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3 1. INTRODUÇÃO A classe Cephalopoda compreende cerca de 700 espécies, distribuídas em 140 gêneros e 45 famílias (Sweeney e Roper, 1998). À exceção das espécies da sublcasse Nautiloidea, os cefalópodes contemporâneos pertencem à subclasse Coleioidea, que se caracteriza por possuir concha interna ou ausente, um único par de brânquias, 8 a 10 apêndices circumorais, saco de tinta e grandes “cérebros” e olhos (Roper et al., 1984, Hanlon e Messenger, 1996). Quatro ordens contêm a maior parte das espécies de Coleiodea: Sepiolida, Sepiida, Teuthida e Octopodida, ocorrendo em todos os ambientes marinhos, desde poças-de-maré até ambientes próximos a fontes hidrotermais de grande profundidade (Nesis, 1987). Na ordem Octopodida, destaca-se a o gênero Octopus (Família Octopodidae) que, com 112 espécies descritas atualmente e distribuídas principalmente em águas rasas tropicais, é o gênero mais importante e estudado dessa ordem (Voight, 1998; Voss e Toll, 1998). Várias dessas espécies fazem parte de pescarias importantes no Atlântico Norte (Whitaker et al., 1991), Mediterrâneo (Sáchez e Obarti, 1993; Quetglas et al., 1998), Pacífico (Defeo e Castilla, 1998), Atlântico Central (Hernández-Garcia et al., 1998) e costa Africana (Caddy, 1983; Amaratunga, 1987). O mesmo não ocorre no Atlântico Sul Ocidental onde a pesca de octópodes se encontra ainda pouco desenvolvida, sendo em geral do tipo artesanal ou fazendo parte de capturas incidentais na pesca de arrasto (Haimovici e Andriguetto, 1986; Costa e Haimovici, 1990; Ré, 1998). Além do valor econômico, os polvos podem ser elos importantes em diversos ecossistemas, onde geralmente têm o papel tanto de predadores oportunistas, com uma

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1. INTRODUÇÃO

A classe Cephalopoda compreende cerca de 700 espécies, distribuídas em 140

gêneros e 45 famílias (Sweeney e Roper, 1998). À exceção das espécies da sublcasse

Nautiloidea, os cefalópodes contemporâneos pertencem à subclasse Coleioidea, que se

caracteriza por possuir concha interna ou ausente, um único par de brânquias, 8 a 10

apêndices circumorais, saco de tinta e grandes “cérebros” e olhos (Roper et al., 1984,

Hanlon e Messenger, 1996). Quatro ordens contêm a maior parte das espécies de

Coleiodea: Sepiolida, Sepiida, Teuthida e Octopodida, ocorrendo em todos os ambientes

marinhos, desde poças-de-maré até ambientes próximos a fontes hidrotermais de grande

profundidade (Nesis, 1987).

Na ordem Octopodida, destaca-se a o gênero Octopus (Família Octopodidae) que,

com 112 espécies descritas atualmente e distribuídas principalmente em águas rasas

tropicais, é o gênero mais importante e estudado dessa ordem (Voight, 1998; Voss e

Toll, 1998). Várias dessas espécies fazem parte de pescarias importantes no Atlântico

Norte (Whitaker et al., 1991), Mediterrâneo (Sáchez e Obarti, 1993; Quetglas et al.,

1998), Pacífico (Defeo e Castilla, 1998), Atlântico Central (Hernández-Garcia et al.,

1998) e costa Africana (Caddy, 1983; Amaratunga, 1987). O mesmo não ocorre no

Atlântico Sul Ocidental onde a pesca de octópodes se encontra ainda pouco

desenvolvida, sendo em geral do tipo artesanal ou fazendo parte de capturas incidentais

na pesca de arrasto (Haimovici e Andriguetto, 1986; Costa e Haimovici, 1990; Ré,

1998).

Além do valor econômico, os polvos podem ser elos importantes em diversos

ecossistemas, onde geralmente têm o papel tanto de predadores oportunistas, com uma

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dieta bastante variável, como de presas de peixes (moréias em especial), aves,

mamíferos marinhos e outros cefalópodes (Mather e O’Dor, 1991; Mather, 1993;

Hanlon e Messenger, 1996).

Nos últimos anos, têm sido realizados trabalhos em várias partes do mundo com o

intuito de elucidar as lacunas existentes na sistemática dos octópodes (Villanueva et al,.

1991; Stranks, 1996; Mangold, 1998; Voss e Toll, 1998; Guerra et al., 1999; O’Shea,

1999), sendo a fauna do Atlântico Sul ocidental a menos estudada (Voight, 1998). Os

primeiros registros da fauna de octópodes desta região foram baseados em exemplares

coletados durante expedições exploratórias dos séculos XIX e XX (Voss e Toll, 1998).

Em 1929, G.C. Robson concluiu a primeira revisão descritiva moderna dos Octopodidae

do Atlântico Oeste. Além de Robson, Pickford (1945, 1950), Voss (1953 e 1964),

Burgess (1966) e Palácio (1977) foram alguns dos pesquisadores que também

colaboraram no conhecimento taxonômico e sistemático de polvos da região.

Atualmente, Voss e Toll (1998) listam 33 espécies e subespécies da subfamília

Octopodinae para o Atlântico Ocidental, desde o Mar do Labrador até o Cape Horn,

incluindo as ilhas do Atlântico Sul. Segundo Voight (1998), existe grande possibilidade

de aumento desse número, uma vez que é citada a ocorrência de espécies similares em

áreas distantes das localidades de seus respectivos tipos, mascarando assim espécies

endêmicas de regiões mais restritas.

A sistemática da família Octopodidae oferece dificuldades devido à ausência de

partes duras e a alta variabilidade morfométrica e morfológica (Voight, 1991). Em

alguns casos, a separação de espécies se baseia em caracteres taxonômicos únicos de

difícil avaliação objetiva como, coloração predominante na espécie, e a potência do

veneno (Hapalochlaena, Roper e Hochberg, 1988), tamanho de ovo (O. bimaculatus x

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O. bimaculoides, Forsythe e Hanlon, 1988) e morfologia dos dispositivos sexuais dos

machos maduros, como hectocótilo e espermatóforo (Voss, 1964).

Apesar das dificuldades anteriormente citadas, as caracterizações e comparações

morfológicas, morfométricas e merísticas são de grande importância na descrição e

diferenciação de espécies e até subespécies (Augustyn e Grant, 1988; Barón, 2001),

podendo mostrar aspectos sobre habitat e modo de vida de diversos grupos de

cefalópodes (Hanlon e Messenger, 1996). Voight (1993, 1994) tem demonstrado a

importância das medidas anatômicas nos estudos de sistemática de polvos através de

sua utilização em análises multivariadas, cujos objetivos vão desde comparações da

morfologia das espécies até a associação desta com a distribuição geográfica e

batimétrica.

O bico e a rádula são as únicas estruturas rígidas encontradas na maioria dos

octópodes. Compostas por quitina, estas estruturas são bastante resistentes à digestão

mantendo formatos relativamente fixos e bem definidos, tornando-se assim uma das

grandes descobertas no estudo da taxonomia e sistemática de cefalópodes. (Clarke,

1986; Nixon, 1998; Santos, 1999). Em polvos a utilização dessas estruturas como

caracter sistemático ainda é restrita (Smale et al., 1993; Nixon, 1998; Ogden et

al.,1998) porém, há algumas décadas, vários trabalhos apresentam descrições detalhadas

do bico e da rádula de várias espécies de polvos com o intuito de auxiliar e melhorar a

caracterização e descrição dessas espécies (Robson, 1929; Burgness, 1966; Palacio,

1977).

Os padrões de cor e textura de pele, habitat e comportamento observados através

de mergulho autônomo ou livre no meio natural, e registrados a partir de anotações,

vídeos e fotografias submarinas, também são importantes na caracterização de espécies

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de octópodes, particularmente nas de águas rasas tropicais (Hanlon, 1988; Forsythe e

Hanlon, 1997; Mather, 1988; Mather e O’Dor, 1991; Norman, 1991).

O Projeto Cephalopoda vem desenvolvendo pesquisas no Arquipélago de

Fernando de Noronha, Reserva Biológica do Atol das Rocas e Arquipélago de São

Pedro e São Paulo, com o objetivo de aumentar o conhecimento a respeito dos

cefalópodes que ocorrem nessas regiões (Leite e Santos, 2000, Leite et al., 2002). Por

desenvolver-se em áreas de preservação ou em regiões de interesse econômico e

científico, o projeto conta com o apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente de

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Comissão Interministerial para Recursos do

Mar (CIRM - Marinha do Brasil), Administração de Fernando de Noronha,

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Fundação Universidade

Federal de Rio Grande (FURG), o que facilita o acesso e o progresso das pesquisas

nessas áreas oceânicas.

No Parque Nacional de Fernando de Noronha e na Reserva Biológica do Atol

das Rocas ocorrem polvos desde a zona intertidal até profundidades acima de 20 m,

existindo até uma pequena pesca de polvo para comercialização ao longo do ano em

Fernando de Noronha. A pesca, embora realizada de forma rudimentar, vem acarretando

alguns prejuízos à fauna, como o uso indevido de água sanitária para retirar o polvo de

suas tocas e a pesca em locais proibidos dentro da área do Parque (IBAMA/Noronha). O

Arquipélago de São Pedro e São Paulo é também importante devido a sua localização

que possibilita a coleta de polvos na porção mais afastada e isolada da costa leste do

Brasil.

A possibilidade de observação e coleta de octópodes em regiões oceânicas de

restrito acesso e o limitado conhecimento a respeito desses animais na costa nordeste do

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Brasil, incentivaram a realização do presente estudo no litoral do Rio Grande do Norte e

Pernambuco e nas ilhas oceânicas do Nordeste brasileiro (Arquipélago de Fernando de

Noronha/PE, Arquipélago de São Pedro e São Paulo, Reserva Biológica do Atol das

Rocas), com o objetivo de: (1) caracterizar a morfologia e a morfometria dos polvos

encontrados nessas regiões, (2) identificá-los taxonomicamente e (3) caracterizar

preliminarmente os aspectos ecológicos da espécie mais abundante do Arquipélago de

Fernando de Noronha e Arquipélago de São Pedro e São Paulo.

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2. ÁREA DE ESTUDO

A região Equatorial do Oceano Atlântico compreende a plataforma continental e

planície abissal do Norte do Ceará ao Sul de Pernambuco. Nesta área localiza-se a

Cadeia Norte do Brasil e a Cadeia de Fernando de Noronha,da qual também faz parte o

Atol das Rocas. Denominada de Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), esta região

é caracterizada por baixa pressão atmosférica, ventos fracos e alta precipitação, devido à

influência dos dois sistemas de alta pressão localizados nas regiões subtropicais dos

dois hemisférios, os anticiclones dos Açores ao norte e o de Santa Helena ao Sul

(Tchernia, 1980).

Na superfície oceânica predomina a Corrente Sul Equatorial (CSE), que flui sentido

leste-oeste entre 20o S e 2-3o N, com velocidade média de 1-3 km h-1 , temperatura entre

25 e 30o C e salinidade entre 34 e 36%o, estendendo-se até uma profundidade de 50 m

(Tchernia, 1980; Scheltema, 1986). Ao atingir o talude continental a CSE bifurca-se

formando a Corrente Norte do Brasil (CNB), que flui para noroeste e a Corrente do

Brasil (CB), que flui para o Sul. A partir de 50 m até em torno dos 200 m de

profundidade, flui a Contracorrente Equatorial no sentido oposto a CSE e com uma

velocidade de 2 km h-1 (Tchernia, 1980; Scheltema, 1986). A massa d’água onde foram

realizadas as coletas é identificada como Água Superficial do Equador (ASE) e

corresponde às águas de 0 a 150 m de profundidade, com temperatura média de 25o C,

salinidade de 35 a 36 %o (Tchernia, 1980).

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2.1. Litoral do Rio Grande do Norte e Pernambuco

O litoral do Rio Grande do Norte e Pernambuco apresenta praias com: bancos

arenosos, bioconstruções de algas calcárias, recifes de arenito e recifes de corais

descontínuos e de extensão variável paralelos à costa (Fig. 1) (Oliveira e Leite, 1999). A

temperatura da água é praticamente constante entre a superfície e o fundo (em torno de

27ºC), com uma variação média de 3,2ºC ao longo do ano. A salinidade apresenta

valores entre 35 e 38 %o, com poucas diferenças entre a superfície e o fundo. Os

diferentes tipos de substratos são habitats para fixação, refúgio, alimentação e

reprodução de uma variada fauna de invertebrados bentônicos, alguns dos quais de valor

comercial como é o caso da lagosta e do polvo.

2.2. Arquipélago de Fernando de Noronha (FN)

Este arquipélago de origem vulcânica é uma porção emersa da cadeia de montanhas

submersas (DORSAL MEDIANA DO ATLÂNTICO), situada nas coordenadas

geográficas 03o 51' S e 32o 25' W e distando aproximadamente 345 km do cabo de São

Roque no estado do Rio Grande do Norte (Fig. 1). Constituído por 21 ilhas, ilhotas e

rochedos, esta formação possui sua base a mais de 4.000 metros de profundidade. Sua

ilha principal possuiu uma área de 18,4 Km2, constituindo 91% da área total,

destacando-se ainda as ilhas Rata, Sela Gineta, Cabeluda, São José e as ilhotas do Leão

e da Viúva. O Parque Nacional Marinho, correspondendo à aproximadamente 70% da

área total do arquipélago, foi criado em 1988 com o intuito de proteger e preservar o

ambiente marinho e terrestre do Arquipélago de Fernando de Noronha.

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2.3. Atol das Rocas (AR)

Único atol do Atlântico sudocidental e primeira Reserva Biológica Marinha do

Brasil, Rocas (3°05’ S; 33°40’ W) está situado a 267 Km a E-NE da cidade de Natal-

RN, e 148 Km a W do Arquipélago de Fernando de Noronha (Fig. 1). É constituído por

um anel circular formado por moluscos vermetídeos e corais, por um banco de areia

conchífera e uma lagoa central, com uma área de 36 km2, englobando as águas que o

circundam até uma profundidade de 100 metros. Os recifes do anel de Rocas emergem

0,5 metros durante a baixa-mar, quando surgem na área interior várias piscinas naturais.

Na preamar os recifes ficam submersos 2 metros ou mais. A temperatura média em

superfície é de 27°C e a salinidade de 36,7%0, tornando-se mais alta nas lagunas

internas na maré baixa (Teixeira, 1996).

2.4. Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP)

O Arquipélago de São Pedro e São Paulo é formado por um grupo de 15 pequenas

ilhas rochosas, onde a maior delas não ultrapassa 100 x 50 m, localizadas a cerca de

1.100 quilômetros do litoral do Estado do Rio Grande do Norte, entre o Brasil e a África

na altura do Equador (29o20’W e 00o55’N) (Fig. 1). O arquipélago é um afloramento

rochoso em forma de cunha originado de uma elevação da Cadeia Meso-Atlântica, cuja

base está a 4000 metros de profundidade. Trata-se de um caso raro no planeta, onde

houve uma formação natural de ilhas a partir de uma falha tectônica, propiciando uma

situação de especial interesse científico. Encontra-se também na rota de peixes de

comportamento migratório de alto valor econômico, como é o caso da albacora-lage

(Thunnus albacares) (Vaske Jr.,2000).

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O arquipélago possui no centro das ilhas uma enseada de águas mais tranqüilas,

com um substrato cascalhoso de pequena a grande granulação que compõe um local

adequado à ocorrência de polvos bentônicos. Além da enseada, os polvos também

podem ser encontrados em águas um pouco mais profundas 20-50m, em platôs

próximos aos paredões e em “cabeços” submarinos.

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3. MATERIAL E MÉTODOS

Foram coletados 95 exemplares provenientes de 7 diferentes regiões: Rio Grande do

Norte (RN), Pernambuco (PE), Arquipélago de Fernando de Noronha (FN), Atol das

Rocas (AR), Arquipélago de São Pedro e São Paulo (ASPSP), Santa Catarina (SC) e

Rio Grande do Sul (RS), classificados em 5 espécies (tabela 1) (Palacio, 1977; Guerra,

1992; Voss & Toll, 1998). Os espécimes provenientes das ilhas oceânicas e do litoral do

RN e PE foram coletados de forma manual ou com auxílio de um bicheiro, fora d’água,

na região intertidal, ou através de mergulhos livres ou autônomos. No ASPSP também

foram utilizados covos para captura de polvos nas áreas mais profundas (25-45 m). Os

Octopus vulgaris das regiões de SC e RS, provenientes da pesca comercial com redes de

arrasto, foram coletados apenas com o intuito de comparação com os espécimes do NE.

Os exemplares coletados foram congelados ou resfriados por pelo menos 24 horas

para promover a total morte das células e impedir a contração durante a fixação em

formalina 4% por pelo menos 48 horas, sendo posteriormente transferidos para álcool

etílico 70% para sua preservação. Alguns machos foram fixados em formalina 4%

imediatamente após as capturas para permitir uma melhor descrição dos

espermatóforos. Foram fotografados exemplares observados vivos, recém coletados,

desembarcados frescos e posteriormente fixados. As imagens foram obtidas em filme

fotográfico ou com câmeras digitais.

A determinação do sexo foi baseada inicialmente na presença ou ausência de

hectocótilo, sendo confirmada pelo exame das gônadas. A classificação dos estágios de

maturação foi realizada em nível macroscópico com uma escala de quatro estágios:

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imaturos (1), em maturação (2), maduros (3) e desovado (4), baseada em critérios

propostos por Guerra (1975), Barbosa et al., (1997) e Quetglas et al.,(1998) (tabela 2).

De cada exemplar foram registradas diversas medidas e calculados índices (tabela 3

e 4 e Fig. 2) adaptados de Roper e Voss (1983), Hanlon (1988), Haimovici (1988) e

Guerra et al.,(1999). A menos que se indique o contrário, todas as medidas foram em

milímetros e o peso em gramas. Estruturas pequenas como lígula, calamus,

espermatóforos e ovos foram medidos com micrômetro ocular em microscópio

binocular. Uma base de dados morfométricos, merísticos e morfológicos foi construída

com os dados registrados de cada exemplar. Desenhos de estruturas de importância

taxonômica foram realizados com o auxílio de fotos digitalizadas ou câmara clara. A

nomenclatura das espécies identificadas seguiu Mangold (1998) e Voss e Toll (1998).

A descrição dos aspectos relacionados ao Octopus sp C, espécie predominante nas

ilhas oceânicas, em seu ambiente natural foi realizada através de observações por

mergulho autônomo ou livre e registrados através de anotações, fotografias e filmagens

realizadas em Fernando de Noronha e no ASPSP. Foram analisados detalhes de

distribuição batimétrica, habitat assim como os padrões de cor e textura de pele,

características que são perdidas quando o animal é preservado. Na análise dos

componentes cromáticos, texturais e comportamentais do Octopus sp C, foram

utilizadas categorias adaptadas de Forsythe & Hanlon (1988), Hanlon (1988) e Mather

& Mather (1994).

Técnicas de análises multivariadas foram utilizadas de forma exploratória na

análise de diferenças ou similaridades morfológicas entre os espécimes. Os logaritmos

naturais das medidas de CM, LM, LC, DV, LB, CB e PM foram escolhidos por estas

serem as variáveis mais numerosas nas amostras e estarem entre as mais representativas

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do padrão de forma de polvos (Voight, 1991, 1994). A logartimização foi realizada com

o intuito de preservar relações alométricas, estandardizar variâncias e equalizar erros

existentes em grandes variações de tamanho (Bookstein et al., 1985; Voight, 1991).

Foram utilizados apenas os exemplares em bom estado de conservação e previamente

classificados como subadultos ou adultos (estágios 2-4) minimizando diferenças

relativas ao crescimento alométrico e aos efeitos da fixação em diferentes fases do ciclo

de vida dos polvos (Voight, 1991).

A análise de componentes principais (ACP) foi utilizada na avaliação da

existência de similaridades morfológicas entre os exemplares, pois além de dispensar a

necessidade de grupos definidos a priori, permite delinear padrões nas relações entre as

variáveis sumarizadas em um número menor de componentes e possibilita a

visualização dos exemplares em planos fatoriais de acordo com as características

morfológicas analisadas (Hair et al., 1995; Monteiro e Reis, 1999). Neste tipo de análise

as variações relacionadas ao tamanho corporal estão definidas pelas variáveis com altas

cargas no primeiro componente ou eixo fatorial (CP1), e as relacionadas a forma com os

componentes restantes em ordem decrescente (Bookstein et al., 1985; Voight, 1994).

Uma primeira análise com base na matriz dos logaritmos naturais das variáveis

selecionadas foi realizada para se obter os escores individuais sobre o primeiro eixo

fatorial. Para reduzir a influência do tamanho na análise e destacar a influência da

forma, foi construída uma segunda matriz com os resíduos das regressões entre os

escores da primeira análise e os logaritmos de cada uma das variáveis, sendo então

calculados novos escores individuais.

A análise discriminante foi utilizada para comprovar a separação dos grupos

gerados através da análise de componentes principais, bem como verificar as principais

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variáveis responsáveis por essa separação (Hair et al., 1995). Testes “T” de Student

(paramétrico) e “U” de Mann-Whitney (não paramétrico) foram empregados para

comparar índices morfométricos entre grupos de polvos (Barón, 2001), onde o teste “T”

foi utilizado para índices com distribuição normal e o teste “U” para índices com

distribuição sem normalidade. O nível de significância de rejeição das hipóteses nulas,

salvo menção do contrário, foi de 5% (p<0,05).

Para analisar as relações de crescimento de Octopus sp C, foram realizadas

regressões entre os logaritmos naturais de diferentes medidas e do comprimento do

manto (Voight, 1991). Uma inclinação unitária representa crescimento isométrico,

inclinações superiores ou inferiores indicam alometrias positivas ou negativas. O

crescimento foi considerado isométrico se o intervalo de 95% de confiança da

inclinação incluiu o valor 1. Toda a análise estatística foi realizada no programa Statsoft

(1998).

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4. RESULTADOS

4.1. Caracterização morfológica e morfométrica

Todos os 95 exemplares examinados apresentaram as características descritas

abaixo que os situam na Família Octopodidae, Subfamília Octopodinae e gênero

Octopus (Nesis, 1987; Guerra, 1992):

Família Octopodidae d’Orbigny, 1840: Corpo firme, muscular, braços musculares,

algumas vezes mais longo que o corpo. Membranas interbraquiais curtas ou de tamanho

moderado, não excedendo a metade do braço mais longo. Abertura paleal ampla. Rádula

com séries de dentes raquidianos típica, diferente do tipo pente. Fígado em frente do

estômago e gônadas. Terceiro braço direito hectocotilizado, os machos freqüentemente

possuem ventosas maiores na porção intermediária de alguns braços, os extremos dos

braços modificados. Ovos bentônicos guardados pelas fêmeas, com desenvolvimento

passando por paralarvas pelágicas. Animais bentônicos.

Subfamília Octopodinae d’Orbigny, 1840: Braços com duas fileiras de ventosas.

Gênero Octopus Lamarck, 1798: Nenhum anel de cor brilhante espalhado sobre o

corpo ou braços, nenhuma mancha ocelar sobre o manto, diferentes faixas, manchas e

padrões; raramente coloração uniforme.

A classificação preliminar em 6 grupos (A, B, C, D, E e F) foi realizada com base

nas características morfológicas e nos índices morfométricos incluindo os bicos,

rádulas, espermatóforos e hectocótilo, aspectos estes importantes na sistemática de

octópodes, e também na localização de origem dos exemplares. Cada grupo foi

caracterizado pelas médias e valores máximos e mínimos das variáveis PTc, CT, CM e

dos índices obtidos. Estes grupos foram então classificados preliminarmente de acordo

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com descrições na literatura de morfologia, morfometria e distribuição das espécies as

quais mais se assemelhavam (Mangold, 1998; Voss e Toll, 1998) (tabela 5).

Grupo A (Octopus cf vulgaris/RS)

Animais adultos grandes (CT até 915 mm, CM até 172 mm e PTc até 1897 g).

Manto sacular a globoso (LMI 54,0-69,0-85,0), com abertura do manto moderada (API

21,0-35,0-52,0). Cabeça mais estreita que o manto (LCI 26,0-36,0-51,0). Funil

moderadamente alongado (CFI 30,0-37,0-45,0), com órgão do funil em W. Braços

relativamente longos e finos (MBI 17,0-24,0-35,0; CBI 65,0-77,0-84,0 e LBI 5,8-8,6-

16,0). Fórmula braquial 2:3:4:1 nas fêmeas e 2:1:4:3 ou 2:4:1:3 nos machos; braço

hectocotilizado mais curto (BOI 61,0-77,0-89,0). As ventosas são bisseriadas com

tamanhos levemente maiores nos machos que nas fêmeas (DVnI 6,5-9,8-12,0 e 6,3-7,7-

10,0); ventosas do 2o e 3o braços maiores nos machos maduros (DVeI 7,3-15,0-24,0).

Lígula pequena (CLI 1,0-1,4-1,9) com extremidade pontiaguda; calamus distinto porém

relativamente curto (CCaI 29,0-44,0-57,0). Pênis moderadamente alongado (CPI 11,0-

16,0-23,0). Espermatóforo e massa espermatofórica pequenos a moderados (CEI 24,0-

30,3-34,6 e CMeI 34,4-35,7-36,8); ovócitos de até 2,2 mm de diâmetro. Membrana de

profundidade moderada (PMI 16,0-19,3-25,0) e com setores desiguais; fórmula mais

comum C:D:B:E:A. Brânquias com 8-9 lamelas por hemibrânquia. Bico superior e

inferior com pigmentação escura e sem ângulo evidente entre o rostro e as asas. No bico

superior a largura da asa é maior próxima ao rostro, afinando-se em direção à

extremidade. Rádula assimétrica, cone central do dente raquidiano de espessura

mediana e cúspides laterais variando de posição, porém sem apresentar periodicidade

fixa; primeiro dente lateral pequeno com cúspide localizada lateralmente na porção

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externa, segundo dente lateral apresenta uma base larga com cúspide fina e pronunciada

na porção interna, dente marginal em forma de cone fino e recurvado com tamanho

proporcional ao dente raquidiano. Pele firme e lisa, com um par de cirros acima dos

olhos. Quando conservado apresenta coloração do bege claro ao rosa acizentado (tabela

6 e Fig. 3).

Grupo B (Octopus cf vulgaris/NE)

Animais examinados subadultos de tamanho médio a grande (CT até 675 mm, CM

até 144 mm e PTc até 1329 g). Manto sacular a globoso (LMI 52,0-63,0-79,0), com

abertura do manto moderada (API 26,0-38,0-51,0). Cabeça distintamente mais estreita

do que o manto (LCI 26,0-34,0-40,0). Funil moderadamente alongado (CFI 29,0-37,0-

47,0), com órgão do funil em W. Braços moderadamente longos e finos (MBI 26,0-

31,0-38,0, CBI 68,0-73,0-76,0 e LBI 6,4-7,8-8,8); braços laterais mais longos que os

medianos. Fórmula braquial 3:2:4:1 nas fêmeas e 2:4:3:1 nos machos; braço

hectocotilizado mais curto (BOI 85,0-88,0-94,0). As ventosas são bisseriadas, com

ventosas do 2o e 3o braços levemente maiores nos machos maduros (DVeI 7,0-9,4-11,0).

Lígula pequena (CLI 0,5-0,9-1,3) e pontiaguda; calamus distinto (CCaI 25,0-46,0-56,0).

Pênis moderadamente curto (CPI 7,3-9,2-12,4). Membrana com profundidade moderada

(PMI 20,0-23,0-27,0) e setores desiguais; fórmula mais comum C:D:B:E:A. Brânquias

com 10-11 lamelas por hemibrânquia. Bico superior e inferior com pigmentação escura

e sem ângulo evidente entre o rostro e as asas. No bico superior a largura da asa é maior

próxima ao rostro, afinando-se em direção à extremidade. Rádula com série simétrica A

2-4; cone central do dente raquidiano de espessura mediana e de um a dois pares de

cúspides laterais alternando-se em três posições: posição mediana, extremidade, e

19

ambas posições, este três tipos de dentes raquidianos alternam-se apresentando uma

periodicidade fixa; primeiro dente lateral pequeno com cúspide localizada lateralmente

na porção externa, segundo dente lateral apresenta cúspide proeminente na porção

interna, dente marginal em forma de cone fino e recurvado com tamanho proporcional

ao dente raquidiano. Pele firme e lisa, com um par de cirros acima dos olhos. Quando

conservado apresenta coloração do bege claro ao rosa acizentado (tabela 7 e Fig. 4).

Grupo C (Octopus sp C)

Animais adultos de tamanho médio a grande (CT até 494 mm, CM até 120 mm e

PTc até 1330 g). Manto sacular a globoso, com paredes espessas e bastante musculares

(LMI 53,0-76,0-90,0); abertura do manto moderada (API 29,0-43,0-50,0); estiletes

cartilaginosos presentes. Cabeça moderadamente larga, mais estreita do que o manto

(LCI 33,0-42,0-52,0). Funil largo e moderadamente alongado (CFI 29,0-40,0-53,0),

com órgão do funil em W. Braços relativamente curtos, robustos e musculosos (MBI

22,0-31,0-38,0, CBI 65,0-74,0-80,0 e LBI 9,0-14,0-21,0), com tamanhos diferentes.

Fórmula braquial 3:4:2:1 ou 2:3:4:1 nas fêmeas e 2:4:3:1 nos machos; braço

hectocotilizado mais curto machos (BOI .74,0-82,0-91,0). As ventosas são bisseriadas,

com tamanhos levemente maiores nos machos que nas fêmeas (DVnI 9,0-11,0-12,0 ♂ e

9,0-10,0-13,0 ♀); ventosas do 2o e 3o braços maiores nos machos maduros (DVeI 11,0-

14,0-16,0). Lígula pequena (CLI 0,9-1,4-1,9); calamus em forma de colher distinto e

relativamente longo (CCaI 34,0-52,0-76,0). Pênis pequeno e tubular (CPI 10,0-13,0-

16,0). Espermatóforo e massa espermatofórica com comprimentos moderados (CEI

31,0-38,0-43,0 e CMeI 30,0-33,0-35,0); ovócitos até 1,5 mm. Membrana discretamente

profunda (PMI 20,0-25,0-30,0), com setores desiguais; fórmulas mais comuns

20

C:D:B:E:A e D:C:B:E:A. Brânquias com 8-11 lamelas por hemibrânquia. Bico superior

e inferior com pigmentação escura e ângulo evidente entre o rostro e as asas,

proporcionando assim um rostro proeminente. No bico superior a largura da asa é

praticamente uniforme desde o rostro, até a extremidade. Rádula com série simétrica A

2; cone central do dente raquidiano de espessura mediana e cúspides laterais alternando-

se entre as posições medianas e extremidades com uma periodicidade fixa; primeiro

dente lateral pequeno com cúspide localizada lateralmente na porção externa, segundo

dente lateral apresenta um formato de triângulo com cúspide rombuda na porção

interna, dente marginal em forma de cone fino e recurvado com tamanho proporcional

ao dente raquidiano. Pele rugosa, com papilas espaçadas e podendo apresentar cirros

acima dos olhos. Quando conservado apresenta coloração do marrom claro, ao marrom

arroxeado (tabela 8 e Fig. 5).

Grupo D (Octopus defilippi)

Animais de tamanho pequeno a médio (CT até 345 mm, CM até 73 mm e PTc até

127 g). Manto alongado ou em forma de pêra, pequeno em relação ao tamanho total do

corpo (LMI 48,0-57,0); abertura do manto moderada a estreita (API 25,0-31,0-35,0).

Cabeça bem mais estreita que o manto (LCI 28,0-33,0-36,0) com olhos proeminentes.

Funil moderadamente alongado (CFI 33,0-37,0-40,0), com órgão do funil em W. Braços

moderadamente longos e finos (MBI 24,0-27,0-31,0; CBI 67,0-76,0-88,0 e LBI 0,8-0,9-

1,0) com tamanhos diferentes. Fórmula braquial 3:2:4:1 ou 3:4:2:1 nas fêmeas e 2:4:3:1

ou 4:2:3:1 nos machos; braço hectocotilizado mais curto nos machos (BOI 70,0-88,0-

98,0). Ventosas bisseriadas e pequenas (DVnI 8,0-9,0-10,0), não sendo observadas

ventosas de tamanhos diferenciados em nenhum dos sexos. Lígula pequena (CLI 0,5-

21

0,9-1,5), porém bem diferenciada e moderadamente pontiaguda; calamus relativamente

pequeno (CCaI 37,0). Pênis pequeno e delgado (PELI 8,3-10,7-12,8). Espermatóforo e

massa espermatofórica com comprimentos moderados (CEI 34,7-36,0-37,3; CMeI 28,9-

31,0-33,2). Membrana de profundidade discretamente rasa a intermediária (PMI 16,0-

22,0-26,0), com setores desiguais. Fórmula mais comum C:D:B:E:A, com setores A e E

distintamente mais rasos. Brânquias com 10-11 lamelas por hemibrânquia. Bico

superior e inferior com pigmentação escura. Bico superior com ângulo evidente entre o

rostro e as asas, proporcionando assim um rostro proeminente. Bico inferior sem ângulo

da mandíbula marcado, apresentando um rostro curto. Pele macia e lisa, sem papilas,

exceto quando presente sobre os olhos. Quando conservado apresenta coloração do bege

rosado ao roxo acinzentado (tabela 9 e Fig. 6).

Grupo E (Octopus macropus)

Animal examinado subadulto grande (CT 883 mm, CM até 123 mm e PTc até 533

g). Manto alongado (LMI 50,0), com abertura do manto moderada (API 36,0). Cabeça

mais estreita do que o manto (LCI 26,0), com olhos proeminentes. Funil

moderadamente alongado (CFI 38,0), com órgão do funil em W. Braços longos e finos

(MBI 22,0; CBI 82,0 e LBI 7,0), com tamanhos diferentes. Fórmula braquial 1:2:4 (o

terceiro par de braço, encontrava-se regenerado). Ventosas bisseriadas e pequenas

(DVnI 10,0). Pênis de tamanho moderado (PELI 17,0). Membrana de profundidade

discretamente rasa (PMI 17,0) com setores desiguais. Fórmula A=B:C:D:E. Brânquias

com 12 lamelas por hemibrânquia. Pele macia e lisa, sem papilas. Conservado apresenta

coloração bege rosado com pequenas manchas alaranjadas na porção dorsal do manto,

cabeça e braços. (tabela 10 e Fig. 7).

22

Grupo F (Octopus filosus)

Animal adulto pequeno (CT 280 mm, CM até 58 mm e PTc até 168 g). Manto

sacular a globoso (LMI 52,0-71,0), com abertura do manto ampla (API 36,0-51,0).

Cabeça larga, porém mais estreita que o manto (LCI 32,0-49,0). Funil alongado (CFI

44,0-50,0) com órgão do funil em W. Braços moderadamente alongados e robustos

(MBI 27,0-28,0; CBI 74,0-78,0 e LBI 9,0-14,0) com tamanhos diferentes. Fórmula

braquial 3:4:2:1, 4:3:1:2 ou 3:2:4:1. Ventosas bisseriadas pequenas (DVnI 9,0-11,0),

com maior ventosa no macho (DVeI 13,0). Pênis pequeno (PELI 12,0). Membrana de

profundidade moderada (PMI 17,0-23,0), com setores desiguais. Fórmulas comuns

D:C:B:E:A ou C:D:B:E:A. Brânquias com 10 lamelas por hemibrânquia. Bico superior

e inferior densamente pigmentados. Bico superior apresenta a porção anterior da parede

lateral despigmentadas e ângulo evidente entre o rostro e as asas, proporcionando assim

um rostro proeminente. Bico inferior sem ângulo da mandíbula marcado, apresentando

um rostro curto. Rádula com série simétrica A 3-4. Cone central do dente raquidiano

fino com cúspides laterais alternando em uma periodicidade fixa; dentes laterais

pequenos, o primeiro lateral possui cúspide lateral e o segundo cúspide interna a central,

dente marginal em forma de cone fino e recurvado, menor que o raquidiano. Pele

tipicamente papilosa, com papilas pronunciadas no manto, cabeça e porção dorsal da

membrana. Três pares de cirros acima de cada olho, com um grande cirro destacando-

se. Conservado apresenta coloração escura que vai do cinza arroxeado ao marrom

acinzentado (tabela 11 e Fig. 8).

23

4.2. Comparação morfométrica dos indivíduos e dos grupos

Para análises de similaridades e diferenças morfológicas entre indivíduos e grupos

foram escolhidas as medidas de 41 indivíduos. Inicialmente foi utilizada uma análise de

componentes principais (ACP), da qual foi excluído o grupo “E”, constituído por um

único exemplar de Octopus macropus, por representar um “outlier” em relação aos

demais exemplares.

4.2.1. Análise de componentes principais (ACP)

Na primeira ACP, o primeiro componente principal (CP1) (tamanho) contribuiu com

78% da variação morfológica total entre os Octopus considerados e o segundo (CP2),

foi responsável apenas por 15%, com as variáveis CB e LB apresentando as maiores

contribuições (tabela 12). Na ACP residual, 49% de variação total foi explicada pelo

CP1, com as maiores cargas nas variáveis largura da cabeça (LC) e largura do braço

(LB) em relação ao comprimento do manto (CM) e comprimento do braço (CB) e o

CP2 foi responsável por 18% da variação total, sendo representado principalmente pela

variável largura do manto (LM). Variáveis como o PM e DVn que adquiriram cargas

significativas em mais de um fator não foram consideradas na análise (tabela 13). A Fig.

9 apresenta graficamente os escores individuais dos exemplares sobre os dois primeiros

eixos da ACP residual, podendo-se observar que grupos com morfologia distinta

tendem a ocupar áreas discretas no gráfico. Os exemplares do grupo C e F apresentaram

escores positivos no CP1 refletindo uma morfologia de manto curto, cabeça larga,

braços curtos e grossos, ao contrário dos grupos A, B e D que obtiveram escores

negativos para o CP1, caracterizando polvos com manto comprido, cabeça estreita e

24

braços longos e finos. O grupo D, apresentou escores sempre positivos no CP2,

indicando um manto caracteristicamente mais estreito. Em síntese, distinguiu-se 3

conjuntos que apresentaram características morfológicas similares: o primeiro inclui os

grupos “A” e “B”, o segundo inclui “C” e “F” e o terceiro apenas o grupo “D” (Fig. 9).

4.2.2. Análise discriminante

A análise discriminante foi realizada para comprovar a máxima separação entre os

grupos A, C e D, além de verificar a correta classificação de seus componentes. Os

grupos B, E e F não foram considerados por possuírem um tamanho amostral não

significativo para a análise. Para anular novamente o efeito das variações referentes ao

tamanho e tomar em consideração apenas as referentes às formas, utilizou-se os

resíduos obtidos na ACP.

As variáveis largura do braço (LB) e comprimento do braço (CB) foram as que

melhor se correlacionaram com a primeira função discriminante (DF1), enquanto que

largura do manto (LM) e profundidade da membrana (PM) com a segunda (DF2).

Verificou-se portanto que as características que mais se correlacionaram com os DFs

estão presentes entre as que mais representaram a variação em forma da ACP, com

exceção da variável PM (tabela 14).

O DF1 foi o responsável pela separação do centróide do grupo C (tabela 15),

enquanto que o DF2, apesar da sobreposição dos grupos A e D no gráfico (Fig. 10), foi

responsável pela separação do centróide do grupo D. Analisando a distribuição de

freqüência dos escores discriminantes dos grupos A e C (Fig. 11), verifica-se claramente

duas modas, sendo suas médias iguais aos centróides de cada grupo: Grupo A centróide

Za =2,33 e Grupo C: Zc= –2,19). Obteve-se um total de 85% de separação entre os três

25

grupos, com correlação canônica de 0,92 e nível de significância menor que 0,001 entre

o grupo A e C

4.2.3. Teste T e Teste U (Mann-Whitney)

Verificada a separação morfológica entre os grupos A, C e D pelas análises

multivariadas, foi realizada uma comparação entre índices para verificar entre quais

variáveis se apresentam as diferenças. Posteriormente foram testadas também as

diferenças entre as medidas de machos e fêmeas dos grupos A e C para verificar a

presença de um possível dimorfismo sexual.

Comparando indivíduos subadultos e adultos dos grupos A e C verificou-se que os

dois grupos se diferenciam significativamente (p< 0,05) em quase todos os índices, com

exceção do LMI e CFI (tabela 16). O grupo C se diferencia do grupo A por ser um

animal menor, apresentar uma cabeça e uma abertura paleal mais larga (LCI e API),

manto mais comprido em relação aos braços e consequentemente braços mais curtos

(MBI e CBI) e grossos (LBI) e uma membrana interbraquial mais profunda (PMI),

validando assim os resultados encontrados na análise fatorial e discriminante (tabelas 13

e 14 e Fig. 9 e 10). Na comparação das variáveis referentes aos aspectos sexuais dos

machos dos dois grupos verificou-se apenas uma suave diferença entre CPI, CEI e

CMeI (tabela 17).

A análise para verificação de dimorfismo sexual entre os machos e fêmeas de cada

grupo não mostrou nenhuma diferença significativa das variáveis entre os machos e

fêmeas do grupo A, com exceção das ventosas, onde os machos além de possuírem

ventosas diferenciadas (DVeI), apresentam também ventosas normais (DVnI) maiores

que as das fêmeas (tabela 18). Já o grupo C apresentou diferenças significativas nas

26

variáveis LMI, DVnI, e LBI (p<0,05) (tabela 19), ou seja, existe um leve dimorfismo

sexual nesse grupo, onde os machos possuem a LMI, API, DVnI e LBI maiores do que

as fêmeas da mesma espécie.

Entre os grupos A e D foram verificadas diferenças significativas entre os índices

LMI, MBI e PMI, indicando que o grupo D se diferencia do A por serem animais

menores, possuírem um manto mais estreito e relativamente mais comprido e

apresentarem membranas interbraquiais mais profundas (tabela 20). Em relação aos

índices referentes aos aspectos sexuais verificou-se diferença apenas em relação ao

tamanho do pênis (CPI), menor no grupo D (tabela 21). Não foi possível uma

comparação dos índices entre machos e fêmeas do grupo D devido ao reduzido número

de espécimes sexualmente maduros coletados.

Levando em consideração as características morfológicas, índices morfométricos,

incluindo os bicos, rádulas, espermatóforos e hectocótilo, e as análises estatísticas, os

resultados confirmaram a classificação dos grupos em pelo menos cinco espécies

diferentes: Octopus cf vulgaris/Sul e NE, Octopus sp C, Octopus defilippi, Octopus

macropus e Octopus filosus (tabela 22).

4.3. Caracterização e biologia da espécie Octopus sp C

4.3.1. Descrição

Animais adultos de tamanho médio (CM até 120 mm); machos menores que as

fêmeas. Manto sacular a globoso, largo, com paredes espessas e bastante musculares,

machos possuem mantos mais largos que as fêmeas (LMI 59.0-74.0-90.0 e 53.0-66.0-

79.0); vestígios de concha em forma de estiletes cartilaginosos presentes. Cabeça larga,

porém mais estreita do que o manto (LCI 33.0-42.0-52.0), com olhos grandes exibindo

27

uma peculiar constrição da pele ao redor dos olhos quando submetido a formolização.

Braços relativamente curtos, robustos e musculosos (MBI 22.0-31.0-38.0, CBI 65.0-

74.0-80.0 e LBI 9.0-14.0-21.0), sendo mais grossos nos macho que nas fêmeas, braços

com tamanhos diferentes. Ventosas do 2o e 3o braços e maiores nos machos maduros

(DVe11.0-14.0-16.0). Lígula pequena (CLI 0.9-1.4-1.9); calamus relativamente longo e

distinto em forma de colher (CCaI 34.0-52.0-76.0). Pênis pequeno e tubular (CPI 10.0-

13.0-16.0). Membrana discretamente profunda (PMI 20.0-25.0-30.0), com setores

desiguais, fórmulas mais comuns: C:D:B:E:A e D:C:B:E:A. Brânquias com 8-11

lamelas por hemibrânquia. Bico superior e inferior com pigmentação escura. Ângulo

evidente entre o rostro e as asas de ambos bicos, definindo rostos proeminentes. No bico

superior a largura da asa é praticamente uniforme desde o rostro, até a extremidade.

Rádula com série simétrica A 2. Pele rugosa com papilas esparsas, podendo apresentar

até 3 cirros acima dos olhos. Cor em animais vivos variando do acizentado ao marrom

amarelado, marrom avermelhado ou marrom escuro. Quando conservado apresenta

coloração do marrom claro até marrom arroxeado.

4.3.2. Caracterização morfométrica

Foram obtidas as relações CM x PTc e CM x CT descritas pelas seguintes equações

potencial e linear respectivamente: PTc= 0,0002 CM3,2049(R2=0,90) e CT= 3,5568 CM +

64,535 (R2= 0,90) (Fig. 12 e 13). Devido à ausência de machos pequenos não foi

possível comparar as relações entre machos e fêmeas dessa espécie.

Observou-se alta correlação entre o ln CM e o ln das variáveis utilizadas na

análise estatística, demonstrando assim que o aumento no tamanho do corpo é dividido

ordenadamente por todas as variáveis corporais consideradas na análise, suportando

28

desta forma o uso da morfologia externa na taxonomia desta espécie. Verificou-se uma

relação isométrica entre ln das variáveis LC, LM, e PM e o ln de CM (0,9<b <1,1). A

variável CB apresentou uma forte alometria negativa (b=0,773) enquanto que a LB

apresentou uma alometria positiva (b=1,19), indicando que a medida que o polvo

aumenta de CM os braços crescem em menor proporção e a espessura do braço

aumenta, fazendo com que a espécie adulta possua braços curtos e grossos como

verificado anteriormente na análise de componentes principais (Fig. 14).

4.3.3. Aspectos reprodutivos

Foram examinados 47 indivíduos, sendo 23 fêmeas e 17 machos em FN e 5

machos e 2 fêmeas no ASPSP. Em FN, 86% das fêmeas estavam nos estágios de

maturação 1 e 2 e 76% dos machos em estágios 2 e 3 (tabela 23). No ASPSP ocorreu

apenas uma fêmea em estágio de maturação 2, sendo o restante dos indivíduos, fêmeas e

machos, em estágio 3 (tabela 24). Não foram encontrados indivíduos juvenis nessa área.

Através da análise macroscópica das gônadas, foi verificado que machos com CM

< 65 mm encontravam-se imaturos, sem nenhum vestígio de espermatóforo no saco de

Needham (estágio 1), machos com CM 61-78 mm já possuíam algum espermatóforo no

Saco de Needham (estágio 2) e CM > 78 mm poderiam ser considerados completamente

maduros com espermatóforos completos (estágio 3) (tabela 24).

As fêmeas apresentaram um desenvolvimento gonadal mais tardio que os machos.

Fêmeas com CM < 75 mm estavam imaturas (estágio 1), CM entre 80-95 mm estavam

em estágio 2 de desenvolvimento dos ovários e com CM > 95 mm estavam

completamente maduras, apresentando ovócitos no ovário (estágio 3). Apenas uma

fêmea foi considerada no estágio 4 (CM = 104 mm) (tabela 24).

29

4.3.4. Habitat

Fernando de Noronha

As estações de coleta dos espécimes de FN localizaram-se dentro da área do

Parque Nacional, com exceção das estações do porto Sto. Antônio e Boldró, em

profundidades que variaram da zona intertidal aos 20 m. Observou-se uma maior

ocorrência de polvos, principalmente fêmeas, com menor tamanho (CM) e estágio de

maturação 1 e 2 nas estações com menores profundidades, principalmente nas regiões

intertidais (Boldró, Caieras, Buraco da Rachel, Baia do Sueste e Porto) (Fig. 15). Estas

estações são caracterizadas por possuírem uma maior influência da amplitude de maré

com formação de poças e cubetas de maré durante a baixa-mar. Os indivíduos com

maiores CM em estágios de maturação 2-4, principalmente machos, foram encontrados

em estações de maior profundidade, onde não ocorre a influência da maré e com

substratos formados principalmente por platôs e cabeços de corais (Ressurreta, Canal da

Rata e Buraco do Inferno) (Fig. 15).

Os habitats onde foram encontrados os Octopus sp C em FN incluíram: poças e

cubetas de maré (Fig. 17.1); tocas em fundos (leitos) de coral (Fig. 17.3 e 17.9); tocas

em recifes de corais vivos e/ou mortos; escavações em rochas de origem vulcânica,

cascalho e areia (Fig. 17.2); fundos com algas, corais e rochas. (Fig. 17.3). As tocas

foram encontradas pela localização de restos de carapaças em torno da entrada ou

devido a localização dos próprios animais em estado de vigília na entrada das mesmas.

30

Arquipélago de São Pedro e São Paulo

Ocorreram machos maduros em todas as estações de coleta do ASPSP, sendo que

os maiores indivíduos, machos e fêmeas, foram coletados principalmente por meio de

covos, em profundidades superiores aos 20 m (CM 98-120 mm) (Fig. 16).

Os tipos de habitats onde foram encontrados os Octopus sp C no ASPSP incluíram:

enseada com fundo de algas, rochas vulcânicas de várias granulações e corais, com as

tocas localizando-se entre as fendas das rochas (Fig. 17.5), cabeços e platôs submarinos

com presença de algas e corais, tocas localizando-se entre as fendas dos paredões e

rochas, e cubetas de maré formadas na ilha Belmonte entre as formações rochosas.

Atol da Rocas

No Atol das Rocas os Octopus sp C foram localizados em tocas sobre leitos de

coral (Fig. 17.6 e 17.10) em torno de todo o anel do Atol e em cabeços de coral nas

piscinas naturais do interior do anel do Atol.

4.3.5. Padrões Corporais

Foram registradas as seguintes feições na espécie Octopus sp C:

Componentes cromáticos

Claro: (a) pequenas manchas brancas sobre o manto (Fig. 17.3), (b) manchas brancas

distribuídas sobre porção dorsal da membrana interbraquial e braços (Fig. 17.3) e (c)

entrelaçamento de linhas finas e claras na porção ventral (Fig. 17.5).

Escuro: (d) ausência de ocelos, (e) manchas escuras na porção dorsal da membrana

interbranquial (Fig. 17.9), (f) listras transversais escuras nos braços (Fig. 17.10), (g)

31

manchas escuras na porção inferior e lateral do manto dorsal (Fig. 17.1) e (h)

entrelaçamento de linhas finas e escuras na porção dorsal (Fig. 17.10).

Componentes texturais

(i) Pele lisa, (j) pele rugosa, (k) pele papilosa (Fig. 17.1), (l) papilas proeminente

sobre os olhos (Fig. 17.4) e (m) papilas sobre o manto (Fig. 17.4).

Padrões corporais

Fase crônica: (n) fase clara uniforme- cinza (Fig. 17.9 e 17.12) e (o) manchas

crônicas gerais.

Fase aguda: (p) fase escura uniforme, (q) manchas agudas (Fig. 17.11), (r) corpo

claro com ventosas escuras e membrana estendidas (Fig. 17.7), (s) animal orientado em

direção ao estímulo e (t) pálido.

Posturas

(u) Descansando, (v) membrana interbraquial expandida, (w) braços enrolados (Fig.

17.9), (x) extremidades dos braços enrolados (Fig. 17.7), (y) manto arredondado (Fig.

17.9), (z) cabeça elevada (Fig. 17.4), (aa) fuga (Fig. 17.8 e 17.12), (ab) alimentado-se

(Fig. 17.6), (ac) descansando na toca (Fig. 17.5), (ad) projeção dos olhos (Fig. 17.5).

32

5. DISCUSSÃO

5.1 Identificações

Apenas três espécies do gênero Octopus haviam sido identificadas na região

Nordeste, incluindo ilhas oceânicas e bancos de profundidade: , O. cf vulgaris, O.

macropus e O. filosus (Robson, 1929; Palacio, 1977). As identificações realizadas

aumentam esse número para cinco, incorporando o O. defilippi, anteriormente citado

apenas da Bahamas ao norte do Brasil (Voight, 1998) e na região sul-sudeste do Brasil

(Haimovici e Perez, 1991; Haimovici, et al, 1994), e uma espécie provisoriamente

denominada Octopus sp. C. A nomenclatura adotada é discutida a seguir:

Octopus cf vulgaris

Octopus vulgaris, originalmente descrita por Cuvier, 1797, foi por muito tempo

considerada uma espécie cosmopolita (Robson, 1929), não existindo um exemplar tipo.

Um neotipo foi designado em 1988, restringindo sua distribuição geográfica às áreas do

Mediterrâneo e Atlântico oriental (Mangold e Hochberg, 1991). Considera-se que sob a

denominação de Octopus vulgaris foram incluídas várias espécies semelhantes de

diversas regiões tropicais a temperadas do mundo (Guerra, 1992; Mangold, 1998).

Mais recentemente, os exemplares provenientes da América do Sul e outras regiões

passaram a ser designadas temporariamente como O. cf vulgaris, embora possam tratar-

se de outras espécies (Söller et al., 2000).

As características morfológicas e morfométricas dos exemplares classificados como

O. cf vulgaris do sul e nordeste do Brasil assemelharam-se aos de O. vulgaris do

33

Mediterrâneo, destacando-se as similaridades no máximo comprimento total dos

indivíduos adultos, comprimento dos braços, profundidade das membranas

interbraquiais, largura do braço, comprimento do pênis e diâmetro da maior ventosa

diferenciada nos machos, além de feições como tipo e textura de pele (Mangold, 1983;

Guerra, 1992; Mangold, 1998).

Entre os exemplares do sul e do nordeste observou-se diferenças na rádula, no bico e

no número de lamelas nas brânquias, mas que não foram considerados suficientes como

elementos de diferenciação à nível específico. Embora evolutivamente bico e rádula

sejam consideradas estruturas conservativas, sua utilização na taxonomia e sistemática

de octópodes ainda é restrita para espécies muito próximas, uma vez que os bicos

podem alterar sua morfologia ao longo da ontogênese e a rádula apresenta variabilidade

(Smale et al., 1993; Nixon, 1998; Ogden et al., 1998). As diferenças observadas podem

derivar do fato das análises terem sido baseadas em uma quantidade limitada de

indivíduos adultos, de forma que amostras maiores de exemplares maduros do Nordeste

seriam necessárias para reduzir a importância da variabilidade individual. Neste caso, a

utilização de técnicas de taxonomia genética podem ser uma contribuição importante

para discriminar variabilidade intra-populacional de características populacionais, ou

eventualmente diferenças a nível específico (Augustyn e Grant, 1988).

A princípio, a hipótese da ocorrência de espécies diferentes do complexo O. vulgaris

ao longo da costa Brasil parece pouco provável, pois uma fase planctônica de até três

meses (Mangold, 1983), associada à corrente do Brasil paralela à costa, facilitaria a

ocorrência de um fluxo genético ou ainda a existência de metapopulações.

34

Octopus sp C

Revisões recentes sobre a fauna de octópodes do Mediterrâneo, da costa oriental do

Atlântico Sul, Caribe e da costa ocidental do Atlântico Sul não apresentam espécies

cujas descrições se assemelhassem a do Octopus sp C (Guerra, 1992; Mangold, 1998;

Voss e Toll, 1988).

Em sua monografia sobre os cefalópodes, Robson (1929) descreve um octópode

com manto e cabeça largos, braços relativamente curtos, dentes raquidianos simétricos e

pele rugosa que se assemelharia ao Octopus sp C, ao qual atribuiu o nome de Octopus

rugosos Orbigny, 1840. Não se dispõe do holotipo ou neotipos de O. rugosus, e o

mesmo Robson assinala que devido à ampla distribuição geográfica dos exemplares

examinados (Austrália, Japão e Brasil), existe a possibilidade de que várias espécies

tenham sido identificadas sob essa denominação. Voss e Toll (1998) não consideram

como válida a espécie Octopus rugosus em função dos problemas anteriormente

citados.

Além de O. rugosus, outras espécies descritas para as ilhas oceânicas do Atlântico

apresentam similaridades com Octopus sp C: Octopus sanctaehelena (Robson, 1929, p.

74), originalmente descrita como uma variedade de O.rugosus, possui sua descrição

baseada numa única fêmea da ilha de Santa Helena, cuja particularidade é a textura

diferenciada da pele. O. verrucossus Hoyle, 1885, descrito a partir de um macho

coletado na ilha de Tristão da Cunha, apresenta uma combinação de caracteres de O.

vulgaris e O rugosus e algumas particularidades individual, como uma membrana

interbraquial curta (18%) e calamus com metade do comprimento da lígula (Robson,

1929, p. 74-75). O. occidentalis Hoyle, 1886, descrito por Palacio, (1977) baseado em

uma fêmea coletada na a Ilha de Trindade e outra na Ilha de Ascención (Voss e Toll,

35

1998), cujos exemplares foram previamente considerados como O. rugosus (Robson,

1929 p. 63-74). Estas três espécies são consideradas válidas por Voss e Toll (1998),

porém, estes autores indicam a necessidade de estudos adicionais com base em um

maior número de exemplares dessas regiões para a confirmação e melhor descrições

dessas espécies.

O Octopus sp C difere do O. cf vulgaris em vários aspectos, como: máximo

comprimento total, comprimento dos braços, largura da cabeça e manto, rádula, bico e

feições da pele (Mangold, 1998). Outro aspecto importante é o padrão de crescimento

dos braços, alométrico negativo para o comprimento e alométrico positivo para a

largura, quando comparado ao descrito para o Octopus vulgaris, isométrico para ambas

dimensões (Voight, 1991). O comprimento do manto que Octopus sp C atinge a

maturação sexual também parece ser inferior ao do Octopus vulgaris do Mediterrâneo

(Sánchez e Obarti, 1993) e ao de subadultos de Octopus cf vulgaris do nordeste do

Brasil.

Söller et al (2000) analisaram as seqüências de ADN mitocondrial de diversos

octópodes, incluindo exemplares identificados como O. vulgaris do sul e do nordeste do

Brasil e do Mediterrâneo, encontrando maiores semelhanças entre os do Mediterrâneo e

os do Sul do Brasil do que com os do Nordeste, sugerindo a possibilidade de diferenças

a nível específico entre o sul e nordeste do Brasil. Os resultados do presente estudo não

sustentaram esta hipótese e, considerando o desconhecimento de Octopus sp C no

Nordeste, não pode ser descartada a hipótese de ter sido desta espécie as amostras de

ADN analisadas.

36

Octopus defilippi

A espécie identificada como Octopus defilippi Verany, 1851, apresentou

características morfológicas e morfométricas que o confundiram inicialmente com

juvenis de Octopus vulgaris. A presença de machos maduros foi determinante, pois os

espermatóforos, a lígula e tamanho dos adultos auxiliaram na identificação (Voss, 1964

e Mangold, 1983). Robson (1929) descreveu duas formas para esta espécie no

Mediterrâneo: var. dama, caracterizada por apresentar um manto mais estreito e olhos

proeminentes, e var. forma típica, com um manto mais ovóide. Ambas formas foram

encontradas no Atol das Rocas, a primeira associada aos juvenis e a segunda aos

adultos.

A ocorrência do O. defilippi foi registrada somente sobre os recifes de coral do

Atol das Rocas, apesar desta ser uma espécie de fundos de areia e lama (Hanlon, 1988;

Guerra, 1992; Mangold, 1998). Esse fato pode ser explicado em função da lagoa central

formada no interior do Atol que, além de apresentar condições ideais para a ocorrência

desta espécie, permite também que o O. defilippi possa ser encontrado esporadicamente

sobre a área dos recifes a procura de comida ou devido a fatores não conhecidos.

Octopus macropus

O Octopus macropus Risso, 1826 foi facilmente reconhecido e separado das

demais espécies por ser tipicamente mais delgado, com braços longos e finos,

principalmente o primeiro par, fórmula da membrana braquial A=B:C:D:E e possuir 12

lamelas branquiais (Palacio, 1977, Nesis, 1987, Guerra, 1992, Mangold, 1998). Trata-se

de uma espécie tropical de águas rasas e recifes de coral de ampla distribuição (Hanlon,

1988; Mangold, 1998). A partir de um único registro em Fernando de Noronha não foi

37

possível tecer grandes considerações sobre sua distribuição, porém sua ausência a

menos de 20 metros de profundidade onde predomina Octopus sp C, pode indicar uma

estratificação por profundidades de espécies de nichos ecológicos muito próximos

(Houck, 1982; Hanlon e Messenger, 1996).

Octopus filosus

Esta espécie é atualmente denominada Octopus filosus Howell, 1868 (Toll, 1990;

Voss e Toll, 1998), porém encontra-se na literatura citada principalmente como Octopus

hummelincki Adam, 1936 (Nesis, 1987, Roper et al., 1984). As análises multivariadas e

a caracterização morfométrica inicial dos espécimes examinados situou-os junto a

Octopus sp C, porém, as características dos esperamatóforos, da lígula, do bico e o

tamanho do único macho adulto examinado, os diferenciaram desta espécie. A

identificação foi resolvida pelas características da rádula e da pele (Burguess, 1966,

Palacio, 1977).

Única espécie ocelada descrita para o Atlântico Sudoccidental (Haimovici et

al.,1994; Voss e Toll, 1998), a identificação dos espécimes coletados teria sido rápida e

clara não fosse a ausência dos ocelos nos três O. filosus examinados. Entretanto,

Burgness (1966) e Voss e Toll (1998) deixam evidente que, apesar do ocelo ser a feição

mais distintiva dessa espécie, sua intensidade é variável principalmente em espécimes

conservadas, com cerca de 28% do material analisado por Burgness não apresentando

ocelos visíveis. É interessante ressaltar, que Pickford (1945) em seu estudo sobre os

Octopodidae litorâneos do Atlântico Ocidental, comenta que quando o ocelo encontra-

se ausente ou obscurecido pode-se confundir esta espécie com a forma complexa dos

“Octopus rugosus”.

38

5.2. Observações de Octopus sp C no ambiente.

Os registros dos Octopus sp C e de suas tocas sem formação de grupos nas águas

rasas de Fernando de Noronha, sugere um comportamento territorialista comum a outras

espécies do gênero Octopus (Mather e O’Dor, 1991; Hanlon e Messenger, 1996). A

única exceção foi em agosto de 2001 no Buraco do Inferno/FN, onde se observou vários

exemplares, dos quais foram coletados quatro machos e uma fêmea maduros, numa área

de menos de 100 m2, podendo indicar um comportamento reprodutivo (Hanlon e

Messenger, 1996). Embora se trate de uma espécie com preferência por platôs de recifes

de coral e fundos rochosos em águas rasas, a maior concentração de jovens na zona

intertidal e de adultos a partir do infralitoral parece indicar uma segregação, relacionada

ao tamanho ou ao estágio de maturação (Mangold, 1983; Mather 1988, Hanlon e

Messenger, 1996). Fêmeas protegendo e arejando ovos foram observadas por

mergulhadores locais no infralitoral. Se esta informação for confirmada, poderia

representar uma diferenciação ecológica com Octopus vulgaris que desova em águas

mais profundas (Mangold, 1983).

Os padrões corporais e comportamentais, de Octopus sp C, mostraram uma alta

variedade de componentes cromáticos, texturais e posturais. Alguns desses

componentes são comuns aos registrados para outras espécies do gênero, como O.

vulgaris (Mather e Mather, 1994) e Octopus bimaculoides, (Forsythe e Hanlon, 1988) e

outros não, como as manchas escuras na porção do manto dorsal posterior aos olhos,

que poderiam ser utilizados para traçar um perfil corporal e comportamental

característico da espécie.

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Distribuição geográfica

Octopus sp C possui ovos pequenos, de diâmetro comparável aos de outras espécies

de Octopodidae com fase larval planctônica (Hochberg et al., 1992), o que possibilita

uma maior dispersão que a das espécies com juvenis bentônicos (Voight, 1998). Desta

forma, embora as ocorrências de Octopus sp C no presente estudo tenham sido

registradas praticamente nas ilhas oceânicas brasileiras, não pode ser descartada a

possibilidade de uma distribuição mais ampla, tanto para a plataforma do leste da

América quanto para a plataforma do oeste da África, ou mesmo para outras ilhas do

Oceano Atlântico, como: Santa Helena, Tristão da Cunha ou Ascención.

Uma distribuição restrita às ilhas oceânicas não pode ser descartada, porém, seria

pouco provável. Estudos com moluscos bentônicos da Ilha de Ascensão no Atlântico

tropical central evidenciam uma fauna composta principalmente por um número similar

de espécies do Atlântico Leste e do Atlântico Oeste, um certo número que se distribuem

em ambos os lados do Atlântico e 9% de espécies endêmicas. Oitenta por cento do total

dessas espécies possuíam larvas plânctonicas (Rosewater, 1975).

O Atlântico Equatorial encontra-se principalmente sob a influência das Correntes

Equatorial Sul e Norte e da Contra Corrente Equatorial. Considerando que as larvas de

Octopus sp C permaneçam no plâncton de 2 a 3 meses, como outras espécies de

octópodes com ovos de tamanhos comparáveis (Mangold, 1983), estas poderiam ser

transportadas por longas distâncias, tanto para o leste como para o oeste. Porém esta

potencialidade não necessariamente se traduz em efetiva ocupação, já que a fauna

conhecida de Octopodidae do Atlântico Oeste inclui 18 espécies das quais 12 endêmicas

em comparação com 3 espécies endêmicas das 9 consideradas válidas para o Atlântico

Leste (Voight, 1998).

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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O levantamento realizado restringiu-se às águas rasas, em especial fundos rochosos

e recifes de coral, de uma pequena parte do litoral do nordeste e ilhas oceânicas. Coletas

em águas mais profundas e outros substratos podem levar a identificação de novas

espécies, uma vez que a região nordeste e norte do Brasil como um todo foi pouco

estudada.

Estudos de genética molecular em curso podem contribuir para identificação e

estabelecimento das relações filogenéticas do Octopus sp C. Estudos detalhados sobre

sua ecologia e comportamento irá caracterizar o nicho desta espécie e, desta forma,

poderá se compreender melhor os limites de sua ocorrência.

Um conhecimento mais aprofundado da fauna de octópodes de águas rasas da costa

do Caribe, América do Sul e África e das demais ilhas oceânicas existentes no Atlântico

Sul e Central seria necessário para delimitar a distribuição de Octopus sp C. Uma

revisão dos tipos das espécies nominais das ilhas oceânicas com características

semelhantes é fundamental para classificar Octopus sp C numa espécie válida.