloque hoje consideramos a “verdadeira” pirâmide passou porpelo menos três grandes projetos antes de chegar ao augenos túmulos da Quarta Dinastia, em Gisé, nos subúrbiosde Cairo (Figura 1.23). Essas três pirâmides foram cons-truídas ou modificadas por Sneferu (2575–2551 a.C.), umdos primeiros faraós da Quarta Dinastia, que continuou aser cultuado por mais de dois mil anos após sua morte. Em

Meidum, dez quilômetros ao sul de Saqqara, Sneferu acres-centou uma camada externa à pirâmide que talvez tenhasido iniciada por Huni, o último faraó da Terceira Dinastia.Ela começou com um núcleo escalonado de sete patamares,transformado-se em uma pirâmide verdadeira após a adi-ção de duas edificações sobrepostas. Há evidências de queas partes superiores da obra entraram em colapso durante ainstalação do terceiro e último revestimento de calcário, jáque a alvenaria de pedra não tinha suporte suficiente, consi-derando o ângulo relativamente íngreme da inclinação (51°50’ 35”). Se tivesse sido concluída como planejado, a pirâ-mide chegaria a quase 92 metros de altura. O resultado, como núcleo escalonado se elevando acima do pedregulho, re-

Dahshur: Pirâmide Norte de Sneferu

(“pirâmide vermelha”)

Gisé: Pirâmide de Khufu (ou Quéops)

Gisé: P irâmide de Khafre (ou Quéfren) Gisé: P irâmide de Menkaure (ou Miquer inos)

E

W

N

N

N

N

N N

0 100 m

0 300 ft

Meidum: Pirâmide de Sneferu (“pirâmide cebola”)Saqqara: Pirâmide Escalonada de Djoser

Dahshur: Pirâmide Sul de Sneferu (“pirâmide torta”)

1.23 Cortes das pirâmides de Saqqara, Meidum, Dahshur e Gisé, Egito, cercade 2550–2460 a.C.

Estes desenhos indicam os tamanhos relativos das maiores pirâmides dasTerceira e Quarta Dinastias. A de Quéops permanece como a maior pilhade pedras da história, e, entre as pirâmides, também possui o arranjo maiscomplexo de passagens e câmaras internas.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 45

cebeu o apelido de pirâmide “cebola”. O acesso se dava porum corredor descendente que abria no lado norte, indo parabaixo do solo e, então, se elevando por uma pequena distân-cia até a câmara mortuária no centro da base da pirâmide. Aconstrução com fiadas de pedras em balanço na abóbada dacâmara marca o início do uso, pelos egípcios, dessa técnicaem pedra, embora já a tivessem feito em tijolo.

O colapso da pirâmide de Meidum afetou outra pirâ-mide, de Sneferu, que estava sendo construída na mesmaépoca em Dahshur, aproximadamente 45 km ao sul. Ali,a estrutura parcialmente acabada foi transformada paracriar a chamada pirâmide “torta”, que começou com umabase quadrada com 187,7 metros de lado e laterais incli-nadas em 54° 27’ 44”. Ao observar o colapso em Meidum,os construtores de Dahshur decidiram mudar para um ân-gulo de inclinação menor (41° 22’) quando a pirâmide jáestava pela metade. Alcançando uma altura total de 104,85metros, a pirâmide torta ganhou mais estabilidade devidoàs suas resistentes fundações e núcleo de calcário, grandes

blocos de revestimento de pedra levemente inclinados parao centro e ângulo de inclinação reduzido. Essas característi-cas de projeto para estabilização foram incorporadas desdeo início na terceira pirâmide de Sneferu, a pirâmide nor-te ou “vermelha”, também em Dahshur. (O nome derivada oxidação do calcário usado em seu núcleo, que ficouexposto depois que ladrões de pedra removeram o revesti-mento de calcário branco.) Com uma base quadrada com220 metros de lado, a pirâmide norte se eleva a um ânguloconstante de 43° 22’, chegando a 104,8 metros acima dosolo. Seu perfil, portanto, é relativamente baixo – um teste-munho da postura conservadora de seus projetistas.

As pirâmides da quarta dinastia em Gisé As três grandes pirâmides de Gisé (2550–2460 a.C.) sãoobra dos descendentes de Sneferu, os faraós da Quarta Di-nastia conhecidos como Khufu, Khafre e Menkauré (ouQuéops, Quéfren e Miquerinos, na transliteração para ogrego) (Figuras 1.24–1.25). A maior pirâmide, a de Qué-

ops, que reinou em 2551–2528 a.C., foi construída primei-ro e planejada desde o início para ser uma pirâmide verda-deira, com proporções sem precedentes. A base de 230,1 × 230,1 metros ocupa 52.600 m²; e suas laterais se elevam aum ângulo de 51° 50’ 40” até chegar a uma altura de 146,6metros. A maior parte da construção é de calcário, emboraa grande câmara do faraó, no centro, seja de granito. Emtermos de dimensões, nada construído em pedra, seja antesou depois, se iguala à Grande Pirâmide de Quéops.

No entanto, a pirâmide de Quéops não é completa-mente maciça. Três câmaras mortuárias foram construídasem seu interior – uma escavada diretamente no leito depedra das fundações e as outras duas construídas à medida

que a montanha de pedra foi edificada. Antes se pensavaque essas duas câmaras mortuárias representavam mu-danças feitas no projeto enquanto a obra progredia, mashoje elas são interpretadas como acomodações propositais.

 Acredita-se que a câmara inferior, com acabamento maisrústico, representa o além. A câmara do meio – chamadade Câmara da Rainha – provavelmente continha uma está-tua colossal de Quéops e servia como sua câmara do espíri-to, ou serdab. A do topo – a Câmara do Faraó – construídacom um belo granito vermelho, contém um sarcófago degranito dentro do qual Quéops foi efetivamente enterrado.Para transferir o peso tremendo da pirâmide sobre o tetoda Câmara do Faraó, 11 pares de vigas de granito foramassentados formando um teto com duas faces (ou em sela),elevando-se para dentro do volume da pirâmide, acima dacâmara. Cinco conjuntos gigantescos de lajes de granitohorizontais formam câmaras de alívio sobrepostas entre a

1.24 Pirâmides, Gisé, Egito, cerca de 2550–2460 a.C.

A pirâmide de Quéops é a que fica mais ao fundo, à direita da pirâmide deQuéfren (distinta pelos vestígios de pedras de revestimento externo no topo).Em frente à pirâmide de Quéfren fica a de Miquerinos; as três pirâmides muitomenores do primeiro plano pertenciam às rainhas de Miquerinos.

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46  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

cobertura em sela e o teto plano da cripta, o que reduz opeso e a pressão verticais. A galeria com pedras em balan-

ços sucessivos que leva a essa câmara é outra maravilha daconstrução, pois, ao se elevar a quase oito metros de altura,cria um contraste esplêndido com a passagem ascendentede 1,20 metro de altura conectada a ela.

 As Câmaras do Faraó e da Rainha contêm pares de pe-quenas aberturas viradas para cima, atravessando o volumeda pirâmide, que podem ter sido criadas para permitir a

 ventilação. Sua orientação específica sugere uma conexãocom a estrela polar (ao norte) e Órion (ao sul), embora afunção e o significado simbólico exatos dessas aberturas de

 ventilação permaneçam um mistério. A próxima na sequência de construção (e apenas le-

 vemente menor no tamanho) é a pirâmide de Quéfren, o

filho de Quéops que reinou entre 2520 e 2494 a.C. Esta pi-râmide tem base quadrada com 215 metros de largura e seeleva a um ângulo de 53° 20’, chegando a uma altura totalde 143,5 metros. Em muitas fotografias das pirâmides deGisé, ela parece ser a mais alta das três, mas somente por-que foi construída em uma parte mais elevada do terreno,em comparação com a de Quéops. O monumento de Qué-fren é facilmente identificado pelo fragmento substancialde revestimento original de calcário que ainda existe emseu cume. No interior, há apenas uma câmara mortuária nocentro da pirâmide, na altura da base. Uma passagem nolado norte leva ao recinto, que – como as câmaras mortuá-rias de todas as pirâmides – foi saqueado há muito tempo.

 A menor das três grandes pirâmides de Gisé pertenceua Miquerinos, filho de Quéfren, que reinou entre 2490 e

2472 a.C. Contendo menos de um décimo da quantidadede pedra usada na pirâmide de Quéops, o túmulo de Mi-querinos parece ter sido construído às pressas e com menoscuidado que os de seus antecessores. Sabe-se que não foiconcluído antes da morte do faraó. Suas dimensões – 102 ×

104 metros de base, inclinação de 51° 20’ 25” e 65 metrosde altura – seguem as proporções estabelecidas pelos túmu-los vizinhos. O sucessor de Miquerinos, Shepseskaf, últimofaraó da Quarta Dinastia, optou por não ser enterrado emuma pirâmide e, embora elas continuassem a ser construí-das pelos governantes seguintes, nenhuma conseguiu supe-rar o trio de Gisé em termos de qualidade e escala.

 Associados a cada pirâmide estavam templos de apoio,

que hoje são apenas ruínas. Ao longo do Nilo havia o cha-mado Templo do Vale ou Templo Inferior, onde o barcoque trazia o corpo do faraó atracava para desembarcar suacarga real. É possível que o processo de mumificação fosserealizado ali, ainda que as evidências não sejam claras aesse respeito. Uma passagem conectava o templo do valeao templo superior, ou templo mortuário, na base da pirâ-mide propriamente dita. Ali, o cadáver passava pelo ritualfinal de purificação antes do sepultamento.

Dentre os templos do vale em Gisé, o de Quéfren perma-nece no melhor estado de conservação. Com uma base pra-ticamente quadrada e paredes grossas de calcário revestidasem granito vermelho, seu salão central tem a forma de um T

Mastabas

Pirâmide de Quéops (Khufu)

Passagem que levaao templo do vale

Templo mortuário

Pirâmide de Quéfren (Khafre)

Pirâmide de Miquerinos (Menkauré)

Esfinge

m0050

tf 00510

Pirâmides pequenas para as rainhas de Miquerinos

Templo do Vale com passagem

até o templo mortuário

        1  .        2       4

1 .2 6 

1.25 Implantação das pirâmides, Gisé, Egito, cerca de 2550–2460 a.C.

A pirâmide de Quéops, em especial, possui um grande número de túmuloscomplementares localizados a oeste, incluindo pirâmides e mastabas menorespara membros da corte. Esta pirâmide possui o templo do vale e a passagemmais bem preservados. Observe a posição da Esfinge, ao norte da passagemque leva à pirâmide de Quéfren.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 47

invertido. Pilares de granito vermelho sustentavam uma co-bertura com clerestório; as janelas foram distribuídas paraque a luz do sol iluminasse as 23 estátuas do faraó dispostasao longo das paredes. Depósitos pequenos, em dois níveis,estendiam-se para dentro das paredes maciças. Atualmente,o templo se encontra sem cobertura e sem seu revestimento

externo de pedra ao lado da Esfinge, um leão com cabeça dehomem com 57 metros de comprimento e 20 metros de altu-ra, talhado in loco em uma saliência rochosa natural (Figura1.26). (Por muito tempo se acreditou que a cabeça da Esfingeseria um retrato de Quéfren, mas isso nunca foi comprovado.Especulações recentes de que a Esfinge seria significativamen-te mais antiga que as pirâmides não são aceitas pela maioriados egiptólogos.) O templo mortuário de Quéfren, na baseda pirâmide, está conectado ao templo do vale por uma pas-sagem construída em um ângulo oblíquo ao rio. A plantabaixa da pirâmide é retangular, com uma série de espaçosinternos distribuídos axialmente. É provável que a estruturade calcário tenha sido revestida de um material mais fino, e

que o piso fosse de alabastro. No centro do templo fica umgrande pátio interno cercado por enormes pilares; em frentea ele, havia 12 estátuas grandes do faraó.

Há muito tempo, as pirâmides – especialmente os exem-plares impressionantes de Gisé – têm levado a duas pergun-tas: como foi possível que povos antigos, trabalhando comtecnologias simples, construíssem estruturas tão grandes? Epor que as teriam construído? A resposta à primeira perguntapode ser presumida razoavelmente, embora continue sendouma área de estudo. Ainda que não tivessem materiais maisresistentes que o cobre e não usassem a roda no transporte,os egípcios não eram primitivos. Seu conhecimento de topo-grafia – necessário para a remarcação dos limites das planta-

ções após a inundação anual – ajudou-os a traçar a base daspirâmides com exatidão, e também a orientar a planta baixaquadrada de acordo com os pontos cardeais. A pirâmide deQuéops tem um desvio de apenas 5 1/2 minutos de arco emrelação ao norte; seu ápice está apenas 30 cm deslocado emrelação ao centro da base; e há somente um erro de 20 cmna extensão de um dos lados da base. A ausência de veículoscom rodas não era um problema sério, pois grande parte dotransporte provavelmente era feita pela água ou pela areia,onde as rodas não teriam vantagens reais sobre os barcos etrenós que de fato foram usados. A extração das pedras erafeita com serras de metal, no caso dos calcários e arenitos,mais macios, ou com esferas de rocha muito duras (doleri-

tas), golpeadas repetidamente ao longo de linhas nas pedrasmais resistentes, como o granito. O acabamento de pedrasafeiçoadas podia ser feito com martelos, cinzéis e machadosde pedra, bem como lixas ou mós. Independentemente dométodo, o trabalho nas pedreiras era tedioso, e, provavel-mente, ficava a cargo de prisioneiros ou trabalhadores re-crutados à força. As pedras mais refinadas e o granito eramtrazidos de locais mais distantes.

 As pirâmides eram construídas, provavelmente, por gran-des equipes de trabalhadores durante a época das inunda-ções, quando era impossível trabalhar nos campos. Os mús-culos humanos forneciam a força necessária para transportaros blocos até o local. O estudo de pirâmides em ruínas ou

inacabadas revelou que não havia apenas um método deconstrução; ainda menos se sabe sobre os monumentos maiscompletos – o trio de Gisé – porque seus interiores não po-dem ser investigados em detalhes. Em alguns casos, rampaseram montadas paralelamente à crescente montanha de alve-naria para criar um plano inclinado que permitisse arrastar aspedras em trenós. Também é possível que o núcleo escalona-do ascendente das pirâmides de Gisé tenha servido como es-

cada para os trabalhadores que puxavam e usavam alavancaspara elevar os blocos até os níveis superiores, uma vez que aquantidade de material necessária para a construção de ram-pas adicionais nessas edificações enormes, bem como a difi-culdade de se deslocar os blocos de pedra pelas quinas, teriaimpossibilitado o uso de planos inclinados. Embora o nú-mero de homens e o tempo necessário para se concluir umadas grandes pirâmides ainda sejam assunto para discussão, acapacidade egípcia de organizar trabalhadores e pedreiros emcampanhas sazonais de construção é um fato – e também umtestemunho da habilidade de seus engenheiros.

O motivo por trás da construção das pirâmides tem ins-pirado tanto pesquisas sérias como bobagens especulativas.

Já surgiram teorias que vão desde a definição de medidas-pa-drão a partir do corpo humano (como ocorreu com as uni-dades inglesas) até previsões apocalípticas do fim do mun-do, para explicar a configuração dimensional da pirâmide deQuéops; os egiptólogos, porém, estão convencidos de queas pirâmides eram, acima de tudo, tumbas para os faraós. Omotivo que levaria as pessoas a dedicar tanto esforço a pro-jetos que poderiam ser considerados praticamente inúteissó pode ser compreendido dentro do contexto da visão demundo egípcia. Talvez nenhuma sociedade, antes ou depoisda egípcia, tenha investido tanto tempo e energia para ga-rantir a vida após a morte de seus personagens mais ilustres.Praticamente toda a arte e a arquitetura egípcias eram muito

1.26 Pirâmide de Quéfren e Esfinge, Gisé, Egito, cerca de 2550–2460 a.C.Os resquícios da entrada do vale do tempo de Quéfren podem ser vistos àesquerda.

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48  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

práticas, buscando auxiliar na passagem deste mundo parao próximo e garantir o conforto e uma vida agradável após a

chegada. Ainda que os maiores esforços tenham sido despen-didos para preparar a pós-vida do faraó, todos os egípciostinham sua visão pessoal da vida eterna; por isso, estavaminteressados na criação de uma arquitetura voltada à morte eao renascimento, desde os modestos túmulos dos pobres atéas edificações monumentais de seus soberanos.

O Reino Médio (11ª a 13ª dinastias, cerca de 2040–1640 a.C.) As primeiras oito dinastias egípcias deram lugar a um pe-ríodo de grande instabilidade social, quando senhores feu-dais começaram a ameaçar a unidade obtida por Menes.Esta era de discórdia inter-regional foi chamada de PrimeiroPeríodo Intermediário, seguida por uma segunda fase de go-

 verno centralizado, conhecida como Reino Médio. Duranteeste período, a capital do reino foi transferida de Mênfis para

 Tebas, ao passo que o faraó deixou de ser um soberano abso-luto e divino, como na tradição do Reino Antigo, para ocupar

o lugar de senhor feudal com vassalos locais. As tumbas reaisainda tinham grande importância para a arquitetura, mas, emgeral, não duraram nem intimidaram os ladrões de túmulos.

O túmulo de Mentuhotep II, em Deir-el-Bahari (cercade 2061–2010 a.C.) é uma obra excepcional em termos deinovação de arquitetura, unindo o templo e a câmara mor-tuária em uma única composição. O complexo, ao qual sechegava por uma rota axial que vinha do Nilo, tinha doisníveis de terraços com colunatas cercando uma massa dealvenaria que, por muito tempo, acreditou-se ter sido umapirâmide, mas, atualmente, é interpretada como um salãocom cobertura plana. (Hoje a edificação está em ruínas, en-tão não se pode ter certeza em relação ao projeto original. A

probabilidade de um salão com cobertura plana se baseiano fato de que as fundações não são suficientes para susten-tar uma pirâmide, ainda que pequena.) O eixo central passapor camadas de pilares de seção quadrada, o salão com co-bertura plana, um pátio interno e uma floresta de colunas,chegando, enfim, à câmara mortuária propriamente dita,que foi escavada no rochedo. Os dois níveis de pilares vistoslogo na chegada são ressaltados pelo contraste de seus fus-tes iluminados pela luz do sol com os espaços sombreadosatrás, sendo precursores dos templos gregos cercados por co-lunatas. O túmulo de Mentuhotep serviria como protótipopara o complexo funerário contíguo, mais elaborado, quefoi construído por Hatshepsut, rainha-faraó do Novo Reino.

m020

tf 060

1.28 Planta baixa e corte de túmulos talhados na rocha, Beni-Hasan, Egito,cerca de 2000–1900 a.C.

Mesmo ao trabalhar com rochas amorfas, os construtores optaram por replicargeometrias retangulares e escavar detalhes que refletissem a construçãode madeira e junco preenchida de barro (pau a pique) que, sem dúvida,

caracterizava as casas da época. O desenho inferior corresponde ao corte.

1.27 Reconstrução e planta baixa do templo mortuário de Mentuhotep,Deir-el-Bahari, Egito, cerca de 2061–2010 a.C.

Este templo do Reino Médio representa uma síntese interessante de temploaxial, salão hipostilo e câmara mortuária. Suas rampas e terraços escalonadosseriam refletidos no templo de Hatshepsut, no Novo Reino, construído cercade 400 anos depois em um terreno contíguo.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 49

Os túmulos mais característicos do Reino Médio são osde Beni Hasan, que foram escavados no rochedo e dotadosde pórticos de entrada (Figura 1.28). Refletindo a impor-tância política de seus construtores, esses túmulos foramconstruídos para nobres menos importantes e oficiais dacorte, que, evidentemente, gozavam de influência e riquezaconsideráveis. Os elementos de arquitetura, em sua maio-ria, foram criados pela escavação no rochedo maciço, e osconstrutores replicaram espaços e detalhes associados àscasas comuns, isto é, estruturas de trama de madeira e jun-co com barro (pau a pique) e coberturas levemente arquea-das compostas por uma trama de galhos.

O Novo Reino (18ª a 20ª dinastias, cerca de 1550–1070 a.C.)O Reino Médio terminou com a chegada dos hyksos,reis-pastores que talvez tenham vindo da Ásia. Sejam quaisforem suas origens, eles foram os primeiros a invadir comsucesso o Egito após séculos e governaram por aproxima-damente 100 anos, durante o chamado Segundo PeríodoIntermediário. Introduziram a metalurgia, a biga para duaspessoas, novas divindades e outras armas na cultura egíp-cia, mas seu domínio não resultou em inovações artísticasduradouras. Com a expulsão dos hyksos teve início o NovoReino, caracterizado por uma linha dinástica de faraósmais forte e um clero hereditário cada vez mais poderoso,

responsáveis por levar o Egito a grandes avanços nas arenaspolítica e cultural.

 A Décima Oitava Dinastia, a primeira do Novo Rei-no, deu continuidade à tradição do Reino Médio de es-cavar túmulos na rocha, mas foi mais longe ao eliminartodas as sugestões de monumentalismo. Não escapara àatenção de ninguém o fato de que todas as tumbas di-násticas tinham sido violadas por ladrões de túmulos. Éprovável que as pirâmides de Gisé tenham sido saqueadasjá durante o Primeiro Período Intermediário. Para preser- var os restos mortais do faraó e desencorajar os saques,os construtores da Décima Oitava Dinastia apostaram nadiscrição e no melhor policiamento da necrópole real. Osfaraós do Novo Reino foram sepultados secretamente noinóspito deserto além de Dier-el-Bahari, em uma regiãoconhecida como Vale dos Reis, onde câmaras muito mo-destas foram talhadas contra os penhascos e suas entra-das ocultadas pela poeira e pela areia. A atenção espiritual

1.29 Templo mortuário da Rainha-Faraó Hatshepsut, Deir-el-Bahari, Egito,cerca de 1473–1458 a.C.

Na época, este grande templo – com terraços cobertos com vegetaçãoe elegantes colunatas talhadas diretamente na rocha e emolduradas pelaface do penhasco – deve ter sido um oásis de paz na paisagem seca, umahomenagem adequada ao reinado pacífico de Hatshepsut, uma das rarasmulheres a governar na antiguidade.

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50  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

com os falecidos era dada em templos cada vez mais ela-borados, edificados separadamente.

Entre os templos mais esplêndidos da Décima OitavaDinastia destaca-se o complexo funerário da Rainha-FaraóHatshepsut (1473–1458 a.C.), em Deir-el-Bahari (Figura1.29), famoso tanto pela arquitetura como pelo fato de serdedicado a uma mulher. A sucessão ao trono passava pelalinha feminina, mas o faraó era quase sempre um homem.Hatshepsut era filha de Thutmose I e se casou com seumeio-irmão, que veio a ser o Faraó Thutmose II. Ela o rele-gou a um papel secundário durante seu reinado e, após suamorte, governou independentemente – embora se procla-masse regente do filho de Thutmose II com uma concubina,

 Thutmose III. Seu favorito na corte era um plebeu, Senmut,que também foi responsável (talvez como arquiteto) porseu templo funerário. Hatshepsut foi enterrada do outrolado da cadeia de montanhas do Vale dos Faraós; por isso,o complexo de templos era uma capela mortuária dedica-da a Amon, o deus-sol associado aos faraós. Rampas leva-

 vam do vale a três grandes terraços definidos por colunatas,que também serviam como muros de arrimo para o nívelseguinte (Figura 1.30). Não resta dúvida de que o projetocomo um todo foi inspirado no templo vizinho de Men-tuhotep, embora o de Hatshepsut seja consideravelmentemaior e mais grandioso. Os pilares da colunata ao norte dosegundo terraço têm facetas que remetem às caneluras dascolunas dóricas posteriores (Figura 1.31). Os relevos e aspinturas murais no interior do santuário e no salão princi-pal retratam o nascimento divino de Hatshepsut como filhade Amon, bem como as atividades de seu reinado pacífi-co, incluindo expedições comerciais a Punt (possivelmentena costa da Somália) para buscar ouro, marfim, babuínos

e espécimes botânicos. A própria Hatshepsut é geralmenterepresentada como um homem e, por vezes, como o deusOsíris, usando o avental e a coroa de um faraó.

Embora hoje sejam inférteis e cobertos de areia, os terra-ços do templo de Hatshepsut apresentavam, durante a Déci-ma Oitava Dinastia, árvores de incenso plantadas em covascheias de terra, criando um jardim para as esplanadas de

 Amon. Tubos de irrigação subterrâneos forneciam água paraa sobrevivência das plantas, enquanto sacerdotes reveren-ciavam o deus à sombra das árvores. Todo o templo – des-de o acesso pela rampa axial até o fim da rota processionalem uma porta falsa pintada na parede do último santuárioescavado no rochedo – é uma espetacular obra híbrida de

arquitetura, inserida em uma paisagem espetacular que in-clui as faces escarpadas do penhasco. Ainda que Hatshepsuttenha reinado e morrido em paz, seus sucessores fizeram opossível para erradicar sua memória, apagando seu nomedas inscrições, quebrando quase todas as esculturas que arepresentavam e profanando o túmulo de Senmut.

Terraço

inferior

Terraçosuperior

Colunata superior

0 50 m

0 150 ft

   1 .   2  9

1.30 Vista e planta baixa do templo mortuário de Hatshepsut,Deir-el-Bahari, Egito, cerca de 1473–1458 a.C.

Para desmotivar os ladrões, os faraós do Novo Reino decidiram que seus

corpos seriam enterrados em túmulos disfarçados no Vale dos Reis (atrásdestes penhascos), onde os sacerdotes os protegeriam dos invasores.O túmulo de Mentuhotep, mais antigo, pode ser visto logo além domonumento a Hatshepsut.

1.31 Colunata superior (detalhe), templo mortuário de Hatshepsut,Deir-el-Bahari, Egito, cerca de 1473–1458 a.C.

Por trás dos pilares encontram-se colunas com caneluras, razão pela qual já foram chamadas protodóricas. Trata-se, com certeza, de evidências doprecedente egípcio que, nas mãos dos gregos, viria a se tornar parte dasordens da arquitetura.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 51

 Ao longo da Décima Oitava Dinastia, os complexosde templos construídos para homenagear deuses e faraósse tornaram mais amplos e elaborados, em parte pelo fatode Amon ter se transformado no principal deus “oficial”e pelo aumento do poder e da influência de seu clero. So-beranos sucessivos agregaram novas partes ou reformaramtemplos mais antigos, criando projetos cuja principal ca-racterística era a extrema opulência e não a coerência ou a

perfeição estética. O templo de Carnac, do outro lado doNilo em relação a Deir-el-Bahari, é um exemplo desse pro-cesso (Figura 1.32). Iniciado por volta de 1550 a.C., ele foiampliado por Thutmose I, enfeitado com obeliscos doadospor sua filha, Hatshepsut, e ampliado novamente com oacréscimo de um salão hipostilo para o festival do jubileu,construído por Thutmose III para sua própria glorificação.Mais um salão hipostilo – o maior de todos – foi cons-truído por Ramsés II.

Os salões hipostilos são recintos de tamanho con-siderável caracterizados por fileiras de grandes colunasdistribuídas muito perto umas das outras. O pequenointercolúnio era necessário para sustentar os lintéis de

pedra da cobertura, enquanto o grande diâmetro das co-lunas refletia a altura substancial dos cilindros de pedra.O efeito final era um interior pouco iluminado e que nãoparecia amplo. A luz do sol que entrava por pequenasaberturas verticais no clerestório com grelha de pedra erafiltrada pela fumaça do incenso e pelo volume superiordas colunas hipostilas, criando um ar de mistério, o efeitodesejado para os rituais religiosos (veja a página 28). Otemplo era a morada do deus, o qual os sacerdotes – en-tão um grupo poderoso e majoritariamente hereditário– abrigavam, vestiam e alimentavam. Diariamente, elesrealizavam ritos de purificação no lago sagrado que fica- va no interior do templo, vestiam a estátua da divindade

com belos trajes e faziam oferendas no ritual noturno. Também carregavam pequenas estátuas em procissões eexpunham outras ao sol, para que rejuvenescessem emfestivais específicos, como os que marcavam o início do Ano Novo. Portões de entrada de alvenaria monumentais,ou pilones (Figura 1.33), demarcavam as rotas processio-nais que representavam as montanhas do leste do Egito,através das quais emanava a luz divina do sol no início damanhã. Apesar de suas plantas baixas tortuosas e inúme-ros acréscimos, os templos do Novo Reino mantinhamespaços de circulação axiais para a passagem dos raiossolares e o deslocamento das procissões de sacerdotes (Fi-gura 1.34). Além de representar a entrada na qual o sol

1.32 Planta baixa do Grande Templo de Amon, Carnac, Egito, iniciado emcerca de 1550 a.C.

Este templo é mais notável por seu tamanho enorme do que por sua

coerência de arquitetura. Dedicado ao deus-sol Amon, cujo clero era muitopoderoso durante o Novo Reino, o templo manteve uma forte noção deeixos e procissões monumentais mesmo depois de todos os acréscimos.

Avenida de esfinges com

cabeça de carneiro

Pilone I

Templo de Ramsés III

Templo de Khonsu

Salão dos Festivais

de Amenophis II

Lago sagrado

Pilone IIPátio principal

Pilone III

Pilone IV

Templo de Ptah

Templo dos Festivais

de Thutmose III

Salão hipostilo

m052

tf 057

1  .3  4  

   p .   8

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52  A HISTÓRIA DA ARQUITETURA MUNDIAL

nascia diariamente, os pilones remetiam aos portões doalém, por onde o espírito eterno deveria passar.

Cinco gerações depois de Hatshepsut, o faraó Ameno-

phis IV (1353–1335 a.C.) provocou uma grande rupturacom a tradição religiosa do Egito ao rejeitar as várias di-

 vindades e instituir uma religião monoteísta devotada aodisco solar Aton. Mudando seu nome para Akhenaton, quesignifica “tudo vai bem com Aton”, Amenophis abando-nou a antiga capital em Tebas por volta de 1350 a.C. e esta-beleceu uma capital 480 km ao norte, em Akhetaton (atual

 Tell-el-Amarna). Com base nas escavações incompletas desuas ruínas, acredita-se que Akhetaton era uma cidade li-near com quase 11 km de extensão, limitada a oeste peloNilo e a leste pelas montanhas, sem um planejamento ur-bano geral consistente. O transporte era facilitado pelo cur-so d’água, enquanto um rio conectava as diferentes áreas

1.33 Portão do tipo pilone, Templo de Eduf, Egito, 237–57 a.C.

Embora seja do período ptolomaico, depois da conquista do Egito porAlexandre, o Grande, este pilone é semelhante ao de Carnac em termos deforma e finalidade. Esses portais monumentais marcavam o maior significadosagrado do espaço no qual se ingressaria. Originalmente, as quatro fendasverticais possuíam obeliscos.

1.34 Pátio principal, Grande Templo de Amon, Carnac, Egito, iniciado emcerca de 1550 a.C.

Os pilares gigantescos e as estátuas colossais de Ramsés II definem o percursoaxial que leva ao segundo pilone, construído por Sethos (1306–1290 a.C.). Maisalém fica o salão hipostilo ilustrado na página 28.

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CAPÍTULO 1 OS PRIMÓRDIOS DA ARQUITETURA 53

residenciais (Figura 1.35). Os templos tinham altares nospátios, sem áreas separadas para a classe de sacerdotes. Ascasas dos ricos eram confortáveis, protegidas do exteriorpor muros e tinham cômodos agrupados ao redor de pá-tios internos, onde floresciam jardins com árvores. Espes-sas paredes de adobe amenizavam os extremos de calor efrio. A cidade não era cercada por muralhas, mas postos deguarda independentes forneciam proteção.

CONCLUSÕES SOBRE AS IDEIASDE ARQUITETURANo decorrer deste capítulo, você acompanhou o surgi-mento de ideias de arquitetura fundamentais que serãoretomadas durante todas as épocas e locais descritos nestelivro. Essas ideias se relacionam com questões como de-marcação do espaço, orientação, movimento sequencial earticulação de superfícies. Um sítio como Newgrange, porexemplo, engloba todas elas, pois marca um ponto signi-ficativo, está alinhado com os eventos cósmicos, envolve

f

e inclui a ornamentação. Os zigurates e complexos de pi-râmides exploravam áreas abertas onde o horizonte erainevitável. Primeiro as pirâmides escalonadas e, depois,as ditas pirâmides verdadeiras, se tornaram marcos verti-cais artificiais no horizonte natural; no Egito, as pirâmidesacabaram sendo suplantadas pelos obeliscos, na função demarcos verticais. Nos ambientes tanto de zigurates comode pirâmides, os participantes se moviam ao longo de umeixo e rumo a um marco, enquanto elementos de arquite-

tura como portais geravam um ritmo e marcavam mudan-ças na significação espacial. Os princípios permaneceramos mesmos nos complexos funerários do Reino Médio edo Novo Reino, nos quais pilares gigantescos surgiramcomo componentes de arquitetura de interiores. Enquantoas pirâmides apresentavam um revestimento externo mo-nolítico, as superfícies dos zigurates eram articuladas porfaixas de tijolo e esmaltes policromáticos. Nos complexosfunerários de Mentuhotep e Hatshepsut, a articulação dasparedes chegou ao nível de protocolunas; as colunas, porsua vez, serão os principais elementos da linguagem da ar-quitetura clássica dos antigos gregos e romanos, discutidos

1.35 Planta baixa da seção central, Akhetaton (Tell-el-Amarna), Egito, cercade 1350 a.C.

Esta foi a nova capital do faraó Akhenaton, localizada longe dos centrosreligiosos tradicionais, em uma tentativa de pôr um fim ao longo poder doclero egípcio. Ritos para o disco solar Aton eram celebrados nos templos, quecontinham grandes pátios abertos iluminados diretamente pelos benéficosraios do sol.

m0050

tf 00510

Grande Templo

Casa do Faraó

Grande Palácio

Templo Pequeno