Conciliações nos conflitos sobre direitos da Seguridade Social

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QUARTA REGIÃO

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QUARTA REGIÃO

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 1-531, 2012

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Revista do Tribunal Regional Federal 4. Região. – Vol. 1, n. 1 (jan./mar. 1990)- . – Porto Alegre: Tribunal Regional Federal da 4. Região, 1990- . v. ; 23 cm.

Semestral. Inicialmente trimestral. RepositórioOficialdoTRF4Região. ISSN 0103-6599

1. Direito – Periódicos. I. Título. II. Brasil. Tribunal Regional Federal. Região, 4ª.

CDU 34(051)

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL4ª Região

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RS

PABX: 0 XX 51-3213-3000e-mail: [email protected]: 850 exemplares

Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistraturado Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ficha Técnica

Direção:Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado

Assessoria:Isabel Cristina Lima Selau

Direção da Divisão de Publicações:Arlete Hartmann

Análise e Indexação:Giovana Torresan VieiraMarta Freitas Heemann

Revisão e Formatação:Candice de Morais Alcântara

Carlos Campos PalmeiroLeonardo Schneider

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LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADODes. Federal Diretor da Escola da Magistratura

QUARTA REGIÃO

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

JURISDIÇÃORio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná

COMPOSIÇÃOEm 30 de março de 2012

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994 – PresidenteDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Vice-Presidente

Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999 – Corregedor RegionalDesa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997 – Coordenadora dos JEFsDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998

Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001 – Coordenador-Geral do Sistema de ConciliaçãoDes. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001 – Diretor da Emagis

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001 – Conselheiro da EmagisDes.FederalNéfiCordeiro–13.05.2002

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004

Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004 – Conselheiro da Emagis

Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005

Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006 – Vice-Corregedor RegionalDes. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006 – OuvidorDesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007

Des. Federal Fernando Quadros da Silva – 23.11.2009Des. Federal Márcio Antônio Rocha – 26.04.2010

Des. Federal Rogerio Favreto – 11.07.2011Des. Federal Jorge Antonio Maurique – 24.02.2012

Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior (convocado)Juiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)

Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)

Juiz Federal Nivaldo Brunoni (convocado)

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CORTE ESPECIALEm 30 de março de 2012

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – PresidenteDesa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior

Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Vice-Presidente Des. Federal Tadaaqui Hirose – Corregedor Regional

Des. Federal Paulo Afonso Brum VazDes. Federal NéfiCordeiro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. Federal Celso Kipper

Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – Conselheiro da EmagisDes. Federal Joel Ilan Paciornik

Suplentes:Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Diretor da Emagis

Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Conselheiro da EmagisDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃOEm 30 de março de 2012

Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – PresidenteDes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Vice-Presidente

Des. Federal Tadaaqui Hirose – Corregedor RegionalDes. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Suplentes:Des. Federal João Batista Pinto SilveiraDes. Federal Fernando Quadros da Silva

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PRIMEIRA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

Des. Federal Joel Ilan PaciornikDes. Federal Rômulo Pizzolatti

Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

SEGUNDA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo AurvalleDes. Federal Fernando Quadros da Silva

Des. Federal Jorge Antonio MauriqueJuiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)

TERCEIRA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Des. Federal João Batista Pinto SilveiraDes. Federal Celso Kipper

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle PereiraDes. Federal Rogerio Favreto

Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior (convocado)Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)

QUARTA SEÇÃODes. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Presidente

Des. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes.FederalNéfiCordeiro

Des. Federal Victor Luiz dos Santos LausDes. Federal Márcio Antônio Rocha

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PRIMEIRA TURMADes. Federal Joel Ilan Paciornik – Presidente

Desa. Federal Maria de Fátima Freitas LabarrèreDes. Federal Álvaro Eduardo Junqueira

SEGUNDA TURMADes. Federal Otávio Roberto Pamplona – Presidente

Des. Federal Rômulo PizzolattiDesa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch

TERCEIRA TURMADes. Federal Fernando Quadros da Silva – Presidente

Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaDes. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

QUARTA TURMADes. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – Presidente

Des. Federal Jorge Antonio MauriqueJuiz Federal João Pedro Gebran Neto (convocado)

QUINTA TURMADes. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – Presidente

Des. Federal Rogerio FavretoJuiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior (convocado)

SEXTA TURMADes. Federal Celso Kipper – PresidenteDes. Federal João Batista Pinto Silveira

Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)

SÉTIMA TURMADes.FederalNéfiCordeiro–PresidenteDes. Federal Élcio Pinheiro de CastroDes. Federal Márcio Antônio Rocha

OITAVA TURMADes. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – Presidente

Des. Federal Luiz Fernando Wowk PenteadoDes. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

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SUMÁRIO

DOUTRINA...........................................................................................13

Parecer: Magistratura. Concurso. Exclusão de candidato após a sua habilitação. Ilegalidade.Carlos Thompson Flores.................................................................15

ConciliaçõesnosconflitossobredireitosdaSeguridadeSocialPaulo Afonso Brum Vaz.................................................................29

Aeleiçãodoconselhofiscalnasociedadeanônima(comentárioaoart. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76)Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz........................................41

Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civil brasileiro:elementosparaumareflexãocríticaLuiz Edson Fachin........................................................................49

DISCURSOS.........................................................................................59Otávio Roberto Pamplona.............................................................61Jorge Antonio Maurique.................................................................71

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ACÓRDÃOS........................................................................................81Direito Administrativo e Direito Civil..............................................83Direito Penal e Direito Processual Penal........................................151Direito Previdenciário..................................................................245Direito Processual Civil...............................................................337Direito Tributário.........................................................................353

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE.........................391

SÚMULAS.........................................................................................495

RESUMO...........................................................................................505

ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................509

ÍNDICE ANALÍTICO........................................................................513

ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................525

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DOUTRINA

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Parecer: Magistratura. Concurso. Exclusão de candidato após a sua habilitação. Ilegalidade.*

Carlos Thompson Flores**

Consultado pela Dra. M.C.M.A.B., por intermédio de seu ilustre procurador, acerca da possibilidade de emitir parecer sobre Mandado de Segurança que ajuizou perante o Órgão Especial do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, procedi ao exame das várias xerocópias extraídas dos respectivos autos e que me foram encaminhadas.

Do estudo das questões de direito que delas promanam, convenci--me do “bom direito” que lhe assiste. Por isso, dispus-me em atendê-la, passando a fazê-lo, segundo o presente instrumento.

I Os fatos

Com clareza e precisão, além de minuciosidade, assim os expõe o nobreconsulente,nasuapetiçãoinicial,fls.2-4:

“1. A suplicante, em 06 de agosto do ano de 1982, assumiu o cargo de Pretor, após haver sido aprovada em concurso público de provas e títulos, tendo exercido jurisdição na comarca de Pelotas, em Varas Cíveis e Criminais, estando, atualmente, em razão de haver sido reconduzida, titulando a 3ª Vara Cível da aludida comarca (doc. nº 2).

* Parecer lavrado em 18.04.1986.**Ministro aposentado e ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Em 2011, comemorou-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.

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2. Em face do Edital nº 24/83, publicado no D.O. de 23.09.83, a impetrante inscreveu--se no concurso para provimento de cargos de Juiz de Direito, tendo se submetido a todas as etapas previstas, logrando completa aprovação. Assim, na fase preliminar, obteve as seguintes notas: seis e doze (6,12) em Português e sete (7,0) em Conhecimentos de Direi-to. Em razão desse resultado, a requerente obteve a inscriçãodefinitivanoconcurso,nostermos do item 3 do Edital.

3. A segunda etapa constituiu-se de provas escritas, tendo a suplicante novamente obtido aprovação, com as seguintes notas: sete (7,0) na sentença cível; seis e cinco (6,5) na sentença criminal; oito (8,0) em Direito Civil; quatro (4,0) em Direito Comercial; seis (6,0) em Direito Processual Civil; quatro (4,0) em Direito Penal; e cinco (5,0) em Direito Processual Penal.

4. Tendo em vista esse resultado, a impetrante submeteu-se às provas orais, em que também, mais uma vez, logrou êxito, com as notas seguintes: oito (8,0) em Direito Civil; oito (8,0) em Direito Comercial; quatro (4,0) em Direito Processual Civil; cinco (5,0) em Direito Penal; nove (9,0) em Direito Processual Penal; sete (7,0) em Direito Constitucio-nal; nove e cinco (9,5) em Direito Administrativo; e seis (6,0) em Organização Judiciária.

Em após, avaliaram-se os títulos apresentados pela requerente, tendo sido atribuída a nota seis e cinco (6,5).

5. Realizada a média de acordo com os termos do Edital, a suplicante obteve aprovação comanotafinaldeseisetrintaeum(6,31),vistoquesatisfeitastodasascondiçõesesta-belecidas,tendooseunomesidoincluídonarelaçãodoscandidatosclassificados,comosepode constatar do incluso documento, e colocado em 51º lugar (doc. nº 3).

As notas referidas pela impetrante acham-se consignadas na inclusa certidão (doc. nº 4).6. Além da aprovação no concurso de provas e títulos, foi a impetrante considerada apta

nos exames de saúde física e mental (item 7 do Edital), conforme comprovam os inclusos documentos (docs. nos 5, 6 e 7).

7.Surpreendentemente,contudo,narelaçãopublicadanoDiárioOficialde22demaiop.p., dando notícia dos candidatos aprovados (doc. nº 8), não constou o nome da impetrante, aliás o único que foi excluído da relação primitiva e ora apresentada sob o documento nº 3.

Inconformada com a não inclusão do seu nome na aludida relação, a impetrante mani-festou ‘pedido de reconsideração’ o qual, todavia, restou improvido (doc. nº 9).

8. Exaurida a área administrativa, vem agora a impetrante, com a devida vênia, para a esfera jurisdicional, onde espera ver reconhecido o direito, líquido e certo, qual seja, o de ver o seu nome incluído na relação de candidatos aprovados no concurso para Juiz de Direito, realizado sob a égide do Edital nº 24/83.”

II O direito

1.Parajustificarailegalidadedoatoimpugnado,indicaaimpetrantevários dispositivos legais, a começar pela Constituição Federal e do Esta-do, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, do Código de Organização Judiciária do Estado, bem como de normas constantes do Edital nº 24/83,

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com o qual se tornou pública a abertura do concurso para provimento do cargos de Juiz de Direito, sobre o qual versa este parecer.

São eles, os dispositivos, da Constituição Federal e do Estado, res-pectivamente, arts. 144, I, 153, §§ 4º e 33; da Loman, art. 78, § 2º; da Lei Estadual nº 6.929/75, integrando o Coje, como o da Lei nº 7.356/80, art. 7º; e, ainda, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça, e alguns do citado edital, operando, ainda, com citações de tratadistas e julgados dos Tribunais.

De outra parte, as informações prestadas pelo nobre Presidente do Tribunal de Justiça, procurando sustentar a legalidade do ato impugnado, acena com o Coje, art. 12; o Assento Regimental nº 1/80, regulamentando os concursos, art. 33; e disposições do edital já aludido.

2. Por último, o parecer contrário da Procuradoria-Geral de Justiça aponta a aplicação do art. 12 do Estatuto da Magistratura do Estado, com as alterações que lhe atribuiu a Lei Estadual nº 7.288/79, art. 12, depois de mencionar dispositivos da Constituição da República, arts. 144, 97 e 153,§§4ºe15;e,finalmente,comaLoman,art.78,§§2ºe9º.

Procura, outrossim, arrimar o seu pronunciamento na opinião de Se-abraFagundes,transcrevendo,porfim,decisõesdoEgrégioSupremoTribunal Federal, publicadas na Revista Trimestral de Jurisprudência.

III Da controvérsia jurídica e do seu correto deslinde

A) Considerações preliminares1. Os fatos são, em sua substância, precisos e certos, sobre eles não

ocorrendo qualquer dúvida ou discussão.Daí o acerto do remédio judicial do qual se valeu o ilustre patrono da

requerente – mandado de segurança –, dado que o direito é sempre certo. Eleexisteounão.ÉoqueafirmavaosaudosoMinistroCostaManso,aovotar em célebre julgamento no Plenário do Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando conceituou a expressão consignada na Constituição de 1934, art. 113, § 33 – direito certo e incontestável –, equivalente à que adotaram as Constituições e leis que vieram após, usando dos termos “direito líquido e certo”. É, também, o que registra Castro Nunes em sua festejada obra, Mandado de Segurança, ed. 1949, p. 81 e seguintes.

2. De outra parte, correta a jurisdição da qual se valeu a postulante, o Plenário do Tribunal de Justiça, por seu Órgão Especial (Constituição

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Federal, art. 119, I, i; Constituição do Estado, art. 132, parágrafo único, e Coje, art. 12, III, 2, 3ª indicação).

B) Do mérito do mandado de segurança1. A pretensão da suplicante é, como se constata do exame da peti-

ção inicial, desconstituir a deliberação do Órgão Especial do Tribunal de Justiça que a excluiu, sumariamente, da relação dos candidatos ao provimentodocargodeJuizdeDireitojáaprovadoseclassificados,nafasefinalederradeira,máximenegando-seadeclinaromotivodoseuproceder, ainda que por ela provocado, não lhe proporcionando, conse-quentemente, a oportunidade de oferecer qualquer defesa.

2. Considero, data maxima venia, que já não poderia legalmente fazê--lo àquela altura do procedimento concursal, quando não mais dispunha o Tribunal do poder discricionário, segundo as próprias disposições do mi-nucioso edital que, fundado nas normas legais e regimentais, disciplinou o certame, desde a sua fase inicial, compreendendo os pedidos iniciais das inscrições preliminares, provisórias ou precárias dos candidatos, até sua aprovação,classificação,indicação,nomeação,posseefinalexercício.

E o fez, inegavelmente, com clareza, não deixando, sobretudo no pertinente a suas fases, destinação de cada uma e área de compreensão, qualquer margem de dúvida.

3. E tão claro e translúcido parece-me o direito da requerente que me custa a atinar e compreender quão infeliz foi a inspiração da Egrégia Corte ao assim proceder. Divergiu da orientação ao menos de quando, para honra minha, integrei o seu Plenário, fazendo parte das inúmeras Comis-sões de Concurso e, quando chamado a apreciar situações semelhantes, ou mesmo idênticas às reveladas neste processo, distinguiu sempre o poder que dispunha inicialmente, para excluir da inscrição quaisquer candidatos a ela requerentes, discricionariamente, daquele outro que, a partirdeentão,lherestavae,atodotempo,mesmoapósaclassificação,quando seu poder seria apenas regrado, ou seja, menos amplo, obrigado queestavaadeclinaromotivopeloqualpudessejustificaraexclusãodo concorrente, acoimado de falta ou defeito que comprometesse sua moralidade, proporcionando-lhe, então, sua defesa e produção de provas, tudo sumária e secretamente, e apreciando, com o mesmo cuidado, de sua procedência ou não. De três deles, ao que me recordo, foram as acu-

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sações assim consideradas inteiramente rejeitadas, sendo eles nomeados, exercendo a magistratura com dignidade, por vários anos, um dos quais encontrei, não faz muito, aposentado, segundo informou-me, ao atingir a 4ª entrância. Por óbvias razões, estou impedido de declinar seus nomes.

4. É sabido e ressabido que a nomeação de Juiz de Direito constitui ato administrativo complexo, do qual participam, obrigatoriamente, dois dos Poderes do Estado: o Tribunal de Justiça e o Governador.

Versa a espécie sobre o citado ato administrativo, na sua fase primeira, antesdaindicaçãodosconcorrentesaprovadoseclassificadosparasuaregular nomeação.

Em dita fase, o procedimento concursal divide-se em outras tantas, as quais integram o que os autores denominam fases progressivas ou su-cessivas (O. Ranelletti, in Le Guarentigie della Giustizia nella Pubblica Ammnistrazione, 4. ed., Dott. A. Giuffrè Editore, 1934, p. 117, n. 76). Assemelha-se o concurso a uma espécie de escada, cujos degraus têm área própria e devida destinação. Por eles, degraus, vai ascendendo o con-corrente, conquistando, em cada um deles, um relativo direito subjetivo.

Parecem-me os concursos para provimento dos cargos públicos, especialmente os dos juízes, demaior qualificação, às licitações nasconcorrências públicas, como fazem notar os tratadistas da matéria. Deles, limito-me a indicar, por sua habitual clareza, o sempre consulta-do Professor Hely Lopes Meirelles, em várias de suas obras, inclusive Pareceres, e das quais destaco seu considerado Direito Administrativo Brasileiro, 5. ed., p. 396 e seguintes, e a clássica Licitação e Contrato Administrativo, 3. ed., p. 117 e seguintes, todas elas ilustradas com jul-gados, especialmente do Egrégio Supremo Tribunal Federal.

4.1. O que brota da simples leitura do edital em comentário é o que acabadeserafirmado.Suaclaralinguagemedisciplinação,referenteàsváriasfasesdocertame,mostraasuaracionalidade,permitindoverificar,como nas concorrências públicas já citadas, que, cumpridas que sejam pelo concorrente, completam-se, ultimam-se, a elas não mais se retor-nando.Certamentenãoseafirmaráquegozam,cumpridas,dopoderdares judicata,mas,porquedefinitivas,nãosereabrem.

5. Com efeito.O edital que rege o presente concurso, nº 24/83, é longo, detalhado

e bem sistematizado. Proporciona, assim, fácil compreensão. É penoso

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para o concorrente pelas exigências muitas que lhe impôs cumprir.5.1. Começa ele disciplinando o pedido de inscrição provisória, nº 1,

seguindo-se a chamada “Fase Preliminar”, nº 2. Nessa se realiza a no-minada “prova escrita preliminar”, dividida em duas partes devidamente esclarecidas, nos 2.1 a 2.6.

Aos que forem nela aprovados, proporciona-se o direito de requererem a“InscriçãoDefinitiva”,nº3.1,impondoaorequerente,alémdepetiçãodetalhada, a apresentação de novos documentos, nº 3, alíneas a e e.

Convém, desde já, sublinhar o que estatuem seus subitens 3.2 a 3.4.Dizem eles, verbis:“3.2 O Órgão Especial do Tribunal de Justiça, em sessão secreta, decidirá, conclusi-

vamente, e por livre convicção, a respeito da admissão dos candidatos aprovados na prova escrita preliminar, atendendo às suas qualidades e à sua aptidão para o cargo.

3.3 A Comissão colherá informes sobre os candidatos, procedendo à sindicância da vida pregressa e à investigação social.

3.4 Os candidatos aprovados na prova preliminar serão submetidos a entrevista com a Comissão de Concurso.”

5.2. Sucessivamente seguem-se as “Provas Escritas”, nº 4, discipli-nadas nos subitens 4.1 a 4.6; a “Prova Oral”, nº 5.1; a de “Aferição dos Títulos”, nº 5, integrada pelos subitens 5.1, alíneas a a n, e 6.2 a 6.5; as dos “Exames de Saúde Física e Mental e o Psicotécnico”, nº 7.

Atinge-se, assim, a cognominada “Nota Final”, nº 8; e, à derradeiro, o “Julgamento do Concurso”, nº 9. Encerra-se com os esclarecimentos do prazo de “validade” do concurso, nº 10. Segue-se a da “Nomeação”, nº 11, “Observações Gerais”, nos 12 a 12.5; e, para encerrar, o de nº 13, o da “Comissão de Concurso”.

6. A requerente submeteu-se a todas elas e as satisfez, cumpridamen-te,tantoqueatingiuaqueladaaprovaçãoesubsequenteclassificação,cabendo-lhe o 51º lugar, em lista que foi divulgada.

6.1. Foi aí que aconteceu o pior, resultando, após dita divulgação, omi-tido o seu nome ao ser publicada a relação no D.O. de 22.05.85. Continua ela a ignorar o motivo da exclusão, ainda que, em reclamo administrativo, o propugnasse, sendo ele indeferido, o que lhe obstou qualquer gênero de defesa da presuntiva ocorrência da falta, a qual há de ser grave, em face do grau de penalidade que lhe foi imposta, com o elenco de efeitos, os mais variados e negativos, quanto à sua personalidade.

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Observo, data venia, que em épocas passadas, como já salientei atrás, diversa era a orientação da Colenda Corte.

Vigilante sempre como me impendia o ser, como os demais Colegas, estive sempre atento a repelir concursandos sobre cuja idoneidade moral pairasse dúvida. E isso desde os momentos iniciais de análise da inscrição. Nessa fase, fazendo-o discricionariamente, como já era admissível (M. Petrozziello, in Il Rapporto di Pubblico Impiego, Società Editrice Libra-ria, 1935, p. CLI). Mas, note-se, procedia o Eg. Tribunal diversamente quando a acusação ocorria em fases posteriores do concurso, quaisquer que fossem elas, mesmo à altura posterior à da aprovação e prestes à indi-caçãodoscandidatosjáclassificados.Ouvia-se,nesseínterim,oacusadopara que a conhecesse, oferecesse defesa e, se o quisesse, apresentasse provas. Em sessão secreta, o Tribunal apreciava o ocorrido e decidia, por maioria de votos, pela sua procedência ou não. Excluía-se o concorrente na primeira hipótese, ou mantinha-se-o no lugar conquistado na segunda. E assim era o seu procedimento habitual, repetido e unânime, isso porque seu ato administrativo era, manifestamente, regrado, em harmonia com os termos da lei e em consonância com as garantias que a Constituição assegurava ao candidato.

Em precioso estudo intitulado L’Esclusione dai Pubblici Concorsi e L’art. 51 della Costituzione, publicado na renomada Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1952, conclui, emsignificativo trecho,GiovanniMiele, verbis:

“Quindi, di fronte a un atto amministrativo lesivo di un diritto o interesse legittimo v’è sempre la possibilità della tutela giurisdizionale; ma, poichè la lesione di un diritto o interesse legittimo può essere in relazione ai motivi determinanti dell’atto, la persona cui il provvedimento si riferisce deve essere messa in grado di conoscerli. Ne consegue allora, che, allo stesso modo in cui gli altri elementi rilevanti per la legittimità dell’atto risulta-no o debbono risultare dall’atto stesso, come la competenza, l’osservanza delle forme e della procedura, la menzione che è stato udito un parere obbligatorio, così parimenti deve risultare dall’atto la specificazione delle ragioni giustificative che siano giuridicamente rilevanti per la legittimità di esso.”

7. Considero, por isso, data venia, que mal orientada esteve a Egrégia Corte ao proferir a deliberação com respeito à requerente.

8. A análise do edital do concurso não autoriza, data venia, a exclusão comentada.

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Realmente, e cabe insistir.Em duas oportunidades, o respeitável Órgão Especial do Tribunal de

Justiça examina e decide a respeito da idoneidade do concorrente: primei-ramente,nachamada“InscriçãoDefinitiva”,nos 3 e 3.2; posteriormente, a segunda das fases para o exame da honorabilidade do candidato é a do “Julgamento do Concurso”, nº 9, e, em especial, nº 9.1.

Convém ter presentes essas normas indicadas, as quais me abstenho de transcrever para não estender em demasia o presente pronunciamento, visto que as recordando a cada passo, pois elas são decisivas para apreciar o procedimento recursal.

8.1. Na primeira fase, o poder da Corte é discricionário, tal como o conceitua a doutrina e repetem os julgados dos Tribunais.

Na segunda das fases indicadas seu poder é regrado, como em qualquer outro momento, até o da posse do candidato. E, ocorrendo a indicação da falta, o comportamento do Tribunal é diverso, obrigado que está a convocar o acusado, revelando-lhe em que consiste a inculpação.

Oferece-lhe, então, oportunidade de defesa e até de produção de provas. Secretamente as examina e decide, já não mais de plano e con-clusivamente, como sucede quando dispõe do poder discricionário, visto que com base no livre convencimento, e conclui por sua procedência ou não, com os efeitos daí emergentes e já considerados, como é próprio do ato regrado.

O cuidado que deve orientar o Tribunal no exame da honorabilidade dos candidatos à judicatura é questão que me dispenso de considerar, pois é conhecido o alto proceder com que sempre atua a mais alta Corte de Justiça local.

Ora, se a honradez do cidadão merece integrar sua personalidade, admitindo presuntivamente sua ocorrência, com mais forte razão a do funcionário público que dispõe de parcela de autoridade, notadamente o juiz, que vai julgar os atos de seus jurisdicionados, nos mais variados sentidos, seja na família, como marido e pai; seja no ambiente de traba-lho, quando pratica tantos atos administrativos, no exercício da função, quanto na tela criminal, quando aplica as mais graves sanções.

São os magistrados como a mulher de César, sejam, em realidade, honrados, mas pareçam o ser, como requer a comunidade onde irão praticar o seu delicado ofício.

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8.2. Não foi em vão que o Egrégio Tribunal de Justiça, ao ser proce-dida a adaptação da Constituição do Estado à Carta Federal, propôs – e a Colenda Assembleia Legislativa aceitou – a adaptação que constou do novo texto constitucional do Estado, em seus arts. 109, V, e 115.

Todavia, o Governador representou à Procuradoria-Geral da República arguindo a inconstitucionalidade dos preceitos citados, além de muitos outros.

Tomou dita Representação o nº 749 e foi julgada improcedente (Re-presentações no Supremo Tribunal Federal, Tomo II, p. 206 e seguintes; RTJ, v. 50, p. 738 e seguintes).

Criou-se,naocasião,afiguradoJuizAdjunto,estatuindo-sequesóse tornaria Juiz de Direito aquele que, depois de ultrapassado o prazo de dois anos da investidura no cargo para o qual havia prestado concurso apenas nas provas intelectuais, prestasse, agora, decorrido o biênio, concurso de títulos.

Aexcelênciadonovosistema,salienteientão,ecomligeirasmodifi-cações de forma, consta hoje da Carta local, Emenda nº 7.

8.3. Invoco o precedente para mostrar que a vigilância dos Órgãos Disciplinaresnãosefindacomosconcursos,sobreosquaissediscuteneste mandado de segurança. Prorroga-se ela pela vida inteira dos ma-gistrados em atividade. E ela se torna mais fácil, proveitosa e salutar ao Poder Judiciário quando antes de adquirir o magistrado as prerrogativas de juiz vitalício. Ela já ocorria, há anos, no Estado de São Paulo, no extinto Estado da Guanabara, onde o prazo era de quatro anos, e, pelas virtudes do sistema, outras unidades da federação o aceitaram.

É que, até então, precárias eram as condições para examinar requisitos outros a satisfazer pelo juiz, além daqueles comprovados no concurso de provas.

Os que versaram os predicamentos impostos aos bons juízes os destacam em suas obras, seus votos e seus artigos de doutrina (Mário Guimarães, O Juiz e a função jurisdicional; identicamente o salientou o julgado em M.S. nº 2.267, em 30.11.53, publicado na RDA, v. 60, p. 120-3). O Diagnóstico elaborado pelo Supremo Tribunal Federal sobre a Reforma do Poder Judiciário realizada em 1977, quando eu exercia a Presidência daquela Alta Corte, depois do estudo meditado dos mais de noventa volumes com proposições dos Tribunais e mais aquelas que

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constam hoje de seus arquivos, o salienta. Igualmente o faz a Proposta de Reforma do mesmo Estatuto, em 11.05.56 (in RDA, v. 46, p. 54 e seguintes).

Cabe ler, para melhor ilustrar, todo o debate que se fez na Egrégia Suprema Corte quando, larga e profundamente, houve por bem rejeitar ainconstitucionalidadedarepresentação,noparticular,paraseverificara importância que aquela Corte emprestou aos predicamentos impostos aos juízes (Rp. nº 749, in RTJ, v. 50, p. 738 e seguintes).

8.4. Essas observações que acabam de ser feitas bem evidenciam a exigência mais que indormida que se reclama quanto aos juízes e aos Órgãos Superiores que sobre eles têm jurisdição, notadamente disci-plinar – em faltas de ordem moral e social, acaso ocorrentes, ao menos a eles imputadas, impõe-se, como não poderia deixar de ser, sob pena de contrariar a Constituição, assegurar-lhes toda defesa, dependendo os procedimentos adotados dos direitos subjetivos que já dispõem, tal como estatuem os diplomas citados. E acentue-se que sempre se opera veladamente, discretamente e até, por vezes, secretamente, para assegurar, a cada passo, a discrição na sua apuração, em prol do Poder Judiciário.

Falam por si alguns julgamentos ocorridos na Suprema Corte, muitos dos quais com minha participação, como se vê das publicações já feitas (RTJ, v. 85, p. 986 e segs.; v. 86, p. 619 e segs.; v. 89, p. 846 e segs.; e v. 109, p. 48 e segs.).

9. In casu, a requerente foi excluída, cancelando-se a sua inscrição sumariamente, nas circunstâncias já por vezes várias sublinhadas, quan-do,atéentão,suainscriçãoprevaleceuparajustificarasmuitasprovasque lhe sucedeu.

Procedeu a Egrégia Corte como se dispusesse do poder discricionário que já não possuía, o qual era evidentemente regrado. Obrigada, então, ao exercício de atividade sujeita à disciplina legal, seja como se deduz das disposições constantes do edital já comentado, as quais condensam toda a legislação pertinente, seja da própria Constituição, ao calor das quais devem ser consideradas e obedecidas.

9.1. Na espécie já tão examinada, omitindo-se o Colendo Tribunal em proporcionar à requerente, como lhe cumpria, o direito de defender-se, praticou ato administrativo eivado de nulidade mortal, tal como dispõe o Código Civil, art. 145, IV, aplicável também aos atos administrativos, na

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lição unânime dos autores, como já salientava há anos o Mestre saudoso Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, 5. ed., 1982, p. 94), combinado com o art. 153, §§ 15, 21 e 4º, da Constituição Federal de 1969.

Outro não é o ensinamento de Raphael Alibert, em sua obra clássica Le Contrôle Juridictionnel de L’Administration, Paris, 1926, p. 221-2, verbis:

“Le vice de forme en droit administratif est une nullitté qui provient de la violation de formes édictées par les lois et règlements. Cette nullité existe sans texte et elle est en principe absolue.

Les formalités administratives ne sont pas des procédures de pure forme dont il serait loisible à l’administration d’éluder l’accomplissement. Ce sont des garanties accordées aux administrés; elles sont pour eux la contre-partie des pouvoirs exorbitants de l’administration, ainsi qu’une assurance contre le risque des décisions hâtives, mal étudiées et vexatoires. Elles sont en principe d’ordre public.”

9.2. É lamentável que a Egrégia Corte tenha procedido contra a lei, realizando o ato impugnado, deslembrada de assegurar o direito de defesa à concorrente, máxime nas circunstâncias em que o fez. Dito direito é inato à criatura humana.

O próprio Deus, o mais sábio e justo dos juízes, assim o entendeu, apesar do seu poder total, desde o princípio do mundo. Externou-o ao ser cometido o primeiro homicídio ocorrido sobre a Terra, quando Caim, levado pela inveja, matou seu irmão Abel.

São palavras do Senhor, segundo a Bíblia Sagrada, Genesis, cap. 4, nº 9: “E o Senhor disse a Caim: ‘Onde está teu irmão Abel?’ Ao que Caim respondeu: ‘Eu não sei. Acaso sou eu guarda do meu irmão?’”

E consta do mesmo livro e capítulo, nº 10: “Disse-lhe o Senhor: ‘Que éoquefizeste?Avozdosanguedeteuirmãoclamadesdeaterraatémim’”.

E, só então, o Senhor o puniu. Não se animou, o maior Juiz, a aplicar--lhe a sanção, como o fez, sem ouvi-lo para que se defendesse.

E assim seguiu-se na marcha das gerações.Entre nós, o direito de defesa jamais foi ignorado nem deixou de ser

reconhecido. Desde o regime republicano, conforme a Constituição de 1891, resultou expresso, art. 72, § 16. Integrou ele as demais Constitui-ções que àquela se seguiram: 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda nº 1/69,

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art. 153, § 15, em pleno vigor.9.3. Por certo os fatos mais comuns ocorrem nos procedimentos cri-

minais. Mas sempre se reconheceu a necessidade de observar-se o direito de defesa nos processos administrativos, quando do seu exame se imputa falta grave ao servidor. No presente procedimento, a toda evidência, ele é de aplicar-se, uma vez que trata de processo semelhante ao qual incidem normas decorrentes do Direito Administrativo.

9.4. Cabe assinalar que, mesmo no regime revolucionário instaurado no País em 1964, os Atos Institucionais, embora sobranceiros à própria Constituição, reconheceram o direito de defesa, deixando-o expresso. Assim ocorreu com o primeiro deles, AI nº 1/64, art. 7º, § 4º, com a re-gulamentação que lhe atribuiu o Decreto nº 53.897, de 27.04.1964, art. 5º (in RF, v. 206/434), ao impor graves sanções.

No Supremo Tribunal Federal, concorri com meu voto para anular diversas sanções impostas com base no citado art. 7º, § 4º. E o fundamento central das nulidades dos procedimentos referidos assentou na falta de audiência dos imputados, como o impunha a citada legislação. Destaco de tais julgamentos os primeiros deles, publicados na RTJ, v. 47/211; v. 50/67; e v. 53, p. 120 e 379.

Inegavelmente o princípio em comentário, direito de defesa, aplica--se ao procedimento do concurso quando, é certo, ocorre acusação sobreoconcorrentejáadmitidoemdefinitivo,depoisdeprocedidooseu respectivo exame, discricionariamente, pelo Tribunal. Certo ele não vem expresso, apesar dos detalhes introduzidos na regulamentação do concurso, seja no edital, seja em leis outras a ele referentes.

Dito direito, que o Padre Vieira acentuava em seus “Sermões” ser “sa-grado”, está implícito na sua disciplinação, uma vez que a Constituição sobre ele incide, projetando-se com toda a força e intensidade.

Cabe, aqui, invocar a lição do saudoso mestre Pontes de Miranda, em seus Comentários à Constituição de 1967 c/c a Emenda nº 1/69, Tomo 4º, p. 624, c, verbis:

“Nenhuma lei brasileira pode ser interpretada ou executada em contradição com os enunciados da Declaração de Direitos, nem em contradição com quaisquer outros artigos da Constituição de 1967; porém, alguns dos incisos do art. 153 são acima do Estado, e as próprias Assembleias Constituintes não os podem revogar ou derrogar. Tais incisos são os que contêm declaração de direitos fundamentais supraestatais.”

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10.1. Certamente se dirá que, em sendo assim, mesmo na primeira fase do certame, havendo dúvida sobre a idoneidade do concorrente, o direito de defesa tinha de lhe ser reconhecido. Sem qualquer razão o argumento porque opera, então, o Tribunal discricionariamente, com o poder que sempre se lhe reconheceu e sempre constou das leis e dos regulamentos dos concursos. E inexiste, ademais, qualquer direito do candidato de ser admitido naquele instante prefacial do respectivo procedimento. Jamais daí por diante, quando o seu pedido de inscrição já fora reconhecido comodefinitivo,talcomoocorreucomarequerente.

10.2. Por último, e para concluir.O Egrégio Tribunal teria cancelado a inscrição da postulante e, con-

sequentemente,aexcluídodoroldoscandidatosjáclassificados,ondese encontrava. Presumidamente, por considerá-la inidônea.

10.3. Todavia, surpreendentemente, em momento posterior, propôs a sua recondução ao cargo de Pretor para a mesma comarca a qual já jurisdicionava, Pelotas, onde sempre viveu na condição, outrossim, de mulher casada, como o era e é, no mesmo lar, o qual, também, jamais fora afetado.

10.4. Para admissão ao cargo em questão, Pretor, é condição ser pes-soa idônea, exigindo-se que faça prova de idoneidade moral, conforme Assento Regimental nº 1/82, art. 10, nº 4. Tal condição foi feita e reco-nhecida no respectivo concurso. Agora, reiterou o Egrégio Tribunal seu reconhecimento, ao propor sua recondução, como o requer o Assento Regimental nº 2/84, art. 22.

10.5. Inexplicavelmente, negou perdurasse dita idoneidade no procedi-mento aqui atacado, quando, em consequência, adveio o ato impugnado.

10.6. Uma única solução é de extrair-se: a idoneidade da postulante a acompanhou sempre ou, entrementes, dela tendo decaído após o julga-mentofinaldoconcurso.Entretanto,areconquistaramaistarde,aoproporo Tribunal a sua recondução ao cargo de Pretor ou, ainda, a acusação que levara a Corte a excluí-la do concurso e gerou o ato impugnado teria sido julgada improcedente, quando melhor apurado o fato imputado.

10.7. O que era, então, de esperar-se do Egrégio Colegiado era corrigir seu erro anterior, que ocasionara a prática do ato atacado, com base no princípio insculpido na Súmula do Supremo Tribunal Federal, verbetes nos 346 e 473, primeira parte, condensando julgamentos seus, fundados

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na melhor doutrina.Dispõe o primeiro, verbis: “A administração pública pode declarar a

nulidade dos seus próprios atos”.E o segundo: “A administração pode anular seus próprios atos quando

eivados de vícios que os tornam ilegais porque deles não se originam direitos”.

10.8. A essa altura, somente resta lançar a conclusão deste parecer. É o que se faz, encerrando-o; nele, por vezes se repetiu certas deduções mas, repita-se, com a intenção única de melhor esclarecê-las, para salientar o direito líquido e certo da requerente.

Conclusões

Espera-se, assim, que o Egrégio Tribunal, por seu Órgão Especial, em suaaltasabedoria,defiraopresentemandamus, reconhecendo a nulidade do ato impugnado, repondo a postulante na mesma situação em que se encontravaquandoa afastouda relaçãoclassificatória (R.Alibert, in op.cit.,p.53);ou,pelomenos,defira-oempartepara,anulandoocita-do ato, proporcionar à postulante a defesa da falta que lhe é imputada, declinando-se, concretamente, qual seja ela, e, se considerar necessário, a produção de provas de sua improcedência.

É o parecer.Porto Alegre, 18 de abril de 1986.

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Conciliações nos conflitos sobre direitos da Seguridade Social

Paulo Afonso Brum Vaz*

Resumo

Trata o presente artigo do tema conciliações na Seguridade Social na perspectiva de uma proposta de incremento das soluções consensuais na Justiça Federal a partir do advento da Política Judiciária Nacional de tratamentoadequadodosconflitosde interessesnoâmbitodoPo-der Judiciário. Destaca-se a imprescindível cooperação do INSS e dos advogados, bem assim a necessidade de releitura do papel dos juízes e conciliadores,afimdesechegaraumamaioraproximaçãodaspropostasao valor monetário efetivamente devido, evitando que a mora judiciária na entrega da prestação jurisdicional seja utilizada como argumento de pressãoparaqueapartehipossuficienteculminepremidaaaceitarumacordo com supressão unilateral de direito.

Palavras-chave: Política Judiciária Nacional. Conciliação. Tribunais Multiportas. Seguridade Social. Autocomposição. Juízes. Advogados. Procuradores. INSS. Litígio.

* Desembargador Federal, Coordenador do Sistema de Conciliações – Sistcon/Núcleo Permanente de MétodosConsensuaisdeSoluçãodeConflitosdoTribunalRegionalFederalda4ªRegião,MestreemPoderJudiciário pela FGV.

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Sumário: Introdução. 1 Mecanismos alternativos de resolução de conflitos.2OPoderPúblicoeasconciliações.3Onovopapeldoadvogado na conciliação. 4 Sobre a Política Judiciária Nacional de Conciliação. 5 Breves fundamentos conciliatórios. 6 Conciliações nasAçõesPrevidenciárias.Consideraçõesfinais.

IntroduçãoO Judiciário brasileiro encontra-se mergulhado no que se

pode chamar de crise multifacetada, caracterizada por tensões de eficiência e de identidade da justiça. A eficiência é comprome-tida pelo déficit qualitativo e quantitativo referente à prestação jurisdicional, que, analisada sob o ponto de vista da eficácia e da efetividade, está longe de ser satisfatória. A identidade, por sua vez, encontra-se sob sério risco, na medida em que o papel de vetor de transformações sociais e instrumento de solução de conflitos com eficácia para a pacificação social também está esmaecido e sensivelmente comprometido.

O presente artigo analisa aspectos pontuais dos mecanismos de resolução integrativa de conflitos enquanto tentativa de solu-ção das referidas crises. A chegada da chamada terceira onda de acesso à justiça parece apontar para a superação do modelo de solução adjudicada pela autoridade estatal, ainda amplamente adotado, sobretudo nas ações previdenciárias, dado o marcado cunho social.

Todos os caminhos passam pela releitura dos papéis da justiça, do poder público e dos advogados. Nesse contexto, uma vari-ável relevante no processo de alavancagem da autocomposição é também a política de elevação dos patamares financeiros das propostas conciliatórias.

1 Mecanismos alternativos de resolução de conflitosO modelo tradicional de solução de conflitos empregado pelo

Poder Judiciário, detentor do monopólio da jurisdição, coloca as partes em um verdadeiro duelo, uma vez que predispostas em lados antagônicos no processo judicial, acirrando o preexisten-te estado de tensão em que um ganha e o outro perde, quando ambos não perdem. Na autocomposição, inverte-se essa lógica, pois o que se tem é o chamado “ganha-ganha”: ambas as partes

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saem vencedoras.1

Comaconciliaçãoabre-seumanovaemaiseficaztécnicadegestãodo processo, que é a consensual, possibilitando ao Poder Judiciário prestarumserviçomaisqualificadoemelhoraroatendimentoeonívelde satisfação dos seus usuários.

A conciliação, enquanto via integrativa e democrática de solução de conflitos,2 para além de reduzir a demanda de processos, o que é apenas umaconsequência,apresentaavantagemdaverdadeirapacificaçãoso-cial. A melhor sentença não possui o valor de um acordo. Na sentença, o Estado-juizsesubstituiàvontadedaspartes,masnãosolucionaoconflitosubjetivodestas,gerando,muitasvezes,aindamaiorconflituosidade.3

A locução mecanismos alternativos talvez não seja hoje a mais apro-priada se considerarmos que: 1. incumbem as partes, enquanto senhores dadisputa,emprimeiroplano,deaeladarfim;4 2. oferecem mais van-tagens do que a solução adjudicada; e 3. passam a ser prioridade para o Poder Judiciário.5

O que se busca com a conciliação é conferir aos cidadãos o direito de participaçãoativanaresoluçãodeconflitos,proporcionandoocrescimen-to do sentimento de responsabilidade civil, de cidadania e de controle sobre os problemas vivenciados. A possibilidade de solução consensual doconflitoreflete-sepositivamentenaqualidadedevidadapopulação,na ampliação do acesso à Justiça, na conscientização sobre direitos e no 1 Na lição do professor Kazuo Watanabe, “a ‘cultura da sentença’ traz como consequência o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, o que explica o congestionamento não somente das instâncias ordinárias, como também dos Tribunais Superiores, e até mesmo da Suprema Corte. Mais do que isso, vem aumentando também a quantidade de execuções judiciais,quesabidamentesãomorosaseineficazeseconstituemocalca-nhar de Aquiles da Justiça” (Política Pública do Poder Judiciário Nacional para o Tratamento Adequado dos ConflitosdeInteresses.In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coords.). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 4). 2 Os mais conhecidos mecanismos alternativos de resolução de disputas (MARDs ou ADRs) são a mediação, a conciliação e a arbitragem. 3 OsmecanismosdesoluçãoalternativadeconflitosforadoâmbitodoPoderJudiciário,nosmoldesdosistemaamericano, que seriam o ideal, porque não comprometem o tempo da atividade judicial, a ser canalizada para os processos judicializados, têm como maior óbice o elevado custo. Poucos possuem condições de pagar mediadores, conciliadores ou árbitros.4 A solução adjudicada pela autoridade estatal, mediante sentença, deve sempre ocorrer em caráter subsidiário àiniciativadaspartesparaasoluçãodoconflito.5 O nosso sistema processual não prevê, ao contrário de outros sistemas legais (a maioria dos sistemas estaduais germânicos e americanos), a obrigatoriedade de as partes procurarem as ADRs como condição de procedibilidade ou pressuposto para acesso à via judicial.

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pleno exercício da cidadania. Constitui, em última análise, ampliação do acesso à justiça.

Conciliar é ato de desprendimento. Por meio da conciliação resgata-se o outro, o ser humano, há uma acentuada preocupação com o futuro das partes, seus valores e problemas em seus mínimos e às vezes impercep-tíveis aspectos.6

Conciliar é também uma arte. Demanda técnica apurada. O papel do conciliador é estimular as pessoas a chegarem aonde elas querem estar, é estimular a comunicação, o diálogo e o entendimento, dizia o saudoso professor Warat.7

O grande problema que se tem a enfrentar é a reinante cultura de liti-gância. Incutir a mentalidade consensual é um trabalho de longo prazo. Deveríamos nos preocupar com essa questão desde o ensino fundamen-tal de nossos jovens, mas, ao menos, no ensino jurídico, que não educa para a pacificação social,maspara litigar, dever-se-ia estudar, comodisciplinaobrigatória,asformasconsensuaisdesoluçãodosconflitosou de autocomposição.8

É de fundamental importância a cooperação entre os diversos atores envolvidos no sistema judicial, incentivando a implantação de novos métodosdesoluçãodeconflitos,emespecialaconciliação,antesoudepois de ajuizada a ação. Além da mudança de cultura, faz-se mister que os usuários da Justiça revejam suas orientações criando também po-líticas institucionais de incentivo e incremento das conciliações. E mais, precisam preparar seus quadros funcionais, notadamente seus prepostos, representantes e procuradores para enfrentar essa nova realidade que se apresentanasoluçãodeconflitos.

2 O Poder Público e as conciliações

A grande maioria dos processos da Justiça Federal advém do Poder Público Federal, com 77% do total de processos dos 100 maiores liti-6 WARAT, Luís Alberto. Surfando na Pororoca: o ofício do mediador. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.7 WARAT, Luís Alberto, op. cit.8 “No Brasil há um ensino jurídico moldado pelo sistema da contradição (dialética) que forma guerreiros, profissionaiscombativosetreinadosparaaguerra,paraabatalha,emtornodeumalide,ondeduasforçasopostas lutam entre si e só pode levar a um vencedor. Todo caso tem dois lados polarizados. Quando um ganha, o outro tem de perder.” (BACELLAR, Roberto Portugal. O Poder Judiciário e o paradigma da guerra nasoluçãodosconflitos.In: PELUZO, Antonio Cezar; RICHA, Morgana de Almeida (Coord.). Conciliação e Mediação: estruturação da política judiciária nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 31)

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gantes dessa Justiça (68% no polo passivo). O INSS é o maior litigante nacional (22,33%) e também o maior da Justiça Federal (43,12%).9

Essa litigiosidade contra o Poder Público se deve ao tratamento ten-dencioso das pretensões na via administrativa, sobretudo ao equívoco dessa instância de limitar a exegese da lei à sua literalidade, vale dizer, deolvidarosdemaismétodosexistentes,especialmenteosfiltroscons-titucionais que a todos os intérpretes vinculam.

É censurável a prática comumente empregada pelo Poder Público de resistir às legítimas pretensões que lhe são dirigidas na via adminis-trativa para obrigar o interessado a residir em juízo e depois obter um acordo com renúncia de parte do direito. Isso é inaceitável, mas ocorre com frequência. Avulta o papel do juiz em coibir tal prática, que viola os princípios que norteiam a atividade administrativa: moralidade e boa-fé, principalmente.

Por outro lado, a simples judicialização de uma pretensão legítima nãoimpedeasuasatisfação.Nãoficaobstado,nemdependentedeau-torização, o acordo que tenha por objeto uma pretensão que administra-tivamente poderia ter sido atendida. Basta a boa vontade e o maior zelo com a coisa pública.

Sobre a transação nos processos em trâmite na Justiça Federal, destaca--se um aspecto que é de fundamental relevância: é preciso romper com o mito da indisponibilidade dos direitos tutelados pela Administração Pública. O que é indisponível é o interesse público, que não se confunde com o interesse de determinado órgão ou entidade administrativa. Inte-resse público é o da coletividade como um todo. Mas a indisponibilidade do interesse público não veda o reconhecimento de direitos legítimos, nem a renúncia a determinadas pretensões quando não se revelem a este lesivas. A coletividade tem interesse em atender aos justos pleitos de seus membros em face do Estado, com a brevidade que um acordo proporciona.

Haveria interesse público no pagamento de vultosas quantias a título de juros moratórios insertos nas condenações judiciais? É certo que não. Os juros milionários que são anualmente pagos pela Fazenda Pública em decorrência de condenações judiciais oneram a coletividade e poderiam 9 Dados disponíveis em: <http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/pesquisa_100_maiores_liti-gantes.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2011.

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ser evitados, se (1) não houvesse recalcitrância em atender pleitos legí-timos na via administrativa e (2) procurasse a Fazenda Pública acordar com os demandantes para deles eximir-se satisfazendo as pretensões antes da condenação.

Há ainda outra variável que conspira favoravelmente à conciliação por parte do Poder Público: o elevado gasto com a sua advocacia conten-ciosa, que poderia ser melhor utilizada em lides de verdadeiro interesse público. Por qualquer ângulo que se examine a questão, vai-se concluir que o custo-benefício da manutenção de certas demandas, como as previdenciárias, por exemplo, é mais negativo aos cofres públicos do que a adesão aos programas de solução consensual. Optar pela solução adjudicada mediante sentença estatal é, por assim dizer, um péssimo negócio para o Poder Público.

OproblemadaintransigênciadoPoderPúblicoemfirmaracordosnoâmbito judicial tem a solução dependente de uma mudança nas políticas institucionais e, em boa medida, de atitudes mais corajosas dos procu-radores públicos.10 Basta ver que em algumas localidades os acordos acontecem e em outras não. Da insistência do juiz e das tratativas que este pode e deve entabular com os procuradores também é dependente o bom resultado.

3 O novo papel do advogado na conciliação

Os advogados, de sua vez, alguns intransigentes e refratários à ideia de solução consensual, precisam compreender que todos ganham quan-doseconsegueevitarajudicializaçãodoconflito(funçãoprimeiradoadvogado) e, depois, não sendo possível, quando se busca a solução do litígio pela via autocompositiva. Nunca se pode colocar o interesse próprio (do advogado) acima do interesse do cliente (parte). O advogado tem, na conciliação, a oportunidade de antecipar no tempo o recebimento de seus honorários.

A tônica das soluções consensuais, que deverá nortear as atividades do Poder Judiciário neste início de milênio, parece ampliar o espectro 10 Basta lembrar, exemplarmente, que tramitam hoje, nas Turmas Recursais dos JEFs da 4a Região, perto de200milprocessosfigurandooINSSnopolopassivo,númeroexpressivoqueconstituiumcampomuitofértil para conciliações, especialmente porque em um percentual bastante elevado desses processos já existe sentençadeprocedênciaasinalizarnosentidodobomdireitoabeneficiarosautores.TodosganhariamcasohouvesseiniciativadoINSSdepôrfimaoslitígiosapresentandopropostaconciliatória.

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das atribuições dos advogados. Acresce-se às hoje desempenhadas, na defesa do direito e enquanto atividade essencial à administração da justiça, a orientação, infra e endoprocessual, para a solução consensual, que constitui um trabalho imprescindível e relevante, sobretudo com vistas a possibilitar que o cliente retire o máximo de proveito das nego-ciações.Porisso,tambémoadvogadodeveestarqualificadoparaatuarna audiência conciliatória.

4 Sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário

Sensível à problemática do Poder Judiciário, por meio da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, o CNJ instituiu a Política Judiciária Nacionaldetratamentoadequadodosconflitosdeinteressesnoâmbitodo Poder Judiciário, dispondo que aos órgãos do Poder Judiciário in-cumbe, além da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão.

Para os juízes, especialmente na Justiça Federal, os esforços no sen-tidodeobterumacordoentreaspartesparapôrfimaolitígiomediantesolução consensual deixaram de ser uma faculdade para se tornarem uma obrigação que a todos vincula com caráter cogente. Passam a ser um dever do cargo. Até porque a existência formal de uma Política Pú-blicadetratamentoadequadodosconflitosdeinteresses(conciliação)repercute no patrimônio jurídico de todos os litigantes, aperfeiçoando o direito subjetivo de ter o litígio de que é parte submetido a uma solução pela via autocompositiva.

A partir do advento da Resolução nº 125/10-CNJ, instituindo a Política JudiciáriaNacionaldetratamentoadequadodosconflitosdeinteressesno âmbito do Poder Judiciário, os Tribunais estão obrigados à criação de estruturas apropriadas à sua efetivação, a saber: Núcleos Permanentes deMétodosConsensuaisdeSoluçãodeConflitoseCentrosJudiciáriosdeSoluçãodeConflitoseCidadania–Cejuscon.11

Destaca-se a proposta de ampliação da atuação do Poder Judiciário por meio da criação dos Cejuscons, que deverão, nos moldes dos Tri-11 No âmbito do TRF da 4a Região, a matéria foi regulamentada pela Resolução nº 15, de 14 de março de 2011.

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bunais ou Foros multiportas, prestar aos cidadãos uma maior gama de serviços, tais como orientação jurídica e para o pleno exercício da cida-dania, como, por exemplo, o encaminhamento aos órgãos e entidades públicas, como Justiças Estadual e do Trabalho, INSS, Receita Federal, PolíciaFederal,AGU,DefensoriaPública,Incra,ConselhosProfissionais,Universidadeetc,sendoimprescindívelfirmarcomestasconvêniosdemútua cooperação.

Para viabilizar a ampliação dos serviços prestados devem os Tribunais prover os Núcleos e os Cejuscons com os recursos humanos e materiais adequados. Incumbe-lhes, por conseguinte, investir na formação de juízes, servidores e conciliadores, promovendo cursos e treinamento de capacita-ção, nos moldes preconizados pela Resolução nº 125/10-CNJ.

O juiz será avaliadoparafinsdepromoçãoou remoçãopormere-cimento em razão da sua atuação em conciliações. Portanto, faz jus às condições para o desenvolvimento do trabalho que vai habilitá-lo a uma melhor avaliação promocional na carreira. É importante que isso ocorra porque certamente as conciliações, enquanto ampliação das técnicas de gestão do processo, devem, num primeiro momento, aumentar o volume de trabalho dos juízes.

Será também da responsabilidade dos Tribunais criar e manter um banco de dados contemplando as atividades do Núcleo e de cada Cejuscon, para seu controle próprio e de forma a alimentar o banco de dados nacional, queficaráacargodoCNJ,possibilitandoassimcorreçõeseadequaçõesna Política Judiciária Nacional.

5 Breves fundamentos conciliatórios

As conciliações se caracterizam por recíprocas concessões das partes, cada uma cedendo em relação a uma parcela do seu direito (art. 840 do CC),comvistasapôrfimaolitígio.NasdemandascontraoPoderPúblico,via de regra, o autor cede quanto ao seu direito material, ou seja, abre mão de uma parcela da benesse que está postulando. O réu cede em relação ao seu direito (processual) de contestar e recorrer, admitindo satisfazer a pretensão antecipadamente.

As partes capazes são livres para pactuar, sendo lícito o objeto da tran-sação, cada uma obedecendo à sua livre vontade e às suas conveniências. Cabe ao juiz apenas incentivá-las esclarecendo as vantagens da conciliação.

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Não deve, por outro lado, a solução consensual implicar, com o bene-plácito judicial, que apenas uma das partes abra mão do seu direito, para obter a sua satisfação sem delongas, porque mais vale um mau acordo do que uma boa demanda. A demanda nunca é boa, mas o Poder Judiciário, com todas as suas mazelas, notadamente a sua lentidão, a torna muito pior.Oacordotemdeficar“bomparaambasaspartes”.

As variáveis quemais influemna realização de uma composiçãoamigável por conciliação são o grau de certeza do direito e a possível demora na tramitação do processo até a efetiva satisfação do direito. Poder-se-ia acrescer aqui o grau de capacidade de a parte esperar pela tramitação normal do processo até que possa efetivar eventual sentença que lhe favoreça.

Há na matéria o que se pode chamar de paradoxo da eficiência: quanto maiseficienteeágilforaunidadejurisdicional,menorseráaprobabilida-de de a parte-autora optar por uma solução consensual. É que, enquanto não invertermos a lógica que tem presidido as conciliações no Poder Judiciário, pautada na necessidade de a parte ter de abrir mão de uma parcela do direito para obter a sua satisfação imediata, vamos conviver com dito paradoxo. Ocorre que a solução adjudicada, ao contemplar a integralidadedodireito,emcertoscasos,torna-sefinanceiramentemaisvantajosa.

Havendo relevância na pretensão, a ponto de constituir um temor de derrota ao réu, o campo estará fértil para uma composição amigável. O réu, certamente, não aderirá a uma proposta conciliatória diante de um pedido infundado.

Há o que os processualistas chamam de risco ou dano marginal, que é o decorrente da duração natural do processo. Ônus que a parte-autora suporta naturalmente pela opção (ou infelicidade) de buscar em juízo a satisfação do seu direito, porque não foi atendido antes pelo demandado. Se quiser abreviar o tempo e fugir do risco marginal, é justo que abra mão de parcela de seu direito. Todavia, quanto ao tempo que constitui ademoraanormal,patológica,pordeficiênciadopoderjudiciárioe/oudevida à atuação da parte-ré, não deveriam os riscos que lhe são ineren-tes projetar-se sobre os ombros apenas da parte-autora. Não deveria a ameaçadademoraconstituirumavariávelaserconsideradaparadefiniro alcance e o valor de eventual acordo.

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É, pois, relevante o papel do conciliador quando o litígio versa sobre prestações alimentares. Sua atuação, em boa medida, aproxima-se daque-la desempenhada por um mediador, que também deve preocupar-se com a qualidade da solução para as partes. No modelo acordista que adotamos no Poder Judiciário, há sempre o sério risco de o conciliador substituir com sua autoridade as vontades das partes, conduzindo-as a realizar os objetivos do próprio conciliador, mesmo que lhes sejam prejudiciais.

Como bem observa Alexandre Araújo Costa, o“conciliador judicial cumpre seu papel institucional e burocrático quando o acordo é assinado e, por isso, muitas vezes, utiliza todos os meios de pressão disponíveis para fazer com que as partes aceitem algum acordo. E mais grave ainda é a distorção do papel dos juízes que, para ‘agilizar’oseupróprioserviço,pressionamaspartes,afirmandoexpressamente(ouquaseexpressamente) a uma das partes que ela deveria aceitar uma certa proposta, pois o acordo lhe seria mais vantajoso que a decisão que ele tomaria se tivesse que resolver o litígio.”12

A legitimidade do acordo, refere o citado autor,“é baseada na ideia de que ele é fruto de uma decisão das pessoas envolvidas, mas, por um lado, muitos acordos resultam da pressão do meio judicial (e da ignorância das partes, quepotencializaessapressão)oudenegociaçõesemqueafloramapenasosaspectosmaissuperficiaisdoconflito,poisfaltaaoconciliadoraformação(emuitasvezesointeresse)deexplorartodasasdimensõesdoconflito.”13

A oportunidade e a situação pessoal do litigante são sempre dados relevantes a serem considerados por quem atua como conciliador. Casos há em que a manifestação de vontade da parte no sentido de aceitar uma proposta conciliatória encontra-se parcialmente prejudicada em razão de determinada situação particularizada (doença grave ou situação de miserabilidade). Em casos tais, a atuação do conciliador é importante para evitar que a parte adversa tire proveito da situação de fragilidade do outro litigante para reduzir o valor da oferta apresentada.

6 Conciliações nas Ações Previdenciárias

As soluções consensuais tendo por objeto direitos fundamentais da seguridade social apresentam algumas peculiaridades. Trata-se de débitos

12 COSTA,AlexandreAraújo.Cartografiadosmétodosdecomposiçãodeconflitos.Disponívelem:<http://www.arcos.org.br/artigos/cartografia-dos-metodos-de-composicao-de-conflitos/iii-entre-mediacao-e--conciliacao/>. Acesso em: 22 jun. 2011.13 Idem, ibidem.

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alimentares e há vinculação legal quanto ao valor dos benefícios. A mar-gem de negociação pelas partes é sempre mais reduzida, diferentemente dos contratos bancários, em que o credor pode abrir mão de seu crédito a seu livre talante, ou de um caso de desapropriação, em que o valor da avaliaçãodoimóvelpodeoscilarconformeasflutuaçõesdemercado,por exemplo.

Tomando em consideração a premissa de que os acordos em tema de seguridade social somente são aceitos pelo INSS quando a pretensão do autor se revele estreme de dúvidas, certa e determinada, parece não haver muito sentido em exigir-se do autor da ação, que está amparado pelo direito, porque a Justiça não tem condições de oferecer-lhe a tutela jurisdicional com a brevidade que a natureza alimentar da prestação pretendida recomenda, a renúncia de parcela do seu direito para vê-lo implementado de imediato. Não pode o autor da demanda previdenciária serprejudicadopelamoradoPoderJudiciário.Tampoucobeneficiadoo réu. Se o direito é inequívoco e incontroverso, apenas se teria um caminho, a sua imediata satisfação. Caberia, inclusive, a antecipação de tutela do direito incontroverso (art. 273, § 6º, do CPC: “A tutela an-tecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso”).

Mas o que se está fazendo? Diz-se assim para o autor: “Olhe, o seu direito é inequívoco, você realmente está incapaz, mas o devedor (INSS) está lhe oferecendo 80% do que você tem direito. Se você desejar receber a benesse relativa ao seu direito integralmente, terá que esperar ‘muito tempo’, uns dois ou três anos”.

Nessa hipótese, o acordo, a partir de uma proposta de redução do valor efetivamente devido, é apenas um calote chancelado pelo Poder Judiciário. O direito reconhecido precisa ser satisfeito integralmente. Os acordos com renúncia de parcela dos valores devidos somente teriam lugar quando há margem de dúvida sobre algum aspecto que compõe o direito a ser satisfeito. Por exemplo: se não há certeza sobre a data do início da incapacidade, então é razoável que as partes transijam acerca do início do cálculo das diferenças pretéritas.

Considerações finais

Com essas considerações, ao tempo em que festejo a alvissareira ini-

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ciativa do CNJ ao instituir a Política Judiciária Nacional de tratamento adequadodos conflitos de interesses no âmbito doPoder Judiciário,promovendo e incentivando a ampliação, por essa via, do acesso à ordem jurídica justa, auguro um novo tempo para as práticas autocompositivas, enquanto sucedâneas da tutela jurisdicional dos direitos da seguridade social, para que:

1. as conciliações passem a ser a técnica preferencial de solução dos conflitosjudicializadosounão;

2. o papel dos juízes e conciliadores seja marcado pela busca de so-luções consensuais mais justas, de forma a conferir maior legitimidade às práticas conciliatórias;

3. os valores objeto dos acordos, observadas as variáveis antes citadas, fiquemomaispróximopossíveldovalorefetivamentedevido;

4. sendo incontroverso o pedido, haja reconhecimento da procedência do pedido ou antecipação da tutela (art. 273, § 6°, do CPC);

5. não seja a demora patológica do processo argumento a pressionar o autor para abrir mão de parcela considerável do seu direito na audiência conciliatória.

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A eleição do conselho fiscal na sociedade anônima (comentário ao art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76)

Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz*

“(...) todo início de sociedade é despreocupado e fácil como uma lua de mel. As incompreensões surgem depois, sobrevêm, às vezes, violentamente. No ato

de contratar, poucos serão os sócios que atentam para certas particularidades do contrato social. A regra é a facilidade e a confiança mútua. As cláusulas,

especialmente as cláusulas mais cheias de riscos, só adquirem significado com o decurso do tempo, à medida que a experiência pessoal lhes vai revelando o

conteúdo.” (RF, v. 98/570)Miguel Reale

Com efeito, tanto a Lei nº 6.404/76 como a lei anterior – arts. 161, § 4º, a, e 125 do Decreto-Lei nº 2.627/40 – consignam a regra assegu-rando aos acionistas titulares de ações preferenciais e aos dissidentes ou minoritários o direito de comparecer à assembleia geral e eleger, em votaçãoemseparado,cadagrupo,ummembrodoconselhofiscaleorespectivo suplente.

É este o teor do art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76, verbis:“Art.161.Acompanhiateráumconselhofiscaleoestatutodisporásobreseufuncio-

namento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas.

(...)§4ºNaconstituiçãodoconselhofiscalserãoobservadasasseguintesnormas:

* Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, 1 (um) membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto;”

Trata-se, pois, de um direito intangível do acionista que lhe permite fiscalizar,naformadalei,agestãodosnegóciossociais.

Dessa forma, sequer os estatutos da sociedade anônima, ou mesmo deliberação da assembleia geral, poderão privar qualquer acionista desse direito.

Verificando-setalilegalidade,impõe-seaintervençãojudicial,semprediscreta, sem comprometer a vida da sociedade anônima.

Nesse sentido, o voto do Justice Brandeis, no célebre case Ashwander v. Tenessee Valley Authority, julgado pela Suprema Corte em fevereiro de 1936, verbis:

“Within recognized limits, stockholders may invoke the judicial remedy to enjoin acts of the management which threaten their property interest. But they cannot secure the aid of a court to correct what appear to them to be mistakes of judgment on the part of the officers. Courts may not interfere with the management of the corporation, unless there is bad faith, disregard of the relative rights of its members, or other action seriously threatening their property rights.” (In Supreme Court Reporter. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1936. v. 56. p. 481)

Da mesma forma, a lição de Louis Fredericq, in Précis de Droit Commercial. Bruxelles: Émile Bruylant, 1970. p. 391-2, nº 357, verbis:

“Si l’assemblée générale a délibéré en violation des formalités légales ou statutaires, la nullité de la décision peut être poursuivie en justice. Comme la loi n’édicte aucune sanction expresse, les juges appréciant librement ne prononceront la nullité que lorsque l’omission des formalités vicie essentiellement la décision prise, de manière telle qu’un nouveau scrutin pourrait altérer le résultat du premier.

S’il est vrai qu’en principe, une décision acquise en observant les formalités légales et la lettre des statuts lie la minorité, encore ne faut-il pas que la majorité exerce sa suprématie à des fins essentiellement égoïstes. En matière de sociétés aussi, la bonne foi s’impose, et le juge constatant des abus de majorité a le devoir de réduire à néant les décisions qui trahissent l’intérêt collectif en lésant injustement les associés opposants.”

Na mesma esteira, o pronunciamento de Pierre Coppens, in L’Abus de Majorité dans les Sociétés Anonymes. Louvain: René Fonteyn, 1947. p. 10-1, nº II, verbis:

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“De bonne foi les actionnaires majoritaires peuvent voter des résolutions malencon-treuses. Errare humanum est. Il ne serait pas admissible de recourir en justice contre ces délibérations. Mais s’il est établi que la majorité ne s’est prononcée que pour se réserver des avantages anormaux, la décision ne peut alors être considérée comme inattaquable.

Afin de protéger les droits des minorités, la loi a prévu certaines garanties d’ordre formel: mode et délai de convocation aux assemblées sociales, conditions de quorum et de majorité, conditions de tenue des délibérations. A l’usage, ces garanties ne se sont pas affirmées suffisantes. Les délibérations doivent aussi pouvoir se réclamer d’une régularité intrinsèque, c’est-à-dire ne pas comporter une exploitation de la minorité des associés.”

Nesse sentido, ainda, Dominique Schmidt, in Les Droits de la Minorité dans la Société Anonyme. Paris: Sirey, 1970. p. 175, nº 232; Henry W. Ballantine, in Cases and Materials on the Law of Corporations. Chicago: Callaghan, 1939. p. 289-290; A. Berle, Corporate Power as Powers in Trust, in Harvard Law Review, v. XLIV, 1930-1, p. 1.049-1.074; Willian H. Fain, Limitations of the Statutory Power of Majority Stockholders to Dissolve a Corporation, in Harvard Law Review, v. XXV, 1911-2, p. 677-690.

No que diz respeito ao procedimento a ser adotado pela sociedade anônima para proceder à eleição de membros do seu Conselho Fiscal, nos termos do disposto no art. 161, § 4º, “a”, da Lei nº 6.404/76, deliberou o Eg. Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 92.609-GO, sendo relator o Ministro Thompson Flores, verbis:

“Sociedade Anônima. Ação visando à declaração de nulidade de assembleias que elege-ram o Conselho Fiscal (25.04.77) e a nova diretoria (02.05.78) e aprovou o novo Estatuto Social (31.10.77). Medida cautelar deferida. Demandas acolhidas em ambas as instâncias.

II. Recurso só em parte conhecido e provido para validar a assembleia de 25.04.77 e, consequentemente, a eleição do Conselho Fiscal.

1. Incabível a irresignação ao atacar a decisão proferida em procedimento cautelar. Incidência do R.I., art. 308, V, desistida que foi a arguição de relevância.

2. Negativa de vigência dos arts. 20, 37, caput, e 39 do CPC, bem como dos artigos 122 e 296, § 1º, da Lei 6.404/76, não reconhecida.

3. Igualmente do art. 153 do Código Civil, não ventilado nas decisões impugnadas (Súmula 282 e 356).

4. Os titulares de ações preferenciais – sem direito a voto, ou com voto restrito –, e os acionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% (dez por cento), ou mais, das ações com direito a voto, têm o direito de comparecer à Assembleia Geral e eleger, em votação em separado, cada grupo, um membro do Conselho Fiscal e respectivo suplente. Negativa de vigência dos arts. 161, § 4º, a, da Lei 6.404/76 e 125 do DL 2.627/40.

5. A divisão das ações ordinárias de Companhia de capital fechado em classes diversas

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é facultativa. Inocorrência de negativa de vigência ao art. 16 da Lei 6.404/76.6. Dos Estatutos da Companhia, formada também com ações preferenciais, constarão,

obrigatoriamente, as vantagens e preferências atribuídas a cada classe dessas ações, bem como as restrições a elas impostas; é, entretanto, facultativa a previsão referente ao direito de resgate, amortização, conversão de uma classe em outra ou em ordinárias, e dessas em preferenciais,hipóteseemquefixaráasrespectivascondições.Negativadevigênciadoart.19 da Lei 6.404/76 desprezada.” (In RTJ 99/766)

Nesse julgamento, após transcrever excertos de autorizada doutrina, o eminente Ministro Cunha Peixoto profere substancioso voto nestes termos, verbis:

“8 – A lei anterior, como a atual, sobre sociedade anônima, atribuiu à minoria dissidente eaosacionistaspreferenciaisodireitoàeleiçãodemembronoconselhofiscal.Diziaoart.125 do Decreto-Lei nº 2.627, de 1940:

‘É assegurado aos acionistas dissidentes, que representarem um quinto ou mais do capital social, e aos titulares de ações preferenciais o direito de eleger, separadamente, um dosmembrosdoconselhofiscaleorespectivosuplente.’

Essedispositivofoireproduzido,compequenamodificação–quenãoimportanocasosubjudice na letra a do § 4º do art. 161 da Lei nº 6.604/76, de 1976:

‘Na constituiçãodoconselhofiscalserãoobservadasasseguintesnormas:a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão

direito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto.’

Verifica-sequeosacionistaspreferenciaissemdireitoavotoeosordináriosdissidentestêm direito a eleger, separadamente, respectivamente, um membro de cada Classe. Mas o que eles têm direito é de eleger um desses membros, e não o de indicar o nome para que a maioria o faça. Esses elementos são eleitos; nas preferenciais, pelo voto da maioria dos titulares dessas ações; e, quanto aos dissidentes com direito à eleição, ocorre pelo voto da maioria destas. De toda maneira, é necessária sempre a eleição e, consequentemente, o comparecimento dos titulares dessas ações na assembleia geral. Essa, aliás, é a opinião de todos os comentadores, quer da lei antiga, quer da atual. Mencionaremos apenas os escritores trazidos à colação pelo acórdão recorrido. Trajano de Miranda Valverde, em escólio ao art. 125 do Decreto-Lei nº 2.627/40, escreveu:

‘Oart.78incluiu,entreosdireitosintangíveisdoacionista,odefiscalizar,pelaformaestabelecida na lei, a gestão dos negócios sociais. Nem os estatutos, nem a assembleia geral, poderão privar qualquer acionista desse direito. Mais, ainda: os meios, processos ou ações que a lei dá ao acionista para assegurar os seus direitos não podem ser elididos pelos estatutos.

Para assegurar a realização desse direito, o decreto-lei estabeleceu a norma do art. 125, que não é senão o meio pelo qual os acionistas dissidentes, que representam um quinto ou mais do capital social, e os titulares de ações preferenciais poderão eleger, separadamente,

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um dos membros do Conselho Fiscal e o respectivo suplente.’ (Sociedades por Ações, v. II, p. 351, nº 651)

Wilson Batalha, comentando o art. 161 da atual lei, estabelece:‘Nãoseadmitevotomúltiploparaeleiçãodosconselheirosfiscais.Entretanto,osti-

tulares de ações preferenciais, sem direito a voto, ou com direito a voto restrito (art. 111), poderão eleger, em votação em separado, na própria assembleia geral (sem necessidade de assembleia especial), um membro e respectivo suplente. Igual direito terão os acionistas minoritários representando, em conjunto, dez por cento ou mais das ações com o direito a voto. Os outros acionistas elegerão igual número mais um, desde que sejam titulares de direito de voto.’ (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. II, p. 743)

O acórdão trouxe também à colação o ensinamento de Romano Cristiano. Vejamos o que diz esse comentarista:

‘A constituiçãodoconselhofiscaldeveráobedeceràsseguintesnormas:a) os acionistas minoritários, desde que representem 10% ou mais do capital votante,

poderão eleger um membro e respectivo suplente, em votação em separado;b) os acionistas preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito – se houver – po-acionistas preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito – se houver – po- preferenciais sem direito a voto ou com voto restrito – se houver – po-

derão eleger outro membro e respectivo suplente, também em votação em separado;c) os demais acionistas com direito a voto elegerão os membros restantes e respectivos

suplentes, que deverão ser em número igual aos já eleitos, mais um.’ (Nova Estrutura da Sociedade Anônima, p. 144)

Portanto,todososmembrosdoconselhofiscal–representantesdamaioria,dosacionistassem direito a voto e da minoria dissidente – são eleitos na assembleia geral ordinária, como já acentuávamos em comentários ao Decreto-Lei nº 2.627/40, verbis:

‘Se,porocasiãodaeleiçãodosmembrosdoconselhofiscal,severificaraexistênciadeacionistas dissidentes, representando, no mínimo, um quinto do capital social, e acionistas preferenciais que desejam eleger, separadamente, seus representantes, a Mesa determinará, inicialmente, a eleição do representante ou representantes da maioria e, em seguida, cada um por sua vez, o da minoria e dos acionistas preferenciais.’ (Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, in Sociedade por Ações, v. IV, p. 137, nº 997)

Para que os acionistas preferenciais e titulares de ações ordinárias dissidentes tenham ummembronoconselhofiscal,precisamcompareceràassembleiaordináriaeelegerseuscandidatos.

Ora, como se verifica, o autor, ora recorrido, não compareceu à sessão ordinária de 25.04.77(fl.19)e,portanto,nãopoderiaelegerseucandidato.Limitou-seeleaescreverduas cartas, uma datada de 24 de março e outra de 19 de abril, indicando nomes para o Conselho Fiscal e suplentes. Na primeira, mencionava dois nomes; e na segunda, três, substituindo um da primeira.

Poraíseverificaquequeriaterumelemento,noConselhoFiscal,comorepresentantedas preferenciais; e outro como dissidente.

O quórum para a eleição daquele seria o da maioria presente à assembleia, uma vez que ela enfeixava a maioria de ações preferenciais e, assim, o direito seria dela, e não do recor-

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rido,deelegeressefiscal.Elepróprioinformaque,mesmonesseparticular,éminoritário.Para ter um representante no Conselho Fiscal como dissidente, seria indispensável que

o autor, ora recorrido, tivesse comparecido à assembleia geral e votado em seu candidato.A lei exige a eleição, e não simples indicação, não sendo a maioria obrigada a dar seu

voto à pessoa indicada pelo acionista ou pelos acionistas dissidentes, mesmo que esses tenham o percentual que lhes conferiu tal direito.

Não houve, pois, violação do art. 161 da Lei sobre Sociedade Anônima. Ao contrário, tendo a sentença, apoiada pelo acórdão recorrido, dispensado a eleição para que os titulares das preferenciais e o acionista tivessem um elemento no Conselho Fiscal, ela, sim, é que violou, expressamente, frontalmente, o § 4º, letra a, do art. 161 da Lei nº 6.404, de 1976.

Nessa parte, pois, merece conhecimento e provimento o recurso, para que se restabeleça o disposto na Assembleia de 25.04.1977.” (In RTJ 99/776-8)

Dessa forma, o que é assegurado pelo art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76 aos acionistas preferenciais, sem direito a voto, e aos ordiná-rios dissidentes é o direito a eleger, separadamente, um membro de cada classe e o respectivo suplente, e não simplesmente o de indicar o nome para que a maioria o faça.

Impõe-se, pois, o comparecimento dos titulares dessas ações à assem-bleia geral e, via de consequência, a eleição de seus candidatos pelos acionistas ali presentes.

A Lei nº 6.404/76 requer a eleição, e não a simples indicação, con-soante decidido pelo Pretório Excelso no RE nº 92.609-GO, não sendo a maioria obrigada a meramente chancelar o nome da pessoa indicada pelo acionista dissidente ou pelos acionistas dissidentes, ou mesmo pelos acionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% ou mais das ações com direito a voto, ainda que esses possuam o percentual que lhes concedeu tal direito.

Non ex regula jus sumatur, sed ex jure, quod est, regula fiat.Essa é a lição da doutrina mais autorizada (Trajano de Miranda Val-

verde, in Sociedade por Ações, v. II, p. 351, nº 651; Wilson de Souza Campos Batalha, in Comentário à Lei de Sociedades Anônimas, Forense, 1977, v. II, p. 743; Min. Carlos F. Cunha Peixoto, in Sociedade por Ações, v. IV, p. 137, nº 997; Fran Martins, in Comentários à Lei das Socieda-des Anônimas, 2. ed., Rio: Forense, 1984, v. 2, Tomo I, p. 424, nº 715; Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5. ed., Saraiva, 2011, v. 3, p. 514-516).

Ademais, o legislador, por meio do mencionado dispositivo legal,

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visou, também, a integrar os acionistas minoritários na administração da sociedade, procurando evitar o lamento de Pierre Vigreux, quando registrou em obra já clássica, verbis:

“(...) les actionnaires ont donc pris l’habitude, d’une façon quasi générale, de ne pas assister aux assemblées des sociétés dans lesquelles ils ont une participation. Tel est le fait.

Mais, en se comportant ainsi, ils renonçaient à exercer l’une des prérogatives essen-tielles que leur donnait la propriété de leurs actions: celle qui consiste à exercer le pouvoir souverain qui, dans les sociétés anonymes, est dévolu au capital.

Ne pas assister à l’assemblée générale des actionnaires, ce n’est pas seulement ne pas répondre à une convocation. C’est renoncer au droit de venir demander des explications au conseil d’administration, à celui de formuler des critiques ou des suggestions, à celui surtout enfin de voter éventuellement contre les décisions qui seront soumises à l’assemblée.

Si l’abstentionnisme n’était que le fait exceptionnel d’un nombre limité d’actionnaires, il n’aurait guère d’importance pratique. Mais dès l’instant qu’il se généralisait, il devait avoir une incidence directe et considérable sur le fonctionnement des sociétés anonymes.

Ce pouvoir des actionnaires est ainsi tombé en désuétude. Non pas qu’il n’existe plus en droit; mais simplement parce qu’il n’est plus exercé en fait.” (In Les Droits des Actionnaires dans les Sociétés Anonymes. Paris: R. Pichon et R. Durand-Auzias, 1953. p. 36-7, § 1º)

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Pressupostos hermenêuticos para o contemporâneo Direito Civil brasileiro: elementos para uma reflexão

crítica*

Luiz Edson Fachin**

Uma palavra inicial de agradecimento e de congratulações se impõe. De uma parte, expresso gratidão pela honra de ombrear a abertura das Jornadas ao lado do pensamento vivo do Direito Civil, iluminado pela voz dos juristas de nomeada que, acedendo ao convite do Ministro João OtáviodeNoronha,aquipontificam.Gratificadoestouparaaquiapre-sentarsingelareflexãoquehumildementetragoàcolação.

Registro, outrossim, a exemplar iniciativa e a oportunidade de reco-locar na cena do debate a posição sobranceira do governo jurídico das relações interprivadas. É nesse contexto que emerge o relevo da inter-pretação, do papel do intérprete e da função dos princípios.

O significado dehermenêutica, como se sabe, está para além de

* Palestra proferida no Superior Tribunal de Justiça – abertura das V Jornadas de Direito Civil – apresentação em 08.11.11. O autor registra o agradecimento ao pesquisador acadêmico Felipe Frank pela contribuição com as pesquisas que consubstanciaram o presente estudo, ao pesquisador acadêmico Rafael Corrêa pelo auxílionasistematizaçãodasreflexõesaquiexpostaseaoProf.Dr.CarlosEduardoPianovskipelointer-câmbio de ideias.** Professor Titular de Direito Civil da Faculdade de Direito da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Mestre e Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), pós-doutorado no Canadá pelo Ministério das Relações Exteriores do Canadá. Atuou como cola-borador no Senado Federal na elaboração do novo Código Civil brasileiro.

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relacioná-la à acepção semiológica de pura e simples interpretação de signos ou à concepção jurídica de conjunto de regras e princípios interpretativos. Não se pode reduzir, etimologicamente, tal apreensão como sendo a “arte de interpretar” relacionada tão somente ao estudo gramatical e retórico.

Impende, então, problematizar o proceder que quer restringir a hermenêuticaacânonescientíficosdetermináveis,ouainda,quequerreduzir, no sistema jurídico, a hermenêutica a ter vez apenas quando do surgimento de uma “lacuna normativa”, ou mesmo quando almeja, ainda, equivaler hermenêutica à interpretação, implicando ou não equi-vocidade elementar.

Assim, tem sentido investigar em que medida isso pode contribuir para uma hermenêutica jurídica diferenciada, ligada à percepção civil--constitucionalista de índole prospectiva cujo devir encontra-se orientado pela aletheia de conceitos e relações jurídicas submetidos à contraprova histórica da concretude, visando sempre à promoção do ser como humano de necessidade e liberdade, constituído dialeticamente por intermédio de sua própria ação.

Anima esse horizonte sustentar a constitucionalização prospectiva de uma hermenêutica emancipatória do Direito Civil brasileiro.

Emverdade,parafinsdebrevecontextualização,impenderegistrarque a pretensão emancipatória que já informava a Modernidade deu lugar, sob muitos aspectos, ao paradoxo da negação do humano. A ra-zão moderna,que,aocontráriodolegadopelafilosofiagrega,acaboupor se reduzir, quase que exclusivamente, a uma razão instrumental, conduztodoosaberaumviéscientificista.Acrençanaprevisibilidadee na possibilidade de controle dos eventos reduz o saber a uma noção de ciência que abstrai o objeto e o sujeito, como entes entre os quais há inafastável cisão.

Essa razão instrumental é linear, traçando puramente uma relação diretaentremeiosefins.

A pretensão de controle e previsibilidade, supostamente assegurados pela racionalidade instrumental, constitui a bússola do pilar regulatório da Modernidade, que se espraia por todos os saberes – o direito inclusive.

Com efeito, o jurídico, em sua construção moderna, apesar daquela pretensão emancipatória, foi estruturado sob essa razão instrumental

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regulatória que tem por objetivos centrais a previsibilidade e a segurança.É discurso por demais conhecido, e repetido à exaustão, o de que o

Direito teria, então, por função assegurar a “paz social”. Trata-se de re-flexodaracionalidaderegulatória,queemnomedeuma“paz”–sobreaqual não se questiona a quem se destina – estrutura um modelo de direito fundado em conceitos estáveis e em uma pretensão de neutralidade do operador jurídico.

O ser humano concreto transforma-se em meio para essa estabilidade, namedidaemquenãoéeleofimúltimo:ofimseapresentanaabstraçãodo dado formal a que se denomina “segurança jurídica”.

Não se nega, por óbvio, que a segurança jurídica seja valor relevan-te, até mesmo como instrumento da tutela da dignidade da pessoa. O problema se situa na inversão de valores que faz da segurança formal princípio supremo, corolário da clivagem “real versus abstrato” a que a cisão da razão moderna conduziu o modelo de direito sob ela constituído.

NoquerespeitaespecificamenteaoDireitoCivil,trêsforamoscarac-teres fundamentais construídos com base nesse “racionalismo” fundado em uma razão instrumental: individualismo, patrimonialismo e abstração. Foi o tripé de base que se projetou para o governo jurídico das relações interprivadas,especialmentenadoutrinaenosmodelosdecodificação.

Tal sistema, nada obstante, recebeu e recebe as vicissitudes da compre-ensão e da interpretação. É que a questão da existência humana precede o pensar (existo, logo penso), conformando aquiloque sedefinepordas sein (ser-aí).1 O homem, assim, não é um sujeito, mas o conjunto homem-mundo em um dado tempo; o homem apenas existe se presente no mundo e se estiver nele inserto em um dado tempo.

Ser, portanto, é um problema temporal, e não puramente espacial. Concebido em um todo que abarca o ente, e, portanto, o espaço, o ser tem uma dimensão histórica, segundo a qual o homem se coloca na história por meio da linguagem.2 O ser se manifesta pela cultura, cultivada pela

1 A hermenêutica, para Heidegger, compreende a interpretação do objeto ente pela preconcepção do intérprete ser, que só existe enquanto tal em um dado tempo. Assim, a hermenêutica se revela como fenômeno da existência do ser, que abarca ontologicamente a totalidade por traduzir o universo ente pela compreensão do sujeito ser. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Parte II. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 149.2 Idem, 2005. p. 219-220.

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linguagem, e que se traduz como uma questão aberta, inclausurável.3

O desenvolvimento dessas ideias evidenciou que a hermenêutica é um processo que está para além do puro e simples interpretar, pois transcen-de o texto escrito, compondo um colóquio dialético entre leitor e texto.4

Nesse sentido a hermenêutica conforma um fenômeno interpretativo como compreensão do ser, e não apenas um método que orienta a inter-pretação genérica visando à obtenção de uma dada verdade.

Restringir, desse modo, a hermenêutica aos cânones objetivos e fecha-dos da ciência implica reduzir-lhe a abrangência, limitar-lhe o diálogo para com o texto e, por consequência, torná-la menos dúctil, barrando o seu potencial transformador e emancipatório como compreensão do próprio sujeito.

Se fechado e hermético for o sistema, o rol de possibilidades inter-pretativasmostrar-se-á insuficiente à complexidade fáticadaquestãosob análise, conduzindo à injustiça. E, se aberto for, duas ponderações são possíveis.

Primeiramente, o sistema pode se revelar aberto àquilo que ele não pôde abarcar, dando-se azo a uma lacuna que deverá ser colmatada por critérios hermenêuticos.5 Em segundo lugar, um sistema pode se revelar aberto por uma hermenêutica dialética, que submete perenemente as re-gras aos princípios constitucionais e à contraprova da realidade, tornando 3 Uma vez que a linguagem fenomenológica preenche-se pela intuição, “remonta as experiências de pen-samento relativas ao mundo da vida que estão sedimentadas na linguagem, que originariamente também residiam à base da conceptualidade da tradição”. GADAMER, Hans-Georg. Heidegger e a linguagem. In: Hermenêutica em retrospectiva. Petrópolis: Vozes, 2009. p. 27.4 Segundo Gadamer, isso ocorre porque a hermenêutica sintetiza um processo inerente ao saber humano e que tem por escopo uma pré-compreensão ligada à existência humana. GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 403. 5 Esses critérios referem-se à hermenêutica enquanto método, o que não é objeto do presente trabalho, entretanto seguem aqui arroladas as diferentes técnicas interpretativas mencionadas por Lenio Streck: “a) remissão aos usos acadêmicos da linguagem (método gramatical); b) apelo ao espírito do legislador (método exegético); c) apelo ao espírito do povo; apelo à necessidade (método histórico); d) explicitação dos compo-nentes sistemáticos e lógicos do direito positivo (método dogmático); e) análise de outros sistemas jurídicos (método comparativo); f) idealização sistêmica do real em busca da adaptabilidade social (método da escola científicafrancesa);g)análisesistêmicadosfatos(métododopositivismosociológico);h)interpretaçãoapartirdabuscadacertezadecisória(métododaescoladodireitolivre);i)interpretaçãoapartirdosfins(método teleológico); j) análise linguística a partir dos contextos de uso (método do positivismo fático); 1) compreensão valorativa da conduta por meio da análise empírico-dialética (egologia); m) produção de conclusões dialéticas a partir de lugares (método tópico-retórico).” STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 98.

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quase que impossível a predeterminação do conjunto de possibilidades interpretativas.

No Brasil, com a virada hermenêuticadofinaldadécadade1970,6 conferiu-se abertura semântica ao Direito, passando-se a valorizar a he-terogeneidade social, a força criativa dos fatos e o pluralismo jurídico, cuja síntese normativa somente se revelou possível pela reestruturação da concepção dos princípios.

Abre-se aqui uma especial atenção aos princípios.Por meio deles é possível verificar que o Direito é um sistema

aberto, mas não só. É um sistema dialeticamente aberto, que deve ser compreendido por meio de uma hermenêutica crítica, que submete as regras aos preceitos constitucionais, destacando--se o princípio da dignidade da pessoa humana, e à contraprova da realidade.

Assim, a crescente importância da filosofia e a vertiginosa valorização dos princípios não tardaram a influenciar a herme-nêutica civilista, ganhando, rapidamente, força e voz. Dentro do Direito Civil, não seria exagero considerar essa reviravolta hermenêutica verdadeira Virada de Copérnico.

Nesse sentido, mais do que interpretar harmonicamente as leis constitucionais e infraconstitucionais, a compatibilização do Có-digo Civil e das demais leis à Constituição Federal compreende hoje uma “teoria da interpretação inspirada no personalismo e na proeminência da justiça sobre a letra dos textos”,7 cuja con-tribuição sintetiza uma dupla tentativa: de superar o tecnicismo positivista e de relê-lo criticamente, à luz de experiências práticas e culturais.

A essa tentativa dúplice deve ser acrescentado um dever que está para além dos cânones hermenêuticos rigidamente conce-bidos, compondo um dever de práxis, de aplicação prática dos princípios e das normas constitucionais, cujos limites transcen-dem o mero raciocínio silogístico de subsunção para compor uma

6 BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo: Unisinos; Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 395.7 PERLINGIERI, Pietro. O estudo do direito e a formação do jurista. In: O direito civil na legalidade cons-titucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 54.

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lógica inversa, segundo a qual o fato informa a norma, e não o contrário.8

Tomando-se por base a hermenêutica de Gadamer, quando um juiz interpreta uma norma – que, geral como é, “não pode conter em si a rea-lidade prática com toda sua correção”9 –, adaptando-a aos anseios de um novotempo,eleestáaresolverumproblemaprático,oquenãosignificaque sua hermenêutica é arbitrária ou relativa. Pautando-se em Aristóteles, Gadamerafirmaque“ojustotambémpareceestardeterminadonumsen-tido absoluto, pois está formulado nas leis e contido nas regras gerais de comportamentodaética,que,apesardenãoestaremcodificadas,mesmoassim têm uma determinação precisa e uma vinculação geral”.10

Leis, tratados, convenções, decretos e regulamentos devem ser co-nhecidos pelo jurista não apenas em sua literalidade, mas sob uma her-menêutica aprofundada, funcionalizada e aplicativa, guiada pelo axioma da promoção da dignidade da pessoa humana na permanente dialética entre a norma e o fato, entre o formal e o social, cujo resultado, ainda que eventualmente imprevisível, resulta na constante renovação do Direito.

Ignorar a realidade no estudo do Direito é negar a própria ciência jurídica, uma vez que esta não se encerra em um conjunto de regras e princípios interconectados. O Direito compõe-se de uma função ordena-dora para arquitetar a estrutura de um todo maior, denominado estrutura social ou realidade normativa.11 Nessa direção, “é indispensável que tanto o direito quanto a sua teorização não percam jamais o sentido da realidade”.12

Embora o Direito pertença à superestrutura da sociedade, inolvidável é o fato de que o Direito tem origem plúrima. Nesse sentido, “o direito é estrutura da sociedade, força promocional transformadora, [sendo que] entre direito e ciências sociais não há reprodução mecânica, mas dialética

8Perlingieriafirmaqueaforçadeemancipaçãodapraxecomotalserevelapelodireitomaterial(emoposiçãoao direito formal), pela supremacia da Constituição material, pelos “atos que têm força de lei”. PERLIN-GIERI, Pietro. O estudo do direito e a formação do jurista. In: O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 55.9 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 473.10 Ibidem. p. 472-473.11 PERLINGIERI, Pietro. Complexidade e unidade do ordenamento jurídico vigente. In: O direito civil na legalidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 170.12 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Crítica à dogmática e hermenêutica jurídica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris. p. 54.

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contínua”.13 Assim, o Direito está na sociedade sem nela se esgotar em pura e simples normatividade.

Reconhecer as necessidades do presente e incorporar ao Direito aquilo que a sociedade e a cultura lhe têm para oferecer ainda no plano hermenêutico, independentemente de apreensão legislativa, conforma, como já dito, um dever de práxis, o qual, na atividade do jurista, implica a adequação da lei genérica e abstrata às necessidades do presente e do caso sob análise.

Tome-se como exemplo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que pode incidir direta e imediatamente sobre as relações deDireitoCivil;nãoseafiguracomosustentávelabarreiradogmáticaqueoutrora se pretendia erigir entre Constituição e Direito privado, segundo a qual somente se admitia a incidência do texto constitucional sobre as relaçõesinterprivadaspormeiodo“filtro”dasnormasedosprincípiospróprios ao Direito Civil.

À luz dessa ordem de ideias, revela-se inequívoca a repercussão do princípioemtelanaconfiguraçãodoperfilcontemporâneodospilaresde base do Direito Civil: contrato, propriedade e família.

Os direitos fundamentais podem, assim, incidir direta e imediatamente sobreasrelaçõesinterprivadas,pormeiodesuaeficáciahorizontal(oumesmo vertical, como bem ensina Ingo Sarlet, no pertinente aos poderes privados).

Com efeito, dúvida não há de que a aplicação do princípio constitu-cional da dignidade da pessoa humana parte da tópica, uma vez que não se trata de formular um conceito exauriente e abstrato de dignidade, mas, sim, zelar pela satisfação de necessidades fundamentais que propiciem aos sujeitos o livre desenvolvimento de capacidades individuais.

Utilizar princípios, por certo, é admitir ponderação de valores “in con-creto” e buscar superar a simples subsunção lógica em favor de métodos de decisão, pelo que não cabe, aqui, a postura mecanicista da clivagem do discurso jurídico, da valoração a priori, das respostas prêt à porter.

De outro lado, não contrastam com essa racionalidade instrumentos de aplicação e repercussões diretas do princípio em tela para o Direito Civil contemporâneo.

A noção de que a norma jurídica se constrói topicamente não afasta 13 PERLINGIERI, op. cit., p. 172-173.

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a pertinência da sistematização.Nesse sentido, espera-se que a lei vincule todos por igual, mas, no

caso de aplicação, de concretização da lei, cabe ao intérprete e aplicador a complementação produtiva do direito por meio de uma ponderação justa do conjunto que lhe foi apresentado.14

Dessarte, como a constituição do Direito se dá gradativa e dialetica-mente, abarcando leis elaboradas em momentos histórico-ideológicos bastante distintos, busca-se uma hermenêutica crítica, que conceba no Direito a complexidade da vida, interpretando-o a partir de seus princípios e valores fundamentais; uma hermenêutica não adstrita à formalidade, mas alargada pela substancialidade do ser humano e de sua dignidade.

Remarque-se: como a hermenêutica está para além do puro e simples interpretar, uma vez que transcende o que está escrito, compondo um colóquio dialético entre leitor e texto, premente se faz sua construção em um sistema dialeticamente aberto, que submeta perenemente as normas aos preceitos constitucionais e à contraprova da realidade.

Porisso,reafirmamos:ahermenêuticaconformaumfenômeno inter-pretativo como compreensão do ser, ou seja, objetivar a hermenêutica e reduzi-la a método interpretativo implica diminuir a sua abrangência.

Tendo por pressuposto essas compreensões,verifica-sequeamaiorcontribuição trazida ao Direito Civil contemporâneo por uma herme-nêutica diferenciada pode ser a consciência crítica e dialética para com a realidade de uma hermenêutica que não é somente a interpretação do mundo, mas também a sua transformação pelo próprio sujeito que nele está inserto.

Considerar, assim, o fato um elemento fenomenológico informador do ordenamento jurídico importa reler a própria hermenêutica jurídica – a qual não pode ser vista separadamente de uma teoria da compreensão, como se dela diferisse – para que se possa levar em conta não apenas a norma, o que inclui a própria Constituição, mas também a ação legítima do sujeito concreto como constituinte de sua própria personalidade e da história daqueles com quem dialeticamente se relaciona.

É somente por meio da hermenêutica como compreensão e ação constitutiva do próprio sujeito que se alcançará a imperiosa sensibili-dade jurídica à renovação do Direito, reconhecendo-se as necessidades 14 GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997. p. 489.

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do presente e conformando-lhe um modo de olhar socialmenteeficaz.É nessa via que sustentamos uma principiologia axiológica de índole

constitucional, fundada numa dimensão prospectiva da constitucionali-zação do Direito. São esses alguns dos aspectos que, no dia de hoje, aqui trazemos à colação, almejando a todos excelente proveito, no evento que principia balizado por intérpretes que vão beneplacitar um horizonte de relevo para a hermenêutica do Direito Civil brasileiro contemporâneo.

Muito grato por vossa atenção.

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DISCURSOS

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Discurso*

Otávio Roberto Pamplona**

Saudações.Distinguiu-me a Presidência da Corte para, em nome do Tribunal,

nesta sessão solene em que o seu Plenário se reúne para dar posse ao seu mais novo membro, fazer a saudação ao Desembargador Federal Jorge Antonio Maurique.

Com certeza, outros colegas, dotados de melhor capacidade oratória, estariam mais aptos a cumprir esta honrosa missão.

No entanto, estou certo de que a minha indicação se deveu mais aos laços de fraterna amizade que tenho com o Desembargador Jorge Mau-rique, bem como à origem do empossado, o qual, conquanto nascido em solo gaúcho, adotou o Estado de Santa Catarina para fazer a sua vida, onde constituiu uma bela família, consolidou a sua carreira e, por isso, passa a compor este Tribunal na condição de mais um representante da magistratura federal catarinense.

Declinadas as razões que imagino que tenham levado à minha escolha, inicio esta saudação, Senhora Presidente, fazendo referência a um fato ocorrido há mais de duas décadas.

* Discurso de saudação ao Desembargador Federal Jorge Antonio Maurique quando da sua posse no TRF da 4ª Região, em 24.02.2012.** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

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Era o ano de 1991, mais precisamente o seu primeiro semestre, quando fui promovido para o cargo de Promotor de Justiça titular na Comarca de Itapiranga, no extremo oeste catarinense. A Associação Catarinense do Ministério Público tinha coordenadorias regionais, e uma delas era situada naquelas plagas. Em razão de uma desavença havida entre dois colegas promotores de justiça, foi marcada uma reunião entre os promotores da região para tentar apaziguar os ânimos e restabelecer a harmonia entre os associados. O local da reunião: a Comarca de Maravilha.

Ainda não conhecia todos os colegas, pois era novo na região. Feitas algumas apresentações, a reunião se iniciou. Um dos participantes se destacava pelas inúmeras e pertinentes manifestações. Expunha razões para a aproximação dos desafetos, dava alguns conselhos, ponderava a desnecessidadedamanutençãodaanimosidade.Enfim,fezdetudoparaconciliar, expondo com muita segurança todos os motivos para que a paz se restabelecesse.

Como eu não conhecia todos, inclusive aquele colega que, a essa altura, já estava praticamente conduzindo os trabalhos, perguntei a um promotor que se encontrava ao meu lado quem era o promotor que tanto se manifestava.

Para minha surpresa, a resposta foi a seguinte: “Pamplona, ele não é Promotor de Justiça, ele é o Juiz aqui de Maravilha, que mantém estreitos laços com os promotores e juízes de direito aqui do oeste”.

Senhora Presidente: quem era aquele Juiz de Direito que praticamente, para usar uma expressão bem popular, havia “roubado a cena” na reunião de promotores? Jorge Antonio Maurique.

Foram nessas circunstâncias que conheci o Maurique.Faço alusão a esse fato, senhoras e senhores, porque ele é bem re-

presentativodafiguraímparqueéoMaurique:umapessoairreverente;que está sempre de bem com a vida; que tem uma facilidade de fazer e manter amizades; dotado de extrema perspicácia, inteligência e capaci-dade de persuasão, apresentando-se, sem dúvida, como um grande líder e conciliador.

Feitaessaintrodução,que,ameujuízo,bemrepresentaafigurahu-mana que é o Maurique, passo, na sequência, a narrar um pouco da sua história.

Com efeito.

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Jorge Antonio Maurique, nascido em junho de 1960 no município gaúchodeSãoLuizGonzaga,éofilhomaisnovo,deumtotaldeoito,deJoão Maurique e Anita Pacheco Maurique. O seu João, atualmente com 83 anos de idade, ainda exerce as funções de cartorário na localidade de Alegrete, vivendo ao lado da dona Anita, companheira de décadas, que, comoguardiãdolar,criouosoitofilhosdando-lhesamelhorformaçãomoral.

Sobre a sua família, em particular sobre o seu pai e sobre o nosso novo Desembargador, me informou o seu irmão, o Advogado Assis Brasil Maurique, que seu pai era agricultor e,“incentivado por um Promotor de São Luiz Gonzaga, fez concurso para escrivão distrital. Esse Promotor lhe forneceu a matéria, e ele, que possuía uma mente privilegiada, estudou e tirou o primeiro lugar no referido concurso. E assim em todos os demais que prestou. Quanto ao Jorge, ele é meu irmão mais moço e também sempre teve uma inteligência superior aos demais, sempre foi líder onde passou, era extremamente dedicado à leitura e, mais importante, sempre trabalhou. Destaco que, quando ele tinha cerca de 13/15 anos, começou a trabalhar como office-boy no escritório de advocacia do Dr. Miguel Hamann Pinheiro, em Porto Alegre.”

Posteriormente, ainda segundo o seu irmão, trabalhou com ele como estagiário no seu escritório de advocacia.

Aqui em Porto Alegre, para onde se mudou aos doze anos de idade, bacharelou-se, no ano de 1984, em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Após, formou-se no Curso de Especialização lato sensu de preparação à Magistratura, mantido pela Ajuris. Concluiu, agora em sede de pós-graduação, os créditos do Mestrado em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul.

Na vida acadêmica, destacou-se, ainda, como docente. Foi professor (a) da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul nas disciplinas de Direito Tributário e Processo Penal; (b) da Escola Superior da Ma-gistratura Federal da Associação dos Juízes Federais de Santa Catarina nas mesmas disciplinas; e, também, (c) da Escola da Magistratura Cata-rinense, mantida pela AMC. Lecionou, ainda, como professor convidado nos cursos de pós-graduação na Universidade do Vale do Itajaí – Univali e no Cesusc, as disciplinas “Ações Tributárias” e “Tributos e Contribui-ções Federais”.

Ao lado dessas atividades docentes, proferiu inúmeras palestras sobre

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os mais variados temas jurídicos, com ênfase, porém, nas áreas de Direito Penal, Direito Tributário, Organização Judiciária e sobre Conselhos de FiscalizaçãoProfissional.

Participou, como delegado do Estado Brasileiro, de vários encontros de âmbito internacional.

Tem vários artigos publicados em áreas especializadas do Direito e é coautor do livro, editado pela Revista dos Tribunais, Conselhos de fiscalização profissional: Doutrina e Jurisprudência, coordenado pelo Desembargador Federal aposentado deste Tribunal Vladimir Passos de Freitas.

Foi Advogado privado e, posteriormente, aprovado em concurso público, atuou como Advogado da Cohab/RS.

Logrando aprovação em concurso público, em 1987 iniciou a carreira de Juiz de Direito no Estado de Santa Catarina, sendo, à época, um dos mais novos juízes de direito do estado barriga-verde, atuando, inicial-mente, como Juiz Substituto em várias comarcas, e, como juiz titular, nas comarcas de São Carlos, Maravilha, Caçador e Criciúma.

Em 1993, também mediante aprovação em concurso público, tomou posse como Juiz Federal Substituto em Porto Alegre, tendo atuado como Juiz Titular nas Subseções Judiciárias de Caxias do Sul e Porto Alegre, neste Estado, e como Juiz Titular nas Subseções Judiciárias de Criciúma e Florianópolis, sendo que, por último, estava lotado na 2ª Vara Federal do JEF Cível Adjunto de Criciúma.

Foi Juiz Suplente do TRE/SC no biênio 2002/2004 e Juiz Titular do mesmo Tribunal no biênio 2006/2008.

Jurisdicionou, antes da sua promoção para o cargo de Desembargador, como juiz convocado neste TRF, no período de 2009/2011.

Ocupou vários outros cargos de relevância, inclusive de natureza in-ternacional, como o de Juiz de Ligação Haia-Brasil para a Convenção de Haia de 1980 e de Coordenador do Grupo de Haia, por indicação do STF.

Participou, outrossim, como membro de relevantes comissões, de que são exemplos a Comissão de Altos Estudos da Justiça Federal, coordenando o tema “Reforma da Previdência” (2003), e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo da Presidência da Repú-blica (2004/2006).

Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, indicado pelo

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Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no biênio 2007/2009, órgão no qual teve destacada e reconhecida atuação.

Masnãoésó.Aoladodabrilhantecarreiraacadêmicaeprofissional,o novo Desembargador, desde os tempos de estudante, teve intensa atuação política.

Participou, em importante momento histórico da vida política brasi-leira, no início da década de 1980, do movimento estudantil. Inclusive, ocupou o cargo de representante discente no Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Após, já magistrado federal, em razão da sua reconhecida e destaca-da atuação político-institucional e da invulgar capacidade de liderança, galgou todos os postos de representação nas atividades associativas. Foi fundador e Presidente da Associação dos Juízes Federais de Santa Catarina, antigo Instituto dos Juízes Federais do nosso Estado, no biênio 2001/2003.

Foi Vice-Presidente, Secretário e Presidente da Associação dos Juí-zes Federais do Brasil, este último cargo exercido no biênio 2004/2006. Sua gestão é reconhecida por todos como uma das mais profícuas da nossa entidade representativa, ocorrida exatamente em um momento em que a magistratura, em particular a federal, passava por incontáveis dificuldades.Conquistassignificativasforamobtidasnaadministraçãodo Maurique. O tempo limitado, no entanto, não me permite arrolá-las.

Porfim,aindasobreonossonovoDesembargador,érelevantereferiros títulos que lhe foram outorgados por várias instituições, entre eles a “Comenda do Mérito do Ministério da Defesa, no grau de Comendador”; a “Comenda do Mérito do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no grau de Grande Mérito”; e, principalmente, o título de “Cidadão Ca-tarinense”, concedido pela Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, pela Lei nº 13.585, de 29 de novembro de 2006.

Como se depreende, o currículo de nosso novo Desembargador revela sua vasta bagagem e experiência, as quais foram adquiridas ao longo desuaexitosatrajetóriaacadêmica,profissionalepolítico-associativa.

É um currículo eloquente, que fala por si próprio.E, em um momento difícil pelo qual atravessa o Poder Judiciário

Brasileiro, é de extrema importância a assunção, neste Tribunal Federal, de um juiz com as qualidades ostentadas pelo Maurique, que, ao lado do

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seu descortino, da sua inteligência, da sua capacidade de argumentação e articulação, sempre se mostrou um juiz operoso e, mais importante, corajoso no exercício da jurisdição. Coragem essa que se faz, reitero, mais do que nunca, necessária nesta quadra da história brasileira, porquanto não há dúvida de que, ao lado da liberdade, uma das virtudes mais caras do julgador é o destemor para decidir, o que deve ser feito, muitas vezes, contrariamente ao que aponta a opinião pública.

Como bem asseverou o Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva, por ocasião da posse do Desembargador Federal Márcio Antonio Rocha nesta Corte:

“A vida e a renovação se impõem inexoravelmente. O que importa são as instituições, porque elas são o fruto do somatório de ideias, sentimentos e ideais. O maior legado do homem público é justamente não se esforçar muito para deixar legado. É cumprir o que a lei espera dele. No nosso caso, prometemos cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis da República Federativa do Brasil, compromisso que Vossa Excelência, Dr. Márcio, acabou de renovar. Essa é a maior tarefa que temos que desempenhar, mesmo que à custa da antipatia de alguns, por vezes da opinião pública; tudo em nome do bem maior que é a justiça. E, quanto a isso, este Tribunal vem inegavelmente dando excelentes exemplos.”

Nesse sentido, também, as palavras precisas do Ministro aposentado do STF e seu ex-presidente, Sydney Sanches, vazadas nas seguintes letras:

“Não deve o juiz ceder à tentação de proferir decisões simpáticas só por serem simpáticas, se não forem justas. Não deve ceder à tentação de ganhar notoriedade, à custa de decisões temerárias ou injustas. Ou apenas suscitar polêmica e obter destaque pessoal. Mas também não deve se intimidar diante da possibilidade de decisões que, tomadas de acordo com a sua consciência jurídica, possam repercutir negativamente na chamada ‘opinião pública’. Até porque nem sempre ela se forma pelo caminho da verdade, mas, frequentemente, da versão, mediante deturpação dos fatos, desinformação e manipulação maliciosa e interes-seira de dados reais. E até de informes irreais.” (Curso de deontologia da magistratura. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 29. Capítulo: O Juiz e os valores dominantes. O desempenho da função jurisdicional em face dos anseios sociais por justiça)

Não tenho a menor dúvida, caros colegas, de que a atuação do Mau-rique nesta Corte se dará, como até agora tem ocorrido, segundo estes parâmetros: coragem e independência no exercício da jurisdição.

Não optará jamais pelo discurso jurídico fácil de balizar as suas deci-sões, necessariamente, pela opinião pública, quando esta contrastar com as normas plasmadas no ordenamento jurídico, em particular, o ordena-mento constitucional. Isso porque, é bom que se lembre, diferentemente

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do que ocorre com relação aos agentes políticos que compõem os demais Poderes da República, a legitimidade dos juízes não decorre do voto, do processo eleitoral, mas sim dos princípios e mandamentos que, constantes da Constituição, conferem aos membros do Poder Judiciário o poder de dizer, soberana e imparcialmente, o direito no caso concreto, nos exatos termos em que juramos ao assumirmos o cargo de juiz, qual seja, o de respeitar a Constituição, juramento esse ora renovado pelo empossado.

A história da humanidade, aliás, é repleta de exemplos de que nem sempre a voz das ruas é a mais abalizada. Sabemos que, muitas vezes, o que dela decorre é fruto de paixões momentâneas, não raro moldada de maneira direcionada. A jurisdição, em síntese, não deve ser exercida plebiscitariamente.

Essa é uma das razões pelas quais o legislador constituinte originário conferiu aos membros da magistratura algumas garantias, que, antes de prerrogativas do juiz enquanto pessoa, se constituem, em verdade, em garantias da própria nação, da própria cidadania.

Afora isso, trata-se de um juiz sensível e comprometido com a garantia dos direitos fundamentais. São dele as seguintes palavras, prolatadas por ocasião do seu discurso de despedida da presidência da Ajufe:

“A maior tristeza que levo neste momento é ver que, embora toda a nossa luta, a rea-lidade é que o Estado brasileiro não consegue sequer fazer valer os mais mínimos direitos humanos para uma grande parte de nosso povo. Aí continuam as chagas do trabalho escra-vo, da miséria, da violência e da criminalidade organizada, que atingem todos, mas com muito maior intensidade os mais despossuídos. Ainda temos brasileiros que, por conta de um modelo excludente e concentrador, nem sequer sabem que possuem direitos. A tristeza porverquemuitasvezesosdireitoshumanossãomerasfigurasderetóricaaadornaremquadrosemparedesoudiscursosdesprovidosdeeficácia.”

Tal preocupação, aliás, coincide com o que disse o jurista italiano Norberto Bobbio, quando assinalou em sua obra A era dos direitos, no artigo “Presente e futuro dos direitos dos homens”, que, presentemente,“oproblemaquetemosdiantedenósnãoéfilosófico,masjurídicoe,numsentidomaisamplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natu-reza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.” (Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25)

Senhora Presidente e demais Colegas Desembargadores, é momento

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de encerrar.E,antesdefazê-lo,nãopoderiadeixardemereferiràfiguradoMau-

rique enquanto pai e marido. Sobre sua afeição e sua dedicação à família, valho-me, mais uma vez,

das palavras do empossado, que, no mesmo discurso de despedida a que antes me referi, assim pontuou:

“Porfim,devoagradeceràquelaspessoasquesofreramemminhasausências,quecho-raram e se alegraram ao meu lado mais do que todos. Falo aqui de meus familiares que me acompanharamnestajornadadepresidência.Agradeçoàsminhasfilhas,LuanaeLuísa,pelosimplesfatodeexistiremepormededicaremseuamor,amorsemcobrança,amorsemfim.Vocês, Luísa e Luana, amando-me ensinaram-me também a me amar, e isso me apazigua, reconcilia-meemerejubila.Jamaistereipalavrasouatitudessuficientespararetribuirotanto que me deram. Amo vocês com toda a força do meu ser. Um espaço especial merece Beatriz, companheira na alegria e na tristeza, na falta e na opulência, em todas as horas em que me consolava, apoiava-me e me ajudava a seguir. Sei que outras Beatrizes foram musas de Dante, de Petrarca e de Neruda, entre tantos poetas. Mas, para a minha Beatriz, eu possotomaremprestadasaspalavrasdeChicoBuarque(afinal,apoesiaéparaquemdelaprecisa) e dizer ‘Sim, me leva para sempre, Beatriz, me ensina a não andar com os pés no chão’. Sou feliz ao teu lado, e você me proporciona muito mais que mereço.”

Além da Beatriz, sua esposa há mais de vinte anos, da Luísa e da Luana,deveserreferido, também,oseufilho,o jornalistaThiagodeLima Maurique, atualmente com 28 anos de idade, a quem o empossado destina um amor incondicional.

É esse, portanto, senhoras e senhores, o juiz que ora passa a vestir a toga deste Tribunal. Um homem de excepcionais virtudes, de trato fácil, apegado à família e aos amigos, com sólida cultura jurídica, extraordi-nária capacidade de trabalho, acentuada vocação para a magistratura e detentor de muita coragem, qualidades que o tornaram respeitado na comunidade jurídica nacional.

Desejamos todos, membros desta Corte, juízes de primeiro grau, teus familiares e amigos, a ti, Maurique, à Beatriz, à Luísa, à Luana e ao Thiago, toda a felicidade do mundo.

Como já tive a oportunidade de enfatizar no Plenário deste Regional, por ocasião da saudação ao Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, as pessoas querem que suas causas sejam julgadas não só por alguém que conheça bem o direito, mas, também, por alguém que esteja de bem com a vida, pois só pode dar felicidade, por meio da atua-

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çãojurisdicional,queméfeliz.Afinal,comodizSuaSantidadeoDalaiLama, “o próprio objetivo da vida é perseguir a felicidade”.

Sede, pois, felizes, Maurique, Beatriz, Luísa, Luana e Thiago.Desembargador Federal Jorge Antonio Maurique, bem-vindo a este

Tribunal, o qual se orgulha de tê-lo, a partir de agora, como um de seus membrosdefinitivos.

E que Deus continue a iluminar a sua caminhada.Muito obrigado.

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Discurso*

Jorge Antonio Maurique**

Excelentíssima Senhora Presidente deste egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler:

Peço permissão a Vossa Excelência, que dirige esta solenidade, para saudarmeuscolegasmagistradosnafiguradetrêsexcepcionaisamigosque aqui comparecem: o Min. Edson Vidigal, ex-Presidente do Superior Tribunal de Justiça, que, por generosidade, se desloca do Maranhão até o extremo sul para me cumprimentar; meu querido amigo e grande lí-der da magistratura, Min. Hélio de Melo Mosimann; e o querido amigo Min. Paulo Gallotti, com quem tenho tanta convivência e uma amizade fraterna, iniciada muito tempo atrás, quando nós dois éramos Juízes de Direito em Santa Catarina.

Peço licença, então, a Vossa Excelência para saudar todos os magistra-dos nas pessoas desses três grandes e exemplares magistrados e amigos.

Saúdo os integrantes do Poder Executivo nas pessoas de dois grandes amigos: José Fortunati, Prefeito de Porto Alegre, meu colega de sala de aula durante quatro anos, com quem tive uma convivência muito grande, não só nos bancos escolares, como também na militância dos Direitos Humanos; e meu querido amigo Clésio Salvaro, Prefeito de Criciúma, cidade que adotei para morar há muito tempo, e que foi quem me honrou

** Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

* Discurso de posse como Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, em 24.02.2012.

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com a proposta desse título de Cidadão Catarinense ao tempo em que era Deputado Estadual. Agradeço a presença de Vossas Excelências e, em nome dos dois, cumprimento todos os integrantes do Poder Executivo.

Cumprimento os integrantes do Poder Legislativo na pessoa da ilustre Deputada Estadual Ângela Albino, que, com grande esforço pessoal, se desloca de Florianópolis até aqui para testemunhar esta posse. Agradeço sua presença, que representa não só o reforço dos laços de amizade que mantemos, como também o enorme apreço de Vossa Excelência pelo Poder Judiciário.

Agradeço aos membros do Ministério Público a presença, na pessoa do meu querido amigo João Carlos de Carvalho Rocha, com quem trabalhei tanto tempo, em tantas ações aqui em Porto Alegre. É um prazer tê-lo aqui, já que também trabalhamos juntos na política associativa, Vossa Excelência na ANPR e eu na Ajufe.

Quero saudar os advogados de uma maneira muito especial na pes-soa do meu querido amigo Márcio Vicari, meu ex-colega do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina e que, por uma deferência da OAB nacional, aqui representa os advogados.

Meus queridos amigos magistrados, meus queridos amigos membros do Ministério Público, da advocacia, meus queridos amigos funcioná-rios, meus amigos que aqui estão – vejo tantos aqui de Criciúma, de Florianópolis, de Pernambuco, da Paraíba, de Brasília, do Rio de Janeiro, deSãoPaulo,enfim,dosmaisdiversoslugaresdonossoPaís–,muitoobrigado. A presença de todos vocês realmente me emociona e me deixa em uma situação extremamente delicada para fazer um discurso. Depois das palavras tão elogiosas, tão agradáveis e tão generosas do Otávio Pamplona, é muito difícil fazer um discurso, mas, mesmo assim, tenho esta obrigação e tentarei fazê-lo.

Adatade24defevereirode2012ficarámarcadanaminhahistóriapessoal pelo fato de ser neste dia que tomo posse como membro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Fazer um discurso envolve, pri-meiro,umaobrigação,poisassimodeterminaoprotocolo,massignificatambém uma carta de intenções e uma oportunidade, talvez a mais rara de todas, de agradecer o fato de aqui estar.

ComeçodizendoqueanossatarefafinalcomoJuízeséfazereaplicarajustiça,justiçaquepossuiinúmerossignificadosecontinuadasevoca-

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çõesatravésdostempos.Evocamessapalavraosjuristas,osfilósofos,ospoetas e aqueles que pedem e esperam justiça. A Bíblia nos lembra das palavras de Jesus, que no Sermão da Montanha pregou: “Bem-aventu-rados os que têm fome e sede de Justiça, porque encontrarão a Justiça”.

JánosensinaofilósofoAndréComte-Sponville:“Respeitar as leis sim, ou pelo menos obedecer-lhes e defendê-las, mas não à custa da

justiça, não à custa da vida de um inocente. A moral vem antes, a Justiça vem antes, pelo menos quando se trata do essencial. E o essencial é a liberdade de todos, a dignidade de cada um e os direitos primeiramente do outro.

Às vezes, é necessário entrar na luta clandestina; às vezes, obedecer ou desobedecer. O desejável é, evidentemente, que leis e justiça caminhem no mesmo sentido, e é nisso que cada um, enquanto cidadão, tem a obrigação moral de se empenhar.

A justiça não pertence a nenhum campo, a nenhum partido, todos são moralmente obri-gados a defendê-la. A justiça deve ser preservada não pelos partidos, mas pelos indivíduos que os compõem, a justiça só existe e só é um valor quando há justos para defendê-la.”

Porsuavez,Brechtafirmou:“A Justiça é o pão do povo, às vezes bastante, às vezes pouco; às vezes de gosto bom, às

vezes de gosto ruim; quando o pão é pouco, há fome; quando o pão é ruim, há descontenta-mento; fora com a justiça ruim, cozida sem amor, amassada sem sabor, a justiça sem sabor cuja casca é cinzenta, a justiça de ontem, que chega tarde demais; quando o pão é bom e bastante, o resto da refeição pode ser perdoado, não pode haver, logo, tudo em abundância. Alimentado do pão da justiça, pode ser feito o trabalho de que resulta a abundância. Como é necessário o pão diário, é necessária a justiça diária, sim, mesmo várias vezes ao dia.”

Eisaí,naspalavrasdofilhodeDeus,dofilósofoedopoeta,osdesafiosque temos: reconhecer que há fome de justiça, e é nossa função procurar saciá-la. Uma justiça que não pode ser tardia, uma justiça que não pode ser alheia à dignidade da pessoa humana, uma justiça que não pode ser feita sem bondade e sem amor, pois acredito que a verdadeira justiça é sempre boa, porque traz a paz, porque sacia a sede, porque acolhe, porque protege e alimenta.

Cumpro assim a primeira parte do discurso para dizer que pretendo continuar tentando fazer justiça como há quase 25 anos me comprometi a fazer. Tenho, pois, a sincera convicção de que continuarei tentando fazer o melhor possível no meu trabalho cotidiano, na busca da verda-deira justiça. Isso porque não consigo esquecer as palavras de um grande amigo que, infelizmente, neste exato momento, passa pela maior dor que um ser humano pode passar. Disse-me Flávio Dino que devemos tentar R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 59-80, 2012 73

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fazer da nossa atividade de magistrado uma transformação a cada dia, na busca de um mundo um pouquinho melhor. Se tivermos melhorado o mundoumpouquinhosó,aofinaldecadadia,teremosjustificadonossafunçãodemagistradosejustificadonossapassagemporessemundo.Éisso que todos os colegas deste Tribunal se propõem todo dia a fazer, e é a esse propósito que, com muito orgulho, honra e esperança, me uno. Seconseguirmosmelhoraravidadeumasópessoaaofinaldecadadia,teremos saciado um pouco a imensa fome de justiça da população do nosso País.

Este momento também implica que me recorde um pouquinho da minha trajetória, tão bem descrita pelo Otávio, com uma bondade e uma generosidade próprias dos amigos, pois atendeu o meu pedido, já que lhe solicitei que aumentasse um pouquinho as minhas qualidades e retirasse um pouquinho dos meus defeitos, o que fez com muita competência e arte.

O início da minha carreira como Juiz de Direito no Estado de Santa Catarina, esse Estado que me acolheu e que me proporcionou as maiores honrarias que um servidor público pode receber. O apoio dos colegas na minha atividade associativa, tendo exercido os mais elevados cargos que um Juiz Federal pode exercer nessa atividade, tanto em nível estadual, na associação agora presidida pelo meu querido amigo Vilian Bollmann, como em nível nacional, na entidade agora presidida pelo eminente colega Gabriel Wedy. A elevada honra de ser membro do Conselho Nacional de Justiça e, depois, a alegria de ser promovido a esta Casa, disputando essa indicação com dois ilustres e honrados colegas, os quais saúdo na pessoa do Gebran, aqui presente. Tenho certeza de que Vossa Excelência, assim como a colega Vivian, teria tantas ou mais qualidades para estar aqui no meu lugar.

Isso implica dizer: o Poder Judiciário sempre me proporcionou as maiores honras, as maiores deferências, as mais puras e fantásticas ale-grias. Essas alegrias são multiplicadas a partir desta data, que me permite terassentonestaCorteporondeseperfilaramgrandeshomensemulheres,não posso citar todos, já que são tantos e muitos estão aqui presentes. Peço licença a todos vocês para citar apenas alguns. Cito aqui a bondade de coração da Silvia Goraieb, recentemente aposentada; a persistência e a vontade de Vilson Darós, que em breve aproveitará uma merecida aposentadoria; e a incomparável inteligência de Maria Lúcia Luz Leiria

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– todos ex-Presidentes desta Corte e que, pelas suas atuações, deixaram e ainda deixam marcas perenes em todos nós, magistrados federais.

Posso dizer que, como magistrado, vivi dias e instantes gloriosos, sabendo das responsabilidades do meu cargo, ao mesmo tempo em que tive momentos de apreensão nas dúvidas que assomaram, se o caminho escolhidoeraocorretoparacumprirojuramentoquefiz,pelaprimeiravez, em maio de 1987 e que renovei inúmeras vezes, inclusive na data de hoje.

No entanto, devo dizer que a carreira de Juiz nem sempre é só de alegrias. Com efeito, neste exato momento histórico em que se debatem eventuais prerrogativas dos magistrados como se fossem fruto de des-cabidos privilégios em uma sociedade republicana, devemos lembrar que a alguns eventuais e poucos direitos que possuímos, em contraste comoutrasatividadeseprofissões,correspondeumrolcadavezmaisextenso de proibições e vedações não encontráveis em nenhuma outra atividadeouprofissãononossoPaís.Asériede“oJuiznãopode”,ouseja, as vedações aos magistrados, excede em muito a série “o Juiz tem o direito”, ou seja, as prerrogativas. Esse debate, que deveria ser sereno e democrático, por vezes assume as proporções de acerto de contas ou caça às bruxas, o que nos dá uma imensa tristeza e frustração, como se todas as mazelas da sociedade pudessem ser atribuídas ao Poder Judiciário.

Agora, a maior tristeza não é esse debate. A maior tristeza que pode ter um magistrado é ver a morosidade processual, é ver que as coisas não se resolvem e é ver como a realidade da vida consegue ser mais dura do que imaginamos. Aqui faço um improviso e sei que, quando se impro-visaemumdiscurso,seflertacomoabismo,mas,dequalquermaneira,penso que é importante dizer que nós, magistrados, temos uma profunda consciência republicana, um profundo sentimento e uma verdadeira paixão pela ideia da igualdade e que, muitas vezes, algumas situações nos chocam de uma maneira tal que nos permitem (e nos obrigam) que reavaliemos toda a nossa atuação em toda a nossa vida.

Falo isso, meu querido amigo Vidigal, porque estive no seu Estado, como membro do Conselho Nacional de Justiça e coordenador de uma comissão, e lá tive contato com a Eurídice, sua esposa, participando das atividades a respeito do sistema prisional brasileiro, um sistema que se aproxima de 500 mil presos, grande parte deles em condições degra-

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dantes, em condições subumanas, que nos chocam e que colocam em xeque se somos realmente uma sociedade civilizada. Lembro que Nelson Mandela escreveu que se julga uma sociedade pela maneira como trata seus encarcerados. Se for dessa maneira, parece-me que o julgamento que se fará do nosso Brasil, neste determinado momento histórico, não é dos mais favoráveis. Temos aproximadamente 200 mil presos provisó-rios, dos quais a grande maioria não tem assistência jurídica, porque se tivesse, com certeza, pelo menos um terço já teria saído em virtude de algum benefício. É claro que essas mazelas não são atribuíveis apenas ao Judiciário, a sociedade inteira tem que superar. Outras mazelas também temos, como o trabalho escravo, o trabalho degradante, a impunidade, a pistolagem, o crime de mando, a criminalidade organizada, mas nada me chocou mais, ao longo da minha vida, do que constatar as péssimas con-dições carcerárias, a verdadeira chaga que é o sistema prisional brasileiro.

Agora, esse momento de tristeza deixemos para trás, porque este momento é para ser de alegria e de compromisso, e nenhuma felicida-de pode ser maior do que ver, nesta distinta plateia, incontáveis amigos e amigas que me acompanham, a mim e a minha família, nessa longa jornada, amigos de inúmeras cidades e locais, meus queridos amigos de Criciúma, que aqui estão, meus queridos amigos de Florianópolis, de Brasília, de Porto Alegre, do Maranhão, da Paraíba, de Pernambuco, de Araranguáedetantasoutrascidadespelasquaispassei.Enfim,vocêsmefazem acreditar, cada vez mais, que a amizade é condição de felicidade, que sem ela, sem a amizade, a vida é um erro.

Portanto, agradeço do fundo do coração a todos aqui presentes, pois suas existências fazem lembrar que a vida vale a pena, já que preenche a condiçãobásicadafelicidade,comodiziaEpicuro,queéteramigosfiéis.

Agradeço aos colegas magistrados que buscam todo dia saciar a sede da justiça do nosso povo. A convivência com os colegas sempre foi um bálsamo para qualquer dor da alma que pude sentir na vida.

Obrigado, meus queridos colegas, obrigado, meus queridos amigos. São homens e mulheres de bom coração, como vocês, que ajudam a melhorar o nosso País cada dia um pouquinho.

AgradeçoaosadvogadoseaosmembrosdoMinistérioPúblico,fi-guras indispensáveis sem as quais a justiça perde o sentido, pois vocês nos permitem exercitar o sadio contraditório e o dialético exercício da

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argumentação. Devo dizer que as suas buscas, as dos advogados e as dos membros do Ministério Público, são idênticas às nossas, pois também querem e almejam o justo.

Agradeço, do fundo do coração, aos funcionários do Poder Judiciá-rio, em especial àqueles com os quais tive a felicidade de trabalhar. O trabalho de todos vocês de Caxias do Sul, Porto Alegre, Florianópolis e Criciúma foi o que me permitiu chegar aqui. Muitas das minhas vitórias pessoais devem ser debitadas aos vossos esforços.

Agradeço, de modo especial, aos meus familiares, aos meus pais, a quem devo o bem mais precioso que se pode receber, que é a vida. Seu João, Dona Anita, muito obrigado, deram-me a vida, procurei dela fazer bom uso, espero que sintam orgulho.

Meus familiares aqui presentes, muito obrigado pela sua presença. E vejam que os cuidados que me dispensaram como irmão mais novo deram resultado. Agradeço tudo o que vocês me deram, que foram as mais legítimas provas de afeto e carinho.

Devo agradecer às pessoas que entenderam minhas ausências, que sofreram e se emocionaram ao meu lado mais do que todos e que quase nunca recebem qualquer tipo de reconhecimento. Agradeço às minhas filhas,LuanaeLuísa–Luísaaquipresente,eLuanaparecequeestánoCanadá –, que, amando, me ensinaram também a amar. Agradeço ao Thiago pela sua presença e pelo seu carinho, carinho que nem sempre posso retribuir. Este momento também é seu. Jamais terei palavras ou atitudessuficientespararetribuirotantoquevocêstrêsmederam.Amovocês com toda a força do meu ser.

Agradeço de um modo especial à Beatriz, que, como já disse o Otávio, é minha companheira na alegria e na tristeza, na falta e na opulência, a quem sou um eterno devedor. Devo-lhe muito pelas ausências que minha vida lhe causou. Devo-lhe muito pela paciência. Devo-lhe muito por aguentar as provações por ser esposa de um magistrado. Aliás, devo dizer, meu querido amigo Leomar Amorim – sua presença me alegra de uma maneira especial –, que, se ser magistrado é difícil, ser esposa de magistrado ou marido de magistrada é quase impossível, é uma das maiores provações que se pode sofrer pelas constantes mudanças de endereço, de cidade, de projetos de vida. Muito obrigado, Beatriz. Você me inspira com suas críticas, com suas certezas e com suas dúvidas,

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com seus questionamentos, e porque fundamentalmente me lembra que, com sua existência e presença, o sentido da vida é o amor. Sem o seu amor, eu pouco ou nada seria. Muito obrigado. Sou eternamente grato por você me amar.

Tenho que concluir e peço escusas pela extensão do discurso. Agradeço a todos que me ensinaram a caminhar em direção à utopia, a utopia de um mundo melhor, a utopia de uma magistratura republicana, a utopia de acreditar que a verdadeira justiça tem os olhos bem abertos para a injustiça e a opressão. Aliás, sem querer, de alguma maneira, atiçar ou abrir algumas feridas, eu me formei no período da ditadura militar, quando a luta contra a injustiça e a opressão era uma coisa muito presente e não era fácil respirar os tempos democráticos que hoje nós temos. Sequer imaginávamos como poderia ser a sociedade ou como seria uma socie-dade democrática, como hoje temos.

O Brasil melhorou muito. Temos nossas mazelas? Temos, sim, mas o Paísmelhoroumuito.Eu,outrodia,fuiàformaturadofilhodaValquíria,que por tanto tempo foi promotora junto comigo, e assisti a um discurso em que parecia que o mundo estava acabando antes de 12 de dezembro desteano.Iaacabarnaquelahora.Euprefiroenxergardeumamaneiradiferente. A morosidade do Judiciário deve-se a um número excessivo de processos, mas deve-se também ao fato de a população acreditar no Judiciário, acreditar que terá uma solução no Judiciário, ou seja, essa consciência que nós não tínhamos, ou essa certeza que nós nem sequer imaginávamos nos tempos de nossos bancos escolares. Então, faço uma outra leitura. O País está melhorando. Não é o Brasil que nós queremos, não é o Brasil que desejamos, não é o País que nós merecemos, mas é o País que nós estamos construindo. Melhor que o do passado; ainda não é o ideal, como será no futuro, e para isso trabalhamos e trabalharemos muito mais.

Mas eu falava aqui na utopia. A utopia de que só existe justiça onde há amor. Amor sem o qual a vida não tem sentido. Amor, que é o que nos traz a humanidade, a generosidade e a bondade. Como escreveu São Paulo, o amor não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. O amor é paciente, o amor é prestativo. Não ostenta, não se irrita e não guarda rancor. Essas características, que são próprias do amor, também devem ser as da verdadeira justiça.

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Devo dizer que este ano, meu caro amigo Favreto, é um ano muito especial para tomar posse. O ano de 2012, além de ser ano de Olimpíada, é o ano em que nós teremos em Porto Alegre a inauguração da maior arena de espetáculos do sul do Brasil. Portanto, voltar para Porto Alegre no ano da inauguração dessa arena é um motivo de muita alegria e fe-licidade. Espetáculos que já começamos, não é, Darós, a apresentar na quarta-feira da semana passada.

Meus caros amigos e amigas, gozar de suas amizades é muito mais do que eu mereço. Meus queridos familiares, tentarei todos os dias ser merecedor do amor que generosamente me destinam. Tenho orgulho de estaraqui.Tenhoorgulhodaprofissãoqueescolhi,emquefui,soueserei sempre muito feliz.

Muito obrigado a todos.

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ACÓRDÃOS

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0009433-95.2009.404.7200/SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz LeiriaRel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson

Flores Lenz

Apelante: Cia. de Gás de Santa Catarina – SCGÁSAdvogado: Dr. Leandro Ribeiro Maciel

Apelada: Autopista Litoral Sul S/AAdvogado: Dr. Candido da Silva Dinamarco

Apelada: Agencia Nacional de Transportes Terrestres – ANTTProcurador: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Constitucional e administrativo. Concessão de serviço público. Rodovia. Faixa de domínio. Remuneração. Cabimento. Doutrina e ju-risprudência. Contrato. Proteção constitucional. Ato jurídico perfeito. Art. 5º, XXXVI, da CF/88.

1. Com efeito, o uso privativo de qualquer parte da “faixa de domínio” da rodovia, ainda que por parte de outro órgão público, deve ser precedido de autorização, permissão ou concessão do órgão público responsável, uma vez que se trata de bem público de uso comum.

Por outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneração como contrapartida à permissão de uso de “faixa de domínio” na situação em causa, nos termos do disposto no art. 11 da Lei nº 8.987/95 e nos arts. 24, IV, e 26, VI, da Lei nº 10.233/01, bem como da Resolução nº 2.552,

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de 28.02.2008, editada pelo ANTT.In casu, impõe-se a aplicação da fórmula prevista na Resolução nº

2.552/08, da ANTT, único órgão competente para a elaboração e edição das normas pertinentes à exploração de rodovias concedidas, nos termos do disposto no art. 24, IV, da Lei nº 10.233/01.

Por conseguinte, é manifestamente ilegal a utilização por parte da ora apelante da “faixa de domínio” do trecho situado entre os quilômetros 118 e 151+700 m da BR 101, pois despida da necessária autorização da ANTT e da celebração de contrato com a concessionária da rodovia.

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bon-necase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:

“Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présu-mée constituent, dans le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéan-ce que postérieurement à la promulgation de cette loi.” (Baudry-Lacan-tinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase. Paris: Librairie Recueil Sirey, 1925. Tomo 2º. p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

“The integrity of contracts-matter of high public concern – is guaranteed against action like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall (...) pass any (...) law impairing the obligation of contracts.’ It was beyond the competency of the Legis-lature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.” (In The Supreme Court Reporter. November, 1923 – July, 1924. St. Paul: West Publishing Co., 1924. v. 44. p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo. Rio: Freitas Bastos, 1958. v. II. p. 11, verbis:

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“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito continuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as trans-formações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem o seu conteúdo,sejacriando,sejamodificando,transferindoouextinguindodireito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de umdireito,ouapretensãofundadaaumaprestação,ouamodificaçãoou a extinção de direito anterior à determinada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior preci-samente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”

É sabido o respeito pela observância das cláusulas dos contratos nos Estados Unidos da América, a tal ponto de constituir a integridade da relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, que deve ser preservada sempre que possível.

Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clássica, verbis:

“The integrity of contractual obligation is a constitutional policy of the first order, and should be maintained wherever possible.” (FREUND, Ernest. Standarts of American Legislation. 2. ed. The University of Chi-cago Press, 1965. p. 283)

No que diz com a reconvenção, bem andou o juízo a quo ao julgá-la procedente em parte para declarar a aplicação da Resolução nº 2.552/08 da ANTT, para o efeito da permissão/autorização de uso da “faixa de domínio” da rodovia BR 101, a serem celebrados entre as partes, e a largura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considerada no cálculo do valor pelo uso da “faixa de domínio”.

2. Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, negar pro-vimentoàapelação,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficas

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queficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.Porto Alegre, 26 de abril de 2011.Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator para

o acórdão.

RELATÓRIO

A Exma Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de ação ordinária ajuizada pela SCGÁS – concessionária de gás no Estado de Santa Catarina – contra os valores cobrados pela Autopista Litoral Sul S/A – concessionária de rodovias – por uso da faixa de domínio de trecho da rodovia BR 101 para instalação de dutos de gás natural. Pretendeu a autora o reconhecimento da legitimidade dos valores cobrados nos termosfixadosnocontratodepermissãoespecialdeusofirmadocomoDNIT, indevida majoração feita em contrato posterior entre Autopista, DNIT e ANTT.

A concessionária ré contestou a ação e apresentou reconvenção, na qual enfatizou que a Lei nº 8.987/95, o edital e seu respectivo contrato de concessão autorizam a cobrança do preço conforme fórmula da Resolu-ção nº 2.552/08 da ANTT, não tendo aplicabilidade, por incompetência doDNIT,ovalorfixadoanteriormenteporele.Comtaisfundamentos,pediu condenação da autora ao pagamento de R$ 442.818,00 ao ano, relativamente ao trecho discutido nestes autos, mais R$ 1.053.341,82 ao ano, quanto aos demais trechos ocupados pela reconvinda em toda a BR101/SC,postulando,aofinal,declaraçãodequeocupaçõesfuturas,inclusive objetos de renovações da concessão de uso ora em comento, estarão todas submetidas às regras da Resolução nº 2.552/08 da ANTT ou daquelas que lhe substituírem.

A sentença julgou improcedente a ação, entendendo que a Lei nº 10.233/01 e a Resolução nº 2.552/08 da ANTT prevêem explicitamente a possibilidade da cobrança de tal espécie de preço público em rodovia federal concedida pela ANTT. Destacou que a assunção do trecho pela ANTT para concessão afasta por lei a competência e, via de consequência, os contratos do DNIT, passando à esfera ativa da concessionária que, por suavez,temprevistosnasnormasderegênciasosrequisitosparafixaçãodeseuprópriopreço,aserexigívelapartirdeentão.Aofinal,ressalvandoque o objeto da reconvenção não pode ampliar a própria lide, não admitiu

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os pedidos relativos a trechos não discutidos nestes autos e, no ponto em que acolheu, julgou procedente em parte a reconvenção para decla-rar a aplicação da resolução da ANTT como substitutiva da Resolução 11/08 do DNIT para o caso em comento, cuja tarifa será calculada sobre largura mínima da faixa de 0,50 m, condenando a autora ao pagamento de R$ 442.818,00 pela ocupação do trecho da BR 101 – km 118 ao km 151+700m,acrescidadejurosecorreçãomonetária.Porfim,declaroua aplicabilidade da Resolução nº 2.552/08 da ANTT e daquelas que lhe seguirem em relação às renovações do contrato de permissão de uso.

Apela a SCGÁS enfatizando que não tem pretensão de deixar de pagar pela ocupação da faixa de domínio utilizada com a passagem de seus gasodutos e obras de expansão, mas exclusivamente pretende garantir o pagamentonolimitefixadoemcontratocomoDNIT(R$9.172,99porkm), afastando a majoração feita pela Autopista (R$ 13.140,00 por km). Aduzque,nocontratofirmadoem2005parapermissãodeusoespecialdebempúblico,foifixadoprazode5anos,prorrogávelporiguaispe-ríodos, salvaguardado o status quo em cada quinquênio. A concessão feita pela Anatel e pelo próprio DNIT à Autopista não tem força para modificarsuaesferajurídica,eisquedelanãofezparte.Nãosendoesseo entendimento, aplicando-se de imediato a nova fórmula de cálculo da tarifa nos moldes da Resolução 2.552/08 da ANTT, impugna os valores atribuídos pela concessionária de rodovias. Sendo o preço resultante de fórmula que considera o custo mínimo do km, a área ocupada e o custo de oportunidade, aduz que a ré calculou área de 0,50 m² enquanto a utili-zação de fato é de menos que 0,20 m². Quanto ao custo de oportunidade, embora sejam os termos da resolução calculados conforme critérios da concessionária,nãohájustificativasuficienteparafundamentarovalordeR$25,14porm²,oqueencareceuinjustificadamenteacobrança.

Com contrarrazões, subiram os autos.Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do apelo.É o relatório.

VOTO

A Exma Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria:

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Histórico

A Lei nº 10.233/01 instituiu o Sistema Nacional de Viação – SNV e criou, dentre outros órgãos e agências, a Agência Nacional de Transpor-tes Terrestres – ANTT e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT.

Em síntese, o DNIT é responsável pela estrutura viária, por sua operação, manutenção, restauração, adequação e ampliação (art. 80), enquanto à ANTT cabe implementar as políticas públicas do SNV, regular e supervisionar as atividades de prestação de serviços e de exploração da infraestrutura de transportes, exercidas por terceiros (arts. 20, 22 e 24). Conforme art. 80, § 1º, “as atribuições a que se refere o caput não se aplicam aos elementos da infraestrutura concedidos ou arrendados pela ANTT e pela Antaq”. Assim, a concessão do uso das faixas de do-mínio ao largo das rodovias a particulares é feita pelo DNIT nos trechos em geral, sendo legítima a cobrança por tal atividade, na qualidade de Poder Público que é. Porém, se a exploração da rodovia for concedida, nos termos das políticas do SNV, o será pela ANTT e não pelo DNIT, de forma que será daquela e não deste a competência para respectivas regulações, licitando particular para assumir a higidez daquele trecho da estrutura viária.

No período de dezembro/2003 a janeiro/2008, a SCGÁS – Cia. de GásdeSantaCatarinafirmoucomoDNIT–DepartamentoNacionalde Infraestrutura de Transportes uma série de Contratos de Permissão Especial de Uso das faixas de domínio de trechos da BR 101/SC (Doc. 17 do Vol. 2 apenso).

O trecho de 11,388 km (do km 151 + 700 m até o km 163 + 88 m) foi concedido por meio do Contrato de Permissão Especial de Uso da Faixa de Domínio – UT-16-001/2007-00 – para implantação de rede de distribuição de gás natural denominada Ramal Tijucas-Itajaí, estabelecido na Cláusula 9ª remuneração anual à União no valor de R$ 104.462,01, o que equivale a R$ 9.172,99 por km. A Cláusula 15ª estabeleceu prazo de duração de cinco anos, prorrogável por iguais períodos sucessivos. Ademais, destaque-se a seguinte cláusula:

“CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA – DA CONCESSÃO OU TRANSFERÊNCIA – Na hipótese de o PERMISSOR, no decorrer da vigência do presente contrato, vier a ceder ou

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transferir a terceiros a concessão da exploração da faixa de domínio referida na CLÁUSULA PRIMEIRA, deverão permanecer assegurados à PERMISSIONÁRIA todos os direitos e condições ajustados neste contrato.”

Emjunho/2008,porsuavez,AutopistaLitoralSulS/AfirmoucomoDNIT e a ANTT Contrato de Concessão de Exploração da Rodovia BR-101/SC e BR-116/376/PR, conforme Edital nº 03/2007 (tudo como se depreende do Documento 1 do Vol. 1 apenso). O Capítulo VII do edital prevê as fontes de receitas, sendo a principal delas o pedágio, garantidas receitas alternativas:

“7.2. Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados quaisquer receitas da Concessionária não advindas do recebimento de pedágio oudeaplicaçõesfinanceiras,sejamelasdiretaouindiretamenteprovenientesdeatividadesvinculadas à exploração da Rodovia, das suas faixas marginais, acessos ou áreas de serviço e lazer, inclusive decorrentes de publicidade.”

A captação de receitas extraordinárias nas rodovias federais reguladas pela ANTT é regrada pela Resolução nº 2552/08 da Agência, com as modificaçõestrazidaspelaResoluçãonº3.346/09.Quantoaovalorasercobrado, decorre de fórmula que considera o custo da área à concessio-nária, o tamanho da área a ser ocupada pelo particular a contratar com a concessionária e o custo de oportunidade desta ocupação, sendo este aferido segundo critérios da própria credora, conforme redação atual:

“Art. 11.Ovalorasercobradopelaocupaçãodeusodafaixadedomínioédefinidopela fórmula descrita no anexo único desta Resolução

§ 1º O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmente pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo.

§ 2º Para os casos de ocupações longitudinais, a área “A” da fórmula, de que trata o caput deste artigo, será calculada considerando a largura mínima de 1,00 m (um metro) e a extensão equivalente à diferença entre os marcos quilométricos que a caracterize.

V = Cm*A + CoSendo:V = valor da ocupação do uso da faixa de domínio em reais ao ano.Cm = custo mínimo de manutenção da faixa de domínio, de R$ 1,14/m² ao ano.A = área ocupada em m², e Co =custodeoportunidadedeocupaçãodousodafaixadedomínioanualdefinido

pela concessionária da rodovia, em reais ao ano.Parágrafo único. O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmente

pelo IPCA.”

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Por meio do Termo nº 03/2008 de Cessão de Bens Móveis e Imóveis referentes à concessão, restou assim determinado entre as partes:

“5. Acordam as partes que o DNIT procederá à revogação de todas as autorizações e/ou permissões de uso da faixa de domínio, outorgadas em caráter precário, e transfere à CONCESSIONÁRIA toda documentação que embasou a concessão de cada uma das au-torizações e/ou permissões revogadas, bem como as que embasariam futuras concessões de autorizações e/ou permissões.”

Forte em tal situação fática, a Autopista analisou o contrato entre a SCGÁS e o DNIT e, trazendo-o a sua esfera de competência, elaborou planilha de custo de oportunidade da área e, apurando juntamente com os demais critérios da fórmula supratranscrita, informou à autora a cobrança imediata do valor de R$ 13.140,00 por quilômetro ocupado.

Não há dúvidas acerca da legitimidade do procedimento levado a efeito pelo DNIT e pela ANTT para, nos termos da lei, transferir daquele para esta a competência sobre a rodovia e, então, proceder à concessão à Autopista. Sem dúvidas, também, que o contrato de permissão de uso especial anterior à concessão passaria à esfera da ANTT e da Autopista. Sem questionar a legitimidade de cobrança por terceiro particular do preço público então devido ao DNIT, a SCGÁS vem aos autos impugnar especificamenteonovovalordacobrança.Aduzaprevalênciadovaloranteriore,ademais,criticaaunilateralidadeeinsuficiênciadeinforma-ções para demonstrar a certeza do custo de oportunidade apurado.

Ação Ordinária – do valor exigível

A primeira questão trazida à tona diz, então, com a segurança jurí-dicaeairretroatividadedanorma.Tenhoquemerecesermodificadaasentença para, procedente a ação, declarar a legitimidade da cobrança exclusivamente se feita nos exatos limites do contrato originário até o finaldoprazonelefixado.

A execução de serviço ou atividade pública e o uso dos bens públicos podem ser feitos/utilizados pela pessoa jurídica de direito público que detém sua titularidade, por outros entes públicos ou por particulares. Neste último caso, se dá mediante concessão, permissão ou autorização. A permissão é ato unilateral, discricionário e precário, forma de descen-tralização por colaboração. Apesar de, em regra geral, apresentar-se com tais características, é comum a concessão de permissão mediante contrato

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comprazofixo,oquemitigaaprecariedadeedenotabilateralidadenaavença, embora por adesão. É a chamada permissão bilateral, introduzida pelo art. 175 da CRFB/88, ao exigir desta espécie de relação os mesmos requisitos da concessão, sujeitando-a às normas de regência dos contratos administrativos (Leis nº 8.666/93 e nº 8.987/95).

Os vícios de redação destas normas, trazendo confusão à doutrina acerca das exigências cabíveis nesta forma pública de atuação, não podem trazer equívocos à interpretação e à análise da situação fática destes autos. Os termos em que foi feita a permissão retiram a precisão necessária para distingui-la da concessão, não prosperando qualquer pretensão de ver aplicada a precariedade absoluta da contratação, a ponto de reconhecer a possibilidadedeaAdministraçãofirmaravençacomprazocertoepreçofixoe,duranteacontratualidade,cedertaisdireitosaterceiroparticularque, unilateralmente, pretende aplicar de imediato cobrança maior.

Ocontratoéinstrumentoquefirmaefixaarelaçãoentreaspartes,não sendo legítimo a qualquer delas alterar seus termos sem aquiescência da parte contrária. Embora a relação com o ente público tenha particu-laridades, como a existência do chamado fato do príncipe e as cláusulas exorbitantes,amodificaçãodosvalorescontratadossomentetemfun-damentaçãolegalquandofinalizarestauraçãodoequilíbrioeconômico--financeiro,oquedefinitivamentenãoéocasodosautos.Apretensãode majorar cobrança por permissão em mais de 70% (R$ 9.172,99 e R$ 13.140,00) não encontra qualquer fundamento, sendo legítima a insur-gênciadaautora,queporóbvioelaboroutodososseuscustosefixouacobrança de sua atividade/serviço público de distribuição de gás natural lastreada em tais cálculos.

Nãoprospera alegaçãodequeafinalidadedopreçocobradopelaconcessionária da rodovia tem resultadobenéficodireto na cobrançade seus usuários, pois que o serviço prestado pela autora, também con-cessionária, não é menos público. Ora, o aumento de seus custos será repassado aos consumidores, e equivaleria a privilegiar um interesse público em detrimento de outro, evidente disparate.

Fosse outro o entendimento acerca da aplicabilidade da resolução da ANTT neste interregno de 5 anos da contratualidade, por óbvio dever-se--ia analisar com parcimônia os critérios de formação do preço, tal como largura mínima utilizada pela concessionária de gás e, principalmente,

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a formação do valor do custo de oportunidade pela concessionária da rodovia. Nos termos da resolução da ANTT, a fórmula para encontro do V (valor de ocupação ) é V = Cm*A + Co, sendo Co o custo anual de oportunidadedeocupaçãodousodafaixadedomínio,aserdefinidopelaprópria concessionária. Ora, custo de oportunidade nada mais é que con-ceito econômico para indicar o custo de uma renúncia, ou seja, o quanto o sujeito deixa de ganhar executando determinado ato, que benefícios deixa de obter a partir dessa oportunidade renunciada. Não se trata de custo de manutenção ou de construção, mas quanto a concessionária da rodovia deixa de ganhar autorizando o uso pela concessionária de gás e não por um particular para instalar um out door ou um quiosque. Ou seja, tratar-se-ia de avaliar o Co de um espaço de 0,1674 m de largura subterrânea a cerca de 1,5 m do acostamento.

Assim, forte nos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade danorma,prevalecemostermosdocontratooriginalfirmadoem2007,inaplicáveis os termos da resolução da ANTT de 2008 e as pretensões da concessionária ré, cujo contrato também data de 2008. Findo o con-tratonoprazofixado(5anos),caberá,nointeressedeambaseconformegarantias originais, renovação da permissão de uso.

Passo a analisar, então, a admissibilidade da reconvenção e, superada essa análise, as irresignações da apelante neste ponto.

Reconvenção – das condições da ação da demanda reconvencional

Diz o art. 315 do CPC que “o réu pode reconvir ao autor no mesmo processo, toda vez que a reconvenção seja conexa com a ação principal ou com o fundamento da defesa”. A reconvenção tem a mesma estrutura e vincula-se aos mesmos pressupostos que toda e qualquer demanda, acrescentando-seosrequisitosespecíficosdessaespéciederespostadoréu e juízo, na medida em que desencadeia uma cumulação ulterior de demandas. Sujeita, então, às regras dos arts. 267, 282, 283 e 295, todos do CPC. Os pressupostos e as condições especialmente colocados para a admissão da reconvenção limitam, em alguma medida, o exercício do direito de demandar do reconvinte. Para se libertar dessas limitações, bastaproporasuademandadeformaautônoma.Especificamentequantoàs condições da ação, sujeitas à análise de ofício e em qualquer tempo

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e grau de jurisdição.São condições da ação a possibilidade jurídica do pedido, a legitimi-

dade das partes e o interesse processual, subdividido este em necessidade e adequação.

“Para que a reconvenção preencha a exigência processual da adequação e viabilize o exame da pretensão nela veiculada, não basta que o réu escolha o processo e o procedimento própriosparaasuademanda,fatoqueseriasuficienteparaacaracterizaçãodesseaspectodo interesse processual se ele tomasse iniciativa que desse vida a uma nova e particular relação jurídica processual. Na medida em que a demanda reconvencional se insere em um processo já instaurado e se vincula a um procedimento já iniciado, é preciso que a reconvenção seja compatível também com eles.” (BONDIOLI, Luis G.A. Reconvenção no processo civil. Saraiva, 2009)

E digo mais, por óbvio respeitados os limites temporais e fáticos da discussão.

Conforme amplamente descrito supra, a autora pugna pela manutenção do preço pelo uso da faixa de domínio no trecho do km 151 + 700 m ao km 163 + 88 m da BR 101/SC, conforme contrato de 5 anos com o DNIT. A concessionária ré reconveio pretendendo discutir (a) esse pagamento, nesse trecho e referente a esse contrato, (b) o pagamento nesse mesmo trecho no que diz respeito a eventuais contratos subsequentes e (c) o pagamento em outros trechos decorrente de outros contratos.

Entendo que a discussão, tal como trazida a juízo, não pode suscitar reconvençãoquenãodigarespeitoespecificamenteaocontratofirmadonaquele trechoea seus respectivospagamentos.Descabe,definitiva-mente, questionar quais os normativos aplicáveis em contratos ainda nãofirmadosoupré-elaborados,poisquealémdeconfigurardecisãocondicional, porque situação hipotética, alarga o objeto guerreado nesta lide. Lícito ao réu pretender não só a improcedência como também a condenação do autor ao pagamento, o que faz pela via da reconvenção. Assim, presentes as condições da ação, em especial a de adequação, exclusivamente no pedido “a”, indevida qualquer declaração além dos marcos fáticos e temporais da exordial do autor, de forma que os pedidos supradivididos em “b” e “c” não merecem ser conhecidos.

A sentença, ressalvando a impossibilidade de alargar o objeto da lide mediante reconvenção, não conheceu exclusivamente do pedido “c” e, julgando os pedidos “a” e “b”, deu parcial provimento ao pleito

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“para declarar: a) a aplicação da Resolução nº 2.552/08 da ANTT ou do instrumento nor-mativo que a substitua aos contratos administrativos respeitantes à permissão/autorização para o uso de faixa de domínio da rodovia BR 101, a serem celebrados entre a autora e a Autopista Litoral Sul S/A; b) a largura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considerada no cálculo do valor pelo uso da faixa de domínio. Condeno a autora a pagar à ré Autopista Litoral Sul S/A a quantia anual de R$ 442.818,00 (R$ 13.140,00 por km) pela ocupação da faixa de domínio no trecho da BR 101– km 118 ao km 151+ 700 m, (...).”

Modificodeofícioasentençadareconvençãoparaconhecerexclusi-vamente do pedido condenatório de R$ 442.818,00 ao ano relativamente ao trecho discutido nestes autos, não conhecendo dos demais, pontos em que a ação reconvencional deve ser extinta sem exame de mérito. Con-forme fundamentação supra, entendo pela procedência da ação principal para declarar a exigibilidade do preço nos estritos limites do contrato com o DNIT. Decorrência lógica deste provimento em prol da autora é a improcedência do único pedido conhecido na reconvenção da ré, que resta totalmente improcedente. Prejudicadas as demais alegações.

Honorários e Prequestionamento

Sucumbente exclusivo o pólo passivo, condeno as rés ao pagamento dos honorários em 10% do valor atribuído à causa.

Porfim,ressalvoquenãosefaznecessárioindicartodososdispo-sitivos legais e constitucionais nos quais se funda a decisão, desde que fundamentada e motivadamente exponha suas razões.

Ante o exposto, voto por de ofício extinguir em parte a reconvenção sem exame de mérito e, na parte em que julgada, negar-lhe procedência, e dar provimento ao recurso de apelação para julgar procedente a ação principal.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Pedi vista dos autos para examiná-los, em face da complexidade da causa.

Com a devida vênia, divirjo da ilustre Relatora.In casu,afiguram-se-meirrefutáveisasbem-lançadasconsiderações

postas pelo ilustre JuizFederalDr.GustavoDias deBarcellos afls.503-9, verbis:

“Ação ordinária

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I. Controverte-se no caso acerca do valor devido pela autora à concessionária da rodovia BR 101, em virtude do uso da faixa de domínio de trecho compreendido entre o km 118 ao km 151+700 m da aludida rodovia, para a implementação da rede de distribuição de gás natural denominada ramal Tijucas-Itajaí.

Salienta-se, em primeiro lugar, que a União, por meio da agência Nacional de Trans-portes Terrestres – ANTT, celebrou com a empresa Autopista Litoral Sul S/A contrato de concessão das rodovias BR 116/376/PR e 101/SC – trecho Curitiba-Florianópolis –, para a exploração da infraestrutura e a prestação de serviços públicos e obras, mediante pedágio (doc. 02 – anexo).

Segundo o referido contrato (Cláusula 7.7), ‘os convênios e as autorizações para utili-zação, por entidades prestadoras de serviços públicos e entes privados, da faixa de domínio do trecho integrante do Lote Rodoviário e de seus respectivos acessos deverão obedecer às disposições regulamentares da ANTT.’ (Doc. 2, p. 23 – anexo).

Feitas essas ressalvas, importa dizer que a ‘faixa de domínio’ da rodovia é compreendida por pistas de rolamento, canteiros, acostamentos, sinalização, faixa lateral de segurança etc. O uso privativo de qualquer parte da faixa de domínio, mesmo que por outro órgão público, não pode ocorrer pura e simplesmente, devendo ser precedido de autorização, permissão ou concessão do poder público responsável, já que se trata de bem público de uso comum.

É incontroverso nos autos que a autora não possuiu autorização ou permissão para a utilização da faixa de domínio do trecho rodoviário em questão. O contrato de permissão especialdeusodefaixadedomínioanteriormentefirmadocomoDNIT,semefeitoapósaconcessão de parte da rodovia BR 101 para a empresa ré (doc. 2 do anexo, p. 4), compreende trecho(km151+700maokm163+088m–fls.30-35dacautelaremapenso)diversodoobjeto da presente ação (km 118 ao km 151+700 m).

De outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneração como contrapartida à permissão de uso de faixa de domínio na situação em comento. Na verdade, a permissão de uso caracteriza-se por ser um ‘ato administrativo unilateral, discricionário e precário, gratuito ou oneroso, pelo qual a Administração Pública faculta a utilização privativa de bempúblico, parafinsde interesse público’ (MariaSylviaZanella diPietro in Direito Administrativo. 15. ed., Atlas, p. 565).

Importante ressaltar, que a Lei nº 8987/95, que regulamenta o artigo 175 da Constituição Federal, autoriza o poder concedente a prever em favor da concessionária (Autopista Litoral Sul S/A no caso) fontes de renda complementares, alternativas ou acessórias (art. 11), como feitonocontratodeconcessãofirmadoentreaANTTeaempresaré,emrelaçãoàreceitadecorrente da utilização da faixa de domínio da rodovia por terceiro:

‘7.2. Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos as-sociados quaisquer receitas da Concessionária não advindas do recebimento de pedágio oudeaplicaçõesfinanceiras,sejamelasdiretaouindiretamenteprovenientesdeatividadesvinculadas à exploração da Rodovia, das suas faixas marginais, dos acessos ou das áreas de serviço e lazer, inclusive decorrentes de publicidade’ (Doc. 2 do anexo, p. 22).

Por força da Lei nº 10.233/2001, cumpre à Agência Nacional de Transportes terrestres,

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além da celebração de contratos de concessão de rodovias federais (artigo 26, inciso VI), estabelecer as normas e os regulamentos respeitantes à exploração das rodovias (artigo 24, inciso IV).

Atendendo a este mister, a ANTT editou a Resolução nº 2.552, de 28 de fevereiro de 2008, que assim dispõe:

‘Art. 1º. Serão consideradas receitas extraordinárias as receitas complementares, acessórias, alternativas e de projetos associados, caracterizadas por fontes que não sejam provenientesdearrecadaçãodepedágioedeaplicaçõesfinanceiras.

Art. 2º. Para cada projeto gerador de receitas extraordinárias deverá ser celebrado um Contrato de Receita Extraordinária – CRE entre a concessionária de rodovia e terceiros.

[...]TÍTULO IIRECEITAS EXTRAORDINÁRIAS ADVINDAS DA FAIXA DE DOMÍNIOArt. 10. Todo e qualquer CRE que envolver projeto de engenharia deverá ser previamente

analisado pela concessionária e autorizado pela ANTT antes de sua celebração.Art.11.Ovalorasercobradopelaocupaçãodeusodafaixadedomínioédefinido

pela fórmula:V = Cm*A+CoSendo:V = valor da ocupação de uso da faixa de domínio por m².Cm = custo mínimo de manutenção da faixa de domínio, de R$ 1,14 m² ao ano.A = área ocupada.Co=custodeoportunidadedeocupaçãodafaixadedomíniodefinidopelaconcessio-

nária da rodovia por m².Parágrafo único. O valor do custo mínimo de manutenção será reajustado anualmente

peloIPCA.’(fl.343)Aplicando a fórmula acima discriminada, a concessionária encontrou o valor anual de R$

13.140,00porkm{V=R$1,14x500m²(0,5mx1000m)+(R$25,14x500m²)}(fl.249).A autora, por sua vez, impugnou o cálculo por entender que área ocupada pela rede de gás natural tem um valor médio de 0,1674 m² e não 0,50 m², como atribuído pela concessionária; queovalordocustodeoportunidade(Co)nãofoidemonstradoejustificadoequedeveser observado no caso o critério de cálculo estabelecido na Resolução DNIT nº 11/2008.

II. Da aplicabilidade da Resolução nº 2.552/08 da ANTT – Correção dos valores exi-gidos pela concessionária

Aocontráriodoqueafirmaaparteautora,aResoluçãonº11,de27demarçode2008,editada pelo DNIT, não pode ser utilizada para a composição do preço pelo uso da faixa de domínio de trecho da BR 101.

ODNIT,porforçadaLeinº10.233/01,nãotemcompetênciaparafixarregrasrelativasàs rodovias; objeto de contrato de concessão entre a ANTT e terceiro. É o que se compreende do artigo infra transcrito:

‘Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:

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[...]IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação,

os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias,viasnavegáveis,terminaiseinstalaçõesportuáriasfluviaiselacustres,excetuadasas outorgadas às companhias docas; (Redação dada pela Lei nº 11.518, de 2007)

§ 1º As atribuições a que se refere o caput não se aplicam aos elementos da infra-estrutura concedidos ou arrendados pela ANTT e pela Antaq. (Redação dada pela Lei nº 10.561, de 13.11.2002).’ (Sem grifos no original)

Impõe-se, portanto, a aplicação da fórmula inserta na Resolução nº 2.552/08, da Agên-cia Nacional de Transporte Terrestre, único órgão competente para a elaboração e edição de normas pertinentes à exploração de rodovias concedida (Lei nº 10.233/01, art. 24, IV).

No que toca aos elementos de cálculo utilizados na referida fórmula e impugnados pela autora, tem-se que:

1. Não há equívoco na área de 0,50 m² usada pela concessionária no cálculo do valor devido por quilômetro, apesar de a área efetivamente ocupada pela rede de distribuição de gás totalizar em torno de 0,1674 m². É que deve ser considerada no cálculo uma área adicional desegurança,afimdeseevitarprejuízosàrededetubulaçãoemvirtudedacolocaçãodeoutra estrutura, como placas, postes de sustentação etc.

A área mínima de 0,50 m², na verdade, foi determinada pela própria ANTT, conforme se observa do Ofício nº 146/2009 (documento 14 do anexo). Importante frisar, ainda, que dita área também consta da Resolução DNIT nº 11/2008, invocada pela autora em seus arrazoados.

2.Ocustodeoportunidadedeocupaçãodafaixadedomínioédefinidopelaconcessio-nária, de acordo com a Resolução ANTT nº 2552/2008, sendo, no caso, calculado a partir dos itens constantes da Instrução Técnica 7.5.35, a saber (documento 15 do anexo 2):

– utilização (valor de utilização da faixa de domínio, valores pagos em desapropriações);– conservação/manutenção;– CFTV + Cabo (referente a 172 câmeras instaladas na rodovia);–faixadedomínio(relativoàequipeparaafiscalizaçãodafaixadedomínio);– verba de aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal e de inspeção de tráfego.Nãosetrata,assim,devaloraleatoriamentefixadopelaconcessionáriacomoassevera

a autora, mas amparado em critérios objetivos e atuariais.Demais disso, não foi comprovada nos autos a inadequação ou abusividade do montante

exigido a este título, mister que competia à parte autora de acordo com o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.

Logo, correta a cobrança de R$ 25,14 por m² a título de custo de oportunidade de ocu-pação e, em consequência, do valor anual de R$ 13.140,00 por quilômetro em virtude do uso da faixa de domínio pela autora.

III. Conclui-se, ante o dito acima, que a utilização da faixa de domínio do trecho situado entre os quilômetros 118 e 151 + 700 m da BR 101 pela autora é completamente ilegal, porquanto despida da necessária autorização da Agência Nacional de Transportes Terrestres

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e da celebração de contrato com a concessionária da rodovia. Desse modo, resta descabida a manutenção da antecipação dos efeitos da tutela, concedida porque a autora demonstrou aprincípiointençãoconciliatória,nãoconfirmadanodecorrerdoprocesso.

RECONVENÇÃOBusca a ré Autopista Litoral Sul S/A a condenação da autora ao pagamento de R$

442.818,00 (R$ 13.140,00 por km) ao ano pela ocupação da faixa de domínio no trecho da BR 101 em discussão (km 118 ao km 151 + 700 m) e de R$ 1.053.341,82 (R$ 13.140,00 por km) ao ano pelos demais trechos ocupados (80,163 km), bem como a declaração de que se aplica ao caso a Resolução nº 2.552/08 da ANTT e a largura mínima de 0,50 m de ocupação da faixa de domínio.

As questões referentes à utilização da Resolução nº 2.552/08 da ANTT para o cálculo do valor devido e a largura mínima de ocupação (0,50 m) a ser considerada no aludido cálculo jáforamenfrentadasedefinidasacima,concluindo-sepelacorreçãoelegalidadedocálculoedo montante exigido pela concessionária, no total de R$ 13.140,00 por quilômetro ocupado.

De outra banda, o artigo 315 do Código de Processo Civil admite a reconvenção nas situações em que há conexão com a ação principal ou com o fundamento da defesa, ou seja, quando coincidente o objeto ou a causa de pedir no que refere à conexão com a ação principal (CPC, artigo 103). A ampliação do objeto da lide na reconvenção, porém, não é admitidapordesconfiguraropressupostodaidentidadedeobjeto.

Deste modo, não admito a reconvenção no tocante ao pedido de condenação da autora ao pagamento da quantia anual de R$ 1.053.341,82, relativa aos trechos ocupados pela autoraemrazãodecontratosanteriormentefirmadoscomoDNIT.

O fato de a autora ter depositado a quantia exigida pela reconvinte na via administrativa comrelaçãoataistrechosnãosignificaqueestesfaçampartedaaçãoprincipal,cujopedidoéespecíficoelimitadoaotrechoconcernenteaokm118aokm151+700m.

Porfim,ressaltoqueapresentedecisãonãosubstituiaautorizaçãodaANTTnemocontratoadministrativoaserfirmadoentreaspartes.Noentanto,comoaautora/reconvin-da efetivamente tem ocupado a faixa de domínio do trecho da BR 101 em questão (km 118 ao km 151 + 700 m), faz jus a reconvinte ao pagamento pela ocupação nos termos da Resolução nº 2.552/08 da ANTT.”

Correto o decisum.A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão

unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas re-gulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.

No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabe-lecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração edispõemacercadaequaçãoeconômico-financeiradocontratoadminis-

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trativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econômica do contratado, visando restabeleceroequilíbriofinanceiroinicialmenteajustadoentreaspartes.

Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Lici-tação e Contrato Administrativo. 9. ed. Revista dos Tribunais, 1990. p. 181-2.

É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei nº 8.987/95.

A concessionária, a teor do disposto no art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.987/95, tem o dever de satisfazer as condições de regularidade, continuidade, eficiência,segurança,atualidade,generalidade,cortesianasuaprestaçãoe modicidade das tarifas.

Ora, o não atendimento desses encargos importa na aplicação de pe-nalidades que podem originar, inclusive, a extinção da concessão.

A respeito, leciona Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Prestação de Serviços Públicos e Administração Indireta. 2. ed. – 3ª tiragem. RT, 1987. p. 47-8, verbis:

“No Brasil, a álea ordinária, ou seja, o único risco que o concessionário deve suportar sozinho, cinge-se aos casos em que o concessionário haja atuado canhestramente, procedendo comineficiênciaouimperícia.Istoporqueoart.167daCartaConstitucionaldopaísestatuique a lei disporá sobre o regime das concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais, assegurando, entre outros, ‘tarifas que permitam a justa remuneração do capital, omelhoramentoeaexpansãodosserviçoseasseguremoequilíbrioeconômicoefinanceirodocontratoefiscalizaçãopermanenteerevisãoperiódicadastarifas,aindaqueestipuladasem contrato anterior’.

Ora, desde que o texto constitucional exige a adoção de tarifas que assegurem a justa remuneraçãodocapital,impõeagarantiadoequilíbrioeconômicoefinanceiroerequerarevisão periódica das tarifas, está visto que, sempre que ocorrer desequilíbrio na equação patrimonial–mesmoquederivadodeoscilaçõesdepreçosnomercado,insuficiênciadonúmero de usuários, ou de providências governamentais desempenhadas em nome de sua supremacia geral e sem relação com a posição jurídica de contratante que haja assumido –, o Poder concedente deverá restabelecer o equilíbrio por meio da revisão de tarifas, de modo não sóarestaurar-lheostermosdeigualdade,masaindacomfitodeassegurarajustaretribuiçãodo capital. Em outras palavras, a Lei Magna impõe indiretamente a adoção, nas concessões, doregimedeserviçopelocusto,dandoagarantiadeumamargemfixadelucro.”

Tais princípios restaramdefinitivamente incorporados noDireitoAdministrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Con-

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selho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, em que se destacou a notável contribuição de Char-denet, verbis:

“Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de comp-ter sur son fonctionnement d’une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l’expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Propriétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l’intérêt général, que le service public soit à l’abri d’incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctio-nnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d’années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d’une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D’autre part, pour la bonne organisation et l’heureux fonctionnement d’un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l’exemple du service d’éclairage, au début on aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face à des frais d’entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des per-fectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiairesdu service public doivent profiter. Au cours de l’execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l’avance, des marchés importants pour s’assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l’on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d’exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour lui éviter d’engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu’impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d’être obligée de recou-rir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s’adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d’assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.” (In Revue du Droit Public et de la Science Politique, M. Giard & E. Brière Editeurs, Paris, 1916, Tomo 33, p. 220-1)

É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:“Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite dans son contrat. C’est le principe

de la fixité du prix du contrat. Il n’a consenti son concours que dans l’espoir d’un certain bénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s’il n’avait pas voulu contracter, auraient été supportés par l’Administration: il est normal qu’il en soi rémunéré.

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Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécurité des affaires et, de ce fait, dangereux pour l’état social et économique, que l’Administration puisse modifier, spécialment réduire, cette rémunéiation.”

E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:“(...) l’Administration, lorsqu’elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le service

public, doit cependant maintenir son équation financière, c’està-dire, le bénéfice que le cocontractant espérait tirer de l’opération. A fortiori, toute autre modification étant mise à part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l’impossibilité de réduire ou de supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocontractant s’est engagé.

Ce principe est fondamental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, application particulière de l’idée d’équation financière, il est la source de la sécurité juridique du cocontractant de l’Administration.” (In Théorie Générale du Contrat Administratif. A. Pédone, Paris, 1945, p. 434-5)

Confiram-se,arespeito,recentesdecisõesdoEg.STJ,verbis:“AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR N° 74 – PR

(2004/0031293-3)Relator: Ministro Edson VidigalAgravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A – EconorteAdvogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outrosAgravado: Estado do ParanáProcuradores: Sérgio Botto de Lacerda e outrosRequerido: Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoEMENTASuspensão de liminar. Tutela antecipada deferida para assegurar o reajuste de tarifas de

pedágio pela empresa concessionária.1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em decisão

concessiva de tutela antecipada que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratual livrementefirmadaentreaspartesenãoquestionadaadministrativamenteouemjuízo.

2. Perigo de dano inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica e inspira riscos nos contratos com a Administração.

3. Agravo regimental provido.ACÓRDÃOVistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial,

doSuperiorTribunaldeJustiça,naconformidadedosvotosedasnotastaquigráficas,aseguir, por unanimidade, conhecer do agravo regimental e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, César Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo da Fonseca, Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr.

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Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes,justificadamente,osSrs.MinistrosSálviodeFigueiredoTeixeira,JoséDelgado,Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.

Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (data do julgamento).Ministro Nilson Naves, PresidenteMinistro Edson Vidigal, Relator” (Publicado no DJ de 23.08.2004 – In RSTJ, 180/21)

Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e 182/49.

Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceres de Direito Público, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1991, v. 11, p. 120-1, verbis:

“Oequilíbrioeconômico-financeiroéarelaçãoqueaspartesestabeleceminicialmenteno contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devida pela en-tidade ou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto (cf. nossa Licitação e Contrato Administrativo, ob. cit., p. 184).

Essa correlação encargo-remuneração deve ser conservada durante toda a execução do contrato,mesmoquealteradasascláusulasdeserviço,modificadosprojetoseprogramas,liberados trabalhos em quantidades inferiores às previstas, ou superados os prazos contratuais pormoradaAdministração,afimdequesemantenhaoequilíbrioeconômico-financeiro,o qual, como bem observa Waline, é ‘direito fundamental de quem contrata com a Admi-nistração’ (Marcel Waline. Droit Administratif, Paris, 1959, p. 574). Para De Soto, citado por Laubadère, ‘a manutenção desse equilíbrio constitui norma fundamental da teoria dos contratos administrativos. As obrigações das partes são tidas como calculadas de tal ma-neiraqueseequilibramdopontodevistafinanceiroeoresponsávelpelocontratodeveráesforçar-se para manter, a qualquer custo, esse equilíbrio’ (André De Laubadère, Contrats Administratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6).

5.Oreconhecimentododireitoaoequilíbriofinanceiro–oprimeirodireitooriginaldo co-contratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contra partida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedido de invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado a suportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora da Administração contratante.

Com efeito, o contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao aten-dimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lucro, por meiodaremuneraçãoconsubstanciadanascláusulaseconômicasefinanceiras.Esselucrohá que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste porque, se de um lado a Administração temopoderdemodificarascondiçõesdeexecuçãodocontratoedeexigiraprestaçãodaoutra parte, ainda que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida

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originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar da relação negocial foi – e continua sendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem, que a Administração contratante não pode, va1idamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contratado, sem qualquer culpa deste.

6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos sempre que, por ato ou fato da Administração, for rompido o equilíbrio eco-nômico-financeiro,emdetrimentodoparticularcontratado,independentementedeprevisãocontratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: ‘Cette règle d’equilibre est quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elle s’applique, en tous cas, même lorsqu’el1e ne figure pas expressément dans le contrat’ (André de Laubadère. Traité Élémentaire de Droit Administratif, Paris, 1957, p. 431. No mesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293).

7.Poroutrolado,seorespeitoaoequilíbrioeconômico-financeiroinicia1,nahipótesede alteração unilateral do ajuste, constitui dever da Administração contratante; com muito mais razão é direito daquele e dever desta, nos casos em que o órgão ou entidade contratante abusa de sua posição privilegiada para descumprir ou cumprir irregularmente suas presta-ções, ou ainda suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargos excessivos, os quais, por não terem sido cogitados quando da elaboração da proposta ou da celebração do contrato, representam insuportáveis prejuízos, mormente numa conjuntura emqueocustododinheiroéaltíssimoeainflaçãoaviltaamoedaacadadia.”

Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:

“6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade doequilíbrioeconômico-financeirooriginaldocontrato.Deverasoart.37,XXI,daLeiMagna dispõe que ‘(...) obras, serviços, compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta (...)’.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitamresguardaracorrelaçãoestratificadasobreascondiçõesefetivasemvistadasquais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houver supervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direitoadministrativo,édenominado‘equilíbrioeconômico-financeirodocontratoadmi-nistrativo’, com os decorrentes reajustes e revisões.

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7.Noâmbitoinfraconstitucional,oequilíbrioeconômico-financeirotambémseencontraenfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.06.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em numerosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40. XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disso, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.02.1995, também en-careceaproteçãoàequaçãoeconômico-financeiraeexige-lheapersistênciaaolongodarelação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido ‘será preservada pelas regras de revisão’.

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece estam-padamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: ‘Oscontratospoderãoestabelecermecanismosderevisãodastarifas,afimdemanter-seoequilíbrioeconômicoefinanceiro’;que:‘Ressalvadososimpostossobrearenda,acriação,alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso’; e que: ‘Em havendo alteração unilateral do contrato que afete oseuinicialequilíbrioeconômico-financeiro,opoderconcedentedeverárestabelecê-lo,concomitantemente à alteração’.

O art. 18 da mesma lei dispõe que: ‘O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) VIII – os critérios de reajuste e revisão das tarifas’.

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão, em seu inciso IV, inclui as relativas ‘ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas’.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral e os princípios gerais desses se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 – consagram insistentemente agarantiadoequilíbrioeconômico-financeiro,tantopeloinstitutodarevisão,quantodosreajustes.

Tudo isso está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar oequilíbrioeconômico-financeirodocontratoadministrativo.”

No que concerne às limitações que sofre a Administração Pública para promover alterações unilaterais no contrato administrativo, nota-damente o contrato de concessão do serviço público, averba André de Laubadère, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs. 2. ed. Paris: L.G.D.J., 1984. Tomo 2º. p. 406, n. 1177, verbis:

“D’une part, l’administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayant un certain objet: l’administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutirait à dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été

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envisagé dans la commune intention des parties; D’autre part, le cocontractant a conclu le contrat en considération de certaines conditions, notamment de ses possibilités techniques et financières. L’administration ne peut prétendre imposer des modifications qui abouti-raient par leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale.”

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Jean de Soto, in Droit Administratif – Theorie Generale du Service Public. Paris: Montchres-tien, 1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Ad-ministratif. 6. ed. Paris: Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392-3, § 3º; Jean Rivero, in Droit Administratif, 8. ed. Paris: Dalloz, 1977, p. 454-5, n. 481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif. 3. ed. Paris: Montchrestien, p. 362, ‘C’; Georges Dupuis, Marie J. Guédon, Patrice Chrétien, in Droit Administratif. 7. ed. Paris: Armand Colin, p. 403, ‘B’; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs. Paris: L.G.D.J., 1995, p. 198; Gaston Jèze, in Les Principes Généraux du Droit Administratif – Théorie Générale des Contrats de L’Administration. Paris: Troisième Partie, L.G.D.J., 1936, 1.142.

Em palavras lapidares, a propósito do alcance da garantia do equilibrio econômico-financeirodocontratoadministrativo,anotamNicolaAssinie Lucio Marotta, in La Concessione di Opere Pubbliche, CEDAM--PADOVA, 1981, p. 73-4, verbis:

“È un principio pacifico che la gestione sia svolta dal concessionario a suo rischio e periculo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessionario solo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti dalla convenzione accessiva all’atto di concessione.

Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all’inizio un certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciò dovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente dalle parti.

Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente il concessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti da avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che il concessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli siano addebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblico che l’atto di concessione si riprometteva.

È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire di quella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapporto obbligatorio scaturente da contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati da un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo una plastica espressione, nella stessa barca.”

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Essa interpretação resulta do texto da Lei Maior, nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, que garante ao concessionário do serviço público a justaremuneraçãopelaprestaçãodoserviço,oqueseverificapormeioda tarifa.

Ora, permitir que o Poder Público, por ato unilateral, alterasse o valor da tarifa, reduzindo-o, seria infringir o intento constitucional, compro-metendooequilíbrioeconômico-financeirodocontratodeconcessão,com repercussões negativas na prestação do serviço público e no próprio desdobramento do contrato, pondo em risco a continuidade e a regulari-dade da prestação do serviço.

Impõe-se, aqui, recordar as palavras de Sutherland, a propósito da interpretação das cláusulas constitucionais, verbis:

“No Court is authorized to so construe a clause of the constitution as to defeat its ob-vious ends, when another construction, equally accordant with the words and sense, will enforce and protect those ends. (...) a Court has no right to insert anything in the constitution which is not expressed and cannot fairly be implied, and when the text of a constitutional provision is not ambiguous, the courts are not at liberty to search for its meaning beyond the instrument itself.” (William A. Sutherland, in Notes on the Constitution of the United States. San Francisco: Bancroft-Whitney Company, 1904. p. 28-9)

Benignius leges interpretandae sunt, quo voluntas eorum conservetur (Celso, Dig. 1, 3, 18).

Ademais, como sabido, os atos e contratos praticados pelo Poder Público,suavalidade,suaextensãoesuaeficácia,somentepoderãoserapreciados à luz das regras de direito público, notadamente o princípio da legalidade, hoje insculpido no art. 37 da CF/88.

A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:“Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le principe

de la soumission de l’administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung). Alors que le droit civil est marqué par le principe d’autonomie des relations entre personnes privées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considéré comme moyen d’aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droit administratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s’imposant à l’administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu’elle a avec le citoyen, comme le montre l’extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante du pouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et le développment de la protection juridictionelle.” (In Droit Administratif Allemand. Traduit par M. Fromont. Paris: L.G.D.J., 1994. p. 378-9, n. 25, ‘c’)

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A respeito, ainda, anotou a ilustre representante do MPF, Dra. Saman-thaChantalDobrowolski,emexaustivoparecer,afls.599v/602,verbis:

“6. O recurso não comporta provimento. 7. A presente demanda foca-se na inconformidade da apelante com relação aos valores

cobrados pela apelada para a utilização da faixa de domínio em questão. Para isso, alega serem abusivos os valores estipulados pela ora apelada, destacando a diferença com relação aos valores cobrados pela DNIT em situações semelhantes.

8. Primeiramente, com relação à competência da ANTT ao caso concreto, ao contrário do que alega a recorrente, importa destacar que é inaplicável a Resolução DNIT nº 11, de 29 de março de 2008. Isso porque, in casu, é preciso fazer uma análise da Lei nº 10.233/2001:

‘Art. 22. Constituem a esfera de atuação da ANTT: II – a exploração da infra-estrutura ferroviária e o arrendamento dos ativos operacionais correspondentes;

(...)Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: (...)IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais,

garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;

V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infra-estrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos;

(...)Art.26.CabeàANTT,comoatribuiçõesespecíficaspertinentesaoTransporteRodo-

viário: (...)VI – publicar os editais, julgar as licitações e celebrar os contratos de concessão de

rodovias federais a serem exploradas e administradas por terceiros; VII–fiscalizardiretamente,comoapoiodesuasunidadesregionaisoupormeiode

convênios de cooperação, o cumprimento das condições de outorga de autorização e das cláusulas contratuais de permissão para prestação de serviços ou de concessão para explo-ração da infra-estrutura.

(...)Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:(...)IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação,

os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias,viasnavegáveis,terminaiseinstalaçõesportuáriasfluviaiselacustres,excetuadasas outorgadas às companhias docas;

§ 1ª As atribuições a que se refere o caput não se aplicam aos elementos da infraestrutura concedidos ou arrendados pela ANTT e pela Antaq.’

9. Assim, resta claro que, pelos dispositivos legais supracitados, diferentemente do que

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alega a apelante, não é aplicável a resolução do DNIT à utilização das faixas de domínio das rodovias federais concedidas, porquanto é a ANTT a responsável para dispor regulamentos sobre tais rodovias.

10. Com relação à necessidade de autorização da ANTT para a execução das obras pretendidas pela autora nas faixas de domínio em questão, vale destacar o dito pelo Ma-gistrado a quo de que ‘o uso privativo de qualquer parte da faixa de domínio, mesmo que por outro órgão público, não pode ocorrer pura e simplesmente, devendo ser precedido de autorização, permissão ou concessão do poder público responsável, já que se trata de bem público de uso comum’.

11.Aliás, comobem ressaltadopeloProcuradorFederal àsfls. 593 e seguintes, ‘aANTT não pode autorizar dita obra sem a assinatura do competente contrato de utilização e a consequente responsabilização da empresa concessionária pelo que ali estaria sendo feito. Logicamente que qualquer acidente acontecido durante essas obras ou mesmo após a colocação da tubulação de gás, produto volátil e com grande potencial destrutivo, em região densamente povoada como aquela onde está sendo requerida, a responsabilidade será do órgãoresponsávelpelaadministraçãodaconcessãodotrechorodoviário,configurando-se,bemporisso,emflagranteilegalidadeeemafrontaaosprincípiosmaiscomezinhosdaadministração pública’.

12. Tal argumento esposado pelas apeladas é corroborado com a seguinte precedente do TRF4:

‘ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE DA ANTT. QUEDA DE ÁRVORE. DANOS AO VEÍCULO. DANO MATERIAL. INDENIZAÇÃO DEVIDA. DANO MORAL. INDE-NIZAÇÃO INDEVIDA. Responde pelos danos eventualmente causados aos usuários do serviço o poder concedente (União), por intermédio da ANTT, porque lhe cabe promover a fiscalizaçãodamanutençãodafaixadedomíniodarodoviapelaconcessionária,conformea Lei nº 10.233/01. (...).’ (TRF4, AC 2008.72.14.000694-6, Quarta Turma, Relator Sérgio Renato Tejada Garcia, D.E. 03.11.2009)

13. Por conseguinte, no que tange à suposta ‘abusividade’ dos valores estipulados pela apelada, cabe destacar o previsto na Lei nº 8.987/95, que dispõe o seguinte:

‘Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no artigo 17 desta Lei.’

14. No mesmo sentido, vale destacar o que estabelece a Resolução nº 2.552/08 da ANTT: ‘Art. 1º Serão consideradas receitas extraordinárias as receitas complementares,

acessórias, alternativas e de projetos associados, caracterizadas por fontes que não sejam provenientesdaarrecadaçãodepedágioedeaplicaçõesfinanceiras.’

15.Ainda,fundamentaldestacaro‘ContratodeConcessão’Editalnº003/2007firmadoentre o Poder Concedente e a apelada (Anexo 1, Doc. 2):

‘Cláusula 7.2. – Constituem receitas alternativas, complementares, acessórias ou de

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projetos associados quaisquer receitas da Concessionária não advindas do recebimento de pedágiooudeaplicaçõesfinanceiras,sejamelasdiretaouindiretamenteprovenientesdeatividades vinculadas à exploração da Rodovia, das suas faixas marginais, dos acessos ou das áreas de serviço e lazer, inclusive decorrentes de publicidade.

Cláusula 7.11. – A utilização e a exploração da faixa de domínio do Lote Rodoviário pela Concessionária estarão sujeitas aos preceitos regulamentares da ANTT, devendo suas receitas propiciar a modicidade tarifária, conforme disposto na Lei nº 8.987/95 e neste Contrato.’

16.Oargumentotrazidopelaapelantedeque‘emquepeseexistirafixaçãodomínimode 0,50 m (cinquenta centímetros) pela ANTT, (...), tal determinação se mostra totalmente despropositada, a vista de que prejudica sobremaneira os ocupantes das faixas de domínio em benefício das concessionárias’ também não deve prosperar.

17. Assim, como já ressaltado na sentença recorrida, é fundamental que seja consi-derada uma área adicional de segurança nas zonas limítrofes das pistas de rolamento das rodovias,afimdequeseevitemprejuízosàrededetubulaçãoemvirtudedacolocaçãodeoutra estrutura, como placas, postes, etc. Além do mais, tal determinação está prevista no Ofício nº 146/2009 da ANTT.

18.Porfim,valedestacarqueoargumentodeque‘aOHL,aoapresentaroseuCustode Oportunidade (Co) ‘arbitrado’ em R$ 25,14 m², sem nenhum comprometimento em demonstrar de onde foi que saiu esse número, poderá causar enormes prejuízos’ à autora nãotemocondãodemodificaroposicionamentoaplicadoaocasoconcreto.Daanáliseda instrução técnica IT 7.5.35 (Anexo 1, Doc. 15), é possível averiguar com clareza todos os aspectos que foram utilizados para o alcance do valor estipulado. Conclui-se, portanto, que não se trata de um valor arbitrário ou discricionário da concessionária, mas sim uma quantia que foi oriunda de atenta análise de dados estatísticos e do cruzamento de diversas informações e valores referentes à operabilidade da concessão rodoviária.

19. Diante do exposto, opina o Ministério Público pelo desprovimento da apelação interposta, assim como manutenção da sentença recorrida.”

Da mesma forma, em caso semelhante ao dos autos, deliberou o Eg. STJ, verbis:

“ADMINISTRATIVO. CONCESSÃO DE RODOVIA ESTADUAL. PREQUESTIO-NAMENTO E APLICABILIDADE APENAS DO ART. 11 DA LEI N° 8.987/95. INSTA-LAÇÃO DE DUTOS SUBTERRÂNEOS. EXIGÊNCIA DE CONTRAPRESTAÇÃO DE CONCESSIONÁRIA DE SANEAMENTO BÁSICO. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE PREVISÃO NO CONTRATO DE CONCESSÃO. ART. 11 DA LEI Nº 8.987/95.

1. O único artigo prequestionado e que se aplica ao caso é o art. 11 da Lei n° 8.987/95.2. Poderá o poder concedente, na forma do art. 11 da Lei n° 8.987/95, prever, em favor

da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas.

3. No edital, conforme o inciso XIV do art. 18 da citada lei, deve constar a minuta

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do contrato, portanto o art. 11, ao citar ‘no edital’, não inviabiliza que a possibilidade de aferiçãodeoutrasreceitasfigureapenasnocontrato,poisesteéparteintegrantedoedital.

4. No presente caso, há a previsão contratual exigida no item VI, 31.1, da Cláusula 31, in verbis: ‘cobrança pelo uso da faixa de domínio público, inclusive por outras concessionárias de serviço público, permitida pela legislação em vigor’.

5. Violado, portanto, o art. 11 da Lei n° 8.987/95 pelo Tribunal de origem ao impor a gratuidade.

Recurso especial conhecido em parte e provido.” (STJ, REsp 975.097/SP, Rel. para acórdão Ministro Humberto Martins, julg. 09.12.2009)

Em seu voto, disse o ilustre Ministro Luiz Fux, verbis:“Ouso divergir, por convergir ao entendimento de que os Poderes Públicos, em princí-

pio, não devem extrair proveitos econômicos em suas relações recíprocas nas hipóteses em quecadaumestejacumprindosuasfinalidadespróprias,desortequenãosejustificariamcobranças entre si quanto aos respectivos serviços públicos.

O Poder Público ao prestar serviços rodoviários em regime de concessão pode, consoante a lei estabelece, prever receitas alternativas complementares à exploração rodoviária, com o fitodefavoreceramodicidadedastarifas.Trata-sede‘lógicanegocial’,emqueselegitimao ingresso de um conjunto de interesses econômicos a serem compostos.

É que conveniências favorecem a exploração econômica das faixas de domínio, por-quanto a receita que proporcionem concorrerá ou poderá concorrer para minorar o custo dopedágio,beneficiandoosusuáriosdasrodovias.

As faixas de domínio em rodovias integram a categoria dos bens públicos de uso comum, sendo certo que sua serventia natural é a de área de apoio à faixa de rodagem.

O uso comum de bens de uso comum é o que se efetua de acordo com a destinação do próprio bem e é desfrutável por qualquer sujeito, desde que em concorrência igualitária e harmoniosa com os demais.

Outrossim, de par com este uso comum dos bens de uso comum, podem, eventualmente, haver usos especiais dos mesmos, ou seja, usos que se afastem das características mencio-nadas. É o que ocorre, verbi gratia, quando a utilização pretendida for estranha ao uso a que o bem esteja naturalmente destinado, quando implique sobrecarga, igualitária utilização de terceiro ou demande exclusividade quanto ao uso sobre parte do bem.

Conspira em prol da referida tese o artigo 68 do Código Civil de 1916, bem como o artigo 11 da Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. O artigo 68 do Código Beviláqua dispunha que ‘O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito, ou retribuído, conforme as leis da União, dos Estados, ou dos Municípios, a cuja administração pertencerem’.

O art. 11 da Lei 8.987/95 viabiliza se auferirem receitas acessórias às concessionárias de serviço público, sendo certo que referida previsão consta expressamente do contrato de concessão da recorrente, o qual dispõe que a referida concessionária poderá obter re-muneração mediante cobrança pelo uso da faixa de domínio público, inclusive por outras concessionárias de serviço público.

O princípio da legalidade no Direito Administrativo adstringe também aquilo que é con-

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ferido às concessionárias, por isso que in casu não foi concedido legalmente às prestadoras de serviço público, pelo poder concedente, direito algum à gratuidade do uso especial de bens de uso comum, nem há lei alguma que o estabeleça, ao passo que, às concessionárias de obra, foi expressamente outorgado o direito de exploração do bem, assim como o que decorre do art. 11 da Lei nº 8.987/95, isto é: fontes de receita alternativas, complementares ou acessórias em vista de favorecer a modicidade das tarifas.

O concessionário de obra pública, se a tanto estiver habilitado pela concessão, pode cobrar de concessionários de serviço público pelo uso que façam da faixa de domínio da rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos, sendo certo que referida con-traprestação é de índole remuneratória, consistindo em uma contrapartida da utilidade que ditapassagemsubterrâneaofereceaosconcessionáriosquedelasebeneficiam.

Em apoio à tese, merece transcrição o parecer do eminente tratadista Celso Antônio Bandeira de Mello, cujo espectro amplo abarca a hipótese sub judice, verbis:

‘CONSULTA O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER e os Departamentos Esta-

duais de Estradas de Rodagem – DERs têm cobrado de concessionárias de serviços públicos de gás canalizado, de energia elétrica e de telecomunicações pela utilização subterrânea de cabos e dutos nas faixas de domínio de rodovias dadas em concessão, muitas vezes atribuindo dita receita às concessionárias das rodovias, mediante previsão nos respectivos contratos de concessão.

Tendo surgido questionamentos quanto à legitimidade e à natureza de tais cobranças, indaga:

I – A entidade pública a que esteja afeta a rodovia ou mesmo o concessionário dela, se a tanto estiver habilitado por força da concessão, podem cobrar dos concessionários de serviço publico de energia elétrica, de telecomunicações ou de distribuição de gás, pelo uso que façam da faixa de domínio da rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos?

II – Se cabível dita cobrança, qual sua natureza: tributária, não tributária, meramente compensatória de transtornos ou despesas que tal utilização acarrete ao concessionário da obra ou remuneratória, isto é, representativa de uma contrapartida da utilidade que tal passagemdecabosoudutosforneceaosconcessionáriosquedelasebeneficiam?

Às indagações respondo nos termos que seguem.PARECER 1. Serviços e obras públicas tanto podem ser providos diretamente pelo Estado ou

criatura sua, quanto por terceiros que para isso hajam sido habilitados mediante concessão ou permissão.

Na primeira hipótese, a busca do interesse público se faz sem que se ponham de permeio interesses privados. Na segunda, pelo contrário, interfere um fator inerente ao jogo do mun-do negocial; isto é: a consideração dos propósitos lucrativos que animaram os respectivos concessionários (ou permissionários) a se engajarem na relação com o Poder Público. É que, como de outra feita dissemos: ‘Para o concessionário, a prestação do serviço é um meiopeloqualobtémofimquealmeja:olucro.Reversamente,paraoEstado,olucroque

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propiciaaoconcessionárioémeioporcujaviabuscasuafinalidade,queéaboaprestaçãodo serviço’ (Curso de Direito Administrativo.13. ed. Malheiros, 2001, p. 633).

Tal anotação havíamos feito na esteira dos preciosos ensinamentos de ZANOBINI, segundo quem:

‘... nel soggetto privato, il fine, che questa si propone nell’esercizio della pubblica fun-zione, è distinto dal fine estatuale a cui questa funzione provvede, perche è un fine privato, di solito un fine di lucro. Si può dire, anzi, che il servizio pubblico, a la pubblica funzione, serve di mezzo al privato per conseguimento di questo suo fine personale’ (Corso di Diritto Amministrativo. v. I, p.181).

Assim, quando, para a prestação de serviços públicos, adota-se o regime da concessão, entrando em causa, portanto, os interesses de ordem econômica que o instituto suscita, ir-rompem problemas jurídicos muito mais complexos do que os que surgiriam nas hipóteses de prestação direta ou efetuada por entidade estatal.

2. Com efeito, para solver dúvidas de interpretação que emerjam perante situações conflituosas,nãomaisbastarálevaremcontaúnicaeexclusivamenteaalternativamaisvantajosa para o interesse público. Ter-se-á de tomar em consideração, além dela, a existência de legítimos interesses de ordem patrimonial tanto dos concessionários quanto das entida-des governamentais envolvidas nas recíprocas relações cruzadas que poderão se instaurar.

Ou seja, se o Poder Público opta por um sistema de prestação de serviços públicos, assim como de construção e ou conservação, manutenção e reparação de obras públicas, mediante concessão a particulares, ipso facto está a optar pelo acolhimento de certas im-plicações do jogo de interesses econômicos aí conaturalmente envolvidos, com todas as inerentes consequências.

O caso submetido à Consulta e precisamente uma excelente demonstração disso. Quer-se saber se a passagem subterrânea de cabos de transmissão e distribuição de

energia elétrica, de telecomunicações e de gasodutos nas faixas de domínio das estradas derodagempodeserobjetodecobrançaousedevesebeneficiardegratuidade,tantoporse tratar de utilização de bens de uso comum, quanto por dizer respeito a equipamentos servientes da prestação de serviços públicos a cargo de empresas concessionárias. Caso se entenda cabível a cobrança, indaga-se que natureza terá: será tributária, não tributária, indenizatória por reparos e transtornos ou remuneratória?

3. Se não estivessem em causa interesses patrimoniais dos concessionários e seus reflexosnocusteiodeobraseserviços,masserviçoseobrasacargotãosódepessoasdedireito público ou suas criaturas auxiliares, poder-se-ia pura e simplesmente considerar que os Poderes Públicos não devem extrair proveitos econômicos em suas relações recíprocas quandocadaqualestejaacumprirsuasfinalidadespróprias.Dissosedepreenderiaquenãosejustificariamcobrançasentresiquandoemcausaosrespectivosserviçospúblicos.Porrazões óbvias, seria essa mesma a conclusão se os serviços públicos e as rodovias fossem afetos à mesma órbita de governo.

Entretanto, se, conforme ocorreu entre nós, o Poder Público entendeu de colocar tanto a prestação de serviços quanto as obras rodoviárias em regime de concessão e se a lei estabe-lece aprevisãodereceitasalternativascomplementaresàexploraçãorodoviária,comofito

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defavoreceramodicidadedastarifas,istosignificaquefoi,dedireito,acolhidaumalógica negocial, em que se abrem portas para o ingresso de um conjunto de interesses econômicos a serem compostos. Ou seja: não mais se pode tomar como obrigatória a conclusão, dantes apontada como natural, caso serviços e obras fossem prestados ou realizados tão só por entidades governamentais.

Tem-se de levar em conta a teia de interesses econômicos envolvidos. Entre eles se encontram não só o dos concessionários de luz, gás, telecomunicações e os de concessio-nárias de exploração de rodovias, mas também o das próprias entidades governamentais as quais estas estejam a elas afetas, visto ser de suas conveniências favorecerem a exploração econômica das faixas de domínio, pois a receita que proporcionam concorrerá ou poderá concorrerparaminorarocustodopedágio,beneficiandoosusuáriosdasrodovias.

Seja bom ou seja mau este esquema no qual se pressupõe que a satisfação do interesse público há de se compor na intimidade de uma disputa assentada em componentes desta or-dem, o fato é que ele estampa o quadro jurídico dentro do qual ter-se-á de solver o problema.

É com atenção a esse conjunto de interesses abrigados pelo Direito que se deve exa-minar o tema.

4. Comece-se por anotar que as faixas de domínio em rodovias integram a categoria dos bens públicos de uso comum e que sua serventia natural é a de área de apoio à faixa de rodagem.

Os bens públicos de uso comum, tais como ruas, estradas, praças, rios, mares, são abertos a livre utilização de todos. Contudo, é necessário esclarecer que esta generalizada liberdade (que, de resto, nem sempre excluirá algum pagamento para desfrutá-la) diz respeito ao uso comum dos bens de uso comum.

Este uso comum é o que se efetua de acordo com a destinação do próprio bem e é des-frutável por qualquer sujeito, desde que em concorrência igualitária e harmoniosa com os demais. Transitar a pé nas calçadas, trafegar em rua ou em estrada com veículos automo-tores, acostá-los, em caso de necessidade, na faixa de domínio das rodovias, sentar-se nos bancos de uma praça, tomar sol na praia, nadar no mar são, exempli gratia, hipóteses deste uso comum, ordinário, normal, segundo a destinação do bem. Para dito uso prescinde-se de qualquer ato administrativo aquiescente.

5. Ocorre, todavia, como o dissemos em obra teórica precitada (Curso de Direito Admi-nistrativo cit., p. 764), que, de par com este uso comum dos bens de uso comum, podem, eventualmente, existir usos especiais deles, ou seja, usos que se afastem das características mencionadas. É o que ocorrera, exempli gratia, quando a utilização pretendida for estra-nha ao uso a que o bem esteja naturalmente preposto ou quando implique sobrecarga dele, impedimento a concorrente e igualitária utilização de terceiro ou demande exclusividade quanto ao uso sobre parte do bem.

Nesses casos, à toda evidência, já não mais se estará perante aquela generalizada liber-dade de utilização, que prescinde de manifestação do titular do bem. Em situações deste jaez, o interessado deverá, como regra geral, solicitar do bem autorização ou permissão de uso, dependendo da hipótese, para poder valer-se deste uso especial.

ParaaConsultasóérelevanteoexamedeumadadaeespecíficahipótesedeusoespe-

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cial: o da passagem subterrânea, nas faixas de domínio das estradas de rodagem, de cabos de transmissão e distribuição de energia elétrica, de telecomunicações e de gasodutos.

6. Relembre-se que até mesmo o uso comum de bens de uso comum, ainda que com certas limitações, pode ser condicionado ao pagamento para seu desfrute.

Na doutrina alienígena e na brasileira, há fartíssima referência à possibilidade de haver uso comum remunerado. Cifremo-nos aos autores nacionais. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO refere o citado art. 68 e diz que o uso comum ‘é, em geral, gratuito, mas pode, excepcionalmente, ser remunerado’ (Direito Administrativo. 9. ed. Atlas, 1998, p. 441). DIÓGENES GASPARINI, que também refere o preceptivo mencionado do Código Civil, averba que tal uso é ‘quase sempre gracioso’ (Direito Administrativo, 4. ed. Saraiva, 1995, p. 504), o que bem demonstra que nem sempre o é. SERGIO DE ANDREA FERREIRA anota: ‘Já foi acentuado que pode o uso comum ser gratuito ou remunerado (CC, art. 68), surgindo as taxas de pedágio de estacionamento etc.’ (Direito Administrativo Didático, 2. ed. Forense, 1981, p. 166). DIOGO FIGUEIREDO MOREIRA NETO preleciona: ‘A utilização comum, como indica a expressão, e a que é franqueada a todos, indistintamente, como sucede, em geral, com as ruas, estradas, avenidas, praias, mares, rios navegáveis etc. Esta liberdade de utilização poderá estar, não obstante, sujeita a uma condição, como o pagamento de um pedágio, para estradas;’ (Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Forense, 1974, p. 260).

7. Eis, pois, que, se até o uso comum de bem de uso comum pode ser remunerado, a fortiori, seu uso especial também pode sê-lo. E, como ocorre no caso sub consulta, se alguém pretende dele extrair um proveito estranho ao que é propiciado por sua destinação própria, émaisdoquenaturalqueosenhordobemouquemhajasidoqualificadoparaextrair-lheos proveitos cobre dos interessados um valor pela serventia que lhes virá a proporcionar.

Seria até surpreendente que uma empresa privada pretendesse valer-se de bem alheio em busca de vantagens estranhas ao destino deste bem supondo que o seu titular ou quem estivesse juridicamente titulado para explorá-lo devesse outorgar, graciosamente, as van-tagens a serem por ela captadas.

Sem dúvida, é óbvio o interesse econômico de uma prestadora de serviços públicos emficarliberadadosdispêndiospelousoespecialdobementregueàexploraçãodeumaconcessionária de obra pública, que isto minoraria seus custos. Mas é igualmente óbvio o interesse econômico, quer da entidade pública a que está afeto o bem, quer da concessionária da exploração dele, em serem remuneradas por tal uso.

Essas partes, sem duvida, têm interesses econômicos a arguir.O atual governo optou por um sistema no qual os prestadores do serviço ou da obra os

exploram economicamente; isto é: ganham dinheiro com os serviços e as obras públicas. É com este ganho que os custeiam e que realizam o próprio lucro: aquilo que os mobilizou e quelhesjustificaarelaçãotravadacomoEstado.Assim,independentementedasrespectivasobrigações em relação à atividade pública, o fato é que são empresas privadas, entidades prepostas a ganhos econômicos, que estão confrontadas na hipótese de passagem de cabos nas faixas de domínio. É evidente, outrossim, que tal confronto tem índole e natureza dis-tintasdoquepoderiamseproporentreentidadesgovernamentais,asquais,pordefinição,têm como prioridade a realização do interesse público e não a obtenção de lucro. Eis porque

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asoluçãodoconflitonãotemporqueserigualàquelaqueseriadadaseosserviçoseobrasestivessem sob regime de exploração direta pelo Estado ou por criaturas suas.

8. Vista a questão estritamente do ângulo destes interesses econômicos das empresas por força das respectivas qualidades de concessionárias e mesmo das entidades governamentais a que estejam afetas as rodovias, nota-se, entretanto, uma clara distinção entre eles.

Às prestadoras de serviço público não foi outorgado pelo concedente – ou ao menos não o foi explicitamente – direito algum à gratuidade do uso especial de bens de uso comum, nem há lei alguma que o estabeleça, ao passo que às concessionárias de obra foi expressa-mente outorgado o direito de exploração do bem, assim como o que decorre do art. 11 da lei nº 8.987, isto é: fontes de receita alternativas, complementares ou acessórias em vista de favorecer a modicidade das tarifas. Quanto às entidades públicas a que estejam afetas as rodovias, também têm em seu prol, além do dispositivo citado, os poderes inerentes a de titulares ou de gestoras do bem.

Eis, pois, que os prestadores de serviço público empenhados em fazer passar cabos e dutos por faixas de domínio de rodovias podem arguir algo cuja compostura, ao menos a um primeiro súbito de vista, e apenas a de um interesse simples, ao passo que os conces-sionários destas rodovias e as pessoas públicas a que estejam afetas podem arguir em seu favor algo que se apresenta com a estrutura de um direito.

9.Restaria,então,verificarseacircunstânciadosdutosecabosasereminstrumentaisàprestação de um serviço público aportaria algum elemento de relevo bastante para contraditar aquela que seria até mesmo a intuitiva lógica da situação, isto é: a de que se deve pagar se se quer usufruir de vantagens propiciadas por bens titularizados e ou explorados por outrem, pois este tem o direito de exigir uma contrapartida pelo proveito que outro intente captar. Certamentenosserviçospúblicosseencarnamvaloresdegrandesignificaçãoparaacoleti-vidade e, bem por isso, tais serviços merecem um tratamento peculiar, podendo-se agregar, ainda, que quanto menor for o custo incidente sobre sua prestação, mais se contribuirá, ao menos indiretamente, para a modicidade das tarifas. Ocorre, todavia, que a construção de obras rodoviárias, sua manutenção, permanente conservação e oferta de serviços de apoio aos que nelas trafegam são igualmente atividades de assinalada valia social e também ob-jeto de concessões, as quais, de resto, em nossa legislação (lei nº 8.987, de 13.02.95), são tratadas como concessões de serviços públicos (art. 2° da referida lei). Está-se, portanto, diantedesituaçõesparificadasnoqueconcerneàproteçãodevidoainteressespúblicos.

Assim, equivalentemente, uns e outros têm a arguir, em favor das teses que os favo-receriam, a realização de atividades públicas e o interesse dos respectivos usuários ou beneficiáriosempagaremomínimopossívelpelodesfrutedessescometimentospúblicos.Logo, não será o fato de estar em pauta a passagem de equipamentos instrumentais à rea-lizaçãodeuminteressepúblicooquejustificariaodireitoaalgumagratuidade,porquantoos pagamentos que fossem versados em contra partida dessa utilização também podem ser vistos como revertendo em favor do interesse público, isto é, da modicidade do pedágio.

10.Donde,para,nesteplano,pretendersolucionaroconflitodeinteressesserianecessárioque se pudesse predicar de um deles precedência em relação ao outro. Contudo, não se tem comofazerisso,poisinexistemnodireitopositivoqualificaçõesdeprimaziadealgumdeles.

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Se estivessem em pauta os chamados serviços públicos de utilização compulsória, isto é, aqueles suscetíveis de serem impostos aos administrados, poder-se-ia tentar algu-ma hierarquização para estruturar, a partir dela, uma posição de vantagem, irrogável ao concessionário que os tivesse a seu cargo, no confronto com o prestador de atividade não qualificávelcomtalatributo,tendoemvistaoneraçõesoudesoneraçõeseconômicasquepudessem repercutir em benefício do usuário de serviço de utilização compulsória. Como não é o que ocorre no caso sub consulta, impõe-se a conclusão de que nada se pode buscar na tipologia dos interesses confrontados para abonar solução em favor de um ou outro.

Dessarte,comonocasoconcreto,apresençadointeressepúblicoéneutraparafinsdeinclinar a exegese em favor de uma ou outra das soluções (gratuidade ou onerosidade do desfrutedobem),odesatedoproblemaficaacantonadoúnicaeexclusivamentenoplanoda utilização especial de bens públicos de uso comum colocados sob exploração econômica de concessionário.

Ora, neste plano – já se viu – existe qualquer óbice à cobrança pelo uso do bem, exis-tindo, pelo contrário, para embasá-la, o exercício normal dos poderes de dominialidade ou de exploração.

Entretanto,nãoforaissosuficiente,ofatoéqueexiste,comodito,aprevisãolegaldeque bens dados em concessão possam ser utilizados para a produção de receitas alternativas, complementares ou acessórias, tendo em vista favorecer a modicidade das tarifas (art. 11, precitado da lei nº 8.987/95).

11. Isso posto, a primeira indagação não há senão que responder que a pessoa gover-namental a que esteja afeto o bem ou o concessionário da exploração rodoviária, conforme a previsão que haja sido feita, podem cobrar dos concessionários de serviço público de energia elétrica, de telecomunicações ou de distribuição de gás, pela passagem subterrânea de cabos ou dutos.

Restaria,então,verificarqualaíndoledetalcobrança.12. Evidentemente, não está em pauta exação de natureza tributária. Não há imposto

algum instituído e nada que se assemelhe às chamadas contribuições. Também não haveria que se cogitar de taxa, pois não se trata de cobrar pelo oferecimento de serviço público ou pelo exercício do poder de polícia. A cobrança em apreço é por um uso especial de bem público de uso comum. Trata-se, portanto, de uma receita assemelhada a um ‘preço’; preço público, se se quiser, pois as nomenclaturas na matéria dizem muito pouco.

O que mais interessa discutir é se a cobrança em questão deverá ter simplesmente um caráter quase que indenizatório, isto é, de mera compensação por eventuais transtornos, despesas e cuidados implicados (inclusive por exigências de segurança da rodovia e de seus usuários) na implantação e conservação de cabos ou dutos, ou se poderá se constituir, efetivamente, em uma cobrança demandada a titulo de remuneração pelo proveito que a faixa de domínio está a proporcionar aos concessionários que lhe querem utilizar espaço subterrâneo.

Ainda aqui a resposta é simples. Para compensar-se de transtornos ou prejuízos que alguém lhe venha a causar para fazer uso da faixa de domínio, o concessionário da obra ou a pessoa governamental a cuja esfera o bem está afeto não teria necessidade de desfrutar

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ou invocar quaisquer poderes de cobrança por uso do bem. Com efeito, se alguém, para usar de bem alheio, acarretará consequências gravosas para quem o titulariza ou explora, obviamente terá de compensar o agravado, sem que caiba em tal caso falar-se em cobrança, propriamente dita, pelo uso do bem.

Dessarte, quando se reconhece ao concessionário de obra rodoviária ou à entidade pública a que esteja afeta a rodovia o direito de cobrar pela passagem subterrânea de cabos ou dutos na faixa de domínio, obviamente está-se reconhecendo seu direito de ser remunerado par tal uso; isto é: direito a receber dos concessionários de serviços públicos a quem pertençam ditos equipamentos uma contrapartida pela utilidade que lhes está sendo proporcionada.

13. Isso tudo posto e considerado, a indagações da Consulta respondo: I – A entidade governamental a que esteja afeta a rodovia ou mesmo o concessionário

de obra pública, se a tanto estiver habilitado pela concessão, um ou outro, conforme o caso, podem cobrar de concessionários de serviço público de energia elétrica, de telecomunicações ou de distribuição de gás pelo uso que façam da faixa de domínio da rodovia mediante passagem subterrânea de cabos ou dutos.

II–Ditacobrançanãotemnaturezatributária,qualificando-se,antes,comoumpreço.Sua índole não é ressarcitória de transtornos ou despesas, mas remuneratória, consistindo em uma contrapartida da utilidade que dita passagem subterrânea oferece aos concessionários quedelasebeneficiam.’

Por esses fundamentos, e pedindo vênia à E. Relatora, CONHEÇO e DOU PROVI-MENTO ao recurso especial, invertendo o ônus da sucumbência.

É como voto.”

Com efeito, o uso privativo de qualquer parte da “faixa de domínio” da rodovia, ainda que por parte de outro órgão público, deve ser precedido de autorização, permissão ou concessão do órgão público responsável, eis que se trata de bem público de uso comum.

Por outro lado, não há qualquer óbice à exigência de remuneração como contrapartida à permissão de uso de “faixa de domínio” na situação em causa, nos termos do disposto no art. 11 da Lei nº 8.987/95 e nos arts. 24, IV, e 26, VI, da Lei nº 10.233/01, bem como da Resolução nº 2.552, de 28.02.2008, editada pelo ANTT.

In casu, impõe-se a aplicação da fórmula prevista na Resolução nº 2.552/08, da ANTT, único órgão competente para a elaboração e a edição das normas pertinentes à exploração de rodovias concedidas, nos termos do disposto no art. 24, IV, da Lei nº 10.233/01.

No que concerne aos cálculos utilizados e à formula impugnados na apelação,bemconcluiuodoutoMagistrado,afls.506-7,verbis:

“No que toca aos elementos de cálculo utilizados na referida fórmula e impugnados

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pela autora, tem-se que:1. Não há equívoco na área de 0,50 m² usada pela concessionária no cálculo do valor

devido por quilômetro, apesar de a área efetivamente ocupada pela rede de distribuição de gás totalizar em torno de 0,1674 m². É que deve ser considerada no cálculo uma área adicional desegurança,afimdeseevitarprejuízosàrededetubulaçãoemvirtudedacolocaçãodeoutra estrutura, como placas, postes de sustentação etc.

A área mínima de 0,50 m², na verdade, foi determinada pela própria ANTT, conforme se observa do Ofício nº 146/2009 (documento 14 do anexo). Importante frisar, ainda, que dita área também consta da Resolução DNIT nº 11/2008, invocada pela autora em seus arrazoados.

2.Ocustodeoportunidadedeocupaçãodafaixadedomínioédefinidopelaconcessio-nária, de acordo com a Resolução ANTT nº 2552/2008, sendo, no caso, calculado a partir dos itens constantes da Instrução Técnica 7.5.35, a saber (documento 15 do anexo 2):

– utilização (valor de utilização da faixa de domínio, valores pagos em desapropriações);– conservação/manutenção;– CFTV + Cabo (referente a 172 câmeras instaladas na rodovia);–faixadedomínio(relativoàequipeparaafiscalizaçãodafaixadedomínio);– verba de aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal e inspeção de tráfego.Nãosetrata,assim,devaloraleatoriamentefixadopelaconcessionária,comoassevera

a autora, mas amparado em critérios objetivos e atuariais.Demais disso, não foi comprovada nos autos a inadequação ou a abusividade do mon-

tante exigido a este título, mister que competia à parte-autora, de acordo com o artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil.

Logo, correta a cobrança de R$ 25,14 por m² a título de custo de oportunidade de ocu-pação e, em consequência, do valor anual de R$ 13.140,00 por quilômetro em virtude do uso da faixa de domínio pela autora.”

Por conseguinte, é manifestamente ilegal a utilização por parte da ora apelante da “faixa de domínio” do trecho situado entre os quilômetros 118 e 151+700 m da BR 101, pois despida da necessária autorização da ANTT e da celebração de contrato com a concessionária da rodovia.

Com efeito, em face do disposto no art. 5º, XXXVI, da CF/88, é indubitável que o contrato válido entre as partes constitui ato jurídico perfeito, protegido pelo texto constitucional, dele irradiando, para uma ou para ambas as partes, direitos adquiridos, não podendo ser alcançado por lei superveniente à data da celebração do contrato, mesmo quanto aos efeitos futuros decorrentes do ajuste negocial.

Nesse sentido, é de referir-se o ensinamento clássico de Julien Bon-necase, ao atualizar a obra de Baudry-Lacantinerie, verbis:

“Les droits dérivant d’une convention expresse ou légalement présumée constituent, dans

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le sens de notre matière, des droits acquis à l’abri de l’atteinte de toute loi nouvelle, alors même qu’ils ont pour objet de paiements à faire à des époques successives, qui ne viendraient à échéance que postérieurement à la promulgation de cette loi.” (Baudry-Lacantinerie, in Traité Théorique et Pratique de Droit Civil - Supplément par Julien Bonnecase. Paris: Librairie Recueil Sirey, 1925. Tomo 2º. p. 123)

Nesse sentido, também, é a jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos ao julgar o 263 U.S. 125, verbis:

“The integrity of contracts-matter of high public concern – is guaranteed against ac-tion like that here disclosed by section 10, art. 1, of the federal Constitution, ‘No state shall (...) pass any (...) law impairing the obligation of contracts’. It was beyond the competency of the Legislature to substitute an ‘indeterminate permit’ of rights acquired under a very clear contract.” (In The Supreme Court Reporter. November, 1923 – July, 1924. St. Paul: West Publishing Co., 1924. v. 44. p. 86)

Essa, também, é a lição clara e precisa do saudoso jurista Francisco Campos, em seu Direito Administrativo. Rio: Freitas Bastos, 1958, v. II, p. 11, verbis:

“O que a Constituição assegura, portanto, ao determinar que o ato jurídico perfeito con-tinuará a ser regido pela lei do tempo em que se consumou, é, precisamente, o efeito jurídico daquele ato, isto é, as transformações por ele operadas nas relações jurídicas que constituem oseuconteúdo,sejacriando,sejamodificando,transferindoouextinguindodireito.

O que resulta do ato jurídico perfeito é, precisamente, a aquisição de um direito, ou a pretensãofundadaaumaprestação,ouamodificaçãoouaextinçãodedireitoanterioràdeterminada prestação.

O ato jurídico perfeito é subtraído ao império da lei posterior precisamente para que não seja prejudicado pela sua aplicação o direito que emergiu daquele ato e que por seu intermédio se tornou adquirido ou se incorporou ao patrimônio do indivíduo.”

É sabido o respeito pela observância das cláusulas dos contratos nos Estados Unidos da América, a tal ponto de constituir a integridade da relação contratual uma diretriz constitucional de primeira ordem, que deve ser preservada sempre que possível.

Quem o diz é o respeitado Professor Ernest Freund, em obra clás-sica, verbis: “The integrity of contractual obligation is a constitutional policy of the first order, and should be maintained wherever possible” (FREUND, Ernest. Standarts of American Legislation. 2. ed. The Uni-versity of Chicago Press, 1965. p. 283).

No que diz com a reconvenção, bem andou o juízo a quo ao julgá-la procedente em parte para declarar a aplicação da Resolução nº 2.552/08

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da ANTT, para o efeito da permissão/autorização de uso da “faixa de domínio” da rodovia BR 101, a serem celebrados entre as partes, e a largura mínima de 0,50 m de ocupação a ser considerada no cálculo do valor pelo uso da “faixa de domínio”.

Portanto, lamentando divergir da ilustre Relatora, cumprimentando-a peloseubrilhantevoto,todavia,confirmoasentença,pelosseusjurídicosfundamentos.

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.É o meu voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.72.00.015024-2/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Fernando Quadros da Silva

Apelante: Sylvio Ferraz de AraújoAdvogados: Drs. Fabio Vinicius Guero e outro

Dr. Wagner Antonio CoelhoApelante: União Federal

Advogado: Procuradoria Regional da UniãoApelados: (Os mesmos)

EMENTA

Administrativo. Recurso adesivo. Terreno de marinha. Regularidade do procedimento demarcatório. Prescrição quinquenal. Intimação por edital. ADI nº 4264. Possibilidade. Taxa de ocupação. Cobrança. Legi-timidade. Título particular de propriedade. Não oponibilidade à União. Inversão da sucumbência.

1. Se o procedimento demarcatório da LPM na região onde se encontra o imóvel da parte-autora foi realizado e concluído em período de tempo superior a cinco anos em relação à interposição da presente demanda,

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está acobertado pela prescrição, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, não cabendo agora a sua impugnação.

2. Prescrito o direito da parte-autora de impugnar o procedimento demarcatório em questão, não há como afastar a cobrança da taxa de ocupação.

3. O entendimento constante da ADI nº 4264, isto é, a intimação pes-soal nos processos demarcatórios, apenas se aplica aos procedimentos posteriores à referida decisão proferida pelo e. Supremo Tribunal Fe-deral, e não àquelas demarcações já perfectibilizadas e alcançadas pela prescrição, sob pena de, indevidamente, emprestarem-se efeitos ex tunc ao decisum sufragado pela Suprema Corte.

4. A certidão do registro de imóveis não é oponível à União, ante a natureza constitucional da sua propriedade sobre as áreas de marinha. Precedentes.

5. Os reajustes das taxas de ocupação, na forma da legislação de regência, devem ser calculados com base no domínio pleno do bem. Pertinente a respeito às regras contidas nos arts. 67 e 101 do Decreto-Lei nº 9.760/46 e no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.398/87.

6. Invertida a sucumbência, as custas processuais e os honorários advocatícios deverão ser suportados pela parte-autora.

7. Apelação da União provida. Recurso adesivo do autor prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da União, julgando preju-dicado o recurso adesivo do autor, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 23 de novembro de 2011.Des. Federal Fernando Quadros da Silva, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fernando Quadros da Silva: Trata-se de ação declaratória de inexigibilidade da taxa de ocupação, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela, ajuizada por Sylvio Ferraz de Araújo contra a União, em que se discute a regularidade, ou não, de cobrança

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de valores efetuada a título de taxa de ocupação.Foiindeferidoopleitodeantecipaçãodosefeitosdatutela(fl.81).O MM. Juízo a quo lavrou o dispositivo sentencial nos seguintes

termos:“O que está em questão neste processo é o aumento da base de cálculo (valor do domínio

pleno) da taxa de ocupação prevista no artigo 1º do Decreto-Lei n° 2.398/1987 (redação do Decreto-Lei n° 2.422/1988): ‘A taxa de ocupação de terrenos da União, calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio da União (SPU), será, a partir do exercício de 1988, de: [...]’. A liminar foi indeferida, e a União apresentou contestação – em síntese, defendendo a legalidade do seu procedimento.

A questão se resolve a partir da interpretação do artigo 1º do Decreto-Lei n° 2.398/1987 (redação do Decreto-Lei n° 2.422/1988): ‘A taxa de ocupação de terrenos da União, cal-culada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do PatrimôniodaUnião(SPU),será[...]’.Oqueseatualiza,tãosópelosíndicesoficiaisdecorreção monetária, é o valor da taxa de ocupação originariamente estabelecido, e não o do domínio pleno. Em suma, em relação às ocupações atuais, o valor da taxa não pode ser alterado,excetoatéolimitedaatualizaçãomonetáriaverificadanoperíodo.

Ante o exposto, acolho a pretensão e determino à União que, enquanto durar a ocu-pação, proceda à atualização anual da respectiva taxa apenas até o limite do montante da correçãomonetáriaverificadanoperíodo.Tendoemvistaaausênciadeefeitosuspensivo,lavre-se ofício para imediato cumprimento, inclusive em relação ao lançamento relativo ao exercício 2007. Eventual saldo decorrente de pagamento a maior deverá ser ressarcido administrativamente ou compensado com prestações vincendas da própria taxa de ocupação.

Condeno a União ao pagamento: [a] de honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (IPCA-E); e [b] das custas adiantadas pelo autor. Intimem-se.”

A União interpôs recurso de apelação, sustentando, preliminarmente, a ausência do interesse de agir, uma vez que a inscrição de ocupação em telafoirequeridapelopróprioautor,em1973(fl.20).Sustentouaindaa ocorrência da prescrição, devendo o processo ser extinto, sem exame do mérito. Aduziu que o procedimento demarcatório em questão foi re-alizado em estrita legalidade, incidindo as correlatas taxas de ocupação sobre o imóvel da parte-autora, devendo ser julgado improcedente o pedido inicial. Pugnou, assim, pela reforma da sentença, com inversão da sucumbência.

A parte-autora interpôs recurso adesivo, postulando a majoração da verba honorária para 20% sobre o valor da causa.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta e. Corte.

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O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento dos recursos.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Fernando Quadros da Silva:

Regularidade do procedimento demarcatório e prescrição

Compulsandoos autos, verificoque a parte-autora solicitou a suainscrição de ocupação em terreno de marinha situado na localidade de Porto Belo/SC em 31.03.1978, passando a pagar as respectivas taxas de ocupação, marco inicial de seu prazo para impugnar o procedimento demarcatório em questão, porquanto a partir de então teve início a uti-lização do bem da União.

Portanto, se o procedimento demarcatório da LPM na região onde se encontra o imóvel do autor foi realizado e concluído em período de tempo superior a cinco anos em relação à interposição da presente demanda, está acobertado pela prescrição, nos termos do artigo 1º do Decreto 20.910/32, não cabendo agora a sua impugnação. Veja-se:

“Art. 1º. As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram.”

Dodispositivosupratranscritoverifica-sequenãosóasações,comotambém os direitos, não podem ser exercidos contra a União após o decurso do lapso de cinco anos contados do ato ou do fato do qual se originaram.

O termo inicial do prazo prescricional é a data na qual o imóvel em discussão foi declarado como terreno de marinha, em virtude do término do procedimento administrativo de demarcação da Linha do Preamar Médio na região, sendo computado da data da ciência do ocupante do imóvel à época.

Nesse sentido:“EMBARGOS INFRINGENTES. DIREITO ADMINISTRATIVO. DOMÍNIO PÚBLI-

CO. TERRENO DE MARINHA. PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO. DESCONS-TITUIÇÃO. PRESCRIÇÃO. 1. Ação ordinária visando à desconstituição do procedimento administrativodedemarcaçãodeimóvelqualificadocomoterrenodemarinha,comloca-lização no Município de Torres/RS.

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2.Verificadaaprescriçãodapretensãodesconstitutivamanifestadaanteodecursodelapso superior a cinco anos a contar da ocasião em que conhecido o procedimento de de-marcação e o ajuizamento desta causa.” (TRF4, EI 2004.71.00.038292-7, Relatora Marga Inge Barth Tessler, Segunda Seção, D.E. 17.01.2011)

No mesmo entendimento, colaciono julgado do STJ:“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. INEXIS-

TÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. DEMARCAÇÃO DE TERRENO DE MARINHA. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. PRAZO PRESCRI-CIONAL QUINQUENAL. DECRETO 20.910/32.

1. Os terrenos de marinha, cuja origem remonta à época do Brasil Colônia, são bens públicos dominicais de propriedade da União, previstos no Decreto-Lei 9.760/46.

2. O procedimento de demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos não atinge o direito de propriedade de particulares, pois não se pode retirar a propriedade de quem nunca a teve.

3. A ação declaratória de nulidade dos atos administrativos (inscrição de imóvel como terreno de marinha) não tem natureza de direito real. Aplicável a norma contida no art. 1º do Decreto 20.910/32, contando-se o prazo prescricional a partir da conclusão do proce-dimento administrativo que ultima a demarcação.

4. Recurso especial não provido.” (REsp 1147589 / RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma. DJe 24.03.2010) (grifado)

Assim, prescrito o direito da parte-autora de impugnar o referido procedimento demarcatório, não há como afastar a cobrança da taxa de ocupação em questão.

Intimação pessoal nos processos demarcatórios – ADI nº 4264

Por sua vez, quanto à necessidade de intimação pessoal nos procedi-mentos demarcatórios de terreno de marinha, consigno que o Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, em sede de medida cautelar deferida na ADI nº 4264 (DJE 25.03.2011), ajuizada pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco, declarou a inconstitucionalidade do artigo 11 do Decreto-Lei nº 9760/1946, com a redação dada pelo artigo 5º da Lei nº 11.481/2007 (DOU 31.05.2007), que assim dispunha:

“Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcado.”

Todavia, tenho que o entendimento constante da ADI nº 4264, isto é, a intimação pessoal nos processos demarcatórios, apenas se aplica aos

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procedimentos posteriores à referida decisão proferida pelo e. Supremo Tribunal Federal, e não àquelas demarcações já perfectibilizadas e al-cançadas pela prescrição, sob pena de, indevidamente, emprestarem-se efeitos ex tunc ao decisum sufragado pela Suprema Corte.

Procede, portanto, a irresignação da União, devendo ser reformada integralmente a r. sentença.

Título particular constante do registro de imóveis – não oponível à União

Em relação ao procedimento administrativo de demarcação e cobrança de taxa de ocupação do imóvel, a atribuição de propriedade à União dos terrenos de marinha é secular e, atualmente, de ordem constitucional, independendo, diante disso, do teor do registro de imóveis, por ser essa propriedade decorrente dos termos da própria lei e especialmente da Constituição Federal, em seu artigo 20, inciso VII. Tal legislação con-fere ao serviço de patrimônio da União o cadastramento dos usos de bens públicos, seja via aforamento, seja via permissão de uso, ocupação temporária etc.

Assim, a certidão do registro de imóveis não é oponível à União, ante a natureza constitucional da sua propriedade sobre as áreas de marinha.

Nesse sentido:“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. PROCESSO DEMARCATÓRIO.

ART. 20, VII, CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ‘BRAÇO MORTO’ DE IMBÉ.1. (omissis). 2. (omissis).3.Destacam-se, noquediz comoprocessodemarcatóriodos terrenosqualificados

como de marinha: a propriedade originária da União; a oponibilidade do registro em car-tório; e outras questões referentes à controvérsia dos autos, o julgamento do REsp 798165 pelo STJ, em que foi Relator o Ministro LUIZ FUX. Entendeu aquela Corte que o direito de propriedade da União encontra previsão no art. 20 da Carta Federal de 1988, que teria recepcionado o art. 1º e seguintes do Decreto-Lei nº 9.760/46. Ademais, restou assente que, em se tratando de terrenos de marinha, o título particular não é oponível à União.

4. Embargos Infringentes improvidos.” (Embargos Infringentes nº 2003.71.00.050235-7, 2ª Seção, Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E. 26.01.2009)

Critério utilizado para majoração da taxa de ocupação – legalidade

Porsuavez,verificoque,nostermosdajurisprudênciadominanteda Segunda Seção deste Tribunal, os reajustes das taxas de ocupação

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calculados com base no domínio pleno do bem são perfeitamente legí-timos, verbis:

“ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. TAXA DE OCUPAÇÃO. MAJO-RAÇÃO. VALOR DO DOMÍNIO PLENO DO IMÓVEL. PROCESSO ADMINISTRA-TIVO.

– Os reajustes das taxas de ocupação, na forma da legislação de regência, devem ser calculados com base no domínio pleno do bem. Pertinente a respeito as regras contidas nos arts. 67 e 101 do Decreto-Lei nº 9.760/46 e no art. 1º do Decreto-Lei nº 2.398/87.

– A Turma tem se manifestado no sentido da legalidade do procedimento da SPU, quando a comunicação dos reajustes ocorre por meio da publicação de edital em jornal de grande circulação, caso dos autos. Precedente do STJ (REsp 1132403).” (TRF4, EI 2008.72.00.006457-3, Relator Jorge Antonio Maurique, Segunda Seção, D.E. 12.05.2011)

Com efeito, o Decreto-Lei n° 2.398/87, que dispõe sobre foros, laudê-mios e taxas de ocupação relativas a imóveis de propriedade da União, no ponto atinente ao cálculo da taxa, assim dispõe:

“Art. 1° A taxa de ocupação de terrenos da União, calculada sobre o valor do domínio pleno do terreno, anualmente atualizado pelo Serviço do Patrimônio da União (SPU), será, a partir do exercício de 1988, de:

I – 2% (dois por cento) para as ocupações já inscritas e para aquelas cuja inscrição seja requerida, ao SPU, até 30 de setembro de 1988; e (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.422, de 1988) (Vide Lei nº 11.481, de 2007)

II – 5% (cinco por cento) para as ocupações cuja inscrição seja requerida ou promovida ex officio, a partir de 1° de outubro de 1988. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.422, de 1988)”

No mesmo sentido, os artigos 67 e 101 do Decreto-Lei n° 9.760/46, a saber:

“Art.67.CabeprivativamenteaoS.P.U.afixaçãodovalorlocativoevenaldosimóveisde que trata este Decreto-Lei.

[...]Art.101.OsterrenosaforadospelaUniãoficamsujeitosaoforode0,6%(seisdécimos

por cento) do valor do respectivo domínio pleno, que será anualmente atualizado. (Redação dada pela Lei nº 7.450, de 1985)”

E ainda a orientação dada pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da Portaria n° 75, de 24 de março de 2003, a saber:

“1 OBJETIVOA presente Orientação Normativa destina-se a estabelecer normas e procedimentos de

avaliação e informação técnica de valor dos imóveis de propriedade da União ou de seu

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interesse.(...)4.1.1.2Paraafixaçãodosvaloresdetaxadeocupação,doforoedasdemaismultas

previstas em lei, poderá ser adotado, para a determinação das respectivas bases de cálculo, o valor do m² do terreno constante da Planta Genérica de Valores – PGV, elaborada em conformidade com esta Orientação Normativa.”

Mostra-se, assim, legítima a atualização do valor do domínio pleno do terreno com base em critérios atuais de valoração mobiliária, como fez a Secretaria de Patrimônio da União, pois há expressa previsão legal no sentido de que a atualização do “domínio pleno” será feita anualmente, de modo que, se o foreiro quer fazer jus ao direito de desfrutar do bem público, deve adimplir a taxa cobrada pela permissão de uso, nos termos em que apresentada pelo órgão competente.

Nesse sentido, colaciono ementa do STJ:“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. TERRENO DE MARINHA. VIO-

LAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. TAXA DE OCUPAÇÃO. REAJUSTE. NOVA AVALIAÇÃO DO VALOR DO DOMÍNIO PLENO. PRÉVIA INTI-MAÇÃO DO OCUPANTE. DESNECESSIDADE.

1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem resolve a contro-vérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese do recorrente.

2. É possível reajustar a taxa de ocupação com base em nova avaliação do imóvel. Pre-cedente: REsp 1152279/SC, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18.12.2009.

3. Desnecessária prévia intimação do ocupante para acompanhar o processo de avaliação do domínio pleno. Precedente: REsp 1132403/SC, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 11.11.2009.

4. Recurso especial não provido.” (REsp 1133224/SC, Relator Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23.04.2010) (Grifei)

Ademais, a despeito de eventual insurgência quanto à ilegalidade dos critérios utilizados pelo órgão gestor do patrimônio público para avalia-ção do bem, a parte-autora não traz qualquer argumento concreto que infirmeovaloratribuídoaoimóvelpelaUnião,oquedenotaacoerênciae a razoabilidade dos parâmetros legalmente adotados pela SPU.

Procede, portanto, a irresignação da União, devendo ser reformada na íntegra a r. sentença.

Prequestionamento e honorários advocatícios

Quanto ao prequestionamento, esclareço que não há necessidade de

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o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfren-tamentodamatériapormeiodojulgamentofeitopeloTribunaljustificao conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.99).

Tendo em vista a inversão da sucumbência, as custas processuais e os honorários advocatícios deverão ser suportados pela parte-autora, estes últimosfixadosemR$545,00.

Dispositivo

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação da União, julgando prejudicado o recurso adesivo do autor.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000074-84.2010.404.7205/SC

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria

Apelante:SerafimPortesRochaAdvogado: Dr. Jorge André Ritzmann de Oliveira

Apelados: Estado de Santa CatarinaMunicípio de Blumenau

União – Advocacia-Geral da UniãoMPF: Ministério Público Federal

EMENTA

Administrativo e constitucional. Fornecimento de medicamentos. Entes políticos – responsabilidade solidária. Transplantados – direito ao recebimento de medicamentos.

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1. A União, os Estados-Membros e os Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre forne-cimento de medicamentos.

2. Necessária a imposição aos entes políticos para provisão de me-dicamento para transplantados, mesmo quando comprovado que o fár-maconecessárionãoestejaemlistadoSUS,paraocasoespecíficodetransplante do órgão que o autor realizou.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento às apelações, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 31 de agosto de 2011.Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de apelações contra sentença que julgou improcedente o pedido na inicial para reconhecer o direito do autor em receber o medicamento Rapamune (rapamicina), imunodepressor necessário por ser transplantado hepático. Condenada a parte autora em honorários advocatícios de R$ 300,00, suspensos em face da assistência judiciária gratuita.

A parte-autora apela, acompanhada adesivamente pelo MPF, alegan-do que tem necessidade de receber o medicamento, pois teve o fígado transplantado em virtude de hepatite e, com a falta do imunodepressor Rapamune, poderá ter o novo fígado lesionado. Aduz que o medicamento anteriormentereceitadotrouxe-lheinsuficiênciarenal,motivopeloqualfoi obrigado a trocar para o fármaco requerido. Requer a procedência da ação.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal onde o Ministério Público Federal opinou pelo provimento das apelações.

É o relatório.

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VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: O direito fun-damental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegaçõesdemeranormaprogramática,deformaanãolhedareficácia.A interpretação da norma constitucional há de ter em conta a unidade da Constituição, a máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimento de medicamentos, tenho adotado determinados parâmetros: a) eventual concessão da liminar não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento do serviço público de saúde; b) o direito de um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outros cidadãos igualmente tutelados pelo direito à saúde; c) o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos; d) havendo disponibilidade no mercado, deve ser dada preferência aos medicamentos genéricos, porque comprovada sua bioe-quivalência, seus resultados práticos idênticos e seu custo reduzido; e) o fornecimento de medicamentos deve, em regra, observar os protocolos clínicos e a “medicina das evidências”, devendo eventual prova pericial, afastado“conflitodeinteresses”emrelaçãoaomédico,demonstrarquetais não se aplicam ao caso concreto; f) medicamentos ainda em fase de experimentação, não enquadrados na listagem ou nos protocolos clínicos, devemserobjetodeespecialatençãoeverificação,pormeiodeperíciaespecíficaparacomprovaçãodeeficáciaemsereshumanoseaplicaçãoao caso concreto como alternativa viável.

Tenho que, quanto à alegada ilegitimidade passiva da União, em que pese não desconhecer recente posição do STJ a respeito da competên-cia para julgar e decidir sobre a execução de programas de saúde e da distribuição de medicamentos, no sentido de excluir a União dos feitos (REsp 873196/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, DJ 24.05.2007, p. 328), mantenho a posição esposada pela Exma. Ministra Ellen Gracie (SS 3205, Informativo 470-STF), no sentido de que“a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Cons-tituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária.”

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Prescreve o artigo 196 da Constituição Federal que é obrigação do Estado (União, Estados e Municípios) assegurar a todos o acesso à saúde:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso uni-versal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Portanto, está evidente a legitimidade passiva dos réus, bem como sua solidariedade no caso.

No caso presente, evidente a multiplicidade de direitos e princípios postos em questão: a reserva do possível, a competência orçamentária do legislador, a eficiênciada atividade administrativa, a preservaçãodo direito à vida e o direito à saúde. Na concretização das normas em face da realidade social e diante dos interesses, princípios e direitos em conflito,estásubjacenteaideiade“igualvalordosbensconstitucionais”e a de que a concordância prática impede, “como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens” (p. 1225).

Disso decorre, portanto, a observação de determinados pressupostos básicos, quais sejam: a) que eventual concessão de liminar ou tutela ante-cipada não pode causar danos nem prejuízos relevantes ao funcionamento doserviçopúblicodesaúde,oqueimplicaria,aofinal,prejuízoaodireitode saúde de todos os cidadãos; b) que “o direito de um paciente individu-almente considerado não pode, a priori e em termos abstratos, ser sempre preferente ao direito de outro(s) cidadão(s), igualmente tutelado(s) pelo direito à saúde ou por políticas sociais diversas, mas também essenciais” (FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Direito fundamental à saúde. Porto Alegre: do Advogado, 2007. p. 212), e, simultaneamente, prevalecendo, desproporcionalmente, aos princípios de competência orçamentária e das atribuições administrativas do Poder Executivo no encaminhamento das políticas públicas; c) que o direito à saúde não pode ser reconheci-do apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos, porque envolvendo políticas públicas de maior abrangência, em especial ações preventivas e promocionais, sem predominância de ações curativas. Ne-cessário,pois,fixardeterminadosparâmetrosdeformaacompatibilizaros direitos e princípios envolvidos no caso sub judice.

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Assim, por exemplo, a Lei nº 9.787/99, dando nova redação ao art. 3º daLeinº6.360/78,definemedicamentogenéricocomoaquelemedica-mento similar a um produto de referência ou inovador, que se pretende ser com este intercambiável. Por sua vez, bioequivalência é a “demons-tração de equivalência farmacêutica entre produtos apresentados sob a mesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativa e quantitativa de princípio(s) ativo(s), e que tenham comparável biodis-ponibilidade, quando estudados sob um mesmo desenho experimental” (inciso XXIV). Isso indica, pois, que o medicamento genérico tem o mesmo princípio ativo, na mesma dose e forma farmacêutica do medi-camento de referência, apresentando a mesma segurança e podendo ser intercambiável.

Nãohábaselegalnemcientífica,pois,paraanãointercambialidadedos medicamentos de referência e genéricos. Dentro da mesma lógica, não há por que se atender a prescrição de medicamentos, se o efeito destes, igualoumaisbenéficoà saúde,pode seralcançadomediantemedicamento já fornecido pelo Sistema Único de Saúde ou se a aquisição for possível, por parte do Poder Público, de forma menos dispendiosa, observados os parâmetros clínicos.

Não é demais lembrar que o medicamento, sendo importante insumo no processo de atendimento ao direito à saúde, pode constituir fator de risco quando utilizado de forma inadequada, devendo-se, pois, proceder ao uso racional e seguro desses produtos, gerenciamento que é realizado pelo Ministério da Saúde, com base em protocolos clínicos que “têm o objetivo de, ao estabelecer claramente os critérios de diagnóstico de cada doença, o tratamento preconizado com os medicamentos disponíveis nas respectivas doses corretas, os mecanismos de controle, o acompanha-mentoeaverificaçãoderesultadosearacionalizaçãodaprescriçãoedofornecimento dos medicamentos”, de forma, pois, a “criar mecanismos paraagarantiadaprescriçãoseguraeeficaz”,procurandofundamentar“ascondutasadotadasnamelhorevidênciacientíficadisponível”(http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/protocolos/05_protocolos.pdf).

Esse sistema incorpora-se no movimento internacional de “medicina dasevidências”,quebuscaconciliarinformaçõesdaáreamédicaafimde padronizar condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico.

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Daí que se torna necessária a execução de uma perícia médica. Esta, a ser realizada em primeiro grau, deve ter como nortes, portanto, a in-formação sobre os protocolos clínicos e terapêuticos do Ministério da Saúde e a “medicina de evidências”.

De outro lado, há que se tomar posição a respeito daqueles medica-mentos que não se encontram enquadrados na lista Rename ou ainda em fase de experimentação ou mesmo ainda não incluídos nos protocolos clínicos e nas diretrizes médicas e que, mesmo assim, são, muitas vezes, objeto de pedidos no Judiciário.

Aqui, com mais razão ainda, a execução de perícia médica, com os mesmos cuidados já mencionados, se faz necessária para que se comprove que tal medicação já foi aprovada para uso humano, ainda que o tenha sidopeloFDA;ouque,emestadodeevidênciacientífica,seencontraperante a aprovação da Anvisa. Não é demais lembrar que o objetivo básico da vigilância sanitária é evitar a circulação de fármacos que pos-sam causar danos à saúde, ou mesmo a utilização de compostos menos benéficos,tantoqueépossívelàautoridadecompetenteaproibiçãodecerto medicamento ou a alteração de determinada fórmula (art. 6º da Lei nº 6.360/76).

Ainda,observoqueoacimafixadonãocontrariaaPortariadoMinis-tério da Saúde nº 3.916/98, que instituiu a Política Nacional de Medica-mentos, e a GM nº 2.577/06. Nelas estão previstos a responsabilidade das esferas governamentais e o elenco de medicamentos que serão pelo Estado adquiridos diretamente ou em parceria com o Ministério da Saúde, inclusive os de dispensação em caráter excepcional.

Nocasopresente,ficaevidenteafalhadoserviçomédicoprestadopelos entes federados, pois, se no Brasil somente por um cadastro público é possível um doente ter acesso a um transplante de fígado, como o autor, percebe-se, até mesmo pelas notícias que nos chegam, que não é nada fácil conseguir um órgão dessa importância compatível com o receptor.

Ora, se não é fácil conseguir conciliar os vários fatores envolvidos no transplante (doação do órgão, receptor e doador compatíveis, doador saudável, receptor em condições de saúde para a cirurgia, retirada e colo-cação do órgão em tempo hábil, equipe médica preparada e disponível no momento e locais interessados, etc), haveria de se ter um maior cuidado com aqueles que conseguem um órgão e sobrevivem à fase mais crítica

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após a cirurgia, tal como o autor.De nada adianta campanha de doações de órgãos e sucesso nos trans-

plantes se os pacientes não permanecem sob cuidados após as cirurgias. E os entes federados e seus órgãos competentes são sabedores de que os transplantados são pacientes que necessitam de medicamentos para o restante da vida, para que seus corpos não rejeitem o novo órgão, sob o risco de morrerem.

Portanto, totalmente descabida a decisão dos entes de negar a um cidadão transplantado o recebimento de medicamento que o mantém vivo, medicamento que apenas vem complementar aquilo que de mais humano se conseguiu na medicina, a doação de órgãos, que, muitas vezes, somente é conseguida com a dor de uma família doadora.

Não há que ser aceito, também, o argumento de que o medicamento Rapamune é indicado pelo SUS apenas para transplantados renais e não para transplantados de fígados, pois o caso concreto se apresenta claro pelo seu proveito para casos como o do autor.

O laudopericial é categórico emafirmar que o autor já tomouoimunodepressor disponibilizado pelo SUS (tacrolimo), mas que teve quesuspendê-loporriscodeinsuficiênciarenal terminal irreversível,assim, deve receber o medicamento Rapamune, pois o mesmo é indis-pensável para manutenção de sua vida tendo em vista sua condição de transplantado.

Diante disso, devendo o paciente que necessita de transplante ser inscrito em lista única sob gerência do SUS, e sendo no SUS que o pa-ciente terá a garantia a todo o atendimento necessário, incluindo-se aí os medicamentos,entendoque,naausênciadessaentrega,verificadocasoa caso, são responsáveis diretos os entes políticos, de forma solidária.

Modificada,portantoasentençaparaqueaUnião,oEstadodeSantaCatarina e o Município de Blumenau disponibilizem o medicamento Rapamune, em dosagem a ser determinada pelo médico que subscreve as receitas atuais do autor. O fornecimento do fármaco deverá ser feito enquanto for necessário por indicação do seu médico.

Modificadaasoluçãodalide,ficaaparteautoravencedoranatotali-dade do pedido, devendo a parte ré arcar com os honorários advocatícios que arbitro em 10% do valor da condenação, pro rata, conforme art. 20 do CPC, de acordo com o entendimento desta Corte.

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Quanto ao prequestionamento, não há necessidade de o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matériapormeiodojulgamentofeitopeloTribunaljustificaoconheci-mento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13.09.99).

Ante o exposto, voto por dar provimento às apelações para julgar procedente a ação, nos termos da fundamentação.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5031281-28.2010.404.7100/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Apelantes: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

Ministério Público FederalMunicípio de Caxias do Sul

Superintendente – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama – Porto Alegre

Apelado: Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – IngáAdvogados: Dr. Marcelo Pretto Mosmann

Dra. Livia Lima RymerApelado: Instituto Orbis de Proteção e Conservação da Natureza

Advogado: Dr. Marcelo Pretto MosmannApelados: Os mesmos

Apelada: União pela Vida – UPVAdvogados: Dr. Marcelo Pretto Mosmann

Dra. Livia Lima Rymer

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EMENTA

Ambiental. Apelação da autoridade coatora. Anuência prévia para supressão de vegetação primária e secundária. Construção de barragem para abastecimento de água. Análise de alternativas locacionais. Lei nº 11.428/2006. Dec. nº 6660/2008.

A apelação contra sentença proferida em mandado de segurança deve ser interposta pelo órgão ao qual a autoridade coatora é ligada e não por esta. Não se conhece do apelo de seu Superintendente, autoridade coatora.

Consoante dispõe o art. 14 da Lei nº 11.428/2006, o estudo de alterna-tivas locacionais para construção de represamento com vista a aumentar a capacidade de abastecimento de água do Município não compete ao Ibama, mas sim ao órgão estadual. Ao Ibama, consoante o parágrafo 1º do artigo supracitado, cabe conceder anuência prévia para supressão de Mata Atlântica.

De acordo com o art. 19 do Decreto nº 6.660/2008, a anuência pré-via do Ibama para supressão da vegetação somente é concedida após a autorização do órgão estadual competente.

Não há hierarquia entre as atuações do órgão federal e do estadual. Desse modo, não é atribuição do Ibama realizar uma ampla análise de todas as questões relativas ao empreendimento.

O abastecimento de água de qualidade e na quantidade necessária é sinônimo de saúde pública. E não se trata apenas de uma barragem. Trata--se de um sistema de abastecimento completo e integrado. Os serviços de construção da barragem Marrecas estão 90% executados. Já foram plantadas um total de 250 mil unidades vegetais para a compensação ambiental (xaxins, bromélias, cactos e outras espécies) e foram investidos R$ 200 milhões, em um total de R$ 240 milhões. Sem dúvida, paralisar uma obra nessa fase, para aprofundar estudos acerca de eventual melhor localização, após todas as análises feitas pelos órgãos responsáveis, é gerar prejuízos incalculáveis, não só ao Município de Caxias do Sul, mas à população daquela localidade, especialmente por estar comprovado que inexistem outras alternativas locacionais, já que todas as possíveis integram as bacias de captação que serão, em breve e paulatinamente, utilizadas.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer do apelo do Superintendente do Ibama, dar provimento aos apelos do Ibama e do Município de Caxias do Sul, e negar provimento ao apelo do Ministério Público Federal, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 17 de janeiro de 2012.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: No presente mandado de segurança, as impetrantes pretendem suspender a anuência para su-pressão vegetal concedida pelo Ibama no processo administrativo nº 02023.003402/2009-47 (que versa sobre a construção de barragem para abastecimento de água denominada Marrecas no Município de Caxias do Sul), bem como compelir o Ibama a analisar a existência de alternativas locacionais (conforme art. 14 da Lei nº 11.428/2006 c/c art. 19 do Dec. nº 6660/2008 e art. 4º da Lei nº 4.771/65).

O Ministério Público Federal assim relatou os fatos:“Trata-se de apelações do Ibama (evento 129), do Superintendente do Ibama (evento128),

do Município de Caxias do Sul/RS (evento 126) e do Ministério Público Federal (evento 47) contra a sentença (evento 29) que concedeu parcialmente a segurança para decretar a nulidade da anuência para supressão vegetal concedida pelo Ibama, determinando que este analise o mérito da existência de alternativas locacionais (conforme art. 14 da Lei nº 11.428/2006 c/c art. 19 do Dec. nº 6660/2008 e art. 4º da Lei nº 4.771/65) para construção de represamento com vistas a aumentar a capacidade de abastecimento de água do Muni-cípio de Caxias do Sul/RS.

Versou o Mandado de Segurança (evento 1) sobre irregularidades levadas ao conheci-mento do Ibama, por parte do impetrante, o qual emitiu anuência de supressão vegetal em MataAtlânticasemobservar(evento3,PROCADM8,fl.514):

a) Invalidade da licença expedida por órgão incompetente;b) Ilegalidade da forma de compensação pretendida em prejuízo à proteção do Bioma

mata Atlântica;c) Violação aos arts. 11 e 12 da Lei 11.428/2006 e, ainda, violação dos arts. 4º da Lei

nº 4.771/65, 14 da Lei 11.428/2006, e dos princípios da legalidade, da moralidade admi-

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nistrativa,daeficiênciaedaprobidadedaAdministraçãoPública;d) Intervenções na vegetação sem autorização do Ibama.Após prolação da sentença, foi realizada audiência para tentativa de conciliação (eventos

111 e 141), em que não se conheceu dos embargos declaratórios interpostos pelo impetrado (evento42)epeloMunicípiodeCaxiasdoSul(evento45).Tambémficouacordada,naaudiência, a área que será destinada à compensação ambiental, embora o Ministério Público Federal tenha esclarecido que a divergência que eventualmente seria discutida no Tribunal, em grau de recurso, seria a falta de estudos de alternativas locacionais indispensável para concessão de anuência, e não a compensação do dano consumado.

Tendo sido proposto o Mandado de Segurança (evento 1) apenas contra o Ibama, o Município de Caxias do Sul/RS formulou pedido para integrar a lide como litisconsorte necessário e interpôs embargos de declaração contra a sentença (evento 45). Aduziu, pre-liminarmente, que há litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o Município seria o único a sofrer as consequências da anulação da anuência para supressão da vegetação. Tendo sido admitido a intervir no feito apenas como assistente simples da parte impetrada (evento 111), o Município de Caxias/RS interpôs apelação (evento 126), em que reforça a tese de que sofreria grave prejuízo com a anulação da anuência de supressão ambiental, uma vez que já foram gastos mais de R$ 140 milhões no empreendimento, que já se encontra emavançadoestágiodeexecução,sendoirreversível,conformefotografiasanexadasnoevento 126. Alega também que todas as licenças foram regularmente obtidas e realizados osestudosdealternativalocacional.Emsuma,asseveracomofatoconsumadoparafinsdejustificarqualquerilegalidadenolicenciamentodoempreendimento.

O Superintendente do Ibama, por sua vez, apela (evento 128) da sentença aduzindo que o processo de licenciamento é de competência do órgão ambiental estadual (Fepam), o qual delegou a competência para Licença de Instalação para o próprio município (evento 3, PROCADM5,fl.230),cabendoaoórgãofederalapenasaanuênciapréviaparasupressãodeMata Atlântica. Alega que o Ibama não deve analisar o mérito das alternativas locacionais submetidasanteriormenteàFepam,masapenasverificarseaalternativaescolhidanãoferenenhuma vedação do art. 11 da Lei nº 11.428/2006. Alega não haver hierarquia entre o órgão federal e o estadual, e sustenta ter atuado com zelo na emissão da anuência prévia, tendo realizado três vistorias no empreendimento. Assim, haveria perda do objeto do feito, visto que o Ibama já se manifestou a respeito das alternativas locacionais neste feito.

O Ibama, em suas razões de apelação (evento 130), repisa as alegações do Superinten-dente,afirmandoaperdadoobjetodalideporjáterhavidomanifestaçãodoIbamaquantoàs alternativas locacionais em audiência.

OMinistérioPúblicoFederalapela(evento47)dasentençaafimdequesejadeterminadoao Ibama a ampla análise das questões relativas ao empreendimento, não resumindo sua atuação em mera formalidade, notadamente para que sejam estudadas alternativas técnicas direcionadas à garantia do efetivo manejo ecológico previsto na Constituição Federal (art. 225, § 4º, inciso I).

Com as contrarrazões do Ministério Público Federal (evento 154) e dos impetrantes (evento 155), bem como as demais manifestações dos impetrantes após a sentença (evento

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63), vieram os autos para parecer.”

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação doMPF,afimdequehajaamplarevisãodoprocessodelicenciamentoambiental, e pelo não provimento dos recursos do Ibama e do Município de Caxias do Sul.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Inicialmente, não conheço do apelo do Superintendente do Ibama, porquanto a apelação contra sentença proferida em mandado de segurança deve ser interposta pelo órgão ao qual a autoridade coatora é ligada, e não por esta. Considerando existir nos autos apelo do Ibama, não há qualquer prejuízo ao órgão federal.

No mérito, a sentença monocrática concedeu parcialmente a segurança para decretar a nulidade da anuência para supressão vegetal concedida pelo Ibama e determinou que esse órgão analise o mérito da existência de alternativas locacionais para construção de represamento com vista a aumentar a capacidade de abastecimento de água do Município de Caxias do Sul/RS.

O exame da legislação atinente ao caso demonstra que o estudo de alternativas locacionais, de fato, não compete ao Ibama. Senão vejamos:

A Lei nº 11.428/2006, que dispõe sobre a utilização e a proteção da vegetação nativa do Bioma Mata Atlântica, em seu artigo 14, prevê:

“Art. 14. A supressão de vegetação primária e secundária no estágio avançado de rege-neração somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública, sendo que a vegetação secundária em estágio médio de regeneração poderá ser suprimida nos casos de utilidade pública e interesse social, em todos os casos devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto, ressalvado o disposto no inciso I do art. 30 e nos §§ 1º e 2º do art. 31 desta Lei.

§ 1º A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 2º A supressão de vegetação no estágio médio de regeneração situada em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental municipal competente, desde que o municí-pio possua conselho de meio ambiente, com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.

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§ 3º Na proposta de declaração de utilidade pública disposta na alínea b do inciso VII do art. 3º desta Lei, caberá ao proponente indicar de forma detalhada a alta relevância e o interesse nacional.” (grifei)

A legislação deixa claro que o processo de licenciamento, em que de-vem ser estudadas as alternativas locacionais, é de competência do órgão ambiental estadual – no presente caso, a Fepam. Ao Ibama, consoante o parágrafo 1º do artigo supracitado, cabe conceder anuência prévia para supressão de Mata Atlântica.

Enquanto ao órgão estadual compete o estudo do EIA/Rima (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental) e das alternati-vas locacionais, ao Ibama incumbe a análise da existência de vedações previstas no art. 11 da Lei 11.428/2006 sobre a localidade escolhida. Ou seja, o órgão federal analisa se o local já escolhido como melhor alternativa locacional não sofre nenhuma das restrições do art. 11 da Lei 11.428/2006.

Ao contrário do que alega o Ministério Público Federal, não há hierar-quia entre as atuações do órgão federal e do estadual. Desse modo, não pode o Ibama realizar uma ampla análise de todas as questões relativas ao empreendimento, tarefa afeita aos órgãos estadual e municipal.

Prova disso está na documentação juntada pelo Município de Caxias doSulemqueficaclaroquetodaadiscussãoacercadalocalizaçãodoempreendimento ocorreu no âmbito estadual e municipal. O trâmite do licenciamento ocorreu da seguinte forma:

“22 de outubro de 2008: o empreendedor apresenta, pela primeira vez, um estudo de alternativas locacionais, comparando 04 arroios. Os dados nesse estudo demonstram que o Arroio Marrecas, das 04 alternativas analisadas, é o segundo pior em termos de supressão de Mata Atlântica.

11 de novembro de 2008: reunião da equipe técnica da Fepam conclui que tece críticas aoscritériosutilizadoseàdefiniçãodepesos.Aindaassim,utilizandoosdadosapresenta-dos pelos estudos, concluiu que o Arroio Marrecas seria a terceira alternativa locacional, estando atrás dos Arroios Sepultura e Mulada.

25 de novembro de 2008: equipe técnica é destituída, sugerindo-se desde logo a no-meação de nova equipe.

27 de novembro de 2008: ofício da Fepam solicita apresentação de alternativas loca-cionaisdentrodabaciahidrográficadoArroioMarrecas.

11dedezembrode2008:Samaejustifica,com03parágrafosapenas,asalternativaslocacionais.AjustificativaédequeoMarrecaspossuimaiorviabilidadeeconômica.Não

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aborda aspectos ambientais.16 de dezembro de 2008: parecer do órgão municipal opina quais seriam os estudos

complementaresnecessáriosparaaexpediçãodalicençaprévia:análisefitossociológicade todas as formações vegetais constante na AID, para cada formação e seus respectivos estágios sucessionais; quadros da área de supressão vegetal para cada formação; entre outros.

18 de dezembro de 2008: parecer técnico conjunto (Fepam e Semma) opina pela emissão da licença prévia. São inseridos como condicionantes os estudos complementares acima referidos.”

Ora, se após longo trâmite e discussões a Fepam emitiu licença prévia para o empreendimento, não é viável cobrar do Ibama a responsabilidade por estudo que não é de sua competência.

Aquestãofica definitivamente superada quando analisado o art.19 do Decreto nº 6.660/2008, que regulamenta dispositivos da Lei nº 11.428/2006, in verbis:

“Art. 19. Além da autorização do órgão ambiental competente, prevista no art. 14 da Lei nº 11.428, de 2006, será necessária a anuência prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, de que trata o § 1º do referido artigo, somente quando a supressão de vegetação primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração ultrapassar os limites a seguir estabelecidos:

I – cinquenta hectares por empreendimento, isolada ou cumulativamente; ouII – três hectares por empreendimento, isolada ou cumulativamente, quando localizada

em área urbana ou região metropolitana.”

Resta claro, por conseguinte, que a anuência prévia do Ibama para supressão da vegetação somente é concedida após a autorização do órgão ambiental competente – que, na espécie, é a Fepam. A jurisprudência desta Corte corrobora tal conclusão:

“ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO AMBIENTAL. IBAMA. MULTA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP). 1. De acordo com a legislação ambiental, as florestasedemaisformasdevegetaçãosãoconsideradasbensdeinteressecomumatodososhabitantes do País, permitindo-se que, sobre as respectivas áreas, sejam exercidos os direitos à propriedade, desde que respeitadas as limitações impostas pela lei em geral, incluindo-se principalmente as impostas pelo Código Florestal. 2. Com as alterações decorrentes da MP nº 2.166/2001, o Código Florestal passou a admitir que a supressão de vegetação em área de preservação permanente possa ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, desde que devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. Essa autorização deverá ser expedida pelo órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente. Além

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disso, essa autorização somente será possível em caso de supressão eventual e de baixo impactoambiental,assimdefinidoemregulamento,sempremedianteindicação,prévia,de medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.” (TRF4, Apelação Cível nº 2005.72.04.010983-9, 3ª Turma, Des. Federal Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, D.E. 26.09.2011) (grifei)

No mesmo sentido, AC nº 2004.72.04.004513-4, 3ª Turma, Rela-tor Des. Federal Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, D.E. 02.05.2011.

Decorre daí o total improvimento da apelação do Ministério Público Federal.

Ademais, é preciso enfatizar que o Município de Caxias do Sul sofre sérios problemas de abastecimento de água para sua população. Isso é fato notório no Estado do Rio Grande do Sul. Preocupada com essa questão, a Administração do Município, em parceria com o Legislativo daquela Comuna, tem-se, há muito tempo, debruçado sobre o problema e traçado algumas ações visando à sua solução.

Nessa linha é importante analisar leis municipais anexadas aos memo-riais pelo Município de Caxias do Sul que elucidam e extirpam qualquer dúvida quanto ao procedimento adotado na emissão das licenças, veja-se:

A Lei Municipal nº 2.452, de 21 de dezembro de 1978, assim dispõe:“Art. 2º São declaradas áreas de proteção e, como tais reservadas, as referentes aos

seguintes mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse do Município de Caxias do Sul:

(...)d – Arroio das Marrecas;(...)Art. 11. As águas dos mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos

hídricos a que se refere o art. 2º, da presente Lei, destinam-se, prioritariamente, ao abas-tecimento de água.

(...)Art. 14. Nas áreas ou faixas de 1ª categoria, ou de maior restrição, somente são permi-

tidosserviços,obraseedificações–destinadosàproteçãodemananciais,àregularizaçãodevazõescomfinsmúltiploseàutilizaçãodeáguasprevistanoartigo11.

Art. 15.Nas áreas de1ª categoria,ficamproibidos odesmatamento, a remoçãodacobertura vegetal existente e a movimentação de terra, inclusive empréstimos e bota-fora, amenosquesedestinemaosserviços,àsobraseàsedificaçõesmencionadosnoart.14.”

A lei supracitada deixa clara a preocupação com a preservação das

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áreas de mananciais, restringindo sua utilização ao abastecimento de água no caso de interesse público. Os artigos 14 e 15 normatizam obras e remoção da cobertura vegetal para a hipótese de utilização dos ma-nanciais para o abastecimento de água da cidade. Assim, a situação sob exame, desde 1978, encontrava amparo legal.

A Lei Complementar Municipal nº 246/2005 estabelece conceitos e funções da Zona das Águas (ZA) – bacias de captação e acumulação de água para abastecimento do Município, in verbis:

“Art. 1º A água é um recurso natural cuja disponibilidade é limitada e, como tal, as áreas de bacia de captação e acumulação constituem-se em espaços cuja função social prioritária é a preservação das águas dos seus mananciais.

Art. 2º A presente Lei tem por objetivo assegurar a disponibilidade dos recursos hídri-cos superficiais e subterrâneos aos atuais usuários e às futuras gerações em padrões de quantidade e qualidade adequados ao consumo.

(...)Art. 4º Cada bacia de captação será tratada de acordo com as fragilidades ambientais

que lhe caracterizam, base para o zoneamento do uso do solo conforme estudos realizados para as bacias Dal Bó, Maestra, Samuara e Moschen.

Parágrafo único. As demais bacias (dentre elas Marrecas), relacionadas no art. 6º, quanto aozoneamentodeusodosolo,permanecemcomáreasoufaixasdeproteçãoclassificadascomo de 1ª e 2ª categoria até realização de estudos nos moldes do referido no caput deste artigo.

(...)Art. 6º A Zona das Águas (ZA), criada por meio da Lei Complementar nº 27, de 15 de

julho de 1996, Plano Físico Urbano – PFU, passa a ser regrada pela presente Lei, sendo assim designada em espaço urbano e rural do Município de Caxias do Sul.

§1ºAZonadasÁguasécompostapelasbaciashidrográficas,quetêmporfunçãoacaptação e acumulação de água para o abastecimento público do município de Caxias do Sul, sendo elas:

a) Dal Bó;b) Maestra;c) Samuara;d) Moschen;e) Galópolis;f) Faxinal;g) Marrecas;h) Piai;i) Sepultura; ej) Mulada.§ 2º As bacias citadas no § 1º, alíneas a até e, estão indicadas no Anexo III.

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§ 3º A bacia do Faxinal está indicada no Anexo IV.§ 4º As bacias citadas no § 1º, alíneas g até j, estão indicadas no Anexo V, sendo que a

delimitação dos reservatórios para acumulação e aferição dos divisores dessas bacias será feita quando da elaboração dos respectivos projetos executivos, de acordo com as demandas de abastecimento.”

A Lei Complementar acima citada demonstra que o Município tem um detalhado plano de expansão de seu sistema de abastecimento de água prevendo, além da utilização das bacias de Dal Bó, Maestra, Samuara, Moschen, Galópolis e Faxinal – todas em uso –, a utilização das bacias de Marrecas, Piai, Sepultura e Mulada.

Assim, todas as bacias são potencialmente utilizáveis e oportunamente serão implementadas.

Alémdisso, hádois documentosoficiais quenãodeixamdúvidasacerca do tema em debate.

O Ofício Fepam/GAB nº 8639/2011, trazido com os memoriais pelo Município de Caxias do Sul, demonstra que as alternativas locacionais fazempartedetodoosistemadebaciashidrográficasqueserãoutilizadasno seu devido tempo. Assim, autorizou a execução do projeto da bacia de Marrecas in verbis:

“Of. FEPAM/GAB Nº 8639/2011Ao cumprimentá-lo cordialmente, encaminhamos o presente expediente, referente ao

Ofício nº 0832/11 – GAB/SUPES/RS, com as devidas informações sobre o licenciamento do Sistema de Abastecimento de Água Arroio Marrecas em Caxias do Sul.

O Sistema de Abastecimento de Água Marrecas, composto de barragem de acumulação de água, bombeamento e adução de água bruta, Estação de Tratamento de Água e bombe-amento, adução e reservação de água tratada, é um empreendimento de responsabilidade do Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) de Caxias do Sul e teve sua Licença Prévia emitida pela Fepam no ano 2008. O documento foi emitido após avaliação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) elaborados pela Universidade de Caxias do Sul (UCS).

O EIA/Rima apresentou inicialmente quatro alternativas locacionais, que consistiam em dois pontos de localização do maciço de barramento, cada um com dois níveis diferentes de alagamento,todoslocalizadosnabaciahidrográficadoArroioMarrecas,nomunicípiodeCaxias do Sul. Frente a esses fatos, a equipe técnica da Fepam solicitou complementações do EIA/Rima, entre elas a apresentação de novo estudo de alternativas locacionais, abor-dandooutrasbaciashidrográficascompotencialdereservaçãodeáguaparaabastecimentodo município, e também outras tecnologias para o abastecimento, principalmente utilização de poços para captação de água subterrânea.

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As complementações foram apresentadas comprovando que não há capacidade de vazãodosaquíferos,sendonecessáriaacaptaçãodeáguasuperficial.Comoalternativasde localização, foramapresentadas5baciashidrográficas, apontandoabaciadoarroioMarrecas como a de maior viabilidade. Porém, ao revisar os dados apresentados, a equipe da FEPAM constatou que não foram explorados todos os argumentos acerca de outra bacia hidrográfica,gerandonovasolicitaçãodecomplementaçãoparaapuraramelhoralternativae, consequentemente, desenvolver o estudo sobre ela.

A nova documentação trouxe um fato novo ao processo, que é uma Lei Municipal da década de 1970 que estabelece um plano de expansão do sistema de abastecimento de água do município, especialmente quanto aos novos reservatórios (barragens) a serem cons-truídos. Entre eles encontra-se o empreendimento em questão, bem como as alternativas locacionais apresentadas anteriormente, demonstrado claramente que essas bacias não poderiam ser consideradas como alternativas, uma vez que todas serão implementadas. Assim, restou claro que as alternativas a serem avaliadas restringiam-se àquelas apresen-tadas inicialmente, todas localizadas dentro da bacia hidrográfica do arroio Marrecas. Também foram avaliadas alternativas locacionais das demais unidades componentes do Sistema Marrecas (Estação de Tratamento de Água, adutoras e reservatórios), sendo estas consideradas.

Em anexo, Parecer Técnico conclusivo sobre as alternativas locacionais, bem como, todos os documentos que basearam o entendimento técnico, conforme solicitado.

Sendo o que se apresenta, colho o ensejo para manifestar a Vossa Senhoria votos de elevada estima e distinta consideração.

Atenciosamente,Carlos Fernando NiedersbergDiretor-Presidente da Fepam.” (grifei)

Portanto, a Fepam concluiu que inexistem alternativas locacionais à Marrecas, já que as existentes todas serão implementadas a seu tempo.

O Ofício nº 1030/11 – GAB/Supes/RS – da Superintendência do Ibama, também trazido com os memoriais, dá conta que o órgão federal, antes de conceder sua anuência prévia: a) considerou a Licença Prévia nº 1789/2008 concedida pela Fepam e a Licença de Instalação nº 15/2009 concedida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – Semma; b) constituiu equipe técnica e realizou vistoria da área, tendo solicitado 3 pedidos de complementação de informações à Semma; c) concluiu pela viabilidade técnica da supressão vegetal informada pela Semma/Caxias do Sul. Veja-se seu teor:

“À SenhoraLuciana Guarnieri – Procuradora da RepúblicaMINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

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Rua Sinimbu, 691 – Bairro Nossa Senhora de Lourdes95020-000 – Caxias do Sul – RSAssunto: Resposta aos Ofícios 1220/2011-PRM/CS e 1765/2011-PRM/CS – ICP

1.2.002.000189/2011-16.Senhora Procuradora:Ao cumprimentá-la cordialmente, em atenção aos Ofícios em epígrafe, temos a infor-

mar, em relação ao empreendimento denominado ‘Sistema de Abastecimento de Água do Arroio Marrecas’, que:

– Trata-se de empreendimento com Licença Prévia nº 1789/2008, expedida pela Fun-dação Estadual do Meio Ambiente (Fepam), e Licença de Instalação nº 15/2009, expedida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) de Caxias do Sul;

– A atuação do Ibama/RS em relação a esse empreendimento ocorreu em atendimento ao disposto no Art. 19 do decreto Federal nº 6.660, de 21.11.08, que regulamentou a lei da mata atlântica, estabelecendo a exigência de anuência prévia deste instituto quando a supressão da vegetação primária ou secundária em estágio médio ou avançado de regeneração ultrapassar os limites a seguir estabelecidos: I – cinquenta hectares por empreendimento, isolada ou cumulativamente; ou II – três hectares por empreendimento, isolada ou cumulativamente, quando localizada em área urbana ou metropolitana;

– Para análise da anuência prévia pelo Ibama, é condição fundamental a existência deumaáreajádefinidanafasedelicenciamentoprévio(LP),pressupondo-separatalarealização de análise prévia de alternativas técnicas e locacionais apontadas no EIA/Rima e analisadas pelo órgão ambiental licenciador nos termos dos Arts. 2º e 3º da Resolução Conama 237/1997. No caso da fase LP do Sistema de Abastecimento de Água do Arroio Marrecas, cabia à Fepam a análise e a manifestação quanto a viabilidade locacional do empreendimento;

– Com vistas à análise do pedido de anuência da supressão vegetal decorrente desse empreendimento, o Ibama/RS constituiu equipe técnica e realizou vistoria da área, tendo solicitado três pedidos de complementação de informações à Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma/Caxias do Sul), concluiu pela viabilidade técnica da supressão vegetal informada pela SEMMA/Caxias do Sul;

– A anuência emitida pelo Ibama/RS em 05.07.2010 considerou a Licença Prévia nº 1789/2008 Fepam e a Licença de Instalação nº 15/2009 Semma e abrangeu um total de 81,70 ha, sendo 10,4 ha de vegetação secundária em estágio de regeneração;

– Dessa forma, o Ibama/RS entende que: 1) quando da emissão da anuência pelo Ibama/RS, o empreendimento em questão não apresentava quaisquer de suas licenças ambientais (LP ou LI) suspensas ou canceladas judicialmente, motivos que poderiam levar à não emissão de anuência pelo Ibama/RS; e 2) dessa maneira, não é da competência deste instituto avaliar questões atinentes a matérias técnicas e locacionais do empreendimento ‘Sistema de Abastecimento de Água do Arroio Marrecas’.

Sendo o que tínhamos para o momento, manifestamos nossos votos de consideração e apreço.

Atenciosamente,

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JOÃO PESSOA R. MOREIRA JÚNIORSuperintendente Substituto em ExercícioIbama/RS”

Porfim,comoéenfatizadopeloMunicípiodeCaxiasdoSulemseusmemoriais, os sistemas de produção hoje existentes estão trabalhando no seu limite e a situação poderá chegar ao racionamento, já que há um incremento na ordem de 4.200 novas ligações de água por ano.

Sabe-se que abastecimento de água de qualidade e na quantidade necessária é sinônimo de saúde pública. E não se trata apenas de uma barragem. Trata-se de um sistema de abastecimento completo e integrado. Os serviços de construção da barragem Marrecas estão 90% executa-dos. Já foram plantadas um total de 250 mil unidades vegetais para a compensação ambiental (xaxins, bromélias, cactus e outras espécies) e foram investidos R$ 200 milhões, em um total de R$ 240 milhões. Sem dúvida, paralisar uma obra nesta fase, para aprofundar estudos acerca de eventual melhor localização, após todas as análises feitas pelos órgãos responsáveis, é gerar prejuízos incalculáveis não só ao Município de Caxias do Sul, mas à população daquela localidade, especialmente por estar comprovado que inexistem outras alternativas locacionais, já que todas as possíveis integram as bacias de captação que serão, em breve e paulatinamente, utilizadas.

Ante o exposto, voto por não conhecer do apelo do Superintendente do Ibama, por dar provimento aos apelos do Ibama e do Município de Caxias do Sul para denegar a segurança e por negar provimento ao apelo do Ministério Público Federal.

É o voto.

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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002468-31.2005.404.7107/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro

Apelante: Ministério Público FederalApelada: I.H.R.

Advogado: Dr. Paulo Natalicio Weschenfelder

EMENTA

Penal e processual penal. Art. 40 da Lei nº 9.605/1998. Dolo. Dano ambiental. Reparação específica.

1. Não pode alegar falta de dolo agente que prossegue em construção em área de Unidade de Conservação após sofrer embargo administrativo do Ibama.

2. A realização de construções em Unidade de Conservação, com al-teração de ecossistema natural de grande relevância ecológica e cênica, gera danos a esta, enquadrando-se a conduta no tipo do art. 40 da Lei nº 9.605/1998.

3. Na condenação por crime ambiental, pode ser imposta pelo Juízo penalaobrigaçãodereparaçãoespecífica,eminterpretaçãoteleológicado art. 20 da Lei nº 9.605/1998.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação do Ministério Público Federal

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para condenar a acusada pelo crime do art. 40 da Lei nº 9.605/1995 e para, de ofício, declarar a extinção da punibilidade do crime do art. 330 do CP pela prescrição em abstrato, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendopartedopresentejulgado.

Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Juiz Federal Sergio Fernando Moro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro: O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra I.H.R., como incursa nas sanções do art. 40 da Lei nº 9.605/98, porque nos anos de 2003, 2004 e 2006 causou dano à área de um hectare de sua propriedade, na Estrada do Crespo, 4.400, Morro Agudo, Cambará do Sul/RS, situado no Parque Nacional Aparados da Serra, construindo cinco barracas de alvenaria e uma de madeira, destinadas a abrigar uma pousada.

Adenúnciafoirecebidaem22.02.2008(fl.07).Posteriormente, houve aditamento, com inclusão do crime do art. 330

do CP, já que a acusada teria desobedecido ao embargo administrativo do Ibama lavrado em 23.10.2004, persistindo na construção das barracas.

Oaditamentofoirecebidoem11.07.2008(fl.36).Proposta a suspensão condicional do processo, a acusada e seu de-

fensornãoaceitaramostermospropostos(fl.28).Instruído o processo, sobreveio sentença, a qual absolveu a ré das

imputaçõescontraelaformuladas,combasenoart.386,IIIdoCPP(fls.272-283).

Inconformado, o Ministério Público Federal recorre sustentando que está demonstrado nos autos que a denunciada estava ciente de que a área ondeedificadasascabanaslocalizava-senoslimitesdoPNAS,e,mesmociente das restrições decorrentes desse fato, levou adiante o seu projeto. Requeracondenaçãodaré(fls.287-293).

Comascontrarrazões(fls.297-302),vieramosautoscomparecerpeloprovimentodoapelo(fls.311-319v).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro: Narra a inicial

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acusatória(fls.2-3):“(...)A denunciada, nos anos de 2003, 2004 e 2006, causou dano direto a uma área de aproxi-

madamente 1 (um) hectare de sua propriedade, localizada na Estrada do Crespo, 4400, Morro Agudo, em Cambará do Sul (RS), situada no interior do Parque Nacional de Aparados da Serra, por meio da construção de cinco cabanas de alvenaria e uma de madeira, que seriam destinadas a abrigar uma pousada.

TalfatofoiinicialmenteconstatadoemfiscalizaçãorealizadapeloIbama,nadatade23deoutubrode2004,ocasiãoemquefoilavradooAutodeInfraçãonº164342,sérieD(fl.03 do Apenso I). Na oportunidade, também foi expedido o Termo de Embargo/Interdição nº089789,sérieC(fl.04doApensoI).

Na data de 18 de janeiro de 2006, foi realizada nova vistoria na área, na qual foi veri-ficadoqueadenunciadacontinuavarealizandoobrasnolocal,instalandoredehidráulicae estrutura de armazenamento de água, razão pela qual foi lavrado o Auto de Infração nº 148561,sérieD(fl.43).

ConformeoLaudodeexamedeMeioAmbientedasfls.93-103:‘Oprincipaldanoam-bientalconstatadorelaciona-seàconstruçãoemsolonãoedificáveldascabanasidentificadas,conforme anteriormente citado, no interior de unidade de conservação’.

Assim agindo, a denunciada I.H.R. praticou o delito previsto no art. 40 da Lei nº 9.605/98 (...).”

Giza o art. 40 da Lei nº 9.605/98:“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que

trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena – reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.”

Posteriormente,houveaditamentodadenúncia(fls.30-31),incluindotambém o crime do art. 330 do CP, uma vez que a acusada teria desobe-decido ao embargo administrativo.

São duas as questões centrais:– as cabanas construídas pela acusada estão ou não localizadas no

Parque Nacional de Aparados da Serra – PNAS; e– a acusada agiu ou não com dolo ao construir as barracas.A sentença, ao apreciar as provas trazidas aos autos, assim expôs a

questão(fls.272-283):“(...)A tese central da defesa é de que a área em que ocorreu a construção das cabanas, da

qual a acusada detém o usufruto vitalício, não pertence ao Parque Nacional dos Aparados da Serra – PNAS, sendo, pois, atípica a conduta denunciada.

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A defesa apoia sua tese no Decreto nº 70.296/72, bem como nas imprecisões acerca dos exatos limites do PNAS, o que a defesa atribui aos próprios órgãos ambientais.

Para uma melhor compreensão, far-se-á uma retrospectiva dos fatos, desde a criação do PNAS, com base em textos legais e na documentação trazida pela defesa.

O Decreto nº 47.446, de 17.12.1959, é o decreto de criação do Parque Nacional dos Aparados da Serra – PNAS. A área prevista para a instalação do parque foi de aproxima-damente 13.000 hectares, situados no estado gaúcho. (...)

Posteriormente, sobreveio o Decreto nº 70.296, de 15.03.1972, que alterou os limites do parque, reduzindo a sua área para aproximados 10.250 hectares e passando a englobar, também, área do estado catarinense. (...)

O art. 2º, com redação do Decreto nº 70.296/72, previu os limites do parque:‘Art. 2º O Parque Nacional de Aparados da Serra, com superfície estimada em 10.250

hectares (102 km²), compreende todas as áreas situadas dentro do seguinte perímetro: ‘Começa na interseção da margem direita do Rio Camisas com a Estrada Cambará-Praia Grande (Ponto 1); (...)’

Abre-se um parêntese para mencionar que, segundo a defesa, houve um erro na descrição doponto1,porqueoRioCamisaseaEstradaCambará-PraiaGrandeseriamlimitesgeográfi-cos paralelos, portanto, não se cruzariam em ponto algum. Tal questão será analisada adiante.

Prosseguindo,verifica-seque,em1984,foielaboradoumPlanodeManejo,peloentãoInstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, vinculado ao Ministério da Agricultura, ocasião em que foi proposta nova alteração dos limites do parque.

Àsfls.187-331doapensoIII,constacópiaintegraldoreferidoPlanodeManejo,oquetambém consta dentre a documentação trazida pela defesa (autuada em apartado).

Referiu, além disso, que a descrição do ponto 8 (daí segue pela margem direita do Rio Camisas passando pelo local chamado Morro Agudo) gerou dúvidas, pois o Rio Camisas não passa pelo Morro Agudo.

O Plano de Manejo de 1984 também faz menção a um relatório elaborado por Tito de Paula Couto, em 1975, onde foi analisada a problemática da delimitação do parque e apresentadas algumas considerações (...).

Com base em tais estudos, bem como em trabalhos de campo realizados pela equipe que elaborou o Plano de Manejo, foi apresentada a proposta de novos limites do parque, com a inclusão e exclusão de áreas.

Dentreasáreasaseremexcluídasconsta(fl.255doapensoIII):

‘(...)Área 2 – Localiza-se ao norte da estrada Azulega-Morro Agudo, entre essa estrada, o

rio Camisas e a estrada Cambará-Praia Grande, Figura 22.Justificativa – As dúvidas suscitadas pelas incorreções existentes na descrição dos limites

do Parque no Decreto nº 70.296, de 17.03.1972, acabaram fazendo com que essa área não fosse considerada como integrante do Parque Nacional, tendo o próprio IBDF expedido licenças para corte de pinheiros na área.’

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Posteriormente, em 1995, foi elaborado o Plano de Ação Emergencial do PNAS (cópia integralnasfls.03-186doapensoIIIenadocumentaçãoapresentadapeladefesa).

JánaparteintrodutóriadessePlanoconstou(fl.08doapensoIII):‘Existe uma discrepância quanto aos limites estabelecidos pelo Decreto nº 70.296/72 e

a área que efetivamente vem sendo considerada e controlada como pertencente ao Parque.Por uma incorreção, ao denominar os rios citados como referência no perímetro

apresentado no memorial descritivo, surgiram dúvidas e optou-se por adotar, na prática, a estrada Azulega-Morro Agudo como limite norte e, dessa forma, não cortar ao meio a vila deMorroAgudo.NoPlanodeManejoelaboradoem1982/83,foidefinidoqueempartedeveriam ser construídas as residências e os alojamentos funcionais. Porém, nada foi alte-rado em relação à situação anterior: até o momento, não foi necessário construir a ‘vila de funcionários’ (já existe até mesmo nova sugestão para que isso venha a ser integrante do Parque) e tampouco foi tomada alguma providência legal para adequar os limites à situação queseverificadefato.’

Também consta que as propriedades localizadas ao norte da estrada Azulega-Morro Agudosequerforamincluídasnocadastramentorealizadoparafinsderegularizaçãofun-diária(fl.61doapensoIII).

O Plano de Ação Emergencial, no item relativo à regularização fundiária, propôs ações paraestabelecerumapropostadefinitivaparaoslimitesdoparque,dentreoutrasquestões(fl.137doapensoIII):‘Elaborarminutadeleiebuscarapoioparaencaminhareaprovarno Congresso Nacional alteração dos limites PNAS, compatibilizando-os com o que se verificadefato.’

Essa era, em resumo, a situação fática sobre os limites do PNAS quando da aquisição da área onde seria instalada a pousada da ré, em 13.06.2003, consoante cópia da escritura públicadecompraevendajuntadanasfls.147-149doinquéritopolicial.

Em decorrência da ausência de qualquer controle pelos órgãos ambientais sobre a por-ção de terras ao norte da estrada Azulega-Morro Agudo, a população local também tinha convicção de que tal área não integrava o parque. Nesse sentido são as declarações das testemunhas de defesa, residentes na localidade de Morro Agudo, sendo algumas vizinhas deterradaréI.H.R.(fls.175-180).

Verifica-sequetaistestemunhas,unanimemente,declararamqueasterrasaonortedaestrada Azulega-Morro Agudo não pertencem ao parque, sendo esse o caso da propriedade da qual é usufrutuária. As testemunhas também mencionaram que a área ao sul da estrada está cercada, havendo placas indicativas de que se trata de área do PNAS. Foi mencionado, também, que o Rio Camisas não cruza com a estrada Cambará-Praia Grande em nenhum ponto. Destaca-se que as testemunhas ouvidas declararam residir no local desde que nasceram e, desde que se lembram, a área ao norte da estrada Azulega-Morro Agudo não pertence ao PNAS. As testemunhas referiram ainda que, tirante a situação da ré I.H.R., nenhum outro proprietárioalgumavezfoiautuadoporexercerqualqueratividadenolocal(fls.175-180).

Nasfls.171-176doinquérito,constamfotografiasdaestradaAzulega-MorroAgudo,bem como da cerca com as placas indicativas do PNAS, tal como referido pelas testemunhas.

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Nafotoinferiordafl.171,constaplacaindicativadaPousadadosPinheiros,perten-cente ao Sr. Aclenio e situada dentro da área maior de 1.090 hectares (ao norte da estrada), conforme legenda da defesa.

Aclenio José de Lima foi ouvido como testemunha na ação de manutenção de posse ajuizada pela ré I.H.R. contra o Ibama, que tramitou na Vara Federal de Caxias do Sul. Na cópiadodepoimento,juntadanasfls.198-202doinquérito,oSr.Acleniodeclarouqueévizinho de I.H.R., possuindo terras ao norte da estrada Azulega-Morro Agudo. Aclenio confirmouquepossuiumapousadanolocal,nãoconstituídaformalmente,sendoquenuncafoi autuado pelo Ibama em razão de tal empreendimento.

Já as testemunhas da denúncia nada referiram de interesse para o caso. Apenas referiram que participaram da primeira ou da segunda autuação e que a área onde foram construídas ascabanaspertenceaoPNAS,combasenotextodoDecretode72(fls.139-142).

Nasfls.145-146doinquérito,adefesajuntoumapadoexército,afimdecomprovarque o Rio Camisas e a estrada Azulega-Praia Grande não se interseccionam.

Os fatos, tais como expostos, levaram a ré I.H.R. a crer que a área de terras que seus filhosadquiriramnoanode2003,daqualaréobteveusufrutovitalício,eondepretendiainstalar sua pousada rural, efetivamente não pertencia ao PNAS. Pelo menos, isso não se verificavanaprática.

(...)As declarações da acusada revestem-se de verossimilhança, uma vez que estão de acor-

do com a prova testemunhal e documental produzida. A ausência de documento escrito, referente à consulta feita ao Ibama quando da aquisição da área, não retira a credibilidade da alegação. A acusada, na época, não poderia imaginar que uma declaração escrita poderia se tornar útil para sua defesa em processo criminal. Aliás, é evidente que a ré nunca ima-ginou que viria a responder a um processo criminal em decorrência dos fatos. Por certo, aacusadaconfiounainformaçãoverbalquelhefoiprestadapeloservidor(a)doIbama.Ademais, tudo indica que a resposta sobre a possibilidade de instalação da pousada rural na área tenha sido de fato positiva, já que na época a área não era vista como integrante do PNAS, conforme restou comprovado.

No ano de 2004, conforme já citado, foi editado novo Plano de Manejo do PNAS (in-teiroteornasmídiasfornecidaspeladefesa,acostadasnoenvelopedafl.351,emapenso).

(...)OresumoexecutivodoPlanodeManejode2004,constantenoCD03,classificoua

regiãodeMorroAgudocomoÁreaEstratégicaExterna–AEE,definindoasAEEEcomoáreas consideradas relevantes e, portanto, estratégicas para a interação da gestão dos Parques comseuentornoequemerecemfocoespecíficodemanejo,mesmo estando situadas fora dos limites das Unidades – grifei.

NotópicoespecíficosobreaAEEMorroAgudoconstou:‘É a região compreendida pela localidade de mesmo nome, limítrofe aos dois Parques

e cruzada pela rodovia RS-020, em posição estratégica em relação aos atrativos do PNAS, possuindo propriedades tipicamente rurais e uma pequena capela, sendo esta dentro dos

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limites do Parque. Assim, pretende-se inserir essas propriedades em uma economia de ser-viços e/ou produção ambiental amigáveis e economicamente viáveis, reduzindo a pressão e valorizando a paisagem natural e as espécies, além de implantar a capela em local adequado para substituir aquela a ser desativada no Centro comunitário Morro Agudo.’

O último Plano de Manejo, portanto, reconhece, ainda que implicitamente, que a região de Morro Agudo não integra a área do PNAS ou, no mínimo, não é tratada como tal.

Afora isso, tem-se que esse último Plano de Manejo é posterior à aquisição da área deterraspelosfilhosdaacusadaetambémaoiníciodaconstruçãodascabanasqueiriamcompor a Pousada Preserve.

Como se observa, a ré foi surpreendida com o Plano de Manejo de 2004, que propôs novas alterações nos limites do Parque, criando situação totalmente oposta àquela vigente à época da aquisição da propriedade.

Ademais, é cediço que o Plano de Manejo não tem o condão de alterar o teor do Decreto, estandoaindahojeemvigoraredaçãodoart.2ºdoDecretonº70.296/72,queespecificaos limites do PNAS, com as imprecisões já referidas.

Assim, tem-se que a acusada agiu de boa-fé, tomando as precauções necessárias e que estavam ao seu alcance na época da aquisição da propriedade, para garantir a futura ins-talação da sua pousada rural. Não poderia ela imaginar que, cerca de um ano depois, seria editado novo Plano de Manejo pelo Ibama, com a pretensão de retomar uma área sobre a qual nunca exerceu o efetivo controle, ainda que supostamente pertencente ao Parque.

Cumpre destacar que as áreas ao norte da estrada Azulega-Morro Agudo nunca foram reivindicadaspelaUniãoetampoucoarroladasparafinsderegularizaçãofundiáriaepa-gamento de indenização aos proprietários.

O antigo IBDF, sucedido pelo Ibama, durante mais de trinta anos tolerou a presença de moradias, de criações de gado e até mesmo de uma pousada informal na região questionada. Além disso, a presença de cerca isolando a área ao sul da estrada Azulega-Morro Agudo, bem como a existência de placas indicando que tal área é de preservação, gerou a convicção de que a porção ao norte da estrada estaria fora dos limites do parque.

Assim, embora comprovada a construção das cabanas e de outras benfeitorias no local, conformelaudospericiaisdasfls.36-39e93-103doinquérito,conclui-sequeaacusadaI.H.R. não agiu dolosamente, pois acreditava estar agindo de acordo com as disposições legais.

A ré I.H.R. sequer tinha a potencial consciência da ilicitude, uma vez que buscou infor-mações junto aos órgãos públicos (Ibama, Fepam, Prefeitura) para assegurar-se de que estava agindodeformalícita.Assim,sequerépossívelclassificarcomoculposacondutadaré.

(...)”

E em conclusão:“Emconclusão,tem-sequeadefesacomprovoudeformasuficiente,mediantefarta

prova testemunhal e documental, que a acusada não agiu de forma dolosa.Ao contrário, a acusação não logrou demonstrar que I.H.R. tivesse a intenção de causar

danos em unidade de conservação, no caso o PNAS, tampouco de que tinha ciência de que

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a propriedade poderia integrar o PNAS, informação que, devido à confusão acerca dos exatoslimitesdoparque,sequerrestouconfirmada.

Ante o exposto, impõe-se a absolvição de I.H.R., com base no art. 386, III, do CPP.”

Em síntese, o ilustre magistrado a quo entendeu que não restou comprovado que as cabanas teriam sido construídas na área do PNAS e que, ainda que assim não fosse, teria agido a acusada sem dolo, com base em erro de tipo.

O Ministério Público Federal recorre, sustentando que está demons-trado nos autos que a denunciada estava ciente de que a área onde foram edificadas as cabanas localizava-se nos limites doPNAS, e,mesmociente das restrições decorrentes desse fato, levou adiante o seu projeto. Não haveria ainda que se falar em boa-fé quando a acusada continuou a construção após o embargo administrativo.

Assiste razão ao MPF.Apesar do relato realizado pelo magistrado quanto aos limites do

PNAS, a acusada teve contra si lavrados em duas ocasiões autos de infraçãoporconstruirnaáreapertinenteaoPNAS(fls.03-08doapensoIaoinquéritoefls.43-48doinquérito).Outrossim,foirealizadolaudopericialpelaPolíciaFederalafirmandocategoricamentequeascabanasencontram-sedentrodoPNAS(fls.93-103doinquérito).Transcreve-seo trecho conclusivo do laudo:

“A área visitada pelos peritos não constitui, stricto sensu, área de preservação perma-nente,conformedefinidopelalegislaçãovigente.Entretanto,ossignatáriosconcluemquea área onde foram instaladas as cabanas, bem como as demais benfeitorias descritas neste laudo,localiza-seinteiramentenointeriordaUnidadedeConservaçãoFederal,especifica-mente o Parque Nacional dos Aparados da Serra, cf. limites preconizados pelo Decreto nº 70.296, de 17 de março de 1972, que alterou os limites do Parque Nacional dos Aparados da Serra, criado pelo Decreto 47.446, de 17 de dezembro de 1959. A seguir são plotadas as coordenadasdealgumasdasbenfeitoriasvisualizadasesualocalizaçãonacartageográfica.”(fl.101doinquérito)

O laudo está ilustrado com mapas, fotos, tendo os peritos se deslocado até o local, motivo pelo qual a inspeção judicial reclamada pela acusada na primeira instância não era necessária.

Tratando-se de questão eminentemente técnica, deve ser prestigia-da a conclusão dos peritos a respeito dos fatos e que, aliás, estão em consonância com a posição do órgão ambiental, também de postura

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eminentemente técnica.Registre-se ainda que, apesar das ponderações do magistrado sen-

tenciante,nãochegoueleaafirmarqueascabanasestariamforadoslimites do PNAS.

Não obstante, diante da controvérsia, que é ilustrada pela sentença absolutória,cumprereconhecerquenãoépossívelafirmarqueaacusadaagiu com dolo, pelo menos até o tempo da lavratura do primeiro auto de infração pelo Ibama, em 23.10.2004.

Acreditava ela que a construção efetuada não estava na área do PNAS, o que é razoável diante da controvérsia sobre essa questão. Evidente-mente, caso houvesse uma controvérsia vazia, apenas para sustentar uma defesa quanto à ausência de dolo, não seria o caso de reconhecê-la.

Não há igualmente que se falar que agiu com culpa. Pessoas razo-áveis podem, aparentemente, divergir sobre os limites do PNAS, não sendopossívelafirmarqueelateriaagidocomnegligência,imperíciaou imprudência.

Entretanto, o quadro fático foi alterado a partir da primeira autuação peloIbama,istoem23.10.2004(fls.3-8doapensoIaoinquérito).

Na ocasião, foi lavrado inclusive termo de embargo das obras, sendo advertida a acusada de que construía, sem autorização, em área do PNAS.

Apesar disso, continuou construindo, o que foi constatado pelo se-gundoautodeinfração,lavradoem26.01.2006(fls.43-48doinquérito).Nele foi consignado que, apesar do embargo, a acusada teria instalado “rede hidráulica e estrutura de armazenamento de água” e descumprido o embargo administrativo anterior. Tais instalações visavam atender às cabanasanteriormenteconstruídasepodemservisualizadasnafl.39doinquérito. É ali apontado que seriam construções recentes, o que também podeserinferíveldiretamentepelasfotosnafl.39doinquérito.

Comoescusa,aacusadadeclarouaosfiscaisqueteriaprosseguidonaconstruçãoporforçadeaçãojudicial(fl.46doinquérito),apresentandoextratodeaçãodenº2005.71.07.005063-8(fl.51doinquérito).

Entretanto,comoseverificanoapensoIIdoinquérito,talaçãofoiproposta em 21.10.2005, mas não havia, até a data do auto de infração, qualquer decisão judicial autorizando a construção no local. Supervenien-temente,em27.01.2006,aliminarfoidenegada(fls.148-150doapensoIIdo inquérito). Nunca teve, portanto, a acusada abrigo em decisão judicial.

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É de se questionar se aqui a acusada agiu com dolo ou com culpa.Pensoquenocasoaintençãodaacusadamelhorseenquadranafigura

do dolo eventual do art. 18, I, última parte, do CP, tendo a acusada, ao desobedecer ao embargo administrativo sem amparo legal ou judicial, assumido o risco de construir na área da PNAS.

Oagirdolosoéaindailustradopelainvocaçãodeescusaaosfiscaisque a acusada sabia ser falsa, pois sua conduta não estava abrigada por ordem judicial.

Assim, pelas construções realizadas antes de 23.10.2004, cumpre confirmarasentençaabsolutória,poisnãoháprovadequeacusadaagiucom dolo ou culpa, atuando com crença razoável de que as cabanas não estavam na área da PNAS.

Pelas construções realizadas a partir de 23.10.2004 e até 21.01.2006, agiuaacusadacomdolo,assumindoo riscodeedificaremáreanãopermitida, já que desobedeceu ao embargo administrativo sem qualquer amparo.

O delito cuja prática o Ministério Público Federal atribui, na inicial da presente ação penal, a I.H.R. consiste em causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 06.06.1990, independentemente de sua localização. O crime em questão está previsto no referido art. 40 da Lei nº 9.605/98.

Cumpreobservarque,nocaso,nãoforamidentificadosdanossigni-ficativosàfloraefaunadaUnidadedeConservação,cf.explicitadonolaudo pericial:

“Oprincipaldanoambientalconstatadorelaciona-seàconstruçãoemsolonãoedifi-cáveldascabanasidentificadas,cf.anteriormentecitado,nointeriordeunidadefederaldeconservação.Nãofoipossívelevidenciardanosdiretossignificativosàfaunaefloralocal.”(fl.101doinquérito)

Não obstante, a propósito da infração penal ambiental em apreço, João Marcos Adede y Castro vaticina que dano nada mais é que a modi-ficaçãoqueprejudicaasituaçãopostanomeioambiente,diminuindoaqualidade de vida do homem, dos animais e das plantas. Ou seja, pode-se utilizar aqui o conceito de degradação da qualidade ambiental que nos traz o inciso II do artigo 3º da Lei Federal 6.938/81, que é o de “altera-ção adversa das características do meio ambiente”. Mais, dano também pode ser entendido com base no conceito de poluição do inciso III do já

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referido artigo, ou seja, “a degradação da qualidade ambiental resultan-te de atividades que, direta ou indiretamente, (...) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente (...)”. Dano é, assim, prejuízo aoambiente,modificaçãoadversa,contráriaàordemnaturalmentees-tabelecida (in Crimes ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. p. 170).

Desse modo, basta, para a caracterização do delito, que seja diminu-ída a qualidade ou as características que originalmente determinaram a criação da unidade de conservação (COSTA NETO, Nicolau Dino de Castro et al. Crime e infrações administrativas ambientais: comentário à Lei nº 9.605/98. Brasília: Brasília Jurídica, 2001).

Pois bem. Dúvida não há de que o Parque Nacional dos Aparados da Serra, criado pelo Decreto nº 47.446/59 e alterado pelo Decreto nº 70.296/72, consiste em uma unidade de conservação, ou seja, em um espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas juris-dicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído peloPoderPúblico,comobjetivosdeconservaçãoecomlimitesdefini-dos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (arts. 2º, I, da Lei nº 9.985/00). Não se pode olvidar, ainda, nos termos do art. 11, § 4º, da Lei nº 9.985/00, que o Par-que Nacional tem como objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando arealizaçãodepesquisascientíficaseodesenvolvimentodeatividadesde educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico. É região, inclusive, nos termos do § 1º do artigo 40 da Lei nº 9.605/98, tida como de proteção integral, de forma a impor-se a manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso indireto dos seus atributos naturais.

Nesse contexto jurídico, ocorreu não apenas um dano indireto, mas, também, manifestamente direto à área objeto de especial proteção, es-pecificamentenoquetangeàpreservaçãodabelezacênicalocal.Ora,não fossem as próprias construções erguidas pela denunciada um dano suficiente(eincontestável!)aosatributosestéticosdaunidadedecon-servaçãoemcomento,suficienteparacaracterizaroprejuízoambientalreclamadopeloreferidotipopenal,éevidentequeaedificaçãosefez

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sobreafloraexistentenaárea,suprimindo-a,aindaqueestanãofossesignificante (apropósito,nãoédemais salientarquea jurisprudênciadominante não admite, em se tratando de crimes ambientais, a incidência da tese da bagatela).

Portanto, embora os danos não tenham grande dimensão, são eles incontestáveis, decorrentes das construções erguidas pela acusada na Unidade de Conservação Ambiental.

Dessarte, de rigor a condenação da acusada como incursa nas penas do artigo 40 da Lei Ambiental, sendo este especial em relação ao crime do art. 64 da Lei nº 9.605/1995, já que atingida Unidade de Conservação.

Passo à dosimetria.As circunstâncias judiciais são favoráveis à acusada. Não tem antece-

dentes e é primária. Não agiu com dolo direto, mas eventual. As circuns-tâncias e consequências do crime são normais à espécie. As construções não geraram danos de grande dimensão. As demais circunstâncias são neutras.Assim,fixoapenanomínimolegal,emumanodereclusão.

Elevo a pena em seis meses em decorrência das duas agravantes do art. 15, II, a (já que o seu propósito era o de construir uma pousada) e b, da Lei nº 9.605/1998.

Não estão presentes causas de aumento ou de diminuição.Resta,portanto,definitivaapenade1(um)anoe6(seis)mesesde

reclusão, a serem cumpridos em regime aberto, nos moldes do artigo 33, § 2º, c, do Código Penal.

Não é cominada pena de multa para o crime em questão.Substituo a pena privativa de liberdade, por estarem atendidos os

requisitos, por duas restritivas de direitos (CP, art. 44, § 2º, in fine): uma delas, pena restritiva de direito consistente em prestação de serviços comunitários ao PNAS ou a entidades encarregadas da conservação ambiental, sete horas por semana, durante o período da pena substituída (arts. 7º e 10 da Lei nº 9.605/1998); outra prestação pecuniária consistente no pagamento de 3 (três) salários mínimos, no valor vigente no momento dopagamento,destinadosaentidadepúblicaouprivadacomfimsocialdesignada pelo juízo da execução.

A pena de prestação de serviço é a que melhor se presta à ressociali-zação do condenado e a prestação pecuniária visa compensar a sociedade pela prática do crime.

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Prevê o art. 20 da Lei nº 9.605/1998 que, na sentença penal condenató-ria,deveráojuizfixarovalormínimoparareparaçãodosdanoscausadospela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido ou pelo meio ambiente. Entretanto, no caso, o que é necessário não é a reparação empecúnia,massimareparaçãoespecífica,aretiradadasconstruçõesda área da Unidade de Conservação. Interpretando teleologicamente o dispositivo legal, tem ele o propósito de possibilitar que, no processo penal, seja igualmente reparado ou facilitada a reparação do dano de-corrente do crime ambiental. Nessa perspectiva, pode-se, na sentença penal condenatória por crime ambiental, ao invés de impor a obrigação dereparaçãoempecúnia,fixar-se,oqueémaisapropriado,aobrigaçãoespecífica,quepoderáserexecutadanocível.Nãosepodedizerquetalmedida implica imposição de medida mais gravosa ao condenado do que areparaçãoempecúniaprevistaliteralmentenalei.Afinal,aimposiçãodareparaçãoespecíficaouadareparaçãoempecúniasãoequivalentes,trazendo os mesmos ônus. Portanto, na condenação por crime ambiental, podeserimpostapeloJuízopenalaobrigaçãodereparaçãoespecífica,em interpretação teleológica do art. 20 da Lei nº 9.605/1998. Assim sen-do, para reparação dos danos decorrentes do crime ambiental, imponho àacusadaaobrigaçãoespecíficadedemoliçãoeretiradadascabanasconstruídas na área do Parque Nacional de Aparados da Serra – PNAS, com os respectivos acessórios, cf. descrição neste processo. A medida poderá ser executada no cível, servindo o acórdão como título executivo.

Observo ainda que a sentença não julgou o crime de desobediência imputado à acusada no aditamento. Em rigor, deveria ser anulada parcial-mente por conta da omissão. Entretanto, considerando a pena máxima em abstrato para tal crime, de seis meses de detenção, é forçoso reconhecer igualmente a prescrição da pretensão punitiva entre a data do fato, que teve seu termo em 21.01.2006, até o recebimento do aditamento da de-núncia, em 11.07.2008.

Registro que não se aplicam ao presente processo as inovações em matéria de prescrição decorrentes da Lei nº 12.234/2010, uma vez que posterior aos crimes.

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do Ministério Público Federal para condenar a acusada pelo crime do art. 40 da Lei nº 9.605/1995 e para, de ofício, declarar a extinção da punibilidade do

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crime do art. 330 do CP pela prescrição em abstrato, nos termos da fundamentação.

RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO Nº 0002718-18.2010.404.7001/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus

Recorrente: Ministério Público FederalRecorrido: J.R.P.

Advogado: Defensoria Pública da União

EMENTA

Penal. Processual penal. Crimes contra a ordem tributária. Artigos 1º, I, e 2º, II, da Lei 8.137/90. Representação fiscal para fins penais. Peça de informação autuada como procedimento administrativo no âmbito do Ministério Público Federal. Inclusão do débito objeto da notícia de crime em parcelamento. Pretensão ministerial à suspensão da pretensão punitiva e da prescrição. Princípio da insignificância. Atipicidade. Ha-beas corpus. Concessão. Recurso em sentido estrito. Artigo 20, § 4º, da Lei 10.522/02, com a redação dada pela Lei 11.033/04. Não provimento.

1. A atuação do magistrado na investigação criminal pauta-se por constituir-se em um órgão garante da legalidade pública e dos direitos dos investigados, pois de nenhum efeito terá a entrega de futura prestação jurisdicional, com dispêndio de tempo, recursos e desgaste do prestígio da JustiçaPública,bemassimdosdemaissujeitosdoprocesso,severificadaa instauração ou o desenvolvimento de atos de persecução criminal com relação aos quais desponte manifesta falta de justa causa ou nulidade. Faltariam,nessashipóteses,ointeresseteleológicodeagir,ajustificaracessação dessas atividades, em obséquio aos princípios da dignidade da

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pessoa, da legalidade e da efetividade da tutela penal.2. Nessa perspectiva, e na linha da orientação jurisprudencial, aplica-se

oprincípiodainsignificânciajurídica,comoexcludentedetipicidade,aoscrimes em que há elisão tributária não excedente ao teto previsto no artigo 20, caput, da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004, correspondente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar considerado irrelevante pela Administração Pública para efeito de processamento deexecuçõesfiscaisdedébitosinscritoscomoDívidaAtivadaUnião.

3. A reiteração criminosa não rende ensejo ao afastamento da tese despenalizante, visto que a incidência da mesma não pressupõe cir-cunstâncias subjetivas, ou seja, é aferida apenas em função de aspectos objetivos, referentes ao delito perpetrado.

4. Afeiçoando-se a hipótese dos autos a esses parâmetros, uma vez que o débito que desencadeou o procedimento administrativo instaura-do em sede ministerial, e objeto do requerimento do parquet ao juízo, é inferior ao limite mínimo de relevância administrativa, o qual elide a lesividade da conduta em relação ao bem jurídico tutelado, está-se diante de conduta atípica.

5. Finalmente, e como é curial, tem-se que a circunstância de a pessoa jurídica relacionada ao suposto autor do noticiado delito ostentar débitos inclusos em parcelamento, que, no seu conjunto, superam o patamar da bagatela, embora constitua, de um lado, aspecto a ser considerado do ponto de vista cível, em face da equação custo-benefício que informa o juízo de conveniência acerca da continuidade da ação executiva (artigo 20, § 4º, da Lei 10.522/02, com a redação dada pela Lei 11.033/04), de outro, não apresenta semelhante repercussão no que tange à conformação da tipicidade penal, cujo controle jurisdicional (artigos 395, III, 397, IV, e 647, VII, do CPP), no que interessa ao presente julgamento, segue jungido à ideia de punibilidade, portanto aferível isoladamente (artigo 119 do CP).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso e conceder habeas cor-pus, de ofício, determinando o trancamento do PAD MPF/PRM/LDA

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nº 1.25.005.001255/2010-03, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Trata-se de recurso criminal em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que desacolheu a promoção ministerial em que postulada a declaração da suspensão da pretensão punitiva e do prazo prescricional, reconhecendo, desde logo, a incidência do princípio da insignificância.

Sustenta o órgão acusatório, em síntese, que a tese despenalizante é inaplicável ao caso dos autos ante a existência de outros débitos da mesma pessoa jurídica que, se somados, superam o parâmetro judicial de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Para além disso, aponta, ainda, que a insignificâncianãopodeincidirquandopresenteahabitualidadecrimi-nosa. Pede seja provido o recurso para tornar-se sem efeito a decisão que concedeu o habeas corpusdeofício,afimdequenovadecisãosejaprolatada pelo juízo singular apreciando o seu requerimento.

Comcontrarrazões(fls.72-80).O órgão ministerial, nesta instância, opinou pelo provimento do re-

curso(fls.86-90).É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: O julgamento do presente recurso foi pautado para a sessão de 03.08.2011; no entanto, indiquei, naquela oportunidade, adiamento. Portanto, trago o feito em mesa nesta assentada.

A Delegacia da Receita Federal do Brasil em Londrina/PR, em face da conclusão do PAF nº 11634.000460/2010-88, encaminhou ao Ministério Público Federal a Representação Fiscal para Fins Penais nº 11634.000461/2010-22(fls.01-35),comqualificaçãodoresponsávelpelapessoa jurídica, que descreve a suposta prática, pelo Instituto Primaense de Saúde Nossa Senhora Aparecida, do seguinte fato ilícito, in verbis:

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“Aaçãofiscalteveporobjetooano-calendáriode2007relativamenteaoImpostodeRenda Retido na Fonte – IRRF incidente sobre os rendimentos do trabalho assalariado, tendo sua gênese no Procedimento Fiscal – Revisão Interna nº 09.1.02.00-2010-00460-3, oportunidade em que foram colhidos elementos que apontaram para o fato que a empresa fiscalizadaefetuou descontos de Imposto de Renda Retido na Fonte incidentes sobre ren-dimento do trabalho sem vínculo empregatício, porém, não efetuou recolhimento total dos valores retidos, como demonstraremos a seguir.

A empresa informou por meio da Declaração do Imposto de Renda Retido na Fonte – DIRF 2008, entregue à Receita Federal em 16.04.2008, nº de controle 42.48.22.59.25-84, que no ano-calendário 2007 foram retidos dos ‘rendimentos do trabalho assalariado’, código de receita 0561, valores de Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF no total de R$ 2.003,29 (dois mil, três reais e vinte e nove centavos) no ano-base 2007, porém não efetuou o recolhimento integral do Imposto de Renda Retido na Fonte.

Consultando o sistema de pagamentos SINAL, no período de 01.01.2007 a 10.04.2010, constata-se que o sujeito passivo não efetuou recolhimentos de IRRF referentes ao ano--calendário 2007, código de receita 0561, no valor de R$ 1.101,48 (um mil, cento e um reais e quarenta e oito centavos).

O sujeito passivo também não declarou o valor de R$ 2.003,29 de IRRF em Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF no ano 2007.

Tendo em vista a incidência da empresa em malha DIRF x DARF em razão da falta de recolhimento do imposto, em 11.03.2010 o sujeito passivo foi intimado a apresentar os documentos que deram origem ao IRRF referente ao ano-calendário 2007. Em 17.03.2010 a intimação retornou sem recebimento, constando no Aviso de Recebimento – AR, o indi-cativo de ‘RECUSADO’.”

Na sequência , ins taurado o PAD MPF/PRM/LDA nº 1.25.005.001255/2010-03, o parquet solicitou informação acerca do valor consolidadodos débitosfiscais inscritos emnomedo Instituto Primaense de Saúde Nossa Senhora Aparecida(fl.39).

Em resposta ao ofício do órgão ministerial, a Procuradoria Seccio-nal da Fazenda Nacional em Londrina/PR noticiou que o montante de R$ 2.494,54 (dois mil, quatrocentos e noventa e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), referente ao processo administrativo nº 11634.000460/2010-88, fora objeto de pedido de parcelamento simpli-ficadoem12.08.2010(fl.40).

Com base nessas informações, o Ministério Público Federal requereu ao Juízo de origem, com base no que estabelecem os artigos 9º da Lei 10.684/03 e 68 da Lei 11.941/09 e precedente jurisprudencial (TRF 4ª Região, ACR 2004.71.10.003240-9, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 17.05.2006), (a) sejam declaradas suspensas

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a pretensão punitiva do Estado e a respectiva prescrição, enquanto a empresa Instituto Primaense de Saúde Nossa Senhora Aparecida perma-necer inclusa no programa de parcelamento; e (b) seja expedido ofício à Procuradoria da Fazenda Nacional em Londrina/PR, solicitando que informe tão logo haja consolidação dos débitos tributários ou eventual exclusão do contribuinte do referido parcelamento, ou ainda liquidação por pagamento do débito objeto do Procedimento Administrativo Fiscal nº11634.000460/2010-88(fls.49-50).

O Magistrado Singular, todavia, considerando que o crédito tribu-tário a que se reportava a promoção ministerial encontrava-se aquém de R$ 10.000,00, reconheceu a incidência, na hipótese, do princípio da insignificânciaeconcedeuhabeas corpus, de ofício, para determinar o trancamentodoprocedimentoinvestigatório(fls.51-51-verso).

De se destacar, de início, que a atuação do magistrado na investigação criminal pauta-se por constituir-se em um órgão garante da legalidade pública e dos direitos dos investigados, pois de nenhum efeito terá a entrega de futura prestação jurisdicional, com dispêndio de tempo, re-cursos e desgaste do prestígio da Justiça Pública, bem assim dos demais sujeitosdoprocesso,severificadaainstauraçãoouodesenvolvimentode atos de persecução criminal com relação aos quais desponte manifesta falta de justa causa ou nulidade. Faltariam, nessas hipóteses, o interesse teleológicodeagir,ajustificaracessaçãodessasatividades,emobséquioaos princípios da dignidade da pessoa, da legalidade e da efetividade da tutela penal.

Ainda em preliminar, tenho que, restando incontroverso que ao pro-curador da República, enquanto autoridade que, na origem, encampou os termos da notícia de crime, é assegurada, constitucionalmente, a prerrogativa de foro perante este Tribunal, caberia ao juízo a quo, consi-derando o polo passivo em relação ao salvo-conduto por ele concedido, tão somente ter desacolhido a pretensão ministerial, haja vista tratar-se a tipicidade de matéria de ordem pública; logo, cognoscível espontane-amente, a qualquer tempo e grau de jurisdição, de modo que eventual irresignação do interessado seria trazida a esta Corte.

Assim,comoaofimeaocabofoioquesesucedeu,emobséquioaoprincípio da instrumentalidade do processo, e por tudo o que se disse até então, é dizer, prestigiando-se mais a teleologia do provimento objurgado

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e menos sua literalidade, é nesse sentido que compreendo o espírito da decisão em reexame e supero seu vício formal.

Prossigo.Aaplicaçãodatesedespenalizantetemlugarquandosepuderverificar,

em relação à conduta perpetrada pelo agente, uma ofensividade mínima, podendoestaassimserconsideradaseaação,apesardeencontrartipifi-cação no ordenamento pátrio, não representar periculosidade social, bem como contar com grau de reprovabilidade irrisório, mercê de o ataque ou a omissão levada a efeito pelo suposto agente não implicar lesão expres-siva ao bem jurídico penalmente tutelado, permitindo o reconhecimento do chamado crime de bagatela que se caracteriza por não deter caráter criminal relevante.

Nos crimes em que há elisão tributária, tais como os inscritos na Lei 8.137/90 e nos artigos 168-A, 334 e 337-A do Estatuto Repressivo, incide oprincípiodainsignificância,comoexcludentedetipicidade,quandoasupressão das exações consistentes no valor consolidado – principal mais acessórios – não exceder o montante previsto no artigo 20, caput, da Lei 10.522/2002, com a redação dada pela Lei 11.033/2004, hoje correspon-dente a R$ 10.000,00 (dez mil reais), patamar esse considerado irrisório pela Administração Pública para efeito de processamento de execuções fiscaisdedébitosinscritoscomoDívidaAtivadaUnião.

A partir da adoção desse balizador, tendo em conta que o Direito Penal deve reger-se pelos princípios da subsidiariedade, da intervenção mínima e da fragmentariedade, posicionando-se como ultima ratio, não seria razoável, de um lado, a punição criminal de determinada conduta e, de outro, sua desconsideração em sede administrativa sob o pálio da sua irrelevância, em função da ausência de grave violação ao bem juri-dicamente tutelado.

Essa é a orientação da Corte Suprema:“HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. MONTANTE DOS IMPOSTOS NÃO PAGOS.

DISPENSA LEGAL DE COBRANÇA EM AUTOS DE EXECUÇÃO FISCAL. LEI N° 10.522/02, ART. 20. IRRELEVÂNCIA ADMINISTRATIVA DA CONDUTA. INOBSER-VÂNCIA AOS PRINCÍPIOS QUE REGEM O DIREITO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. ORDEM CONCEDIDA. 1. De acordo com o artigo 20 da Lei n° 10.522/02, na redaçãodadapelaLein°11.033/04,osautosdasexecuçõesfiscaisdedébitosinferioresa dez mil reais serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do

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Procurador da Fazenda Nacional, em ato administrativo vinculado, regido pelo princípio da legalidade. 2. O montante de impostos supostamente devido pelo paciente é inferior ao mínimolegalmenteestabelecidoparaaexecuçãofiscal,nãoconstandodadenúnciaarefe-rência a outros débitos em seu desfavor, em possível continuidade delitiva. 3. Ausência, na hipótese, de justa causa para a ação penal, pois uma conduta administrativamente irrelevante não pode ter relevância criminal. Princípios da subsidiariedade, da fragmentariedade, da necessidade e da intervenção mínima que regem o Direito Penal. Inexistência de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado. 4. O afastamento, pelo órgão fracionário do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da incidência de norma prevista em lei federal aplicável à hipótese concreta, com base no art. 37 da Constituição da República, viola a cláusula de reserva de plenário. Súmula Vinculante n° 10 do Supremo Tribunal Federal. 5. Ordem concedida, para determinar o trancamento da ação penal.” (HC 92.438, 2ª Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, D.E. 19.12.2008)

“HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PACIENTE PROCESSADO PELA INFRAÇÃO DO ART. 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL (DESCAMINHO). ALEGAÇÃO DA IN-CIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. EXISTÊNCIA DE PRECEDENTE DESTE SUPREMO TRIBUNAL FAVORÁVEL À TESE DA IMPETRAÇÃO. HABEAS CORPUS CONCEDIDO PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1. O descaminho praticado pelo Paciente não resultou em dano ou perigo concreto rele-vante, de modo a lesionar ou colocar em perigo o bem jurídico reclamado pelo princípio da ofensividade. Tal fato não tem importância relevante na seara penal, pois, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal, incide, na espécie, o princípio da insignificância, que reduzo âmbitodeproibição aparenteda tipicidade legal e, porconsequência, torna atípico o fato denunciado. 2. A análise quanto à incidência, ou não, do princípiodainsignificâncianaespéciedeveconsiderarovalorobjetivamentefixadopelaAdministração Pública para o arquivamento, sem baixa na distribuição, dos autos das ações fiscaisdedébitosinscritoscomoDívidaAtivadaUnião(art.20daLeinº10.522/02),quehoje equivale à quantia de R$ 10.000,00, e não o valor relativo ao cancelamento do crédito fiscal(art.18daLei10.522/02).EquivalenteaR$100,00.3.Émanifestaaausênciadejustacausa para a propositura da ação penal contra o ora Paciente. Não há que se subestimar a natureza subsidiária, fragmentária do Direito Penal, que só deve ser acionado quando os outrosramosdodireitonãosejamsuficientesparaaproteçãodosbensjurídicosenvolvidos.4. Ordem concedida.” (RE 96309-9, 1ª Turma, Rel. Ministra Cármen Lúcia, D.E. 24.04.2009)

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, que reúne as Tur-mas com jurisdição criminal, também não discrepa desse entendimento:

“RECURSO ESPECIAL REPETITIVO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 105, III, A E C, DA CF/88. PENAL. ART. 334, § 1º, ALÍNEAS C E D, DO CÓDIGO PENAL. DESCAMINHO. TIPICIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA.I–SegundojurisprudênciafirmadanoâmbitodoPretórioExcelso–1ªe2ªTurmas

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–,incideoprincípiodainsignificânciaaosdébitostributáriosquenãoultrapassemolimitede R$ 10.000,00 (dez mil reais), a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 10.522/02. II – Muito embora esta não seja a orientação majoritária desta Corte (vide EREsp 966077/GO, 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 20.08.2009), mas em prol da otimização do sistema, e buscando evitar uma sucessiva interposição de recursos ao c. Supremo Tribunal Federal, em sintonia com os objetivos da Lei nº 11.672/08, é de ser seguido, na matéria, o escólio jurisprudencial da Suprema Corte. Recurso especial desprovido.” (REsp 1112748, Rel. Ministro Félix Fischer, DJe 13.10.2009)

A hipótese dos autos em tudo afeiçoa-se aos precedentes colacionados. Como se depreende do ofício lavrado pela Procuradoria Seccional da FazendaNacionalemLondrina/PR(fl.40),ovalordocréditotributárioapurado, objeto do processo administrativo que desencadeou a notitia criminis endereçada à instituição ministerial e nela registrada e autuada comoProcedimentoAdministrativo(fl.49),aponta,demaneiraexpressa,o montante de R$ 2.494,54 (dois mil, quatrocentos e noventa e quatro reais e cinquenta e quatro centavos), estando abaixo, portanto, do referido parâmetro legal adotado pela jurisprudência.

No tocante à aventada reiteração das condutas, convém frisar que essa não rende ensejo ao afastamento da tese despenalizante, visto que a incidência da mesma não pressupõe circunstâncias subjetivas, ou seja, é aferida apenas em função de aspectos objetivos, referentes ao delito perpetrado.

É nesse sentido o entendimento da Suprema Corte brasileira:“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PENAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONA-

MENTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA RECONHECIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM E NÃO APLICADO PELA CONTUMÁCIA DO RÉU. ARTIGO 334, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. PRECEDENTES. 1. Não se admite Recurso Extraordinário em que a questão constitucional cuja ofensa se alega não tenha sido debatida no acórdão recorrido nem tenha sido objeto de Embargos de Declaração no momento oportuno. 2. Recorrente condenado pela infração do artigo 334, caput,doCódigoPenal(descaminho).PrincípiodainsignificânciareconhecidopeloTribunalde origem, em razão da pouca expressão econômica do valor dos tributos iludidos, mas não aplicado ao caso em exame porque o réu, ora apelante, possuía registro de antecedentes criminais. 3. Habeas corpus de ofício. Para a incidência do princípio da insignificância só devem ser considerados aspectos objetivos da infração praticada. Reconhecer a existência debagatelanofatopraticadosignificadizerqueofatonãotemrelevânciaparaoDireitoPenal. Circunstâncias de ordem subjetiva, como a existência de registro de antecedentes criminais, não podem obstar ao julgador a aplicação do instituto. 4. Concessão de habeas

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corpus, de ofício, para reconhecer a atipicidade do fato narrado na denúncia, cassar o de-creto condenatório expedido pelo Tribunal Regional Federal e determinar o trancamento da ação penal existente contra o recorrente.” (RE 514531, 2ª Turma, Rel. Ministro Joaquim Barbosa, D.E. 06.03.2009 – destaquei)

“HABEAS CORPUS. PENAL. CRIME DE DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNI-FICÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Nos termos da jurisprudência da Corte Suprema, oprincípiodainsignificânciaéreconhecido,podendotornaratípicoofatodenunciado,nãosendo adequado considerar circunstâncias alheias às do delito para afastá-lo. 2. No cenário dos autos, presente a assentada jurisprudência da Suprema Corte, o fato de já ter antecedente nãoserveparadesqualificaroprincípiodeinsignificância.3.Habeas corpus concedido.” (HC 94502, 1ª Turma, Rel. Ministro Menezes Direito, D.E. 19.03.2009)

Neste mesmo pensamento, trago jurisprudência deste Regional, em que a questão foi abordada no EINUL 2006.70.07.000110-1, julgado pela Quarta Seção:

“PENAL. DESCAMINHO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - DELIMITAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIA SUBJETIVA – ABSTRAÇÃO. 1. É inadmissível que uma conduta seja considerada irrelevante no âmbito administrativo e não o seja na esfera penal, uma vez que o Direito Penal ‘só deve atuar quando extremamente necessário para a tutela do bemjurídicoprotegidoquandofalharemosoutrosmeiosdeproteçãoenãoforemsuficien-tes as tutelas estabelecidas nos demais ramos do Direito’ (STF, HC 92438, 19.08.2008). 2. Uniformizando-se o trato da relevância na ótica do interesse público, enfocado tanto pelo prisma do Direito Administrativo como pelo prisma do Direito Penal, o parâmetro estabelecidoparaoperaroprincípiodainsignificânciaemdelitosdedescaminhoresidenacifra de R$ 10.000,00 (dez mil reais) – valor dado pela Lei n° 11.033/2004 ao artigo 20 da Lei n° 10.522/2002. 3. A incidência do princípio da bagatela é aferida apenas em função de aspectos objetivos, relativos à infração cometida, e não em função de circunstâncias subjetivas, as quais não obstam a sua aplicação.” (Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, D.E. 27.10.2008 – destaquei)

Finalmente, e como é curial, tem-se que a circunstância de a pessoa jurídica relacionada ao suposto autor do noticiado delito ostentar débitos inclusos em parcelamento, que, no seu conjunto, superam o patamar da bagatela, embora constitua, de um lado, aspecto a ser considerado do ponto de vista cível, em face da equação custo-benefício que informa o juízo de conveniência acerca da continuidade da ação executiva (artigo 20, § 4º, da Lei 10.522/02, com a redação dada pela Lei 11.033/04), de outro, não apresenta semelhante repercussão no que tange à conformação da tipicidade penal, cujo controle jurisdicional (artigos 395, III, 397, III, e 648, I, do CPP), no que interessa ao presente julgamento, segue jungido à

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ideia de punibilidade, portanto aferível isoladamente (artigo 119 do CP).Nessas condições, não há por que se prover o inconformismo, deter-

minando-se a reapreciação da pretensão ministerial.Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso e conce-

der habeas corpus, de ofício, determinando o trancamento do PAD MPF/PRM/LDA nº 1.25.005.001255/2010-03.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5000638-53.2011.404.7003/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro Rel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: C.A.B.E.Advogada: Dra. Sandra Becker

Apelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal. Processo penal. Artigo 273, § 1º-b, do Código Penal. Cabimen-to. Importação ilegal de grande quantidade de medicamentos falsificados, de procedência ignorada e/ou sem registro na Anvisa. Lesividade. Risco à saúde pública. Enquadramento legal. Afastamento da pena da Lei de Tóxico. Inaplicabilidade das figuras de descaminho e contrabando. Diferenciação dos tipos penais quanto a matéria.

A pena mínima de dez anos de reclusão para o crime previsto no art. 273doCódigoPenalfoidefinidaemregularprocessolegislativo,apósdebates parlamentares que evidenciaram a gravidade do delito, pelos riscos à saúde e à vida de pessoas vítimas do consumo de medicamen-tosfalsificados,deprocedênciaignoradae/ousemregistronosórgãossanitários competentes.

CompeteaoJuizdoprocessodefiniracapitulaçãojurídicadofato

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descrito na denúncia. Enquadrada a conduta do réu em determinado tipo penal, deve o Juiz aplicar-lhe a respectiva pena cominada, dosando-a entre oslimitesmínimosemáximosprevistos,deacordocomoscritériosdefi-nidos em lei, em face da apreciação das circunstâncias do caso concreto.

Não pode o Juiz deixar de aplicar a pena prevista em lei para um determinado crime, sob o entendimento de que a sanção cominada lhe pareçaexcessivaoudesproporcional,poisadefiniçãodapenaemabstratoé atribuição do legislador.

Não é cabível a junção da conduta descritiva de um tipo penal com a pena prevista no preceito secundário de outro tipo penal, porquanto implica criação de tertius legis, negando vigência ao dispositivo legal aplicável ao caso.

Comprovadas a materialidade e a autoria do crime de importação ile-galdegrandequantidadedemedicamentosfalsificados,deprocedênciaignorada e/ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, impõe-se a condenação do réu pelo cometimento do crime previsto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.

Apuniçãopelasfigurasdocontrabandoedescaminhoé,najurispru-dência da Turma, reservada apenas a importações de quantidades não significativasdemedicaçãoadquiridanoexterior.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido parcialmente o relator, dar parcial provimento à apelação, para reduzir as penas, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 08 de novembro de 2011.Des. Federal Márcio Antônio Rocha, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior: O Ministério Pú-blico Federal ofereceu denúncia contra C.A.B.E., dando-o como incurso nas sanções do artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal. Narra a peça acusatória (processo eletrônico nº 5000638-53.2011.404.7003, evento 1, INIC1) que:

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“Nodia14defevereirode2011,porvoltadas11h30min,emfiscalizaçãoderotinanoPosto da Polícia Rodoviária Federal de Marialva/PR, policiais rodoviários federais abor-daram o veículo MERCEDES BENZ, modelo C-280, de cor prata, com placas paraguaias BBB048, conduzido por C.A.B.E., tendo a companhia de W.A.G.B.

Duranteafiscalização,ospoliciais rodoviáriosencontraram,nobanco traseiro,nosespaços atrás dos bancos dianteiros e no porta-malas do veículo, grande quantidade de me-dicamentos de origem estrangeira, bem como diversos frascos de anabolizantes. Indagado sobre a posse do produto, o denunciado declarou que estaria apenas acompanhando seu tio W.A.G.B., o qual seria responsável pelos medicamentos e anabolizantes apreendidos.

Diantedisso,foiproferidavozdeprisãoemflagranteaC.A.B.E.eprovidenciadooseuencaminhamentoàDelegaciadePolíciaFederalemMaringá/PR,parafinsdelavra-turadoautodeprisãoemflagranteedemaisprovidênciaslegais.QuantoaW.A.G.B.,emrazão de sua condição de adido diplomático, fazendo jus aos privilégios e às imunidades mencionados nos artigos 29 a 36 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas, não foi preso nem indiciado.

Segundo descreve o Auto de Infração e Apreensão de Mercadoria nº 0910500-05214/11, lavrado pela Delegacia da Receita Federal em Maringá-PR, os medicamentos e anabolizantes de origem estrangeira e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa foram avaliados em R$ 424.603,58 (quatrocentos e vinte e quatro mil, quinhentos e seis reais e cinquenta e oito centavos).

(...) Assim, C.A.B.E., de forma livre, consciente e dolosa, importou (introduziu no país)produtodestinadoafinsterapêuticos/medicinais(medicamentoseanabolizantes)semregistro exigível e autorização do órgão de vigilância sanitária competente (Anvisa) e de procedência ignorada.”

No dia 22 de março de 2011, a defesa do acusado ajuizou perante esta Corte o Habeas Corpus nº 5003782-92.2011.404.0000 (evento 1, INIC1) tendo sido negada a ordem nas seguintes letras:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 273, § 1º-B, INCISO I E V, DO CÓDIGO PENAL. GRANDE QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS, ANA-BOLIZANTES E SUPLEMENTOS VITAMÍNICOS. CRIME INAFIANÇÁVEL. REQUI-SITOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. 1. Conforme oart.5ºdaCF/88,emseuincisoXLIII,oscrimeshediondossãoinafiançáveis,nãosendopassíveis,portanto,deconcessãodeliberdadeprovisóriacomousemfiança(art.2º,daLei8.072/90). 2. Tendo em vista que o contrabando de medicamentos (art. 273, §§ 1º e 1º-B, incisos I e IV, do CP) é considerado crime hediondo (art. 1º, inciso VII-B, da Lei 8.072/90), avedaçãolegalexpressa,porsisó,constituifundamentosuficienteparaoindeferimentodaliberdade provisória. Precedentes. 3. Considerando a grande quantidade de medicamentos, anabolizantes e suplementos vitamínicos apreendidos, não é desarrazoado depreender que os envolvidos na importação clandestina (tanto o paciente, como o carona) atuam no ramo atacadistadocomércioilegaldeprodutosdestinadosafinsterapêuticosoumedicinaisde

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origem estrangeira, o que reforça a presença dos requisitos da prisão preventiva, mormente visando garantir a ordem pública.” (TRF4, Sétima Turma, HC 5003782-92.2011.404.0000, Relator p/ Acórdão Des. Tadaaqui Hirose, public. no D.E. 27.04.2011)

LevandoemcontaofimdacondiçãodeAdidodeDefesaeAeronáuticado Governo Paraguaio de W.A.G.B., foi aditada a peça acusatória (evento 47, INIC1, daquele processo) sem que as ações corressem conjuntamente, uma vez que incompatíveis as fases processuais.

Concluída a instrução, sobreveio sentença (evento 126, SENT1) jul-gando procedente a pretensão punitiva estatal para condenar C.A.B.E. pelapráticadodelitotipificadonoart.273,§1º-B,incisosIeV,doCódigoPenal.Apenafoifixadaem10(dez)anos,3(três)mesese22(vinteedois) dias de reclusão e 31 (trinta e um) dias-multa à razão de um salário mínimo. O decisum estabeleceu o regime fechado para o cumprimento da sanção. A pena corporal não foi substituída por restritiva de direitos, em face de o acusado não preencher os requisitos previstos no art. 44 do CP, bem como foi negado o direito de apelar em liberdade.

Contra essa decisão, foi interposto o presente recurso (evento 131, INT1). Em suas razões (evento 137, APELAÇÃO1), a defesa postula sua absolviçãoaoargumentodeque“nãoficouprovadaaautoria,amateria-lidade e o dolo por parte do apelante” e “o acusado não agiu com dolo, mas com culpa”. Alternativamente, pleiteia a aplicação da pena do crime detráficonomínimolegalde05(cinco)anos,bemcomoaminoraçãocontida no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, em regime aberto, com substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Apresentadas contrarrazões (evento 144, CONTRAZ1). A douta Procuradoria da República, emitindo parecer (evento 04 deste

processo eletrônico, PAREC MPF1), opinou pelo parcial provimento do inconformismo.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Inicialmente, caberegistrarqueseafiguraconsubstanciadaamaterialidadepormeiodas provas produzidas no inquérito policial e das colhidas em juízo, a saber:autodeprisãoemflagrante,deapreensão,fichadecontagemdemercadorias, boletim de ocorrência, auto de infração e apreensão de

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mercadoria nº 0910500-05214/11, lavrado pela Delegacia da Receita Federal em Maringá, laudos de perícia criminal (química forense) nos 549/2011, 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR e 693/2011-INC/DITEC/DPF (processo eletrônico 5000389-05.2011.404.7003 relacionado no 1º grau e ação penal originária de igual nº do presente processo).

No que pertine à autoria e ao dolo, a alegação de que C.A.B.E. des-conhecia o conteúdo da bagagem, circunstância que afastaria o elemento subjetivo do tipo, não merece prosperar, pois, no mínimo, assumiu o risco pela sua conduta (dolo eventual).

No ponto, adoto como razões de decidir os bem-lançados fundamentos da sentença, in verbis:

“Quanto à autoria, não há dúvidas de que ela recai sobre o acusado C.A.B.E., até porque foipresoemflagranteaoconduziroveículoMercedezBenzC-230,placadaRepúblicadoParaguai de número BBB048, completamente carregado de medicamentos e anabolizantes, a maioriafalsificados,etodossemregistronaAnvisa,provenientesdoParaguai,assimcomonão pairam incertezas acerca de sua participação consciente e voluntária no cometimento do crime descrito na denúncia.

(...) O veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa paraguaia BBB048, conduzido pelo réu, encontrava-se com o porta-malas, o banco traseiro e os espaços entre os bancos dianteiros e traseiros lotados de caixas de papelão lacradas e enroladas com sacos plás-ticos na cor preta, consoante esclareceu a testemunha arrolada pela acusação, o Policial Rodoviário Federal Elizalbert Menezes dos Santos, perante a autoridade policial federal e emjuízo,oquefoiconfirmadopeloréuemseuinterrogatório.

(...)Ademais,oréu,porocasiãodesuaprisãoemflagrante,confirmouàautoridadepolicial federal que sabia que a mercadoria era remédio, pois seu tio teria lhe comunicado quando entrou no carro, ainda no Paraguai. Entretanto, em razão da imensa quantidade não levou a sério a informação passada por seu tio.

Emjuízo,entretanto,tentoujustificaressaafirmaçãosoboargumentodeque,naver-dade, mencionou ‘remédio’ como sendo a erva-mate conhecida como ‘tererê’, visto que, no Paraguai, costuma-se tomar ‘tererê’ em conjunto com ervas popularmente chamadas de ‘remédios’, tratando-se de simples ‘confusão’.

Difícilacreditaremreferidajustificativa.Porquê?Primeiramente, pela quantidade de ‘remédios’. Segundo, não se precisaria comprar erva-mate no Paraguai já que, no Brasil, ela é encontrada. Terceiro, o réu é brasileiro e reside no Brasil, onde não há essa ‘confusão’ entre os termos; é mergulhador profissional, o que exige curso específico de formação; e tem nível de ensino superior incompleto. Ademais, configuraria demasiada ingenuidade acreditar que essa enorme quantidade de mercadorias envoltas em sacos plásticos pretos – as quais, repita-se, lotavam um veículo de grande porte – consistiria em ervas medicinais. Tanto isso é certo que o réu não levou a sério a informação. Caracterizaria, no entanto,

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demasiada e inaceitável ingenuidade e descaso não desconfiar e não querer saber no que consistiriam tais mercadorias. O transporte, inclusive, poderia ser de maconha, cocaína, etc. No mínimo, resta evidenciado o dolo eventual.”

Conforme se depreende, a versão apresentada pelo apelante de que desconhecia o conteúdo transportado não merece credibilidade, sendo mera tentativa de eximir-se da responsabilização criminal.

Sobreoassunto,confira-se:“PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE MUNIÇÃO.

ARTIGO 18 DA LEI 10.826/2003, C/C ARTIGO 14, II, DO CÓDIGO PENAL. CON-DENAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. PARÂMETROS. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE. 1. Autoria e materialidade devidamente comprovadas, não havendo causas de exclusão da ilicitude ou culpabilidade. 2. Ainda que não se pudesse confirmar o dolo do acusado em relação ao delito de tráfico de munições, estar-se-ia diante do caso de dolo eventual, na medida em que o réu assume o risco de importar o conteúdo ilegal ao país. 3 a 6, omissis.” (TRF4, Oitava Turma, ACR nº 0008233-70.2006.404.7002, Rel. Des. Victor Luiz dos Santos Laus, public. no D.E. em 09.09.2011)

A par disso, ainda que não fosse autor direto do delito (como alega a defesa), os elementos dos autos apontam claramente a participação de C.A.B.E. no ilícito, na modalidade de coautoria, pois dirigia o veículo com os remédios introduzidos ilegalmente no país.

Nessas circunstâncias, inexistindo excludentes da tipicidade, ilici-tude e culpabilidade, não há como afastar sua responsabilidade penal pela prática do delito inscrito no art. 273, § 1º-B, incisos I e V do CP, impondo-se a manutenção do decreto condenatório.

No que tange à reprimenda aplicada, o decisum foi exarado nas se-guintes letras:

“O artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal comina pena de reclusão de 10 (dez) a 15 (quinze) anos e multa.

O réu agiu com grau de culpabilidade considerado normal para o tipo em exame; não registra maus antecedentes criminais (IPL: eventos 14-15, 17-18, 23 e 27; AP: eventos 23, 53 e 94); sua conduta social e personalidade não puderam ser aferidas; as consequências do delitojustificamalteraçãonapena-base,emrazãodaenormequantidadedemedicamentoseanabolizantesapreendidos,agrandemaioriafalsificados,evidenciandooaltogravamesocial do crime; os motivos são próprios da espécie, o intuito de lucro; as circunstâncias, normais à espécie; não há que se falar em comportamento da vítima.

Considerando-se a variação in abstrato do tipo (10 a 15 anos) e o termo médio da pena (12 anos e 6 seis meses), tenho por proporcional o aumento de 3 (três) meses e 22 (vinte e

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dois) dias para cada vetorial negativo. Logo, presente apenas uma circunstância (vetorial) negativa,fixoapena-baseem10(dez)anos,3(três)mesese22(vinteedois)diasdereclusão.

Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.Não há causa especial ou geral de aumento ou de diminuição de pena aplicável ao caso.Sem qualquer outra circunstância a considerar, torno definitiva a pena fixada de 10

(dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão ao réu C.A.B.E. pela prática docrimetipificadonoartigo273,§1º-B,incisosIeV,doCódigoPenal.

Da pena de multaA aplicação da pena de multa deve observar a proporcionalidade com a sanção privativa

impostadefinitivamente,compreendendotodososfatoresnelavalorados(circunstânciasjudiciais, agravantes, atenuantes, causas de aumento e de diminuição), inclusive o aumen-to pela continuidade, ou seja, a simetria a ser guardada não deve ser apenas em relação à pena-base, não se aplicando, todavia, a regra do artigo 72 do Código Penal (TRF4, Quarta Seção, Embargos Infringentes e de Nulidade na Apelação Criminal nº 2002.71.13.003146-0/RS, D.E. de 04.06.2007, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado).

Anote-se, por relevante, que no crime sub examine a pena privativa de liberdade deve serfixadaentrenomínimo10(dez)anosenomáximo15(quinze)anos.Jáapenademultadeveobedeceraodispostonoartigo49doCódigoPenal,eserfixadaentrenomínimo10(dez) e no máximo 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.

Destarte, nos termos da fundamentação, fixo a pena de multa em 31 (trinta e um) dias--multa.

Do valor do dia-multaQuanto ao valor do dia-multa, atendendo não só à situação econômica do réu (taxista,

com renda mensal de R$ 2.000,00 – AP: evento 80: TERMOAUD1), como também à enorme quantidade de medicamentos apreendidos e ao exorbitante valor de avaliação (apro-ximadamente R$ 425.000,00 – IPL: evento 22), fixo cada dia-multa em um salário mínimo vigente à época do fato (janeiro/2011), valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento, de acordo com o artigo 49, § 2º, do Código Penal.

Do regime inicial de cumprimento de penaO cumprimento da pena privativa de liberdade imposta ao réu iniciar-se-á no regime

fechado, conforme dispõe o § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/1990 (com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007).

Da substituição da pena privativa de liberdadeA pena privativa de liberdade imposta ao réu é superior a 4 (quatro) anos, o que impede

sua substituição por penas restritivas de direitos, nos termos do inciso I, do artigo 44, do Código Penal.

Da mesma forma, diante da quantidade de pena privativa de liberdade imposta (dez anos, três meses e vinte e dois dias), inviável a suspensão condicional da pena (artigo 77 do Código Penal).

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Do direito de apelar em liberdadeNos termos do parágrafo único do artigo 387 do Código de Processo Penal, incluído

pela Lei nº 11.719/2008, ao proferir sentença condenatória, o juiz decidirá, fundamentada-mente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar. No mesmo sentido, o artigo 2º, § 3º, da Lei nº 8.072/1990 (redação dada pela Lei nº 11.464/2007).

Nos termos do inciso XLIII do artigo 5º da Constituição Federal, a lei considerará crimesinafiançáveiseinsuscetíveisdegraçaouanistiaapráticadatortura,otráficoilícitodeentorpecentesedrogasafins,oterrorismoeosdefinidoscomocrimeshediondos,poreles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem.

Interpretando referida norma, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal vem decidindo que a proibição de liberdade provisória, nos casos de crimes hediondos e equi-parados,decorredaprópria inafiançabilidadeimpostapelaConstituiçãodaRepúblicaàlegislação ordinária (Constituição da República, art. 5º, inc. XLIII) (HC 99.333/SP, Rel. Carmem Lúcia, DJe 01.07.2010).

Por outro lado, o réu respondeu ao processo preso preventivamente, tendo o Tribunal RegionalFederalda4ªRegião,inclusive,confirmadoodecretodeprisãopreventiva(autoseletrônicos nº 5003782-92.2011.404.0000/PR). O réu foi condenado à pena privativa de liberdade de 10 (dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão, em regime inicial fechado.

A situação fática, que ensejou a decretação da prisão preventiva, não se alterou, desde então. Em situações desse jaez, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal tem en-tendido não constituir constrangimento ilegal a negativa do direito de apelar em liberdade (HC 101817/ES, Rel. Dias Toffoli, Dje 21.03.2011).

Assim, nego ao réu o direito de apelar em liberdade.”

Em que pesem as razões do ilustre julgador singular quanto à repri-menda que deve ser imposta na eventual condenação pela prática delitiva do art. 273, § 1º-B, cumpre tecer algumas considerações.

Com efeito. No tocante à importação de remédios em desacordo com os regulamentos da vigilância sanitária (Anvisa) a conduta constitui, em tese, o crime previsto no art. 273, 1º-B, incisos I e V, do CP, que assim dispõe:

“Art. 273 –Falsificar,corromper,adulteraroualterarprodutodestinadoafinsterapêuticosou medicinais: Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe a venda, tem em depósito paravenderou,dequalquerforma,distribuiouentregaaconsumooprodutofalsificado,corrompido, adulterado ou alterado. (...)

§ 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

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I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;V – de procedência ignorada.”

Tais comportamentos revelam ofensa à saúde pública, na medida em que expõem a coletividade à ação de substâncias de conteúdo e origem desconhecidos, sem autorização/liberação da autoridade sanitária.

Cabe registrar que os verbos nucleares de tais dispositivos muito se assemelham àqueles existentes no caput e na alínea c do art. 334 do CP. Contudo, protegem bens jurídicos distintos. Ou seja: o primeiro, a saúde; e o segundo, a administração pública, sendo o primeiro especial em relação ao segundo.

A par disso, importa registrar que o apenamento previsto para o de-lito do artigo 273 do CP é muito mais grave, em função do alto grau de periculosidade que tais práticas acarretam para a população.

Quando se trata de internação irregular de pequena quantidade de medicamentos,estaCortetementendidoserpossíveladesclassificaçãodacondutaparaaquelacontidanaprimeirafiguradoartigo334domes-mo Codex Repressivo (contrabando). Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados:

“PENAL E PROCESSO PENAL. IMPORTAÇÃO CLANDESTINA DE MEDICA-MENTOS EM GRANDE QUANTIDADE. COM DESTINAÇÃO COMERCIAL. INCI-DÊNCIA DO ART. 273, § 1º-B, INC. I DO CP. 1. Na importação de pequenas quantidades de medicamentos, sem especial potencial lesivo à saúde pública, incide a norma geral de punição à importação de produto proibido, o contrabando, do art. 334 do CP. 2. Na espécie, tratando-se de grande quantidade de medicamentos, deve incidir a regra do artigo 273 do Código Penal, cuja alta pena cominada – de dez a quinze anos de reclusão e multa – decorre, justamente, da especial proteção à saúde pública como ente coletivo, atingida pelo risco jure et de juredafalsificaçãoouvendaderemédiossemcontroleemgrandequantidade– com alto gravame social.” (Sétima Turma, RSE nº 0000334-79.2010.404.7002/PR, Rel. p/AcórdãoDes.NéfiCordeiro,publicadonoD.E.em29.10.2010)

“PENAL. IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTOS. AUSÊNCIA DE FIM COMER-CIAL. ART. 334 DO CP. INCIDÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLI-CABILIDADE. PRECEDENTES DA CORTE. 1. A importação de pequena quantidade de medicamento para uso pessoal, por não caracterizar especial potencial lesivo à saúde pública, enquadra-se no delito previsto pelo art. 334, caput, primeira figura, do Código Penal, e não no do art. 273, §§ 1° e 1°-B, do Estatuto Repressor, que se destina à capi-tulação de importação de fármacos para venda e comercialização. 2. omissis.” (Oitava Turma, RSE nº 0000665-32.2008.404.7002/PR, Rel. p/acórdão Des. Paulo Afonso Brum Vaz, public. no D.E. em 28.09.2011)

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Da mesma forma, se a internalização de remédios no país for mode-rada e para uso próprio (conforme o caso), poderá aplicar-se o princípio dainsignificância.Confira-se:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO CRIMINAL EM SENTIDO ESTRITO. MEDICAMENTOS. PEQUENA QUANTIDADE. RECAPITULAÇÃO DO DELITO. CONTRABANDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. CONDU-TA ATÍPICA. PIS E COFINS. NÃO-INCIDÊNCIA. ART. 2º, III, LEI Nº 10.865/04. 1. A conduta em apreço melhor se amolda ao delito do art. 334 do Código Penal, em detrimento daquele previsto no art. 273, § 1º, e § 1º-B, inciso I, do mesmo diploma, tendo em vista a pequena quantidade de medicamentos apreendidos com o acusado. 2. Nessa hipótese, conforme entendimento sedimentado desta Corte, admite-se a incidência do princípio da insignificância ante a não-diferenciação entre asfigurasdo art. 334doCódigoPenal.”(TRF4, Sétima Turma, RSE nº 0001336-97.2009.404.7106/RS, Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose, public. no D.E em 10.09.2010)

“PENAL. IMPORTAÇÃO IRREGULAR DE MEDICAMENTO CONTROLADO PARA USO PRÓPRIO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. Na importação de pequena quantidade de medicamento de uso controlado, incide a norma geral de punição à importação de produto proibido (contrabando), prevista no art. 334 do Código Penal, admitindo-se a aplicação do princípio da insignificância quando compro-vado que o medicamento se destinava ao uso próprio do agente, em face da ausência de potencial lesivo à saúde pública.” (TRF4, Sétima Turma, RSE 00013022520094047106, Márcio Antônio Rocha, public. em 18.11.2010)

Na hipótese dos autos, foram apreendidas com os acusados apro-ximadamente 121.000 (cento e vinte e uma mil) unidades de diversos medicamentos e 30.400 (trinta mil e quatrocentas) de anabolizantes. Isso, por si só, impede que a conduta seja considerada insignificante e obsta a desclassificação para o delito de contrabando. A propósito, veja-se precedente desta Sétima Turma:

“PENAL. ARTIGO 273, § 1º C/C 273, § 1º-B, I E V, TODOS DO CP. DENÚNCIA. LIMITE DO CASO PENAL. NULIDADE AFASTADA. MATERIALIDADE E AUTO-RIA COMPROVADAS. DOLO. GRANDE QUANTIDADE DE MEDICAMENTOS. RAZOABILIDADE DA PENA COMINADA. DOSIMETRIA. 1. Dando-se oferta de nova denúncia, após rejeitada a primeira, que assim perdeu qualquer valor jurídico, surge acausapenaljácomaimputaçãofáticaetípicanosmoldesaofinalacolhidospelojuizda causa, sem dar-se hipótese de mutatio ou mesmo de emendatio libelli – nenhuma a mudança nos limites do caso penal, nenhum o cerceamento à defesa. 2. Merece maior credibilidade a inicial versão do réu, de escondimento do medicamento de importação irregular e do intento comercial, porque consentânea com a grande quantidade do produto (177 comprimidos de Pramil) portado por acusado de pouca idade (21 anos), escondido

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sob as vestes. 3. Suficientemente comprovada a dolosa importação de medicamento sem o necessário registro e fiscalização pelo órgão de vigilância sanitária competente, aliás, de procedência ignorada, é mantida a condenação no art. 273, § 1º-B, I e V, do Código Penal. 4. A grande quantidade de medicamento destinado ao comércio revela risco à saúde pública, a admitir a incidência da gravosa pena do mencionado tipo penal, que não chega a ser desproporcional – e assim inconstitucional, pelo prisma da razoabilidade – ante o risco coletivo tutelado à saúde. (...)” (TRF4, Sétima Turma, ACR 00018669520094047108, Rel. NéfiCordeiro,publicadoem04.03.2011)

Vale destacar que, por ocasião do julgamento dos Embargos Infrin-gentes e de Nulidade nº 2006.70.02.001187-1/PR, a Quarta Seção desta Cortefirmouoentendimentodeserpossívelaplicarasançãoprevistano artigo 33 da Lei 11.343/2006 porquanto a pena de 10 a 15 anos de reclusão e multa do delito inscrito no artigo 273 do Código Penal mostra--se desproporcional, levando-se em conta o caso concreto. O julgado restou assim ementado:

“PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADUL-TERAÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. FORMA EQUIPARADA. ART. 273, § 1º-B, I, V E VI, DO CP. INTRO-DUÇÃO EM TERRITÓRIO NACIONAL DE COMPRIMIDOS DE CYTOTEC. PENA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PARÂMETRO. DELITO DE TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. 1. Quem introduz clandesti-namente em solo nacional produto de origem estrangeira destinado a fins terapêuticos ou medicinais, sem registro, de procedência ignorada e adquirido de estabelecimento sem licença do Órgão de Vigilância Sanitária competente, pratica o delito capitulado no art. 273, § 1º-B, incisos I, V e VI, do CP. 2. A pena do delito previsto no art. 273 do CP – com a redação que lhe deu a Lei nº 9.677, de 02 de julho de 1998 – (reclusão, de 10 (dez) e 15 (quinze) anos, e multa) deve, por excessivamente severa, ficar reservada para punir apenas aquelas condutas que exponham a sociedade e a economia popular a ‘enormes danos’ (exposição de motivos). Nos casos de fatos que, embora censuráveis, não assumam tamanha gravidade, deve-se recorrer, tanto quanto possível, ao emprego da analogia em favor do réu, recolhendo-se, no corpo do ordenamento jurídico, parâmetros razoáveis que autorizem a aplicação de uma pena justa, sob pena de ofensa ao princípio da proporcio-nalidade. ‘A criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena ou de qualquer modobeneficiao acusadonãopodeencontrarbarreiraparaa suaeficácianoprincípioda legalidade, porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta’ (Fábio Bittencourt da Rosa, in Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 04). Hipótese em que ao réu, denunciado por introduzir, no território nacional, 200 comprimidos de Cytotec, medicamento desprovido de registro e de licença do órgão de Vigilância Sanitária competente (art. 273, § 1º-B, incisos I, V, e VI, do CP), foi aplicada a pena de 03 anos de reclusão (vigente ao tempo dos fatos em

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apuração), adotado, como parâmetro, o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, o qual tem como bem jurídico tutelado também a saúde pública.” (TRF4, Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz, publicado no D.E em 30.06.2008)

Na oportunidade, o eminente Des. Paulo Afonso, proferindo seu voto, deixou consignado o seguinte:

“Sempre me preocupei com a condenação do réu, entendendo que ela deve ser na me-didacertadesuaculpabilidadeeimpostadeformanecessáriaesuficienteàreprovaçãodainfração penal perpetrada, servindo como exemplo negativo para a comunidade e, dessa forma, contribuindo com o fortalecimento da consciência jurídica à medida que procura satisfazer o sentimento de justiça do mundo circundante. Eis o mais relevante papel da atividade jurisdicional: dar ao caso concreto o justo julgamento. O rigor punitivo não pode, de forma alguma, traduzir um conceito de lógica científica, mas sim um puro cri-tério de política criminal. A partir dessa perspectiva é que, penso, deve se dar aplicação concreta aos princípios informadores do Direito Penal, para o qual a Constituição não serve apenas de fundamento, mas também de limite. E, entre tantos princípios fundamentadores ou limitadores, existe um de transcendental importância: o da proporcionalidade (ou da razoabilidade, ou, ainda, como denominado pelos alemães, da proibição de excesso), que exigeainfligênciadeumapenaproporcionalaodelito.Temele,sobretudo,afinalidadede evitar limitações excessivas aos direitos individuais, criminalização baseada em lesões bagatelares ou de condutas sem a existência de lesão aos bens jurídicos, penas que desres-peitam a integridade física e moral et cetera.

Oprincípiodarazoabilidadeconfiguraumaespecialgarantiaaoscidadãos,prescrevendoum contrabalanceamento entre a tutela penal e as restrições à liberdade individual. Apesar de não previsto expressamente na Carta Magna, dela deriva, do artigo 1º, III, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, e também do objetivo da República de buscar a construção de uma sociedade justa (artigo 2º, I). É mediante a sua aplicação que se obtém êxito na tarefa de ajustarem-se as funções retributiva e preventiva da resposta penal. Efe-tivamente, é com fundamento nesse princípio que se obterá o equilíbrio das medidas que invadem a liberdade individual, ou seja, uma intervenção ponderada, um balanceamento entreodesvalordaaçãopraticadaeasançãoinfligidaaoagente.Oapenamentodevesertidocomoummeiorazoávelparaumfimlegítimo,deformaquenãosefixempenasdemasia-damente baixas ou altas no oferecimento da resposta estatal ao fato incriminado. Essa ideia de proporcionalidade da pena já era, inclusive, ideada por Cesare Beccaria em sua obra Dos Delitos e das Penas, de forma que um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas sim a sua infalibilidade, ou seja, a certeza de um castigo, ainda que moderado.

Não entendo, todavia, razoável à severidade do ilícito em comento a subsunção do fato à singela sanção cominada aos crimes de contrabando/descaminho, conforme propugnado pelo voto minoritário.

O objeto jurídico dos crimes contra a saúde pública é, no dizer de Fernando Capez, ‘a proteção das condições saudáveis de subsistência de toda a coletividade’. ‘Todos têm,

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individualmente’, assinala o autor,‘direito ao ar, à água, etc., obviamente saudáveis; sempre que esse direito for individualmen-te violado, teremos um crime de perigo ou de dano individual. Dessa forma, se eu coloco veneno no copo d’água de meu inimigo e sucede seu óbito, minha conduta será enquadrada no crime de homicídio. Tal não ocorre se minha ação criminosa atingir uma coletividade, por exemplo, o envenenamento de reservatório de água potável. Essa conduta, dado o perigo de dano a um número indeterminado de pessoas, deverá ser enquadrada no crime do art. 270.

Nesse sentido é a lição de Carrara, em seu Programa, §§ 3.170 e 3.171:‘O vaso d´água destinado a um só, o ar do meu aposento, o alimento que para mim só

é preparado serão objetos de um direito que me é exclusivo. Mas, se tem em conta o ar que circunda uma coletividade de pessoas, a água que a todos é destinada para desalteração da sede, os víveres expostos à venda em público, de modo que possam vir a ser alimento de indeterminado número de consorciados, é manifesto que, em tais condições, o ar, a água e os víveres tornam-se objeto de um direito social, atinente a cada um dos consorciados, bem como a toda a coletividade...’’ (Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, v. 3, p. 203-4)

Diante dessa constatação, tenho que razão assiste ao voto vencedor, que tomou a pena reclusivamínimadodelitodetráficodeentorpecentesimpostapelaLeinº6.368/76(vigenteao tempo dos fatos em apuração) como parâmetro para a realização da dosimetria nesse casoespecífico.

É que, assim como os delitos contra a saúde pública, o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes também tem, como bem jurídico, a saúde pública. O tráfico, do mesmo modo, não fica descaracterizado pela pequena quantidade de droga vendida. Quem vende pequena quantidade de droga está expondo a risco a saúde pública da mesma forma que aquele que a comercializa em larga escala. Ambos os delitos têm ainda em comum a circunstância de serem crimes de perigo abstrato.

Aliás, como adverte o eminente Desembargador Federal Fábio Bittencourt da Rosa, ao discorrer sobre a utilização da analogia em Direito Penal,

‘a criação de solução penal que descriminaliza, diminui a pena ou de qualquer modo be-neficiaoacusadonãopodeencontrarbarreiraparasuaeficácianoprincípiodalegalidade,porque isso seria uma ilógica solução de aplicar-se um princípio contra o fundamento que o sustenta.’ (Direito Penal, Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2003. p. 04)”

In casu, a conduta do réu enquadra-se perfeitamente no delito pre-visto no art. 273, § 1º-B, I e V, do Código Penal, que tem como objetivo tutelar a saúde pública, criminalizando práticas que acarretam “enormes danos à sociedade e à economia popular”, nos termos da exposição de motivos da Lei 9.677/98.

Como bem salientou o ilustre Des. Paulo Afonso Brum Vaz, no voto condutor da apelação criminal nº 2001.72.00.003683-2, “a Lei dos Re-médios, ora posta sob exame, é mais um desses diplomas que padecem

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de imperfeições evidentes, defeito que só se pode atribuir ao fenômeno que se poderia denominar, à falta de termo mais preciso, de legislatura de ocasião (...)”.

Aliás, sobre o tema, importa observar que a votação, no Congresso, da norma em comento foi precedida de exaltadas manifestações contra afalsificaçãodemedicamentosporempresasclandestinas,conduzindoo Legislador a visíveis excessos.

De igual forma, o Superior Tribunal de Justiça examinando a quaestio no Recurso Especial nº 915442-SC, assim se manifestou:

“PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE ADMISSI-BILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126/STJ. AUSÊNCIA DE INTERPOSIÇÃO SIMULTÂNEA DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRARIEDADE AOS ARTS. 1º, 53, 59, II, E 273, § 1º e 1º-B, I e VI, DO CP. NÃO OCORRÊNCIA. MITIGAÇÃO DO PRECEITO SECUNDÁRIO DO ART. 273 DO CP. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECURSO ESPECIAL ADESIVO. OFENSA AO ART. 44 DO CP. OCORRÊNCIA. POSSIBILIDADE DE SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS. RECUR-SO ESPECIAL DO PARQUET A QUE SE NEGA PROVIMENTO E APELO ADESIVO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, PARA SUBSTITUIR A PENA DA RECORRENTE, ALTERANDO-SE, DE OFÍCIO, O REGIME DE CUMPRIMENTO DA PENA PARA O ABERTO. 1. ‘É inadmissível o recurso especial, quando o acórdão recorrido assenta emfundamentosconstitucionaleinfraconstitucional,qualquerdelessuficiente,porsisó,para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário’. Inteligência do enunciado 126 da Súmula desta Corte. 2. A Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente despropor-cional, cabendo, portanto, ao Judiciário promover o ajuste principiológico da norma. 3. Tratando-se de crime hediondo, de perigo abstrato, que tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, mostra-se razoável a aplicação do preceito secundário do delito de tráfico de drogas ao crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto des-tinado a fins terapêuticos ou medicinais. 4. O Superior Tribunal de Justiça, por diversas vezes, já assentou a possibilidade de início do cumprimento da pena em regime aberto, bem como de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, àqueles que tenhampraticadocrimedetráficoilícitodeentorpecentesououtrocrimehediondoantesda entrada em vigor das Leis 11.343/06 e 11.464/07. 5. Recurso Especial do Ministério Público não conhecido, dando-se provimento ao Apelo adesivo de V.M.S., para determinar ao Juízo da Vara das Execuções a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, concedendo-se, de ofício, o regime aberto para cumprimento da pena.” (STJ, Sexta Turma, REsp 915442/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, public. no DJe em 01.02.2011)

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No ponto, vejam-se as percucientes palavras exaradas no voto con-dutor pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura, verbis:

“(...) O acórdão recorrido assentou, no entanto, mostrar-se desproporcional o preceito secundário aplicado ao delito previsto no artigo 273 do Código Penal, o qual teve sua pena alterada, pela Lei 9.677/98, para o patamar de 10 a 15 anos de reclusão, sendo também inserido na lista do artigo 1º da Lei 8.072/90, considerando-se, portanto, crime hediondo.

Afirmou-seque,‘noquetangeàpenaprevista,percebe-se,claramente,incompatibilidadecom as demais penas preceituadas para outros delitos considerados mais graves ou tão graves quanto o em discussão, que também possuem a natureza de hediondos ou a estes equiparados. Aocrimedetráficoilícito,porexemplo,consideradomuitograveedegranderepulsapelasociedade, em razão das consequências que acarreta, é prevista uma pena mínima de 3 (três) anos de reclusão, e ao de tortura, de 2 (dois) anos de reclusão. Desta feita, inconcebível aplicar-se a mesma pena àqueles que falsificam, adulteram e corrompem medicamentos em grandes quantidades aos que vendem ou expõem à venda produto que não observa as normas administrativas de controle e procedência. É bem verdade que o produto aqui em examedestinava-seàvendacomafinalidadedecausaraborto.Todavia,aspenasprevistaspara os delitos de aborto (1 a 3 anos de reclusão – art. 124 do CP) e de aborto provocado por terceiro (3 a 10 anos de reclusão – art. 125 do CP) não atingem tão elevado quantum’. Considerou-se, dessa forma, que não foi observado o princípio da proporcionalidade para estipulação das penas em abstrato.

Dessarte, valeu-se o Tribunal a quo de analogia in bonam partem para substituir a pena doartigo273doCódigoPenalpelopreceitosecundárioprevistoparaoscrimesdetráficodedrogas, haja vista a evidente desproporcionalidade da pena mínima cominada ao tipo penal. Salientou-se que, assim como os delitos contra a saúde pública, o tráfico de entorpecentes também tem como bem jurídico tutelado a saúde pública, e ambos são crimes de perigo abstrato. Assim, ‘nem se estaria negando a gravidade do delito, nem se estaria impondo ao réu pena flagrantemente desproporcional à conduta praticada’.

(...) Com efeito, a Lei 9.677/98, ao alterar a pena prevista para os delitos descritos no artigo 273 do Código Penal, mostrou-se excessivamente desproporcional, cabendo, por-tanto,aoJudiciáriopromoveroajusteprincipiológicodanorma.Aoensejo,confiram-seosensinamentos de eminentes doutrinadores sobre o tema:

‘ÉdetodosconhecidaainflaçãolegislativaqueoDireitoPenaltemexperimentadodesdeoiníciodadécadade1990,nãosócomumsignificativorecrudescimentodassançõespenais, mas também com a mitigação de garantias processuais. Foi nesse contexto que se aprovou a chamada Lei dos Remédios (Lei nº 9.677, de 2.7.98), que, além de ampliar os tipos penais, aumentou sobremaneira as penas dos crimes previstos no Capítulo III do Título VIII do CP. Em alguns casos, o aumento da pena foi tão absurdo a ponto mesmo de tornar-se inconstitucional, por violação da garantia do devido processo legal (CR, art. 5º, LIV) em seu aspecto substantivo (substantive due process of law), que pressupõe o correto processo de elaboração legislativa e que as leis sejam proporcionais e razoáveis (são os denominados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade). (...). É o caso deste art.

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273, cuja antiga pena de dois a seis anos de reclusão passou para a inimaginável pena de dez a quinze anos de reclusão’. (DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JUNIOR, Roberto; DELMANTO, Fabio M. de Almeida. Código Penal Comentado. 7. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 692-693)

‘Ograndepontodamodificação trazidapelaLei9.677/98 foiaelevaçãoabruptaeexcessiva da pena de um crime de perigo abstrato, que passou a ser superior à de graves crimesdedano,comoéocasodohomicídiosimples’.‘Seexagerohouve,foinafixaçãodapena elevada, que varia de dez a quinze anos. Nesse ponto, sem dúvida, pode-se sustentar a falta de proporcionalidade entre a pena cominada e o possível resultado gerado pelo delito’ (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 968-970).

‘Torna-se mais grave ainda a grandeza das sanções cominadas diante das alterações introduzidas nos tipos penais, seja no caput do art. 273, que corresponderia ao caput do art. 272 da redação anterior do Código Penal acima analisado, seja nos parágrafos criados, 1º-A e 1º-B, que parcialmente reproduzem os termos do antigo art. 273. Acrescentou-se, ainda, a esses parágrafos, incisos descritivos de condutas que se limitam a constituir mera desobediência a normas administrativas. (...). A afronta aos princípios da proporcionalidade e da ofensividade brotam ictu oculi, seja no que tange à ausência de relevância penal das novascondutasdescritas,sejanadesproporçãodaspenasinfligidasemponderaçãocomodano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da conduta incriminada. (...). Em suma, a gravidade do fato para a saúde pública, a análise de suas consequências, se calamitosas ou não à saúde, devem ser sopesadas na esfera administrativa. São, entretanto, as mesmas condutas e consequências despoticamente desprezadas pelo legislador penal, que sancio-na, com penas mais graves do que a do homicídio doloso, a venda de remédio, saneante ou cosmético sem registro, independentemente de ter havido qualquer efeito negativo ou perigo à saúde pública. Com efeito, segundo a nova lei, constitui crime hediondo vender medicamento cosmético ou saneante sem registro no órgão de vigilância sanitária, sendo indiferente saber se o produto comercializado sem registro é inócuo ou nocivo à saúde. Bastaquenãohajaregistroparaconfigurar-seocrimepunidocomreclusãode10a15anos.Assim,podeomedicamentoatémesmoserbenéficoouocosméticosereficaz:nadaimporta,poisaausênciadoregistroéelementosuficiente,segundoosincisosdo§1º-B,para se consumar o crime hediondo. Tamanha aberração legislativa é verdadeiramente incontornável. Não há interpretação que possa ser feita para contornar a norma aos valores e princípios constitucionais. A interpretação congruente com a Constituição tem limites, pois deve-se neste esforço, para salvar a norma, analisar as possibilidades de ambos os textos, o constitucional e o a ser, de acordo com os telos de ambos.’ (REALE JR., Miguel. A inconstitucionalidade da lei dos remédios. RT, 763/415)

Com efeito, há verdadeira e gritante desproporção entre a gravidade da conduta de vender remédio sem registro e a gravidade da pena cominada. Assim, mostra-se impres-cindível que o judiciário dê uma aplicação razoável à norma em apreço, ajustando-a aos princípios constitucionais. Conforme salientado por Alberto Silva Franco,

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‘a inconstitucionalidade assinalada pelos doutrinadores, principalmente derivada da ino-bservância aos princípios da razoabilidade e da ofensividade, em que condutas diversas alcançando interesses cuja relevância foi linear e arbitrariamente concebida, com reprimenda penal exagerada (entre 10 e 15 anos de reclusão), poderá ser obviada com o recurso da inter-pretação conforme à Constituição invocado por Reale Jr., ‘ao custo de ponderável esforço hermenêutico’ (...). Socorrendo-se o intérprete desse princípio, que ‘permite uma renúncia ao formalismo jurídico e às interpretações convencionais em nome da ideia de Justiça ma-terial e da segurança jurídica, elementos tão necessários para um Estado democrático de direito’, na lição do mestre Celso Ribeiro Bastos (...).’ (Código Penal e sua interpretação. 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 1311)

Destaque-se que a escolha do preceito secundário da Lei de Drogas não se mostra despropositada.Comefeito,tendosidoarecorridapresaemflagrantecomremédiossemregistro no órgão competente, e sendo o delito do artigo 273 do Código Penal considerado crime hediondo, tem-se por razoável a analogia realizada, de modo a não tornar a pena nem tão severa nem tão branda, mantendo-se, ademais, a hediondez do delito. Ademais, ambos os delitos têm como bem jurídico tutelado a saúde pública e são crimes de perigo abstrato.”

De fato, analisando o apontado diploma normativo – notadamente no quetangeàssançõescominadas–,épossívelperceberqueotextofinalnão está em sintonia com o conjunto do sistema penal pátrio. Em face disso, a aplicação simplista da lei sujeitaria o juiz a deixar de ponderar as consequências de seus atos no meio social. Na mesma direção, os seguintes arestos:

“PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 273, § 1º-B, INCISO I, DO CP. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDA-DE. APLICAÇÃO DAS PENAS DO DELITO DO TRÁFICO DE DROGAS. 1. Recurso conhecido em parte, tendo em vista os limites da divergência ocorrida no âmbito da 7ª Turma. 2. Tendo em conta que as circunstâncias do crime não indicam que a importação ‘clandestina’demedicamentossedeuparafinsdeusopessoal,acondutaperpetradapeloagente subsume-se no tipo legal previsto no artigo 273, § 1º-B, inciso I, do Código Penal. 3. Sendo o bem jurídico afetado pela conduta a saúde pública, inaplicável o princípio da insignificância,independentementedaquantidadedomedicamentoapreendido.4.Embargosinfringentes desprovidos.” (TRF4, Quarta Seção, EINGFTES nº 2007.71.18.000539-9/RS, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, public. no D.E. em 04.04.2011)

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FALSIFICAÇÃO, CORRUPÇÃO, ADULTERA-ÇÃO OU ALTERAÇÃO DE PRODUTO DESTINADO A FINS TERAPÊUTICOS OU MEDICINAIS. ART. 273, § 1º-B, INCISOS I, III E VI, DO CP. IMPORTAÇÃO DE ME-DICAMENTO NÃO-REGISTRADO PELA ANVISA. PRODUTOS ANABOLIZANTES E REMÉDIOS UTILIZADOS NO TRATAMENTO DE DISFUNÇÃO ERÉTIL. MATERIA-LIDADE E AUTORIA DELITIVAS COMPROVADAS. CONFISSÃO. DESCABIMEN-

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TO DO BENEFÍCIO DO ART. 41, DA LEI 11.343/06. PERDIMENTO DO VEÍCULO. APLICAÇÃO DO ART. 91, II, A, DO CP. DOSIMETRIA DE PENA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E HISTÓRICA DA LEI 9.677/98. APLICAÇÃO DAS PENAS PREVIS-TAS NO ART. 33, DA LEI 11.343/06. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A materialidadefoiplenamentecomprovadapeloAutodePrisãoemFlagrante(fls.02-04)epeloAutodeApresentaçãoeApreensão(fls.14-15),oqualelencouassubstânciasencontra-das no compartimento do tanque do veículo usado pelo réu. O Laudo de Exame de Produto Farmacêutico(fls.118-126)atestouqueosprodutosapreendidosnãosãoregistradosnaAnvisa e parte deles é de origem ignorada, sendo sua importação proibida. 2. A autoria é incontroversa,nãoapenaspelaprisãoemflagrante,mastambémpelaconfissãodoacusado.3. A alegação de destinação do material para uso próprio não é crível, dada a quantidade e a diversidade de produtos anabolizantes e medicamentos destinados ao tratamento de disfunção erétil.4.Aconfiguraçãodotipopenaldoart.273,§1º-B,doCP,independentementedademonstração de risco efetivo dos medicamentos ou de que tenham sido estes adulterados, corrompidosoufalsificados.AcriaçãodessafiguratípicapelaLei9.677/98veiojustamentepara reprimir penalmente a conduta de perigo abstrato de importar produto terapêutico ou medicinal em desconformidade com o controle da vigilância sanitária. 5. Sendo lícita a posse do veículo utilizado no transporte das substâncias apreendidas, não cabe a decretação de perdimento do bem, pela regra do art. 91, II, a, do CP. 6. Inviável a concessão do benefício do art. 41, da Lei 11.343/06, ao caso em tela. Ainda que se coubesse a aplicação analógica dodispositivorelativoaotráficodedrogas,oacusadonãorealizouqualquerdasformasdecolaboração contempladas naquele artigo. 6. Em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é nítido o rigor excessivo empregado pelo legislador na fixação da pena mínima aplicável aos delitos do art. 273, § 1º e § 1º-B, do CP. A interpretação sistemática da legislação penal conduz à adoção da pena mínima aplicável ao crime de tráfico de drogas (art. 33, da Lei 11.343/06) como parâmetro na dosimetria da pena a ser cominada para o delito em tela. 7. Manutenção da pena em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, para cumprimento inicial em regime fechado, e 580 (quinhentos e oitenta) dias-multa. 6. Apelação parcialmente provida.” (TRF3, Segunda Turma, ACR 201061060027363, Juiz Cotrim Guimarães, public. no DJF3 em 16.12.2010, p. 118)

Portanto, mostra-se razoável aplicar analogicamente a reprimenda cominadaaodelitode tráficodedrogas(Lei11.343/2006),vistoqueambos se destinam a tutelar a saúde pública, à míngua de outro critério legalespecífico.

Assim, adoto como parâmetro a pena (05 a 15 anos e multa de 500 a 1500unidadesdiárias)dodelitodetráficoilícitodedrogas(art.33daLei n° 11.343/2006) vigente à época dos fatos.

Passo, portanto, a adequar a reprimenda imposta ao acusado.Naprimeirafasedadosimetria,nadaháquesemodificarnodecisum,

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porquanto o douto magistrado singular considerou desfavorável apenas a diretriz consequências do crime, a qual deve ser mantida no mesmo patamar. Desse modo, diminuo a pena-base para 05 (cinco) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão.

Nasegundaetapa,nãoseverificanaespécieaocorrênciadeagra-vantes ou atenuantes.

No terceiro estágio, aplica-se a majorante do art. 40, inc. I, da Lei 11.343/2006, uma vez que ressai dos autos que os medicamentos foram adquiridos no Paraguai e trazidos para o Brasil. Sendo essa circunstân-cia normal nesses casos, atribuo o quantum de 1/6 (um sexto). Assim, a sanção totaliza 06 (seis) anos, 01 (um) mês e 20 (vinte) dias de reclusão.

Porfim,cabívelacausadediminuiçãodareprimendaprevistanoart.33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 que assim dispõe:

“(...)Nosdelitosdefinidosnocaputeno§1ºdesteartigo,aspenaspoderãoserreduzidasde um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.”

É cediço que, atendidos tais requisitos, faz jus o acusado a tal mino-rante. Na hipótese, como bem observado pelo julgador singular, C.A.B.E. não possui antecedentes, nem há notícia de que se dedique às atividades delituosasouintegreorganizaçãocomfinscriminais.

Tendo em conta a gradação mínima (um sexto) e a máxima (dois terços) deve ser utilizado o critério previsto no artigo 42 da Lei das Drogas,segundoaqual“ojuiz,nafixaçãodaspenas,considerará,compreponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente”.

In casu, em face da grande quantidade de medicamentos (avaliados em R$ 424.603,58) impõe-se seja diminuída a reprimenda na fração de 1/6 (um sexto).

Ausentesoutrascausasmodificadoras,ficaaprivativadeliberdaderedimensionada para 05 (cinco) anos e 01 (um) mês e 17 (dezessete) dias de reclusão, a ser cumprida no regime semiaberto, nos termos do artigo 33, § 2º, b, do Estatuto Repressivo.

Demodoaguardarproporcionalidadecomaprisional,fixoapenade multa em 515 (quinhentos e quinze) unidades diárias à razão de 1/30 R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 193

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do salário mínimo.Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal no HC 97256/

RS, Rel. Min. Ayres Britto, julgado em 01.09.2010, mostra-se possível a substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Todavia, em face de ser a reprimenda superior a 04 anos (art. 44, I do CP), revela-se descabida tal substituição.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso tão só para reduzir a pena, nos termos da fundamentação.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Márcio Antônio Rocha: Peço vênia ao Exmo. Relator para divergir em parte.

Trata-se de ação penal em que é imputada ao réu a prática do crime previsto no artigo 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal.

Oréu foipresoemflagrantepor ter importadograndequantidadedemedicamentoseanabolizantesfalsificados,semregistronosórgãoscompetentes e/ou de procedência ignorada. A mercadoria foi avaliada em R$ 424.603,58.

Conforme os laudos periciais, são aproximadamente 121.000 (cento e vinte e uma mil) unidades de medicamentos (comprimidos e ampolas), tais como Cialis, Cytotec, Pramil e Lipostabil, e 30.400 (trinta mil e qua-trocentas) unidades de anabolizantes (ampolas, frascos e comprimidos), tais como Oxandroland, Testosterone, Durateston, Hemogenin, prove-nientesdoParaguai,masdeprocedênciaignorada,amaioriafalsificada,e sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.

Transcrevo, no ponto, excerto da fundamentação da sentença, da lavra do MM. Juiz Federal Dr. Cleber Sanfelici Otero:

“II.I.– Da Materialidade, da autoria e do doloA materialidade do crime restou demonstrada por meio das seguintes provas, produzidas

tanto no inquérito policial nº 5000389-05.2011.404.7003 (IPL) quanto nos presentes autos de ação penal (AP):

(a)Autodeprisãoemflagrantelavradoem14.02.2011(IPL:evento1,PFLAGRAN-TE1, doc. 01-08);

(b) Auto de apresentação e apreensão lavrado em 14.02.2011 (IPL: evento 1, P FLA-GRANTE1, doc. 09-10);

(c) Auto de apreensão lavrado em 18.02.2011 (IPL: evento 35);(d) Ficha de contagem de mercadorias (IPL: evento 1, P FLAGRANTE1, doc. 11-12);

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(e) Boletim de Ocorrências Policiais nº 957275 (IPL: evento 1, P FLAGRANTE1, doc. 13-14);

(f) Auto de infração e apreensão de mercadoria nº 0910500-05214/11, lavrado pela Delegacia da Receita Federal em Maringá (IPL: evento 22);

(g) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 549/2011-SETEC/SR/DPF/PR (IPL: evento 41; AP: evento 87);

(h) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 100);

(i) Laudo de perícia criminal federal (química forense) nº 693/2011-INC/DITEC/DPF (AP: evento 111).

Referidas provas evidenciaram a internação irregular em território nacional de aproxi-madamente 121.000 (cento e vinte e uma mil) unidades de medicamentos (comprimidos e ampolas), tais como Cialis, Cytotec, Pramil e Lipostabil, e 30.400 (trinta mil e quatrocen-tas) unidades de anabolizantes (ampolas, frascos e comprimidos), tais como Oxandroland, Testosterone, Durateston, Hemogenin, avaliados em US$ 254.558,50 (duzentos e cinquenta e quatro mil quinhentos e cinquenta e oito dólares americanos e cinquenta centavos), transportadas no veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa da República do Paraguai de número BBB048, provenientes do Paraguai, mas de procedência ignorada, a maioria falsificada,etodassemregistroexigívelnoórgãocompetente(Anvisa– Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

OsperitosdoSetorTécnico-CientíficodaPolíciaFederalatestaram:

‘Laudo nº 549/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 87, LAU1)(a) em relação ao medicamento Cytotec:[...] Portanto, o produto encaminhado a exame remete à procedência incerta e origem

estrangeira. [...] Os produtos questionados não atendem aos requisitos exigidos na legis-lação brasileira para sua comercialização, razão pela qual não possui valor de mercado. [...] De acordo com a mesma pesquisa na página da Anvisa, existe registro do medica-mento denominado Cytotec, para a empresa Pharmacia Brasil Ltda., com vencimento em 03/2005, divergente da empresa citada (CONTINENTAL PHARMA INC – PFIZER) no produto questionado. [...] A Resolução-RE nº 1232, de 30.07.2003, da Anvisa, determina, como medida de interesse sanitário, a apreensão do produto CYTOTEC – Misoprostol, da empresa ‘Continental Pharma’, estabelecida na Itália, por ser fabricado e comercializado sem registro e a empresa não possuir Autorização de Funcionamento na referida Agência;

(b) em relação ao medicamento Lipostabil:[...] Portanto, o produto encaminhado a exame remete à procedência incerta e origem

estrangeira. [...] Os produtos questionados não atendem aos requisitos exigidos na legis-lação brasileira para sua comercialização, razão pela qual não possui valor de mercado. [...] De acordo com pesquisa na página da Anvisa na Internet, em 23.03.2011, não há registro de fabricante autorizado no Brasil para o medicamento denominado Lipostabil. [...] A Resolução-RE nº 2473 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 16.08.2007, determinou a suspensão da fabricação, da distribuição, do comércio e do uso,

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em todo território nacional, do produto LIPOSTABIL (FOSFATIDILCOLINA), por estar sem registro perante aquela Agência;

Laudo nº 444/2011-SETEC/SR/DPF/PR (AP: evento 100, LAU2)(c) em relação aos medicamentos Atenix 15, Pramil Forte, Pramil, Potentciem, Cialis,

Procops 50 e Álcool Benzílico:Alínea Produto Substância descrita nas embalagens Substância encontrada nas análises a ATENIX 15 Sibutramina Sibutramina bPRAMILFORTESildenafilaSildenafilacPRAMILSildenafilaSildenafiladPOTENTCIEMSildenafilaSildenafilaeCIALISTadalafilaSildenafilafPROCOPS50SildenafilaSildenafilag ÁLCOOL BENZÍLICO Álcool benzílico não detectado [...] Portanto, os produtos questionados descritos nas alíneas a, b, c, d e f da seção II são

de origem estrangeira e os produtos descritos nas alíneas e e g da seção II são de origem nacional.

[...]Os medicamentos descritos nas alíneas a, b, c, d e f da seção II não atendem aos re-

quisitos exigidos na legislação brasileira para sua comercialização, razão pela qual não possuem valor de mercado.

O medicamento Cialis, descrito na alínea e da seção II, é falso, conforme mostrado na seção IV, logo não pode ser exposto à venda, razão pela qual não possui valor de mercado.

Por meio da base de dados disponível no Sistema de Criminalística (do Departamento de Polícia Federal) em que se analisaram materiais homônimos, constatou-se que as ampolas descritas na alínea g da seção II são diluentes que acompanham o medicamento nacional Hormotrop, e não é vendido separadamente.

[...]De acordo com pesquisa na página da Anvisa na Internet, em 10.03.2011, não há registro

de fabricante autorizado no Brasil para os medicamentos denominados Atenix, Potentciem, Procops,PramilForteePramil(tendooprincípioativoSildenafila).

Segundo pesquisa realizada no sítio eletrônico da Anvisa, em 10.03.2011, existe registro para o medicamento com o nome comercial Cialis, fabricado pela empresa ELI LILLY DO BRASIL LTDA., todavia, conforme detalhado na seção IV, o produto examinado é falso.

[...]De acordo com a lei nº 6.360/76, de 23.09.76, nenhum produto farmacêutico, inclusive

os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue a consumo sem o registro.

Laudo nº 693/2011-INC/DITEC/DPF (AP: evento 101)(d) em relação aos medicamentos Jack3d, Dyma-burn, M-Drol, Estigor, Estimil, Anavar,

Stanozoland Depot (30ml), Stanozoland Depot (15ml), Winstrol V, Testogar, Oxandroland, Testosterone, Stanazol, Equipoise, Ciclo 6, Decaland Depot, Deca Drobol, Nandrolone

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Decanoate, Hormotrop, Testex Elmu, Durateston, Deca Durabolin, Primobolan, Winstrol Depot, Methandrostenolone, Oxitoland e Hemogein:

Produto Substâncias declaradas na embalagem Substâncias encontradas I.1 – Jack3d Diversos Cafeína, creatina I.2 – Dyma-Burn Diversos Cafeína, sclareolídeo, piperina I.3 – M-Drol 2a, 17a dimetil etiocolan 3-ona, 17b-ol (metasterona) Metasterona** I.4 – Estigor Fempropionato de nandrolona Fempropionato de nandrolona I.5 – Estimil Proprionato de nandrolona Proprionato de nandrolona I.6 – Anavar Oxandrolona Proprionato de nandrolona I.7 – Stanozoland Depot (30ml) Estanozolol Estanozolol I.8 – Stanozoland Depot (15ml) Estanozolol Estanozolol I.9 – Winstrol V Estanozolol Estanozolol I.10 – Testogar Propionato de testosteronaI.11 – Oxandroland Oxandrolona Oxandrolona I.12 – Testosterone Testosterona Testosterona I.13 – Stanazol Estanozolol Estanozolol I.14 – Equipoise Undecilenato de boldenona I.15 – Ciclo 6 Enantato de testosterona Femproprionato de nandrolona I.16 – Decaland Depot Decanoato de nandrolona Decanoato de nandrolona I.17 – Deca Drobol Fempropionato e decanoato de testosterona Fempropionato de

nandrolona I.18 – Nandrolone Decanoate Decanoato de nandrolonaI.19 – Hormotrop Somatropina Somatropina I.20 – Testex Elmu Cipionato de testosterona Lote R82: Propionato de testosterona Lote

S28: Benzoato de benzila I.21 – Durateston Proprionato, isocaproato, decanoato e fempropionato de testosterona

Benzoato de benzila I.22 – Deca Durabolin Decanoato de nandrolona Benzoato de benzila I.23 – Primobolan Enantato de metenolona* Propionato de testosterona I.24 – Winstrol Depot Estanozolol Estanozolol I.25 – Methandrostenolone Metandrostenolona Propionato de testosterona I.26 – Oxitoland Oximetolona Oximetolona I.27 – Hemogein – Propionato de testosterona Ao 02 – Os produtos descritos em I.6, I.10, I.14, I.15, I.17, I.18, I.20 a I.23, I.25 e I.27 se

tratamdefalsificações,umavezqueounãocontêmsubstânciasativasouassuasformulaçõesestão em desacordo com o descrito em suas embalagens/registros. O produto descrito em I.19 – Hormotrop –, apesar de conter a substância ativa descrita em sua embalagem, se trata tambémdefalsificação.AResoluçãoRES5142/2010,daAnvisa,determinouaapreensãoeinutilizaçãodoloteCA00140domedicamentoHormotrop12UI,porsetratardefalsificação.

Dessaforma,porseremfalsificações,sãotodosdeorigemindeterminada.Quanto aos outros produtos, as indicações de origem constantes nos rótulos e/ou obtidas

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por meio da internet são:– Itens I.1, I.2, I.3 e I.9: fabricados nos Estados Unidos da América.– Itens I.4 e I.5: fabricados na Argentina.– Itens I.7, I.8, I.11, I.16 e I.26: fabricados no Paraguai.– Itens I.12 e I.13: fabricados na Austrália.– Itens I.24: fabricado na Espanha.Ao 03 – Os produtos descritos em I.6, I.10, I.14, I.15, I.17 a I.23, I.25 e I.27 se tratam

defalsificações,portantonãotêmvalorcomercial.Quanto aos outros produtos questionados, como nenhum deles se encontra devidamente

registrado na Anvisa, são todos de comercialização proibida no Brasil, e também não têm valor comercial.

[...]Ao 05 – Dentre todos os produtos questionados, possuem registro na Anvisa apenas

Hormotrop, Durateston e Deca Durabolin. Entretanto, conforme explicado anteriormente, osprodutosdescritos em I.19, I.21e I.22 se tratamde falsificaçõesdosmedicamentosHormotrop, Durateston e Deca Durabolin, respectivamente.

[...]Ao 07 – Uma vez que os produtos não têm registro na Anvisa (exceto Hormotrop,

Durateston e Deca Durabolin, que são registrados e regularmente vendidos no Brasil), eles nãopodemserimportadoscomfinalidadecomercial.Asuaimportaçãosópoderiaserfeitapor pessoa física, para uso próprio e individual, em quantidade e frequência compatíveis comaduraçãoefinalidadedotratamento,emedianteapresentaçãodereceituáriomédico,atendendo ao disposto na RDC nº 81/2008, da Anvisa.’”

O juízo a quo condenou o réu pelo cometimento do crime previsto no art. 273, § 1º-B, incisos I e V, do Código Penal, à pena de 10 anos, 3 meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial fechado. Agravou a pena base pelas consequências, considerando a grande quantidade de medicamentos.

Oréuapelaalegandoque“nãoficouprovadaaautoria,amaterialidadee o dolo” e que “não agiu com dolo, mas com culpa”. Alternativamen-te,pedeaaplicaçãodapenadocrimede tráficodeentorpecentesnomínimo legal de 05 (cinco) anos de reclusão, com a minoração contida no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.

Inicialmente, acompanho o Exmo. Relator quanto à manutenção da condenação, porquanto comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, nos termos da fundamentação da sentença, transcrita no voto do Exmo. Relator, da qual me permito transcrever o seguinte excerto:

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“Quanto à autoria, não há dúvidas de que ela recai sobre o acusado C.A.B.E., até porque foipresoemflagranteaoconduziroveículoMercedezBenzC-230,placadaRepúblicadoParaguai de número BBB048, completamente carregado de medicamentos e anabolizantes, a maioriafalsificados,etodossemregistronaAnvisa,provenientesdoParaguai,assimcomonão pairam incertezas acerca de sua participação consciente e voluntária no cometimento do crime descrito na denúncia.

(...)O veículo Mercedez Benz, modelo C-230, placa paraguaia BBB048, conduzido pelo réu,

encontrava-se com o porta-malas, o banco traseiro e os espaços entre os bancos dianteiros e traseiros lotados de caixas de papelão lacradas e enroladas com sacos plásticos na cor preta, consoante esclareceu a testemunha arrolada pela acusação, o Policial Rodoviário Federal Elizalbert Menezes dos Santos, perante a autoridade policial federal e em juízo, o que foi confirmadopeloréuemseuinterrogatório.

(...) Ademais,oréu,porocasiãodesuaprisãoemflagrante,confirmouàautoridadepolicial

federal que sabia que a mercadoria era remédio, pois seu tio teria lhe comunicado quando entrou no carro, ainda no Paraguai. Entretanto, em razão da imensa quantidade não levou a sério a informação passada por seu tio.

Emjuízo,entretanto,tentoujustificaressaafirmaçãosoboargumentodeque,naver-dade, mencionou ‘remédio’ como sendo a erva-mate conhecida como ‘tererê’, visto que, no Paraguai, costuma-se tomar ‘tererê’ em conjunto com ervas popularmente chamadas de ‘remédios’, tratando-se de simples ‘confusão’.

Difícilacreditaremreferidajustificativa.Porquê?Primeiramente,pelaquantidadede‘remédios’. Segundo, não se precisaria comprar erva-mate no Paraguai já que, no Brasil, ela é encontrada. Terceiro, o réu é brasileiro e reside no Brasil, onde não há essa ‘confusão’ entreostermos;émergulhadorprofissional,oqueexigecursoespecíficodeformação;etemníveldeensinosuperiorincompleto.Ademais,configurariademasiadaingenuidadeacreditarque essa enorme quantidade de mercadorias envoltas em sacos plásticos pretos – as quais, repita-se, lotavam um veículo de grande porte – consistiria em ervas medicinais. Tanto isso é certo que o réu não levou a sério a informação. Caracterizaria, no entanto, demasiada e inaceitávelingenuidadeedescasonãodesconfiarenãoquerersabernoqueconsistiriamtais mercadorias. O transporte, inclusive, poderia ser de maconha, cocaína, etc. No mínimo, resta evidenciado o dolo eventual.”

Quanto à pena aplicada, o Exmo. Relator dá parcial provimento ao recurso, para excluir a pena cominada no tipo legal violado pelo réu e aplicarapenadotráficoilícitodeentorpecentes,fixandoareprimendaem 5 anos, 3 meses e 22 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.

Entendo que deve ser afastada a aplicação da pena do tráfico deentorpecentes. A junção da conduta descritiva de um tipo penal com a pena imposta em tipo penal diverso, desprezando a pena cominada no

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primeiro dispositivo, caracterizaria o fenômeno da tertius legis. Não pode o Poder Judiciário interferir em matéria legislativa, mesmo que em benefício ao réu, ainda que a pena cominada ao delito praticado pelo réu pareça desproporcional. Nesse sentido é o entendimento da Turma:

“PENAL. DESCAMINHO. INSIGNIFICÂNCIA. ATIPIA. ARTIGO 273, § 1º-B, I, DO CP. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA PELAS PENAS DO TRÁFICO. DESCABIMENTO. TERTIUS LEGIS. CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DO CRIME. VALORAÇÃO NEGATIVA. MAJORAÇÃO DA PENA.

1. A segurança jurídica da decisão esperada recomenda o prestigiamento dos precedentes, especialmentedaSupremaCorte,adarasoluçãodefinitivaemtemadetipicidade– na via do habeas corpus.

2. Adoção pela Seção Criminal desta Corte, na linha de precedentes do Supremo Tri-bunalFederal(HC92438eHC95089)dequeodesinteressefazendárionaexecuçãofiscaltorna certa a impossibilidade de incidência do mais gravoso e substitutivo direito penal.

3. É o limite de dez mil reais, do art. 20 da Lei n.º 10.522/02, objetivamente indicador dainsignificânciaparaocrimededescaminho,aindaquereiterado(STF/HC77003eAI--QO 559904).

4. Tratando-se de importação de grande quantidade de medicamentos, sem registro no órgão competente e de procedência ignorada, deve incidir a regra do artigo 273 do Código Penal, em razão da especial proteção à saúde pública como ente coletivo, atingida pelo risco jure et de juredafalsificaçãoouvendaderemédiossemcontroleemgrandequantidade– com alto gravame social.

5. Comprovada a materialidade e a autoria do delito previsto no art. 273, § 1º-B, inc. I, do CP, deve ser mantida a condenação.

6. Incabível a aplicação das penas previstas para o crime de tráfico de entorpecentes, pois não pode o Judiciário, a pretexto de interpretação de razoabilidade, criar a indevida hipótese da tertius legis.

7. Majoração da pena pela consideração negativa das circunstâncias e consequências do crime.” (TRF4, Apelação Criminal nº 0000795-25.2008.404.7001, 7ª Turma, Des. Federal Néfi Cordeiro, por unanimidade, D.E. 17.12.2010) (grifado)

Tenho adotado o entendimento que, de um modo geral, na importação de pequenas quantidades de medicamentos, ainda que de uso controlado, porém sem especial potencial lesivo à saúde pública, incide a norma geraldepuniçãoàimportaçãoilegaldeprodutos,prevendoasfigurastípicas do art. 334 e parágrafos do Código Penal. A diferenciação entre as modalidades de crime, em especial se contrabando e descaminho, conforme adiante melhor detalho, reside fundamentalmente na destina-ção do medicamento ao consumo próprio (descaminho) ou ao comércio (contrabando),àvistadavontadefinaldoagente.

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Admito, porém, que existem casos de efetiva aplicação do artigo 273 do Código Penal, exatamente como formulado pelo legislador. Notoria-mente, é o caso dos autos. Isso porque, não é cabível o enquadramento da conduta no contrabando quando se tratar de grande quantidade de medicamentos importados ilegalmente, como é o caso dos autos, com evidente potencial lesivo e sério risco de graves danos à saúde e à vida da coletividade, de um número indeterminado de pessoas.

Em face disso, correta a sentença ao enquadrar o crime no tipo penal descrito no art. 273, § 1º-B, I e V, do Código Penal, que assim dispõe:

“Art.273–Falsificar,corromper,adulteraroualterarprodutodestinadoafinsterapêu-ticos ou medicinais:

Pena – reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º – Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito

paravenderou,dequalquerforma,distribuiouentregaaconsumooprodutofalsificado,corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A – Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B – Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior;III – sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercia-

lização;IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V – de procedência ignorada;VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente.”

(grifado)

Quanto à aplicação da pena, compete ao Juiz do processo, quando profereadecisão,definiracapitulaçãojurídicadofatodescritonade-núncia. Enquadrada a conduta do réu em determinado tipo penal, deve o Juiz aplicar-lhe a respectiva pena cominada, dosando-a dentre os limites mínimosemáximosprevistos,deacordocomoscritériosdefinidosemlei, em face da apreciação das circunstâncias do caso concreto.

A avaliação sobre ser ou não exacerbada a pena, não cabe ao Poder Judiciário,poiséolegisladorqueadefine.Assimcomoosentorpecentestêmoseuapenamentojustificadopelosmalefíciosquecausam,aimporta-ção irregular de medicamentos, sem licença, sem controle, pode produzir

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efeitomaléficoemprejuízodepessoasquenãoqueremconsumirdrogas.É inapropriada, no meu entender, a mesclagem dos tipos penais do

tráficodeentorpecentescomocrimedeaçãomúltiplareferenteaprodutosdefinsterapêuticos.Otratocomumatentacontraobjetivosespecíficosda política penal imposta pelo legislador, que fez distinções importantes, baseadas nas suas avaliações do contexto social.

Écediçoque,enquantootraficantevendeseuprodutoparaumpúblicoconsumidor que, de alguma forma, está aceitando correr o risco decorren-te da substância que consome, a importação irregular de medicamentos se dirige justamente a pessoas que querem, por meio da medicação, recuperar a saúde. Pessoas com toda sorte de doenças, que tomam essa medicação esperando obter a cura que, em princípio, poderiam alcançar, mas que não alcançam porque a medicação importada irregularmente éfalsificada,ounãotemregistronoBrasilenãoseprestaparaotrata-mento necessário.

Então existe uma diferenciação razoável, pelo menos, para que o legisladortenhaassimprocedidoaofixarapena.Eessaavaliaçãoédolegislador.

É pertinente, no ponto, a transcrição de excerto das razões contidas na Justificaçãoqueacompanhouaapresentação,aoPlenáriodaCâmaradosDeputados,doProjetodeLeinº4.207/1998,quetratavadaqualificação,comohediondo,docrimedefalsificaçãodesubstânciaalimentíciaoumedicinal:

“A incidência da ação de fraudadores inescrupulosos, ávidos de enriquecimento ilícito, ainda que à custa da disseminação de substâncias nocivas, e até danosas, à saúde, hoje, vem ocorrendocomfrequência,explorandoaboafépública,comafalsificaçãodemedicamentos,em sua maioria, autousáveis pelo povo.

Aformaqualificada,aexemplodoqueocorrecomosdemaisdelitoscontraasaúdepública,prevê,nocasodemorte,aaplicaçãodapenaemdobro,seficarcomprovadaaação dolosa do agente, e aumentada em 1/3 da pena cominada ao homicídio culposo, se configuradaaaçãoculposadodelinquente.

Como se vê, tal como no crime de envenenamento de água potável ou de substância alimentíciaoumedicinal,odelitodefalsificaçãodasaludidassubstânciastambémdevemerecer o mesmo tratamento legal e a mesma dimensão na avaliação de sua gravidade, uma vez que atenta, igualmente, contra a saúde pública e, no particular, contra a saúde do cidadão incauto e desavisado. Entendemos que delitos como esses causam enormes danos à sociedade e também à economia popular, pois que atingem as classes menos favoreci-

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das que buscam no preço mais barato e na alternativa de automedicação, sem prescrição médica, a solução paliativa de seus males físicos, devendo ser, portanto, também o delito defalsificaçãodemedicamentosclassificadocomocrimehediondoeseuagentesujeitoàsrestriçõeseàsinsuscetibilidadesalinhadasnoart.2ºeseusparágrafos,daleioramodificadano presente Projeto de Lei.”

Após o apensamento de outros Projetos de Lei e a apresentação de Substitutivo, englobando-os, seguiram-se os debates parlamentares, durante a votação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.207-A/98 (trans-formado na Lei 9.677/98, que alterou, dentre outros, o art. 273 do Código Penal). Merecem destaque os seguintes trechos dos referidos debates:

“O SR. PRESIDENTE (Michel Temer) – Para encaminhar a votação, concedo a palavra ao Deputado Enio Bacci, para falar a favor da matéria.

O SR. ENIO BACCI (PDT-RS. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,apresenteiesseprojeto,definindocomocrimehediondoafalsificaçãodemedi-camentos, diante do clamor da sociedade brasileira, que não entendia como este País tratava crime dessa gravidade de forma tão branda.

Sr.Presidente,existecrimemaishediondodoquefalsificarmedicamentosecolocaremrisco a saúde de uma comunidade?

Mulheres,criançaseidososbuscamnomedicamentoacuraparaomalquelhesafligeeacabamsendoprejudicadasporessamáfia,queenriqueceàcustadasaúdepública.

Aprovado o requerimento de urgência para a votação do projeto na semana passada, temos hoje a satisfação de ouvir o Relator, Deputado Marconi Perillo, ler substitutivo que vemaoencontrodoprojetooriginal.Definimosafalsificaçãodemedicamentos,previstanos arts. 272 e 273 do Código Penal, como crime hediondo. Na prática, retiramos o direito àfiança,àanistia,àliberdadeprovisória.Emais:estabelecemosaexigênciadeque,aopraticarem esse delito, os criminosos não sejam privilegiados pela lei e cumpram a pena em regime fechado.

O substitutivo proposto pelo Governo é, sem dúvida alguma, bem mais rigoroso do que apropostainicial.Alémdedefinircomocrimehediondoafalsificaçãodemedicamentos,altera o quantum das penas estabelecidas. Entretanto, faremos pequena ressalva no que diz respeito à pena prevista no art. 273, que anteriormente era de um a três anos e agora é de dezaquinzeanos.Obviamenteéprecisomaisrigorparapunirodelitodefalsificaçãodemedicamentos, mas achamos que no § 1º, no qual se incluem os medicamentos, as matérias--primas,osinsumosfarmacêuticoseoscosméticos,exagerou-seumpouco.Afalsificaçãode cosméticos e saneantes usados em diagnósticos deve ser punida com mais rigor, mas a penamaiordeveserimpostaparaosfalsificadoresdemedicamentos,quepodemprejudicardiretamente a saúde pública.

Não faz muito tempo, uma menina faleceu no Rio de Janeiro, embora tomasse antibiótico na expectativa de curar a infecção que invadira seu corpo. Depois de vinte dias, a criança teve infecção generalizada e não houve como lhe salvar a vida.

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Quantas dezenas ou milhares de vidas foram ceifadas neste País? Há quantos anos a populaçãoestáàmercêdemedicamentosfalsificados?Nãoexistemestudossobre isso,mas deixo no ar esta pergunta: quantas pessoas perderam a vida? Quantos aposentados, idosos e crianças faleceram ou estiveram seriamente adoentados? Quem sabe essas vidas poderiam ter sido salvas, se já tivéssemos criado legislação mais rigorosa, como a que esta Casa aprova hoje.

Hoje o Parlamento dá resposta imediata à sociedade, que cobra medidas urgentes. V. Ex.as, Srs. Deputados, independentemente de posição ideológica e partidária, estão de pa-rabéns, porque respondem de pronto a uma exigência da sociedade.

(...)O SR. BENEDITO DOMINGOS (PPB-DF. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Deputados, apresentamos também o Projeto de Lei nº 4.207-A, de março de 1998,paraclassificarcomocrimehediondoafalsificaçãoecomercializaçãodeprodutosalimentícios e medicinais.

Não podemos aceitar que pessoas sejam enganadas na compra de medicamentos para tratamentodasaúde.Muitaspessoassesacrificamparacomprarmedicamentos.Àsvezeselassãoenganadas,comprammedicamentosfalsos,semnenhumaeficácia.Conformeaimprensa tem noticiado, tem havido até morte de crianças devido ao uso de medicamentos falsificados.

Ao cominar a esse tipo de crime a pena de apenas dois anos, com a possibilidade de pagarfiançaeresponderaoprocessoemliberdade,houveumaanomalianoCódigoPenalbrasileiro.Por isso,anossapropostaparaquesejaclassificadacomocrimehediondoafalsificaçãodemedicamentosfoiacatadapeloRelatordesseprojeto,DeputadoMarconiPerillo. Esse crime contra a economia, contra a vida, cujas consequências às pessoas que adquirem esses medicamentos são enormes, é o pior de todos. Aliás, com uma legislação branda comoa nossa, quase semeficácia, pessoas têmenriquecido ilicitamente comamiséria e a morte de muitos.

A imprensa tem noticiado que até mesmo os hospitais públicos têm adquirido medica-mentosfalsificados,conforme,recentemente,aqueleaplicadocontrameningite,totalmentefalsificado,causandoamortedeumacriançaempoucosdiasdetratamento.

Esta Casa, em hora oportuna, irá aprovar este projeto de lei, para que pessoas que falsi-ficamevendemmedicamentosfalsificadosrespondampelocrimequecometeram.Quemfalsificamedicamentoealimentoparaenriquecimentoprópriodevesercolocadonaprisão.

(...)O SR. INOCÊNCIO OLIVEIRA (PFL-PE. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,

Sras. e Srs. Deputados, como todos já disseram, este projeto é da mais alta importância, sobretudoporqueaumentaaspenascontraatosdeumamáfiaquehojeestáseespecializandonafalsificaçãodemedicamentosealimentos,comgravesriscosàsaúdehumana.

Em vez usar, por exemplo, um antibiótico para conter uma infecção, ao tomar um antibióticofalsificado,ainfecçãosedissemina,causandosepticemiaemorte,comobemdefiniuoilustreRelator.(...)

O SR. AÉCIO NEVES (PSDB-MG. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, não tenho

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dúvida de que o Congresso Nacional, mais uma vez, cumpre o seu papel. A negociação que resultou em uma posição praticamente unânime e favorável a este projeto mostra que a Câmara dos Deputados por meio de seus representantes se sintoniza de forma direta com as grandes questões de interesse da sociedade brasileira.

Estou certo de que, ao aprovarmos este projeto em regime de urgência urgentíssima, respondemosaoquetalvezsealieouseagregueaoscrimesmaistorpes,porqueafalsificaçãode medicamentos certamente passa agora – e já deveria ser desta forma – a enquadrar-se no rol dos crimes hediondos. É um crime contra a humanidade e os criminosos não se beneficiarãodasfacilidadesqueaatuallegislaçãopenalconfereaoutrostiposdecrimes.

(...)O SR. PADRE ROQUE (PT-PR. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, fazendo

nossas as palavras dos autores do projeto, do autor do substitutivo e dos demais líderes que encaminharam, acredito que se trata de matéria da mais alta relevância, principalmente tendo em vista que esse tipo de crime até hoje foi amplamente cometido neste País, de tal forma que o atual Ministro da Saúde vem recebendo ameaças de morte desde que tentou enfrentaramáfiadosmedicamentos.ImaginemoquenãoaconteceriasealguémnestePaístentasseenfrentaramáfiadosalimentos.

Portanto, nos alegramos com a elaboração deste projeto, queremos seja aprovado o quanto antes, para que seja plenamente executado.

(...)O SR. AGNELO QUEIROZ (PCdoB-DF. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente,

o PCdoB vota ‘sim’ porque entende que no Brasil têm ocorrido vários casos de pessoas enfermas,comproblemasgraves,queacabamingerindomedicamentosfalsificados.Essasituaçãoémuitograveemereceinclusiveacriaçãodeumórgãodefiscalização,comoocorre nos Estados Unidos, para somente liberar drogas e alimentos quando estiverem adequados para uso. Infelizmente, isso ainda não existe no País, mas vamos fazer primeiro o inverso, ou seja, regulamentar a punição, para que o Executivo tenha mais cuidado com a saúde do nosso povo.

DopontodevistadoParlamento,temosdetipificaressecrime,quepodematarelevarpessoas à morte, como crime hediondo.

(...)O SR. DUILIO PISANESCHI (PTB-SP. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, o

PTB também vota ‘sim’, pela importância deste projeto no momento em que vivemos, in-clusivepelosdesdobramentosqueultimamentehouvecomafalsificaçãodemedicamentose ocorrência de mortes.”

Evidente o amplo debate legislativo na votação da matéria, ressaltando a gravidade dos crimes em comento, o clamor da sociedade e as nefastas consequências sofridas pelas vítimas.

OqueoPoderJudiciáriodecide,diantedocasoconcreto,severificarque a conduta não tem a gravidade ínsita ao tipo penal previsto no art.

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273 e parágrafos do Código Penal, é reenquadrar o fato para o crime de descaminho ou de contrabando, aplicando a respectiva pena. A do des-caminho, quando a medicação é aprovada para consumo em território nacionalesedestinaespecificamenteàprópriapessoa,que,buscandopreço mais baixo, adquire o medicamento no exterior. Nessa hipótese, a meta do agente é o ganho econômico na aquisição do medicamento dequenecessita,nãoapresentandooutrafinalidade.Adocontrabando, indistintamente, quando se trata de importação de medicação destinada ao comércio irregular. A ideia é que o Brasil não se transforme em gran-des farmácias a céu aberto, fundadas sem controle em camelódromos e feiraslivres.Porissoéreprimido,pormeiodafiguradocontrabando,o comércio de medicação trazida por pessoas atuantes nesse comércio informal, não sendo cabível, dado perigo natural a terceiros dessa ati-vidade,aaplicaçãodoprincípiodainsignificância,baseadanovalordamercadoria ou do tributo.

Quanto à pena prevista no art. 273 do Código Penal, se existe uma situação em que ela deve ser aplicada, com razoável justificação, é o caso em apreço, em que a quantidade de medicamentos é enorme, in-clusive para doenças seríssimas, além de alguns fármacos ilegalmente usadosparafinsdiversosdoquesedestinam,comoéocasodoCytotec,indicado para tratamento de úlcera estomacal, mas frequentemente usado de forma irregular para a prática de aborto.

Mantida a condenação e o enquadramento do crime no tipo previsto no art. 273, § 1º-B do Código Penal, deve ser aplicada a pena a ele cominada.

Ao delito é cominada a pena de 10 a 15 anos de reclusão.Asentençafixouapenadaseguinteforma:“O réu agiu com grau de culpabilidade considerado normal para o tipo em exame; não

registra maus antecedentes criminais (IPL: eventos 14-15, 17-18, 23 e 27; AP: eventos 23, 53 e 94); sua conduta social e personalidade não puderam ser aferidas; as consequências do delitojustificamalteraçãonapena-base,emrazãodaenormequantidadedemedicamentoseanabolizantesapreendidos,agrandemaioriafalsificados,evidenciandooaltogravamesocial do crime; os motivos são próprios da espécie, o intuito de lucro; as circunstâncias, normais à espécie; não há falar em comportamento da vítima.

Considerando-se a variação in abstrato do tipo (10 a 15 anos) e o termo médio da pena (12 anos e 6 seis meses), tenho por proporcional o aumento de 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias para cada vetorial negativo. Logo, presente apenas uma circunstância (vetorial) negativa,fixoapena-baseem10(dez)anos,3(três)mesese22(vinteedois)diasdereclusão.

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Ausentes circunstâncias atenuantes e agravantes.Não há causa especial ou geral de aumento ou de diminuição de pena aplicável ao caso.Semqualqueroutracircunstânciaaconsiderar, tornodefinitivaapenafixadade10

(dez) anos, 3 (três) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão ao réu C.A.B.E. pela prática docrimetipificadonoartigo273,§1º-B,incisosIeV,doCódigoPenal.”

Entendo que, no caso, deve ser excluído da pena-base o aumento decorrente das consequências do crime, pois o potencial lesivo à saúde pública é ínsito ao tipo penal, já está considerado na cominação da pena em abstrato, cujo mínimo é 10 anos de reclusão. O fato narrado na inicial, notadamente na ausência de comprovação do início da comercialização, nãoapresentaparticularidadesquejustifiquemaexasperaçãodapenaacima do mínimo legal.

Dessaforma,fixoapena-baseem10anosdereclusão,aqualtornodefinitiva,naausênciadeoutrascircunstânciasaconsiderarnasfasesseguintes do cálculo.

Proporcionalmente à pena privativa de liberdade, reduzo a pena de multa para 10 dias multa, mantendo o valor unitário do dia-multa em 1 salário mínimo, nos termos da fundamentação da sentença, verbis:

“Do valor do dia-multaQuanto ao valor do dia-multa, atendendo não só à situação econômica do réu (taxista,

com renda mensal de R$ 2.000,00 – AP: evento 80: TERMOAUD1), como também à enorme quantidade de medicamentos apreendidos e ao exorbitante valor de avaliação (aproximada-menteR$425.000,00–IPL:evento22),fixocadadia-multaemumsaláriomínimovigenteà época do fato (janeiro/2011), valor que deverá ser atualizado monetariamente até o efetivo pagamento, de acordo com o artigo 49, § 2º, do Código Penal.”

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação, para reduzir as penas.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 5005783-27.2010.404.7100/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro Rel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz

Apelante: Ministério Público FederalApelado: M.A.S.

R.G.L.Advogados: Dr. Nereu Lima Filho

Dra. Enilda Maria De SouzaDr. Nereu Lima

EMENTA

Penal. Recurso de apelação. Sistema Financeiro Nacional. Art. 21, parágrafo único, da Lei 7.492/86. Sonegação de informação por cliente de instituição financeira que internaliza clandestinamente valores no território nacional. Atipicidade. Possibilidade de ocorrência de “caixa dois” financeiro (art. 11 da Lei 7.492/86). Recurso ministerial improvido.

1. A internalização clandestina de valores por empresário, com o auxí-liodedoleiro,emterritórionacionalnãoconsisteemcondutatipificadapelo legislador criminal. Não caracteriza o crime do art. 22 da Lei nº 7.492/86, porque o mesmo se consuma mediante a saída de moeda ou divisa para o exterior, sendo vedada a interpretação analógica em desfavor do réu. Tampouco perfectibiliza o ilícito capitulado no art. 21, parágrafo único, do mesmo diploma, uma vez pressupor este o descumprimento de um dever que, a toda evidência, não recai sobre o cliente das instituições financeiras,mas,sim,sobreoseuadministrador,tratando-sedecrimeclassificadojurisprudencialmentecomopróprio.

2. Poderia, em tese, a “invasão de divisas” em solo brasileiro legitimar, acaso tivesse descrito a denúncia, a persecutio criminis in judicio pelos delitosdesonegaçãofiscal–desdequeeventualmentehavidaaconsti-tuiçãodefinitivadocréditotributário–e/oudemovimentaçãoparalelade recursos (art. 11 da LCSFN).

3.Odelitode“caixa2”definidonoart.11daLeinº7.492/86éco-mum pela simples razão de que seu tipo objetivo não atribui, nem exige, nenhuma qualidade peculiar ao seu sujeito ativo. Se as movimentações paralelasforemrealizadasnoâmbitointernodeumainstituiçãofinan-

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ceira,éevidenteque,nafixaçãodaautoria, seráconsideradaa regrado art. 25. Isso não torna o crime, no entanto, próprio. Quando a Lei nº 7.492/86 assim desejou, o fez expressamente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencido o Relator, negar provimento à apelação, nos ter-mosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 09 de agosto de 2011.Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro: Cuida-se de ape-lação criminal interposta pelo Ministério Público Federal – MPF contra a sentença que absolveu sumariamente M.A.S. e R.G.L. da acusação de prática do delito do artigo 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86.

Segundo a denúncia, em síntese, R.G.L., responsável pela empresa UniflexIndústriaeComérciodeArtefatosdePoliuretanoLtda.,realizouexportação de mercadorias por US$ 48.664,80 para a empresa venezue-lana Lechat C.A., cf. Invoice 019/06. Foi emitida, porém, outra invoice de valor inferior, US$ 27.860,99, e o correspondente contrato de câmbio. Assim, apenas parte do preço recebido foi introduzido regularmente no Brasil por meio de contrato de câmbio. A diferença foi recebida pela Uniflexpormeiodedepósito,novalordeR$51.060,00,efetuadoem29.09.2006, com a intermediação de M.A.S., responsável pela empresa Mapper Logística de Comércio Exterior, por “Carlos”, da empresa Tour Export, “utilizada pela organização criminosa desbaratada por ocasião dadeflagraçãodaOperaçãoOuroVerde”.Ofatoconfigurariaocrimedoart. 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986, por sonegação e falta de registro no Bacen da operação de câmbio relativo à diferença.

A denúncia foi recebida em 10.05.2010. O MPF, em vista de proces-sos em andamentos contra os acusados, negou-se a oferecer suspensão condicional do processo.

Após a resposta dos acusados, sobreveio sentença de absolvição su-

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mária (evento 58 da ação penal 5005783-27.2010.404.7100), prolatada em 16.08.2010.

Irresignado, o MPF sustenta, em suas razões de apelação (evento 71), que os dispositivos legais e regulamentares mencionados na denúncia são muito claros em exigir a comunicação à autoridade monetária do país acerca da realização da operação de câmbio como uma condição para que estasejaefetivada,demaneiraquenãoficaaoalvitredequempretendeefetuar tal transação informá-la ou não ao Banco Central. Argumenta ainda que teria havido negativa de vigência do art. 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/1986.

Com as contrarrazões (eventos 80 e 79), subiram os autos a esta Corte.A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou pelo

provimento do recurso ministerial (evento 7).Os autos vieram conclusos para julgamento.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal Sergio Fernando Moro: A absolvição sumária foi proferida pelo ilustre magistrado a quo nestes termos (evento 15):

“Narrou a denúncia que, em 29.09.06, o acusado R.G.L., na condição de responsável pela empresa UNIFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE POLIURETANO LTDA., juntamente com o réu M.A.S., este na condição de responsável pela empresa MA-PPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA., teriam sonegado informação que deveriam prestar ao Banco Central do Brasil, ao receber R$ 51.060, referentes a exportação promovida pela UNIFLEX, sem que o contrato de câmbio correspondente fosse realizado eminstituiçãofinanceiraautorizada.

A exportação, promovida pela UNIFLEX LTDA., foi de 17.124 pares de sola de sapato, tendo como importadora a empresa venezuelana LECHAT C.A., sendo acertado como preço total das mercadorias, segundo o Invoicenº019/06,de12.07.06(fl.61doIPL),aquantiade US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares e oitenta centavos). No entanto, em 12.09.06, foi emitida a Invoice nº 18/06, em que consta como valor total da aludida exportação o montante de US$ 27.860,99 (vinte e sete mil, oitocentos e sessenta dólares e noventa e nove centavos), valor esse também apresentado no Registro deOperaçõesdeExportaçãonoSISCOMEXem27.09.06(fl.64),bemcomoformalizadono contrato de câmbio de exportação junto ao Banco do Brasil em Porto Alegre, no dia 06.10.06(fls.65e126-8).Ovalorrestantefoiliquidadopordepósitopromovidopelaor-ganização criminosa revelada na denominada ‘Operação Ouro Verde’ (IPL 1615/2006, AP 2007.71.00.001796-5), no montante de R$ 51.060.

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Assim, admitidos os fatos tal qual narrados na denúncia, está comprovada a exportação, bem como o recebimento de parte de seu valor no Brasil, sem a correspondente cobertura cambial. Entretanto, os fatos assim descritos não são típicos.

O tipo penal em questão tem a seguinte redação:

‘Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de câmbio:

Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafoúnico.Incorrenamesmapenaquem,paraomesmofim,sonegainformação

que devia prestar ou presta informação falsa.’Em primeiro lugar, não há prova da elementar operação de câmbio. Há prova do recebi-

mento de valores no Brasil. Muito embora a importadora seja venezuelana, não é impossível que tal empresa tivesse os valores depositados na empresa USAFLEX diretamente em reais.

Indoalém,nãoháprovadaelementardefinalidadepararealizaroperaçãodecâmbio.As instituições que trabalham com compra e venda de moeda estrangeira estão obrigadas, porforçadoart.65daLei9.069/95,aidentificaroclienteouobeneficiário:

‘Art. 65. O ingresso no País e a saída do País de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente por meio de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancárioaperfeitaidentificaçãodoclienteoudobeneficiário.’

Também a legislação contra a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) determina que as pessoas jurídicas que têm como atividade a compra e a venda de moeda estrangeira (art. 9º, inciso II) exijam dos seus clientes informações, bem como mantenham registro das operações, para atender ao disposto no art. 10, incisos I e II, da mesma lei e às normas expedidas pelo Banco Central que os regulamentam:

‘Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º:I–identificarãoseusclientesemanterãocadastroatualizado,nostermosdeinstruções

emanadas das autoridades competentes;II – manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e

valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido emdinheiro,queultrapassar limitefixadopela autoridadecompetente enos termosdeinstruções por esta expedidas;’

Aosonegaroufalsearinformaçãoexigidapelainstituiçãofinanceira,oclientedaope-ração de câmbio comete o crime previsto no art. 21, parágrafo único, supra.

Entretanto, o que a denúncia narra é que a própria operação de câmbio deixou de ser informada à autoridade competente, o Banco Central. De fato, o Bacen exige que, além de manter o registro da operação (art. 10, inciso II, da Lei 9.613/98), a instituição responsável informe eletronicamente sua realização, na forma do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen.

Consultandoreferidanorma,verifica-sequeaprestaçãodeinformaçãosobreaoperaçãosomente é exigível após sua conclusão.

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Assim, não se pode falar que a informação ao Banco Central foi sonegada ‘para realizar a operação de câmbio’, na medida em que a operação já estava concluída quando deveria ter sido informada.

Porfim,nocasoconcreto,osréusnãoeramdestinatáriosdodeverdeinformardescrito.Os denunciados não estavam obrigados a prestar qualquer informação ao Banco Central sobre as operações em questão. Como mencionado, deveria ele prestar corretamente à instituição financeiraasinformaçõesquelhefossemexigidas.AprestaçãodeinformaçõesaoBancoCentraléencargodas‘instituiçõesfinanceirasedemaisinstituiçõesautorizadasafuncionarpelo Banco Central do Brasil, autorizadas a operar no mercado de câmbio’ (Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen, número 1).

Ou seja, se alguém praticou o crime em questão, foram os responsáveis pela instituição financeiranãoautorizada.

Tampouco tinham os denunciados qualquer ingerência sobre a prestação ou não de informações, visto que não tinham acesso ao sistema empregado para tanto.

Ou seja, a conduta descrita na denúncia é atípica, devendo os réus serem absolvidos sumariamente quanto à acusação de sonegar informação à autoridade competente, para o fimderealizaçãodeoperaçãodecâmbio(Lei7492/86,art.21,parágrafoúnico),comfulcrono art. 397, inc. III, do CPP.”

Vários casos similares, oriundos da assim denominada Operação Ouro Verde, foram julgados por esta Corte.

Em geral, as duas Turmas têm se posicionado pela atipicidade da con-duta quando a operação envolve mero ingresso de recursos do exterior via mercado negro de câmbio. Assim:

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTIGO 21, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 7.492/86. SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÃO PRATICADA POR CLIENTE DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE INTERNALIZA CLANDESTINAMENTE VALORES NO TERRITÓRIO NACIONAL. ATIPICIDADE. RECURSO MINISTERIAL IMPROVIDO. 1. A internalização clandestina de valores superiores a dez mil reais (art. 65, § 1º, incisos I a III, da Lei nº 9.069/95) não foi expressamentetipificadapelolegisladorcriminal,havendosomenteassançõesdenaturezaadministrativa. 2. Essa realidade, historicamente, não é aceita pelo MPF. Primeiramente, o Parquet insistia em enquadrar tal conduta nas penas do crime de evasão de divisas, o que foi duramente rechaçado pelos tribunais (v.g. STJ, REsp nº 898.956/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 10.02.2009). 3. Agora, o MPF tenta, a todo custo, recriminar o ingresso de valores no território nacional no artigo 21, parágrafo único, da LCSFN. Ora, a conduta proscrita nesse tipo penal [sonegar informação que devia prestar] pressupõe o descumpri-mentodeumdeverque,atodaevidência,recaisobreoclientedasinstituiçõesfinanceiras,conforme demonstra o Capítulo 6 da Circular nº 3.493, de 24.03.2010, do Bacen, que atualizou o RMCCI (Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais). 4. A

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Colenda Quarta Seção deste Tribunal restringiu a incidência do delito do artigo 21, parágrafo único,daLCSFNaosagentesdasinstituiçõesfinanceiras(ENULnº2001.70.00.033106-0,Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, D.J.U. 23.08.2006). 5. Portanto, as operações marginaisdemeroingressodevaloresnopaísporpartedosclientesdasinstituiçõesfinan-ceiras são atípicas, remanescendo apenas a possibilidade de eventual prática de sonegação fiscal,que,comoécediço,pressupõeaconstituiçãodefinitivadocréditotributário,ouaindaapuniçãodosgestoresdainstituiçãofinanceiraclandestinapelodelitodoartigo16epelocrime de lavagem de dinheiro por violação dos deveres de compliance, quando perpetrado noâmbitodeinstituiçãofinanceiraautorizada.6.Recursoministerialimprovido.”(ACR5008326-03.2010.404.7100, 7ª Turma do TRF4 – Rel. Des. Federal Paulo Brum Vaz – un. – j. 17.11.2010 – D.E. 22.11.2010)

“PENAL. ARTIGO 21, PARÁFRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. SONEGAÇÃO DE INFORMAÇÕES RELATIVAS A OPERAÇÕES DE CÂMBIO REALIZADAS ME-DIANTE SISTEMA BANCÁRIO CLANDESTINO. ATIPIA. 1. Exige o parágrafo único do art. 21 da Lei n° 7.492/86 a sonegação de informação para a atividade de câmbio, e não a própria falta de comunicação dessa operação por serviço clandestino. 2. Mantida a rejeição da denúncia quanto ao crime, por atipia.” (ACR 5005950-44.2010.404.7100, 8ª Turma do TRF4–Rel.Des.FederalNefiCordeiro–un.–24.05.2011)

Não obstante, examinando os precedentes, constata-se que tiveram presenteaabsolutainexistênciadequalquercontratodecâmbiooficiale que o numerário teria sido internalizado unicamente por meio do mer-cado de câmbio paralelo.

Do primeiro precedente, destaque-se o seguinte trecho conclusivo do voto condutor:

“É forçoso reconhecer que as operações marginais de mero ingresso de valores no paísporpartedosclientesdasinstituiçõesfinanceirassãoatípicas,remanescendoapenasapossibilidadedeeventualpráticadesonegaçãofiscal,que,comoécediço,pressupõeaconstituiçãodefinitivadocréditotributário,oquenãoéocaso,(...).”

Do segundo precedente, destaque-se o seguinte trecho do parecer do Ministério Público adotado como razões do voto condutor:

“Conquanto tenham sido realizadas operações de câmbio utilizando-se de serviço ban-cárioclandestino,nãorestasatisfeitorequisitoessencialparaconfiguraçãodoqueprevistono artigo de lei referido, porquanto faz-se mister a realização de contrato de câmbio pela via oficialpararestarconfiguradootipopenaldoparágrafoúnicodoart.21daLein°7.492/86.”

Nessa perspectiva, o caso presente merece ser distinguido dos demais, uma vez que, diferentemente dos referidos, houve a realização de contrato de câmbio para internalização de parte dos valores pagos pela operação

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de exportação, com a ressalva de que os valores ali declarados eram fal-sos, inferiores ao real valor da operação, sendo apenas o remanescente trazido ao Brasil por meio do mercado de câmbio negro.

A denúncia e o próprio magistrado sentenciante fazem referência ao contrato de câmbio de exportação celebrado junto ao Banco do Brasil em Porto Alegre no dia 06.10.2006 por valor inferior ao preço real da operação de exportação.

Então,nãoestátotalmentecorretaaafirmaçãodeque“oqueadenún-cia narra é que a própria operação de câmbio deixou de ser informada à autoridade competente”.

A denúncia, é certo, foca na internalização dos valores via mercado de câmbio negro, mas igualmente aponta a realização do contrato de câmbio oficialcomvaloresinferioresaopreçorealdamercadoriaexportada.

Sehouvecelebraçãodecontratodecâmbiooficialcomvaloresfalsos,não há como não reconhecer, em tese, o enquadramento na conduta do tipo penal do parágrafo único do art. 21 da Lei nº 7.492/1986. Não se trata aqui, outrossim, de um descumprimento do dever de registro, que só seria aplicável, na linha dos precedentes referidos, aos agentes ban-cários, mas de utilização de dados falsos no contrato, só imputável aos responsáveis pela operação, no caso os acusados.

Se a conduta descrita na denúncia caracteriza, em tese, crime, não deve haver absolvição sumária, ainda que a questão jurídica seja contro-vertida. Nessa fase, de absolvição sumária, exige-se evidente atipicidade (art. 397, III, do CPP), devendo ser reservada àqueles casos que não têm, manifestamente, condições de prosperar. Havendo controvérsia, não se deve encerrar prematuramente a ação penal, com o que se nega à Acusação a oportunidade de demonstrar suas teses através da instrução e debates. Nesse sentido, destaque-se o seguinte precedente:

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. EVASÃO DE DIVISAS. PROVA INDICIÁRIA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. A prova indiciária pode ser invocadaparacaracterizaçãodocrimedoart.22,parágrafoúnico,partefinal,daLeinº7.492/1986. Se o valor evadido for, após a consumação de crime de evasão de divisas, objeto de ocultação ou dissimulação quando de sua posterior internação no país, tem-se em tese a possibilidade de caracterização do crime de lavagem de dinheiro. A absolvição sumária só cabe em casos de presença manifesta de causas excludentes do crime ou de evidente atipicidade. Havendo controvérsia sobre essas questões, não deve haver absolvição sumária, com o que se nega à Acusação a oportunidade de demonstrar suas teses durante a instrução

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e os debates.” (ACR 2006.71.00.050282-6, 7ª Turma, Relator Des. Federal Márcio Antônio Rocha, un., D.E. 18.04.2011)

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do Ministério Público para o fim de reformar a absolvição sumária para que a ação penal retome a fase de instrução e debates.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: A absolvição sumária foi proferida pelo magistrado a quo nestes termos (evento 58 do feito originário):

“Narrou a denúncia que, em 29.09.06, o acusado R.G.L., na condição de responsável pela empresa UNIFLEX INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ARTEFATOS DE POLIURETANO LTDA., juntamente com o réu M.A.S., este na condição de responsável pela empresa MA-PPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA., teriam sonegado informação que deveriam prestar ao Banco Central do Brasil, ao receber R$ 51.060, referentes a exportação promovida pela UNIFLEX, sem que o contrato de câmbio correspondente fosse realizado eminstituiçãofinanceiraautorizada.

A exportação, promovida pela UNIFLEX LTDA., foi de 17.124 pares de sola de sapa-to, tendo como importadora a empresa venezuelana LECHAT C.A., sendo acertado como preço total das mercadorias, segundo o ‘Invoice’nº019/06,de12.07.06(fl.61doIPL),a quantia de US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares e oitenta centavos). No entanto, em 12.09.06, foi emitida a ‘Invoice’ nº 18/06, em que consta como valor total da aludida exportação o montante de US$ 27.860,99 (vinte e sete mil, oitocentos e sessenta dólares e noventa e nove centavos), valor esse também apresentado noRegistrodeOperaçõesdeExportaçãonoSISCOMEXem27.09.06(fl.64),bemcomoformalizado no contrato de câmbio de exportação junto ao Banco do Brasil em Porto Alegre, nodia06.10.06(fls.65e126-8).Ovalorrestantefoiliquidadopordepósitopromovidopelaorganização criminosa revelada na denominada ‘Operação Ouro Verde’ (IPL 1615/2006, AP 2007.71.00.001796-5), no montante de R$ 51.060.

Assim, admitidos os fatos tal qual narrados na denúncia, está comprovada a exportação, bem como o recebimento de parte de seu valor no Brasil, sem a correspondente cobertura cambial. Entretanto, os fatos assim descritos não são típicos.

O tipo penal em questão tem a seguinte redação: ‘Art. 21. Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação

de câmbio: Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafoúnico.Incorrenamesmapenaquem,paraomesmofim,sonegainformação

que devia prestar ou presta informação falsa.’Em primeiro lugar, não há prova da elementar operação de câmbio. Há prova do recebi-

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mento de valores no Brasil. Muito embora a importadora seja venezuelana, não é impossível que tal empresa tivesse os valores depositados na empresa USAFLEX diretamente em reais.

Indoalém,nãoháprovadaelementardefinalidadepararealizaroperaçãodecâmbio.As instituições que trabalham com compra e venda de moeda estrangeira estão obrigadas, porforçadoart.65daLei9.069/95,aidentificaroclienteouobeneficiário:

‘Art. 65. O ingresso no País e a saída do País de moeda nacional e estrangeira serão processados exclusivamente através de transferência bancária, cabendo ao estabelecimento bancárioaperfeitaidentificaçãodoclienteoudobeneficiário.’

Também a legislação contra a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/98) determina que as pessoas jurídicas que têm como atividade a compra e a venda de moeda estrangeira (art. 9º, inciso II) exijam dos seus clientes informações, bem como mantenham registro das operações, para atender ao disposto no art. 10, incisos I e II, da mesma lei e às normas expedidas pelo Banco Central que os regulamentam:

‘Art. 10. As pessoas referidas no art. 9º: I–identificarãoseusclientesemanterãocadastroatualizado,nostermosdeinstruções

emanadas das autoridades competentes; II – manterão registro de toda transação em moeda nacional ou estrangeira, títulos e

valores mobiliários, títulos de crédito, metais, ou qualquer ativo passível de ser convertido emdinheiro,queultrapassar limitefixadopela autoridadecompetente enos termosdeinstruções por esta expedidas;’

Aosonegaroufalsearinformaçãoexigidapelainstituiçãofinanceira,oclientedaope-ração de câmbio comete o crime previsto no art. 21, parágrafo único, supra.

Entretanto, o que a denúncia narra é que a própria operação de câmbio deixou de ser informada à autoridade competente, o Banco Central. De fato, o Bacen exige que, além de manter o registro da operação (art. 10, inciso II, da Lei 9.613/98), a instituição responsável informe eletronicamente sua realização, na forma do Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen.

Consultandoreferidanorma,verifica-sequeaprestaçãodeinformaçãosobreaoperaçãosomente é exigível após sua conclusão.

Assim, não se pode falar que a informação ao Banco Central foi sonegada ‘para realizar a operação de câmbio’, na medida em que a operação já estava concluída quando deveria ter sido informada.

Porfim,nocasoconcreto,osréusnãoeramdestinatáriosdodeverdeinformardescrito.Os denunciados não estavam obrigados a prestar qualquer informação ao Banco Central sobre as operações em questão. Como mencionado, deveria ele prestar corretamente à instituição financeiraasinformaçõesquelhefossemexigidas.AprestaçãodeinformaçõesaoBancoCentraléencargodas‘instituiçõesfinanceirasedemaisinstituiçõesautorizadasafuncionarpelo Banco Central do Brasil, autorizadas a operar no mercado de câmbio’ (Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais, Título 1: Mercado de Câmbio, Capítulo 3: Contrato de Câmbio, Seção 2: Celebração e Registro no Sisbacen, número 1).

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Ou seja, se alguém praticou o crime em questão, foram os responsáveis pela instituição financeiranãoautorizada.

Tampouco tinham os denunciados qualquer ingerência sobre a prestação ou não de informações, visto que não tinham acesso ao sistema empregado para tanto.

Ou seja, a conduta descrita na denúncia é atípica, devendo os réus serem absolvidos sumariamente quanto à acusação de sonegar informação à autoridade competente, para o fimderealizaçãodeoperaçãodecâmbio(Lei7492/86,art.21,parágrafoúnico),comfulcrono art. 397, inc. III, do CPP.

DISPOSITIVO ANTE O EXPOSTO, ABSOLVO SUMARIAMENTE os réus da acusação da prática

docrimecapituladonoart.21,parágrafoúnico,daLei7492/86,porflagranteatipicidadeda conduta, com fundamento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal.”

Não obstante os fundamentos esposados pelo Parquet, não diviso reparos à sentença supratranscrita.

Com efeito, a Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional somente recrimina a remessa de valores para fora do território nacional sem comunicação ao governo, bem como a manutenção de numerário no exterior sem declaração à autoridade competente no artigo 22, parágrafo único, primeira e segunda parte, respectivamente.

A internalização clandestina de valores superiores a dez mil reais (art. 65, § 1º, incisos I a III, da Lei nº 9.069/95), contudo, não foi expressa-mentetipificadapelolegisladorcriminal,havendosomenteassançõesde natureza administrativa. E essa realidade, historicamente, não é aceita pelo MPF. Primeiramente, o Parquet insistia em enquadrar tal conduta nas penas do crime de evasão de divisas, o que foi duramente rechaçado pelos tribunais, conforme demonstra a decisão terminativa que proferi, em 12.04.2010, no RSE nº 0008348-79.2006.404.7200:

“[...] No vernáculo, o termo ‘evasão’ indica fuga, escapada (Dic. Houaiss). Ao comentar o tipo penal que foi imputado à recorrida (art. 22, caput, da Lei 7.492/86), Tigre Maia ensina:‘o tipo objetivo incrimina a efetivação de operações de câmbio desautorizadas, quando efetuadascomoespecialfimdeagirdepromoveraevasãodedivisas.Porevasãoentenda--se a saída clandestina do país e por divisa ‘qualquer valor comercial sobre o estrangeiro que permita a efetuação de pagamentos na forma da compensação’.’ (Dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros, p. 133)

Da análise do referido tipo penal, conclui-se que o caput contém um crime de intenção (elemento subjetivo do tipo) que só se perfectibiliza por via da conduta de efetuar a ope-raçãodecâmbionãoautorizada,comofimdepromoverevasãodedivisasdopaís.Logo,resta afastada a hipótese de crime omissivo. Idêntico raciocínio aplica-se ao primeiro delito

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previsto no parágrafo único do artigo 22 da Lei nº 7.492/86. No julgamento proferido pela Egrégia 7ª Turma deste Regional, em caso análogo a este (RCCR nº 2002.04.01.012440-5, julgado em 30.04.2003), o eminente Desembargador Federal Fábio Rosa assim se posicionou:

‘A forma equiparada prevista no parágrafo único do referido artigo diz o seguinte: ‘incor-re na mesma pena quem a qualquer título promove, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o exterior, ou nele mantiver depósitos não declarados à repartição federal competente’. Essa forma de evasão importa a retirada da divisa de dentro para fora do País. A descrição do tipo penal é clara nesse sentido. Promover a saída de moeda ou divisa para o exterior. Ora, impedir que a moeda entre no território nacional não é conduta típica, poderia ser equiparada, mas isso por meio de um raciocínio de interpretação extensiva ou analógica do tipo penal, o que é vedado em malam partem. (...) Como bem ressaltou o julgador, ‘o fato da não contratação de câmbio pode ensejar sanções de natureza administrativa, mas é penalmente atípico’. Poder-se-ia dizer que essa forma de atuar importa a mesma consequ-ência, ou seja, a quebra da integridade do Sistema Financeiro Nacional, porque se manda riqueza para fora do País, e o valor que deveria integrar o Sistema Financeiro não entra no País, portanto, prejudica sua integridade. Na realidade, esse prejuízo até pode acontecer, mas ele não foi previsto na descrição do art. 22 da Lei nº 7.492/86.’

Apropósitodotema,pacificou-seajurisprudênciadasturmascriminaisdestaCorte:‘PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.

EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS SEM PROVA DO INGRESSO DOS VALORES CORRESPONDENTES NO PAÍS. EVASÃO DE DIVISAS. ATIPICIDADE.

1. A não comprovação de ingresso, no país, de valores que supostamente deveriam ter ingressado, em virtude de exportação de mercadorias efetivamente operada, não constitui conduta omissiva típica. (...)’ (Oitava Turma, RCCR nº 2004.71.00.001579-7/RS, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, DJU de 07.06.2006)

‘PENAL. ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ESTELIONATO QUALIFICADO. SAÍDA DE MER-CADORAIS PARA O EXTERIOR. NÃO INGRESSO DE MOEDA ESTRANGEIRA. EMPREGO DE MEIO FRAUDULENTO E OBTENÇÃO DE VANTAGEM INDEVIDA INOCORRENTES.ATIPICIDADEDACONDUTA.1.Não resta configurado o delitoprevisto no art. 171, § 3º, do Código Penal quando o agente, ao proceder à exportação de mercadorias, não efetua a liquidação da operação de câmbio correspondente. 2. Ausente o emprego de fraude ou ardil apto a induzir ou manter em erro a autoridade competente, bem como sem que tenha sido obtida qualquer vantagem indevida em favor dos acusados ou de terceiros, não há como falar em crime de estelionato. 3. Possível vantagem indevida auferida do fato constituiria na supressão ou redução de tributos, o que daria azo à inci-dênciadaLeinº8.137/90,casohavidolançamentodefinitivodocréditofiscalobjetodasonegação, ato administrativo de que não se tem notícia nos presentes autos. 4. A conduta do denunciado, apesar de ser danosa à economia, é de tipicidade penal duvidosa, pois não há evasão de divisas, uma vez que apenas as mercadorias, e não os valores, deixaram o país. O que ocorre é a omissão no ingresso de divisas, conduta que não pode ser atingida pela

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norma penal incriminadora. O fato até pode gerar sanção administrativa, mas, penalmente, é atípico. 5. Evidenciada a atipicidade da conduta, correta a r. decisão que rejeitou a peça acusatória, com base no art. 43, I, do CPP.’ (RSE nº 2008.71.00.004697-0, 7ª Turma, Rel. Des. Federal NÉFI CORDEIRO, unânime, D.E. 11.09.2008)

De fato, se por evasão, nas palavras de Rodolfo Tigre Maia, deve-se entender ‘a saída clandestinadopaís’demoedaoudivisaparaoexterior,nãosepodeterporconfiguradoodelito previsto no art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86 quando o agente, ao proceder à exportação de mercadorias, não efetua a operação de câmbio correspondente. Os dólares não saíram, mas sim deixaram de entrar em território nacional. O professor Damásio de Jesus entende que a utilização da interpretação extensiva é perfeitamente aplicável em Direito Penal (Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 35). Esse recurso hermenêutico, contudo, não pode ser levado a um limite tal que não mais se distinga da analogia em desfavor do réu. Nesse sentido, reporto-me à valiosa doutrina de Andrei Zenkner Schmidt e Luciano Feldens (O crime de evasão de divisas: a tutela penal do Sistema Financeiro Nacional na perspectiva da política cambial brasileira. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 226-7):

‘(...) O primeiro diz com a constatação sobre se o não ingresso de moeda ou divisa é condutaquepossaserequiparadaàsuasaída,hipóteseque,acasoafirmada,solucionariaaquestão em favor da primeira parte do dispositivo legal estudado. É dizer: ao não repatriar acontraprestaçãofinanceiradamercadoriaexportada,osujeitoativo (exportador) teriadeixado de fazer ingressar a correspondente moeda ou divisa, incidindo, pois, nos limites do tipo. Resta-nos negar a hipótese, porquanto não permitida tamanha extensão da tipicidade em face do princípio da taxatividade da lei penal, corolário lógico do princípio da legali-dade (art. 5º, inc. XXXIX, da Constituição), precisamente no ponto que assevera inexistir crime‘semleianteriorqueodefina’.ParececlaroquesobospostuladosdogmáticosquesobrepairamoDireitoPenalincriminadornãoseédeconsiderarcomolegalmentedefinidauma conduta que apenas por equiparação pode ser tipicamente alcançada. Atente-se: e por uma equiparação que não é legal, a exemplo do que legitimamente ocorre no ambiente da própria Lei 7.492/86 (art. 1º, parágrafo único, e art. 25, § 1º), mas por uma equiparação que em nada se diferencia da analogia. Parece-nos inexistir qualquer dúvida quanto à lesividade (à política cambial) da conduta sob exame, a qual, sob esse aspecto, em nada se diferencia daquela consubstanciada em uma evasão (saída) de moeda ou divisas propriamente dita. Nada obstante, o problema reconduz-se aos limites da tipicidade formal: o tipo, para além da perda de moeda ou divisas, requer que esta conduta se tenha dado pela saída do terri-tório nacional ao exterior. Indubitavelmente, trata-se de uma proteção legal de única mão e, portanto, imperfeita. Sucede que por tal imperfeição não responde o cidadão. Ainda que inegável a lesividade decorrente de sua conduta, esta não se subsume formalmente à hipótese normativa.

O segundo problema refere-se à possibilidade de atribuir-se à elementar divisa um sentido que nela se faça compreender a mercadoria destinada à exportação. Se respondida afirmativamente,aquestãoestariasolucionadanoslimitesda1ªpartedoparágrafoúnico,porquanto, ao promover a saída de mercadorias, o exportador não estaria senão promovendo

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a saída de divisas, complementando-se, pois, a exigida relação subsuntiva. Trata-se, aqui, de buscarosignificadotécnicodeumelementonormativodotipo;esseonúcleodaquestão.Como vimos, entretanto, uma tal equiparação não é de ser feita. Ainda que seja inegável a existência de prejuízo à política cambial brasileira, os limites do tipo insculpido na 1ª parte do parágrafo único não albergam essa hipótese. Uma tal incongruência, entretanto, não nos parece o bastante para fazer enquadrar as mercadorias exportadas no conceito de divisas, o qual, se não é unívoco, tampouco permite, notadamente para efeitos penais, que se lhe agreguem sentidos substancialmente dissociados daqueles decorrentes de suas linhas conceituais gerais. Em sede de Direito Penal, a interpretação acerca da restrição de direitos fundamentais encontra-se alinhavada de forma sabidamente mais rígida. Demais de alocada na lei, está assentada em uma interpretação estrita da lei. (...)’

Além disso, cabe salientar que essa sistemática irresignação ministerial também não vem sendo acolhida pelos tribunais superiores, que mantiveram inúmeras decisões proferidas pela Oitava Turma deste Regional em favor da tese da atipicidade da conduta, consagrada na jurisprudência brasileira a partir do célebre precedente do ‘Passe do Bebeto’, relatado pelo eminente Ministro Sepúlveda Pertence perante a Primeira Turma do STF.

Peço vênia para transcrever excerto da decisão monocrática do Egrégio STJ que muito bem enfrentou a quaestio juris:

‘A Quinta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do REsp 897.830/RS, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ 10.03.08, seguindo a orientação jurisprudencial do Supremo TribunalFederal,firmouoentendimentosegundooqual‘Aexportaçãodemercadorias,semacorrespondenteoperaçãodecâmbio,nãoconfiguraocrimedoart.22,parágrafoúnico,daLei7.492/86’.Namesmaoportunidade,decidiuque,‘Notocanteàfiguradelineadanapartefinaldoparágrafoúnicodoart.22daL.7.492/86,émanifestoquenãocabesubsumirà previsão típica de promover a ‘saída de moeda ou divisa para o exterior’ a conduta de quem, pelo contrário, nada fez sair do País, mas, nele, deixou de internar moeda estrangeira ou o fez, mas de forma irregular’.

Com relação ao tipo descrito no caput do art. 22 da Lei 7.492/86, manifestou-se a Corte Suprema no sentido de que ‘a incriminação só alcança quem ‘efetuar operação de câmbio não autorizada’: nela não se compreende a ação de quem, pelo contrário, haja eventualmen-te introduzido no País moeda estrangeira recebida no exterior sem efetuar a operação de câmbio devida para convertê-la em moeda nacional’ (HC 88.087/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ 15.12.06).

Diante de tais razões, decidiu a Quinta Turma do STJ, no mencionado julgado, que a conduta ‘é atípica, visto que não houve saída de moeda ou divisa para o exterior, mas apenas a exportação de mercadorias sem a correspondente operação de câmbio’.

Por conseguinte, estando o acórdão recorrido em conformidade com a orientação ema-nada do STJ, incide, à espécie, o óbice da Súmula 83, segundo a qual ‘Não se conhece do recursoespecialpeladivergência,quandoaorientaçãodoTribunalsefirmounomesmosentido da decisão recorrida’, aplicável, também, aos recursos interpostos pela alínea a do permissivo constitucional.’ (REsp nº 898.956/RS, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de

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10.02.2009)”

Agora, o MPF tenta, a todo custo, recriminar o ingresso de valores no território nacional no artigo 21, parágrafo único, da LCSFN. Ora, a conduta proscrita nesse tipo penal [sonegar informação que devia pres-tar] pressupõe o descumprimento de um dever que, a toda evidência, conforme muito bem assinalou o magistrado primevo, não recai sobre o clientedasinstituiçõesfinanceiras.

Nesse sentido, peço vênia para reproduzir excerto do Capítulo 6 da Circular nº 3.493, de 24.03.2010, do Bacen, que atualizou o RMCCI (Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais):

“1. Os agentes autorizados a operar no mercado de câmbio devem desenvolver me-canismosquepermitamevitarapráticadeoperaçõesqueconfigureartifícioqueobjetiveburlar os instrumentosde identificação,de limitaçãodevalores ede cadastramentodeclientes, previstos na regulamentação.

2. Cumpre aos agentes autorizados a operar no mercado de câmbio adotar, com relação aos documentos que respaldam suas operações, todos os procedimentos necessários a evitar sua reutilização e consequente duplicidade de efeitos.

3. A realização de operações no mercado de câmbio está sujeita à comprovação docu-mental.

3.ASemprejuízododeverdeidentificaçãodosclientes,nasoperaçõesdecompraedevenda de moeda estrangeira até US$ 3.000,00 (três mil dólares dos Estados Unidos), ou do seu equivalente em outras moedas, é dispensada a apresentação de documentação referente aos negócios jurídicos subjacentes.

4.Ressalvadasasdisposiçõesespecíficasprevistasnalegislaçãoemvigor,osdocumentosvinculados a operações no mercado de câmbio devem ser mantidos em arquivo do agente autorizado a operar no mercado de câmbio, em meio físico ou eletrônico, pelo prazo de cinco anos contados do término do exercício em que ocorra a contratação ou, se houver, a liquidação, o cancelamento ou a baixa, de forma que, no caso de arquivo eletrônico, o BancoCentraldoBrasilpossaverificardeimediatoesemônus:

a) o arquivo original do documento e os arquivos das assinaturas digitais das partes do documentoedosrespectivoscertificadosdigitaisnoâmbitodaICP-Brasil,searegulamen-tação exigir a guarda do documento original; ou

b) o arquivo do documento, se a regulamentação não exigir a guarda do documento original.

5. (Revogado) Circular nº 3.398/2008. 6. Os agentes autorizados a operar no mercado de câmbiodevemcertificar-sedaqua-

lificaçãodeseusclientes,mediantearealização,entreoutrasprovidênciasjulgadasperti-nentes,dasuaidentificação,dasavaliaçõesdedesempenho,deprocedimentoscomerciaisedecapacidadefinanceira,devendoorganizaremanteratualizados:

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a) ficha cadastral, na forma e pelo prazo estabelecidos pela regulamentação sobre os procedimentos a serem adotados na prevenção e combate às atividades relacionadas com os crimes previstos na Lei nº 9.613, de 03.03.1998, também exigível para a atividade de corretagem de operação de câmbio; e

b) documentos comprobatórios em meio físico ou eletrônico, observado que neste caso sejapermitidaaoBancoCentraldoBrasilaverificaçãodoarquivodeformaimediataesemônus. (NR)” (Disponível no sítio: <http://www.bcb.gov.br/Rex/RMCCI/Ftp/RMCCI-1-06.pdf> Acesso em: 09 set. 2010, sem grifos no original)

Note-se,ainda,queaprópriadenúnciaafirmaquetaldeverfoiatri-buídoàsinstituiçõesfinanceirasoficiaispelarevogadaCircular2.231/92do Bacen, verbis:

“[...] Ressalta-se ainda, o regulamento de câmbio, instituído pela Circular 2.231/92 do Banco Central, e suas alterações posteriores, sempre previu que as operações de câmbio, tanto compra como venda de moeda estrangeira, devem ser registradas pelos bancos au-torizados e credenciados pelo Bacen para operar em câmbio, no Sistema de Informações do Banco Central – Sisbacen. [...]” (Grifei)

Frise-se, por oportuno, nada obstante não seja este delito considerado pela doutrina como crime próprio, a Colenda Quarta Seção deste Tribu-nalrestringiuasuaincidênciaaosagentesdasinstituiçõesfinanceiras:

“[...] É certo que a infração descrita no caput do artigo 21 (atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para a realização de operação de câmbio) pode ser praticada por qualquer pessoa, não necessariamente aquelas arroladas no dispositivo supra transcrito. Todavia, em se tratando da conduta prevista no parágrafo único, in fine (incorre na mesma penaquem,paraomesmofim–operaçãodecâmbio–,prestainformaçãofalsa)cabere-conhecer que o tipo se destina precipuamente ao administrador da instituição financeira, ou agente a ele equiparado, que possui o dever legal de prestar as referidas informações. [...]” (ENUL nº 2001.70.00.033106-0, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, D.J.U. 23.08.2006, destaquei)

De outra banda, embora o artigo 1º do Decreto 23.258/33 considere ilegítimas asoperaçõesrealizadasforadasinstituiçõesfinanceirasde-sautorizadas, não atribui qualquer dever de informação ao cliente que se utiliza dessa espécie de serviço bancário clandestino:

“Art. 1º São consideradas operações de câmbio ilegítimas as realizadas entre bancos, pessoas naturais ou jurídicas, domiciliadas ou estabelecidas no país, com quaisquer entida-des do exterior, quando tais operações não transitem pelos bancos habilitados a operar em câmbio,mediantepréviaautorizaçãodafiscalizaçãobancáriaacargodoBancodoBrasil.”

Desse modo, é forçoso reconhecer que as operações marginais de

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mero ingresso de valores no país por parte dos clientes das instituições financeirassãoatípicas,remanescendoapenasapossibilidadedeeventualpráticadesonegaçãofiscal,que,comoécediço,pressupõeaconstituiçãodefinitivadocréditotributário,oquenãoéocaso,ouaindaapuniçãodosgestoresdainstituiçãofinanceiraclandestinapelodelitodoartigo16e pelo crime de lavagem de dinheiro por violação dos deveres de com-pliance,quandoperpetradonoâmbitodeinstituiçãofinanceiraautorizada.

Ademais, conforme muito bem observou o ilustre Relator, a de-núncia foca na internalização dos valores por meio do câmbio negro. Confira-se, a propósito, o seguinte excerto da exordial acusatória(evento 01/DENUNCIA1):

“[...] Percebe-se, conforme apontam as provas constantes dos autos, assim como os depoimentostomadosnaesferapolicial(fls.58-59e199-201),que,realizadaaexportaçãoe fechado o correspondente contrato de câmbio de adiantamento de pagamento, somente foiinternalizadapelosmeiosoficiaispartedovalorrealmentedevidoquantoàmercadoria,ou seja, US$ 27.860,99 (vinte e sete mil, oitocentos e sessenta dólares estadunidenses e noventa e nove centavos), quando, em verdade, os produtos exportados foram negociados por US$ 48.664,80 (quarenta e oito mil, seiscentos e sessenta e quatro dólares estadunidenses e oitenta centavos), conforme ‘Invoice’n°019/06de12.07.2006(fl.61).

Assim,afimdereceberpartedopagamentorelativoàmercadoria,resultantedadiferençaentre os valores declarados no SISCOMEX, descontado frete e seguro (US$ 24.332,40), e o efetivamente negociado (US$ 48.664,80), em 29.09.2006, a empresa UNIFLEX IN-DÚSTRIAECOMÉRCIODEARTEFATOSDEPOLIURETANOLTDA.foibeneficiáriade depósito, no valor de R$ 51.060,00 (cinquenta e um mil e sessenta reais), efetuado por organizaçãocriminosavoltadaàpráticadecrimescontraosistemafinanceironacional,emsuacontacorrentenoBancodoBrasil(contanº5.406-6,agência3414-2)(fl.16-A).Talregistroestáinclusiveinseridonacontabilidadedaempresa(fl.90).

O referido depósito foi concretizado com a participação decisiva do denunciado M.A.S., que, na condição de administrador da empresa MAPPER LOGÍSTICA DE COMÉRCIO EXTERIOR LTDA., a qual intermediou o contrato de câmbio devidamente declarado, tratou de viabilizar o recebimento do restante do valor referente à exportação. Para tanto, o denunciado M.A.S. efetuou contato com ‘CARLOS’ da empresa TOUR EXPORT, utilizada pela organização criminosa desbaratada por ocasião da deflagração da Operação Ouro Verde, para possibilitar a entrada dos valores referentes à parte não declarada da operação de câmbio contratada.

[...] Portanto, na medida em que os denunciados usaram canal ilícito, por meio de institui-

çãofinanceiraqueoperavasemautorizaçãodoBancoCentral,orecebimentooradescritofoi efetuado em desconformidade com a legislação pátria, por meio de um canal informal

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que possibilitou o desconhecimento pelo órgão competente dos recursos movimentados pelos denunciados. A operação de câmbio efetuada foi realizada mediante sonegação de informação ao Banco Central do Brasil, uma vez que necessária seria a execução do devido contrato de câmbio, com determinação precisa das partes envolvidas. [...] Dessa forma e assim agindo, os denunciados R.G.L. e M.A.S. praticaram a conduta descrita no art. 21, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86, pois sonegaram à autoridade competente informações devidas necessárias à operação de câmbio.”

Ora, se o órgão acusatório se limita a imputar o ingresso clandesti-no de valores, isto é, sem a devida ciência da Autoridade Monetária, é evidente que não está acusando diretamente a sonegação de informação cambial, mas, sim, o imaginário crime de “invasão de divisas”, fazendo, pois, tábula rasa do princípio da legalidade penal.

Caso a peça incoativa tivesse incriminado os réus pela movimentação paralela de recursos, poder-se-ia enquadrar tal conduta no tipo penal do artigo 11 da LCSFN, pois a informação omitida do Sisbacen seria posterior à realização da operação de câmbio:

“Art. 11. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos de reclusão, e multa.”

Assim, considerando que, na prática, as operações cambiais clandesti-nasprescindemdoregistrojuntoaosistemaoficialdoBancoCentralparaocorrerem, restaria eventualmente delineada a movimentação paralela de valores, provenientes das operações de câmbio, à margem da contabili-dadeoficial.Nessaexatalinhadeconta,manifesta-seajurisprudênciadeste Colegiado:

“PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. ARTIGOS 11, 16 E 22, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 7.492/86. LAVA-GEM DE DINHEIRO. CASA DE CÂMBIO SITUADA NA FRONTEIRA. PRESCRIÇÃO.

1. A sistemática realização de operações cambiais por casa de câmbio sem registros no Sisbacen subsume-se ao tipo penal do artigo 11 da Lei nº 7.492/86, e não ao do artigo 21, parágrafo único, da LCSFN, porquanto a informação omitida do BANCO CENTRAL éposterioràrealizaçãodatransaçãorealizadaàmargemdosistemaoficial.[...]”(ACRnº 2003.71.00.039514-0/RS e ACR Nº 2003.71.00.059415-0, 8ª Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 24.02.2010, D.E. 11.03.2010)

É certo que doutrina considera o delito do artigo 11 da Lei nº 7.492/86 próprio.Partemosqueassimpensamdatopografiadotipo.Estandoele

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inserido em uma lei especial voltada à proteção do Sistema Financeiro e atividades correlatas, seu sujeito ativo restringir-se-ia àquelas pessoas previstas no art. 25 da Lei nº 7.492/86. Dentre os que assim raciocinam, encontramos o vaticínio de Manoel Pedro Pimentel (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: comentários à Lei 7.492/86, de 16.06.1986. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987), José Carlos Tortima (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional: uma contribuição ao estudo da Lei 7.492/86. 2. ed. Rio Janeiro: Lúmen Juris, 2002), Roberto Podval (Crimes contra o Sistema Financeiro. In FRANCO, Alberto Silva et al. Leis Penais Especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 1, p. 819-902) e Áureo Natal de Paulo (Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e o mercado de capitais.Curitiba:Juruá,2006).Esteúltimo,inclusive,afirmaque,“se fosse o objetivo do legislador vedar toda e qualquer atividade de contabilidade paralela, o teria feito inserindo um dispositivo no Código Penal” (op. cit., p. 193).

A possibilidade de um particular praticar esse ilícito, desse modo, limitar-se-ia à modalidade de coautoria ou participação em concurso com ocontroladore/ouoadministradordeinstituiçãofinanceira(efigurasequiparadas), na forma do previsto no art. 30 do Estatuto Repressivo (nesse sentido: MAIA, Rodolfo Tigre. Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 94).

Concessa maxima venia, divirjo. A técnica utilizada pelo legislador or-dinário na edição da Lei nº 7.492/86, deveras, causa uma certa dubiedade, porquanto, em alguns tipos penais, aponta, ainda que implicitamente, o sujeito ativo, ao passo que, em outros, silencia completamente a respeito.

O autor da conduta incriminada é reconhecido, de imediato, por exem-plo,nosarts.4º(ogestordeinstituiçãofinanceira),5ºe17(quaisquerdaspessoas mencionadas no art. 25), 12 (o ex-administrador de instituição financeira),13,parágrafoúnico,e15(ointerventor,oliquidanteeosín-dico).Emrelaçãoaoutrasfiguraspenaisprevistasnodiplomalegalemcomento, contudo, o sujeito ativo é inferido a partir da descrição do tipo. Nessas hipóteses em que o agente do crime encontra-se “oculto”, não basta, para elucidá-lo, o exercício do simples raciocínio que, partindo da premissa de que tais condutas delituosas estão previstas em uma norma que tutela o Sistema Financeiro Nacional, conclui pela possibilidade de

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somente as pessoas elencadas em seu art. 25 poderem incorrer em suas respectivas penas.Refiro, exemplificativamente, algumas conjecturasem que essa ilação não se apresenta apropriada:

art. 14 – uso de documento falso, por qualquer pessoa que seja credora, emliquidaçãoextrajudicialdeinstituiçãofinanceira;

art. 16–exercícioilegaldeinstituiçãofinanceira(seoexercícioélegal, ou seja, realizado por aqueles agentes do art. 25, e há irregula-ridade, o crime será o do art. 4º): pune-se o particular que opera, sem autorização,instituiçãofinanceira;

art. 19 –obtenção(porqualquerpessoa)definanciamentomediantefraude;

art. 20 –empregoirregular/desvioderecursosprovenientesdefinan-ciamentoconcedidoporinstituiçãofinanceira;

art. 21 –falsaidentidadeparafinsdeoperaçãodecâmbio,eart. 22, caput (evasão de divisas por meio de operação de câmbio) e

parágrafo único (evasão ilegal de divisas e manutenção de depósitos no exterior não declarados às autoridades nacionais competentes).

Tais preceptivos, acrescidos do art. 11, fogem, a toda evidência, à sistemática da lei. Destinam-se, sobretudo (ou exclusivamente, em alguns casos), a terceiros, pessoas estranhas ao art. 25 da Lei nº 7.492/86. Nessa exata linha de conta, Rodolfo Tigre Maia (op. cit., p. 144) observa que “a própria lei contém dispositivos que são próprios de sujeitos ativos não indicados no dispositivo (v.g. arts. 14 e 23)”.

Ora, é impossível negar que o administrador de uma empresa que mantém e movimenta recursos por meio de uma contabilidade paralela (“caixa 2”), propiciando-lhe principalmente a evasão de divisas (mas tambémasonegaçãofiscaleaespeculaçãolesivaàordemeconômica),nãogerainstabilidadenosistemafinanceironacional,subsumindo-seàmoldura legal do art. 11 da Lei nº 7.492/86.

A propósito, em artigo intitulado “O Caixa 2”, o Desembargador Federal Fábio Rosa salienta, ao comentar a fattispecie do art. 11 da Lei nº 7.492/86, que“o objeto da imputação é o fato de manter-se o dinheiro no cofre ou utilizá-lo como capital degiro.Dissodecorrequeouniversofinanceirodopaísreduz-se,diminuindooacessoaocrédito, o que importa o decréscimo do desenvolvimento das atividades industriais e co-merciais, comprometendo o progresso do país. A inteireza e o desenvolvimento normal das

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atividadesfinanceirasmantêmumfluxoderiqueza,quepodesermanipuladoporpolíticasestatais no sentido do crescimento em todas as áreas objeto da administração. A redução dadisponibilidadenosistemafinanceiro,portalmodo,dificultaeencareceocréditoedi-minuiofluxododesenvolvimento.Quantomenosdinheiroestiverdisponível,maisdifíciléoacessoaosfinanciamentoscomjurosbaixos.”(in Revista do TRF da 4ª Região. Porto Alegre: Tribunal Regional Federal da 4. Região, 2004. n. 51, p. 16)

Forçosoconcluir,pois,queoscrimesdefinidosnaLeinº7.492/86ora se apresentam como próprios, ora como comuns. Dar a exegese pretendida ao alcance da norma em apreço, restringindo-a de tamanha e violenta forma, representaria fazer letra morta de seu texto. Assim é que,valendo-medasliçõesdeCarlosMaximiliano,prefiroastábuasdalei às “palavras dos profetas” (Hermenêutica e aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 181). Não há como sustentar, tão somente porque emanada dos sábios, posição que, a mim, apresenta-se absolu-tamente equivocada.

O crime do art. 11 é comum pela simples razão de que seu tipo obje-tivo não atribui, nem exige, nenhuma qualidade peculiar ao seu sujeito ativo. Se as movimentações paralelas forem realizadas no âmbito interno de uma instituição financeira, é evidente que, na fixação da autoria, será considerada a regra do art. 25. Isso não torna o crime, no entanto, próprio. Quando a Lei nº 7.492/86 assim desejou, o fez expressamente.

Acrescento, ainda, não haver como falar que o “caixa 2” praticado porpessoasalheiasàadministraçãodeinstituiçõesfinanceirasestariaincriminado pelo art. 2º, V, da Lei nº 8.137/90. São crimes distintos. “O caixa dois da Lei 8.137/90”, adverte Fábio Rosa, “não é caracterizado pela existência de um volume de dinheiro disponível, sem declaração ao Fisco, mas pela manutenção de um sistema contábil que viabiliza que isso ocorra”. De tal forma,“ocaixadoisdasonegaçãoedocrimefinanceiroexpressam-seporumfatosó,doqueseconcluiquesetratadeconcursoformal.Todavia,afraudefiscalmaterializafatoindepen-dente,resultandooconcursomaterial.Assim,nahipótesefigurada,háconcursomaterialdasonegaçãofiscalcomdoiscrimesdecaixadoisque,porseulado,materializamumcon-curso formal. Pode até acontecer que o agente vise apenas a consumar o caixa dois da Lei 8.137/90, mas o fato de manter ou movimentar os recursos sigilosamente já tipifica o caixa dois da Lei 7.492/86. Se não há dolo direto quanto a este delito, pelo menos haverá o dolo eventual. Isso,entretanto,éincomum,porquearegraéadequehajaafraudefiscal,comproveito econômico, mantendo-se a contabilidade paralela e a movimentação dos recursos

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com capital de giro ou investimentos. Ambos os crimes do caixa dois serão consumados com dolo direto.” (op. cit., p. 19, destacou-se)

Com efeito, o lançamento de fatos geradores de tributos em um re-gistrocontábilparalelo,alémdeenganaravigilânciafiscal(“caixa2”do art. 2º, V, da Lei nº 8.137/90), pressupõe a posse e/ou movimentação dos recursos objeto da escrita lateral. Nessa situação,“não existe concurso aparente de lei entre as duas espécies delituosas do caixa dois. Tratando--se de fato único há tendência de confundir-se a hipótese. Observe-se que, no concurso formaldeumaunidadefática,decorremaisdeumresultadotipificado.Adiferençaentreochamado concursoimpróprio,queéoconflitoaparentedenormaspenais,sedimensionapela utilização de um princípio, por cuja aplicação restará a consequência de punir-se a conduta por um só dos crimes. Se o agente rouba, não é punível por furto e roubo, porque este é norma especial. Acaso incida um dos princípios (subsidiariedade, especialidade ou consunção), não será reconhecido o concurso formal. Inicialmente, o caixa dois da Lei nº 7.492/86podeexistirsemqueoantecedentesejasonegaçãofiscal.Bastaqueovalorvindoàsmãos do detentor tenha sua existência sonegada ao Banco Central do Brasil. O bem jurídico tuteladoemtaldelitoéaintegridadedosistemafinanceironacional.Aocontrário,ocaixadoisdaLei8.137/90lesadiretamenteavigilânciafiscaleindiretamenteoerário.Trata-sede bens de vida diversos. Logo, não havendo relação de subsidiariedade entre ambos os delitos, não sendo caso de norma penal especial ou de aplicação do princípio da consunção, quepressupõetuteladiretaouindiretadamesmaespéciedebens,inexisteconflitoaparentede leis. Resulta que haverá concurso formal entre as duas espécies de caixa dois.” (ROSA, Fábio. op. cit., p. 20)

Concluo, pois, pela possibilidade de pessoa alheia à administração de instituiçãofinanceirasersujeitoativodocrimecapituladonoart.11daLei nº 7.492/86, bastando, para tanto, que o capital gire fora do sistema de controle do Banco Central.

Assim, nos casos dessa natureza (empresário que se utiliza de doleiro para internalizar recursos à margem do SFN), é exigida do Parquet uma atuação mais técnica, mediante franca utilização de provas contábeis, a fimdedemonstraraindevidautilizaçãodomercadodecâmbioinformal,viabilizando, pois, a instauração da persecução criminal por um delito muito mais gravoso do que o do artigo 21, parágrafo único, da LCSFN.

Ante o exposto, com a devida vênia do eminente Relator, voto por negar provimento à apelação.

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HABEAS CORPUS Nº 5016351-28.2011.404.0000/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro

Paciente: S.C.Advogado: Dr. Cambises José Martins

Impetrado: Juízo Substituto VF e JEF de BrusqueMPF: Ministério Público Federal

EMENTA

Penal e processual. Habeas corpus. Art. 112, inc. I, do CP. Prescrição da pretensão executória. Termo a quo. Trânsito em julgado para ambas as partes. Interpretação de acordo com o sistema constitucional vigente.

1. Na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ (HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no DJe de 25.04.2011), o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes – e não somente para a acusação – como termo inicial para a prescrição da pretensão executória.

2. Em face de interpretação dada pela Suprema Corte ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), o Estado somente pode executar a pena após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, após esgotados todos os recursos.

3. Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado, em face da pendência de recurso interposto pela defesa, está impedidodeexecutarapenae,inobstanteisso,continuafluindooprazoprescricional.

4. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção da punibilidade, sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte.

5. Não é caso de declaração de inconstitucionalidade, porquanto “não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal, mas dando-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional” (TRF da 4ª Região, Corte Especial, HC nº 0025643-59.2010.404.0000/SC, Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no D.E. em 14.07.2011).

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Sétima Turma do Tribunal Federal da 4ª Região, por maioria, denegar a ordem, nos termos do relatório, voto e notas taqui-gráficasqueintegramopresentejulgado.

Porto Alegre, 31 de janeiro de 2012.Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Cambises José Martins, em favor de S.C., contra decisão proferida pelo MM. Juiz Substituto da Vara Federal de Brusque/SC que, nos autos da execução penal nº 5000623-30.2011.404.7215/SC, indeferiu pedido de extinção da punibilidade, nos termos seguintes (ev. 25):

“Trata-se de execução penal instaurada em face do apenado S.C., para cumprimento da pena de 8 meses de reclusão e multa no valor atualizado de R$ 44,89, em razão de con-denação na Ação Penal nº 2008.72.15.000836-8, pela prática do delito capitulado no art. 1º, I, da Lei 8.137/90, cuja pena restritiva de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos (prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade), consoante Ficha Individual do Réu – evento 1.

Intimado para a audiência admonitória e para o pagamento da pena de multa e custas processuais, o apenado peticionou nos autos por meio de advogado constituído, requerendo o reconhecimento da prescrição e extinção da punibilidade do sentenciado (evento 18).

Com vista dos autos, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo indeferimento do pedido,alegandoque‘nãotranscorreulapsosuficienteparaaincidênciadaprescrição,tendoem vista que entre a data da publicação da sentença condenatória (14.05.09) até a de intima-ção da defesa do acórdão recorrível (25.02.2011), traspassou-se menos de 02 (dois) anos’.

É o breve relatório. Decido.Analisandoofeito,verificoqueoréufoicondenado,noJuízodeprimeirograu,àpena

de2(dois)anosdereclusãoe10dias-multa,fixadoodia-multaem1/30dosaláriomínimovigente em abril de 2003. A sentença condenatória foi publicada em 14.05.2009.

Pela defesa foi interposto recurso de apelação, cujo acórdão proferido pelo egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região reduziu as penas aplicadas ao réu para 8 (oito) mesesdereclusãoe4(quatrodias-multa),restandodefinitivas,comtrânsitoemjulgado,tanto para a acusação quanto para o réu na data de 07.04.2011.

Considerando que o delito foi cometido antes da vigência da Lei 12.234/2010, aplicável ao caso a redação anterior do art. 109, inciso VI, do Código Penal, o qual preconizava para

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essa quantidade de pena o prazo prescricional de 2 anos.Dispõe o art. 110, do Código Penal, que a prescrição, depois de transitar em julgado a

sentençacondenatória,regula-sepelapenaaplicadaeverifica-senosprazosfixadosnoart.109, acima mencionado.

Na hipótese, em face da pena em concreto aplicada (08 meses de reclusão), necessário para que seja declarada a prescrição da pena aplicada, o decurso de dois anos ou mais entre a data da publicação da sentença condenatória, ocorrida em 14.05.2009, e a data do trânsito em julgado do acórdão, em 07.04.2011.

No entanto, o que se constata é que esse lapso consiste em um ano, dez meses e 23 dias,insuficienteparadeclaraçãodaprescriçãodapenadefinitivamenteaplicadadeoitomeses de reclusão, nos termos do art. 109, VI, do Código Penal, com a redação anterior à Lei 12.234/2010.

Anteoexposto,indefiroorequerimentodadefesaconstantenoeventonº12.Designo o dia 10 de novembro de 2011, às 14h30min, para realização da audiência

admonitória.Deverá o réu comprovar o pagamento da pena de multa e custas processuais no prazo

de quinze dias, consoante guias que lhe foram entregues por ocasião da intimação para a audiência anteriormente designada (evento nº 11), sob pena de remessa daqueles valores à Procuradoria da Fazenda Nacional para execução forçada, de acordo com a previsão do art. 51 do Código Penal e art. 342, § 1º, do Provimento nº 2, de 01.06.2005, Corregedoria--Geral da Justiça.

Cumpram-se as demais determinações constantes no despacho do evento nº 04.Intimem-se.Brusque, 30 de setembro de 2011.”

Sustenta o Impetrante, em síntese, ser caso de extinção da punibilidade, porquanto já decorreu mais de 02 (dois) anos entre a data da sentença condenatória e o início do cumprimento da pena. Refere que, in casu, o Acórdão não pode ser considerado como marco interruptivo da prescri-ção, já que “não houve alteração substancial da sentença”.

Diante disso, requereu a concessão liminar da ordem – suspendendo-se a audiência admonitória aprazada para o dia 10 de novembro de 2011 – e suaposteriorconfirmaçãopelaTurmaparaquesejadeclaradaextintaapunibilidade do paciente.

A tutela de urgência foi indeferida (ev. 2).As informações foram dispensadas. A Procuradoria Regional da Re-

pública manifestou-se pela denegação da ordem (ev. 7).É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro: A decisão que indeferiu a liminar foi lavrada nas seguintes letras (ev. 2):

“A irresignação não merece trânsito.Com efeito, ao contrário do alegado na inicial, a prescrição após a sentença condenatória

não possui como marcos a data da publicação do decisum e o início do cumprimento da pena, mas sim a sentença e o seu trânsito em julgado. É a chamada prescrição da pretensão punitiva intercorrente ou subsequente.

Conforme leciona Andrei Zenkner Schmidt (in Da Prescrição Penal, ed. Livraria do Advogado, p. 156-157), ‘o termo inicial da prescrição intercorrente é a data da última in-terrupção, ou seja, a data da publicação da sentença condenatória (DPSC). Se a condenação for originária de 2º grau, o dies a quo será a data da sessão de julgamento do recurso. (...). Já o termo final é a data do trânsito em julgado da sentença condenatória. Se o prazo pres-cricional obtido transcorrer por inteiro antes da formação da res judicata, extinta restará a punibilidade, devendo ser declarada na primeira oportunidade de manifestação.’

A propósito, veja-se o seguinte precedente:‘Penal e processual. Reclamação. Usurpação da competência desta Corte. Juízo de

admissibilidade. Declaração de prescrição. Ausência de jurisdição. Inocorrência. Requi-sito legal objetivo. Inexistência de fato impeditivo ou extintivo. Prescrição devidamente reconhecida. Reclamação julgada improcedente. 1. A reclamação é instrumento processual decaráterespecíficoeaplicaçãorestrita.Nostermosdoartigo105,incisoI,alíneaf, da Constituição Federal, presta-se para preservar a competência e garantir a autoridade das decisões dos Tribunais. 2. A análise da admissibilidade do recurso especial, realizada pelo Tribunal de origem, restringe-se ao exame dos requisitos formais, não se podendo adentrar na matéria de fundo. 3. A prescrição da pretensão punitiva estatal, a qual enseja a extinção da punibilidade, deve ser reconhecida, nos termos do artigo 61, caput, do Código de Processo Penal, em qualquer fase do processo, de ofício. 4. A declaração da prescrição pelo Tribunal deorigem,emsededejuízodeadmissibilidade,nãosignificaindevidoincursionamentono conteúdo do recurso, mas, antes, caracteriza-se como devida análise dos pressupostos do recurso especial, por se tratar de fato impeditivo ou extintivo do direito estatal de punir. 5. A prescrição restou devidamente delineada, na modalidade intercorrente, pois entre o último marco interruptivo, publicação da sentença condenatória, e o trânsito em julgado, o qual não havia ocorrido, implementou-se o lapso do artigo 109 do Código Penal. 6. Re-clamação julgada improcedente.’ (STJ, 3ª Seção, Rcl 4515/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, public. no Dje de 30.05.2011)

Na hipótese dos autos, não houve o transcurso de mais de 02 (dois) anos entre a publica-ção da sentença condenatória (14.05.2009) e o trânsito em julgado do processo (07.04.2011).

De outra parte, poderia, em tese, se cogitar da prescrição da pretensão executória entre o trânsito em julgado para a acusação (20.05.2009 – data em que, conforme consulta às fasesdaaçãopenal,restoucertificadaaausênciaderecursodoMinistérioPúblicoacerca

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da sentença) e o início do cumprimento da pena, que ainda não ocorreu.Entretanto, o e. STJ tem se manifestado no sentido de que o termo a quo da prescrição

executória não é o trânsito em julgado para o MP, mas sim para ambas as partes (que, no caso, como visto, se deu em 07.04.2011) consoante atesta a ementa do seguinte julgado:

‘Habeas corpus. Art. 33, § 3º c/c art. 28, inciso III, da Lei n° 11.343/06. Pena restriti-va de direitos. Prescrição da pretensão executória. Marco interruptivo. Efetivo início do cumprimento da pena. Termo inicial. Trânsito em julgado para ambas as partes. Ausência de informações necessárias ao deslinde da questão. Ordem parcialmente concedida. 1. Na linha de precedentes desta Corte, considera-se como início do cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade o dia do efetivo comparecimento do apenado à instituição assistencial designada pelo Juízo das Execuções para o cumprimento da ativi-dade (Precedentes). 2. O simples comparecimento do paciente em cartório para retirada de ofício e cadastramento em Programa de Prestação de Serviços à Comunidade não configurainíciodocumprimentodacondenação,nãopodendoserconsideradomarcoin-terruptivo do prazo prescricional da pretensão executória (Precedentes). 3. O termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes, porquanto somente nesse momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado. Dessa forma, não há como se falar em início da prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a impossibilidade de se dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva, em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 4. Na hipótese vertente, entretanto, não obstante o entendimento adotado pelas instâncias ordinárias não esteja em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, observa-se que não há nos autos informações seguras se o paciente já deu início ao efetivo cumprimento da pena, porquanto as notícias trazidas pela autoridade impetrada atestam tão somente a retirada do ofício em cartório aos 19.06.2008, fato que, repita-se, não pode ser considerado como marco interruptivo do mencionado lapso, motivo pelo qual não há como este Sodalício proceder a análise da ocorrência da referida causa extintiva de punibilidade no presente caso. 5. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de provas documentais que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente. 6. Ordem parcialmente concedida tão somente para determinar que o Juízo da Execução competente desconsidere o simples comparecimento do acusado em cartório para retirada de ofício como início do cumprimento da condenação e, procedendo a nova análise dos marcosinterruptivosprevistosnoart.117doCódigoPenal,verifiquesejátranscorreuolapso temporal exigido para o reconhecimento da extinção da punibilidade do paciente pela prescrição da pretensão executória.’ (Quinta Turma, HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no DJe de 25.04.2011)

Ex positis,indefiroaliminar.”

Não há razões para alterar tal entendimento, já que efetivamente não houve o transcurso de mais de 02 (dois) anos entre a publicação da

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sentença condenatória (14.05.2009) e o trânsito em julgado do processo (07.04.2011) para que fosse reconhecida a prescrição intercorrente.

De igual forma, na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ, o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes – e não somente para a acusação – como termo a quo para a prescrição da pretensão executória.

Com efeito, como é cediça, a prescrição está consubstanciada basi-camente na inércia por parte do Estado que, ao deixar de agir quando poderia, perde o direito de punir o cidadão. Conforme lição de Andrei Zenkner Schmidt (ob. cit., p. 18-19),“as pretensões punitiva e executória não são perpétuas. O Estado está sujeito a um prazo determinado dentro do qual deverá mover a ação penal e, após, executar a pena, se con-denatória a decisão. Mantendo-se inerte durante esse lapso, perderá o direito de punir ou de executar, conforme o caso, a sanção penal. A prescrição é justamente a caducidade do direito do Estado, pelo decurso do tempo, em exercitar a pretensão punitiva ou a executória.”

A par disso, no sistema constitucional em vigor, em face de interpre-tação dada pela Suprema Corte ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), o Estado somente pode exe-cutar a pena após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, após esgotados todos os recursos.

Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado, em face da pendência de recurso interposto pela defesa, está impedido de executarapenae,inobstanteisso,continuafluindooprazoprescricional.Consoante bem destacado por Guilherme de Souza Nucci (in Manual de Direito Penal, 7. ed., RT, p. 617),“o início da prescrição da pretensão executória contra o Estado a partir do momento em que há o trânsito em julgado da decisão somente para a acusação é inconcebível, pois, ainda que se queira, não há viabilidade para a execução da pena, devendo-se aguardar o trânsito em julgado para a defesa. Ora, se não houve desinteresse do Estado, nem inércia, para fazer o condenado cumprir pena, não deveria estar transcorrendo a prescrição da pretensão executória.”

Entendimento contrário levaria à seguinte situação: o Estado não está autorizado a agir e mesmo assim a prescrição continua ocorrendo. Ora,

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isso é um verdadeiro contrassenso, mormente em face da ampla possibili-dade de recursos que a legislação processual pátria coloca à disposição da defesa. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção da punibilidade, sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte.

O trânsito em julgado somente para a acusação poderia ser mantido como termo inicial da prescrição se houvesse possibilidade de execu-ção provisória da pena, porquanto, nessa hipótese, o Estado não estaria impedido de agir, a despeito da pendência de recurso defensivo. Nesse aspecto, aliás, observem-se as percucientes razões elencadas pelo e. Juiz Federal Artur César de Souza no voto proferido nos autos do processo 5002934-57.2011.404.7000/PR, verbis:

“(...) Antes de mais nada, é necessário realizar uma análise sistemática da aplicação da prescrição com base na pena em concreto, desde que tenha a sentença condenatória transi-tado em julgado apenas para a acusação, conforme regra prevista no § 1º do art. 110 do C.P.

A redação dada ao § 1º do art. 110 do C.P., após a reforma penal realizada pela Lei n° 7.209, de 11.07.1984, foi no sentido de que ‘A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido o seu recurso, regula-se pela pena aplicada’.

A reforma penal de 1984 deu-se sob a égide da Constituição Federal de 1969, mais precisamente com base na Emenda Constitucional n° 1 de 17 de outubro de 1969.

A Constituição de 1969, por sua vez, no Capítulo IV – Dos Direitos e Garantias Indivi-duais,nãoprevia,emseuart.153,nenhumprincípioespecíficodapresunçãodainocência,no sentido de que qualquer pessoa somente poderia ser considerada culpada após o trânsito em julgado da decisão, conforme preconiza o art. 5º, inc. LVII da atual C.F., a saber: ‘nin-guém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’.

Assim, como a Constituição Federal de 1969 não previa expressamente o princípio da inocência com base na culpabilidade reconhecida apenas após o trânsito em julgado da sentençapenalcondenatória,legítimaeplenamenteeficazseriaaredaçãodoart.110, § 1º do C.P. que permitia o reconhecimento da prescrição, após o trânsito em julgado da sentença para a acusação, com base na pena aplicada na sentença condenatória.

E essa legitimidade legislativa tinha sua razão de ser no fato de que a Constituição Federal de 1969 não impedia a execução provisória da decisão nas hipóteses em que o recurso interposto pela defesa contra a sentença condenatória não fosse recebido também no efeito suspensivo, como era o caso do Recurso Extraordinário.

Por isso a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, durante longos anos, orientou-se no sentido de que a interposição do recurso especial e/ou recurso extraordinário não impedi-ria, em princípio, a prisão do condenado, tendo em vista que não possuem efeito suspensivo. Nesse contexto, à guisa de exemplo, arrolo os seguintes precedentes: HC 83.978/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 28.2004; HC 84.336/RS, rel. Min. Ellen Gracie,

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2ª Turma, DJ 01.10.2004; HC 80.174/SP, rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ 12.04.2002; RHC 79.972/SP, rel. Min. Nelson Jobim, Segunda Turma, DJ 22.02.2000 e HC n° 80.939/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 1º Turma, unânime, DJ 13.09.2002.

Assim,seapretensãoexecutóriadapenafixadanasentençapenalcondenatória(emboraainda recorrível por parte da defesa) poderia ser realizada, desde que o recurso não fosse recebido também no efeito suspensivo, como é o caso do recurso especial e do recurso extraordinário, o sistema do Código Penal (infraconstitucional) era perfeito ao estabelecer que a prescrição nessas hipóteses se dava pela pena aplicada (desde que transitada em julgado a decisão para acusação).

Sem dúvida, podendo a acusação exercer sua pretensão executória (ainda que proviso-riamente) conforme permissão dada pela Corte Constitucional brasileira e pela Constituição Federal de 1969, a prescrição deveria contar-se não mais com base na pena em abstrato do delito, mas com base na pena em concreto, pois a sentença penal condenatória, embora aindasujeitaarecursodadefesa,tinhaplenaeficácianoordenamentojurídicobrasileiropara efeito de execução provisória.

Contudo, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o princípio da ino-cêncianãoficoumaissujeitoaumasentençapenalcondenatória(aindapendentederecurso),mas, sim, a uma sentença penal condenatória com trânsito em julgado para ambas as partes, conforme preconiza o art. 5º, inc. LVII, a saber: ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’.

Assim, se a partir da Constituição Federal de 1988 ninguém mais poderia ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, nenhum efeito jurídico poderia desencadear essa sentença, principalmente no que concerne à pena aplicada, antes de a pessoa ser considerada culpada, o que somente ocorre com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Note-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 não distinguiu entre trânsito em julgado para a acusação ou para a defesa. No caso do art. 5º, inc. LVII, a culpabilidade exige o trânsito em julgado tanto para a defesa quanto para a acusação.

Dando-se conta dessa nova realidade, o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do H.C. n° 84.078/MG, de relatoria do Min. Eros Grau, realizou uma verdadeira evolução jurisprudencial, acabando por concluir pela inconstitucionalidade da denominada execução provisória/antecipada da pena. (...)

ConformebemafirmouoMinistroErosGrauemseuvoto,éinadmissívelasuaexclusãosocial sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação.

Assim, por decisão do STF, a singularidade de cada infração penal (e nesta encontra-se, evidentemente, a pena a ser aplicada) somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação para ambas as partes.

Por isso, a partir do precedente do STF no HC n° 84078, antes do trânsito em julgado da sentença penal para ambas as partes, tudo aquilo que foi estabelecido na sentença penal não temqualquereficáciajurídica,aliás,diantedoprincípiodainocênciaconformeestabelecido

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notextoconstitucional,poder-se-iaatémesmoafirmarquenãoexistepena(nulla poena sine culpa), principalmente a pena aplicada, razão pela qual, enquanto não realizada esta condição (trânsito em julgado para ambas as partes), o crime somente poderá ser considerado na sua abstração, inclusive no que concerne à pena aplicada na decisão. Ora, se a pena não pode ser executada, em razão do princípio da inocência, também não pode ser considerada para efeitos da contagem do prazo prescricional.

Aliás, no Habeas Corpus n° 107.547, o Ministro Gilmar Mendes, ao tratar da questão da execução provisória da pena, assim se expressou:

‘Pareceevidente,outrossim,queumaexecuçãoantecipadaemmatériapenalconfi-guraria grave atentado contra a própria ideia de dignidade humana. Se se entender, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há como com-patibilizar semelhante ideia com a execução penal antecipada. A propósito da aplicação da dignidade humana em matéria penal, registre-se este fragmento da decisão proferida pela Corte Constitucional alemã acerca da aplicação de pena perpétua: ‘No campo da luta contra a delinquência, é onde se estabelecem os mais altos requisitos de justiça, o art 1º da Lei Fundamental determina a concepção da essência da pena e da relação entre culpa e expiação. O princípio ‘nula poena sine culpa’ é dotado de hierarquia de um princípio constitucional (BverfGe 20, 323 (331)). Toda pena deve estar em adequada proporção com a gravidade do fato punível e a culpa do delinquente (BverfGe 6, 389 (489) 9, 167 (169) 20, 323(331)25,285s).Omandadoderespeitaradignidadehumanasignificaespecialmenteque se proíbam as penas cruéis, desumanas e degradantes (BverfGE 1, 332 (348); 6 389 (439)). O delinquente não pode converter-se em simples objeto da luta contra o crime com violação de seus direitos ao respeito e à proteção de seus valores sociais (BverfGE 28m 389 (391)). Os pressupostos básicos da existência individual e social do ser humano devem ser conservados (BverfGE 45, 187).’

Como bem pondera o Ministro Gilmar Mendes com base na lei fundamental da Alema-nha, o princípio ‘nula poena sine culpa’ é dotado de hierarquia de um princípio constitucional (BverfGe 20, 323 (331)).

Portanto, enquanto não houver culpa (o que somente ocorre com o trânsito em julgado da decisão para acusação e para a defesa), não há pena, ou seja, sem a constatação efetiva da culpabilidade a pena aplicada é nula. Digo mais, é inexistente.

Evidentemente que essa nulidade deve ser plena para todos os efeitos jurídicos, ou seja, se essa pena não pode ser executada provisoriamente, por ser nula/inexistente, também não pode servir de base para cálculo do prazo prescricional, pois, nula poena sine culpa.

TambémoMinistroErosGrau,noHCn°84.078,afirmou:‘Aliás, a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que alguém viesse a

ser considerado culpado – e ser culpado equivale a suportar execução imediata da pena – anteriormente ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em julgado da sentença

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penal condenatória. Não me parece possível, salvo se for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que dispõe o inciso LVII do seu artigo 5º. Apenas um desafeto da Constituição – lembro-me aqui de uma expressão de GERALDO ATALIBA, exemplo de dignidade, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos de jurista poderiam supor –, apenas um desafeto da Constituição admitiria que ela permite seja alguém considerado culpado anteriormente ao trânsito em julgado da sentença penal condenatória.ApenasumdesafetodaConstituiçãoadmitiriaquealguémfiquesujeitoaexecução antecipada da pena de que se trate. Apenas um desafeto da Constituição.’

Evidentemente, se a parte não pode ser considerada culpada antes do trânsito em julgado da decisão, pois prevalece no nosso ordenamento jurídico, inclusive a título de natureza constitucional, o princípio nula poena sine culpa,écertoqueapenafixadanasentençaantesdo trânsito em julgado da decisão para todas as partes não pode ser aplicada para qualquer título, pois essa pena não existe, enquanto não houver o trânsito em julgado da decisão e a perfectibilização da culpabilidade. Antes do trânsito em julgado, o crime não existe e tudo deve ser avaliado no âmbito da abstração, inclusive a pena para efeito de prescrição.

O que se deve propugnar é por uma interpretação conforme a Constituição do art. 110, § 1º do C.P. ou, no mínimo, uma interpretação sistemática, pois a prescrição, enquanto não transitada em julgado para ambas as parte, deve ser considerada com base na pena existente, ou seja, na pena abstrata constante do delito.

Se o STF fez nova leitura no que concerne à execução da pena provisória, também nós devemos fazer nova leitura do art. 110, § 1º para que a questão da prescrição possa se ajustar à nova interpretação Constitucional dada pelo Tribunal Constitucional brasileiro.

E não poderia ser diferente a interpretação que se pretende dar ao art. 110 do C.P., principalmente após a decisão proferida pelo STF no HC n° 84.078, uma vez que não havendo possibilidade de o Estado promover a antecipação executiva da pena (em face do princípio nula poena sine culpa),aindaqueprovisória,issotambémsignificadizerqueo Estado não tem pretensão à execução, e, não havendo pretensão, também não há como falar em prescrição. (...)”

A respeito do tema em debate, vejam-se ainda os seguintes precedentes dos demais Tribunais Regionais Federais:

“Penal e Processual. Sentença. Execução provisória. Impossibilidade. Presunção de não culpabilidade. Trânsito em julgado. Ambas as partes. Prescrição. Pretensão execu-tória. Extinção da punibilidade. 1. O Supremo Tribunal Federal professa o entendimento segundo o qual, em consonância com o princípio constitucional da não culpabilidade, é impossível a execução provisória de sentença condenatória (HC 84078). 2. Descabe falar em prescrição da pretensão executória com base na interpretação literal do inciso I do art. 112 do Código Penal, pois tal exegese não se coaduna com o texto da Constituição, sendo mais apropriada a análise sistemática do dispositivo, exigindo-se, também, o trânsito em julgado para o réu. 3. Omissis. 4. Recurso em sentido estrito não provido.” (TRF da 1ª Região, RSE nº 2002.41.00.002328-5, Rel. Des. Federal Tourinho Neto, public. no e-DJFI

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de 17.06.2011, p. 95)“Penal e Processual Penal. Apropriação Indébita Previdenciária. Agravo em Execução

Penal. Inocorrência da prescrição da pretensão executória. Marco inicial da prescrição da pretensão executória. Trânsito em julgado para ambas as partes. Extinção da punibilidade afastada. Decisão agravada reformada para determinar o prosseguimento da execução penal. Recurso do MPF provido. 1. Consta dos autos que o réu, ora agravado, por sentença proferida pela Juíza Federal da 5ª Vara Federal de Santos, foi condenado como incurso nas sançõesprevistasnoartigo168-A,c/cart.71,ambosdoCódigoPenal,sendo-lhefixadaapenacorporaldefinitivade02(dois)anos,06(seis)mesese10(dez)diasdereclusão,emregime aberto, além da pena pecuniária de 14 (quatorze) dias-multa, com substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 2. O réu interpôs recurso de apelação, tendo esta E. Corte Regional negado provimento ao recurso, mantendo a r. decisão monocrática de primeiro grau. 3. Consta, ainda, que o v. acórdão transitou em julgado para ambas as partes em01.08.2008(fl.29).4.Amagistrada,considerandoquealeipenaléclaranosentidode que a prescrição da pretensão executória tem início com o trânsito em julgado para a acusação, reconheceu a ocorrência da prescrição da pretensão executória, julgando extinta apunibilidadedocondenado,oraagravado(fls.41-44everso).5.Aalegaçãodoagravante(Ministério Público Federal) se resume à questão do não reconhecimento da prescrição, em face da pena aplicada ao ora agravado. E tal lapso prescricional da pretensão executória não restou ultrapassado, uma vez que teve início somente quando do trânsito em julgado doacórdãoparaaacusaçãoedefesa,quesedeuem01.08.2008(fl.29).6.É que somente a partir desse momento a pena cominada ao réu se tornou executável, em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência. Antes desse marco temporal, enquanto não ultrapassados os julgamentos de todos os recursos interpostos pelas partes, não se pôde cogitar da execução da sanção penal, porque ainda não se podia ter como certa e definitiva a condenação do réu. A pretensão executória do Estado só passou a existir quando o título condenatório e a respectiva sanção penal passaram a existir e tal ocorreu com o trânsito em julgado da decisão, o que a torna definitiva, imutável e executável. 7. Assim, porque a Justiça Pública ainda não podia pretender que se iniciasse a execução da sanção penal cominada ao acusado, o que só passou a ser possível a partir de 01.08.2008, quando a condenação e a sanção penal restaram confirmadas por decisão transitada em julgado, não se pode concluir que houve a prescrição da pretensão executória do Estado. 8. O E. Superior Tribunal de Justiça tem se posicionado neste sentido, ou seja, de que o termo inicial da prescrição da pretensão executória é a data do trânsito em julgado da decisão para ambas as partes, uma vez que não se pode dar início ao cumprimento da pena, isto é, à execução, antes desse marco. Precedentes. 9. No caso, conclui-se que os fatos delituosos não foram atingidos pelo fenômeno da prescrição executória, subsistindo, em favor do Estado, o direito de punir e executar a pena cominada ao condenado. 10. Recurso do MPF provido parareformarar.decisãoagravadadefls.41-44,umavezquenãoocorreuaprescriçãodapretensão executória estatal, determinando o regular prosseguimento da execução penal.” (TRF da 3ª Região, Quinta Turma, AGEXPE 00066285520104036104, Rel. Des. Federal

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Ramza Tartuce, public. no DJ de 19.10.2011)“Penal. Habeas corpus. Suposta prescrição da pretensão executória. Decurso de tem-

po pretensamente superior ao previsto no arts. 109, V, e 110 parágrafo 1º, ambos do CP. Aplicação do instituto em consonância com os princípios constitucionais de regência, em especial o insulpido no art. 5º, LVII. Denegação da ordem. 1. O paciente foi condenado, pelo cometimento do crime de estelionato, às penas de 01 ano e 04 meses de reclusão, mais multaquefindouestipulada,segundosedisse,emderredordeR$600,00(seiscentosreais).2. A prescrição da prescrição executória no caso em comento (de 04 anos, considerando os ditames do Art. 109, V, do CP) deve ser contada a partir do trânsito em julgado da sentença para ambas as partes (tanto para o Ministério Público Federal como para o acusado). 3. Interpretação distinta (como a que pretende o impetrante, louvando-se da data do trânsito em julgado apenas para o MPF) não se coadunaria com o princípio da presunção da ino-cência, desenhado no Art. 5º, LVII, da Constituição Federal. 4. Sabe-se, ao fim e ao cabo, que o cumprimento da pena só poderia ser iniciado após o trânsito em julgado da sentença condenatória para os dois lados da demanda, e daí a total impertinência da tese alusiva à fluência do prazo prescricional executório antes do exaurimento total e absoluto da relação processual. 5. Denegação da ordem. (TRF da 5ª Região, HC nº 00032265120114050000, Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, public. no DJe de 04.04.2011, p. 63)

Registre-se,porfim,quenãoéhipótesededeclaraçãodeinconstitucio-nalidade do artigo 112, inc. I, do CP, mas mera interpretação do referido dispositivo de acordo com a norma constitucional vigente, conforme, aliás, já decidido pela Corte Especial deste TRF nos autos do HC nº 0025643-59.2010.404.0000/SC (Rel. Des. Tadaaqui Hirose, public. no D.E. em 14.07.2011):

“Penal. Habeas corpus. Marco inicial do prazo prescricional da pretensão executória. Art. 112, inciso I, do Código Penal. Arguição de inconstitucionalidade. Não conhecimento. 1. A solução ao pedido veiculado na impetração, qual seja, incursão sobre o marco inicial do prazo prescricional da pretensão executória (CP, art. 112, inciso I), exige análise sobre a recepção ou não da norma pela nova ordem constitucional, mormente levando em conta aampliaçãodoâmbitointerpretativodanormaescrutinadaparafinsdeadequaçãoherme-nêutica aos novos preceitos constitucionais que regem o direito penal, principalmente os que dizem respeito aos princípios da presunção de inocência e isonomia processual. 2. A mera interpretação pelo Órgão Fracionário do Tribunal de legislação federal, à luz de princípios constitucionais, não caracteriza ofensa ao princípio da reserva do plenário. Isso porque inter-pretação dada a dispositivo legal não se equipara à declaração de sua inconstitucionalidade. 3. Também não se está tratando da hipótese de inconstitucionalidade superveniente. Tem-se, em tal caso, a aplicação da conhecida doutrina de Kelsen de que as normas infraconstitu-cionais anteriores à Constituição, com esta incompatíveis, não são por ela recebidas. Ou seja, ocorre sua natural derrogação frente à Constituição nova. 4. Nessa linha, a solução

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dada à impetração não ofende o princípio da reserva do plenário de que trata o art. 97, da Constituição Federal, uma vez que não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal, mas dando-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional, o que faz, portanto, que a arguição de inconstitucionalidade não seja conhecida.”

Ante o exposto, voto por denegar a ordem.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Márcio Antônio Rocha: Peço vênia ao Exmo. Relator para divergir no que se refere à prescrição da pretensão executória.

Omarcoprescricionalemdebateéfixadopeloartigo110,§1º,doCódigo Penal, que prevê a prescrição da pretensão executória após o trânsito em julgado da condenação para a acusação:

“§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa.” (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010)

Trata-se de disposição legal estabelecida pelo legislador, que teve a oportunidade de rever essa sistemática, mas optou por mantê-la, com adequações, quando da edição da Lei nº 12.234, de 05 de maio de 2010.

Sendo opção legislativa válida, e estabelecida em favor do réu, somen-te o Legislador poderá excluí-la, não se podendo efetuar interpretação in malam partem perante o leito do Direito Penal.

Isso tudo, malgrado a retórica, forte em silogismo lógico, indica não ser razoável que o prazo prescricional da pretensão executória comece afluirantesmesmodeexistirpretensãoexecutória,jáqueénecessáriaacondenaçãodefinitivaparaqueoEstadopossadarinícioaocumprimentoda pena, em função do disposto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

Assinalo que a questão é controvertida na jurisprudência, sendo que a 5ª e a 6ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça têm entendimentos conflitantesacercadotema:

“HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-SÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. LAPSO PRESCRICIONAL NÃO TRANSCORRIDO ATÉ O PRESENTE MOMENTO. ORDEM DENEGADA.

1. O termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória é o trânsito

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em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado. Desta forma, não há como se falar em início da prescrição a partir do trânsito em julgado para a acusação, tendo em vista a impossibilidade desedarinícioàexecuçãodapena,jáqueaindanãohaveriaumacondenaçãodefinitiva,em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal.

2. Na hipótese vertente, considerando-se que a pena aplicada ao paciente foi de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a prescrição da pretensão executória ocorre em 12 (doze) anos, nos termos do art. 110, caput, c/c art. 109, inciso III, ambos do Código Penal. E, examinando as alíneas do art. 117 do Código Penal, constata-se que desde o trânsito em julgado para ambas as partes – termo inicial para a contagem do prazo – até o presente momento, não houve o transcurso do lapso prescricional de 12 (doze) anos, motivo pelo qual, ao contrário do aventado na impetração, não se vislumbra que a pretensão executória estatal esteja fulminada pelo instituto da prescrição a ensejar a extinção da punibilidade do paciente.

3. Ordem denegada.” (HC 127.062/RO, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 25.11.2010, DJe 14.02.2011)

“HABEAS CORPUS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PRESCRIÇÃO DA PRETEN-SÃO EXECUTÓRIA. IMPROCEDÊNCIA.

1. No caso, condenado o paciente a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, o prazo prescricional é de 12 (doze) anos, a teor do art. 109, III, do Código Penal. Entre os marcos interruptivos previstos em lei, não se vislumbra o transcurso do mencionado lapso temporal. A contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusa-ção (art. 112 do CP), isto é, 10.02.1995, a pretensão executória estaria extinta somente em 09.02.2007. Ocorre que o paciente deu início ao cumprimento da pena em 02.12.2005, fato que interrompeu a contagem do prazo (art. 117 do CP).

2. Ordem denegada.” (HC 122.393/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 02.06.2011, DJe 15.06.2011)

Conforme anteriormente mencionei, minha compreensão é no sentido de que, em tema de aplicação de penas, vigora o princípio da legalidade estrita.

Assim, se o legislador estabeleceu um critério mais favorável aos apenados, no que tange ao início da contagem do prazo da prescrição da pretensão executória do Estado, esse critério deve ser observado.

Com efeito, se o legislador tem poderes para dizer se determinada conduta configura ou não umdelito, se ele tempoderes para abolirdeterminados crimes, se ele tem poderes para estabelecer os prazos prescricionais, ele também tem poderes para estabelecer o termo inicial desses prazos.

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Anoto que, embora não enfrentando diretamente a questão, o Supremo Tribunaltem-semantidofielàexegeseliteraldoartigo112,I,doCódigoPenal, conforme demonstra a íntegra do voto prolatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento dos embargos de declaração in-terpostos do julgado que apreciou os embargos de declaração no RE nº 602.026-RS:

“Preliminarmente, recebo os embargos de declaração como agravo regimental, uma vez que opostos de decisão monocrática.

Eis o teor da decisão agravada:‘Trata-se de embargos de declaração opostos contra decisão que negou seguimento a

recurso extraordinário criminal ao fundamento de que a recorrente não demonstrou, de forma fundamentada, a existência de repercussão geral dos temas constitucionais suscitados.

A embargante sustenta que houve omissão na decisão impugnada quanto ao exame da alegação de ocorrência da prescrição da pretensão executória do Estado.

Temrazãodaembargante,vistoque,adespeitodapetiçãoaviadaàsfls.480-483,adecisão embargada deixou de analisar a referida arguição.

Passo à análise da apontada omissão.Insubsistente a assertiva de que se consumou a prescrição.Isso porque a recorrente foi condenada à pena de dois anos de reclusão pela prática do

delito previsto no art. 297, § 3º, II, do Código Penal, por fatos praticados em 13.12.2004. Pois bem.Prescreve o art. 110 combinado com o art. 109, V do CP que a prescrição consuma-se

em quatro anos se a pena aplicada não for superior a dois anos. Entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia (16.03.2006) não transcorreu tal prazo, tampouco entre esta e a publicação da sentença condenatória (29.02.2008).

De igual modo não se operou a prescrição da pretensão executória, uma vez que, nos termos do art. 112, I, do CP, o prazo prescricional deve ser contado a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, que foi intimada do édito condenatório em 03.03.2008.

Isso posto, acolho os embargos de declaração para esclarecer que não se consumou a prescriçãodapretensãoexecutória,mantida,nomais,adecisãoatacada(fls.356-357).’

Bemexaminadaaquestão,verifica-sequeadecisãooraatacadanãomerecereforma,uma vez que a recorrente não aduz novos argumentos capazes de afastar as razões nela expendidas.

Como consignado no decisum atacado, não se consumou a prescrição da pretensão punitiva,tampoucoseverificouaprescriçãodapretensãoexecutória,consideradaapenaimposta (dois anos) e os marcos interruptivos da prescrição.

Destaco,porfim,queasmodificaçõespromovidaspelaLei12.234/2010aoCódigoPenal em nada alteram o entendimento assentado quanto à inocorrência da prescrição no caso sob exame.

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Isso posto, nego provimento ao agravo regimental.” (grifado)

Com esses fundamentos, entendo que deve ser reconhecida a prescri-ção da pretensão executória contra o paciente, pois transcorreram mais de dois anos desde a data do trânsito em julgado da sentença condenatória paraaacusação,em20.05.2009,consoanteseverificadainformaçãoprocessual da ação penal nº 2008.72.15.000836-8: “20.05.2009 15:27 Lavrada Certidão Não houve interposição de recurso pelo Ministério Público Federal acerca da sentença das fls.67-v/76”, observando-se que a audiência admonitória foi designada para 10.11.2011.

Ante o exposto, voto por conceder a ordem, para declarar extinta a punibilidade em face da prescrição da pretensão executória.

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DIREITO PREVIDENCIÁRIO

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0001040-63.2009.404.7110/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Apelado: Genesio dos Santos GomesAdvogado: Dr. Jorge Ferreira Porto

Remetente: Juízo Substituto da 2ª VF de Pelotas

EMENTA

Previdenciário e Processual Civil. Concessão de benefício. Decadên-cia. Pescador. Aposentadoria especial. Requisitos não implementados. Aposentadoria por tempo de serviço. Concessão.

1. O prazo extintivo de todo e qualquer direito ou ação previsto no art. 103, caput, da Lei 8.213/91 (com a redação dada pela MP 1.523-9, de 27.06.1997, convertida na Lei nº 9.528, de 10.12.1997, alterada pela Medida Provisória nº 1.663-15, de 22.10.1998, que por sua vez foi trans-formada na Lei nº 9.711, de 20.11.1998), somente se aplica à revisão de ato de concessão do benefício.

2. Afastada a preliminar de carência de ação por ausência de anterior pedido na via administrativa, já que o acionado contestou o mérito da ação, patenteando resistência à pretensão vestibular.

3. O Decreto nº 22.872/33, que criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, assegurou aos pescadores empregados os

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benefícios que previa, mediante o recolhimento, pelas empresas, de contribuições destinadas ao Instituto, o que foi mantido pelo Decreto--Lei nº 3.832/41, que também incluiu como segurados os pescadores que trabalhassem por conta própria.

4. O pescador empregado e aquele que exercia a pesca por conta própria (autônomo) foram abrangidos pela Lei nº 3.807/60, sendo que, no caso do primeiro, a obrigação pela arrecadação e pelo recolhimento das contribuições era do empregador, e, no segundo caso, era do próprio segurado, que deveria, conforme a redação original do art. 79 da Lops, recolher diretamente à Instituição de Previdência a que estivesse vincula-do. Não houve, na Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS (Decreto nº 77.077, de 24.01.1976) e na nova Consolidação expedida em 23.01.1984, consubstanciada no Decreto nº 89.312, que substituiu aquela datada de 1976, alteração da sua situação. Com a edição da Lei nº 8.213/91, a condição de segurado obrigatório do empregado e do autônomo (atual contribuinte individual) restou assegurada no incisos I e V do artigo 11.

5.ODecretonº71.498/72incluiu,comobeneficiáriosdoProgramadeAssistência ao Trabalhador Rural – Pró-Rural, os pescadores artesanais, situação esta que se mantém até os dias atuais, nos termos do art. 11, inciso VII, b, da Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.718/2008.

6. O art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91, permite o cômputo do tempo de serviço exercido como pescador artesanal, exercido em qualquer época, desdequeanterioràdatadeiníciodesuavigência,parafinsdeaposen-tadoria por tempo de serviço ou contribuição, independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência. Portanto, mesmo o tempo como pescador artesanal exercido anteriormenteaoDecretonº71.498/72podesercomputadocomofimde obtenção de benefício previdenciário na vigência da atual LBPS.

7. O Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, que atualmente regu-lamenta a Lei nº 8.213/91, dispõe, no artigo 62, § 2º, inc. I, a, que serve como prova do tempo de serviço do pescador a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos ou pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca.

8. Comprovado, pela caderneta de pescador, o tempo de serviço como

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pescador empregado, deve este ser computado como tempo de serviço urbano comum.

9. Demonstrado, mediante início de prova material corroborada por testemunhas, o labor como pescador artesanal, nos termos do § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91, deve esse ser computado como tempo de serviço.

10. O tempo de serviço como pescador artesanal não pode ser reco-nhecido como especial. Precedentes desta Corte.

11.Otempodeserviçocomopescadorprofissionalempregadodeveser computado como especial até 28.04.1995, em razão do enquadramento porcategoriaprofissional.

12. Somando-se o tempo de serviço especial ora reconhecido, a parte-autora não implementa o mínimo de 25 anos para a outorga da aposentadoria especial, nos termos do art. 57 da LBPS.

13. Hipótese em que, embora a parte-autora não implemente tempo suficienteàoutorgadaaposentadoriaespecial,deveser-lheoutorgadaaaposentadoria por tempo de serviço, a contar da data do requerimento administrativo, uma vez que preenchia os requisitos legais para tanto.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, extinguir o feito, de ofício, sem exame do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, e de 04.10.1991 a 17.02.1992, por falta de interesse de agir, com base no artigo 267, VI, do CPC, dar parcialprovimentoàapelaçãodoINSSeàremessaoficial,edeterminarocumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício daparte-autora,nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 23 de novembro de 2011.Des. Federal Celso Kipper, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Genésio dos Santos Gomes,

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nascido em 17.10.1948, ajuizou, em 19.03.2009, ação previdenciária contra o INSS, pretendendo a concessão de aposentadoria especial, com efeitos retroativos ao dia 30.10.1998, quando preencheu as condições para a concessão da inativação, com o pagamento das parcelas vencidas desde aquela data, excluídas aquelas atingidas pela prescrição quinquenal, mediante o reconhecimento do tempo de serviço como pescador.

Narrou que, erroneamente, requereu, em 10.04.2008, o benefício de aposentadoria por idade, quando o correto seria aposentadoria especial.

Afirmouter laboradocomopescadorempregadonosintervalosde28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 26.08.2005 e de 27.08.2005 a 09.05.2006, além de ter exercido a atividade de pesca artesanal no interstício de 04.02.1974 a 02.05.1983.

Requereu o cálculo do salário de benefício pela média dos últimos 36 salários de contribuição, apurados no período de novembro de 1995 a outubro de 1998, cuja renda mensal atual corresponde a R$ 525,41, em conformidade com os dissídios da categoria a que pertence (pescador profissional).

Postulou, ainda, a antecipação dos efeitos da tutela.Opedidodeantecipaçãodetutelafoiindeferidoàfl.100.Na contestação, a Autarquia alegou a decadência e a prescrição das

parcelas vencidas antes dos cinco anos que antecederam o ajuizamento da ação, além da falta de interesse processual, uma vez que o pedido administrativo foi de aposentadoria por idade, e não aposentadoria es-pecial. No mérito, rechaçou o pedido inicial.

Na sentença (08.01.2010), o magistrado a quo afastou as prelimina-res suscitadas, indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela e julgou parcialmente procedente o pedido para, reconhecendo o tempo de serviço como pescador artesanal e a especialidade dos interregnos pleiteados na inicial, limitado o último intervalo à data de 30.10.1998, conceder a aposentadoria especial à parte-autora, cuja renda mensal ini-

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cial deverá ser calculada tomando-se por direito adquirido ao benefício em tal data, porém o valor do salário de benefício somente será apurado por ocasião da liquidação da sentença. Determinou o pagamento das parcelas vencidas, a partir de 10.04.2008, data do requerimento admi-nistrativo, corrigidas monetariamente pelo IGP-DI, desde o vencimento de cada prestação, acrescidas de juros de mora de 12% ao ano, a contar da citação, incidindo, a partir de 30.06.2009, a Lei nº 11.960. Diante da sucumbência mínima da parte-autora, determinou o pagamento, pelo INSS,dehonoráriosadvocatíciosfixadosem10%dovalordasprestaçõesvencidas até a sentença. Sem custas processuais.

Em suas razões de apelação, a Autarquia Previdenciária sustentou que não houve pretensão resistida em relação ao pedido de aposentadoria especial, uma vez que, na via administrativa, não foram analisados os re-quisitos para tal benefício. Sustentou que a parte-autora, quando requereu o benefício de aposentadoria por idade, não preenchia a carência neces-sária. Argumentou que o enquadramento, como especial, da atividade de pescador somente é admitido até 28.04.1995, sendo imprescindível, para tanto, a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias durante o período, e a inscrição como segurado autônomo até 05.12.1972. Requereu a improcedência do pedido.

Sem contrarrazões, e por força do reexame necessário, vieram os autos a esta Corte.

Nesta instância, foi determinada a juntada, pelo INSS, do procedi-mento de aposentadoria por idade do autor, dos extratos do CNIS e da contagem do tempo de serviço incontroverso.

Cumpridaadeterminação(fls.166-234),vieramosautosconclusospara julgamento.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper:

Questões iniciais

Emrelaçãoàremessaoficial,oColendoSuperiorTribunaldeJustiça,por sua Corte Especial (EREsp 934.642/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 30.06.2009; EREsp 701.306/RS, Rel. Min. Fernando Gon-

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çalves, julgado em 07.04.2010), prestigiou a corrente jurisprudencial que sustenta ser inaplicável a exceção contida no § 2º, primeira parte, do art. 475 do CPC aos recursos dirigidos contra sentenças (a) ilíquidas, (b) relativas a relações litigiosas sem natureza econômica, (c) declaratórias e (d) constitutivas/desconstitutivas insuscetíveis de produzir condenação certaoudedefinirobjetolitigiosodevalorcerto(v.g.,REsp.651.929/RS).

Assim, em matéria previdenciária, as sentenças proferidas contra o Instituto Nacional do Seguro Social só não estarão sujeitas ao duplo grau obrigatório se a condenação for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.

Nãosendoesseocasodosautos,conheçodaremessaoficial.Rejeito a preliminar de carência de ação, formulada pelo INSS ao

argumento de que não houve precedente pedido administrativo de apo-sentadoria especial e, portanto, inexiste recusa a conferir interesse de agir à parte-autora. Isso porque, tendo havido contestação pelo mérito, aresistênciaestásuficientementepatenteadanosautos,fazendocertaanecessidade do provimento judicial para dirimir a lide posta.

Correta a sentença ao afastar a incidência da prescrição quinquenal, tendo em vista que, se o feito foi ajuizado em 19.03.2009, e o benefício requerido administrativamente em 10.04.2008, inexistem parcelas ante-riores ao quinquênio que precede a propositura da ação.

A preliminar de ocorrência de decadência ou de prescrição de fundo do direito suscitada pelo INSS, com base no art. 103, caput, da Lei nº 8.213/91, não merece acolhida, uma vez que o referido dispositivo prevê prazo extintivo de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou bene-ficiárioparaarevisãodoatodeconcessãodobenefício.Nãosetratando,in casu, de revisão do ato de concessão do benefício, não se há de falar em decadência ou prescrição de fundo de direito.

Observoqueotempodeserviçodoautorcomopescadorprofissional,nos intervalos de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986 e de 16.10.1987 a 20.01.1989, já foi reconhecido administrativamente, conforme de-monstra o resumo de documentos para cálculo do tempo de contribuição dasfls.166-171,queespelhaotempoconsideradoincontroversopeloINSS, uma vez que elaborado com base nos registros constantes do CadastroNacionaldeInformaçõesSociais–CNIS(fls.173-174),após

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determinaçãodestaCortenodespachodafl.162.Dessemodo,nãotemaparte-autora interesse de agir no que diz respeito ao seu reconhecimento. Sendo carente de ação no ponto, cabível, nesse limite, a extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos que dispõe o art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil.

Em relação ao intervalo de 25.04.1990 a 20.12.1990,verificoqueo Instituto Previdenciário já reconheceu o tempo de 25.04.1990 a 30.11.1990. Desse modo, o interesse de agir da parte-autora restringe-se ao intervalo de 01.12.1990 a 20.12.1990, devendo o restante ser extinto sem apreciação do mérito.

Já quanto ao interstício de 04.10.1991 a 17.02.1992, observo que a Autarquia,combasenoCNIS,computouomarcofinalcomosendoodia 02.03.1992. Da mesma forma, quanto ao interregno de 27.09.1986 a 02.10.1987, o período retratado no Cadastro de Informações é maior, umavezqueotermofinalfoifixadoem06.10.1987. Assim, tem-se que, além de o autor não ter interesse de agir em relação ao reconhecimento dos períodos requeridos – razão pela qual deve o feito ser extinto sem resolução de mérito –, havendo divergência entre os dados constantes do CNIS e aqueles lançados na Carteira de Pescador, onde estão lançados vínculos menores do que aqueles constantes do Cadastro, devem preva-lecer as anotações constantes na referida Carteira, uma vez que retratam comfidelidadeoefetivoperíododetrabalhodoautor.

Superadas as questões, analiso o mérito do pedido.

Análise legislativa

A controvérsia cinge-se à possibilidade de concessão de aposentadoria especial ao demandante, na condição de pescador.

O Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, destinado a conceder ao pes-soal da marinha mercante nacional e de classes anexas os benefícios de aposentadoria e pensões na forma estatuída naquele decreto (art. 1º), estando incluídos nas suas disposições não só os serviços de navegação da União, dos Estados e dos Municípios, mas também as indústrias da pesca e as embarcações de particulares (art. 2º). Tal decreto considerou como associado obrigatório do Instituto dos Marítimos, nos termos da alínea adoart.3º,capitães,oficiais,marinheirosedemaispessoasque

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trabalhem, mediante vencimento ou salário, a bordo de navios e embar-cações nacionais, cuja contribuição, nos termos do disposto no art. 11, deveria ser descontada dos empregados pela empresa empregadora e recolhidas ao referido Instituto (art. 18).

Otempodeserviçoaserutilizadocomofimdeobtençãodaaposen-tadoria prevista naquele decreto deveria ser comprovado mediante uma caderneta a ser fornecida aos empregados, a qual serviria de base para a inscrição do empregado como associado do Instituto e contagem do seu tempo de serviço para aposentadoria, conforme disposto no art. 110 e parágrafo único.

O Decreto-Lei nº 627, de 18 de agosto de 1938, acrescentou outros associadosobrigatóriosàquelesjádefinidosnoDecretonº22.872/33,sem excluir as categorias que já haviam sido arroladas neste último.

O Decreto-Lei nº 3.832, de 18 de novembro de 1941,modificouoDecretonº22.872/33edefiniunovamenteascategoriasdeseguradosdo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, revogando as disposições em contrário, como expressamente consignado no art. 16. Dessemodo,apartirdeentão,ficoudefinidooquesegue:

“Art. 1º São associados do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos todos quantos, como empregados, prestem serviços às empresas de pesca ou de atividades desta derivadas, bem como os pescadores legalmente habilitados para o exercício de sua indústria por conta própria, cabendo-lhes os direitos e deveres que estabelece o Decreto nº 22.872, de29dejunhode1933,comasmodificaçõesdopresentedecreto-lei.

Parágrafo único. Para os efeitos deste decreto-lei, são considerados empregadores as empresas de qualquer natureza, mesmo as simples parcerias, que mantenham pessoal a seu serviço, quando organizadas para a exploração da pesca marítima ou interior e atividades destaderivadas,e,bemassim,osproprietáriosdeembarcaçõesempregadasnomesmofim.

Art.2ºCompreendem-senadefiniçãodoartigo1º,paraosfinsneleindicados:a) os pescadores que trabalhem mediante ordenado, salário, parte ou quinhão, a bordo

de navios ou quaisquer embarcações nacionais empregadas na pesca marítima ou interior e que pertençam à classe das que possuem rol de equipagem ou lista de tripulação;

b) os demais empregados das empresas de pesca e atividades desta derivadas, quaisquer que sejam suas funções ou seus serviços, em escritórios, dependências ou instalações de propriedade das mesmas;

c) os pescadores que trabalhem por conta própria, de parceria ou mediante parte, quinhão, em embarcações não enquadradas na classe indicada na alínea a.

Art. 3º As contribuições dos empregados a que se referem as alíneas a e b do artigo anterior serão descontadas em folha de pagamento e recolhidas juntamente com as de seus

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empregadores, observado o processo vigente para o respectivo recolhimento. Art. 4º Gozarão dos benefícios reduzidos de 1/3 (um terço) dos benefícios normais

ospescadoresclassificadosnaalíneac do art. 2º, aos quais será facultado, para obterem benefícios integrais, contribuir em dobro, mediante folha de recolhimentos organizada mensalmente pelas Inspetorias do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos nas respectivas colônias.”

Tal decreto-lei repetiu, no art. 11, a disposição que já constava do Decreto nº 22.872/33, no sentido de que a contagem de tempo de serviço dos pescadores será feita em face de sua caderneta-matrícula, fornecida pelas Capitanias dos Portos, não devendo ser computados, nos cálculos do benefício a ser concedido, quaisquer elementos que estejam em dis-cordância com os vistos anuais apostos na mesma caderneta.

Em 27.10.1952 entrou em vigor a Lei nº 1.707, de 23 de outubro de 1952, que tratou das contribuições devidas pelos pescadores dispostos na alínea c do Decreto-Lei nº 3.832/41, ou seja, dispôs apenas sobre os pescadores que exerciam a atividade por conta própria, como segue:

“Art. 1º As contribuições dos pescadores a que se refere a alínea c, do artigo 2º, do Decreto-Lei nº 3.832, de 18 de novembro de 1941, e que ainda não estejam contribuindo para o IAPM só serão devidas a partir da vigência desta lei.

Art. 2º Em relação aos pescadores de que trata o artigo anterior, também só a partir da vigência desta lei lhes será devido qualquer benefício pelo IAPM, observadas as demais exigências legais.

Art. 3º Os pescadores da classe a que se refere o artigo 1º, já inscritos, são considera-dos em pleno gozo dos benefícios do seguro social concedidos aos trabalhadores do mar e classes anexas, nos termos do Decreto nº 22.872, de 29 de junho de 1933, que criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, cabendo-lhes regular o recolhimento de suas contribuições, acaso devidas.

Parágrafo único. São dispensadas de quaisquer juros as contribuições do pescador por conta própria, cujo recolhimento esteja retardado, resultando, ainda, o IAPM, a liquidação parcelada do débito do segurado, em parcelas mínimas, no ato do pagamento da contri-buição corrente.”

A Lei Orgânica da Previdência Social – Lops (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960), que organizou a previdência social, em vigor desde 05.09.1960, assegurou, no art. 162, aos atuais beneficiários, segurados e dependentes das instituições de previdência social, à exceção dos segurados facultativos, todos os direitos outorgados pelas respectivas legislações, salvo se mais vantajosos os benefícios nela previstos. Diante

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disso, poderia o segurado pescador perceber, se mais vantajoso, benefício assegurado no decreto que criou o Instituto dos Marítimos, ou, caso con-trário, utilizar-se da nova lei para a obtenção de benefício previdenciário.

O Decreto-Lei nº 72, de 21 de novembro de 1966,unificouosInstitu-tos de Aposentadorias e Pensões até então existentes, e criou o Instituto Nacional de Previdência Social – INPS. Portanto, até a vigência do referido decreto-lei, o qual entrou em vigor 01.01.1967, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos continuou existindo.

A partir do momento em que foi extinto o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos, o pescador empregado passou a ser regido unicamente pela Lei nº 3.807/60, que abrangia, na redação original do art. 2º, na condição de segurados, todos aqueles que exerciam emprego ou atividade remunerada no território nacional, salvo as exceções ex-pressamente consignadas na referida lei.

A Lops excluiu do seu regime, conforme a redação original do art. 3º, os servidores civis e os militares sujeitos a regime próprio de previdência e os trabalhadores rurais, e considerou, como segurados obrigatórios, dentre outros, além dos empregados, também os autônomos, a teor do art. 5º da referida Lei Orgânica.

Não há dúvida, pois, de que o pescador empregado e aquele que exer-cia a pesca por conta própria (autônomo) foram abrangidos pela Lei nº 3.807/60, sendo que, no caso do primeiro, a obrigação pela arrecadação e pelo recolhimento das contribuições era do empregador; e, no segundo caso, era do próprio segurado, que deveria, conforme a redação original do art. 79 da Lops, recolher diretamente à Instituição de Previdência a que estivesse vinculado.

O Decreto nº 71.498, que passou a viger a partir de 06 de dezembro de 1972, incluiu comobeneficiáriosdo Programa de Assistência ao Trabalhador Rural – Pró-Rural, instituído pela Lei Complementar nº 11, de 25.05.1971, os pescadores que sem vínculo empregatício, na con-dição de pequeno produtor, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar, façam da pesca sua profissão habitual ou meio principal de vida.

Determinou, também, que os pescadores autônomos que estivessem regularmente inscritos e que viessem recolhendo suas contribuições para o INPS poderiam conservar a sua condição de segurados deste Instituto,

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nos termos do art. 2º do referido decreto.Portanto, tem-se a seguinte situação: os pescadores empregados e os

autônomos estavam abrangidos pela Lops, sendo considerados, portanto, segurados urbanos, e os pescadores artesanais passaram a pertencer, a partir da vigência do referido decreto, em 06.12.1972, à mesma categoria queostrabalhadoresrurais,tendodireitoaosbenefíciosespecificadosna Lei Complementar nº 11 de 1971.

Quando referida lei, já com as alterações introduzidas pela Lei Com-plementar nº 16, de 30.10.1973, foi regulamentada, em 12 de fevereiro de 1974, pelo Decreto nº 73.617, houve previsão expressa no regulamento de que o pescador artesanal fosse considerado como trabalhador rural, situação esta que se mantém até os dias atuais, como se vê pelo art. 11, inciso VII, b, da Lei nº 8.213/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 11.718/2008.

Com efeito, o Decreto nº 83.080, de 24 de janeiro de 1979, ao tratar, na Parte II, da Previdência Social Rural, manteve o pescador artesanal como segurado do Pró-Rural, a teor do art. 275, e estabeleceu expres-samente, no art. 280, que o pescador autônomo que já se encontrava inscrito e contribuindo regularmente manteria a qualidade de segurado da previdência social urbana. Veja-se o teor dos referidos dispositivos:

“Art.275.Sãobeneficiáriosdaprevidênciasocialrural:I – na qualidade de trabalhador rural:a) quem presta serviços de natureza rural diretamente a empregador, em estabelecimento

rural ou prédio rústico, mediante salário pago em dinheiro ou parte in natura e parte em dinheiro, ou por intermédio de empreiteiro ou organização que, embora não constituídos em empresa, utilizam mão de obra para produção e fornecimento de produto agrário in natura;

b) o produtor, proprietário ou não, que, sem empregado, exerce atividade rural, indivi-dualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido o trabalho dos membros da família indispensável a própria subsistência e exercido em condições de mútua dependência e colaboração;

c) quem, trabalhando individualmente ou em regime de economia familiar ou ainda sobaformadeparceria, fazdapescasuaprofissãohabitualoumeioprincipaldevida,compreendendo:

1. o trabalhador por conta própria, sem vínculo empregatício, na condição de pequeno produtor, utilizando ou não embarcação própria ou de terceiro;

2. o homem ou a mulher que, sem utilizar embarcação pesqueira, exerce atividade de captura ou extração de elementos animais ou vegetais que tenham na água seu meio normal ou mais frequente de vida, na beira do mar, rio ou lagoa;

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3. o produtor que utiliza embarcação de pesca, própria ou de terceiro, de até duas to-neladas brutas;

d) o garimpeiro autônomo, assim entendido o trabalhador que, em caráter individual e por conta própria, exerce as atividades de garimpagem, faiscação e cata, e está matriculado no órgão competente do Ministério da Fazenda;

II – omissis.”“Art. 280. Conserva a qualidade de segurado da previdência social urbana, desde que

venha contribuindo regularmente para ela:I – o pescador autônomo nela inscrito até 05 de dezembro de 1972;II – o garimpeiro autônomo nela inscrito até 12 de janeiro de 1975.”

A Lei nº 7.356, de 30.08.1985, acrescentou o § 3º ao artigo 5º da Lei nº 3.807/60, ressalvando o direito, aos pescadores artesanais, de adqui-rirem a condição de segurados urbanos como trabalhadores autônomos, hipótese em que deveriam, a partir de então, verter contribuições ao extinto INPS, como segue:

“§ 3º Os pescadores que sem vínculo empregatício, na condição de pequenos produtores, trabalhem individualmente ou em regime de economia familiar, fazendo da pesca sua pro-fissãohabitualoumeioprincipaldevidaeestejammatriculadosnarepartiçãocompetente,poderãooptarpelafiliaçãoaoregimedestaLei,naqualidadedetrabalhadoresautônomos.”

Atualmente, o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91 permite o cômputo do tempo de serviço exercido como pescador artesanal, exercido em qualquer época, desde que anterior à data de início de sua vigência, para finsdeaposentadoriaportempodeserviçooucontribuição,indepen-dentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência. Diante disso, mesmo o tempo como pescador artesanal exercido anteriormente ao Decreto nº 71.498/72 pode sercomputadocomofimdeobtençãodebenefícioprevidenciárionavigência da atual LBPS.

Em relação ao pescador empregado e ao autônomo, os quais eram abrangidos pela previdência social urbana, não houve alteração das suas situações na Consolidação das Leis da Previdência Social – CLPS (Decreto nº 77.077, de 24.01.1976) e na nova Consolidação expedida em 23.01.1984, consubstanciada no Decreto nº 89.312, que substituiu aquela datada de 1976, sendo que ambas as Consolidações abrangeram as disposições da Lops e sua legislação complementar. Com a edição da Lei nº 8.213/91, a condição de segurado obrigatório do empregado

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e do autônomo (atual contribuinte individual) restaram asseguradas no incisos I e V do artigo 11.

Já quanto à comprovação do tempo de serviço, o Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999, que atualmente regulamenta a Lei nº 8.213/91, dispõe, no artigo 62, § 2º, inc. I, a, que, para os trabalhadores em geral, servem como prova do tempo de serviço o contrato individual de traba-lho, a Carteira Profissional, a Carteira de Trabalho e Previdência Social, a carteira de férias, a carteira sanitária, a caderneta de matrícula e a caderneta de contribuições dos extintos institutos de aposentadoria e pensões, a caderneta de inscrição pessoal visada pela Capitania dos Portos, pela Superintendência do Desenvolvimento da Pesca, pelo Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e declarações da Secretaria da Receita Federal do Brasil, possibilitando assim o cômputo do tempo de serviço do pescador empregado nos moldes que previa o já revogado Decreto nº 22.872/33, que criou o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (grifei). Em relação ao pescador artesanal e ao autônomo, a comprovação do tempo de serviço obedece ao disposto no art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, sendo imprescindível, no caso deste último, a comprovação do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias.

Do caso concreto

Feita a resenha legislativa acerca da condição de segurado e da prova do tempo de serviço do pescador, cabe analisar o caso concreto.

Na hipótese dos autos, pleiteia o demandante o reconhecimento, como especiais, dos períodos em que laborou como pescador empregado, nos intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 30.10.1998 (limite da sentença), além do tempo como pescador artesanal, no interstício de 04.02.1974 a 02.05.1983.

Consoantereferidonoiníciodestevoto,épossívelverificarquejáfo-

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ram reconhecidos, na via administrativa, como tempo de serviço comum, os interregnos de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, de 04.10.1991 a 17.02.1992 e de 27.09.1986 a 02.10.1987. Desse modo, os períodos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 01.12.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 28.04.1992 a 11.10.1995 e de 23.11.1995 a 30.10.1998, que pretende o autor ver reconhecidos como especiais, sequer foram considerados como tempo de serviço comum.

Considerando que o reconhecimento, como tempo comum, dos pe-ríodos de atividade especial é subjacente ao pedido principal, é impres-cindível,paraaverificaçãodaespecialidadedasatividadesdoautor,aanálise, primeiro, do tempo de serviço comum, que passo a fazer.

Do tempo de serviço como pescador empregado

Para a comprovação do tempo de serviço como pescador empregado, a parte-autora trouxe aos autos uma Caderneta Matrícula para Pescador, emitida pelo Ministério da Marinha, em que consta que a inscrição pes-soal do autor na Delegacia da Capitania dos Portos do Estados do Rio Grande do Sul ocorreu em 25.02.1965, a qual foi encerrada em 1986, e umaCadernetadeInscriçãoeRegistronacategoriadepescadorprofis-sional – POP, também emitida pelo Ministério da Marinha – Diretoria de Portos e Costas, em 1987 (continuação da carteira anterior), em que estão anotados os seguintes vínculos empregatícios (datas de embarque e de-sembarque de todos os contratos anotados): de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 14.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 26.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 26.08.2005, e de 26.08.2005 a 09.05.2006, constando vistos da Capitania dos Portos em todos os anos na primeira carteira, e, na segunda carteira, assinatura e carimbo do encarregado de pessoal em cada desembarque do autor, alémdovistodaCapitaniadosPortosnoanode1995(fls.21-37).

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Ascadernetasapresentadassãosuficientesparaacomprovaçãodotempo de serviço ali anotado, uma vez que atendem ao disposto no artigo 62, § 2º, inc. I, a, do Decreto nº 3.048/99.

Entretanto, em relação ao último vínculo postulado pelo autor – de 23.11.1995 a 30.10.1998 (limite do pedido inicial e da sentença) –, verificonãohaver,nadatadedesembarque,quasedezanosapós,em26.08.2005, o carimbo e a assinatura do encarregado de pessoal da Dele-gacia da Capitania dos Portos ou da Marinha Mercante, constando apenas uma assinatura no local destinado ao comandante da embarcação, sem identificação.ConstaovistodaCapitaniadosPortosnoanode1995(fl.31), e, após, a transferência de jurisdição do autor, feita pela Capitania dosPortosem25.05.2005(fl.29).

Não obstante a ausência de visto da Capitania dos Portos no desem-barque, tenho que esse documento constitui início de prova material, uma vez que tal vínculo está em ordem cronológica com os demais, havendo anotação de outro contrato de trabalho após este. A anotação constante da referida Carteira foi corroborada pelas testemunhas ouvidas em juízo (depoimentosgravadosemmídiaanexadaàfl.133),asquaisconfirmaramque o autor sempre laborou como pescador, tanto em alto mar como na Lagoa dos Patos, atividade esta que exercia até pelo menos a ocasião em que foi realizada a audiência, em 2009.

Desse modo, é devido o reconhecimento do tempo de serviço do autor, como pescador, também no período de 23.11.1995 a 30.10.1998, nos termos do disposto no § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/91.

Portanto, os intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 01.12.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 28.04.1992 a 11.10.1995, e de 23.11.1995 a 30.10.1998, devem ser reconhecidos como tempo de serviço urbano na condição de pescador empregado.

Do tempo de serviço como pescador artesanal

Pretende a parte-autora, também, o reconhecimento do tempo de serviço de 04.02.1974 a 02.05.1983, na condição de pescador artesanal.

Para a comprovação do tempo de atividade rural com vista à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, faz-se necessário

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início de prova material, corroborada por testemunhas, não sendo ad-mitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91; Súmula 149 do STJ).

Como início de prova material, o autor trouxe aos autos a Caderneta Matrícula para Pescador, emitida pelo Ministério da Marinha em 1965, onde consta que o autor embarcou em parelha de pesca própria em 04.02.1974 e desembarcou em 02.05.1983, com vistos da Capitania dos Portosemtodososanos(fls.23e26-27),e“RolPortuário”emitidopelaMarinha Mercante em favor do autor, datado de 15.01.1974, na condição de proprietário de uma embarcação do tipo caíque, na zona pertencente à Colônia de Pesca São Pedro Z3. Consta, no referido “Rol Portuário”, que o autor foi proprietário de uma embarcação do tipo caíque, com tonelagem de 800 kg, com propulsão a hélice, a qual foi vendida (sem constar, contudo, a data da venda), e, após, uma segunda embarcação do mesmo tipo, com propulsão mecânica, havendo referência de embarque do autor, um familiar e mais quatro pescadores em 1974, e outros dois pescadores em 1980 e 1981, respectivamente, constando como forma de contrato por parte (fls.194-199).

A documentação acostada permite concluir que os pescadores tra-balharam com o autor na pesca em regime de parceria, uma vez que se encontram riscados os campos referentes a pagamento por mês ou por dia. Acresça-se a isso o fato de que a embarcação era de pequeno porte, evidenciando o trabalho na condição de pescador artesanal.

As testemunhas ouvidas em juízo (depoimentos gravados em mídia anexadaàfl.133)confirmaramqueoautor,durantetodaasuavidala-borativa, trabalhou como pescador, autorizando assim o reconhecimento do tempo de serviço em questão, na condição de pescador artesanal.

Passo à análise da especialidade do tempo de serviço do autor.

Do tempo de serviço especial

O reconhecimento da especialidade da atividade exercida é disciplina-do pela lei em vigor à época em que efetivamente foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço sob a égide de legislação que o ampara, o segurado adquire o direito à contagem como tal, bem como à comprovação das condições de trabalho na forma então exigida, não se

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aplicando retroativamente uma lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial.

Nesse sentido, aliás, é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR nº 3320/PR, Rel. Mi-nistra Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 24.09.2008; EREsp nº 345554/PB, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ de 08.03.2004; AGREsp nº 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJU de 23.06.2003; e REsp nº 491.338/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 23.06.2003) e por esta Corte: (EINF nº 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto d’Azevedo Aur-valle, D.E. de 18.11.2009; APELREEX nº 0000867-68.2010.404.9999/RS, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 30.03.2010; APELREEX nº 0001126-86.2008.404.7201/SC, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. de 17.03.2010; APELREEX nº 2007.71.00.033522-7/RS; Quinta Turma, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, D.E. de 25.01.2010).

Feita essa consideração e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário inicialmen-tedefinirqualalegislaçãoaplicávelaocasoconcreto,ouseja,qualalegislação vigente quando da prestação da atividade pela parte-autora.

Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema sub judice:

a) no período de trabalho até 28.04.1995, quando vigente a Lei nº 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, poste-riormente, a Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto para os agentes nocivos ruído e calor (STJ, AgRg no REsp nº 941885/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe de 04.08.2008; e STJ, REsp nº 639066/RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJ de 07.11.2005), em que neces-sária a mensuração de seus níveis por meio de perícia técnica, carreada aosautosounoticiadaemformulárioemitidopelaempresa,afimdeseverificaranocividadeounãodessesagentes;

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b) a partir de 29.04.1995, inclusive, foi definitivamente extinto oenquadramentoporcategoriaprofissional–àexceçãodaquelasaquese refere a Lei nº 5.527/68, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13.10.1996, dia anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, de 14.10.1996, que revogou expressamente a Lei em questão – de modo que, no interregno compreendido entre 29.04.1995 (ou 14.10.1996) e 05.03.1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermi-tente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meiodeprova,considerando-sesuficiente,paratanto,aapresentaçãodeformulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de emba-samento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;

c) a partir de 06.03.1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Medida Provisória nº 1.523/96 (convertida na Lei nº 9.528/97),passou-seaexigir,parafinsdereconhecimentodetempodeserviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.

Importante salientar que, no âmbito desta Corte, na pendência de ma-nifestação do egrégio Superior Tribunal de Justiça, colhe-se precedentes da Quinta e da Sexta Turmas, especializadas em matéria previdenciária, no sentido de que não haveria “vedação à continuidade da conversão de tempodeserviçoespecialemcomum,parafinsdeaposentadoriaportempodeserviço,mesmoapós28.05.98,tendorestadosemeficáciaaMedida Provisória nº 1.663/98, quanto à revogação do § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91” [REO nº 2001.04.01.078891-1, Sexta Turma, Rel. para o Acórdão Des. Federal Tadaaqui Hirose, DJ de 27.11.2002; ACs nº 2002.04.01.021606-3 e 2000.72.05.002459-6, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, DJ de 21.08.2002 e 23.10.2002, respectivamente; ACs nº 2000.71.00.030435-2 e 1999.71.08.005154-6, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DJ de 06.11.2002 e 14.05.2003, respectivamente].

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Posteriormente,emfacedeoSuperiorTribunaldeJustiçahaverfirma-do compreensão contrária, este Tribunal passou a sufragar o entendimento daquela Corte Superior, no sentido de que, a despeito de o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 não ter sido expressamente revogado, a limitação temporal constante do art. 28 da Lei nº 9.711/98 devia ser interpretada no sentido da impossibilidade da conversão de tempo especial para co-mum no período posterior a 28.05.1998 [AgRg no Resp nº 756797/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 17.09.2007; REsp nº 497724/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 19.06.2006; REsp nº 603163/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 17.05.l004; AgRg no REsp nº 493.458/RS, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 23.06.2003; REsp nº 410.660/RS, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 10.03.2003, entre outros].

Entretanto, revendo seu posicionamento, o STJ passou a entender que o § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 está em plena vigência, possibilitando a conversão de todo o tempo trabalhado em condições especiais, ainda que posteriormente a maio de 1998, em razão do direito adquirido à conver-sãodotempodeserviço,deformamajorada,parafinsdeaposentadoriacomum [EREsp nº 1.067.972/MG, Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernan-des, DJ de 15.03.2010; REsp nº 956.110/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 22.10.2007; REsp nº 1.010.028/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 07.04.2008; AgRgREsp nº 739.107/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 14.12.2009].

A propósito, transcrevo as ementas de alguns desses julgados:“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR

TEMPO DE SERVIÇO. LABOR PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVER-SÃO EM TEMPO COMUM APÓS 1988. POSSIBILIDADE.

1. O § 5º do art. 57 da Lei 8.213/91 está em plena vigência, possibilitando a conver-são de todo tempo trabalhado em condições especiais, ao trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, em razão do direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada,parafinsdeaposentadoriacomum.

2. Agravo regimental a que se dá parcial provimento.” (AgRg no REsp nº 739.107 – SP, Sexta Turma, Rel. Min. Og Fernandez, DJe de 14.12.2009)

“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO AO PERÍODO TRABALHADO.

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1.Comasmodificaçõeslegislativasacercadapossibilidadedeconversãodotempoexercido em atividades insalubres, perigosas ou penosas, em atividade comum, infere-se que não há mais qualquer tipo de limitação quanto ao período laborado, ou seja, as regras aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período, inclusive após 28.05.1998. Precedente desta 5ª Turma.

2. Recurso especial desprovido.” (REsp nº 1.010.028/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 07.04.2008)

“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMEN-TO EXTRA PETITA E REFORMATIO IN PEJUS. NÃO CONFIGURADOS. APOSEN-TADORIA PROPORCIONAL. SERVIÇO PRESTADO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. CONVERSÃO EM TEMPO COMUM. POSSIBILIDADE.

1. Os pleitos previdenciários possuem relevante valor social de proteção ao Trabalhador Segurado da Previdência Social, sendo, portanto, julgados sob tal orientação exegética.

2. Omissis;3. Omissis;4. O Trabalhador que tenha exercido atividades em condições especiais, mesmo que pos-

teriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão dotempodeserviço,deformamajorada,parafinsdeaposentadoriacomum.

5. Recurso Especial improvido.” (REsp nº 956.110/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Napo-leão Nunes Maia Filho, DJ de 22.10.2007)

Com o julgamento, em 23.03.2011, pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, do recurso especial repetitivo nº 1151363, do qual foiRelatoroMinistroJorgeMussi,aquestãorestoupacificadanosse-guintes termos:

“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE ESPECIAL APÓS 1998. MP Nº 1.663-14, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.711/1998 SEM REVOGAÇÃO DA REGRA DE CONVERSÃO.

1. Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP nº 1.663, parcial-menteconvertidanaLei9.711/1998,anormatornou-sedefinitivasemapartedotextoquerevogava o referido § 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.

2. Precedentes do STF e do STJ.”

Assim, considerando que o parágrafo 5º do art. 57 da Lei nº 8.213/91 não foi revogado nem expressa, nem tacitamente pela Lei nº 9.711/98 e que, por disposição constitucional (art. 15 da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998), permanecem em vigor os artigos 57 e 58 da Lei de Benefícios até que a lei complementar a que se refere o art. 201, § 1º, da Constituição Federal, seja publicada, é possível a conversão de tempo

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de serviço especial em comum inclusive após 28.05.1998.Observo,ainda,quantoaoenquadramentodascategoriasprofissionais,

que devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo – 2ª parte), nº 72.771/73 (Quadro II do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo II) até 28.04.1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos nº 53.831/64 (Quadro Anexo – 1ª parte), nº 72.771/73 (Quadro I do Anexo) e nº 83.080/79 (Anexo I) até 05.03.1997, e os Decretos nº 2.172/97 (Anexo IV) e nº 3.048/99 a partir de 06.03.1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto nº 4.882/03. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificaçãodaespecialidadedaatividadenocasoconcreto,pormeiodeperícia técnica, nos termos da Súmula nº 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP nº 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30.06.2003).

Na hipótese vertente, pretende o autor o reconhecimento, como especial, do período de 04.02.1974 a 02.05.1983, em que exerceu a ati-vidade de pescador artesanal, além dos intervalos em que foi pescador empregado.

O tempo de serviço como pescador artesanal não pode ser conside-radoespecial.Oenquadramentoporcategoriaprofissionalprevistonoscódigos 2.2.3 do Quadro Anexo do Decreto nº 53.831 de 1964 (Pesca: pescadores) e 2.2.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080 de 1979 (Pesca-dores), pressupõe o trabalho nesta atividade como pescador empregado, e não como segurado especial, cujo exercício da atividade pesqueira não impõe ao segurado o recolhimento de contribuições previdenciárias.

Nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte: AC nº 2000.72.00.009051-2/SC e AC nº 2006.72.16.000102-7/SC, Sexta Turma, ambos da Relatoria do Des. Federal João Batista Pinto Silveira, publicados respectivamente no DE de 18.06.2007 e 25.08.2008; AC nº 2007.71.01.000425-6/RS, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE de 28.07.2008; REOAC nº 2002.72.00.014631-9/SC, Sexta Turma, Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz; AC nº 2001.72.00.007256-3, Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal Eduardo Tonetto Picarelli; e AC nº 2007.71.01.001343-9, Turma

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Suplementar, Rel. Des. Federal Luis Alberto d’Azevedo Aurvalle, DE de 23.02.2010.

Já em relação aos intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 11.10.1995, de 23.11.1995 a 30.10.1998, laborados pelo autor na condição de pescador empregado, devem estes ser reconhecidos como especiais, em razão do enquadramento por categoria profissionalnoscódigos2.2.3doQuadroAnexodoDecretonº53.831de 1964 (Pesca: pescadores) e 2.2.1 do Anexo II do Decreto nº 83.080 de 1979 (Pescadores), porém apenas até 28.04.1995, tendo em vista que,apartirdeentão,foidefinitivamenteextintooenquadramentoporcategoriaprofissional,enãohá,nosautos,laudotécnicoademonstrara sujeição do autor a agentes nocivos que autorizasse o reconhecimento do tempo especial posterior a 28.04.1995.

Portanto, devem ser computados como especiais os intervalos de 28.05.1965 a 27.03.1967, de 01.09.1969 a 04.06.1973, de 05.06.1973 a 08.01.1974, de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 31.03.1989 a 13.11.1989, de 16.11.1989 a 27.12.1989, de 25.04.1990 a 20.12.1990, de 15.02.1991 a 16.09.1991, de 04.10.1991 a 17.02.1992, de 28.04.1992 a 28.04.1995.

Conclusão

A aposentadoria especial, prevista no art. 57 da Lei nº 8.213/91, é devida ao segurado que, além da carência, tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.

Em se tratando de aposentadoria especial, portanto, não há conversão de tempo de serviço especial em comum, visto que o que enseja a outorga do benefício é o labor, durante todo o período mínimo exigido na norma referida (15, 20 ou 25 anos), sob condições nocivas.

Somando-se os períodos de atividade ora reconhecidos como espe-

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ciais, o autor não perfaz o mínimo de 25 anos de tempo de serviço especial para a concessão da aposentadoria pleiteada, razão pela qual seria caso de improcedência do pedido.

Entretanto, em matéria previdenciária, devem ser mitigadas algumas formalidades processuais, haja vista o caráter de direito social da previ-dência e assistência sociais (Constituição Federal, art. 6º), intimamente vinculado à concretização da cidadania e ao respeito à dignidade da pessoa humana, fundamentos do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, inc. II e III), bem como à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, à erradicação da pobreza e da marginalização e à redu-ção das desigualdades sociais, objetivos fundamentais daquele Estado (CF,art.3º,inc.IeIII),tudoademandarumaproteçãosocialeficazaosseguradoseseusdependentes,edemaisbeneficiários,inclusivequandolitigam em juízo.

A Autarquia Previdenciária, enquanto Estado sob a forma descen-tralizada, possui o dever constitucional de tornar efetivas as prestações previdenciáriaseassistenciaisatodososlegítimosbeneficiários,quesetraduz, tanto na esfera administrativa quanto na judicial, na obrigação de conceder o benefício previdenciário ou assistencial a que tem direito o requerente ou demandante.

Ressalte-se que à Autarquia Previdenciária continua competindo, mes-mo em juízo, a efetividade dos direitos previdenciários e assistenciais. A condição de parte não lhe retira o dever de prestação positiva consistente na concessão do benefício a que tem direito o segurado, dependente ou beneficiário.

Dentro desse contexto – que se pode presumir pela relevância social que envolve a matéria –, e considerando, ainda, o caráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve-se compreen-der o pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciário ou assistencial a que tem direito a parte-autora, indepen-dentementede indicaçãodaespéciedebenefíciooudeespecificaçãoequivocada deste.

À mesma conclusão chega-se a partir de uma interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios – o que, aliás, deve ser feito, tendo em vista, mais uma vez, a relevância da questão social e a íntima ligação entre a previdência e assistência sociais e a dignidade da pessoa humana –, no

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sentido de que não apenas a apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, como também a formulação de pedido administrativo de qualquer espécie de prestação previdenciária não exime o INSS de examinar a possibilidade de concessão de benefício previdenciário diverso, ou mesmo de benefício assistencial,semprequemaisvantajosoparaobeneficiário,aindaque,para tanto, tenha que orientar, sugerir ou solicitar os documentos neces-sários. Ora, se é assim no âmbito administrativo, não pode ser diferente na esfera judicial, eis que presentes os mesmos elementos asseguradores de uma atividade estatal direcionada à concretização de direitos sociais.

Considerando, pois, que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do benefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, insculpido nos arts. 128 e 460 do Código de Processo Civil. Nem poderia ser diferente, haja vista que o fator subjacente à eventual violação daquele princípio – o elemento surpresa,queredundariaemsituaçãodeinjustificadadesigualdadeentreas partes – não se encontra presente, pois se a autarquia previdenciária possui, a priori (isto é, inclusive antes da demanda judicial), o dever de concessão da prestação previdenciária ou assistencial a que tem direito osegurado,dependenteoubeneficiário,nãosepodeconsiderarsurpre-endida por deferimento de benefício diferente do pleiteado.

Por tais razões, não é extra petita, v. g., a decisão (a) que concede apo-sentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-doença (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 293659, DJ de 19.03.2001); (b) que defere auxílio-doença quando requerida aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, REsp nº 255776, DJ de 11.09.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, REsp nº 169567, DJ de 02.05.2000; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 193220, DJ de 08.03.1999; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 105003, DJ de 22.02.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 177267, DJ de 21.09.1998; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Anselmo Santiago, RESp nº 124771, DJ de 27.04.1998); (c) que concede auxílio-acidente quando o pleito formulado era o de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 267652, DJ de 28.04.2003;

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STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, REsp nº 385607, DJ de 19.12.2002; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, REsp nº 226958, DJ de 05.03.2001; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, EDcl no REsp nº 197794, DJ de 21.08.2000); (d) que defere aposentadoria por invalidez quando pleiteado auxílio-acidente (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Galotti, REsp nº 541695, DJ de 01.03.2004; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 412676, DJ de 19.12.2002); (e) que concede renda mensal vitalícia quando formulado pedido de aposentadoria por invalidez (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, EDcl no REsp nº 193218, DJ de 06.12.1999; STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 180461, DJ de 06.12.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 202931, DJ de 24.05.1999; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Vicente Leal, REsp nº 193110, DJ de 01.03.1999); (f) que concede auxílio-doença quando requerida renda mensal vitalícia (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Edson Vidigal, REsp nº 177566, DJ de 20.09.1999); (g) que defere be-nefício assistencial em vez de renda mensal vitalícia (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Nilson Naves, AgRg no Ag nº 585216, DJ de 06.02.2006; STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, AgRg no Ag nº 540835, DJ de 05.09.2005); (h) que concede aposentadoria por idade rural quando pleiteado benefício assistencial (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, AgRg no REsp nº 801193, DJ de 15.05.2006); (i) que concede aposentadoria por idade, com base em tempo de trabalho urbano, quando pleiteada aposentadoria por idade rural (TRF 4ª Região, Quinta Turma, de minha relatoria, AC nº 2004.04.01.046095-5, DJU de 05.04.2006; TRF 4ª Região, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Otávio Ro-berto Pamplona, AC nº 2002.04.01.052292-7, DJU de 28.09.2005; TRF 4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, AC nº 2004.70.00.015423-0, DJU de 28.06.2006; TRF 4ª Região, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, AC nº 2002.71.03.000202-4, DJU de 31.08.2005; TRF 4ª Região, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, AC nº 2002.70.01.000043-3, DJU de 23.03.2005;TRF4ªRegião,SextaTurma,Rel.Des.FederalNéfiCor-deiro, AC nº 2001.70.04.000958-6, DJU de 25.06.2003); (j) que concede aposentadoria por idade quando requerida aposentadoria por tempo de serviço/contribuição (TRF 4ª Região, Terceira Seção, em que fui Rela-

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tor para o acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006; TRF 4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, AC nº 2002.70.05.003638-4, DJU de 14.06.2006; TRF 4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada), AC nº 2001.04.01.080922-7, DJU de 05.04.2006; TRF 4ª Região, Segunda Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Eloy Bernst Justo (convocada), AC nº 2000.70.07.001152-9, DJU de 29.03.2006).

Algumas das decisões acima citadas foram assim ementadas:“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SENTENÇA. NULIDADE. EXTRA

PETITA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA.Não há nulidade por julgamento extra petita na sentença que, constatando o preenchi-

mento dos requisitos legais para tanto, concede aposentadoria por invalidez ao segurado que havia requerido o pagamento de auxílio-doença. Precedentes.

Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. Félix Fischer, REsp nº 293659, DJ de 19.03.2001)

“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. PEDIDO DE AUXÍLIO-ACIDENTE. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. JUL-GAMENTO EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE FÁTICA ENTRE AS HIPÓTESES CONFRONTADAS.

1. Não ocorre omissão quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu crivo.

2. Em face da relevância social da matéria, é lícito ao juiz, de ofício, adequar a hipótese fática ao dispositivo legal pertinente à concessão de benefício previdenciário devido em razão de acidente de trabalho.

3.Adivergênciajurisprudencialnãorestouconfiguradaanteafaltadesimilitudefáticaentre o acórdão recorrido e o paradigma trazido a confronto.

4. Recurso especial improvido.” (STJ, Sexta Turma, Rel. Min. Paulo Gallotti, REsp nº 541695/DF, DJ de 01.03.2004)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PERDA DA QUALI-DADE DE SEGURADA. INCAPACIDADE DEFINITIVA. RENDA MENSAL VITALÍ-CIA. CONCESSÃO. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA.

Ainda que a pretensão deduzida em juízo vincule-se à concessão da aposentadoria por invalidez, é lícito ao Tribunal colegiado, em face da relevância da questão social que envolve o assunto, conceder o benefício da renda mensal vitalícia, sem a ocorrência de julgamento extra petita. Precedentes.

A renda mensal vitalícia é benefício assegurado, independentemente de contribuição, aos necessitados (inválidos e idosos) que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção.

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Recurso não conhecido.” (STJ, Quinta Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, REsp nº 180461/SP, DJ de 06.12.1999)

“PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REQUISITOS NÃO IMPLEMENTADOS. OUTORGA DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO DIVERSO DO POSTULADO.

1. Dada a relevância da questão social que envolve a matéria e considerando, ainda, o caráter instrumental do processo, com vistas à realização do direito material, deve-se com-preender o pedido, em ação previdenciária, como o de obtenção do benefício previdenciário ou assistencial a que tem direito a parte-autora, independentemente de indicação da espécie debenefíciooudeespecificaçãoequivocadadeste.

2. Considerando que o pedido, nas causas previdenciárias, é o de obtenção do benefício a que tem direito o autor da ação, inexiste, em caso de concessão de benefício diverso do mencionado na inicial, afronta ao princípio da congruência entre pedido e sentença, ins-culpido nos artigos 128 e 460 do CPC.

3. Não preenchidos os requisitos legais para a concessão de aposentadoria por tempo de serviço, mas implementados os requisitos legais para a outorga da aposentadoria por idade urbana, deve esta ser concedida.” (TRF 4ª Região, Terceira Seção, em que fui Relator para o acórdão, EAC nº 2000.04.01.107110-2, DJU de 02.08.2006)

Dessemodo,cabeverificarapossibilidadedeconcessãodeaposen-tadoria por tempo de serviço/contribuição.

No caso concreto, somando-se o tempo de serviço incontroverso já computado pelo INSS na via administrativa, ao tempo de serviço ur-banocomopescadorprofissional,aotempodeserviçocomopescadorartesanal, e ao acréscimo decorrente da conversão de tempo especial em comum (planilhas em anexo que desde já determino a juntada aos autos), a parte-autora implementa, até 30.10.1998 (limite da sentença), tempodeserviçosuficienteàoutorgadaaposentadoriapor tempodeserviço integral.

A carência também resta preenchida, pois o demandante verteu, sem interrupção que acarretasse a perda da condição de segurado, mais de 150 contribuições até 1998, cumprindo, portanto, a exigência do art. 142 da Lei de Benefícios.

É devida, pois, a aposentadoria por tempo de serviço integral, a contar da data do protocolo administrativo (10.04.2008), nos termos do art. 54 c/c art. 49, II, da Lei nº 8.213/91, cujo salário de benefício deverá ser apurado com base na redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91.

Com efeito, embora o requerimento administrativo protocolado em

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10.04.2008tenhasidodeaposentadoriaporidade(fls.176-234),édevidaa aposentadoria por tempo de serviço desde aquela data. Isso porque, dado (a) o caráter de direito social da previdência social, intimamen-te vinculado à concretização da cidadania e ao respeito da dignidade humana,ademandarumaproteçãosocialeficazaossegurados;(b)odever constitucional, por parte da autarquia previdenciária (enquanto Estado sob a forma descentralizada), de tornar efetivas as prestações previdenciáriasaosbeneficiários;e(c)aobrigaçãodoINSS–sejaemrazão dos princípios acima elencados, seja a partir de uma interpretação extensiva do art. 105 da Lei de Benefícios (“A apresentação de documen-tação incompleta não constitui motivo para a recusa do requerimento do benefício”) – de conceder aos segurados o melhor benefício a que têm direito, tem o Instituto Previdenciário o dever de analisar, quando do protocolo administrativo, a possibilidade de outorga de outra inativação que não aquela expressamente requerida, ou pelo menos orientar, sugerir ou solicitar aos segurados os documentos necessários para tanto.

Embora, na maior parte dos casos, a prova do não cumprimento desse dever seja por presunção, à míngua de prova em sentido contrário, tendo em vista o princípio da realidade, no caso em apreço, tal situação é di-versa, uma vez que, quando do protocolo administrativo, a parte-autora não teria direito à aposentadoria por idade, seja de caráter rural, seja urbano, uma vez que não havia completado, naquela data, o requisito etário de 60 anos (o autor nasceu em 17.10.1948), de modo que deveria o INSS ter orientado o segurado acerca da possibilidade, pelo menos, de ter requerido outro benefício.

Ainobservânciadessedever,comodemonstrado,émotivosuficientepara fazer incidir a concessão da aposentadoria por tempo de serviço ora deferida desde a data do requerimento administrativo do benefício por idade.

A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar, no período de 05/1996 a 03/2006, pelo IGP-DI (art. 10 da Lei nº 9.711/98, c/c o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94), e, de 04/2006 a 06/2009, pelo INPC (art. 31 da Lei nº 10.741/03, c/c a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, osjurosdemoradevemserfixadosàtaxade1%aomês,acontarda

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citação, com base no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analo-gicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentementealimentar,consoantefirmeentendimentoconsagradonajurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei n º 11.960, de 29.06.2009,quealterouoart.1º-FdaLeinº9.494/97,parafinsdeatuali-zação monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento,dosíndicesoficiaisderemuneraçãobásicaejurosaplicadosàcaderneta de poupança (EREsp 1207197/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Corte Especial, julgado em 18.05.2011, DJe de 02.08.2011).

Oshonoráriosadvocatíciosdevemserfixadosem10%sobreovalordas parcelas vencidas até a data da sentença, a teor das Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte.

Tendo o feito tramitado perante a Justiça Federal, o INSS está isento do pagamento das custas judiciais, a teor do que preceitua o art. 4º da Lei nº 9.289/96.

Considerandoaeficáciamandamentaldosprovimentosfundadosnoart. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09.08.2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte--autora (CPF 203.702.960-87), a ser efetivada em 45 dias.

Ante o exposto, voto por extinguir o feito, de ofício, sem exame do mérito, quanto ao pedido de reconhecimento do tempo de serviço de 04.05.1983 a 14.12.1983, de 15.12.1983 a 02.01.1984, de 12.03.1984 a 07.02.1985, de 21.03.1985 a 03.01.1986, de 27.09.1986 a 02.10.1987, de 16.10.1987 a 20.01.1989, de 25.04.1990 a 30.11.1990, e de 04.10.1991 a 17.02.1992, por falta de interesse de agir, com base no artigo 267, VI, do CPC, dar parcial provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte-autora.

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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2006.70.00.007609-4/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rogerio Favreto

Apelante: Herculano Chaves CavalheiroAdvogado: Dr. Leonardo Ziccarelli Rodrigues

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional da PFE-INSS

Remetente: Juízo Federal da VF Previdenciária de Curitiba

EMENTA

Previdenciário. Atividade rural. Regime de economia familiar. Ativis-mo judicial. Ponderação do princípio da imparcialidade. Parcialidade positiva do juiz. Igualdade material e acesso à justiça. Atividade especial. Aposentadoria por tempo de serviço: deferimento.

Trabalho rural como empregado temporário não desnatura o regime de economia familiar. Natureza similar e complementar de serviço agrícola.

Estudo, no meio rural, em um turno, combinado com trabalho, com-prova atividade agrícola pelas condições e pelo contexto social em que se insere.

A decisão judicial deve contemplar as características e a realidade social, cultural e econômica para aproximar a Justiça da sociedade na busca de efetivação dos direitos fundamentais.

Ativismo judicial pautado na ponderação dos princípios auxilia no equilíbrio processual das partes e na melhor garantia do acesso à justiça.

Valoração adequada das provas pelo reconhecimento das diferenças empíricas e do momento histórico de produção.

Parcialidade positiva do juiz: ponderação da aplicação do princípio da imparcialidade para nivelar o procedimento judicial e conferir tratamento igualitário entre as partes. Proporcionalidade e razoabilidade na aplicação da lei não geram colisão entre imparcialidade e igualdade.

O processo moderno reclama o reconhecimento material da desi-gualdade real. O princípio constitucional da imparcialidade remete o julgador a considerar as diferenças sociais, culturais e econômicas das partes processuais para garantir a imparcialidade do acesso à justiça, sem vinculação à parte ou discriminação entre elas.

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A busca da igualdade deve nortear o intérprete e aplicador do direito pela ponderação do princípio da imparcialidade.

Comprovado o tempo de serviço rural em regime de economia fami-liar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, bem como a especialidade das atividades exercidas em determinados períodos, faz jus, a parte, sob tais condições, ao reconhecimento e à averbação dos respectivos tempos de serviço.

Atendidos os requisitos legais exigíveis para a concessão de aposenta-doria por tempo de contribuição, quer pela regra vigente em 16.12.1998; quer pela regra de transição do art. 9º, § 1º, da EC nº 20/98; quer pela regra atual do art. 201, § 7º, inc. I, da Constituição Federal, deve ser deferido o pedido da parte-autora.

Tutelaespecíficadeterminadaparaconferireficáciamandamentalaosprovimentos fundados no art. 461 do CPC, sem a necessidade de reque-rimento expresso da parte-autora. Precedente da 3ª Seção desta Corte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, porunanimidade,negarprovimentoàremessaoficialedarprovimentoà apelação da parte-autora, nos termos do relatório, votos e notas taqui-gráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 17 de janeiro de 2012.Des. Federal Rogerio Favreto, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rogerio Favreto:Trata-sederemessaoficiale apelação interposta contra sentença cujo dispositivo segue colacionado:

“Pelo exposto, julgo o processo com resolução de mérito:a) na forma do art. 269, II, do CPC, em relação à conversão dos períodos especiais em

comum de 02.05.80 a 04.05.88 e de 17.08.88 a 27.03.91, pelo fator 1,4;b) na forma do art. 269, I, do CPC, para reconhecer o exercício de atividade rural no

período de 28.06.66 a 31.12.66;c) para condenar o INSS na obrigação de averbar os tempos de labor rural e especial

reconhecidos para futura concessão de aposentadoria ao demandante.Ante a sucumbência recíproca, cada uma das partes arcará com o pagamento dos ho-

norários de seu advogado.

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A sentença, porque declaratório o provimento, submete-se ao reexame necessário em razão do valor atribuído à causa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”

A parte-autora, ora apelante, alega que deve ser incluído no período de trabalho rural em regime de economia familiar o tempo laborado de 01.01.1967a31.07.1968,afimdeserconcedidaaaposentadoriapro-porcional desde a DER.

Não foram apresentadas contrarrazões.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rogerio Favreto:

Da comprovação da atividade especial

Até 05.03.1997, por disposição expressa do art. 292 do Decreto nº 611/92, a caracterização da insalubridade e da periculosidade da ativi-dade laboral era feita com base no Decreto nº 53.831/64 e nos Anexos I e II do Decreto nº 83.080/79, passando, posteriormente, a ser regulada pelo Decreto nº 2.172/97 (Anexo IV) e, de 07.05.1999 em diante, pelo Decreto nº 3.048/99 (Anexo IV).

A comprovação da atividade especial que, inicialmente, se dava me-dianteosimplesenquadramentodacategoriaprofissionalfoisetornandomais complexa, pressupondo demonstração, por qualquer meio, de efetiva exposição do segurado a agentes nocivos (Lei nº 9.032, de 28.04.1995) e, a partir do advento do Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66, § 2º), de formulário embasado em laudo ou perícia técnica.

Especificamentequantoaoagentenocivoruído,contudo,acomprova-ção da especialidade da atividade laboral pressupõe a existência de laudo pericial atestando, nos termos da explanação acima, a exposição do segu-rado a níveis de pressão sonora superiores a 80 decibéis, até 05.03.1997 (item 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 e item 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64), e a 85 decibéis a partir de então (aplicação retroativa a 06.03.1997, por força de entendimento jurisprudencial, do item 2.1.0 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99, com redação dada pelo Decreto nº 4.882/2003). Ademais, em consonância com o entendimento firmadopelaTurmaRegionaldeUniformizaçãodeJurisprudênciada4ª

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Região, não sendo possível a aferição do ruído pela média ponderada, e “tratando-se de período anterior a Lei n. 9.032/95, quando prova téc-nica demonstrar que em parte da jornada a exposição ao ruído se dava acima dos níveis máximos, deverá ser reconhecida a atividade especial” (Iujef 0008655-57.2009.404.7255/SC, julgado em 20.05.2011, Maioria, Relatora para o Acórdão Juíza Federal Luísa Gamba); e “tratando-se de período posterior à Lei n. 9.032/95, deve-se utilizar o critério dos picos de ruído (maior nível de ruído no ambiente durante a jornada de traba-lho)” (IUJEF 0006222-92.2009.404.7251/SC, julgado em 20.05.2011, Maioria, Relatora para o Acórdão Juíza Federal Luísa Gamba).

De se levar em conta, ainda, quanto aos equipamentos de proteção, quejásepacificouoentendimentonosentidodequeotãosóusodestes,sem comprovação de sua real efetividade, como no caso em exame, não ésuficienteparadescaracterizaraespecialidadedeatividade.Sobreoassunto, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais editou a Súmula nº 09, dispondo que “O uso de Equipamento de Proteção Individual (EPI), ainda que elimine a insalubridade, no caso da exposição a ruído, não descaracteriza o tempo de serviço especial prestado”.

Adiante-se, também, que esta Turma, a exemplo da jurisprudência consolidada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no recente jul-gamento do recurso especial com representativo de controvérsia REsp nº 1.151.363/MG (Rel. Ministro Jorge Mussi, 3ª Seção, unânime, DJE 05.04.2011), tem por aplicável os fatores de conversão estabelecidos no art. 70 do Decreto nº 3.048/99 ao trabalho especial desenvolvido em qualquer época (§ 2º do referido dispositivo legal) e admite a possibi-lidade de conversão de tempo especial em comum inclusive a partir de 28.05.1998, na medida em que a Lei nº 9.711, de 28.11.1998, deixou de convalidar a revogação do § 5º do art. 57 da Lei n° 8.213/91, voltando, assim, a ter plena vigência no ordenamento jurídico, destinando-se, o art. 28 da referida Lei, a regular apenas transitoriamente a situação daqueles que já haviam adquirido o direito à conversão na data da vigência da MP nº 1.663/98. Por essas razões, descabe cogitar-se de violação ao disposto nos artigos 28 da Lei nº 9.711/98; 57, § 5º, da Lei nº 8.213/91; 2º, § 1º, da LICC; 5º, inc. II, 195, § 5º, e 201, caput, da Constituição Federal, os quais, nesses termos, restam devidamente prequestionados.

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Pois bem, a partir de minucioso estudo do conjunto probatório exis-tente nos autos, tem-se como perfeitamente caracterizada, nos termos da legislação aplicável, conforme fundamentação supra, a especialidade da atividade exercida pela parte-autora no período abaixo:

Período: de 02.05.1980 a 04.05.1988.Empresa: Lorenzetti Porcelana Industrial Paraná S.A.Função:serventedeproduçãoaté01.08.1980;alimentadordeclassifi-

cação, de 01.08.1980 a 01.03.1988; moldador de baquelite, de 01.03.1988 a 04.05.1988.

Enquadramento: níveis de ruído superiores ao limite de 80 decibéis vigente até 05.03.1997 (item 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64 e item 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79).

Prova(s)–fl.(s):FormuláriosDSS-8030erespectivoslaudos-técnicos(fls.28-40).

Conclusão: Faz jus à conversão, na medida em que comprovada a exposição, de modo habitual e permanente, ao agente nocivo ruído.

Período: de 17.08.1988 a 27.03.1991.Empresa: Incepa Indústria Cerâmica Paraná S.A.Função: ajudante de produção.Enquadramento: níveis de ruído superiores ao limite de 80 decibéis

vigente até 05.03.1997 (item 1.1.6 do Anexo ao Decreto nº 53.831/64 e item 1.1.5 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79).

Prova(s)–fl.(s):FormulárioDSS-8030,embasadoemlaudo-técnico(fls.41/43).

Conclusão: Faz jus à conversão, na medida em que comprovada a exposição, de modo habitual e permanente, ao agente nocivo ruído.

Restando, pois, atendidas as exigências previstas no § 1º do art. 58 daLeinº8.213/91,comredaçãodadapelaLeinº9.732/98,justifica-seaconversão em atividade comum mediante aplicação do fator multiplicador correspondente, conforme disposto pelo art. 70 do Decreto nº 3.048/99.

Da comprovação do tempo de atividade rural

Importa ter presente, em primeiro lugar, que o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/91 expressamente autoriza o cômputo do tempo de serviço rural realizado anteriormente ao advento da referida norma, independente-mente do recolhimento das contribuições (ADIn 1.664-0, STF, Rel. Min.

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Octávio Gallotti, DJU de 19.12.1997; Ação Rescisória 1.382-SC, STJ, 3ª Seção, Rel. Min. Félix Fischer, DJU de 04.06.2001; e enunciado da Súmula nº 24 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Espe-ciais Federais); e que a respectiva comprovação é objeto de disposição pelos arts. 55, § 3º, e 106 da Lei nº 8.213/91 e pelos arts. 60, incs. I e X, e 62, § 2º, inc. II, alíneas a a l, do Decreto nº 3.048/99, admitindo-se, para tanto, documentos em nome de terceiros, membros do grupo parental (Súmula nº 73 desta Corte).

De se registrar também que, por expressa previsão legal (art. 184, V, do Decreto nº 2.172/97; arts. 55, § 2º, e 96, IV, da Lei 8.213/91; art. 195, § 6º, CF; e art. 127, V, do Decreto 3.048/1999), restou autorizado o cômputo do labor rural sem recolhimento das respectivas contribuições até 31.10.1991. Ocorre que as“Leis 8.212 e 8.213/91 estabeleceram, respectivamente, o regime de custeio e o de benefícios da Previdência Social, tendo estipulado, outrossim, a quota de participação do segurado especial na manutenção do sistema previdenciário, tratando-se o tributo em apreço de con-tribuição social, a sua incidência deve observar o ditame do art. 195, § 6º, da Constituição Federal. Dessarte, as exações em comento, a princípio, só poderiam ser exigidas após noventa dias da data da publicação da lei que as instituiu, de sorte que, tendo a normativa de regên-cia sido publicada em 25 de julho de 1991, a data de início da cobrança das contribuições previdenciárias seria dia 22 de outubro daquele ano, à míngua da correspondente fonte de custeio de tempo de serviço rural em regime de economia familiar, posicionamento, aliás, já assentado no art. 184, V, do Decreto 2.172/97 e no art. 127, V, do Decreto 3.048/1999, o qual expressamente refere que o tempo de contribuição do segurado trabalhador rural anterior à competência de novembro de 1991 será computado. Assim, possível a extensão daquela data até 31.10.91.” (REOAC nº 2004.71.04.004981-2/RS – Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira)

Note-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no perí-odo anterior à Lei nº 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, inclui, como segurado especial, todo o grupo familiar que comprovadamente trabalhe no campo, nos termos do disposto no art. 11, inc. VII, da Lei de Benefícios. Nesse sentido, pacificou-se o entendimento naCorte Superior: REsp 506959/RS,Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 07.10.2003, DJ 10.11.2003, p. 206; REsp 723.243/SP, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em 06.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 322.

Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma

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Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que “A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, de-vidamentecomprovada,podeserreconhecidaparafinsprevidenciários”(Súmula nº 05, DJ 25.09.2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que “as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo”. Logo, ainda que a atividade laboral examinada seja exercida por menor de 14 anos de idade, esse tempo deve ser com-putadoparafinsprevidenciários.Nessesentido,ereafirmandooteordaSúmula nº 149 do próprio Colegiado, quanto à imprescindibilidade de início de prova material do labor rural, o Superior Tribunal de Justiça recentemente decidiu o REsp nº 1.133.863/RN representativo de con-trovérsia (Rel. Ministro Celso Limongi, Desembargador Convocado do TJ/SP, Terceira Seção, julgado em 13.12.2010, DJe 15.04.2011).

Da prova do labor rural no caso concreto

Procedendo, então, ao reexame do conjunto probatório constante dosautos,especialmenteosdocs.defls.16-20/180(certidõesdoDe-partamento de Polícia Civil do Estado do Paraná, do Tribunal Regional Eleitoral e da Prefeitura Municipal de Palmeira dando conta de que o paidoautorhaviasequalificadocomolavradobemcomooautorteriacursado a Escola Isolada de Faxinal dos Mineiros nos anos de 1963 a 1965;cópiadafichadeentrevistaruraldopaidoautor;ecomprovaçãode concessão de benefício de aposentadoria por invalidez rural ao pai do autor) à vista dos fundamentos antes considerados, tem-se que não é possível extrair-se conclusão outra senão a de que, no caso concreto, há, defato,iníciosuficientedeprovamaterial,ematençãoàprevisãoexpressado art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, corroborada por prova testemunhal idôneaproduzidaemjuízo(fl.170),nosentidodequea parte-autora, efetivamente, exercera atividade laborativa rurícola em regime de eco-nomia familiar no período reconhecido na sentença, ou seja, 28.06.66 a 31.12.66, a qual resta mantida por seus próprios argumentos de fato e de direito aos quais me reporto, acolhendo-os por inteiro.

Quanto ao período de 01.01.1967 a 31.07.1968, a sentença afastou a pretensão, basicamente porque,

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“em depoimento, o próprio autor admitiu que, em 1967, iniciou labor como empregado em uma empresa chamada Isfer, sem registro em carteira, trabalhando de segunda-feira a sexta-feira. Informou que, quando dava, ajudava seu pai na roça da família, ou seja, era um mero auxílio. Disse que estudou até 1967, porém a declaração do Departamento de Educaçãodefl.17comprovaqueoestudofoiaté1965.”

Entretanto,docitadodepoimentopessoal,severificaminformaçõesum pouco diversas das sinaladas pela magistrada de 1º grau: i) omissão quanto à natureza da atividade também rural da empresa Isfer – “empresa plantadora de Faxinal”;ii)nãoafirmaqueseulaborerameroauxilioàfamília, pelo contrário, pois parou de estudar para trabalhar o dia inteiro e, além disso, ajudava seus pais na lavoura, ou seja, após o expediente de diarista, continuava o labor no regime familiar; iii) que, durante o período que estudou – indiferente ter encerrado em 1965 ou 1967 (pri-meirainformaçãodacertidãodefl.17esegundoorelatadopelaparte)–, um turno mantinha de trabalho na agricultura; iv) que somente em 1968 passou a trabalhar de carteira assinada.

Dessas informações e do restante do contexto em que se insere a situaçãodoautor,pode-seatéverificaralgumasimprecisõesnasprovasdocumental e testemunhal produzidas, mas merecem o relevo pela dis-tância no tempo (mais de 40 anos) e pela pouca instrução da parte e dos demais depoentes. Em suma, a falta de objetividade das informações colhidas na instrução apontada pela magistrada a quo deve receber a devida ponderação e contextualização.

É a típica situação que exige um posicionamento do julgador mais aproximado da realidade social e cultural em que se inserem os fatos e a vida do jurisdicionado, associada a uma aplicação interdisciplinar das normas, em especial quando se trata da concessão de direitos sociais.

Assim, em uma ponderação e adequada valoração das provas, em particular pelo seu contexto histórico e pela ordem cronológica dos fatos, restam incontroversas a natureza e a tradição rurícolas da família do autor, bem como o regime de economia familiar – em grande parte já reconhecidos na sentença. Vejamos: i) a família do autor, bem como seus antecessores, nasceu e foi criada na roça, exercendo sempre as atividades de lavoura; ii) o regime é de economia familiar, tanto que trabalham comopequenosarrendatários; iii)osfilhos (irmãodoautor) tambémacompanharam os pais no labor rural, objetivando atender minimamente

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as condições de vida pela produção de consumo e pela renda coletiva; iv) o pai do autor foi aposentado por invalidez e desde 1976 passou a receber benefício de natureza rural; v) tanto o trabalho informal do autor na empresa Isfer como o seguinte emprego (formal) também foram no meio rural, reforçando a característica e o labor rural.

Sobre o trabalho não formalizado na empresa Isfer, além do aspecto de ser do ramo agrícola (empresa plantadora), na pior das hipóteses, verifica-seumamudançadasituaçãoderegimeprópriodeeconomiafamiliar para a condição de diarista. Mas tudo no plano rural e com pro-vas de prestação de serviço agrícola, em que os rendimentos do trabalho externo – repita-se, ainda no meio rural – integravam os rendimentos do grupo familiar.

Ainda, afora o horário de empregado rural, o autor estendia seu labor na lavoura da família. Sou testemunho das condições e da forma de prestação do trabalho na lavoura, visto que desempenhei esse ofício atéos18anos,emqueénormalosfilhosdeagricultorestudarememum turno (manhã ou tarde) e, no outro, trabalhar na agricultura – isso quando conseguiam estudar. Mais, o turno na roça não é limitado a oito horas,masdesolasol,umatardepodesignificarmuitomaisqueumdia regular do empregado urbano, variando de 7 a 9 horas. Além do que, após o “expediente” da lavoura, continuam as lides complementares de alimentação dos animais, de trabalho e consumo, bem como o preparo e a limpeza de ferramentas de trabalho para o dia seguinte.

Outro aspecto que remete à tradição do meio rural, em especial nas famílias de pequenas posses – como o caso do autor (arrendatários) –, é queosfilhosacompanhamotrabalhodospaisnaroçapelomenosatéamaioridade, quando buscam o primeiro emprego “fora de casa”, normal-mente no meio urbano, mas mantendo vínculo com a família. Em outras palavras, o trabalho externo é apenas mais um elemento fundamental da renda familiar, decorrente da efetiva necessidade de sobrevivência e sustento da família, diante da falta de terras para trabalho de todos os filhose,porconsequência,deperspectivademanutençãonomeiorural.Eocasodoautorétípicodofinaldosanos60einíciodadécadade70,quando se acentuou o êxodo rural.

As considerações e o contexto da lide em apreço remetem à necessi-dade de o julgador demonstrar um certo ativismo judicial para dar trata-

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mento desigual para aqueles que são contingencialmente desiguais. É a postura mais proativa em busca da conformação da igualdade material, ao invés de acomodar-se no tradicional princípio clássico da neutralidade do juiz.

Defendo que diante da existência concreta de desigualdade fática, seja de ordem social, cultural ou econômica, entre as pessoas da relação jurídica processual, que pode afetar o acesso à Justiça, aqui entendido não à jurisdição, mas na busca da efetivação do seu direito – como no caso: um simples e humilde trabalhador rural, de baixa escolaridade, que pretende apenas o reconhecimento do seu direito de aposentadoria, mesmo que proporcional.

A disparidade entre as partes gera, aos menos favorecidos econômica ousocialmente,dificuldadedeparticipareatuarnoprocessodeformamais efetiva, como no caso em tela, na fragilidade de melhor precisar a situação fática com provas documentais e testemunhais. Logo, correta a ponderaçãodaaplicaçãodoprincípiodaimparcialidade,afimdemelhornivelar o procedimento jurisdicional, pelo reconhecimento das diferenças empíricas, tratando-se igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

É o que nos ensina o distinto Juiz Federal e Professor Artur César de Souza, na sua singular publicação A parcialidade positiva do juiz (RT, 2008):

“O processo moderno reclama o reconhecimento material da desigualdade real, prin-cipalmente quando a questão diz respeito ao acesso à justiça. Disso decorre que não se pode pensar no direito processual penal ou civil apenas sob o ângulo da igualdade formal.

(...)Por isso, a norma da imparcialidade não é um princípio absoluto.Para se sopesar a aplicação do princípio da imparcialidade ou da igualdade, há que se

lançar mão da máxima da proporcionalidade, pois, entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade existe evidente conexão.

(...)A aplicação dos princípios constitucionais, que será maior quanto maior for a hierar-

quia dos interesses tutelados, sempre há de ser analisada segundo critérios de ponderação, representados pela proporcionalidade e razoabilidade, entendendo-se razoabilidade como bom senso, senso comum, equilíbrio, ponderação, ou simplesmente como qualidade daquilo queatendeàrazão.”(fls.63-4)

O caso concreto requer ponderação na utilização das provas, associada ao bom senso na sua contextualização regional e no local da prestação do

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trabalho, em busca do equilíbrio e da proporcionalidade pela desigualdade social e econômica das partes.

E não se diga que se está desviando da função equilibrada do julgador e vinculando-se ao interesse de uma das partes. O que se busca é a pon-deração na aplicação de princípios, em que a “parcialidade positiva” não gera colisão entre a imparcialidade e a igualdade. Novamente, recorro à citada obra do nobre colega Artur César de Souza:

“O princípio constitucional da imparcialidade permite uma dupla perspectiva, ou seja, se, por um lado, o princípio da imparcialidade exige a atuação de um juiz sem qualquer vinculação ou interesse pessoal em favor de uma das partes, ou que possa realizar discri-minação entre elas; por outro lado, reconhece a necessidade de o órgão jurisdicional levar em consideração as diferenças sociais, culturais e econômicas daqueles que se encontram envolvidos na relação jurídica processual, desde que essas diferenças possam de alguma forma afetar o contraditório e a ampla defesa, bem como o próprio interesse da sociedade noresguardodasnormaslegais,afimdequenãoponhaemriscoaprópriaestabilidadedoEstadodeDireitoDemocrático.”(fls.64-5–grifei)

No presente caso, as certidões, as declarações, os registros do Funru-ral, as anotações da CTPS e a prova testemunhal comprovam a condição de trabalhador rural em regime de economia familiar até julho de 1968, quando obteve o primeiro emprego formalizado.

Assim, o período de janeiro de 1967 a julho de 1968, mesmo com parcial atuação de diarista sem formalização, mas sem descontinuidade do labor rural e com manutenção no grupo e no regime de economia familiar, remete a uma aplicação proporcional e equilibrada, não só das provas, mas também do contexto social em que são geradas, tudo a con-ferir razoabilidade e bom senso no direito que está em jogo. No caso, a comprovação do trabalho rural em mais 17 meses para a aposentadoria proporcional, mesmo que necessitando de apenas mais 9 meses.

Nesse plano, convém ainda registrar que houve forte início de prova material, pelos documentos acostados, desde a comprovação da família constituídaporagricultores(fichas, registrodoFunruraledeclaraçãodefls.18-20),oregistrodaprofissãoagrícoladoautor(certidõesdefls.16-7)eaprovadeestudoinicialnomeiorural(declaraçãodefl.17).Tudo corroborado e complementado pela prova testemunhal, que con-firmaohistóricoagrícolafamiliardoautorantesdoprimeirovínculoprofissionalurbano.

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Além disso, mesmo eventual imprecisão pontual da prova testemunhal merece a ponderação e a busca do equilíbrio processual pela contextu-alização social epelaverificação,que se inserememumasequênciahistórica e natural dos fatos, demonstrando a continuidade do labor rural, apenas com a mutação do regime de economia familiar para a prestação de serviço como diarista, inclusive sem registro formal. Mais ainda, a sinceridade nas informações e a lógica temporal conferem valor proba-tório pelo momento e pela forma que foram produzidas, dentro da busca do tratamento desigual entre desiguais e da razoabilidade na aplicação das normas e princípios fundamentais.

Porfim,cumpreaindaasseverarqueabuscapelaigualdade,emsuavertente jurídica, não deve regular somente a atividade do legislador, mas também do intérprete e do aplicador do direito, na combinação com o princípio da imparcialidade, uma vez que ambos vinculam todas as funções públicas, em especial, as atividades dos órgãos jurisdicionais.

Esta postura do julgador mais proativo é reforçada diante da situação concreta que apresenta uma pessoa que trabalhou por mais de 30 anos – entre agricultura familiar e atividades urbanas, inclusive insalubres (mais de 10 anos) –, merecendo mais do que a proteção previdenciária, mas o direito à dignidade humana. É pelo benefício da aposentadoria que o Estado deve amparar e dar sentido ao papel da Previdência, con-ferindo cobertura social e o mínimo de condições materiais para viver dignamente e sentir-se minimamente amparada e compensada pela longa dedicação ao trabalho.

Assim sendo, deve ser reformada a sentença para reconhecer o período de 01.01.1967 a 31.07.1968 como de labor rural em regime de economia familiar e, por consequência, conceder a aposentadoria proporcional desde a DER, em conformidade e pelos fundamentos a seguir expostos.

Dos requisitos para concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição

Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC nº 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/91 pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de

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julho de 1991 e no art. 25, II, da referida Lei para os inscritos posterior-mente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço paraamulherede30anosparaohomem,afimdesergarantidoodireitoà aposentadoria no valor de 70% do salário de benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100%, o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.

Com as alterações introduzidas pela EC nº 20/98, o benefício passou a se denominar aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.

Emcaráterexcepcional,possibilitou-sequeoseguradojáfiliadoaoregime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e de 48 anos de idade, se mulher – e atendido ao requisito da carência –; II) atingir tempo de contribuição igual, no mí-nimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria integral (art. 9º, § 1º, da EC nº 20/98). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do valor da aposentadoria integral, acrescido de 5% por ano de contri-buição que supere a soma a que se referem os itens “a” e “b” supra, até o limite de 100%.

Após a edição da Lei nº 9.876/99, o período básico do cálculo (PBC) estender-se-á por todo o período contributivo, extraindo-se a média aritmética dos 80% maiores salários de contribuição, a qual será mul-tiplicada pelo fator previdenciário, instituído pela referida lei (cf. Lei nº 8.213, de 1991, art. 29, I, e § 7º, com a redação da Lei nº 9.876, de 1999), em substituição à regra anterior de apuração com base na média dos 36 maiores salários de contribuição num período básico de cálculo dos últimos 48 meses (redação original do art. 29 da Lei nº 8.213/91).

De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto nº 3.048/99 (§§

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3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requeri-mento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessãopelaformamaisbenéfica,desdeaentradadorequerimento.

Do direito à aposentadoria no caso concreto

No caso dos autos, com base nesses fundamentos de fato e de direito, considerando o tempo de 24 anos, 05 meses e 27 dias admitido adminis-trativamentepeloINSS(fls.21-24),otempodeserviçoruralexercidoem regime de economia familiar (de 28.06.1966 a 31.07.1968) e o tempo de serviço especial convertido em comum (de 02.05.1980 a 04.05.1988 e de 17.08.1988 a 27.03.1991) reconhecidos judicialmente, os quais, somados, resultam 30 anos e 10 meses até a DER (06.11.1998), entendo que a parte-autora faz jus à aposentadoria proporcional por tempo de serviço com RMI de 70% do salário de benefício, sem incidência do fator previdenciário, a ser calculada pelas regras vigentes até o advento da EC nº 20/98.

Satisfeito, ademais, o requisito atinente à carência – na medida em que, consoante a tabela prevista na regra do art. 142 da Lei de Benefícios (e c/c 102, § 1°, da referida Lei) –, cumprida a exigência mínima relativa ao número de contribuições.

A parte-autora, além da implementação do benefício de aposentadoria em seu favor, terá direito às parcelas de proventos desde a 20.03.2001, uma vez que as anteriores restaram atingidas pela prescrição quinquenal.

Consectários legais

Conforme precedentes da 3ª Seção desta Corte, tratando-se de bene-fício previdenciário, de natureza alimentar, os juros moratórios devem incidir de forma simples à taxa de 1% ao mês, desde a citação (Súmula nº 204 do Superior Tribunal de Justiça). Já a partir de julho de 2009, a respectiva taxa passa a ser a mesma aplicável às cadernetas de poupança (atualmente de 6% ao ano), por força do disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.

Aliás, recentemente a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ao apreciar o tema relativo à natureza jurídica dos juros de mora e do princípio tempus regit actum, decidiu, por maioria, que o disposto no

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art.1°-FdaLeinº9.494/97,modificadopelaMedidaProvisória2.180-35/2001 e, posteriormente, pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, tem natureza processual e, portanto, com aplicação aos processos em andamento (EREsp nº 1.207.197/RS, Rel. Min. Castro Meira, j. 18.05.2011, maioria, DJE 02.08.2011, e Recurso Especial Repetitivo nº 1.205.946/SP, STJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Corte Especial, maioria, julgado em 19.10.2011).

Quanto à constitucionalidade do disposto no art. 1°-F da Lei nº 9.494/97,modificadopelaMedidaProvisória2.180-35/2001e,poste-riormente, pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, o Supremo Tribunal Federal, por seu Plenário, já enfrentou o tema, declarando a constitucionalidade do respectivo dispositivo (RE 453.740, Rel. Min. Gilmar Mendes, Ple-nário, DJ 24.08.2007).

Às parcelas vencidas, desde quando se tornaram devidas, cabe, ainda, correçãomonetária inicialmente pelos índices oficiais e jurispruden-cialmente aceitos, quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64); OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86); BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89); INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91); IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92); URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94); IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94); INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95); IGP--DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98 e art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94); INPC (04/2006 a 06/2009, art. 31 da Lei nº 10.741/03 e art. 41-A da Lei nº 8.213/91); e, a partir de julho de 2009, de acordo com a “remuneração básica” das cadernetas de poupança, por força do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.

Honorários advocatícios devidos à taxa 10% sobre as prestações ven-cidas até o presente acórdão, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça.

O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando deman-dado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).

Tutela específica

Há que se ressaltar, ainda, a inviabilidade de se postergar os efeitos da tutela, considerando que se trata de matéria previdenciária, na qual severificaocaráteralimentardobenefíciopostulado.

Sobessaótica, aTerceiraSeçãodestaCortefirmouentendimento

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no sentido de que, nas causas similares a esta, deve-se determinar a imediata implementação do benefício previdenciário, valendo-se da tutela específicadaobrigaçãode fazer prevista no art. 461doCPC,independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário(QUOAC2002.71.00.050349-7,Relatorp/AcórdãoCelsoKipper, D.E. 01.10.2007).

Em razão disso, em sendo procedente o pedido e não tendo sido opos-tosembargosdedeclaraçãocomefeitosmodificativosnemembargosinfringentes, o INSS deverá implementar o benefício concedido no prazo de 45 dias, em consonância com os arts. 461 e 475-I, caput, do CPC.

Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processu-al, esclareço que a presente decisão não viola o previsto nos arts. 128 e 475-O, I, do CPC e no art. 37 da CF, os quais são, desde logo, tidos por expressamente prequestionados. Isso porque, de um lado, não se trata deantecipaçãoexofficiodeatosexecutóriosdodecisum,masdeefeti-vo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial. De outro, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previden-ciário determinada por autoridade judicial competente.

Conclusão

Sentença parcialmente reformada para se reconhecer o labor rural da parte-autora também no período de 01.01.1967 a 31.07.1968 e se conce-der a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com condenação do réu ao pagamento dos ônus sucumbenciais.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e dar provimento à apelação da parte-autora.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5002233-33.2010.404.7000/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Apelante: José MarkoAdvogada: Dra. Marilda de Fátima Pires Lucena

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

EMENTA

Previdenciário. Aposentadoria por idade. Requisitos legais. Com-provação. Lei nº 11.718/2008. Lei 8.213, art. 48, § 3º. Trabalho rural e trabalho urbano. Concessão de benefício a segurado que não está desempenhando atividade rural no momento da implementação dos requisitos. Possibilidade.

1. É devida a aposentadoria por idade mediante conjugação de tempo rural e urbano durante o período aquisitivo do direito, a teor do disposto na Lei nº 11.718, de 2008, que acrescentou o § 3º ao art. 48 da Lei nº 8.213, de 1991, desde que cumprido o requisito etário de 60 anos para mulher e de 65 anos para homem.

2. Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área ur-bana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nessa atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade.

3.Oqueamodificaçãolegislativapermitiufoi,emrigor,paraocasoespecíficodaaposentadoriaporidadeaos60(sessenta)ou65(sessentae cinco) anos (mulher ou homem), o aproveitamento do tempo rural para finsdecarência,comaconsideraçãodesaláriosdecontribuiçãopelovalor mínimo no que toca ao período rural.

4. Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade

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rural, mas, no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Colenda 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte-autora, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de setembro de 2011.Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: José Marko ajuizou ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro So-cial em 24.03.2010, uma vez que pleiteou a concessão do benefício de aposentadoria por idade urbana, com pedido administrativo formulado em 16.03.2009, o qual restou negado pelo INSS em razão de que o período rural não poderia ser computado para efeito de carência.

Sustenta que entre 1977 e 1999, embora trabalhando na lavoura, contribuiu para a Previdência Social, tendo na sequência exercido ativi-dade urbana entre 05.05.1999 e 16.03.2009. Refere que os mencionados tempos de serviço foram admitidos pelo INSS na órbita administrativa.

Sentenciando, em 17.03.2011, o MM. Juízo a quo julgou improce-dente o pedido, ao argumento de que correta a fundamentação da decisão administrativa que negou a concessão de aposentadoria por idade ao demandante. Foi revogado o benefício da gratuidade da justiça, visto que o autor recolheu as custas iniciais, pelo que foi ele condenado ao pagamentodehonorários advocatícios ao INSS,fixados em10%dovalor da causa atualizado.

Irresignada, a parte-autora interpôs recurso de apelação, sustentando, em suma, que efetuou recolhimentos a título de Funrural, mediante guias da Previdência Social e também por notas, o que autorizaria o cômputo doslapsosagrícolasparafinsdecarência.Alternativamente,requeraaplicação da parte da Lei nº 11.718/2008 que instituiu o § 3º do art. 48 da LB, possibilitando a concessão de aposentadoria por idade rural, com

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o implemento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado como trabalhador urbano.

Com contrarrazões do INSS, vieram os autos a esta Corte para apre-ciação.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Tenho que o recurso merece provimento.

Em 23.06.2008, passou a vigorar a Lei nº 11.718, que, dentre outras alterações,modificouo§2ºeinstituiuo§3ºdoart.48daLeideBene-fícios da Previdência Social, nos seguintes termos:

“Art. 48. (omissis)§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar

o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imedia-tamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.”

Como se vê, tal lei instituiu a possibilidade de outorga do benefício de aposentadoria por idade ao trabalhador rural, com o implemento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado em outras categorias – como empregado urbano ou contribuinte individual, v.g. – desde que haja o implemento da idade mínima de 60 (sessenta) anos para mulher e 65 (sessenta e cinco) anos para homem.

Ao § 3º do artigo 48 da LB não pode ser emprestada interpretação restritiva. Tratando-se de trabalhador rural que migrou para a área ur-bana, o fato de não estar desempenhando atividade rural por ocasião do requerimento administrativo não pode servir de obstáculo à concessão do benefício. A se entender assim, o trabalhador seria prejudicado por passar a contribuir, o que seria um contrassenso. A condição de trabalhador rural, ademais, poderia ser readquirida com o desempenho de apenas um mês nessa atividade. Não teria sentido se exigir o retorno do trabalhador às

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lides rurais por apenas um mês para fazer jus à aposentadoria por idade. Oqueamodificaçãolegislativapermitiufoi,emrigor,oaproveitamentodotemporuralparafinsdecarência,comaconsideraçãodesaláriosdecontribuiçãopelovalormínimo,nocasoespecíficodaaposentadoriaporidade aos 60 (sessenta) ou 65 (sessenta e cinco) anos (mulher ou homem).

A verdade é que, em uma situação como essa, o segurado não deixou de trabalhar; apenas mudou de regime. Não pode ser prejudicado pelo fato de ter passado a contribuir como trabalhador urbano. Tivesse con-tinuado a trabalhar como agricultor em regime de economia familiar, sem efetuar qualquer recolhimento de contribuições, poderia ter obtido aposentadoria aos 55 (cinquenta e cinco) ou 60 (sessenta) anos de idade sem qualquer problema. Não há razão, assim, para que se negue o direito ao benefício, com requisito etário mais rigoroso, somente porque passou a recolher contribuições.

Assim, na hipótese em apreço, sob pena de se relegar ao desamparo quem jamais deixou de exercer atividade laborativa, há de se adotar entendimento no sentido de reconhecer o direito à aplicação da regra do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 a todos os trabalhadores que tenham desempenhado de forma intercalada atividades urbanas e rurais.

Calha registrar que sob o regime da Lei Complementar 11, de 25.05.1971, havia norma de sentido assemelhado, que inclusive amparava de forma mais efetiva os trabalhadores rurais que migravam para a área urbana. Com efeito, assim estabelecia o artigo 14 da Lei Complementar 11/71:

“Art. 14. O ingresso do trabalhador rural e dos dependentes, abrangidos por esta Lei complementar, no regime de qualquer entidade de previdência social não lhes acarretará a perda do direito às prestações do programa de assistência, enquanto não decorrer o período de carência a que se condicionar a concessão dos benefícios pelo novo regime.”

O dispositivo acima, como se percebe, amparava o segurado rural que migrava para a área urbana. Não tendo havido a perda da qualidade de segurado, era possível reconhecer o direito à obtenção do benefício segundo as regras previstas para o regime rural, enquanto não preenchi-dos os requisitos (inclusive carência) exigidos para obtenção de proteção pelo regime urbano.

Não há, à luz dos princípios da universalidade e da uniformidade e da equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 295

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bem assim do princípio da razoabilidade, como se negar a aplicação do artigo 48, § 3º, da Lei 8.213/91 ao trabalhador que exerceu atividade rural, mas, no momento do implemento do requisito etário (sessenta ou sessenta e cinco anos), está desempenhando atividade urbana.

Dito isso, vê-se que, no caso dos autos, o próprio INSS já reconheceu o desempenho de labor rurícola pelo demandante entre 1967 e 1998 (evento 22 – processo administrativo 6 – e evento 37), mediante justi-ficaçãoadministrativaemquecolacionadoiníciodeprovadocumentalcorroborado por provas testemunhais, pelo que incontroverso nos autos dito tempo de serviço.

Ademais, incontroverso que, durante o período de 05.05.1999 a 16.03.2009, o autor exerceu atividade urbana na empresa New Hubner Componentes Automotivos Ltda., conforme Resumo de Documentos para Cálculo de tempo de Contribuição do INSS (evento 22 – processo administrativo 6).

Para efeitos de carência, deve a parte-autora comprovar o efetivo exercício de atividades rurais no período de 168 meses imediatamente anteriores à data do requerimento administrativo, realizado em 2009, ou 168 meses imediatamente anteriores ao implemento do requisito etário, ocorrido em 2004.

Diante da possibilidade de concessão do benefício de aposentadoria por idade, com o implemento da carência mediante o cômputo do tempo de serviço prestado em outras categorias como empregado urbano, desde que haja o implemento da idade mínima de 65 anos para homem, tenho que o demandante satisfaz tais requisitos. Contando o autor mais de 27 anos (324 meses) de tempo de atividade entre vínculos urbanos e lides rurícolas e preenchido, outrossim, o requisito etário – 65 anos, conforme o § 3° da Lei 11.718/08 –, faz ele jus à aposentadoria por idade, desde a data do requerimento administrativo, efetivado em 16.03.2009.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

a) correção monetária e juros de mora:A despeito de votos que vinha proferindo em sentido diverso, a 3ª

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Seção desta Corte assentou o entendimento de que, até 30.06.2009, a atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada pres-tação,deve-sedarpelosíndicesoficiaisejurisprudencialmenteaceitos,quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86, de 03/86 a 01/89), BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95), IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, prece-dida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros de mora devemserfixadosàtaxade1%aomês,acontardacitação,combaseno art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos be-nefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar,consoantefirmeentendimentoconsagradonajurisprudênciado STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97,parafinsdeatualizaçãomonetáriaejuroshaveráaincidência,umaúnicavez,atéoefetivopagamento,dosíndicesoficiaisderemune-ração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

b) honorários advocatícios:devemserfixadosem10%sobreovalorda condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

c) custas processuais: o INSS é isento do pagamento no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul (art. 11 da Lei nº 8.121/85, com a redação dada pela Lei nº 13.471/2010), isenção essa que não se aplica quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que, no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.

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Da implantação do benefício

Assim decidiu a 3ª Seção deste Tribunal Regional Federal ao julgar em 09.08.07 a questão de ordem na apelação cível 2002.71.00.050349-7 (Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper):

“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. ART. 461 DO CPC. TUTELA ESPECÍFICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EFICÁCIA PREPONDERANTEMENTE MANDAMENTAL DO PROVIMENTO. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. POSSIBILIDADE. REQUERIMENTO DO SEGURADO. DESNECESSIDADE.

1. Atento à necessidade de aparelhar o processo de mecanismos preordenados à obtenção doresultadopráticoequivalenteàsituaçãojurídicaqueseverificariacasoodireitomaterialtivesse sido observado espontaneamente pelo ‘devedor’ por meio da realização da conduta imposta pelo direito material, o legislador, que já havia, na época da edição do Código de DefesadoConsumidor(Lei8.078/90),instituídoatutelaespecíficadodireitodo‘credor’deexigir o cumprimento dos deveres de fazer ou não fazer decorrentes de relação de consumo, inseriu no ordenamento processual positivo, por meio da alteração no art. 461 do Código de ProcessoCiviloperadapelaLei8.952/94,atutelaespecíficaparaocumprimentodosdeveresde fazer ou não fazer decorrentes das relações do direito material que não as de consumo.

2.Aadoçãodatutelaespecíficapelareformaprocessualde1994doCPCveioparasuprir, em parte, a morosidade judicial, na proporção em que busca dar ao cidadão aquilo e somente aquilo que lhe é devido, tirando o direito do plano genérico-abstrato da norma, conferindo-lheefeitosconcretos,comofitodelhegarantiramesmaconsequênciadoqueaquela que seria obtida pelo adimplemento voluntário.

3. A sentença que concede um benefício previdenciário (ou assistencial), em regra, compõe-se de uma condenação a implantar o referido benefício e de outra ao pagamento das parcelas atrasadas. No tocante à determinação de implantação do benefício (para o futuro, portanto), a sentença é condenatória mandamental e será efetiva mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

4. A respeito do momento a partir do qual se poderá tornar efetiva a sentença, na parte referente à implantação futura do benefício, a natureza preponderantemente mandamental da decisão não implica automaticamente o seu cumprimento imediato, pois há de se ter por referência o sistema processual do Código, não a Lei do Mandado de Segurança, uma vez que a apelação de sentença concessiva do benefício previdenciário será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo, nos termos do art. 520, caput, primeira parte, do CPC, motivo pelo qual a ausência de previsão de efeito suspensivo ex lege da apelação, em casos tais, traz por consequência a impossibilidade, de regra, do cumprimento imediato da sentença.

5. Situação diversa ocorre, entretanto, em segundo grau, visto que o acórdão que concede o benefício previdenciário, que esteja sujeito apenas a recurso especial e/ou recurso extra-ordinário, enseja o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, ante

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a ausência, via de regra, de efeito suspensivo daqueles recursos, de acordo com o art. 542, §2º,doCPC.Talcumprimentonãoficasujeito,pois,aotrânsitoemjulgadodoacórdão,requisito imprescindível apenas para a execução da obrigação de pagar (os valores retroa-tivamente devidos) e, consequentemente, para a expedição de precatório e de requisição de pequeno valor, nos termos dos parágrafos 1º, 1º-A e 3º do art. 100 da Constituição Federal.

6.Ocumprimentoimediatodatutelaespecífica,diversamentedoqueocorrenotocanteà antecipação de tutela prevista no art. 273 do CPC, independe de requerimento expresso porpartedoseguradooubeneficiário,poisaqueleéinerenteaopedidodequeoréusejacondenadoaconcederobenefícioprevidenciário,eoseudeferimentosustenta-senaeficáciamandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC. Em suma, a determinação da implantação imediata do benefício contida no acórdão consubstancia, tal como no mandado desegurança,umaordem(àautarquiaprevidenciária)edecorredopedidodetutelaespecífica(ou seja, o de concessão do benefício) contido na petição inicial da ação.

7. Questão de ordem solvida para que, no tocante à obrigação de implantar (para o futuro) o benefício previdenciário, seja determinado o cumprimento imediato do acórdão sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, independentemente de trânsito em julgadoedepedidoespecíficodaparte-autora.”

No caso dos autos, reconhecido o direito ao benefício, impõe-se a implantação.

A bem da celeridade processual, já que o INSS vem opondo embargos de declaração em todos os feitos nos quais determinada a implantação imediatadobenefício,alegando,parafinsdeprequestionamento,violaçãodos arts. 128 e 475-O, I, do CPC e 37 da Constituição Federal de 1988, abordo desde logo a matéria.

Não se cogita de ofensa aos artigos 128 e 475-O, I, do CPC, porque a hipótese, nos termos do precedente da 3ª Seção, não é de antecipação, de ofício, de atos executórios. A implantação do benefício decorre da natureza da tutela judicial deferida, como, a propósito, está expresso na ementa da Questão de Ordem acima transcrita.

A invocação do artigo 37 da Constituição Federal, por outro lado, é despropositada. Sequer remotamente pode-se falar em ofensa ao princípio da moralidade na concessão de benefício previdenciário por autoridade judicial competente.

Dessa forma, em vista da procedência do pedido e do que estabelecem os artigos 461 e 475-I, caput, bem como dos fundamentos expostos na questão de ordem cuja ementa foi acima transcrita, e inexistindo embargos infringentes, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial

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da autarquia que for intimado deste acórdão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Dispositivo

Diante do exposto, voto no sentido de dar parcial provimento à ape-lação da autora, nos termos da fundamentação retro.

APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5002825-34.2011.404.7100/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle

Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSApelado: Ministério Público Federal

EMENTA

Previdenciário. Ação civil pública. Ministério Público Federal. Legitimidade ativa. Interesse de agir. Adequação da utilização de ação civil pública. Pensão por morte. Termo inicial. Prazo. Absolutamente incapazes. Art. 74, I e II, da Lei nº 8.213/91 frente aos arts. 198, inciso I, do Código Civil c/c 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios.

1.AjurisprudênciadoSupremoTribunalFederaléfirmenosentidode que os direitos individuais homogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, à medida que se revestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público por ação coletiva.

2. Deve ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público em ações atinentes a direitos previdenciários porquanto, nessa área, deve ser prestigiada a interposição de ações civis públicas e/ou coletivas quando a discussão for eminentemente de direito, na medida em que desafogam

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o excessivo número de ações individuais, sendo de inestimável valor ao Judiciário, mormente levando-se em consideração a cada vez mais pun-genteenecessáriapreocupaçãocomaceleridadeeaeficáciajudiciais.

3. Caracterizado o interesse de agir pelo fato de não se poder equiparar os “inválidos incapazes assim declarados pela perícia médica do INSS”, referidos no art. 264 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007, com os absolutamente incapazes do art. 3º, incs. II e III, do Código Civil. Esses últimos abrangem categoria muito mais ampla, não contemplada em atosinfralegaisdaautarquia-ré.Incontroverso,pois,afirmarquepartedapretensão deduzida na inicial já teria sido satisfeita administrativamente, persistindo, porém, a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.

4. O Ministério Público Federal tem legitimidade para a propositura de ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos, quando presente relevante interesse social, como na presente ação previdenciária.

5. Se os absolutamente incapazes, por não possuírem o necessário discernimento para os atos da vida civil, não podem ser prejudicados por eventual demora de seus representantes para a prática desses atos, é imperioso que tal raciocínio se aplique a todas as hipóteses envolvendo interesses patrimoniais e relações jurídicas desses sujeitos de direito.

6. O termo inicial do benefício previdenciário de pensão por morte, tratando-sededependenteabsolutamente incapaz,deveserfixadonadata do falecimento do segurado, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 da Lei nº 8.213/9, instituído pela Lei nº 9.528/97, o qual não se aplica igualmente aos óbitos anteriores à alteração legislativa.

7. Consoante entendimento predominante nesta Corte, o absolutamen-te incapaz não pode ser prejudicado pela inércia de seu representante legal, até porque contra ele não corre prescrição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103, parágrafo único, da Lei de Benefícios.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

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Porto Alegre, 13 de julho de 2011.Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Trata-se de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, objeti-vando, em âmbito nacional, a determinação para que o INSS considere impedidaoususpensaafluênciadoprazoestipuladonoart.74,IeII,da Lei 8.213/91 na hipótese de esta prejudicar pessoa absolutamente incapaz nos termos do art. 3º, I, II e III, do Código Civil, alterando, em consequência, a Instrução Normativa INSS/PRES 20, de 10 de outubro de 2007, para que dela conste a determinação supra,comfixaçãodemulta diária no valor de R$10.000,00 para o caso de descumprimento.

A questão em debate diz respeito aos benefícios de pensão por morte requeridos por incapazes nos termos do art. 3º do Código Civil, argumen-tando que, pela atual prática administrativa, são feridos os direitos dos absolutamente incapazes, que deveriam ter seu benefício previdenciário deferido a contar da data do óbito do instituidor, com o pagamento das parcelas vencidas desde então, e não da data do requerimento adminis-trativo.

Fundamentou o pedido na natureza prescricional do lapso temporal do art. 74, I e II, da Lei 8.213/91 e, consequentemente, no direito que assiste aos absolutamente incapazes à suspensão ou ao impedimento dos prazos prescricionais em seu desfavor.

Em contestação, o INSS, preliminarmente, alegou falecer ao MPF interesse de agir, por estar sua pretensão abrigada pela IN 20/2007, e, no mérito,defendeunãoserprescricionaloprazofixadonoart.74daLeideBenefícios, versando sobre a data de início de um benefício previdenci-ário, a qual se constitui em termo para a aplicação de critérios objetivos à sua concessão. Disse, ainda, não haver direito à pensão por morte e a parcelas vencidas no período anterior ao requerimento administrativo e que os absolutamente incapazes também devem exercer seus direitos, a tempo e modo, por meio de seus representantes legais, propugnando, assim, pelo acolhimento da preliminar ou pela improcedência da ação.

O MM. Juízo a quo houve por bem afastar a preliminar de carência de açãoejulgá-latotalmenteprocedente,comexclusãoapenasdafixação

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de multa diária “por não vislumbrar qualquer interesse imediato do réu em descumprir os termos da decisão”.

Em sua apelação, o INSS alegou haver ilegitimidade ativa para a causa por tratar ela da defesa de direitos individuais patrimoniais disponíveis, falecendo igualmente o MPF de legitimidade para defender direitos in-dividuais homogêneos em geral e, em especial, sem relação de consumo. Aduziu, ainda, ser a ação civil pública via inadequada para a defesa de direitos individuais homogêneos sem relação de consumo, além de repisar as teses da falta de interesse de agir e da natureza não prescricional do prazo estipulado no art. 74 da Lei de Benefícios.

Recebida a apelação em ambos os efeitos, dessa decisão agravou o MPF, pleiteando a concessão apenas do efeito devolutivo.

A decisão foi mantida, tendo em vista que“o longo lapso temporal decorrido entre a alteração legislativa impugnada pelo MPF (art. 74, I e II, da Lei 8.213/91, com a redação determinada pela Lei 9.528/97) e a propositura da presente demanda (mais de dez anos) indica não haver risco concreto de dano irrepa-rável ou de difícil reparação caso o comando sentencial venha a produzir efeitos após seu trânsito em julgado.”

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle:

Da tempestividade

Intimado o Apelante em 24.06.2010, protocolou sua apelação em 13.07.2010, dentro, pois, do prazo legal.

Das questões preliminares

I Ilegitimidade ativa O INSS alega ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para

propor ação civil pública pugnando pela defesa de direitos individuais disponíveis, qualquer direito individual homogêneo ou, ainda, direito individual homogêneo sem relação de consumo.

Entretanto, conforme bem gizado pelo Apelado, “a presente ação

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tem por objeto a tutela de um direito coletivo stricto sensu, tendo em vista que se trata de um direito titularizado por um grupo (dependentes de segurados do RGPS considerados incapazes, nos termos do art. 3º do Código Civil) que mantém uma relação jurídica base com o sujeito passivo da obrigação (Previdência Social)”, sendo, “portanto, legítima a iniciativa do MP, visto que amparada pelo art. 129, III, da CF”.

Mesmo que de direito coletivo não se tratasse, este Tribunal, a despeito da existência de precedentes em sentido contrário, inclusive do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado do STF.

Decorre do disposto nos artigos 127, caput, e 129, inc. III, da CF a legitimidade do Ministério Público para defesa dos interesses sociais e individuais, e em matéria previdenciária o interesse social é inquestio-nável. Tanto isso é verdade que a Previdência Social é objeto, na Carta Magna,deSeçãoespecífica(III)integrantedeCapítuloquedispõesobrea Seguridade Social (II) em Título (VIII) destinado à Ordem Social.

Segundo tem entendido o STF ao apreciar os artigos 127, caput, e 129, inc. III, da Constituição Federal, é possível ao Ministério Público Federal promover, via ação coletiva, a defesa dos direitos individuais homogêneos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância social, cabendo referir os seguintes precedentes:

“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de 1993, art. 25. CF, artigos 127 e 129, III.

II.Certosdireitos individuaishomogêneospodemserclassificadoscomo interessesoudireitoscoletivos,ouidentificar-secominteressessociaiseindividuaisindisponíveis.Nesses casos, a ação civil pública presta-se à defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa (CF, art. 127, caput, e art. 129, III).

(...)” (STF, RE 195.056/PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30.05.2003, p. 30) “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO

MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTI-LAS EM JUÍZO.

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1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição perma-nente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).

2. Por isso mesmo, detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).

3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato; e coletivos, aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos; e a deter-minidade, a daqueles interesses que envolvem os coletivos.

4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos.

4.1.Querseafirmeinteressescoletivos,querparticularmenteinteresseshomogêneos,stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, expli-citamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que, conquantodigamrespeitoàspessoasisoladamente,nãoseclassificamcomodireitosindi-viduaisparaofimdeservedadaasuadefesaemaçãocivilpública,porquesuaconcepçãofinalísticadestina-seàproteçãodessesgrupos,categoriasouclassedepessoas.

5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impug-nadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois, ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual, como dispõe o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal. 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada consti-tucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.” (STF, RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29.06.2001, p. 55)

No último precedente transcrito, o STF reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público para defesa de interesses homogêneos de origem comum no campo da educação, em relação à qual a atuação estatal nem sempre se dá de forma direta. Certamente levou em consideração, ao decidir dessa maneira, que, a exemplo da previdência social, a educação

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também está contemplada no Título VIII da Constituição Federal, que, comosalientadoanteriormente,tratadaOrdemSocial.Édeseafirmar,assim, que com muito mais razão deve ser reconhecida a legitimidade ativa do Ministério Público em matéria previdenciária, até porque a atuação do Estado se dá, como regra, de forma direta.

No mesmo sentido da jurisprudência do STF é o entendimento desta Corte:

“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E RE-GIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. RISCO DE DANO. AUSÊNCIA.

Considerando que o tema referente à titularidade ativa da ação manejada em primeiro grau tem assento constitucional (arts. 127, caput, e 129, III) e que a última palavra pertence ao não menos egrégio STF, e tendo este, em hipótese análoga (igualmente versava sobre causa em que discutido um direito social, como são os benefícios mantidos pela Previdência Social – art. 6º da CF), recentemente decidido que a Lei Complementar nº 75/93 conferiu ao MPT legitimidade ativa, no campo da defesa dos interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista (STF, RE 213.015, 2ª Turma, Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 24.05.2002), não há como afastar a plausibilidade dessa última em relação ao MPF – igualmente um dos ramos do Ministério Público da União – em sede previdenciária. Inteligência, ademais, do disposto nos artigos 1º, 2º e 74, I, da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).” (AI nº 2004.04.01.001232-6/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, u., DJU de 09.06.2004)

“APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. LEGITI-MIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGO 74 DA LEI Nº 8.213/91 COM A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.528/91. PAGAMENTO DO BENEFÍCIO. DATA DO REQUERIMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE REJEITADA.

1. A atual posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os direitos indi-viduais homogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, à medida que se revestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público por ação coletiva. (...)” (AC nº 2000.04.01.097994-3/PR, TRF4, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal José Paulo Baltazar Júnior, u., DJU de 13.04.2005)

“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚ-BLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.

1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais homogêneos.” (AC nº. 2000.71.00.009347-0/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, u., DJU de 10.08.2005)

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“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO OBJETIVO DE AFERIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR (RENDA PER CAPITA DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO) NÃO É A ÚNICA FORMA DE DEMONSTRAR ESSA CONJUNTURA. MENOR QUE DEVE SER SUBMETIDA A CUIDADOS ESPECIAIS. CONDIÇÕES DE VIDA PRECÁRIAS. INCAPACIDADE.

1. A União carece de legitimidade passiva nas ações em que se discute o direito ao benefício assistencial.

2. O Ministério Público Federal está legitimado a propor ação civil pública em defesa dedireitosindividuaishomogêneosdosidososeportadorasdedeficiênciaincapacitante,desprovidos de condições de manter o seu próprio sustento ou de tê-lo mantido por suas famílias, porquanto evidenciado relevante interesse social na defesa de tais direitos.

3. Se é verdade que a constitucionalidade do critério objetivo previsto no art. 20, § 3º, daLei8.742/93parademonstraçãodacondiçãodemiserabilidade,parafinsdeconcessãode benefício assistencial, já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI nº 1.232-1/DF, a existência dessa possibilidade de comprovação trazida no referido dispositivo não elideoutrasmaneirasdesecertificaraconjunturapessoalidôneaagarantirorecebimentodo amparo pleiteado.

(...)” (TRF4, AC 2002.71.04.000395-5, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, DJ 19.04.2006)

Deve ser salientado, ainda, que mesmo no âmbito do STJ admitiu-se a legitimidade ativa do Ministério Público em matéria previdenciária, consoante se depreende da seguinte ementa do ano de 2006:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.

1 – A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ‘O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’. In casu, ocorre reivindicação de pessoa em prol de tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do Ministério Público, para intervir no processo, como o fez.

2 – No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não possui vício algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v. acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo dissimulada, de infringentes.

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3 – A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício de sua atividade ou não (nesse caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir ou, pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes’ (BALTAZAR JUNIOR, José Paulo; ROCHA, Daniel Machado da. Comentários à lei de benefícios da previdência social. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2004. p.251).

4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, uma vez que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Em face dessa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise.

5–Diantedo§3ºdoart.16daLeinº8.213/91,verifica-sequeoqueolegisladorpre-tendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.

6 – Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessi-dades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988, que assim estabeleceu,emcomandoespecífico:‘Art.201–Osplanosdeprevidênciasocial,mediantecontribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V – pensão por morte de segurado, ho-mem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º’.

7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafe-tivos,comvistaàproduçãodeefeitosnocampododireitoprevidenciário,configurando-semera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.

8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, por meio da Instrução Normativa nº 25, de 07.06.2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou à companheira homossexual, para atender a determinação judicial expe-dida pela juíza Simone Barbisan Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, aodeferirmedida liminarnaAçãoCivilPúblicanº2000.71.00.009347-0,comeficáciaerga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.

9 – Recurso Especial não provido.” (REsp 395904. Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Sexta Turma. DJ 06.02.2006)

Ainda que o precedente referido diga respeito a ação individual, se ao Ministério Público se reconheceu legitimidade para tutelar direito de uma pessoa, com muito mais razão se deve admitir sua legitimidade para

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atuar em favor da coletividade.Mais recentemente o STF teve oportunidade de se manifestar em hipó-

tese análoga à dos autos e assentou a legitimidade do Ministério Público para ajuizar ação civil pública com o objetivo de assegurar, aos segurados da previdência social, a obtenção de certidão de tempo de serviço.

“DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO. RECUSA DA AUTAR-QUIA PREVIDENCIÁRIA. DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS. PRERROGATIVAS JURÍDICAS DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINIS-TÉRIO PÚBLICO. A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART. 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.

– O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destina-da a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações.

– A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.

– O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes.” (RE-AgR 472489/RS. Relator Min. Celso de Mello. 2ª Turma. DJU em 29.08.2008)

Neste Tribunal, outro não vem sendo o entendimento:“PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITI-

MIDADE. 1. Os argumentos contrários à legitimidade do Ministério Público para a propo-situra de ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos concentram-se na disponibilidade destes e na falta de previsão legal expressa, com exceção do Código de DefesadoConsumidor,cujaaplicabilidadeficariarestritaasrelaçõesporelereguladas.Alega-se que atribuir ao Ministério Público a defesa desses interesses, caracterizados, em tese, pela sua disponibilidade, seria desprestigiar a função institucional do parquet, e os dispositivos que assim o fazem seriam inconstitucionais. 2. Todavia, tais argumentos não se sustentam perante uma análise mais aprofundada do tema. A exigência de previsão expressa na Constituição Federal se revela completamente desprovida de razoabilidade, pois, à época de sua promulgação – em que pesem as grandes inovações introduzidas pela Lei nº 7.347/85 –, ainda não se cogitava do conceito de interesses individuais homogêneos no ordenamento

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jurídico brasileiro. A Constituição, entretanto, atribui ao Ministério Público a defesa dos interessesdifusosecoletivoseoutros,desdequecompatíveiscomsuafinalidade(art.129,III e IX). 3. Uma interpretação teleológica da Carta Magna evidencia a legitimidade do parquet, uma vez que o legislador constituinte não pretendeu restringir sua atuação. Pelo contrário, em face da grande importância de sua atuação na garantia do Estado de Direito, o constituinte deixou claro a relevância do Órgão Ministerial e a possibilidade de exten-são de sua atividade a outros casos que escapassem à sua previsão naquele momento. 4. Deve ser reconhecida a legitimidade do Ministério Público em ações atinentes a direitos previdenciários, uma vez que previsões legais de interposição de ações civis públicas e/ou coletivas devem ser prestigiadas nessa área quando a discussão for eminentemente de direito, na medida em que desafogam o excessivo número de ações individuais, sendo de inestimável valor ao Judiciário, mormente levando-se em consideração a cada vez mais pun-genteenecessáriapreocupaçãocomaceleridadeeaeficáciajudiciais.5.Inviável,todavia,a aplicação do art. 515, § 3º, do CPC, porquanto o feito não teve o necessário contraditório, razão pela qual se impõe a anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para que seja devidamente processada e julgada a presente ação civil pública.” (TRF4, Apelação Cível nº 2003.72.09.001580-7, 6ª Turma, Des. Federal João Batista Pinto Silveira, por maioria, D.E. 05.11.2009)

Portanto, não prospera a alegação de ilegitimidade ativa do Ministé-rio Público Federal para propor a presente ação civil pública, fazendo-o em obediência ao seu dever funcional de proteção dos interesses sociais relevantes, em especial em favor dos incapazes.

II Falta de interesse de agirO INSS alegou a ausência de interesse processual do MPF por não

haver prova da resistência à pretensão. Porém, tal alegação não procede, conforme bem salientado pelo Magistrado a quo:

“De fato, não se pode equiparar os ‘inválidos incapazes assim declarados pela perícia médica do INSS’, referidos no art. 264 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007, com os absolutamente incapazes do art. 3º, incs. II e III, do Código Civil. Abrangem, esses últimos, categoria muito mais ampla, não contemplada em atos infralegais da autarquia-ré. Assim, éincontroversoafirmarquepartedapretensãodeduzidanainicialjáteriasidosatisfeitaadministrativamente,persistindoanecessidadedeintervençãodoPoderJudiciário”(fl.73).

III Inadequação da via eleitaAinda no trato preliminar, o INSS verberou não ser a ação civil pública

remédio hábil à defesa de direitos individuais homogêneos em geral e, em especial, se inexistir relação de consumo.

Admitindo-se, apenas por apego à argumentação, que a presente ação

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tratasse de direitos individuais homogêneos, a possibilidade de sua de-fesa mediante a ação civil pública já foi tratada no item I supra, quando do reconhecimento da legitimação ativa para a causa por parte do MPF, razão pela qual rejeito a preliminar, com a agregação de jurisprudência recente deste Regional:

“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINIS-TÉRIO PÚBLICO FEDERAL. RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. Consoante preceden-tes jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe o mister constitucional de uniformizar a interpretação da legislação federal, o Ministério Público detém legitimidade para propositura de ação civil pública para defesa de direitos individuais homogêneos, quando presente relevante interesse social, o que ocorre no caso, em que são apontados vícios no procedimento de ingresso nos cursos de pós-graduação stricto sensu, a violar o direito fundamental à educação.” (AC 2008.71.07.003152-9. Data da Decisão: 19.04.2011. Órgão Julgador: Terceira Turma, Relatora: Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria.

Do mérito

As razões meritórias repisaram os argumentos já expendidos em contestação e que foram rechaçados, com propriedade, pelo Juiz Sen-tenciante, Dr. Gustavo Pedroso Severo, razão pela qual as adoto como fundamento para decidir:

“No mérito, tenho que razão assiste à parte-autora. Com efeito, abstraída qualquer discussão acerca da natureza do prazo previsto no art. 74,

incs. I e II, da Lei nº 8.213/91 (se prescricional ou não), é regra corrente de hermenêutica a máxima de que, ‘Onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de Direito’ (1). Assim, se os absolutamente incapazes, por não possuírem o necessário discer-nimento para os atos da vida civil, não podem ser prejudicados por eventual demora de seus representantes para a prática desses atos, é imperioso que tal raciocínio se aplique a todas as hipóteses envolvendo interesses patrimoniais e relações jurídicas desses sujeitos de direito.

Estabelecidatalpremissa,ficadifícilaceitarqueosmenoresde16anos,osenfermosoudeficientesmentaiseosquenãopossamexprimirsuavontade(art.3º,incs.IaIII,doCódigo Civil) estejam ao abrigo da ressalva prevista no parágrafo único do art. 103 da Lei nº 8.213/91, não se sujeitando ao prazo fatal de 5 anos para ‘haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social’, e, ao mesmo tempo, disponham de apenas 30 dias, a contar da data do óbito do segurado instituidor, para requerer administrativamente o benefício de pensão por morte sem qualquer risco de perda de valores aessetítulo(art.74,incs.IeII,daLeinº8.213/91).Trata-sedeflagranteantinomiadosis-tema, patrocinada pela Medida Provisória nº 1.596-14/97 (posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97), que alterou a redação original do art. 74 da Lei de Benefícios da Previdência

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Social. Sua solução passa por uma hermenêutica construtiva, que priorize os interesses do incapaz,sejaemrazãodesuahipossuficiência,sejaemrazãodascircunstânciasenvolvidasna concessão do benefício de pensão por morte, quando, mais que uma fonte de sustento, o dependente perde um ente querido de seu círculo familiar.

Nesse sentido sinaliza a doutrina: ‘Na perspectiva da DIB, o dependente incapaz não pode ser prejudicado se não foi aceita

a solicitação pessoal, em sede administrativa, em face de sua incapacidade mesma decorrente de menoridade ou de necessidades especiais, ou por meio de representante enquanto este não providenciasse o termo de tutela/curatela, hipótese em que a data inicial – DIB da pensão deveráserfixadasemprenadatadoóbito–DO,aindaquerequeridadepoisde30dias.’(LUCHI DEMO, Roberto Luis; SOMARIVA, Maria Salute. Pensão por morte previden-ciária: aspectos materiais e processuais, atualidades, sucessão legislativa e jurisprudência dominante. Disponível em <http://boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1320>.

Nesse sentido também sinaliza a jurisprudência: ‘PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. DEPENDENTE MENOR. DATA DE

INÍCIO DE BENEFÍCIO. 1. O termo inicial do benefício previdenciário de pensão por morte, tratando-sededependenteabsolutamenteincapaz,deveserfixadonadatadofalecimentodosegurado, não obstante os termos do inciso II do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, instituído pela Lei nº 9.528/97, o qual não se aplica igualmente aos óbitos anteriores à alteração legislativa. 2. Consoante entendimento predominante nesta Corte, o absolutamente incapaz não pode ser prejudicado pela inércia de seu representante legal, até porque contra ele não corre pres-crição, a teor do art. 198, inciso I, do Código Civil c/c os artigos 79 e 103 parágrafo único da Lei de Benefícios.’ (TRF 4ª Região, Turma Suplementar, AC nº 2009.70.99.002878-6, D.E. 23.11.09, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, unânime)

Ressalte-se que razão não assiste ao INSS quando sustenta que ‘não há existência de parcelas prescritas, mas a inexistência absoluta das próprias parcelas, e mesmo do bene-fício,noperíodoanterioraorequerimento’(fl.43).Comefeito,nãosepodeconfundiraaquisição do direito ao benefício da previdência social com o exercício de tal direito. Este se dá mediante o requerimento administrativo ao INSS. Aquela, com o cumprimento de todos os pressupostos relacionados na legislação, necessários ao deferimento do benefício. Logo, comprovada a qualidade de segurado do de cujus à data de seu óbito e a qualidade de dependente do candidato à tutela previdenciária nessa ocasião, a pensão é devida, ainda que requerida posteriormente. Tanto é assim que, caso o protocolo do benefício ocorra até 30 dias após o falecimento do segurado instituidor, seus proventos retroagirão àquela data, nãoficandolimitadosàdatadeentradadorequerimentoadministrativo,nosestritostermosdo art. 74, inc. I, da Lei nº 8.213/91. Isso, por si só, demonstra a existência de parcelas atrasadas e do próprio benefício no intervalo que precede seu protocolo administrativo.

Por outro lado, se é recomendável que os direitos dos absolutamente incapazes sejam exercidosnotempoenomodooportunospormeiodeseusrepresentanteslegais(fl.43,in fine), não se pode punir os representados por eventuais omissões a que, em face de sua própria falta de discernimento, não deram causa. No ponto, denota-se que a autarquia pre-

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tende transferir ao incapaz os ônus decorrentes da incúria de seu representante, situação que o ordenamento jurídico, reiteradamente, busca repelir, conforme se deduz nos arts. 79 e 103, parágrafo único, in fine, da Lei nº 8.213/91.

Finalmente, não favorece a defesa da autarquia o disposto no art. 76 da LBPS: ‘A con-cessão da pensão por morte não será protelada pela falta de habilitação de outro possível dependente, e qualquer inscrição ou habilitação posterior que importe em exclusão ou inclusão de dependente só produzirá efeito a contar da data da inscrição ou habilitação’.

De fato, tal norma, pelas razões acima lançadas, é restrita aos dependentes capazes, não se aplicando aos destinatários da presente ação civil pública’ (evento 11).”

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e à remessa oficial.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5020447-63.2010.404.7100/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira

Apelante: Telmar Correa da SilvaAdvogada: Dra. Isabel Cristina Trapp Ferreira

Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

EMENTA

Previdenciário. Processual civil. Direito adquirido ao benefício antes da DER. Art. 58/ADCT. Aplicação pelo salário mínimo de referência. Correção do menor valor-teto pelo IPC. Tutela de evidência. Requisitos.

1. O direito à aposentadoria coincide com o momento em que preen-chidos os requisitos estabelecidos em lei para o seu gozo, logo, tendo o segurado cumprido as exigências legais para inativar-se antes da data emquerequereuabenesse,nãosejustificaimpedi-lododireitoaocál-culo do benefício naquela data apenas por ter permanecido laborando,

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até porque se trata de opção que, na realidade, redundou em proveito da própria Previdência.

2. O segurado tem direito adquirido ao cálculo do benefício de acordo com as regras vigentes quando da reunião dos requisitos para aposen-tação, independentemente de prévio requerimento administrativo para tanto. Precedentes do STF e do STJ.

3. Alterada a renda inicial, impõe-se a revisão na forma do art. 58 do ADCT.

4. Na aplicação do art. 58 do ADCT, não se admite a utilização do Salário Mínimo de Referência (SMR). Precedentes do STJ e da Seção Previdenciária desta Corte.

5. A correção do menor valor-teto, a contar de março de 1986, passou a ser dada pelo IPC.

6. A doutrina moderna, motivada pela velocidade do nosso tempo e do crescimento das necessidades, vem buscando a efetividade do processo por meio da adoção de tutelas jurídicas diferenciadas pelos sistemas de Direito Positivo. Atualmente, no direito brasileiro há duas espécies de antecipação de tutela. Uma concedida contra perigo de perecimento do direito, ou, nos termos da lei, de “dano irreparável ou de difícil repa-ração”oude“ineficáciadoprovimentofinal”.Aoutra,denominadadetutela antecipada de evidência ou tutela de evidência, cujos requisitos constam do art. 273, II e § 6º, do CPC, é deferida com base não no perigo de perecimento do direito, mas na necessidade de se redistribuir os ônus do tempo do processo, no caso em que o direito do autor se mostra incon-troverso ou provável, e o réu, por sua vez, abusa de seu direito de defesa.

7. A certeza de que o pleito preenche os requisitos para concessão da tutela de evidência só é possível após a análise acurada do que seja pedido incontroverso.

8. Emseussignificadosliteraiscomuns,incontroversoéadjetivoquedesigna o indiscutível, o incontestável, o indubitável e também o que não é controverso, o que não desperta controvérsia, o incontrovertido. A incontrovérsiaensejadoradamedidaantecipatóriasomenteseconfiguracom a presença de um elemento essencial, a ausência de controvérsia deve considerareenvolveraposiçãodojuiz,oterceirofigurantedarelaçãoprocessual angularizada. Portanto, além da ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na

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convicção do juiz, for verossímil. “Incontroverso”, em suma, não é o “indiscutido”, mas sim o “indiscutível”.

9. A controvérsia que impede a antecipação não é apenas a que diz respeito a questões de mérito. Mesmo em face de pedido que, em si mesmo, é incontroverso e verossímil, a antecipação pressupõe ausência de empecilhos de ordem processual para o seu atendimento. Assim, se for alegada incompetência, ou litispendência, ou coisa julgada, ou falta dequalquerpressupostoprocessualoucondiçãodaação,enfim,seforalegada qualquer exceção ou defesa concernente à ação ou ao processo (arts.301e304),estaráconfiguradoumpressupostonegativoparaodeferimento da medida antecipatória, ainda que a respeito do pedido em si não tenha havido contestação alguma.

10. Em contrapartida, considerando o manifesto desiderato legislativo – de criar, com a satisfação antecipada, ainda que provisória, dos pedidos incontroversos,umaaçãoafirmativaemproldaefetividadedoprocesso–, é indispensável que se retire dessa vontade da lei as consequências lógicas que dela naturalmente decorrem, entre as quais a de não admitir a utilização de subterfúgios à concretização dos objetivos programados. Sob essa premissa, é apropriado concluir, quando se interpreta o § 6º, que a controvérsia apta a antecipação de tutela há de se revestir de um mínimo de seriedade e razoabilidade. Nesse enfoque, pode-se dar ao conceitodepedidoincontroversoumsentidoampliado,maisafinadocomuma interpretação teleológica da norma: será considerado incontroverso o pedido, mesmo contestado, quando os fundamentos da contestação sejam evidentemente descabidos ou improcedentes. Em outras palavras: quando não haja contestação séria.

11. A ausência de seriedade ou razoabilidade, todavia, há de ser medida não apenas a partir da convicção pessoal do juiz, mas à luz de critérios objetivos fornecidos pelo próprio sistema de processo.

12. Emsuma,pode-seafirmarqueaantecipaçãodatuteladequetratao § 6º do art. 273 do Código de Processo Civil tem como pressuposto pedido (ou parcela dele) (a) não controvertido seriamente pelas partes, (b) verossímil e c) cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial.

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ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da parte-autora, nostermosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 01 de junho de 2011.Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de apelação interposta de sentença que reconheceu a decadência do direito à revisão do ato de concessão do benefício do(a) autor(a), resolvendo omérito,nostermosdoart.269,inc.IV,primeirafigura,doCódigodeProcesso Civil (pedido principal de revisão de benefício de aposenta-doriaoriginário,comreflexosembenefíciodepensãopormorte,combase em direito adquirido ao melhor benefício, desde o implemento dos requisitos mínimos para sua fruição). A parte-autora foi condenada ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência, correspondentes a 10% do valor atualizado da causa, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC, suspensos, todavia, os efeitos dessa condenação em razão do benefício da justiça gratuita.

Sem condenação em custas processuais (art. 4º, incs. I e II, da Lei nº 9.289/96).

Irresignada, apela a parte-autora, inicialmente pedindo a antecipação de tutela parcial de seu direito, em face da evidência deste, para alterar a renda mensal atual do seu benefício. Também indica que houve reconhe-cimento de repercussão geral em recursos extraordinários sobre a questão da decadência (RE 626.489) e sobre a matéria de fundo desta ação (RE 630.501). Quanto às questões de fundo, pede a reforma da sentença, de-vendo ser afastado o reconhecimento da decadência do direito de revisão do benefício da parte-autora, para que após seja julgada procedente a ação, com a procedência total do pedido, além de reiterar seus pedidos iniciais (pedidos principais: 1 – declaração da aquisição do direito ao benefício no momento da implementação dos requisitos mínimos legais,

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ou seja, o direito adquirido ao benefício mais vantajoso, com a retroação para dezembro de 1987; 2 – que a correção do menor valor-teto, a contar de março de 1986, se dê pelo IPC; e 3 – que a aplicação do artigo 58 do ADCTsedêpelosaláriomínimodereferência).Porfim,prequestionaa matéria dos autos.

Sem contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Trata-se de ação revisional de proventos de aposentadoria por tempo de serviço (NB aposentadoria por tempo de serviço 42/086.447.298-6 – DIB 16.10.1991 – evento 6, PROCADM3 dos autos eletrônicos originários).

Decadência

O e. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação fe-deral no âmbito do Poder Judiciário, consolidou o entendimento de que oprazodedecadênciadodireitoouaçãodoseguradooubeneficiáriopara a revisão do ato de concessão do benefício, previsto no art. 103, caput, da Lei nº 8.213/91 – a partir da redação dada pela Lei nº 9.528, de 10.12.1997, alterada pelas Leis nº 9.711, de 20.11.1998, e 10.839, de 05.02.2004, todas precedidas de uma ou mais medidas provisórias sobre a questão –, somente é aplicável aos segurados que tiveram benefícios concedidos após a publicação da lei que o previu pela primeira vez, não podendo esta incidir sobre situações jurídicas já constituídas sob a vigência da legislação anterior, sem que tal interpretação acarrete qual-quer ofensa ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil (STJ, REsp nº 984.843/PR, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, mono-crática, DJ 25.09.2007; AI nº 942.628/SC, Rel. Ministro Nilson Naves, monocrática, DJ 25.09.2007; AI nº 941.224/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, monocrática, DJ 25.09.2007; AI nº 942.569/RS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, monocrática, DJ 21.09.2007; AI nº 932.301/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, monocrática, DJ 21.09.2007; RE nº 240.493-SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJ de 10.09.2007; AgRg no Ag nº 863.051/PR, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, DJ 06.08.2007; AgRg

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no Resp nº 717.036/RJ, Rel. Ministro Paulo Gallotti, Sexta Turma, DJ 23.10.2006; REsp nº 429.818/SP, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, Quinta Turma, DJ 11.11.2002; REsp nº 254.186/PR, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJ 27.08.2001). No mesmo sentido, também, a posição deste Tribunal (TRF4, AC nº 2001.71.13.003091-8, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, DE 17.08.2007; AC nº 2002.71.14.001349-1, Sexta Turma, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DE 03.08.2007; AC nº 2004.71.12.005619-5, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE 18.05.2007; AC nº 2001.72.08.000774-0, Turma Suplementar, Rel. Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE 28.08.2007; AC nº 2007.72.99.003083-1, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Fernando Quadros da Silva, DE 13.08.2007; AC nº 2005.71.16.001600-0, Sexta Turma, Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, DE 03.08.2007; AC nº 2001.71.01.001058-8, Turma Suplementar, Rel. Juiz Federal Loraci Flores de Lima, DE 17.07.2007; AC nº 2006.70.01.000959-4, Quinta Turma, Rel. Juiz Federal Luiz Antonio Bonat, DE 21.06.2007; AGV nº 2006.71.14.001215-7, Turma Suplementar, Rel. Juíza Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 18.05.2007).

Dessa forma, tendo em vista que o benefício da parte-autora foi conce-dido antes da publicação da Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.06.1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/97, inexiste prazo decadencial para que aquela pleiteie a revisão da renda mensal inicial do benefício.

Afasto a prejudicial de mérito de decadência do direito de revisão do benefício da parte-autora portanto, esta reconhecida pelo magistrado a quo.

Pode o Tribunal, superada uma prejudicial de mérito e tratando-se de questão exclusivamente de direito e estando pronta para julgamento, passar ao exame do mérito propriamente dito, segundo o artigo 515, §§ 1º e 3º (em interpretação extensiva), do Código de Processo Civil e ante os princípios da celeridade e da economia processual.

Logo, passo ao exame da prescrição e da questão de fundo.

Prescrição quinquenal

A prescrição quinquenal pode ser reconhecida, de ofício, uma vez que a ação foi ajuizada após a entrada em vigor da Lei nº 11.280, em

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18.05.06, que alterou o parágrafo quinto do artigo 219 do CPC.A nova redação do art. 103 da Lei 8213/91 contempla, em seu caput,

hipótese de prazo decadencial no que respeita à revisão de ato conces-sório e, no seu parágrafo único, caso de prazo prescricional quanto ao recebimento de créditos devidos aos segurados, sendo que a diferença de tratamento da matéria encontra-se cristalizada, atualmente, no enunciado nº 85 do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, cuidando-se de hipótese diversa da descrita no caput, apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede à propositura da ação é que são alcançadas pela prescrição.

No caso, tendo o feito sido ajuizado em 16.09.2010 e o requerimento administrativo, sido efetivado em 16.10.1991, encontram-se prescritas as parcelas anteriores a 16.09.2005.

Direito adquirido ao melhor benefício

Controverte-se nos autos acerca do direito à declaração de existência de direito adquirido à outorga de aposentadoria na forma mais favorável aos interesses da parte-autora, em contraponto à que lhe foi deferida por ocasião da DER, apurada em face da data em que implementados os requisitos para sua fruição, elegendo para tanto o mês de outubro de 1982 e, consequentemente, da obrigação do INSS em revisar a renda mensal inicial do benefício originário de aposentadoria por tempo de serviço(comreflexosnapensãopormorte),medianteasubstituiçãodaRMIpelaqueseriadevidanaquelaocasião,comefeitosfinanceirosapartir da DER.

Do exame dos autos (carta de concessão no evento 6, PROCADM3, dosautoseletrônicosoriginários),verifica-sequeoautorpossuía,nadatado requerimento administrativo/DIB (16.10.1991), 40 anos, 9 meses e 3 dias de tempo de serviço. Portanto, aferível de plano que, em dezembro de1987(12/1987),aparteautoradetinhatempodeserviçosuficienteparaconcessão do benefício, consoante os termos do art. 33 da CLPS-1984 (e demais dispositivos pertinentes), legislação em vigor na data em que pretende seja recalculado o benefício.

O art. 5º, XXXVI, da CF/88 dispõe, in verbis: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Com base nesse preceito constitucional, não vejo como se negar que, havendo

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satisfeito todos os requisitos para se aposentar, o direito do segurado de perceber os proventos na conformidade da legislação da época já sehaviaconsubstanciado,sendo,portanto,imodificávelporlegislaçãoposterior mais desfavorável, muito menos pelo fato de ter o segurado, inadvertidamente, permanecido a contribuir para os cofres da Previdência.

Quanto ao tema, ainda que sobre o enfoque da alteração legislativa, o quenãoéespecificamenteomotivoalegadopeloautor,merecedestaquea lição de Cretella Júnior (Enciclopédia Saraiva, p. 134):

“Quando, durante a vigência de determinada lei, alguém adquire um direito, este se incorpora ao patrimônio do titular mesmo que este não o exercite, de tal modo que o ad-vento de lei nova não atinge o status conquistado, embora não exercido ou utilizado, como, p. ex., o agente público que, após trinta anos de serviço, adquire direito à aposentadoria, conformealeientãovigente,enãoatingidopelaleinovaquefixeemtrintaecincoanosorequisito para a aposentadoria. O não exercício do direito, nesse caso, não implica a perda do direito, adquirido na vigência da lei anterior. Ao completar, na vigência da lei antiga, trinta anos de serviço público, o titular adquiriu o direito subjetivo público de requerer a aposentadoria, em qualquer época, independentemente de alteração introduzida pela lei nova, que não mais o atinge. Qualquer ameaça ou medida concreta de cercear tal direito encontraria a barreira constitucional do direito adquirido. O direito adquirido, em virtude da relação de função pública, denomina-se direito subjetivo público e é oponível ao Estado pro labore facto. Incorporado ao patrimônio do funcionário, pode ser exigido a qualquer época, a não ser que o texto expresso de lei lhe fixe o período de exercício. Do contrário, adquirido sob o império de uma lei, em razão do vinculum iuris, que liga ao Estado, é into-cável, não obstante alteração introduzida por lei, posterior, podendo ser oponível ao Estado que, se o negar, fere direito subjetivo público, líquido e certo de seu titular, como, p. ex., pelodecursodotempo,fixadoemlei,ofuncionárioadquiredireito(àaposentadoria,àsférias, à licença-prêmio, ao estipêndio, aos adicionais) pro labore facto, ingressando-se em status intocável, imune a qualquer fato ou lei que tente vulnerá-lo, o que implicaria ofensa ao direito adquirido, com implicações patrimoniais e/ou morais.”

O STF há muito tem se manifestado acerca dessa questão. Uma de suas primeiras decisões encontra-se na Súmula 359, que inicialmente trazia comoelementofundamentalparaasolidificaçãododireitoamanifesta-ção expressa da vontade do servidor, consubstanciada no requerimento de aposentadoria. Dispôs a Súmula 359, em sua redação primitiva, com base em jurisprudência formada por acórdão de 1963, in verbis:

“Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou servidor civil, reuniu os requisitos necessários, inclusive a apresentação do requerimento, quando a inatividade for voluntária.”

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Contudo, observo que a citada Súmula sofreu reformulação, sendo que hoje o requisito da manifestação da vontade ou o requerimento tornou-se irrelevante. No recurso de Mandado de Segurança 11.395, DJ 18.03.1965, Relator o Ministro Luiz Gallotti, assim se decidiu: “Se, na vigência da lei anterior, o funcionário havia preenchido todos os requisitos para a aposentadoria, não perde os direitos adquiridos pelo fato de não haver solicitado a concessão”.

Continua o Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº82881,DJ05.05.1976,Rel.Min.EloydaRocha,naementa,firmandoo seguinte entendimento:

“I – Servidor público estadual – caracterização de tempo de serviço público; direito ad-quirido – estabelecido, na lei, que determinado serviço se considera como tempo de serviço público, para os efeitos nela previstos, do fato inteiramente realizado nasce o direito, que se incorporaimediatamentenopatrimôniodoservidor,aessaqualificaçãojurídicadotempode serviço consubstanciado direito adquirido, que a lei posterior não pode desrespeitar.”

No Recurso Extraordinário 262.082-RS, DJ 10.04.2001, o Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, cita o voto condutor do Ministro Luiz Gallotti no leading case da revisão da Súmula 359, que diz, in verbis:

“No citado RMS 9.813, o Ministro Gonçalves de Oliveira (Relator) entendera que, se o impetrante requeresse a aposentadoria na vigência da lei anterior, teria direito adquirido; mas, quando requereu, essa lei já não vigorava e, assim, tinha apenas expectativa de direito.

Aí é que, data venia, divirjo. Um direito já adquirido não se pode transmudar em expectativa de direito, só porque o titular preferiu continuar trabalhando e não requerer a aposentadoria antes de revogada a lei cuja vigência ocorrera a aquisição do direito. Expectativa de direito é algo que antecede à sua aquisição; não pode ser posterior a esta.

Uma coisa é a aquisição do direito; outra, diversa, é o seu uso ou exercício. Não devem as duas ser confundidas. E convém ao interesse público que não o sejam, porque, assim, quando pioradas pela lei as condições de aposentadoria, se permitirá que aqueles eventu-almente atingidos por ela, mas já então com os requisitos para se aposentarem de acordo com a lei anterior, em vez de o fazerem imediatamente, em massa, como costuma ocorrer, com grave ônus para os cofres públicos, continuem trabalhando, sem que o tesouro tenha que pagar, em cada caso, a dois; ao novo servidor em atividade e ao inativo.”

No Recurso Extraordinário nº 258.570-RS, julgado em 05.03.2002, o Ministro Moreira Alves acorda:

“EMENTA: Aposentadoria previdenciária. Direito adquirido – Súmula 359. –EstaPrimeiraTurma(assim,nosRREE243.415,266.927,231.167e258.298)firmou

o entendimento que assim é resumido na ementa do acórdão do primeiro desses recursos:

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‘Aposentadoria: proventos: direito adquirido aos proventos conforme à lei regente ao tempo da reunião dos requisitos da inatividade, ainda quando só requerida após a lei menos favorável (súmula 359, revista): aplicabilidade a fortiori à aposentadoria previdenciária.’”

Da mesma maneira entende o Ministro Carlos Velloso, no AGRG. RE nº 270.476-RS, DJ 11.06.2002:

“EMENTA: – CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. PRO-VENTOS: DIREITO ADQUIRIDO.

I – Proventos de aposentadoria: direito aos proventos na forma da lei vigente ao tempo da reunião dos requisitos de inatividade, mesmo se requerida após a lei menos favorável. Súmula 359-STF: desnecessidade do requerimento. Aplicabilidade da aposentadoria pre-videnciária. Precedentes do STF.

II – Agravo não provido.”

Nomesmoagravo,oMinistroCarlosVellosoratificousuadecisãonos seguintes termos:

“Este Colendo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 266.927, Rel.: Min. ILMARGALVÃO(DJ10.11.00),firmouoentendimentodeque:

‘PREVIDENCIÁRIO. PROVENTOS DA APOSENTADORIA CALCULADOS COM BASE NA LEGISLAÇÃO VIGENTE AO TEMPO DA REUNIÃO DOS REQUISITOS QUE, TODAVIA, FORAM CUMPRIDOS SOB O REGIME DA LEI ANTERIOR, EM QUE O BENEFÍCIO TINHA POR BASE VINTE SALÁRIOS DE CONTRIBUIÇÃO EM VEZ DE DEZ. ALEGA OFENSA AO DIREITO ADQUIRIDO.

Hipótese a que também se revela aplicável – e até com maior razão, em face de decorrer o direito de contribuições pagas ao longo de toda a vida laboral – a Súmula 359, segundo a qual os proventos da inatividade se regulam pela lei vigente ao tempo em que reunidos os requisitos necessários à obtenção do benefício, não servindo de óbice à pretensão do segurado, obviamente, a circunstância de haver permanecido em atividade por mais alguns anos, nem o fato de a nova lei haver alterado o lapso de tempo de apuração dos salários de contribuição, se nada impede compreenda ele os vinte salários previstos na lei anterior.

Recurso conhecido e provido.’”

Ainda sobre o tema direito adquirido, transcrevo o pensamento do MM. Juízo a quo da 1ª Vara Previdenciária de Porto Alegre/RS, Dr. José Paulo Baltazar Junior, lembrado no relatório do RE retrotranscrito:

“A isto se chama direito adquirido, uma situação de imutabilidade que garante o titular contraposteriormodificaçãolegislativa.Paraquesedêasituaçãopornósconhecidacomodireito adquirido é necessário que o direito não tenha sido exercido. Se o direito foi gozado por seu titular, há uma relação jurídica consumada, que não gera questionamento. Agora, para a incidência da norma, é necessário que o fato que dá suporte à incidência da norma tenha se completado, esteja presente em todos os seus elementos.

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Em matéria previdenciária, o fenômeno ocorre quando o segurado atende a todos os requisitos necessários para a obtenção de um determinado benefício, sejam eles carência, tempo de serviço, idade mínima, etc. (...)”

Esse entendimento, inclusive, já foi albergado pela Lei de Benefício e seu respectivo regulamento, consoante se vê do teor do art. 122 da Lei 8.213-91 e dos arts. 32, § 9º, e 56, §§ 3º e 4º, do Decreto 3.048-99.

“LEI Nº 8.213/91:Art.122.Semaisvantajoso,ficaasseguradoodireitoàaposentadoria,nascondições

legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 anos de serviço, se homem, ou trinta anos, se mulher, optou por permanecer em atividade. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)”

“DECRETO Nº 3.048/99:Art. 32. O salário de benefício consiste:(...) § 9º No caso dos §§ 3º e 4º do art. 56, o valor inicial do benefício será calculado

considerando-se como período básico de cálculo os meses de contribuição imediatamente anteriores ao mês em que o segurado completou o tempo de contribuição, trinta anos para a mulher e trinta e cinco anos para o homem, observado o disposto no § 2º do art. 35 e a legislação de regência. (Redação dada pelo Decreto nº 3.265, de 1999)

(...)Art. 56. A aposentadoria por tempo de contribuição será devida ao segurado após trinta

e cinco anos de contribuição, se homem, ou trinta anos, se mulher, observado o disposto no art. 199-A. (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007).

(...) §3ºSemaisvantajoso,ficaasseguradoodireitoàaposentadoria,nascondiçõesle-

galmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos previstos no caput, ao segurado que optou por permanecer em atividade.

§ 4º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, o valor inicial da aposentadoria, apu-rado conforme o § 9º do art. 32, será comparado com o valor da aposentadoria calculada na forma da regra geral deste Regulamento, mantendo-se o mais vantajoso, considerando-se como data de inicio do benefício a data da entrada do requerimento.”

Frise-se que, embora o art. 122 da Lei 8.213-91 preveja sua incidência apenas sobre a aposentadoria integral, tenho que é perfeitamente possível a extensão dessa garantia também às aposentadoria proporcionais, tendo em vista o princípio da isonomia e o direito ao benefício mais vantajo-so, conforme preconizado pelo próprio INSS no Enunciado nº 05, do Conselho da Previdência Social: “A Previdência Social deve conceder o

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melhorbenefícioaqueoseguradofizerjus,cabendoaoservidororientá--lo nesse sentido”.

No mesmo sentido, ainda, a Instrução Normativa nº 20, de 11.10.97, expedida pelo INSS. Vejamos:

“INSTRUÇÃO NORMATIVA INSS/PRES Nº 20, DE 11.10.2007:Art.69.OPeríodoBásicodeCálculo–PBCéfixado,conformeocaso,deacordocoma:I – Data do Afastamento da Atividade – DAT; II – Data de Entrada do Requerimento – DER; III – Data da Publicação da Emenda Constitucional nº 20, de 1998 – DPE; IV – Data da Publicação da Lei nº 9.876, de 1999 – DPL; V – Data de Implementação das Condições Necessárias à Concessão do Benefício –

DICB.(...)Art.93.Semaisvantajoso,ficaasseguradoodireitoàaposentadoria,nascondições

legalmente previstas na data do cumprimento de todos os requisitos necessários à obtenção do benefício, ao segurado que, tendo completado 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, ou 30 (trinta) anos, se mulher, optou por permanecer em atividade.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo somente será aplicado à aposentadoria requerida ou com direito adquirido a partir de 28 de junho de 1997, data da publicação da MP nº 1.523-9 e reedições, convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, observadas as seguintes disposições:

I – o valor da renda mensal do benefício será calculado considerando-se como PBC os meses de contribuição imediatamente anteriores ao mês em que o segurado completou o tempo de contribuição, nos termos do caput deste artigo;

II–arendamensalapuradadeveráserreajustada,nosmesmosmeseseíndicesoficiaisde reajustamento utilizados para os benefícios em manutenção, até a Data do Início do Benefício – DIB;

III – na concessão serão informados a renda mensal inicial apurada, conforme inciso I e os salários de contribuição referentes ao PBC anteriores à DAT ou à DER, para considerar a renda mais vantajosa;

IV – para a situação prevista neste artigo, considera-se como DIB a DER ou a data do desligamento do emprego, nos termos do art. 54 da Lei nº 8.213/1991, não sendo devido nenhum pagamento relativamente ao período anterior a essa data.”

Destaco,porfim,quenãoseestáafalaremdireitoàretroaçãodaDIB, mas sim de direito à forma de cálculo da RMI da aposentadoria, de forma mais vantajosa, em dezembro de 1987 (12/1987). Assiste razão nesse ponto à parte-autora.

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Artigo 58 do ADCT

Em decorrência da alteração da renda mensal inicial, consoante fun-damentação anterior, deverá ser aplicado sobre o benefício a revisão pelo art. 58 do ADCT da CF-88.

Utilização do salário mínimo de referência quando da aplicação do art. 58 do ADCT

Entende o autor, entretanto, pelo que se infere, que a utilização, como divisor,parafinsdeaplicaçãododispostonoart.58doADCT,sedêpelo salário mínimo de referência (SMR), e não pelo piso nacional de salários (PNS).

O referido dispositivo constitucional transitório estabeleceu que os benefícios de prestação continuada teriam seus valores revistos pelo número de salários mínimos que tinham na data de sua concessão. Ora, o Decreto-Lei nº 2351/87, que criou o piso nacional de salários e o salário mínimo regional, estabeleceu, em seu art. 4º, inciso II, que o SMR deveria ser entendido como substituto da expressão salário mínimo quando utili-zada na acepção de índice de atualização monetária ou base de cálculo, de obrigação legal ou contratual. Não tendo sido utilizada a expressão salário mínimo no art. 58 do ADCT com qualquer dessas acepções, resta evidente que seria imprópria a utilização do SMR como divisor.

ASeçãoPrevidenciáriadestaCortepacificouamatérianosentidodaaplicaçãodoPNScomodivisorparafinsdoart.58/ADCTduranteavigência do DL nº 2.351/87:

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. ART. 58 DO ADCT. DIVISOR. PISO NACIONAL DE SALÁRIOS. PNS. INCIDÊNCIA.

1. Na revisão prevista no artigo 58 do ADCT, durante a vigência do Decreto-Lei nº 2.351/87, deve ser utilizado como divisor o piso nacional de salários, afastando-se a apli-cação do salário mínimo de referência (Precedentes desta Corte).

2. Embargos Infringentes improvidos.” (EI em AC nº 97.04.04556-5-SC, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, julgado em 17.05.00)

E não é outro o entendimento do STJ:“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO.

ARTIGO 58 DO ADCT. DIVISOR APLICÁVEL. SALÁRIO MÍNIMO DE REFERÊNCIA. PISO NACIONAL DE SALÁRIOS.

1. ‘O piso nacional de salários é o divisor a ser utilizado na aplicação do critério de

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equivalência em número de salários mínimos instituído pelo artigo 58 do ADCT. Precedentes’ (AgRgAgRgREsp nº 254.230/SC, da minha Relatoria, in DJ 04.02.2002).

2. Agravo regimental improvido.” (AGA nº 551980-RS, Sexta Turma, Rel. Min. Ha-milton Carvalhido, DJ 28.06.2004)

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. DISSÍDIO NÃO COMPROVADO. PISO NACIONAL DE SALÁRIO. DIVISOR. ART. 58 DO ADCT.

1 – Acórdãos originários de uma mesma Turma julgadora não servem para demonstrar o dissídio pretoriano que autoriza a interposição dos embargos de divergência.

2 – A similitude fática das hipóteses postas em confronto é requisito essencial para a comprovação da divergência jurisprudencial.

3–OSuperiorTribunaldeJustiçafirmoucompreensãodequeopisonacionaldesalárioséodivisoraplicávelparafinsdeapuraçãodaequivalênciaprevistanoartigo58doADCT.

4 – Embargos não conhecidos.” (ERESP nº 195977-RS, Terceira Seção, Rel. Min. Paulo Gallotti, DJ 24.05.2004)

Assim, nesse ponto, não assiste razão à parte-autora.

Correção do menor valor-teto pelo IPC

Permito-me tecer algumas observações pertinentes antes da conclusão.A partir da entrada em vigor da Lei 6.205, de 28.04.75, foi extinto o

critério de reajustamento do menor e do maior valor-teto de acordo com o salário mínimo (previsto no art. 5º da Lei 5.890, de 08.06.73), pois o parágrafo 3º do artigo 1º do referido diploma determinou a utilização do critério estabelecido nos artigos 1º e 2º da Lei 6.147, de 29.11.74 (fator de reajustamento salarial).

Por outro lado, posteriormente, determinou a Lei 6.708, de 30.10.79 (art. 14), que a atualização dos limitadores deveria observar a variação do INPC, tendo o artigo 21 do diploma legal em referência revogado a Lei 6.147/74. O INSS, todavia, não observou, num primeiro momento, o novo comando normativo, razão pela qual deve ser reconhecido o direito ao reajuste do menor e do maior valor-teto pelo INPC por força da Lei 6.708/79.

Nesse sentido, o seguinte julgado desta Corte:“PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO DO MENOR VALOR TETO DO SALÁRIO

DE CONTRIBUIÇÃO. LEI Nº 6.708/79. A partir da edição da Lei nº 6.708/79, a atualização do menor e do maior valor teto do

salário de benefício passou a obedecer à variação do INPC.” (AC 2001.04.01.007529-3, 6ª Turma, Rel. Juiz Federal Álvaro Eduardo Junqueira, DJU 12.11.2003)

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Na mesma linha, os precedentes do STJ a seguir transcritos:“PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIOS CONCEDIDOS NA VIGÊNCIA DA LEI

5.890/73. CÁLCULO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. MENOR VALOR-TETO. NÃO VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO.

1. A partir do advento da Lei 6.708/79, o cálculo do menor valor-teto para o salário de benefícioficoudesvinculadodosaláriomínimo,passandoasercorrigidodeacordocomo INPC.

2. Recurso conhecido e provido.” (REsp 199475/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Edson Vidigal, DJ de 18.10.1999, p. 261)

“RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRA-ÇÃO DA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 535 DO CPC. CÁLCULO DO MENOR VALOR--TETO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. UTILIZAÇÃO DO VALOR DE 10 VEZES O MAIOR SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE NO PAÍS COMO BASE DE CÁLCULO. IM-POSSIBILIDADE. ARTIGO 58 DO ADCT. DIVISOR APLICÁVEL. PISO NACIONAL DE SALÁRIOS.

1. (...).2. (...).3.ComaediçãodaLei6.205/75,posteriormentemodificadapelaLei6.708/79,parao

cálculo do menor valor-teto do salário de benefício, não mais se adotou o salário mínimo como indexador, mas, sim, o fator de reajustamento salarial previsto nos artigos 1º e 2º da Lei nº 6.147/74 (parágrafo 3º do artigo 1º da Lei nº 6.205/75) e, após, o INPC (parágrafo 3º do artigo 1º da Lei nº 6.708/79).

4. (...).5. (...).” (REsp 540959/RS. Sexta Turma. Rel. Ministro Hamilton Carvalhido. DJ de

15.12.2003, p. 431)

Deve ser observado, outrossim, que os efeitos da indevida atualização domenoredomaiorvalor-tetonãoseprojetaramindefinidamentenotempo. Num primeiro momento o INSS realmente ignorou o comando do artigo 14 da Lei 6.708/79. Todavia, foi editada algum tempo depois a Portaria do Ministério da Previdência e Assistência Social nº 2.840, de 30.04.82, a qual estabeleceu no seu item 4 o seguinte:

“4. A partir de 1º de maio de 1982, tendo em vista o disposto no artigo 14 da Lei nº 6.708, de 30 de outubro de 1979, o teto máximo do salário de benefício é de Cr$ 282.900,00 (duzentos e oitenta e dois mil e novecentos cruzeiros).”

Afixaçãodonovomaiorvalor-tetopelaPortaria2.840/82(e,conse-quentemente, do novo menor valor-teto, pois este correspondia à metade daquele) implicou a concessão de reajuste no percentual de 53,42%, quando a variação do INPC no semestre anterior foi de 39,10%. Há

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razão para essa diferença. É que, como previsto no item 4 da Portaria ora tratada (“tendo em vista o disposto no artigo 14 da Lei nº 6.708, de 30deoutubrode1979”),oINSSreparouseuequívoco,fixandoonovomaior valor-teto com a consideração do INPC acumulado desde maio de 1979. Com efeito, no período de abril de 1979 a abril de 1982, a variação acumulada do INPC então divulgado foi a que a seguir se demonstra (conforme SCAFFARO, Ronaldo Hemb. Reajustes Salariais: Teoria – Prática – Legislação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1994. p. 17-20; PONT, Juarez Varallo. Política Salarial Comentada. 3. ed. São Paulo: LTR, 1992. p. 31-32):

“a) de 04/79 a 10/79: 26,60%;b) de 11/79 a 04/80: 37,70%;c) de 05/80 a 10/80: 35,90%;d) de 11/80 a 04/81: 46,20%;e) de 05/81 a 10/81: 40,90%;f) de 11/81 a 04/82: 39,10%;g) índice correspondente à variação acumulada: 6,78848 (1,266 x 1,377 x 1,359 x 1,462

x 1,409 x 1,391 = 6,78848).”

Aplicando-se o índice referente à variação acumulada desde abril de 1979 (6,78848) sobre o valor vigente em maio do mesmo ano (Cr$ 41.674,00), este alcança Cr$ 282.903,11 (duzentos e oitenta e dois mil, novecentos e três cruzeiros e onze centavos) em maio de 1982. A dife-rençaverificada,mínimaemrelaçãoaovalorutilizadopeloINSS(Cr$282.900,00), é decorrente de diversidade de critério de arredondamento. Houve,pois,prejuízojánafixaçãodomaiorvalor-tetodenovembrode1979, mas ele cessou em maio de 1982.

Assim, a partir de maio de 1982, o menor e o maior valor-teto foram fixadosempatamaresqueobservavamocomandodaLei6.708/79.Dese concluir, pois, que somente houve prejuízo no cálculo da renda mensal inicial para os benefícios deferidos até abril de 1982.

Observo, por outro lado, que a atualização do menor e do maior valor-teto pelo INPC deve ser feita a partir de maio de 1979, até porque esse direito foi reconhecido pelo INSS ao editar a Portaria 2.840/82, que reajustou os limitadores pelo INPC desde o referido mês.

Ainda que haja direito ao reajuste dos limitadores pelo INPC desde maiode1979,édesereafirmarquesóocorreuprejuízoparaosbenefí-

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cios deferidos até 04/82.Ocorre que, em muitas das ações propostas, os segurados têm encon-

trado diferenças nos valores do menor e do maior valor-teto mesmo a partir de maio de 1982 porque utilizam a tabela compatibilizada do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Série Histórica. A atualização do me-nor e do maior valor-teto, todavia, observou, e de fato deveria observar, os índices de atualização divulgados à época, os quais, a propósito, foram utilizados para o reajuste dos salários e dos benefícios previdenciários.

Ora, referida tabela resultou de revisão nos índices mensais do INPC em razão da alteração de critérios para a respectiva apuração. Houve apenas nova consolidação de índices, em razão de alteração do perío-do de coleta de dados, sem que com isso tenha sido desconsiderado o efetivofenômenoinflacionárioocorridonopassadoeosefeitosobser-vados, na ocasião, na política salarial. Assim, ainda que tenha havido revisão da tabela do INPC pelo IBGE, isso não determina a necessidade de revisão do que foi feito preteritamente, na atualização de salários e benefícios previdenciários, com utilização dos índices históricos que à época foram corretamente apurados e divulgados segundo os critérios então adotados; muito menos de revisão retroativa da tabela do menor e do maior valor-teto.

Com efeito, no início de 1986, em razão do advento do Decreto-Lei 2.284, de 10.03.86 (Plano Cruzado), houve a instituição do IPC como indexador da economia e a revisão da sistemática de cálculo do INPC por parte do IBGE. Assim, com fulcro no artigo 1º da Lei 6.708, de 30.10.79, nos artigos 5º e 40 do Decreto-Lei 2.284, de 10.03.86 (posteriormente também art. 5º do Decreto-Lei 2.290/86), no artigo 1º do Decreto 84.560, de 14.03.80, e no art. 4º da Portaria 64, de 13 de maio de 1986, do Mi-nistro de Estado-Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, o IBGE passou a fazer a coleta de dados para apuração do indexador entre os dias 1º e 30 de cada mês de referência. Anterior-mente a coleta era feita entre o dia 15 do mês anterior e o dia 15 do mês de referência. Essa mudança, a propósito, é noticiada no próprio site do IBGE quando da divulgação das tabelas referentes ao INPC e IPCA:

“Esse conjunto de tabelas refere-se às séries compatibilizadas de números índices do INPC e do IPCA.

A compatibilização das séries foi feita em função da mudança de período de coleta,

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decorrente da transição cruzeiro/cruzado. Até fevereiro de 1986, o período de coleta dos índices se dava entre o dia 15 do mês anterior e o dia 15 do mês de referência e a partir de março a coleta de preços passou a ser realizada entre os dias 1º e 30 de cada mês.

Dessa forma, tornou-se necessário compatibilizar as duas séries de números-índices de modo a possibilitar o cálculo de variações acumuladas em períodos que compreendem meses anteriores e posteriores a março de 1986.” (sem grifos no original) (ver tabelas que podem ser encontrados em http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/precos/inpc_ipca/defaulttab.shtm#sub_download)

Ora, não é pelo fato de, a partir de março de 1986, o período de coleta tersidoalteradoquesepodeafirmarqueoINPCcalculadoatéentãoera incorreto. Houve simples alteração de sistemática de apuração. E é evidente que, alterada a sistemática, tornou-se, como enfatizado pelo IBGE, necessário compatibilizar as duas séries de números-índices de modo a possibilitar o cálculo de variações acumuladas em períodos que compreendem meses anteriores e posteriores a março de 1986. Essa com-patibilização não apagou, todavia, tudo o que foi feito até março de 1986.

A se entender que a tabela compatibilizada deve ser aplicada para reajustar menor e maior valor-teto antes de março de 1986, haveria necessidade de revisar todos os reajustamentos de salários e benefícios previdenciários procedidos (com base nos artigos 1º e 2º da Lei 6.708/79) até março de 1986, o que jamais foi admitido pela jurisprudência. Isso evidencia que a aplicação da tabela compatibilizada do INPC para rever atos praticados até março de 1986 implica, em rigor, indevida retroação, de modo a solapar atos jurídicos perfeitos.

Argumenta-se,afimdesustentaraaplicaçãodatabelacompatibiliza-da na atualização de menor e maior valor-teto, que ela é utilizada pelas contadorias para atualizar valores devidos em razão de sentença judicial. Ora, sua utilização para corrigir valores devidos (inclusive em processos judiciais) é apropriada, uma vez que tanto a sistemática anterior como a posterior a março de 1986 são corretas (houve apenas alteração do período de coleta, repisa-se), e na atualização se faz mera recomposição de um valor, sem interferir com ato já praticado. A propósito, para encontrar a expressão monetária atual de um valor anterior a março de 1986 com base no INPC, só se pode utilizar a série compatibilizada, uma vez que a sistemática de apuração anterior cessou no início de 1986. A aplicação a atos concretamente praticados anteriormente à alteração da sistemática

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deapuraçãodoINPC,todavia,alémdedependerdepedidoespecífico(ausente no caso em apreço, como já salientado), não poderia, de qual-quersorte,seracolhida,poissuaaceitaçãoimplicaflagranteaplicaçãoretroativa da tabela, o que não se mostra possível.

Deve ser salientado, ainda, que, com o advento do Plano Cruzado, instituído pelo Decreto-Lei 2.284/86 (regulamentado também pelo De-creto-Lei 2.290/86), além da alteração da sistemática de cálculo do INPC porpartedoIBGE,oindexadoroficialdaeconomia,comojáadiantado,passou a ser o Índice de Preços ao Consumidor – IPC. Isso decorreu do disposto nos artigos 5º, 6º, 10, 12, 20, 21 e 40 do Decreto-Lei 2.284/86 e no artigo 5º do Decreto-Lei 2.290/86.

Emrigor,pois,comoindexadoroficialdaeconomia,oINPCrestouextinto em março de 1986. E não foi por outra razão que no artigo 5º da Portaria nº 64, de 13.05.86, do Ministro de Estado Chefe da Secretaria de Planejamento da Presidência da República, assim restou disposto:

“Art. 5º. A série estatística do Índice Nacional de Preços ao Consumidor será encerrada no dia 28 de fevereiro de 1986, utilizando-se os mesmos procedimentos adotados no cálculo da estimativa a que se refere o § 2º do artigo 4º, de forma a assegurar exato encadeamento com a séria do IPC.”

ExtintocomoindexadoroficialdaeconomiaoINPCemfevereirode1986, parece claro que o IPC o substituiu como índice de atualização de menor e maior valor-teto a partir de março do mesmo ano, derrogado que foi o artigo 14 da Lei 6.708/79 pelos dispositivos do Decreto-Lei 2.284/86, e bem assim alterado o § 3º do artigo 1º da Lei nº 6.205, de 29 de abril de 1975.

Constata-se, portanto, que o INPC continuou a ser divulgado a partir de março de 1986 pelo IBGE apenas por opção da referida pessoa jurídica (até porque não havia impedimento a tanto). Menor e maior valor-teto, porém, passaram, a partir de março de 1986, a ser atualizados pelo IPC, também divulgado pelo IBGE, e de acordo com a nova sistemática de cálculo (o IBGE passou a fazer a coleta de dados para apuração do indexador entre os dias 1º e 30 de cada mês de referência). A partir de março de 1986, como se percebe, o uso da tabela compatibilizada do INPC para atualizar menor e maior valor-teto mostra-se indevido por duas razões: não fosse a impropriedade da referida tabela para rever atos pretéritos (como já esclarecido), a partir de março de 1986 o INPC R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 81-390, 2012 331

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sequer era o indexador adequado para reajustar os referidos limitadores (pois o indexador correto era o IPC).

À luz do exposto, desprezadas eventuais divergências decorrentes de arredondamento, devem ser consideradas as seguintes expressões para o maior valor-teto a partir de novembro de 1979 (lembrando que o menor valor-teto corresponde à metade do maior valor-teto):

“Maior valor-teto atualizado pelo INPC/IBGE desde maio/79 11/79 – 52.759,28 05/80 – 72.649,53 11/80 – 98.730,72 05/81 – 144.344,31 11/81 – 203.381,13 05/82 – 282.903,15 (Portaria 2.480/82)11/82 – 401.156,6705/83 – 591.706,09(...) – (...)(demaisvaloresdeacordocomatabelaoficialdoINSS)”

Por todo o exposto, vê-se que somente houve prejuízo no cálculo da renda mensal inicial para os benefícios deferidos entre novembro de 1979 e abril de 1982.

Para que se estabeleça comparação com os valores corretos acima informados, seguem aqueles considerados pelo INSS como maior valor--teto de novembro de 1979 a abril de 1982, evidenciando que a situação foi corrigida em maio de 1982:

Maior valor-teto segundo a tabela do INSS11/79 – 51.929,0005/80 – 70.136,0011/80 – 93.706,0005/81 – 133.540,0011/81 – 184.390,0005/82 – 282.903,15 (Portaria 2.480/82)11/82 – 401.156,6705/83 – 591.706,09(...) – (...)Nos reajustes seguintes de menor e maior valor-teto, o INSS utilizou

osíndicesoficiaisdoINPC/IPCdivulgadosàépoca.

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Assim, sendo o índice requerido pela parte-autora o previsto na le-gislação para a correção do menor valor-teto, tenho que esse pedido é procedente, ante a alegação de não aplicação ou aplicação incorreta do INSS, não tendo sido contestada tal alegação.

Antecipação de tutela

Pede o autor a antecipação de tutela parcial de seu direito, entendendo estar evidente este (tutela de evidência).

A doutrina moderna, motivada pela velocidade do nosso tempo e do crescimento das necessidades, vem buscando a efetividade do processo por meio da adoção de tutelas jurídicas diferenciadas pelos sistemas de Direito Positivo.

Consoante Nelson Nery Júnior, tutelas jurídicas diferenciadas “podem ser concebidas com a criação de instrumentos mais efetivos à solução da lide ou com mecanismos da agilização da prestação jurisdicional”.

Podemos trazer como exemplo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, espécie de class action for damages (art. 81 do CDC, parágrafo único, II, e 91 et. seq.), os juizados especiais cíveis e criminais (Lei 9.099/95) e a tutela antecipatória, instituída pelo Código de Processo Civil, no seu art. 273, recentemente reestruturado pela reforma com a inclusão dos parágrafos 6º – concessão da tutela quando o pedido ou parte dele se mostrar incontroverso – e 7º, cujo objetivo é a inserção da fungibilidade das medidas de urgência no sistema processual.

Assim, atualmente, no direito brasileiro há duas espécies de antecipa-ção de tutela. Uma concedida contra perigo de perecimento do direito, ou, nos termos da lei, de “dano irreparável ou de difícil reparação” ou de “ineficáciadoprovimentofinal”.Aoutra,denominadadetutelaantecipa-da de evidência ou tutela de evidência, cujos requisitos constam do art. 273, II e § 6º, do CPC, é deferida com base não no perigo de perecimento do direito, mas na necessidade de se redistribuir os ônus do tempo do processo, no caso em que o direito do autor se mostra incontroverso ou provável, e o réu, por sua vez, abusa de seu direito de defesa.

A certeza de que o pleito preenche os requisitos para concessão da tutela de evidência só é possível após a análise acurada do que seja pe-dido incontroverso.

Sobre esse ponto, cito a doutrina do eminente Ministro do Superior

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Tribunal de Justiça Teori Albino Zavascki, extraída da obra Antecipação de tutela. 5. ed. rev. e atual. Saraiva, 2007. Vejamos:

“3. Conceito de pedido incontroversoAquestãocentralparadefiniroalcancedodispositivoéesta:oquesignifica,paraos

finsprevistosno§6ºdoart.273,‘pedidoincontroverso’?Emseussignificadosliteraiscomuns,incontroversoéadjetivoquedesignaoindiscutível,

o incontestável, o indubitável e também o que não é controverso, o que não desperta contro-vérsia,oincontrovertido.Nessesentidopoder-se-iaafirmarquepedidoincontroversoseriaaquele a cujo respeito não se estabeleceu controvérsia entre as partes. Em outras palavras, paraconfigurarincontrovérsia,bastariaqueodemandadonãoseopusesseaopedidododemandante.Pergunta-se,contudo:ameraausênciadeoposiçãosignificará,porsisó,queopedidoéincontroversoparaosfinsdo§6º?Aresposta,certamente,devesernegativa.Pode ocorrer, por exemplo, que o demandado não conteste determinado pedido, o qual, contudo, na avaliação do juiz, é manifestamente descabido. Em caso tal, considerando que asentençafinalserádeimprocedência,élógicoconcluirque,emborasetratedepedidoacujo respeito não há controvérsia entre as partes, a sua antecipação será inadmissível. Não se pode esquecer, ademais, que a ausência de contestação pode decorrer de colusão, hipótese em que o processo não poderá prosseguir, cumprindo ao juiz extingui-lo imediatamente sem julgar o mérito (CPC, art. 267, IV) e não antecipar a tutela. Nessa mesma linha de raciocínio, pode-se aventar hipótese de demandas sobre direitos indisponíveis: a ausência de controvérsia formal entre as partes sobre eles impõe que o juiz, mesmo para efeito de antecipação,examineadequadamenteahigidezdopedidodoautor.Oquesequerafirmar,com os exemplos, é que a incontrovérsia ensejadora da medida antecipatória somente se configuracomapresençadeumelementoessencial,aausênciadecontrovérsiadeveconsi-derareenvolveraposiçãodojuiz,oterceirofigurantedarelaçãoprocessualangularizada.Portanto, além da ausência de controvérsia entre as partes, somente poderá ser tido como incontroverso o pedido que, na convicção do juiz, for verossímil. ‘Incontroverso’, em suma, não é o ‘indiscutido’, mas sim o ‘indiscutível’.

Por outro lado, a controvérsia que impede a antecipação não é apenas a que diz respeito a questões de mérito. Mesmo em face de pedido que, em si mesmo, é incontroverso e ve-rossímil, a antecipação pressupõe ausência de empecilhos de ordem processual para o seu atendimento. Assim, se for alegada incompetência, ou litispendência, ou coisa julgada, ou faltadequalquerpressupostoprocessualoucondiçãodaação,enfim,seforalegadaqualquerexceçãooudefesaconcernenteàaçãoouaoprocesso(arts.301e304),estaráconfiguradoum pressuposto negativo para o deferimento da medida antecipatória, ainda que a respeito do pedido em si não tenha havido contestação alguma.

Em contrapartida, considerando o manifesto desiderato legislativo – de criar, com a satisfaçãoantecipada,aindaqueprovisória,dospedidosincontroversos,umaaçãoafirmativaem prol da efetividade do processo –, é indispensável que se retire dessa vontade da lei as consequências lógicas que dela naturalmente decorrem, entre as quais, a de não admitir a utilização de subterfúgios à concretização dos objetivos programados. Sob essa premissa,

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é apropriado concluir, quando se interpreta o § 6º, que a controvérsia apta à antecipação de tutela há de se revestir de um mínimo de seriedade e razoabilidade. Nesse enfoque, pode-sedaraoconceitodepedidoincontroversoumsentidoampliado,maisafinadocomuma interpretação teleológica da norma: será considerado incontroverso o pedido, mesmo contestado, quando os fundamentos da contestação sejam evidentemente descabidos ou improcedentes. Em outras palavras: quando não haja contestação séria.

Essa ausência de seriedade ou razoabilidade, todavia, há de ser medida não apenas a partir da convicção pessoal do juiz, mas à luz de critérios objetivos fornecidos pelo pró-prio sistema de processo. Por exemplo: não se poderá ter como controvertido um pedido cuja contestação esteja fundada exclusivamente na negação de um fato notório (CPC, art. 334, IV); também não se pode ter por controvertido um pedido cuja contestação tenha por fundamento exclusivo alegação (a) contrária a decisões de caráter vinculante, como são as proferidas no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade (Lei nº 9.968, de 10.11.1999,art.28,parágrafoúnico),ou(b)contráriaàsúmulaoujurisprudênciafirmedo Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, hoje tão prestigiadas em nosso sistema (CPC, arts. 475, § 3º, 518, § 1º, e 558).

Emsuma:pode-seafirmarqueaantecipaçãodatuteladequetratao§6ºdoart.273doCódigo de Processo Civil tem como pressuposto pedido (ou a parcela dele) (a) não contro-vertido seriamente pelas partes, (b) verossímil e (c) cujo atendimento não está subordinado a qualquer questão prejudicial.”

Embora minha posição pessoal e da 6ª Turma deste Tribunal sobre o tema principal desta ação revisional deem guarida à pretensão do autor, entendoque,nahipótesedosautos,nãorestouconfiguradoqueparcelado pedido da parte-autora é incontroverso, tendo o INSS contestado a ação e seu pedido principal (sentido restrito do vocábulo incontroverso como acimadelineado), alémde nãohaver entendimento pacificadosequer na 3ª Seção deste Tribunal (de competência previdenciária e de assistência social) e, tampouco, no STJ.

Assim, não há como, reiterando, considerar o pedido revisional com base em direito adquirido ao melhor benefício feito nesta ação como incontroverso.

Dessarte, a situação em tela não se enquadra no inciso II e § 6º do art. 273 do CPC, razão por que não há como ser concedida a tutela an-tecipada pretendida.

Da correção monetária, dos juros de mora, dos honorários e das custas

Até 30.06.2009, a atualização monetária, incidindo a contar do

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vencimentodecadaprestação,deve-sedarpelosíndicesoficiaiseju-risprudencialmente aceitos, quais sejam: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86), BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95), IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, con-forme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp. nº 1.103.122/PR). Nesses períodos, os juros de moradevemserfixadosàtaxade1%aomês,acontardacitação,combase no art. 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar,consoantefirmeentendimentoconsagradonajurisprudênciado STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1.º-F da Lei nº9.494/97,parafinsdeatualizaçãomonetáriae juroshaveráa inci-dência,umaúnicavez,atéoefetivopagamento,dosíndicesoficiaisderemuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Honorários advocatícios e custas processuais

Alterado o provimento da ação, sendo hipótese de sucumbência recíproca,oshonoráriosadvocatíciosdevemserfixadosemR$545,00(art.20,§§3ºe4º,doCPC),ficandocompensadosentreaspartes,in-dependentemente de AJG.

No que pertine às custas processuais, cumpre esclarecer que o INSS está isento do seu pagamento, a teor do artigo 8º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.620/93 e do artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, porquanto deman-dado na Justiça Federal, bem como está isento o autor (artigo 4º, inciso II, da Lei nº 9.289/96) em virtude da concessão da AJG.

Ante o exposto, nos termos da fundamentação, voto por dar parcial provimento ao recurso da parte-autora.

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DIREITO PROCESSUAL CIVIL

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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0014656-27.2011.404.0000/RS

Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto

Agravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região

Agravada: Nelsa Maria de Souza FortunatoAdvogados: Drs. Glenio Luis Ohlweiler Ferreira e outros

EMENTA

Agravo de instrumento. Reajuste de 28,86%. Reestruturação da car-reira. Art. 741, parágrafo único, do CPC. Compensação. Possibilidade.

1. A relativização da coisa julgada, prevista no art. 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, somente se aplica às decisões cujo trânsito ocorreu após 23 de fevereiro de 2001, data em que entrou em vigor a Medida Provisória nº 2102-28.

2. Tendo o título executivo transitado em julgado após a vigência do artigo 741, parágrafo único, do CPC, devem ser relativizados os efeitos dacoisajulgada,parafinsdedescontarosvaloresjápagosporforçadas leis nº 8.622/93 e nº 8.627/93 e autorizar a compensação do reajuste de 28,86% com subsequente reestruturação da carreira, na esteira da Súmula nº 672 do Supremo Tribunal Federal e precedentes do Superior Tribunal de Justiça.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 14 de fevereiro de 2012.Juiz Federal João Pedro Gebran Neto, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo INSS em face de decisão, proferida em embargos em execução de sentença, que indeferiu a limitação do reajuste à reestruturação da carreira, porquanto violaria a coisa julgada.

A parte agravante requer a reforma da decisão, sustentando a relativização da coisa julgada, pois contrária à interpretação do Supremo Tribunal Federal nos termos do art. 741, parágrafo único, do CPC. Defende a limitação do reajuste à data da reestruturação da carreira dos exequentes, conforme determina a legislação que promoveu a reestruturação da carreira previdenciária.

O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso restou indeferido.

Apresentadas contrarrazões.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto:1. Quando da análise do pedido de atribuição de efeito suspensivo ao

recurso, foi proferida decisão nos seguintes termos:“(...)A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte é no sentido de que a

reestruturaçãodacarreiraconstituitermofinalaopagamentodoreajustede28,86%,bemcomo de que a determinação de tal limitação, em sede de embargos à execução, não implica ofensa à coisa julgada.

Nesse sentido:‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. REAJUSTE DE 28,86%.

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LIMITAÇÃO TEMPORAL. POSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA. INE-XISTÊNCIA. CARREIRA PREVIDENCIÁRIA. REESTRUTURAÇÃO PELA LEI Nº 10.355/2001. LIMITES DA COISA JULGADA. PEDIDO E CAUSA DE PEDIR. ALCANCE. MANUTENÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICO-JURÍDICA APRESENTADA NA INICIAL. AUSÊNCIA DE DIREITO ADQUIRIDO DO SERVIDOR PÚBLICO A REGIME JURÍDICO.

1. Inexiste ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil quando o acórdão proferido pelo Tribunal de origem expressamente se manifesta sobre as questões apontadas como omitidas pelo o Recorrente, como na hipótese em que examinou a tese dos Exequentes de existência de coisa julgada capaz de elidir a limitação imposta ao pagamento do chamado ‘reajuste de 28,86%’ pela reestruturação da carreira.

2. Não ofende a coisa julgada a limitação do pagamento do reajuste de 28,86% à data da edição da lei que reestrutura a carreira do servidor. Precedentes do STJ.

3. O reajuste de vencimentos do servidor público, reconhecido judicialmente, está limi-tado à data da reestruturação da carreira, quando a nova tabela, desvinculada da anterior, o tenha absorvido, sob pena de ter-se uma parcela remuneratória eternizada, que inviabilizaria a discricionariedade da Administração de promover as alterações na estrutura remuneratória dos servidores, ao argumento de ofensa à coisa julgada.

4. A coisa julgada, consubstanciada no dispositivo e na fundamentação da decisão judi-cial transitada em julgado, está delimitada pelo pedido e pela causa de pedir apresentados na petição inicial do processo de conhecimento; devendo a execução do título executivo judicial processar-se nos exatos limites objetivos da demanda, de modo que a coisa julgada produzirá efeitos enquanto perdurar a situação fático-jurídica descrita na causa de pedir.

Precedentes.5. Agravo regimental desprovido.’ (AgRg no REsp 1125250/RS, Rel. Ministra LAURITA

VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 25.10.2011, DJe 07.11.2011)‘ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. RE-

AJUSTE DE 28,86%. OBRIGAÇÃO DE PAGAR. LIMITAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.355/2001. REESTRUTURAÇÃO DAS CARREIRAS. CABIMENTO. NÃO OFENSA À COISA JULGADA.

Aos servidores cujos cargos e carreiras foram objeto de reorganização ou reestruturação, as eventuais diferenças de 28,86% serão devidas até a data da entrada em vigor destes novos patamares remuneratórios, quando deverão, então, ser proporcionalmente absorvidas na nova tabela. Precedentes STJ. A Lei nº 10.355/2001 efetivamente implantou novos patamares remuneratórios absorvendo parte das diferenças de reajuste pleiteadas. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.00.034830-8, 4ª Turma, Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, POR UNANIMIDADE, D.E. 22.09.2009)

‘EXECUÇÃO EM FACE DA FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS. REAJUSTE DE 28,86%. LIMITAÇÃO.

Otermofinaldodireitoàpercepçãodoresíduorelativoaoreajustede28,86%sedácomopagamentodopercentualcorretodoreajuste,conformefichasfuncionaisdosservidores,

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ou com a reestruturação da respectiva carreira. A determinação de tal limitação, em sede de embargos à execução, não implica ofensa à coisa julgada.’ (TRF4, EMBARGOS IN-FRINGENTES Nº 0034903-16.2004.404.7100, 2ª Seção, Juiz Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, POR MAIORIA, D.E. 16.08.2011)

Ocorre que, no caso em tela, foram opostos embargos à execução, nos quais foi requerida a limitação do reajuste de 28,86% a janeiro/2002, em razão da criação da carreira previden-ciária,ocorridaporforçadaLeinº10.335/01(fl.110),oquefoirejeitado(fls.170/184).

O INSS requer a limitação do reajuste à reestruturação da carreira operada por meio da Lei nº 11.233/05.

O requerimento não merece ser acolhido por duas razões.Primeiro, porque a referida lei é anterior à data de oposição dos embargos à execução

(maio/2007), de modo que a autarquia poderia – e deveria – ter suscitado a questão naquela oportunidade, e não somente neste momento.

Segundo, porque a pretensão veiculada é da mesma natureza daquela enfrentada nos embargos – limitação do reajuste à data em que reestruturada a carreira do exequente –, de modo que a solução dada no referido feito deve ser agora observada, sob pena de violação à coisa julgada.

Anteoexposto,indefirooefeitosuspensivoaorecurso.(...).”

Tenho que este entendimento não deve prevalecer.É que o artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil,

aplicável ao caso concreto, estabeleceu a relativização da coisa julgada quando o Supremo Tribunal Federal tiver decidido a matéria em modo diversodaquelefixadonotítuloexecutivo.

Dispõe o artigo legal, atualmente em vigor, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 27.01.2001:

“Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarado inconstitu-cional pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tido pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.”

Entendi, por ocasião do julgamento do AG nº 2009.04.00.025551-0, D.E. 03.02.2010, que referido preceito somente seria aplicável quando o Supremo Tribunal Federal houvesse proferido decisão em controle concentradodaconstitucionalidade,equivaledizer,decisãocomeficáciaerga omnes.

Esse entendimento merece ser revisto, para reconhecer que também têm aptidão para produzir os efeitos referidos no parágrafo único aci-

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ma transcrito as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em controle difuso.

Filio-me, portanto, ao posicionamento exarado pelo e. Superior Tri-bunal de Justiça, como se colhe dos seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL. SENTENÇA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXEGESE. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS FUNDADAS EM LEI OU ATOS NORMATI-VOS DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS POR TRIBUNAL LOCAL FRENTE À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL.

1. A Primeira Seção desta Corte Superior, sob a égide dos recursos repetitivos, art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008, no REsp 1.189.619/PE, de relatoria do Min. Castro Meira,DJe02.09.2010,firmouoposicionamentodequeanormadoart.741,parágrafoúnico, do CPC, deve ser interpretada restritivamente, porque excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, sendo necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declarada em precedente do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou difuso.

2. É certo que compete ao Tribunal local o controle de constitucionalidade de leis municipais em face da Constituição dos Estados (art. 125, § 2º, da CF). E que, in casu, constatar-se-ia a coisa julgada com vício de inconstitucionalidade local, cuja interpretação, simétrica e analógica, poderia levar à conclusão de que o título judicial seria inexigível.

3. Acontece que, a despeito da perfeita simetria entre os controles constitucionais, da leitura do comando inserto no parágrafo único do art. 741 do Código de Processo Civil, observa-se que optou o legislador em resguardar a certeza e a segurança jurídica – que emanam da Lei Maior – ao título judicial fundado em lei ou ato normativo municipal que fere a Constituição Estadual. Do que se infere que o princípio da imutabilidade da coisa julgada, historicamente erigido como coisa absoluta, tão somente poderia ser contraposto à violação de ordem constitucional maior, pois também decorre da Constituição Federal.

4. Assim é que na literalidade do art. 741 do CPC, parágrafo único, tão somente seria ‘inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal’.

5. Há de ser mantida, portanto, a extinção do processo, com resolução de mérito, na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Recurso especial improvido.” (REsp 201001918882, Humberto Martins, STJ – Segunda Turma, DJE DATA:14.02.2011)

“PROCESSUAL CIVIL. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. FLEXIBILI-ZAÇÃO DA COISA JULGADA. APLICAÇÃO ÀS SENTENÇAS TRANSITADAS EM JULGADO APÓS A INOVAÇÃO LEGISLATIVA. CORTE ESPECIAL.

1.ACorteEspecial(EREsp806.407/RS)fixouoentendimentodequeoart.741,pa-rágrafo único, do CPC é inaplicável às sentenças transitadas em julgado antes da inovação legislativa (MP 2.180-35/2001).

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2. No presente caso, o trânsito em julgado (15.05.2002) é posterior à inclusão do pará-grafo único ao dispositivo processual, de modo que é inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal ou em aplicação ou interpretação tidas por incompatíveis com a Constituição Federal.

3. É incontroverso que o STF, ao julgar o RE 247.866/DF, declarou inconstitucional o disposto no art. 14 da LC 76/1993 (exigência de depósito em dinheiro da indenização expropriatória estabelecida em sentença, relativa às benfeitorias).

4. Recurso Especial não provido.” (REsp 201001531228, Herman Benjamin, STJ – Segunda Turma, DJE DATA: 04.02.2011)

O leading case para este entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça foi um acórdão, da lavra do Min. Teori Zavascki, que bem deli-mitou a incidência do referido parágrafo único, tanto do ponto de vista material, quanto do ponto de vista temporal, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. NE-GATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NÃO CONFIGURADA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXEGESE E ALCANCE DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 741 DO CPC. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. HONORÁRIOS. ART. 29-C DA LEI 8.036/90, COM REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 2.164-40/01. AÇÕES AJUIZADAS APÓS 27.07.2001. APLICABILIDADE.

1. Não viola o artigo 535 do CPC, nem importa negativa de prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelovencido,adotou,entretanto,fundamentaçãosuficienteparadecidirdemodointegrala controvérsia posta.

2. O parágrafo único do art. 741 do CPC, buscando solucionar específico conflito entre os princípios da coisa julgada e da supremacia da Constituição, agregou ao sistema de processo um mecanismo com eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais.

Sua utilização, contudo, não tem caráter universal, sendo restrita às sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que (a) aplicaram norma inconstitucional (1ª parte do dispositivo); ou (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou, ainda, (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional (2ª parte do dispositivo).

3. Indispensável, em qualquer caso, que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso (independentemente de resolução do Senado), mediante (a) declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (1ª parte do dispositivo); ou (b) mediante declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto; ou, ainda, (c) mediante interpretação conforme a Constituição (2ª parte).

4. Estão fora do âmbito material dos referidos embargos, portanto, todas as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação do STF, como, v.g., as que (a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional (ainda que em controle concentrado); (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF

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considerou sem autoaplicabilidade; (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou autoaplicável; (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado, deixando de aplicar ao caso a norma revogadora.

5. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças, ainda que eivadas da inconstitucionalidade nele referida, cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à da sua vigência.

6. O dispositivo, todavia, pode ser invocado para inibir o cumprimento de sentenças executivas lato sensu, às quais tem aplicação subsidiária por força do art. 644 do CPC.

7. À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174/916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais – a antiga ou a nova – deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses), e a deliberação tomada se fez com base na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI).

8. Precedentes da 1ª Turma (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 22.08.2005; REsp 721.808/DF, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Turma, DJ de 19.09.2005).

9. O art. 29-C da Lei nº 8.036/90, introduzido pela MP n° 2.164-40/2001, é norma espe-cial em relação aos arts. 20 e 21 do CPC, aplicando-se às ações ajuizadas após 27.07.2001, inclusive nas causas que não têm natureza trabalhista, movidas pelos titulares das contas vinculadas contra o FGTS, administrado pela CEF.

10. A Medida Provisória 2.164-40/01 foi editada em data anterior à da EC 32/2001, época em que o regime constitucional não fazia restrição ao uso desse instrumento normativo para disciplinar matéria processual.

11. Recurso especial a que se dá parcial provimento.” (REsp 833769/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 29.06.2006, DJ 03.08.2006, p. 227) (grifei)

2. Ao lado da limitação da declaração de inconstitucionalidade pelo SupremoTribunalFederal,oSuperiorTribunaldeJustiçatambémfirmou,em sede de recurso repetitivo, que somente as sentenças que tiveram seu trânsito em julgado após a veiculação da medida provisória acima transcrita é que serão aptas à relativização da coisa julgada.

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1189619/PE, de relatoria do Ministro Castro Meira, publicado no

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DJE de 10.02.2010, consolidou entendimento no sentido de que estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à vigência do dispositivo. Transcrevo acórdão:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRE-SENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008. FGTS. EXPURGOS. SENTENÇA SUPOSTAMENTE INCONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXEGESE. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. EXCLUSÃO DOS VALORES REFERENTES A CONTAS DE NÃO OPTANTES. ARES-TO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ.

1.Oart.741,parágrafoúnico,doCPCatribuiuaosembargosàexecuçãoeficáciares-cisória de sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, deve ser interpretada restritivamente, abarcando, tão somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que: (a) aplicaram norma declarada inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional. 2. Em qualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declarada em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução do Senado, mediante: (a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou (b) interpretação conforme a Constituição. 3. Por consequência, não estão abrangidas pelo art. 741, parágrafo único, do CPC as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda quetenhamdecididoemsentidodiversodaorientaçãofirmadanoSTF,taiscomoasque:(a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional, ainda que em controle concentrado; (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem autoaplicabilidade; (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou autoaplicável; e (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado. 4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à vigência do dispositivo. 5. ‘À luz dessas premissas, não se comportam no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único, do CPC, as sentenças que tenham reconhecido o direito a diferenças de correção monetária das contas do FGTS, contrariando o precedente do STF a respeito (RE 226.855-7, Min. Moreira Alves, RTJ 174:916-1006). É que, para reconhecer legítima, nos meses que indicou, a incidência da correção monetária pelos índices aplicados pela gestora do Fundo (a Caixa Econômica Federal), o STF não declarou a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem mesmo mediante as técnicas de interpretação conforme a Constituição ou sem redução de texto. Resolveu, isto sim, uma questão de direito intertemporal (a de saber qual das normas infraconstitucionais – a antiga ou a nova – deveria ser aplicada para calcular a correção monetária das contas do FGTS nos citados meses), e a deliberação tomada se fez com base

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na aplicação direta de normas constitucionais, nomeadamente a que trata da irretroatividade da lei, em garantia do direito adquirido (art. 5º, XXXVI)’ (REsp 720.953/SC, Rel. Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, DJ de 22.08.05). 6. A alegação de que algumas contas do FGTS possuem natureza não optante, de modo que os saldos ali existentes pertencem aos empregadores e não aos empregados e, também, de que a opção deu-se de forma obrigatória somente com o advento da nova Constituição, sendo necessária a separação do saldo referente à parte optante (após 05.10.88) do referente à parte não optante (antes de 05.10.88) para a elaboração de cálculos devidos, foi decidida pelo acórdão de origem com embasamento constitucional e também com fundamento em matéria fática, o que atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 7. Recurso especial conhecido em parte e não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008.” (STJ, Primeira Seção, REsp 1189619/PE, Rel. Ministro Castro Meira, publicado no DJe de 02.09.2010) (grifei)

Equivale dizer, somente as decisões com trânsito em julgado após a edição da Medida Provisória nº 2102-28, de 23 de fevereiro de 2001 – que originariamente introduziu no ordenamento jurídico a regra do art. 741, parágrafoúnico,doCódigodeProcessoCivil,comredaçãodefinitivadada pela Medida Provisória nº 2180-35, de 24 de agosto de 2001 –, estão passíveis de rescisão.

Dessarte, o marco inicial para incidência da regra do art. 741, pa-rágrafo único, do Código de Processo Civil, é 23 de fevereiro de 2001.

No caso em exame, o processo em que se originou o título executivo transitou em julgado em 08.09.2005, consoante o contido na certidão narrativadefls.31dosautosoriginais(comcópianoapenso).

Como o trânsito em julgado ocorreu após a edição da medida pro-visória acima transcrita, em cujo acórdão expressamente reconheceu não ser cabível a compensação do reajuste de 28,86% com os aumentos concedidos por força da Lei nº 8.622 e 8.627/93, ao entendimento de que não houve reestruturação de carreira, devem ser relativizados os efeitos da coisa julgada, nos termos do parágrafo único acima transcrito, ao ar-tigo 741, do Código de Processo Civil, para autorizar sua compensação.

Aliás, esse entendimento está em sintonia com jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça e com Súmula do Supremo Tribunal Federal:

“Súmula 672 – O reajuste de 28,86%, concedido aos servidores militares pelas leis 8622/93 e 8627/93, estende-se aos servidores civis do Poder Executivo, observadas as eventuais compensações decorrentes dos reajustes diferenciados concedidos pelos mesmos diplomas legais.”

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“ADMINISTRATIVO. SERVIDORES DO MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SO-CIAL. REAJUSTE DE VENCIMENTOS DE 28,86%, DECORRENTE DA LEI Nº 8.627/93. DECISÃO DEFERITÓRIA QUE TERIA SIDO OMISSA QUANTO AOS AUMENTOS DE VENCIMENTOS DIFERENCIADOS COM QUE O REFERIDO DIPLOMA LEGAL CONTEMPLOU DIVERSAS CATEGORIAS FUNCIONAIS NELE ESPECIFICADAS.

Diplomalegalque,deefeito,beneficiounãoapenasosservidoresmilitares,pormeioda adequação dos postos e das graduações, mas também nada menos que vinte categorias de servidores civis, contemplados com reposicionamentos (arts. 1º e 3º), entre as quais aquelas a que pertence a maioria dos impetrantes.

Circunstânciaquenãosepoderiadeixarde teremconta,parafimda indispensávelcompensação, sendo certo que a Lei nº 8.627/93 contém elementos concretos que permitem calcular o percentual efetivamente devido a cada servidor.

Embargosacolhidosparaofimexplicitado.”(EDROMS22.307-7/DF)“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO

ESPECIAL. TITULARES DE CARGOS DE MAGISTÉRIO SUPERIOR. REPOSICIO-NAMENTO. LEI Nº 8.627/93. REAJUSTE DE 28,86%. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1.ÉpacíficonesteSTJoentendimentodequeostitularesdecargodemagistériosu-periornaesferafederalforambeneficiadoscomreposicionamentoremuneratórioprevistono art. 4º da Lei 8.627/93, em percentual superior ao concedido aos militares, não fazendo jus, portanto, ao reajuste de 28,86%.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AGRESP 200900150259, Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP) – Sexta Turma, DJE data: 06.12.2010)

“ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR INTEGRANTE DA CARREIRA DE MAGISTÉRIO SUPERIOR. REAJUS-TE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DIFERENÇAS A RECEBER. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Os servidores integrantes da carreira de Magistério Superior não têm direito ao reajustede28,86%,pois já forambeneficiadoscomaumentoqueultrapassao referidopercentual. Precedentes.

2. Agravo Regimental desprovido.” (AGA 200701819017, Napoleão Nunes Maia Filho – Quinta Turma, DJE data: 25.10.2010)

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. MAGISTÉRIO FEDE-RAL. REAJUSTE DE 28,86%. LEI Nº 8.627/93. COMPENSAÇÃO.Os professores integrantes da carreira de magistério não têm direito ao pagamento de diferenças referentes ao reajuste de 28,86%, decorrente das Leis 8.622/93e8.627/93,por já teremsidobeneficiadospelamesma legislaçãocom aumento superior.” (AC 200672000146647, Fernando Quadros da Silva, TRF4 – Terceira Turma, D.E. 28.04.2010)

“EMBARGOS À EXECUÇÃO. MAGISTÉRIO SUPERIOR. VALORES PAGOS.

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CONTEMPLADO COM OS AUMENTOS POR FORÇA DO ART. 4º DA LEI Nº 8.627/93. NÃO OFENSA À COISA JULGADA.

1.Oart.4ºdaLeinº8.627/93previuregraespecíficaparaostitularesdecargosdemagistério superior, de modo que os professores universitários não fazem jus à extensão doreajustede28,86%,determinadopeloPretórioExcelso,porjáteremsidobeneficiadosdiretamente pela Lei nº 8.627/93. Firme posição do Colendo STJ.

2. Tal situação, ademais, não ofende à coisa julgada, ou mesmo ao princípio da eventu-alidade, na medida em que a decisão exequenda concedera o reajuste nos termos do julga-mento proferido no RMS 22.307-7/DF, em que expressamente tivera como fundamentos a determinação da compensação dos valores já recebidos a título de reposicionamento pela Lei nº 8.627/93 e o percentual de 28,86%.” (AC 200772000073806, Hermes Siedler da Conceição Júnior, TRF4 – Quarta Turma, D.E. 29.03.2010)

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REA-JUSTE DE 28,86%. MAGISTÉRIO SUPERIOR. FUNÇÕES GRATIFICADAS. CARGOS DE DIREÇÃO.

1. Os servidores da carreira de magistério superior federal não têm direito ao reajuste de 28,86% decorrentes das Leis nos8.622/93e8.627/93porjáteremsidobeneficiadoscomum aumento de vencimentos superior ao concedido aos demais servidores públicos civis e aos militares. Precedentes deste Tribunal e do STJ.

2. O índice de 28,86% deve ser incluído nos cálculos sobre valores relativos ao exer-cíciodeFunçãoGratificada(FG);FunçãoComissionada(FC)ouCargodeDireção(CD),porquanto o título judicial contempla estas rubricas.

3. Apelo parcialmente provido.” (AC 200672000146374, João Pedro Gebran Neto, TRF4 – Terceira Turma, D.E. 27.01.2010)

Assim, no caso em exame, até mesmo os índices concedidos pelas Leis nº 8622 e 8627, ambas de 1993, poderiam ser objeto de compensa-ção, porquanto o título executivo contrarie súmula do Supremo Tribunal Federal e tenha transitado em julgado em data posterior a inclusão do parágrafo único, ao artigo 741 do Código de Processo Civil.

3. Sobre a reestruturação da carreira, como limitação aos efeitos do benefício reconhecido judicialmente, sem que haja violação à coisa julgada, tem decidido este e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REAJUSTE SERVIDOR. OBRIGAÇÃO DE FAZER. LEGITIMIDADE. SERVIDOR FALECIDO ANTES DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO. 1. Os servidores têm direito a receber a diferença de reajuste no percentual de 3,17% sobre os seus vencimentos a partir do mês de janeiro de 1995, entretanto limitados pela superveniente reestruturação da carreira à qual pertencem. 2. Quanto à alegação de ausência de capacidade dos exequentes Emília Costa Colombo, Ênio Adhmar Altenbernd e Edith T. Fortuna, tenho que merece prosperar a pre-liminar suscitada pelo Incra. Em que pese seus nomes constarem no rol de substituídos,

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os mesmos já eram falecidos quando da propositura da Ação de Execução. Dessa forma, a presente execução deve ser extinta, pois inexiste pressuposto processual de constituição válida e regular do processo, tendo em vista que os mesmos não mais possuíam capacidade para ser parte, devendo a execução ser proposta pelos seus sucessores habilitados, em seu próprio nome. Por tal razão, devem ser excluídos referidos exeqüentes da inicial executiva.” (TRF4, AG 0014570-56.2011.404.0000, Terceira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 23.01.2012)

“REAJUSTE SALARIAL. REESTRUTURAÇÃO DE CARREIRA. Segundo orientação firmadanoâmbitodoSuperiorTribunaldeJustiça,aosservidorescujoscargosecarreirasforam objeto de reorganização ou reestruturação, eventuais diferenças de reajustes salariais (28,86% ou 3,17%) são devidas até a data da efetiva implantação dos novos patamares re-muneratórios, quando, então, devem ser proporcionalmente absorvidas na nova tabela, o que não afronta a coisa julgada formada na relação de trato sucessivo que se estabelece entre os servidores e a Administração. Não há como falar em coisa julgada quando a reestruturação da carreira é fato novo em relação ao julgamento da ação. No caso presente, em face da reestruturaçãoverificadanacarreiradosautores,querepassoupercentuaissuperioresaosdevidos, a obrigação de fazer encontra-se extinta.” (TRF4, AG 0014533-29.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator Vilson Darós, D.E. 25.01.2012)

“EMBARGOS À EXECUÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. LIMITAÇÃO. REESTRUTUÇÃO DE CARREIRA. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO RELA-TIVA A OBRIGAÇÃO DE FAZER. SUCUMBÊNCIA. 1. Segundo entendimento do STJ, aos servidores cujos cargos e carreiras foram objeto de reorganização ou reestruturação, eventuais diferenças do reajuste de 28,86% são devidas até a data da efetiva implantação dos novos patamares remuneratórios, quando, então, devem ser proporcionalmente absorvidas na nova tabela, o que não afronta a coisa julgada formada na relação de trato sucessivo que se estabelece entre os servidores e a Administração. 2. Tratando-se de servidor público vinculado ao Ministério da Saúde, a reestruturação da carreira ocorreu por força da Me-dida Provisória nº 441/2008, posteriormente convertida na Lei nº 11.890/2008, de modo queasdiferençasdeveriamficarlimitadasaomêsdejaneirode2009.3.Nocaso,todavia,determinada a limitação da obrigação de pagar referente ao reajuste de 28,86% ao mês de maio/1994, nos autos dos embargos à execução nº 5004778-33.2011.404.7100, deve ser extinta a execução da obrigação de fazer e, em consequência, os presentes embargos, pre-judicado o recurso de apelação. 4. Tendo em vista a reforma produzida na sentença, devem ser invertidos os ônus sucumbenciais.” (TRF4, AC 5025475-12.2010.404.7100, Quarta Turma, Relatora p/ Acórdão Marga Inge Barth Tessler, D.E. 17.06.2011)

“CAUTELAR. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. RESÍDUO DE 3,17%. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. RESTRIÇÃO DO DIREITO À EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.048-26/2000. POSSIBILIDADE. COISA JULGADA. O Superior Tribunal de Justiça tementendidoqueconstituitermofinalparaopagamentodoresíduode3,17%(trêsvírguladezessete por cento) a reestruturação da carreira dos Técnicos-Administrativos das Insti-tuições de Ensino Superior, determinada pela Medida Provisória 2.150-39/01. Não ofende

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a coisa julgada a determinação da limitação temporal do reajuste de 3,17% em embargos à execução.” (TRF4, MCI 0001629-74.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique, D.E. 19.12.2011)

Nocasoespecíficodacarreiraprevidenciária,elasofreurees-truturação por intermédio de dois diplomas legais (Lei nº 10.355, de 26 de dezembro de 2001, e pela Lei nº 10.855, de 1º de abril de 2004), sendo que ambas as reestruturações devem ser objeto de limitação à aplicação dos 28,86%.

Portanto, a sistemática para aplicação do referido percentual deve dar mediante o acréscimo da diferença entre os 28,86% e o índice eventualmente concedido à referida carreira por força das Leis 8622 e 8627/93. Havendo reestruturação de carreira, se a remuneração dela decorrente for superior ao valor devido ao servidor, haverá integral incorporação do índice, nada sendo de-vido. Se, a partir da reestruturação, o referido aumento não restar integralmente absorvido, deverá o mesmo ser pago em forma de VPNI que poderá ser absorvido pelas eventuais reestruturações de carreiras superveniente.

A autora, ora agravada, passou a integrar a carreira previdenci-ária,conformecertidãodefls.66,emfevereirode1995,semquehouvessesidobeneficiadaporprogressãofuncionaldecorrentedasleis de 1993. Assim, a partir de seu ingresso, fazia jus à integrali-dade do índice de 28,85%. Em julho de 1998 recebeu reajuste de 11,07% e, com as reestruturações de carreira decorrentes das Leis 10.355/2001 e 10.855/2004, ainda restou-lhe um resíduo de 6,8%.

Assim, entendo que merece trânsito a insurgência da parte agravante, no tocante à limitação do pagamento do percentual de 28,86% às reestruturações de carreiras previdenciárias, na forma das leis acima referidas, devendo a contadoria apurar, a partir das fichasfinanceirasdaagravada,osíndicesqueforamefetivamentepagos à mesma e apurar eventual existência de resíduos a serem pagos e/ou incorporados.

4. Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instru-

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mento nos termos da fundamentação.É o voto.

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DIREITO TRIBUTÁRIO

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5003038-74.2010.404.7003/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Apelante: Gonçalves & Tortola S.A.Advogado: Dr. Silvio Luiz de CostaApelada: União – Fazenda Nacional

MPF: Ministério Público Federal

EMENTA

E-Proc. Processual civil. Nulidade da sentença. Não ocorrência. Tributário. PIS e Cofins. Regime não cumulativo. Aproveitamento concomitante de créditos normais decorrentes das Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 e de créditos presumidos decorrentes da Lei nº 10.925/04. Impossibilidade.

1. Não há que se falar em julgamento extra petita e, em consequência, em nulidade do decisum, uma vez que a sentença examinou a questão relativa à possibilidade ou não de creditamento e aproveitamento cumu-lativo de créditos normais e presumidos decorrentes da sistemática não cumulativadascontribuiçõesPISeCofins.

2.NoregimenãocumulativodascontribuiçõesPISeCofins,previstonas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, a regra geral é a de que somente darão direitoacrédito,parafinsdededuçãodabasedecálculo,asaquisiçõesde bens e serviços sujeitos à incidência das referidas contribuições. Não havendo a incidência das exações nas operações de aquisição, não há que se falar em direito ao crédito. Essa é a linha mestra do sistema da

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não cumulatividade (art. 3º, § 2º, inciso II).3. Em contrapartida, o legislador previu no art. 3º, §§ 10 e 11, da Lei

nº 10.637/02, acrescentado pelo art. 25 da Lei nº 10.684/03, e no art. 3º, § 6º, da Lei nº 10.833/03 o direito a um crédito presumido relativo à aquisiçãodealgunsprodutosqueespecifica,quandoefetuadadepessoasfísicasresidentesnopaís,nãocontribuintesdoPISedaCofins.

4. A Lei nº 10.925/04 ampliou as hipóteses de geração do crédito presumido, assegurando, em seu art. 8º, o direito ao benefício também em relação às aquisições de bens efetuadas de cooperado pessoa física (caput), bem como de (a) cerealistas que exerçam cumulativamente as atividades de (secar), limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal; (b) pessoas jurídicas que exerçam cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e (c) pessoas jurídicas e cooperativas de pro-dução agropecuária (§ 1º), prevendo, por outro lado, em seu art. 9º, que a incidênciadascontribuiçõesPISeCofinsficariasuspensanasseguintessituações: (a) de venda de produtos de que trata o inciso I do § 1º do art. 8º do referido diploma legal, quando efetuada por pessoas jurídicas referidas no mencionado inciso; (b) de venda de leite in natura, quando efetuada por pessoa jurídica mencionada no inciso II do § 1º do art. 8º; e (c) de venda de insumos destinados à produção das mercadorias referidas no caput do art. 8º, quando efetuada por pessoa jurídica ou cooperativa referidas no inciso III do § 1º do mencionado artigo.

5. A Lei nº 10.925/04, ao mesmo tempo em que dispôs sobre o cré-dito presumido em relação a operações que seriam tributadas pelo PIS epelaCofins,suspendeu,relativamenteaessasmesmasoperações,aincidência dessas exações, de modo que a suspensão da incidência das contribuiçõesPISeCofinsécondiçãonecessáriaparaaconcessãodocrédito nela previsto. Se assim não fosse, as aquisições efetuadas das pessoas jurídicas elencadas no § 1º da Lei nº 10.925/04 não precisariam ter sido mencionadas, visto que o aproveitamento do crédito já estaria assegurado pelas Leis nos10.637/02e10.833/03,aliás,maisbenéficaspara o contribuinte.

6. Admitir o aproveitamento simultâneo dos créditos normais de PIS edeCofinsprevistosnasLeisnos 10.637/02 e 10.833/03 com o crédito presumido previsto no art. 8º, § 1º, da Lei nº 10.925/04 implicaria a

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concessãodebenefíciofiscalnãoprevistonalegislaçãoderegência,oque é vedado ao Poder Judiciário.

7. A não aplicação imediata do art. 9º da Lei nº 10.925/04 – em função da IN SRF nº 660/06, cuja ilegalidade vem sendo reconhecida pela juris-prudência deste Tribunal, em face do disposto no art. 17, inciso III, do referido diploma legal, que prevê que a aplicação da suspensão deveria serimediata–sóveioabeneficiaroapelante,queteveumcréditomaiselevado, uma vez que o crédito presumido lhe renderia um valor menor.

8. Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresente julgado.

Porto Alegre, 02 de agosto de 2011.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de mandado de segurança impetrado pela via eletrônica por Gonçalves & Tortola S.A. contra ato do Delegado da Receita Federal do Brasil em Maringá – PR, objetivando, em síntese, a concessão da segurança para o fimdeassegurarodireitolíquidoecertodaimpetrantedeapurar,registrarextemporaneamente em sua contabilidade e aproveitar, futuramente, na forma da lei (evento 1):

“1) os créditos presumidosdePIS e deCofinsprevistos no art. 8º, § 1º, daLei nº10.925/2004, que deixou de apurar no período de 01.08.2004 a 03.04.2006, sobre as aqui-siçõesnãosujeitasàsuspensãodoPISedaCofinsprevistanoart.9ºdaLeinº10.925/2004e, cumulativamente,

2)oscréditosnormaisdePISedeCofinsprevistosnoart.3ºdasLeisnº10.637/2002enº 10.833/2003, nos termos e condições estabelecidos por essas normas, calculados sobre as aquisições referidas no art. 8º da Lei nº 10.925/2004, das pessoas jurídicas referidas pelo § 1º desse dispositivo, quando não estiverem sujeitas à suspensão da incidência das contribui-ções, prevista no art. 9º da Lei nº 10.925/2004, independentemente do aproveitamento dos créditos presumidos previstos no art. 8º dessa norma, relegando-se à esfera administrativa

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averificaçãoeaquantificaçãodasaquisiçõesquedãodireitoaorespectivocrédito,bemcomo a sua forma de ressarcimento.”

Prestadas as informações pela autoridade impetrada (evento 8) e ouvido o Ministério Público Federal (evento 12), foi proferida sentença (evento 14) declarando prescritos eventuais créditos da parte impetrante quanto ao período anterior a 31.08.2004 e, no mérito, denegando a se-gurança pleiteada. Sem condenação em honorários advocatícios, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/09. Custas pela parte impetrante.

Irresignada, apelou a impetrante (evento 24) alegando, preliminarmen-te, a nulidade da sentença, por ser extra petita, uma vez que desbordou do objeto do litígio, piorando a sua situação. Requer seja anulado o decisum, afimdequeoutrosejaproferido.Casonãosejaesseoentendimento,re-quer a reforma da sentença, com fundamento nos argumentos declinados na inicial, com a consequente concessão da segurança.

Apresentadas as contrarrazões (evento 28), subiram os autos a esta Corte.

Nesta instância, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento da apelação (evento 4).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona:

Nulidade da sentença

Inicialmente, afasto a alegação da apelante de julgamento extra petita, uma vez que a sentença examinou a questão relativa à possibilidade ou não de creditamento e aproveitamento cumulativo de créditos normais e presumidos decorrentes da sistemática não cumulativa das contribuições PISeCofins,nãohavendofalaremnulidadedodecisum.

Prescrição

Como bem referido pelo juiz a quo, versando a lide sobre a possi-bilidadedeaproveitamentodecréditosdePISedeCofinsapuradosnoregime não cumulativo, e não sobre repetição do indébito, aplicável o prazo prescricional previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32, in verbis:

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“Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”

Dessa forma, considerando que a medida cautelar de protesto inter-ruptivo da prescrição nº 2009.70.03.004471-0/PR foi protocolada em 31.08.2009 (evento 1 – doc. 19), encontra-se fulminada a pretensão da impetrante de discutir os créditos apurados anteriormente a 31.08.2004.

A recorrente, no entanto, alega que os referidos créditos são apurados mensalmente, de modo que não haveria como se desmembrar o mês para declarar a prescrição dos créditos anteriores a 31.08.2004, fazendo a con-tagem do prazo prescricional de forma retroativa (cinco anos anteriores ao ajuizamento da medida cautelar), devendo, pois, ser reconhecido o seu direito de discutir os créditos apurados a partir de 01.08.2004.

A insurgência merece prosperar apenas em parte.Com efeito, partindo da premissa de que os créditos relativos a cada

mês são apurados no último dia do mês, é possível reconhecer que, se os créditos de agosto de 2004 foram apurados no último dia do mês, ou seja, 31.08.2004, para aproveitamento no mês de setembro de 2004, não há prescrição a ser declarada. Todavia, inviável o reconhecimento do direito da impetrante de discutir os créditos apurados no mês de julho de 2004 e aproveitados em agosto do mesmo ano, porquanto abarcados pelo lustro prescricional.

Mérito

Pretende a impetrante o reconhecimento do direito de contabilizar e aproveitaroscréditos(presumidosenormais)dePISeCofinsprevistosno art. 8º, § 1º, da Lei nº 10.925/04 e art. 3º das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 (quanto às aquisições previstas no referido art. 8º, § 1º, da Lei nº 10.925/04), que deixou de apurar no período de 01.08.2004 a 03.04.2006, sobre aquisições não sujeitas à suspensão desses tributos prevista no art. 9º da Lei nº 10.925/04.

Transcrevo, por pertinentes, os principais dispositivos das leis que regem a matéria objeto da discussão:

“– Lei nº 10.637/02 (PIS não cumulativo):Art. 1º A contribuição para o PIS/Pasep tem como fato gerador o faturamento mensal,

assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de

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suadenominaçãoouclassificaçãocontábil.(...)Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar cré-

ditos calculados em relação a: (Vide Lei nº 11.727, de 2008) (Produção de efeitos) (Vide Medida Provisória nº 497, de 2010)

I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(...)II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou

fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(...)§ 2º Não dará direito a crédito o valor: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)I – de mão de obra paga a pessoa física; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição,

inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela con-tribuição. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

§ 3º O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:I – aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País;II – aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada

no País;(...)”“– Lei nº 10.833/03 (Cofins não cumulativa):Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a

incidência não-cumulativa, tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.

(...)Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos

calculados em relação a: (Vide Medida Provisória nº 497, de 2010)I – bens adquiridos para revenda, exceto em relação às mercadorias e aos produtos

referidos: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)a) nos incisos III e IV do § 3º do art. 1º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de

2004)(Vide Medida Provisória nº 413, de 2008) (Vide Lei nº 11.727, de 2008)b) no § 1º do art. 2º desta Lei; (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)b) nos §§ 1º e 1º-A do art. 2º desta Lei; (Redação dada pela lei nº 11.787, de 2008)II – bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou

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fabricação de bens ou produtos destinados à venda, inclusive combustíveis e lubrificantes, exceto em relação ao pagamento de que trata o art. 2º da Lei nº 10.485, de 3 de julho de 2002, devido pelo fabricante ou importador, ao concessionário, pela intermediação ou entrega dos veículos classificados nas posições 87.03 e 87.04 da Tipi; (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)

(...)§ 2º Não dará direito a crédito o valor: (Redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004)I – de mão de obra paga a pessoa física; e (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)II – da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição,

inclusive no caso de isenção, esse último quando revendidos ou utilizados como insumo em produtos ou serviços sujeitos à alíquota 0 (zero), isentos ou não alcançados pela con-tribuição. (Incluído pela Lei nº 10.865, de 2004)

§ 3º O direito ao crédito aplica-se, exclusivamente, em relação:I – aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País;II – aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domici-

liada no País;(...)§ 5º Sem prejuízo do aproveitamento dos créditos apurados na forma deste artigo, as

pessoasjurídicasqueproduzammercadoriasdeorigemanimalouvegetal,classificadasnoscapítulos 2 a 4, 8 a 12 e 23, e nos códigos 01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, 15.07 a 1514, 1515.2, 1516.20.00, 15.17, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, destinados à alimentação humanaouanimal,poderãodeduzirdaCofins,devidaemcadaperíododeapuração,créditopresumido, calculado sobre o valor dos bens e serviços referidos no inciso II do caput deste artigo, adquiridos, no mesmo período, de pessoas físicas residentes no País.

§ 6º Relativamente ao crédito presumido referido no § 5º:I – seu montante será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas

aquisições, de alíquota correspondente a 80% (oitenta por cento) daquela constante do caput do art. 2º desta Lei;

II–ovalordasaquisiçõesnãopoderásersuperioraoquevieraserfixado,porespéciede bem ou serviço, pela Secretaria da Receita Federal – SRF, do Ministério da Fazenda.

(...)” (destaquei)

Com efeito, da análise das disposições legais que tratam da geração doscréditos,tantodoPISquantodaCofinsnãocumulativos,oquesedepreende, como regra geral, é que o crédito só ocorrerá, em princípio, relativamente às aquisições de bens e serviços que estão no âmbito de incidência dessas contribuições. Não havendo a incidência das exações nas operações de aquisição, a regra é que não há o direito ao crédito. Essa é a linha mestra do sistema da não cumulatividade (art. 3º, § 2º, inciso II).

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Todavia,noquepertineàCofins,previuolegislador,no§6ºdoart.3º da Lei nº 10.833/03, o benefício do crédito presumido relativo à aqui-siçãodealgunsprodutosqueespecifica,quandoefetuadaporpessoasfísicas residentes no país. Ou seja, pela regra geral, essas aquisições não gerariamcréditos,poisforadaincidênciadaCofins,porémolegislador,porconcessão,previuumcréditofictício,ochamadocréditopresumido.E é exatamente chamado crédito presumido porque não há a incidência daCofinsnessasaquisições.Aleiapenaspresume.

Norma idêntica não havia na lei que tratava do PIS não cumulativo. Noentanto,visandodaromesmotratamentodaCofins,sobreveioaLeinº 10.684, de 30 de maio de 2003, que, em seu art. 25, criou o chamado crédito presumido também para o PIS, acrescentando os §§ 10 e 11 ao art. 3º da Lei nº 10.637/02.

Eis o teor do referido dispositivo, in verbis:“Art. 25. A Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, passa a vigorar acrescida do

seguinte art. 5º A e com as seguintes alterações dos arts. 1º, 3º, 8º, 11 e 29:‘(...)§ 10. Sem prejuízo do aproveitamento dos créditos apurados na forma deste artigo, as

pessoas jurídicas que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal,classificadasnoscapítulos 2 a 4, 8 a 12 e 23, e nos códigos 01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, 15.07 a 15.14, 1515.2, 1516.20.00, 15.17, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da Nomenclatura Comum do Mercosul, destinados à alimentação humana ou animal poderão deduzir da contribuição para o PIS/Pasep, devida em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens e serviços referidos no inciso II do caput deste artigo, adquiridos, no mesmo período, de pessoas físicas residentes no País.

§ 11. Relativamente ao crédito presumido referido no § 10:I – seu montante será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas

aquisições, de alíquota correspondente a setenta por cento daquela constante do art. 2º;II–ovalordasaquisiçõesnãopoderásersuperioraoquevieraserfixado,porespécie

de bem ou serviço, pela Secretaria da Receita Federal.’” (NR)

AlógicadosistemadoPISedaCofinsnãocumulativos,portanto,éada geração de créditos a partir de operações sujeitas à incidência desses tributos, e, excepcionalmente, a geração de créditos presumidos relativa-mente a operações não sujeitas às suas incidências. Em outras palavras, o crédito presumido só existirá em operações não tributadas pelo PIS e pelaCofinseestritamentenashipótesesexpressamenteprevistasnalei

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concessória do benefício.Não obstante, foi editada a Lei nº 10.925/04, a qual, mantendo o

créditopresumidodoPISedaCofinsrelativamenteàsaquisiçõesdedeterminados produtos de pessoas físicas residentes no país, ampliou as hipóteses de geração de crédito presumido.

Para melhor compreensão da querela, transcrevo, na sequência, os preceptivos legais que regem a matéria no âmbito do referido diploma legal, in verbis:

“Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origemanimalouvegetal,classificadasnosCapítulos2a4,8a12,15,16e23,enoscó-digos 01.03, 01.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 09.01, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão dedu-zir da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devida em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (redação original)

Art. 8º As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origemanimalouvegetal,classificadasnoscapítulos2,3,excetoosprodutosvivosdes-se capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os có-digos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devida em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) (Vigência) (Vide Lei nº 12.058, de 2009) (Vide Lei nº 12.350, de 2010)

§ 1º O disposto no caput deste artigo aplica-se também às aquisições efetuadas de:I – cerealista que exerça cumulativamente as atividades de secar, limpar, padronizar,

armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal,classificadosnoscódigos09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos da NCM;

I – cerealista que exerça cumulativamente as atividades de limpar, padronizar, arma-zenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal,classificadosnoscódigos09.01, 10.01 a 10.08, exceto os dos códigos 1006.20 e 1006.30, 12.01 e 18.01, todos da NCM; (Redação dada pela Lei nº 11.196, de 2005)

II – pessoa jurídica que exerça cumulativamente as atividades de transporte, resfria-mento e venda a granel de leite in natura; e

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III – pessoa jurídica e cooperativa que exerçam atividades agropecuárias.III – pessoa jurídica que exerça atividade agropecuária e cooperativa de produção

agropecuária. (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 2º O direito ao crédito presumido de que tratam o caput e o § 1º deste artigo só se

aplica aos bens adquiridos ou recebidos, no mesmo período de apuração, de pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no País, observado o disposto no § 4º do art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003.

(...)§ 4º É vedado às pessoas jurídicas de que tratam os incisos I a III do § 1º deste artigo

o aproveitamento:I – do crédito presumido de que trata o caput deste artigo;II – de crédito em relação às receitas de vendas efetuadas com suspensão às pessoas

jurídicas de que trata o caput deste artigo.(...)Art. 9º A incidência da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa na

hipótese de venda dos produtos in natura de origem vegetal,classificadosnasposições09.01, 10.01 a 10.08, 12.01 e 18.01, todos da NCM, efetuada pelos cerealistas que exerçam cumulativamente as atividades de secar, limpar, padronizar, armazenar e comercializar os referidos produtos, por pessoa jurídica e por cooperativa que exerçam atividades agro-pecuárias, para pessoa jurídica tributada com base no lucro real, nos termos e condições estabelecidas pela Secretaria da Receita Federal. (redação original)

Art. 9º A incidência da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins fica suspensa no caso de venda: (Redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004) (Vide Lei nº 12.058, de 2009) (Vide Lei nº 12.350, de 2010)

I – de produtos de que trata o inciso I do § 1º do art. 8º desta Lei, quando efetuada por pessoas jurídicas referidas no mencionado inciso; (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

II – de leite in natura, quando efetuada por pessoa jurídica mencionada no inciso II do § 1º do art. 8º desta Lei; e (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

III – de insumos destinados à produção das mercadorias referidas no caput do art. 8º desta Lei, quando efetuada por pessoa jurídica ou cooperativa referidas no inciso III do § 1º do mencionado artigo. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)

§ 1º O disposto neste artigo: (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)I – aplica-se somente na hipótese de vendas efetuadas à pessoa jurídica tributada com

base no lucro real; e (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)II – não se aplica nas vendas efetuadas pelas pessoas jurídicas de que tratam os §§ 6º e

7º do art. 8º desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)§ 2º A suspensão de que trata este artigo aplicar-se-á nos termos e condições estabe-

lecidos pela Secretaria da Receita Federal – SRF. (Incluído pela Lei nº 11.051, de 2004)” (destaquei)

Consoante se pode depreender, o art. 8º, caput, da Lei nº 10.925/04 acrescentou às aquisições de bens de cooperado pessoa física o direito

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aobenefíciodocréditopresumidodoPISedaCofins,mantendo,porém,o que já existia, ou seja, em relação às aquisições de produtos de pessoas físicas residentes no país.

Previu, ainda, em seu § 1º, a geração de créditos presumidos nas aquisições efetuadas (a) de cerealistas que exerçam cumulativamente as atividades de (secar), limpar, padronizar, armazenar e comercializar os produtos in natura de origem vegetal; (b) de pessoas jurídicas que exer-çam cumulativamente as atividades de transporte, resfriamento e venda a granel de leite in natura; e (c) de pessoas jurídicas e cooperativas de produção agropecuária.

A referida lei, porém, no seu art. 9º, previu, também, que a incidên-ciadascontribuiçõesaoPISeaoCofinsficariasuspensanasseguintessituações: (a) de venda de produtos de que trata o inciso I do § 1º do art. 8º do referido diploma legal, quando efetuada por pessoas jurídicas referidas no mencionado inciso; (b) de venda de leite in natura, quando efetuada por pessoa jurídica mencionada no inciso II do § 1º do art. 8º; e (c) de venda de insumos destinados à produção das mercadorias referidas no caput do art. 8º, quando efetuada por pessoa jurídica ou cooperativa referidas no inciso III do § 1º do mencionado artigo.

Com efeito, ao mesmo tempo em que dispôs sobre o crédito presumido emrelaçãoaoperaçõesqueseriamtributadaspeloPISepelaCofins,suspendeu, relativamente a essas mesmas operações, a incidência dessas exações. Portanto, o crédito presumido previsto nas operações a que se refere o § 1º do art. 8º da Lei 10.925/04 só foi instituído, por liberali-dade do legislador, porque houve, no mesmo momento, a suspensão da cobrança das exações sobre as mesmas operações.

Ocorre que dita suspensão foi regulamentada pela Secretaria da Re-ceita Federal por meio da IN SRF nº 636, publicada em 04.04.2006, a qual estabeleceu que os seus efeitos retroagiriam a 01.08.2004 (art. 5º). No entanto, tal ato normativo foi revogado pela IN SRF nº 660/06, que dispôs o seguinte:

“Art. 11. Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação, produ-zindo efeitos:

I – em relação à suspensão da exigibilidade da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofinsdequetrataoart.2º,a partir de 4 de abril de 2006, data da publicação da Instrução Normativa nº 636, de 24 de março de 2006, que regulamentou o art. 9º da Lei nº 10.925,

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de 2004; e(...).” (destaquei)

Diante de tal quadro, a verdade é que, do ponto de vista prático, houve aincidênciadoPISedaCofinssobreasoperaçõesque,porforçadoart.9º da Lei nº 10.925/04, estavam com a incidência suspensa.

O que pretende a impetrante é que seja declarado o seu direito ao aproveitamento, no período de 01.08.2004 a 03.04.2006, dos créditos normais decorrentes do regime não cumulativo das contribuições ao PISeàCofins(art.3ºdasLeisnos 10.637/02 e 10.833/03), já admitido pela Secretaria da Receita Federal, conforme informações prestadas pela autoridade impetrada, cumulativamente com o crédito presumido de que trata o art. 8º da Lei nº 10.925/04, decorrente da aquisição de insumos das pessoas jurídicas elencadas em seu § 1º, porquanto entende que a suspensão da incidência das referidas exações nas vendas efetuadas por tais pessoas jurídicas não constitui condição para o deferimento do pretendido crédito presumido.

No entanto, sem adentrar no exame da legalidade ou não do art. 11, inciso I, da IN SRF nº 660/06, frente ao disposto no art. 17, inciso III, da Lei nº 10.925/04 – que dizia que os arts. 8º e 9º da referida lei produ-ziriam efeitos a partir de 1º de agosto de 2004 –, tenho que não prospera o argumento da recorrente, porque é, sim, condição necessária ao gozo dobenefíciodocréditopresumidoanãoincidênciadoPISedaCofins.

Conforme já referido anteriormente, pela sistemática não cumulativa prevista nas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, somente darão direito a crédi-to,parafinsdededuçãodabasedecálculodascontribuiçõesPISeCofins,os insumos adquiridos de pessoas jurídicas sujeitas ao recolhimento das próprias contribuições (art. 3º, § 2º, inciso II, e § 3º, inciso I). Portanto, se a existência da suspensão prevista no art. 9º da Lei nº 10.925/04 não fosse uma condição necessária para a concessão do crédito presumido de que trata o § 1º do art. 8º do referido diploma legal, as aquisições efetuadas das pessoas jurídicas elencadas no § 1º da Lei nº 10.925/04 não precisariam ter sido mencionadas, visto que o aproveitamento do crédito já estaria assegurado pelas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, aliás, maisbenéficasparaaimpetrante.

Admitir o aproveitamento simultâneo dos créditos normais previstos nas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 com o crédito presumido previsto

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no art. 8º, § 1º, da Lei nº 10.925/04 implicaria a concessão de benefício fiscalnãoprevistonalegislaçãoderegência,oqueévedadoaoPoderJudiciário,comobemressaltouaautoridadefiscal.

É de ser dito, ademais, que a não aplicação imediata do art. 9º da Lei nº 10.925/04 – em função da instrução normativa acima referida, cuja ilegalidade vem sendo reconhecida pela jurisprudência, pois a aplicação da suspensão deveria ser imediata, nos termos do art. 17, inciso III, da lei emcomento–sóveioabeneficiaroapelante,queteveumcréditomaiselevado, uma vez que o crédito presumido lhe renderia um valor menor.

Nesse contexto, não há que se falar em ilegalidade dos arts. 7º, inciso I, e 10, ambos da IN SRF nº 660/06, in verbis:

“Art. 7º Somente gera direito ao desconto de créditos presumidos na forma do art. 5º os produtos agropecuários:

I – adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País com o benefício da suspensão da exigibilidade das contribuições, na forma do art. 2º;

(...) (redação original)Art. 7º Geram direito ao desconto de créditos presumidos na forma do art. 5º os produtos

agropecuários: I – adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País, com suspensão da exigibilidade

das contribuições na forma do art. 2º;(...) (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 977, de 14 de dezembro de 2009)Art. 10. A aquisição dos produtos agropecuários de que trata o art. 7º desta Instrução

Normativa, por ser efetuada de pessoa física ou com suspensão, não gera direito ao des-conto de créditos calculados na forma do art. 3º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e do art. 3º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, conforme disposição do inciso II do § 2º do art. 3º Lei nº 10.637, de 2002, e do inciso II do § 2º do art. 3º da Lei nº 10.833, de 2003.”

Conclusão

Dessarte, merece ser mantida, ainda que por outros fundamentos, a sentença que julgou improcedente o pedido vertido na inicial.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5011822-49.2010.404.7000/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Apelante: Cleonice do Rocio BielenAdvogado: Dr. Alessandro RavazzaniApelada: União – Fazenda Nacional

EMENTA

Tributário. Imposto de renda. Isenção. Moléstia grave. Doença mais grave que as elencadas na lei isentiva. Interpretação. Prescrição. Repetição do indébito. Correção monetária. Honorários advocatícios.

1.Adoençaqueacometeaautoraégrave,exacerbadapelafibromialgiae pelo hipotireoidismo.

2. Não resta qualquer sinal de dúvidas quanto à gravidade do quadro clínico de que padece a autora, sendo inegável a degeneração da região vertebral lombar e sacral, quadro esse extremamente piorado em razão dafibromialgia.

3. O legislador, ao editar a Lei 7.713/88, procurou elencar as enfer-midades graves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, além de condição de saúde de extrema precariedade, ainda o viés do alto custo com o tratamento da mesma. Isso posto, parece-me óbvio que a intenção do legislador ao editar tal norma foi claramente de desonerar aqueles que, em decorrência de problemas graves de saúde, possuem elevados gastos em seu tratamento.

4. Tendo em vista as particularidades do caso concreto, minuciosa-mente demonstradas, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais humana, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: ajudar na preservação da vida e na manutenção do tratamento extremamente necessário, sem com isso prejudicar o normal atendimento das necessidades básicas da autora.

5.Comefeito,restaplenamenteconfiguradaanecessidadedarecor-rente de ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida, uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última ins-tância, à vida.

6. Assim sendo, faz jus a demandante à isenção do imposto de renda quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria.

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7. Em face da posição consolidada no Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de pagamentos efetuados após 09.06.2005, o prazo de prescrição conta-se da data do pagamento indevido; ao passo que, em se tratando de recolhimentos feitos antes de 09.06.2005, a prescrição segue a sistemática adotada antes da vigência da LC n° 118/2005, limi-tada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova. Assim sendo, considerando que a demandante foi aposentada por invalidez em 14 de fevereiro de 2005, não há que se falar em prescrição.

8.É infundadoo pleito de retificaçãoda declaraçãode ajuste doimposto de renda, visto que se procede à execução por liquidação de sentença e à restituição mediante precatório ou requisição de pequeno valor, facultada a possibilidade de escolha pela compensação, a critério do contribuinte.

9. Não compete ao contribuinte comprovar que o imposto foi efeti-vamente recolhido pela fonte pagadora, visto que não se trata de prova do fato constitutivo do seu direito.

10.Casoseconfigureexcessodeexecução,decorrentedacompen-sação ou restituição dos valores relativos ao título judicial, admite-se a invocação de tal matéria em embargos à execução.

11. Não se caracteriza a preclusão, pelo fato de não ter sido provada a compensação ou a restituição no processo de conhecimento, porque a sentença proferida foi ilíquida.

12. Deve ser observada a correção monetária dos valores descontados na fonte, desde a data de cada retenção.

13. A correção monetária deve incidir sobre os valores pagos inde-vidamentedesdeadatadopagamento,sendoaplicávelaUfir(jan/92a dez/95), e, a partir de 01.01.96, deve ser computada somente a taxa Selic, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros de mora (art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95).

14. Em face da inversão da decisão, condena-se a União no reembol-so das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, ex vi do art. 20, §§ 3º e 4º do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,

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decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopre-sente julgado.

Porto Alegre, 03 de agosto de 2011.Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de ação ordinária que objetiva a declaração do direito à isenção de imposto de renda, nos termos do inciso XIV do artigo 6° da Lei n° 7.713/88, bem como a condenação da União à restituição dos valores indevidamente recolhidos do tributo, desde a data em que constatada a enfermidade, tudo devidamente corrigido, observado o prazo prescricional.

Regularmente processado o feito, o MM. Juízo singular julgou im-procedente o pedido, extinguindo o feito com julgamento do mérito, nos termos do art. 269, 1, do CPC, e condenando a autora nas custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em RS 500,00, deferindo à autora os benefícios da assistência judiciária gratuita, previstos na Lei n° 1.060/50. Valor da causa – R$ 25.000,00.

Recorre a autora, sustentando que a verdadeira intenção do legislador é de que as doenças igual e tamanhamente graves, incuráveis e avas-saladoramente deletérias também conferem ao seu portador a isenção pretendida.Aduzque a enfermidadeostentadapor ela é classificadacomoaindamaisgravedoqueapatologiamencionadanalei,afirmandoque a sua condição de vida é muito mais penosa até mesmo do que a de um paciente que ostente a hipótese tida por prevista. Assevera que a sua doença é grave, incurável, irreversível e degenerativa e que não há, na medicina atual, qualquer recurso ou tratamento disponível que não induza a aceleração de óbito. Salienta que, se a lei previu que os portadores de espondiloartroseserãobeneficiadoscomaisençãodeimposto,nãosemostra lícito cogitar que a lei na verdade quis dizer espondilite. Defende que preenche todos os critérios clínicos concernentes à concessão do benefício pretendido.

Com contrarrazões, subiram os autos.É o relatório.

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VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik:

Isenção de Imposto de Renda em decorrência de doença grave

A Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, assim preconiza:“Art. 6º – Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por

pessoas físicas: (...)XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço

eos percebidospelos portadores demoléstia profissional, tuberculose ativa, alienaçãomental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte defor-mante),contaminaçãoporradiação,síndromedaimunodeficiênciaadquirida,combaseemconclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”

O caso em tela, dadas as peculiaridades, merece uma minuciosa explicação.

Alega a demandante que, no exercício de suas funções, passou a sentir fortíssimas dores na região lombar, de forma súbita, inesperada e agressiva, que acabaram por imprimir-lhe grave sofrimento e limitação das mais comezinhas atividades do cotidiano.

Aduz que a dor suportada, além de intensa, ainda passou a irradiar-se para a região glútea, a região posterior da coxa, a perna e o pé esquerdo, passandoacriarimensadificuldadedelocomoção.

Sustenta que a dor acabou por afastá-la temporariamente do trabalho e, posteriormente, ocasionou a aposentadoria por invalidez em 14 de fevereiro de 2005.

Salienta que é portadora de várias enfermidades severas que lhe im-putam quadro clínico delicado, irreversível e progressivo, até mesmo podendo gerar degeneração.

Refere que, atualmente, não mais se locomove, possui severíssimas limitações e encontra-se em estado progressivo de degeneração muscular completa.

Finaliza alegando que a gravidade do quadro clínico ostentado é tamanho ou superior ao de todas as patologias elencadas no artigo 6°

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da Lei 7.713/88, o que lhe submete a condições de vida subumanas e de extrema gravidade, sendo que o seu quadro clínico é extremamente grave, progressivo, irreversível, incurável e lhe causa dor extenuante e irreal sofrimento.

O deslinde da controvérsia paira em saber se a demandante faz jus à isenção pretendida.

Em razão das diversas dúvidas surgidas no decorrer do processo, foi realizada perícia médica, feita por médico perito indicado pelo juízo singular.

Assim manifestou-se o primeiro laudo:“Oprognósticodadoençaemcursoéindefinidoeintimamenterelacionadocomasse-

quelas já presentes e com o sucesso do tratamento instituído. O mais importante é melhorar a qualidade de vida do Paciente.

Quanto ao seu estado clínico atual, ao exame físico e à necessidade de continuar trata-mento para controle de sua doença (...).

A parte-autora é portadora de grave lesão discal com extrusão e compressão medular em L5-S1, comprovada inclusive por ressonância nuclear magnética. Apresenta-se com clau-dicação à custa dos dois membros inferiores com sinal de Lasègue positivo bilateralmente ediminuiçãodeambososreflexospatelaredoaquileuàdireita.

Não há lesão compatível com espondilartrite, mas sim lesão tipicamente degenerativa que a incapacita permanentemente para qualquer atividade física. Esse fato notoriamente conduziu para a aposentadoria precoce. A lesão desta paciente diferencia-se da espondilite anquilosante, pois, além de ela não apresentar outros níveis de lesão na coluna, tampouco apresentacalcificaçãodeligamentosousacroiliítebilateral.

Entretanto,nãoédemaisafirmarqueagravidadecomqueseapresentaclinicamenteesse grau de lesão nesta enferma pode ser considerada tão deletéria quanto uma lesão típica da Espondilite Anquilosante. Não obstante ao quadro discal, ela também é portadora de fibromialgiaedehipotireoidismosobtratamento.Apresentou,nomomentodemeuexameclínico,16dos18pontosdolorosostípicosdafibromialgia.Talquadroálgicoprovavelmentetemamplificadooprocessodolorosolombardapaciente.

Também pudemos constatar, por meio de uma densitometria datada de 2002, embora relate aParte-Autora que esteja aguardandonovadensitometria paramelhor definiçãodiagnóstica,queelaéportadoradegraveosteopenialombarefemoral.Sendoassim,ficaclaro clinicamente e, sobretudo, pelo quadro discal que a paciente pode ser considerada inválidaeincapazparaqualqueratividadequeenvolvamovimentaçãodeflexo-extensãode coluna lombar.

Obs. Como se trata de doenças crônicas, é impossível prever o curso clínico, embora a história natural demonstre que pacientes não tratados invariavelmente evoluem com péssimo prognóstico. Portanto, infelizmente, não existe tempo de duração previsto para encerrar o tratamento desse grupo de portadores.

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Lesões Degenerativas Espondilodiscais/Artrose/Osteoartrite/Hérnias de Disco, como doença degenerativa, é crônica, progressiva, multifatorial, complexa, tratável, atenuável e incurável.

DE OUTRA BANDA: um médico perito não emite opinião e tampouco considerações pessoais, NÃO PODE HAVER ‘ACHISMOS’, e sim ‘LAUDO’ abalizado sempre em efetiva documentação comprobatória OU, QUANDO NA FALTA DESTA, numa criteriosa análise do HPMA (Histórico Pregresso da Moléstia Atual). Para que esse Laudo pudesse ter sustentação, tive a preciosa colaboração do Dr. Valderilio Feijó Azevedo – Professor de Reumatologia da Universidade Federal do Paraná –, Assistente Médico da parte-autora que a acompanha já há muitos anos.”

Persistindo dúvidas, o laudo complementar assim dispôs:“Antesdetudo,vamostentardefiniroqueaspalavrasenvolvidassignificamparadepois

esclarecernosologicamenteambasaspatologias(parececomplicado,masnãoé!!!)Espôndilo = Vértebra.Espondiloartrose = espondilose = degeneração das vértebras.Espondiloartropatias=espondiloartrite=espondilite=inflamaçãodasvértebras.A nosologia (do grego nósos, doença + logros, tratado, razão explicativa) é a parte da

medicinaouoramodapatologiaquetratadasenfermidadesemgeraleasclassificadopontodevistaaplicativo(istoé,desuaetiopatogenia),enquantoanosografiaasordenadesde o aspecto meramente descritivo (graphos = descrição).

A Espondilite Anquilosante (não existe espondiloartrose anquilosante – quesito b) é uma doençainflamatóriacrônicadasvértebrasintimamenterelacionadacomfatoresgenéticoseambientais.Suaetiopatogeniaaindanãoestábemestabelecida,todavia,paraestefim,podemos relacioná-la com a Artrite Reumatoide com componente axial (coluna vertebral) com característica autoimune; uma INFLAMAÇÃO onde os anticorpos do organismo reconhecem componentes genéticos próprios do indivíduo como antígenos.

A Espondiloartrose de Coluna Vertebral é uma doença degenerativa crônica, comum com o envelhecimento, e pode comprometer também o disco intervertebral, causando assim uma espondilodiscoartrose com ou sem hérnia de disco. A causa da Hérnia de Disco nesses casos é a própria artrose da coluna vertebral.

Nosologicamente,umacoisanãotemnadaquevercomaoutra!!!OquesequistornarevidentenoLaudo:novamente,nãoédemaisafirmarqueagravidade

com que se apresenta clinicamente esse grau de lesão nesta enferma pode ser considerada tão deletéria quanto uma lesão típica da espondilite anquilosante.

Em outras palavras: tem doentes portadores da espondilite anquilosante que apresentam uma qualidade de vida muito superior e com menos gastos em medicamentos comparados a alguns enfermos que padecem de espondiloartrose de Coluna Vertebral com Hérnia de Disco–casoespecíficodaParte-Autora!!!

Cada caso é um caso.RESPOSTASAOSQUESITOSDOJUÍZO–fl.181:A) Sim

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B)Vidaacima!!!Novamente: independentemente da falta de uniformização de Jurisprudência entre a

Diretoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Paraná e o Ministério Público de Contas também do nosso Estado em relação ao dispositivo ‘Art. 48 – parágrafo 1º – além de observar o disposto nos Arts. 112, 113 e 186’ da norma Paranaense, caso a Autora fosse portadora de Espondilite Anquilosante, teria direito ao pedido pleiteado.

DeacordocomosLaudosacostadosdefls.64(Dr.MarcosSouza)edefls.79(Dr.CláudioTrezub),nocasodadoença,porsuanaturezadegenerativaenãoinflamatória,nãocabe a isenção.

Comentários: esse dispositivo – por exemplo – estabelece que terão aposentação com proventos integraisquandodecorrentedeacidenteemserviço,moléstiaprofissionaloudoença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei; no seu parágrafo 1º (Art. 48), con-sidera a Tuberculose Ativa e a Hanseníase, que há muito tempo têm cura, e até mesmo a Aids, que na grande maioria dos casos é compensada, proporcionando uma boa qualidade de vida, entre outras que realmente são irreversíveis.

Por isso a necessidade de serem avaliadas por uma junta médica, e não na forma da lei, porque,novamente:cadacasoéumcaso!!!!”

Como forma de tentar aprofundar a questão médica, trago alguns conceitos para melhor diferenciar as doenças citadas no processo.

Espondilite anquilosante

Aespondiliteanquilosanteéumadoença inflamatóriacrônicaqueocorre nas articulações da coluna vertebral, do quadril e dos ombros, empessoascompredisposiçãogenética.Elacausadificuldadeemmo-vimentar o corpo, podendo levar a um estado de invalidez.

A espondilite anquilosante é diagnosticada em geral entre os 15 e os 40 anos. O diagnóstico é feito a partir dos sintomas e de exames como o raio X. A avaliação de um geneticista pode também ser útil para o caso de indivíduos que possuem sacroileíte, visto que alguns estudiosos sugerem que o aparecimento da sacroileíte pode indicar o desenvolvimento da espondilite anquilosante num futuro próximo.

O tratamento para a espondilite anquilosante é baseado em medicação comoanalgésicoseanti-inflamatórios.Acirurgiapodeserindicadaemalgunscasos.Afisioterapiaé importanteparaaliviarador,corrigirapostura e melhorar a capacidade de movimentação do corpo.

Apesardasdificuldadesqueadoençapodetrazer,osindivíduospodemvivercomeladurantemuitosanosegeralmentemorremporinsuficiênciarespiratória devido à má expansão pulmonar na 3ª idade.

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Espondiloartrose

A espondiloartrose é uma doença degenerativa que causa uma série de alterações na coluna, afetando ossos, ligamentos, disco intervertebral e nervos, provocando muita dor, e que muitas vezes é bastante incapa-citante.

Os exames que os médicos em geral pedem para fazer o diagnóstico correto em casos de queixa de dores intensas na coluna ou nos membros podemseroraioX,aressonânciamagnéticaouatomografiacompu-tadorizada.

Naespondiloartrose,odiscoarticularpodeficardeformado,causandohérniadedisco,ealémdissoosligamentosdacolunaficamfrouxos,gerando dores que geralmente se irradiam para os braços e as pernas.

Otratamentopodeserfeitopormeiodecirurgiaseguidadefisiote-rapia.Otrabalhodafisioterapiaécapazdealiviarossintomasdaes-pondiloartrose, mas trata-se de uma doença progressiva e degenerativa.

Espondiloartrose anquilosante

A espondiloartrose anquilosante é uma doença reumática que causa inflamaçãonacolunavertebralenasarticulaçõessacroilíacas(nofinalda coluna com os ossos da bacia), podendo, às vezes, também atacar os olhos e as válvulas do coração. Os sintomas podem variar de simples do-res nas costas, na grande maioria das vezes nas nádegas, até uma doença grave, que ataca a coluna, as juntas e outros locais do corpo, resultando em grande incapacidade devido a um “congelamento” das vértebras da colunaque,comodecorrerdotempo,vaidificultarinclusiveumsimplespasso para caminhar.

A doença faz parte de um grupo de doenças conhecidas como espon-diloartropatias, em que estão incluídos a Síndrome de Reiter, alguns casosdeArtritePsoriásicaeaDoençaInflamatóriaIntestinal(Chron,Retocolite Ulcerativa, etc.).

A causa não é conhecida, mas tudo que se relaciona com as espondilo-artropatias tem a ver com um padrão genético, devido à existência de um marcador genético comum (HLA-B27), que está presente na maioria dos indivíduos afetados, tornando essas pessoas predispostas a ter a doença.

Em alguns casos, a doença ocorre, nessas pessoas, depois de serem

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acometidas de uma infecção intestinal ou urinária.Afeta principalmente adolescentes e/ou adultos jovens, especialmente

do sexo masculino, com uma incidência 03 vezes maior que nas mulheres, que normalmente têm uma doença mais moderada em sua gravidade.

Afeta menos negros africanos e japoneses e é mais comum em alguns índios norte-americanos.

Um diagnóstico tardio é comum porque os sintomas são atribuídos frequentemente às doenças comuns da coluna, tais como dores posturais, traumáticas ou psicossomáticas.

Embora a maioria dos sintomas comece na coluna lombar, devido ao grande e frequente acometimento das articulações sacroilíacas, essa doença também pode envolver o pescoço (coluna cervical) e/ou as costas (coluna torácica) da mesma forma.

Além das sacroilíacas, artrite também pode acontecer nas grandes articulações periféricas (ombros e quadris), mas também pequenas jun-taspodemseinflamar,comoasdospésedasmãos.Algunspacientestêm lesões oculares, às vezes, importantes, e, nos casos mais graves, é fundamental uma avaliação cardiológica, devido a lesões valvulares.

Diante da extensa explanação, passo a analisar o cabimento da isenção.A análise do laudo e do laudo complementar demonstra que, ainda

que a autora padeça de espondiloartrose, não seria essa concessiva da isenção, conforme previsto no art. 6º, inc. XIV, da Lei 7.713/88.

Porém, ao mesmo tempo, deixa bem claro, em ambos os laudos, que a doença que acomete a demandante é muito mais grave, deletéria e sacrificantedoquemuitasdaquelaselencadasnoartigocitado.Asaber:

“Entretanto,nãoédemaisafirmarquea gravidade com que se apresenta clinicamente esse grau de lesão nesta enferma pode ser considerada tão deletéria quanto uma lesão típica da Espondilite Anquilosante. Não obstante o quadro discal, ela também é portadora de fibromialgiaedehipotireoidismosobtratamento.Apresentou,nomomentodemeuexameclínico,16dos18pontosdolorosostípicosdafibromialgia.Talquadroálgicoprovavelmentetemamplificadooprocessodolorosolombardapaciente.”

“Não é demais afirmar que a gravidade com que se apresenta clinicamente esse grau de lesão nesta enferma pode ser considerada tão deletéria quanto uma lesão típica da espondilite anquilosante.

Em outras palavras: tem doentes portadores da espondilite anquilosante que apresentam uma qualidade de vida muito superior e com menos gastos em medicamentos comparados a alguns enfermos que padecem de espondiloartrose de Coluna Vertebral com Hérnia de

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Disco – caso específico da Parte-Autora.”

Cotejando os dados coletados nesta demanda, parece claro que a do-ençaqueacometeaautoraégrave,sendoexacerbadapelafibromialgia,porque, durante o exame com o perito, demonstrava ter a paciente 16 dos 18 pontos de dor possíveis de ocorrer com tal enfermidade, doença essa ainda piorada em face da existência de hipotireoidismo.

Segundo o laudo médico, a enferma apresenta espondiloartrose, mas não na forma anquilosante. Contudo, pelo demonstrado nos autos, o quadro clínico da paciente tende a piorar, mesmo com o tratamento e as medicações hoje existentes. Portanto, tenho que a espondiloartrose não é ainda anquilosante, mas apresenta grandes probabilidades de assim se tornar.

Não podemos olvidar que os tratamentos, os exames periódicos e a medicação a ser utilizada comprometem o orçamento da autora, os quais não poderão ser abandonados, sob pena de penoso falecimento, uma vez que se trata de doença incurável.

Dessa forma, não resta qualquer sinal de dúvidas quanto à gravidade do quadro clínico de que padece a autora, sendo inegável a degeneração da região vertebral lombar e sacral, quadro esse extremamente piorado emrazãodafibromialgia.

Nesse andar, penso que o legislador, ao editar a Lei 7.713/88, bem como as demais sucessivas alterações legislativas, procurou elencar as enfermidades graves e incuráveis que imprimissem ao seu portador, além de condição de saúde de extrema precariedade, ainda o viés do alto custo com o tratamento.

Isso posto, parece-me óbvio que a intenção do legislador ao editar tal norma foi claramente desonerar aqueles que, em decorrência de pro-blemas graves de saúde, possuem elevados gastos em seu tratamento.

A mens legis daisençãoénãosacrificarocontribuintequepadecedemoléstiagraveequegastademasiadamentecomotratamento,benefi-ciando-o com a isenção de imposto de renda na fonte.

Em que pese a determinação imposta pelo artigo 111 do CTN, con-sistente na exigência de interpretação literal da legislação tributária que outorgue isenção, tenho que essa regra não pode ser aplicada isolada-mente, nem entendida como obstáculo a uma interpretação teleológica.

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Filio-me ao magistério de Paulo de Barros Carvalho, nestes termos:“O desprestígio da chamada interpretação literal, como critério isolado da exegese, é

algo que dispensa meditações mais sérias, bastando arguir que, prevalecendo como méto-do interpretativo do direito, seríamos forçados a admitir que os meramente alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia jurídica, estariam credenciados a elaborarassubstânciasdasordenslegisladas,edificandoasproporçõesdosignificadodalei. (...) O jurista, que nada mais é que um lógico, o semântico e o pragmático da lingua-gem do direito, há de debruçar-se sobre os textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e imperfeições terminológicas, para construir a essência dos institutos, surpreendendo, com nitidez, a função da regra, no implexo do quadro normativo. E, à luz dos princípios capitais, que no campo tributário se situam ao nível da Constituição, passa a receber a plenitude do comando expedido pelo legislador, livre de seus defeitos e apto a produzir as consequências que lhe são peculiares.” (BARROS CARVALHO, Paulo. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 104)

Com efeito, não se pode, simplesmente, subsumir ao comando literal da lei o caso concreto sem aprofundamento aos seus vieses semânticos.Conforme bem ressaltado pela ilustre Desa. Federal Tânia Escobar,“a lei, no momento em que passa a viger, se desagrega do legislador e se incorpora ao restante do sistema. Portanto, a interpretação literal dada pelo órgão fazendário ao inciso XIV do art. 6º da Lei nº 7.713/88 não pode prevalecer. Necessário empreender uma interpretação teleológica do referido dispositivo, de modo a atingir sua melhor aplicação para a sociedade.”

Efetivamente, temos que ter em mente que problemas de saúde, por óbvio, sempre causam transtornos, gastos imprevisíveis, despesas com medicamentos, se não de maneira permanente, até a completa estabili-zação da condição física do adoentado.

Tendo em vista as particularidades do caso concreto, minuciosamente demonstrada, faz-se imprescindível interpretar a lei de forma mais huma-na, teleológica, em que princípios de ordem ético-jurídica conduzam ao único desfecho justo: ajudar na preservação da vida e na manutenção do tratamento extremamente necessário, sem com isso prejudicar o normal atendimento das necessidades básicas da autora.

Não se pode se apegar, de forma rígida, à letra fria da lei, e sim consi-derá-la com temperamentos, tendo-se em vista a intenção do legislador, principalmente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana.

Comefeito,restaplenamenteconfiguradaanecessidadedarecorrentede ver atendida a sua pretensão, legítima e constitucionalmente garantida,

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uma vez que assegurado o direito à saúde e, em última instância, à vida.Ademais, os valores de que a União seria privada não afetam subs-

tancialmenteaarrecadaçãofederalnemcausamprejuízosignificativoao erário público.

Assim sendo, tenho que faz jus a demandante à isenção do imposto de renda quanto aos valores recebidos em decorrência de sua aposentadoria.

Nesse passo, considerando-se cabível a isenção, impõe-se a análise da questão da prescrição.

Prescrição/decadência

Desde logo, consigno que não se aplica à hipótese a regra geral posta no Decreto n° 20.910/32, que regula a prescrição para dívidas passivas da União. Com efeito, a regra especial prevalece sobre a geral, incidindo as disposiçõesespecíficasdoCódigoTributárioNacionalsobreprescriçãoe decadência.

Pois bem, cuida-se de tributo sujeito a lançamento por homologa-ção, no qual o contribuinte antecipa o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa. Somente depois de feito o recolhimento é que o Fisco constatará a sua regularidade. Na linha do entendimento da jurisprudência pátria e antes do advento da Lei Complementar n° 118/05, entendia-se que a extinção do crédito tributário dependia de posterior homologação do lançamento (art. 150, caput e § 1º, do CTN). Nãohavendoahomologaçãoexpressa,considerava-sedefinitivamenteextinto o crédito tributário no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador, ocorrendo o que se denomina homologação tácita (art. 150, § 4º, do CTN).

Assim, o prazo de cinco anos para pleitear a restituição, contado da extinçãodocréditotributário(art.168,I,doCTN),começariaafluirapartir da data da homologação do lançamento. Diante da homologação tácita, dispunha o contribuinte do prazo de dez anos para postular a resti-tuição, a partir do fato gerador, cinco dos quais relativos à homologação tácita, e os outros cinco, ao prazo decadencial propriamente dito. Nesse sentido, há farta jurisprudência do Colendo STJ, expressa no REsp nº 171.999/RS (Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 14.12.98), nos Em-bargos de Divergência no REsp nº 54.380-9/PE (Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJU 07.08.95), no REsp nº 134.732/RS (Rel. Min.

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Hélio Mosimann, DJU 18.11.96) e no REsp nº 120.939/RS (Rel. Min. Peçanha Martins, DJU 20.10.97).

No entanto, sobreveio a Lei Complementar nº 118/2005, que, em seu art. 3º, dispôs que,“Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1996 – Código Tributário Nacional, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida lei.”

Tal alteração legislativa, ao prever que a extinção do crédito tributário ocorre no momento do pagamento antecipado, e não no momento da homologação desse pagamento, implicou, em verdade, a antecipação do termo inicial da prescrição, o que ensejou o questionamento da constitu-cionalidade do art. 4° da Lei Complementar n° 118/2005, que determinou fosse aplicado ao artigo 3º o disposto no art. 106, inciso I, do Código Tributário Nacional, ou seja, a sua aplicação a fatos geradores pretéritos.

Inicialmente, por força do artigo 151 do Regimento Interno desta Casa, segui a posição exarada na Corte Especial deste Regional no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 2004.72.05.003494-7, em sessão realizada em 16.11.2006, ocasião em que se declarou a inconstitucio-nalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar nº 118/2005. Nessa esteira, a Corte Especial entendeu pela aplicabilidade do prazo prescricional trazido pela LC nº 118/2005 às demandas ajuizadas após sua entrada em vigor, em 09.06.2005.

Ocorre, todavia, que o Superior Tribunal de Justiça submeteu o Re-curso Especial n° 1002932/SP, que trata da aplicabilidade do art. 3º da Lei Complementar n° 118/05, à sistemática dos recursos repetitivos, prevista no art. 543-C do CPC. Em 25.11.2009, a Primeira Seção do STJ entendeu que o princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118/05 aos pagamentos indevidos efetuados após a sua vigência, e não às ações ajuizadas após a vigência do aludido diploma (09.06.2005). O Superior Tribunal de Justiça arrematou a controvérsia, ao consignar que, em relação aos pagamentos efetuados a partir de 09.06.2005, o prazo de repetição do indébito é de cinco anos a contar do pagamento; ao passo que, em relação aos pagamentos efetuados antes de 09.06.2005, a pres-

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crição deve obedecer ao regime previsto no sistema anterior, limitada, no entanto, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova, por razões de direito intertemporal. Eis a ementa do REsp n° 1002932/SP:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CON-TROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. TRIBUTÁRIO. AUXÍLIO CONDUÇÃO. IMPOS-TO DE RENDA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. PAGAMENTO INDEVIDO. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO.

1. O princípio da irretroatividade impõe a aplicação da LC 118, de 9 de fevereiro de 2005, aos pagamentos indevidos realizados após a sua vigência, e não às ações propostas posteriormente ao referido diploma legal, visto que é norma referente à extinção da obri-gação, e não ao aspecto processual da ação correspectiva.

2. O advento da LC 118/05 e suas consequências sobre a prescrição, do ponto de vista prático, implica dever a mesma ser contada da seguinte forma: relativamente aos pagamen-tos efetuados a partir da sua vigência (que ocorreu em 09.06.05), o prazo para a repetição do indébito é de cinco a contar da data do pagamento; e, relativamente aos pagamentos anteriores, a prescrição obedece ao regime previsto no sistema anterior, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.

3. Isso porque a Corte Especial declarou a inconstitucionalidade da expressão ‘obser-vado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional’, constante do artigo 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005 (AI nos ERESP 644736/PE, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, julgado em 06.06.2007).

4. Deveras, a norma inserta no artigo 3º da lei complementar em tela, indubitavelmente, criadireitonovo,nãoconfigurandoleimeramenteinterpretativa,cujaretroaçãoépermitida,consoante apregoa doutrina abalizada:

‘Denominam-se leis interpretativas as que têm por objeto determinar, em caso de dúvida, o sentido das leis existentes, sem introduzir disposições novas. {nota: A questão da caracte-rização da lei interpretativa tem sido objeto de não pequenas divergências na doutrina. Há a corrente que exige uma declaração expressa do próprio legislador (ou do órgão de que emanaanormainterpretativa),afirmandoteralei(ouanormajurídicaquenãoseapresentecomo lei) caráter interpretativo. Tal é o entendimento da AFFOLTER (Das intertemporale Recht, v. 22, System des deutschen bürgerlichen Uebergangsrechts, 1903, p. 185), julgando necessária uma Auslegungsklausel, ao qual GABBA, que cita, nesse sentido, decisão de tribunal de Parma, (...). Compreensão também de VESCOVI (Intorno alla misura dello sti-pendio dovuto alle maestre insegnanti nelle scuole elementari maschili, in Giurisprudenza italiana, 1904, I, I, cols. 1191, 1204) e à qual adere DUGUIT, para quem nunca se deve

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presumir ter a lei caráter interpretativo – ‘os tribunais não podem reconhecer esse caráter a uma disposição legal, senão nos casos em que o legislador lho atribua expressamente’ (Traité de droit constitutionnel, 3. ed., v. 2º, 1928, p. 280). Com o mesmo ponto de vista, o jurista pátrio PAULO DE LACERDA concede, entretanto, que seria exagero exigir que a declaração seja inserida no corpo da própria lei, não vendo motivo para desprezá-la se lançada no preâmbulo, ou feita noutra lei.

Encarada a questão, do ponto de vista da lei interpretativa por determinação legal, outra indagação que se apresenta é saber se, manifestada a explícita declaração do legislador, dando caráter interpretativo à lei, esta se deve reputar, por isso, interpretativa, sem possibilidade de análise, por ver se reúne requisitos intrínsecos, autorizando uma tal consideração. (...) SAVIGNY coloca a questão nos seus precisos termos, ensinando: ‘trata-se unicamente de saber se o legislador fez ou quis fazer uma lei interpretativa, e não se na opinião do juiz essa interpretação está conforme com a verdade’ (System des heutigen romischen Rechts, v. 8º, 1849, p. 513). Mas não é possível dar coerência a coisas que são de si incoerentes, não se consegue conciliar o que é inconciliável. E, desde que a chamada interpretação autêntica é realmente incompatível com o conceito, com os requisitos da verdadeira interpretação (v., supra, a nota 55 ao n° 67), não admira que se procure torcer as consequências inevitáveis, fatais de tese forçada, evitando-se-lhes os perigos. Compreende-se, pois, que muitos au-tores não aceitem o rigor dos efeitos da imprópria interpretação. Há quem, como GABBA (Teoria delta retroattività delle leggi, 3. ed., v. 1º, 1891, p. 29), que invoca MAILHER DE CHASSAT (Traité de la rétroactivité des lois, v. 1º, 1845, p. 131 e 154), sendo seguido por LANDUCCI (Trattato storico-teorico-pratico di diritto civile francese ed italiano, versione ampliata del Corso di diritto civile francese, secondo il metodo dello Zachariæ, di Aubry e Rau, v. 1º e único, 1900, p. 675) e DEGNI (L’interpretazione della legge, 2. ed., 1909, p. 101), entenda que é de distinguir quando uma lei é declarada interpretativa, mas encerra, ao lado deartigosqueapenasesclarecem,outrosintroduzidonovidade,oumodificandodispositivosda lei interpretada. PAULO DE LACERDA (loc. cit.) reconhece ao juiz competência para verificarsealeié,naverdade,interpretativa,massomentequandoelaprópriaafirmequeo é. LANDUCCI (nota 7 à p. 674 do vol. cit.) é de prudência manifesta: ‘Se o legislador declarou interpretativa uma lei, deve-se, certo, negar tal caráter somente em casos extremos, quando seja absurdo ligá-la com a lei interpretada, quando nem mesmo se possa considerar a mais errada interpretação imaginável. A lei interpretativa, pois, permanece tal, ainda que errônea, mas, se de modo insuperável, que suplante a mais aguda conciliação, contrastar com a lei interpretada, desmente a própria declaração legislativa’. Ademais, a doutrina do temaépacíficanosentidodeque‘Poucoimportaqueolegislador,paracobriroatentadoao direito, que comete, dê à sua lei o caráter interpretativo. É um ato de hipocrisia, que não podecobrirumaviolaçãoflagrantedodireito’(Traité de droit constitutionnel, 3. ed., v. 2º, 1928, p. 274-275).’ (Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho, in A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, v. I, 3. ed., p. 294-296)

5. Consectariamente, em se tratando de pagamentos indevidos efetuados antes da entra-da em vigor da LC 118/05 (09.06.2005), o prazo prescricional para o contribuinte pleitear a restituição do indébito, nos casos dos tributos sujeitos a lançamento por homologação,

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continua observando a cognominada tese dos cinco mais cinco, desde que, na data da vi-gência da novel lei complementar, sobejem, no máximo, cinco anos da contagem do lapso temporal (regra que se coaduna com o disposto no artigo 2.028 do Código Civil de 2002, segundo o qual ‘Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabe-lecido na lei revogada’).

6. Dessa sorte, ocorrido o pagamento antecipado do tributo após a vigência da aludida norma jurídica, o dies a quo do prazo prescricional para a repetição/compensação é a data do recolhimento indevido.

7. In casu, insurge-se o recorrente contra a prescrição quinquenal determinada pelo Tribunal a quo, pleiteando a reforma da decisão para que seja determinada a prescrição decenal, sendo certo que não houve menção, nas instância ordinárias, acerca da data em que se efetivaram os recolhimentos indevidos, mercê de a propositura da ação ter ocorrido em 27.11.2002, razão pela qual forçoso concluir que os recolhimentos indevidos ocorreram antes do advento da LC 118/2005, por isso que a tese aplicável é a que considera os 5 anos de decadência da homologação para a constituição do crédito tributário acrescidos de mais 5 anos referentes à prescrição da ação.

8. Impende salientar que, conquanto as instâncias ordinárias não tenham mencionado expressamente as datas em que ocorreram os pagamentos indevidos, é certo que os mesmos foram efetuados sob a égide da LC 70/91, uma vez que a Lei 9.430/96, vigente a partir de 31.03.1997, revogou a isenção concedida pelo art. 6º, II, da referida lei complementar às sociedadescivisdeprestaçãodeserviços,tornandolegítimoopagamentodaCofins.

9. Recurso especial provido, nos termos da fundamentação expendida.Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.”

(REsp 1002932/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 25.11.2009, DJe 18.12.2009)

Dessarte, em face da posição consolidada no Superior Tribunal de Justiça, no âmbito da sistemática dos recursos repetitivos (ex vi do art. 543-CdoCPC),ajusto-meàposiçãodoaludidoEgrégio,afimdecon-signar que, em se tratando de pagamentos efetuados após 09.06.2005, o prazo de prescrição conta-se da data do pagamento indevido; ao passo que, em se tratando de recolhimentos feitos antes de 09.06.2005, a pres-crição segue a sistemática adotada antes da vigência da LC n° 118/2005, limitada, porém, ao prazo máximo de cinco anos a contar da vigência da lei nova.

Assim sendo, considerando que a demandante foi aposentada por invalidez em 14 de fevereiro de 2005, não há que se falar em prescrição.

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Repetição do indébito

A modalidade de restituição dos valores indevidamente recolhidos tem assento no art. 165 do CTN, que assegura ao contribuinte o direito à devolução total ou parcial do tributo.

Éinfundadoopleitoderetificaçãodadeclaraçãodeajustedoimpostode renda, visto que se procede à execução por liquidação de sentença e à restituição mediante precatório ou requisição de pequeno valor, facultada a possibilidade de escolha pela compensação, a critério do contribuinte. Aliás,adeclaraçãoretificadora,seapresentadaàReceitaFederal,pro-vavelmentenãoseprestariaparaofimcolimado,porquantoosvalorescorrigidos serão discrepantes dos informados pelo agente responsável por reter o imposto de renda, ocasionando o retardamento da devolução nosmeandrosdoprocessoadministrativofiscal.

Considerando que, nesse momento processual, o provimento juris-dicional limita-se a reconhecer o direito à restituição dos valores pagos indevidamente ou a maior, é desnecessária a juntada das declarações deajusteanualdoimpostoderenda,poisasentençanãoquantificouosvalores correspondentes ao direito reconhecido. Evidentemente que esses documentos não consistem em prova do fato constitutivo do direito do autor, bastando a demonstração da incidência indevida do tributo sobre as verbas indenizatórias. Não compete ao contribuinte comprovar que o imposto foi efetivamente recolhido pela fonte pagadora, até porque a Receita Federal tem acesso não só às declarações de rendimentos de pessoas físicas, mas também às declarações de imposto retido na fonte prestadas pelas entidades pagadoras.

Da mesma forma, mostra-se inútil e irrelevante à Fazenda demonstrar, na fase de conhecimento, a eventual compensação ou restituição efetivada na via administrativa, uma vez que a apuração do quantum debeatur acon-tecerá quando houver a execução do julgado. A prova de fato extintivo, modificativoouimpeditivododireitodeclaradopelasentençadeveserfeita após a liquidação, ocasião em que serão confrontados os cálculos apresentados pelo credor.

Casoseconfigureexcessodeexecução,decorrentedacompensaçãoourestituição dos valores relativos ao título judicial, admite-se a invocação de tal matéria pela União, com fulcro no art. 741, VI, do CPC, uma vez

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que se trata de questão típica de embargos à execução. Cabe à executada, todavia, demonstrar pormenorizadamente os erros ou o excesso constata-dos na conta exequenda, visto que a Fazenda, a partir dos dados obtidos nas declarações de rendimentos do contribuinte e de imposto retido na fonte,podeverificaroimpostoretidonafonteedeclarado,bemcomosaber se tal valor já foi devolvido administrativamente.

Não se caracteriza a preclusão, pelo fato de não ter sido provada a compensação ou a restituição no processo de conhecimento, porque, como já explicitado, a sentença proferida foi ilíquida.

Nesse sentido, colho os seguintes precedentes do STJ:“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. VERBAS

INDENIZATÓRIAS. FÉRIAS INDENIZADAS E LICENÇA-PRÊMIO. RESTITUIÇÃO VIA PRECATÓRIO. AJUSTE ANUAL DO TRIBUTO. DESNECESSIDADE DE COM-PROVAÇÃO PARA FINS DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PRECEDENTES.

1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento, por reconhecer a incidência do imposto de renda sobre o 13º salário.

2. O art. 333, I e II, do CPC dispõe que compete ao autor fazer prova constitutiva de seudireitoeaoréu,aprovadosfatosimpeditivos,modificativosouextintivosdodireitodoautor. In casu,osautoresfizeramprovadofatoconstitutivodeseudireito–acomprovaçãoda retenção indevida de imposto de renda sobre abono-assiduidade, férias e licença-prêmio, não gozadas em função da necessidade do serviço, os quais constituem verbas indeniza-tórias,conformejáestápacificadonoseiodestaCasaJulgadora(Súmulasacimacitadas).

3.Ajuntadadasdeclaraçõesdeajuste,parafinsdeverificaçãodeeventualcompensação,não estabelece fato constitutivo do direito do autor, ao contrário, perfazem fato extintivo do seu direito, cuja comprovação é única e exclusivamente da parte ré (Fazenda Nacional). Ocorrendo a incidência, na fonte, de retenção indevida do adicional de imposto de renda, não há necessidade de se comprovar que o responsável tributário recolheu a respectiva importância aos cofres públicos.

4. Não se pode afastar a pretensão da restituição via precatório, visto que o contribuinte poderá escolher a forma mais conveniente para pleitear a execução da decisão condenatória, por meio de compensação ou restituição via precatório. Precedentes desta Corte.

5. ‘Tributário. Repetição de Indébito. Imposto de Renda Retido na Fonte. Férias não gozadas. Natureza indenizatória. Não incidência. Desnecessidade de comprovação pelo contribuinte de que não houve compensação dos valores indevidamente retidos na decla-ração anual de ajuste. Orientação sedimentada em ambas as Turmas da 1ª Seção’ (REsp nº 733104/SC, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 09.05.2005).

6. ‘Tratando-se de ação de repetição de indébito, a restituição deve ser feita pela regra geral,observadooart.100daCF/88,descabendoaoTribunalmodificaropedido,deter-minandoaretificaçãodadeclaraçãoanualdeajuste’(REspnº801218/SC,2ªTurma,Rel.Min. Eliana Calmon, DJ de 22.03.2006).

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7. Agravo regimental provido, para dar parcial provimento ao recurso especial.” (AgRg no Ag 758453/PR, Relator(a) Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 03.08.2006, p. 214)

Consigno,porfim,quedeveserobservadaaatualizaçãomonetáriadas importâncias descontadas na fonte a título de imposto de renda, consoanteosíndicesfixadosnestejulgado,desdeadatadecadareten-ção. Entendimento em sentido contrário acarretaria enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento da outra, rechaçado pela Súmula nº 162 do STJ.

Correção monetária e juros de mora

A correção monetária deve incidir sobre os valores pagos de maneira indevida e objeto de compensação/restituição, a partir da data do paga-mento, não se aplicando, neste aspecto, a Lei nº 6.899/81. Isso porque a atualização monetária nada mais é que instrumento de manutenção do valor da moeda no tempo, nada acrescentando ao valor original do crédito. Entender o contrário implicaria enriquecimento sem causa de uma das partes em detrimento da outra. Nesse sentido, o Colendo STJ editouaSúmulanº162,que,emboraserefiraàrepetiçãodeindébitotributário, também é aplicável à compensação.

É cabível a utilização, entre janeiro de 1992 e dezembro de 1995, davariaçãodaUfir,conformeaLeinº8.383/91(TRF4ªRegião,AC95.04.46669-9/SC, Rel. Juiz Jardim de Camargo, 2ª Turma – DJU 28.11.96).

Em virtude da regra do artigo 39, § 4º, da Lei 9.250/95, a partir de 1º de janeiro de 1996 deve ser computada sobre o crédito do contribuinte apenas a taxa Selic, excluindo-se qualquer índice de correção monetária ou juros de mora, pois a referida taxa já os inclui. Por não se tratar das matérias enumeradas no art. 146, III, da Constituição, reservadas à lei complementar, o art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95 revogou o art. 167, pa-rágrafoúnico,doCTN,passandoafluirsomenteaSelicsobreosvaloresa serem restituídos ou compensados.

Honorários advocatícios

Em face da inversão da decisão, condeno a União no reembolso das custas processuais e no pagamento dos honorários advocatícios, arbi-

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trados em 10% sobre o valor da condenação, ex vi do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC.

Prequestionamento

Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas emgraurecursal,assimcomoaanálisedalegislaçãoaplicável,ésufi-ciente para prequestionar junto às instâncias superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos dedeclaraçãotãosomenteparaessefim,oqueevidenciariafinalidadeprocrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 538 do CPC).

Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento à apelação.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5012825-93.2011.404.7100/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti

Apelantes: Berto Romeu LopesHorácio Peres Gonçalves

João de OliveiraJosé Carlos Almeida

José Luiz Vargas da SilvaLeondino Gertur Ludwig

Luiz Fernando Paz MachadoOrvandil Amaral de FreitasOtolbides de Leon Ferreira

Advogado: Dr. Rony Pilar CavalliApelada: União – Fazenda Nacional

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EMENTA

Membros das Forças Armadas. Contribuição previdenciária. Servi-dores públicos. Categorias e contribuições distintas.

Os membros das Forças Armadas constituem categoria funcional to-talmente distinta da categoria dos servidores públicos, conforme enfatiza o § 3º do art. 142 da Constituição, com a redação da Emenda Constitu-cional nº 18, de 1998, e há muito e até hoje contribuem, em termos de seguro social, apenas para o custeio da pensão por morte, na forma da legislação própria, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988enãofoimodificadaporemendasconstitucionaisposteriores,sendopor isso descabido conferir-lhes tratamento idêntico ao reconhecido aos servidores públicos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relató-rio,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresente julgado.

Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2012.Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Trata-se de apelação de Berto Romeu Lopes e outros, acima nomeados, contra sentença que, pronunciando a prescrição de parte da pretensão, julgou improcedente ação ordinária por eles ajuizada contra a União, postulando a exclusão da incidência de contribuição previdenciária sobre os proventos que percebem como militares inativos, bem como a restituição dos valores referentes às contribuições previdenciárias recolhidas desde 05.10.1988 até a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 41/2003. Alternati-vamente, requereram que a contribuição previdenciária incidisse apenas sobre os valores excedentes do teto do regime geral de previdência social, com a condenação da ré à restituição dos valores recolhidos a mais.

Em suas razões recursais, os apelantes repisam os argumentos expos-

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tos na inicial, sustentando a não recepção da Lei nº 3.765, de 1960, e a inconstitucionalidade da Lei nº 8.237, de 1991, e da MP 2.215-10/01, no que se refere à contribuição para a pensão dos militares inativos.

Com contrarrazões da União, vieram os autos a este Tribunal.É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: O que pretendem os apelantes, todos membros da reserva remunerada das Forças Armadas, é ver reconhecido que desde a promulgação da Constituição de 1988 até a publicação da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, não era por eles devida contribuição previdenciária e que a partir dessa Emenda Constitucional devem ter tratamento idêntico ao conferido aos servidores públicos aposentados, consistente emficarem imunes à contribuiçãoprevidenciária até o montante do teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Ocorre que os membros das Forças Armadas (também denominados militares pelo § 3º do art. 142 da Constituição Federal) sempre tiveram regimefuncionaleprevidenciárioespecífico,totalmentediversodaqueledos servidores públicos (Constituição Federal, art. 42, redação original; art. 142, X, acrescentado pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

Na verdade, do ponto de vista do seguro social, os membros das Forças Armadas há décadas contribuem apenas para o custeio da pensão por morte, nos termos da Lei nº 3.765, de 1960. “No mais – passagem para a reserva remunerada, reforma, licenças, equivalentes às ‘aposentado-rias’ e ‘auxílios’ –”, como bem observou Oliveira, “a outorga é direta e não contributiva, por parte do Tesouro Nacional” (OLIVEIRA, Moacyr Velloso Cardoso de. Previdência Social: doutrina e exposição da legis-lação vigente. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1987. p. 419, n. 1.897).

Há explicação para os membros das Forças Armadas não contribuírem para o custeio da sua inatividade remunerada ainda hoje: passam inicial-mente à reserva remunerada,ficandoàdisposiçãodapátriaparaseremeventualmente chamados à ativa, e, mais à frente, quando totalmente incapacitados para o serviço militar, são reformados.

Ora, como mesmo hoje os militares (membros das Forças Armadas) não contribuem para o benefício maior, que é o da inatividade remune-

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rada, com a manutenção dos ganhos da atividade – diferentemente dos servidores públicos,queaessacontribuiçãoestãosujeitos,ficandoimu-nes parcialmente após aposentados (até o montante que não ultrapassa o teto do Regime Geral da Previdência Social, no que se aproximam dos trabalhadores do Regime Geral de Previdência Social, os quais com a aposentadoria deixam de contribuir, mas em compensação não ganham além do teto) –, é certo que não se lhes pode estender o tratamento devido aos servidores públicos ou aos demais trabalhadores.

Em conclusão, a Constituição de 1988, ao ser promulgada, não alterou, com seu artigo 42 (redação original), o regime contributivo dos membros das Forças Armadas, na forma da legislação então vigente (Lei nº 3.765, de1960),limitadoàpensãopormorte,ficandoosdemaisbenefíciossemcontribuição, por falta de previsão legal. A Emenda Constitucional nº 41, de 2003, a seu turno, tampouco alterou esse regime, porque se restringiu aos servidores públicos (art. 4º).

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Após análise do processo, nada a acrescentar ao bem lançado voto do e. relator, o qual acompanho, na íntegra.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso.

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ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0004601-17.2011.404.0000/PR

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Interessado: Inaldo Mares da CostaAdvogados: Drs. Luiz Leandro Gaspar Dias e outros

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Procurador: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Suscitante: 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Art. 649 do CPC. Art. 186 do CTN. Direito à saúde. Art. 6º, caput, da CF. Princípio da proporcionalidade em sentido estrito. Não conhecimento.

1.Incidenteemqueverificadaacolisãodeduasnormas-princípio:odireito à saúde em contraposição à indisponibilidade do crédito tributário.

2.Oconflitoentreprincípiosconstitucionaisnãoseresolve,necessa-riamente, no âmbito da inconstitucionalidade, mas, sim, pela aplicação do princípio da proporcionalidade, e, no caso, especialmente, pela pro-porcionalidade em sentido estrito.

3. Haverá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostrar como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores com o mínimo de respeito de outros, que a eles se contraponham, observando-se, ainda, que não haja violação do “mínimo” em que todos devem ser respeitados. Doutrina citada.

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4.Oconflito estabelecidoentreoprincípiododireito à saúdeemcontraposição ao da indisponibilidade do crédito público resolve-se me-diante a aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, pela ponderação das normas envolvidas, de modo que cabe à 2ª Turma deste Tribunal fazer a devida adequação de qual princípio ou direito fundamental deva preponderar no caso concreto.

5. Arguição de inconstitucionalidade não conhecida.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, não conhecer da arguição de inconstitucionalida-de, vencido o Des. Victor Laus, que conhecia em parte, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Inaldo Mares da Costa interpôs agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, em face de decisão singular que indeferiu a liberação dos valores constritos, via BacenJud, in verbis(fl.102):

“O executado foi intimado para comprovar que o valor bloqueado (BacenJud) destina--seaopagamentodasdespesascomotratamentodasuasaúde(fl.74).Juntouofício(fl.81) do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos do Estado do Paraná concedendo-lhe o prazo de trinta dias para regularizar o débito no valor de R$13.400,00, sob pena de cancelamento de seu plano de assistência médica. Em que pesem os argumentos do executado,ocréditotributárioprefereaoscréditoscontratuais.Sendoassim,indefiro,porora, a liberação dos valores bloqueados. Abra-se vista à exequente para manifestação, no prazodedezdias,sobreaspetiçõeseosdocumentosjuntadospeloexecutado(fls.39-71e77-83). Com a manifestação da União, voltem conclusos.”

Sustenta o agravante, em suas razões, a impenhorabilidade dos valo-res bloqueados. Argumenta que o referido valor foi obtido por meio de empréstimo consignado de sua aposentadoria para quitar débitos refe-rentes ao seu plano de saúde que estava na iminência de interrupção por

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falta de pagamento. Aduz ser portador de grave moléstia, que necessita de cuidados médicos constantes. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela recursal.

Verificadas a presençadaverossimilhançada alegação (impenho-rabilidade da verba conscrita via BacenJud) e do periculum in mora (débil situação de saúde do agravante), o pedido de efeito suspensivo foideferidoporesteRelator(fls.108-109).

ApresentadascontrarrazõespelaFazendaNacional(fls.113-114).Por ocasião do julgamento deste agravo de instrumento, a 2ª Turma

deste Tribunal, por unanimidade, decidiu arguir a inconstitucionalidade do art. 649 do CPC e do art. 186 do CTN, mantendo o efeito suspensivo concedido à decisão agravada, tendo em vista a gravidade da situação da parte agravante, nos termos do voto de relatoria do Juiz Federal Artur CésardeSouza(fls.115-117),consoanteementaabaixotranscrita(D.E.27.06.11):

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTS. 649 DO CPC E 186 DO CTN. APARENTE CONFLITO ENTRE O DIREI-TO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO EXECUTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO DO FISCO DE VER ADIMPLIDO O SEU CRÉDITO.

1.Odireitoàsaúdeédireitofundamental,comeficáciaeaplicabilidadeimediata,nostermos do parágrafo 1º do art. 5º da Constituição Federal.

2. O direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fundamental, por este ser urgente e intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximado de vinte mil reais, a sua realização não pode se dar de forma a violar o direito fundamental à saúde do executado, porquanto a interrupção do tratamento do agravante, por meio da penhora do valor obtido por este para pagamento da sua assistência médica, não se apresenta razoável.”

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opina pela declaração deinconstitucionalidadedoart.186doCTN(fls.122-123).

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de In-cidente de Arguição de Inconstitucionalidade do art. 649 do Código de Processo Civil (que não prevê que valores provenientes de empréstimo sejam absolutamente impenhoráveis) e do art. 186 do Código Tributário Nacional (que estabelece a preferência do crédito tributário, exceto os decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho), por R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 391-494, 2012 395

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suposta violação ao direito fundamental à saúde.

Dispositivos atacados

Art. 649 do Código de Processo Civil“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:I – os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do

executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns corres-pondentes a um médio padrão de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

III – os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proven-tos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhadorautônomoeoshonoráriosdeprofissionalliberal,observadoodispostono§3ºdeste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

V – os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bensmóveisnecessáriosouúteisaoexercíciodequalquerprofissão;(RedaçãodadapelaLei nº 11.382, de 2006).

VI – o seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).VII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penho-

radas; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).VIII–apequenapropriedaderural,assimdefinidaemlei,desdequetrabalhadapela

família; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).IX – os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória

em educação, saúde ou assistência social; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).X – até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta

de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).XI – os recursos públicos do fundo partidário recebidos nos termos da lei, por partido

político. (Incluído pela Lei nº 11.694, de 2008)§ 1º A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aqui-

sição do próprio bem. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).§ 2º O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para

pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).§ 3º (VETADO). (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”

Art. 186 do Código Tributário Nacional“Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou

o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (Redação dada pela LCP nº 118, de 2005)”

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Acórdão no qual suscitado o incidente de inconstitucionalidade

O então Relator (Juiz Federal Artur César de Souza) que me substituiu na 2ª Turma assim fundamentou no seu voto o incidente:

“Ao analisar o pedido de efeito suspensivo, assim decidiu o Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, que me antecedeu no feito:

‘(...) Razão assiste ao agravante.De fato, como assinalado pelo magistrado a quo, o crédito tributário prefere aos créditos

contratuais, contudo, no presente caso vislumbro a colisão do direito fundamental à saúde do executado em relação ao direito do Fisco de ver adimplido o seu crédito.

Odireitoàsaúdeédireitofundamental,comeficáciaeaplicabilidadeimediata,nostermos do parágrafo 1º do art. 5º da Constituição Federal. Esse direito pertence a todos, sendo dever do Estado assegurá-lo aos seus necessitados, razão pela qual deve garanti-lo sob qualquer condição. No caso, deve a Jurisdição assegurar a sua efetiva tutela.

Nesse sentido, o direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fundamental, por este ser urgente e intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximado de vinte mil reais, a sua realização não pode se dar de forma a violar o direito fundamental à saúde do executado. A interrupção do tratamento do agravante, por meio da penhora do valor obtido por este para pagamento da sua assistência médica, não se apresenta razoável.

Compulsandoosautos,verificoqueoagravantejuntoudeclaraçãodoseumédico(fl.98), que atesta a necessidade de cuidados permanentes da sua saúde, além do comunicado feitopeloSindicato(fl.99),doqualéassociado,sobrearegularizaçãopendentedadívidade R$ 13.400,00, sob pena de o plano de assistência médica ser cancelado. Tais documentos dão concretude às alegações trazidas pelo recorrente a este Juízo.

Há, ademais, farta documentação dando conta de que o agravante foi acometido de moléstia gravíssima – câncer – que exigiu complicada intervenção cirúrgica, permanecendo ‘com colostomia’, que consiste em um procedimento cirúrgico em que se faz uma abertura no abdome (estoma) para a drenagem fecal (fezes) provenientes do intestino grosso (cólon). É feito geralmente após a ressecação intestinal.

Inclusive, atualmente, conforme também demonstrado, o agravante está aposentado por invalidez.

Porfim,deveserobservadoqueomútuofoifeitosobamodalidadedeadesão,comautorização em débito sobre o benefício pago pelo INSS, cuja natureza, a toda evidência, ésalarial,conformedocumentodefl.64.Presenteaverossimilhança,verificoaimpenho-rabilidade da verba constrita, via BacenJud. O periculum in mora, por sua vez, também ressalta evidente, em face da débil situação de saúde do agravante.

Ante o exposto, defiro o pedido de efeito suspensivo.’Estou acompanhando o entendimento manifestado pelo Des. Otávio Pamplona, no

sentido de conferir prevalência à verba alimentar frente ao crédito tributário. Nada obstante meu entendimento pessoal, no sentido de que a saúde tem uma abrangência muito mais complexa do que a questão da verba alimentar o que, em linha de princípio, caracteriza

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meracolisãodeprincípiosenãoconflitoderegrasjurídicas,vislumbrosemelhançadestecaso com o julgamento proferido pela Corte Especial deste TRF (em que se discutia o privilégiodocréditofiscalemdetrimentodevaloresoriundosdeexecuçãodealimentos),sendo acolhido o incidente de inconstitucionalidade parcial do art. 186 do CTN por ofensa aos arts. 5º, caput, 227 e 229 da CF/88, verbis:

‘TRIBUTÁRIO. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE ACOLHIDA. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL DO ARTIGO 186 DO CTN. 1. O dispositivo em comento fere a Constituição Federal, ainda que de forma parcial, já que atenta contra o princípio de proteção prioritária assegurado à criança e ao adolescente (art. 227 CF); contra o dever de assistência imposto pelo artigo 229 da CF; bem como consagra, em situações como a dos autos, tratamento anti-isonômico, conferindo maior proteção aos empregadosqueaosfilhosdoindivíduo.2.Incidentedearguiçãodeinconstitucionalidadeacolhido.’ (TRF4, ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2009.04.00.033108-1, Corte Especial, Desa. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, POR MAIO-RIA, D.E. 15.09.2010)

Na espécie, penso que a presente decisão termina por afastar, ao menos de forma parcial, o art. 186 do CTN (que diz que o crédito tributário prefere a qualquer outro, a não ser àqueles decorrentes da legislação do trabalho ou de acidente do trabalho) e o art. 649 do CPC (que não prevê que valores provenientes de empréstimo, que é o caso, sejam absolutamente impenhoráveis).

Ante o exposto, voto por arguir a inconstitucionalidade dos dispositivos dos arts. 649 do CPC e do art. 186 do CTN, mantendo, pela urgência e gravidade, o efeito suspensivo concedido à decisão agravada.”

E a ementa do acórdão foi prolatada nos seguintes termos:“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

DOS ARTS. 649 DO CPC E 186 DO CTN. APARENTE CONFLITO ENTRE O DIREI-TO FUNDAMENTAL À SAÚDE DO EXECUTADO EM RELAÇÃO AO DIREITO DO FISCO DE VER ADIMPLIDO O SEU CRÉDITO.

1.Odireitoàsaúdeédireitofundamental,comeficáciaeaplicabilidadeimediata,nostermos do parágrafo 1º do art. 5º da Constituição Federal.

2. O direito de crédito deve ceder seu lugar ao direito fundamental, por este ser urgente e intangível. Em que pese a União seja titular de um crédito no valor aproximado de vinte mil reais, a sua realização não pode se dar de forma a violar o direito fundamental à saúde do executado, porquanto a interrupção do tratamento do agravante, por meio da penhora do valor obtido por este para pagamento da sua assistência médica, não se apresenta razoável.”

Caso concreto

No caso em apreço, o agravante teve penhorados os valores deposita-dos em sua conta-corrente, por meio de penhora on line via BacenJud, em

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processodeexecuçãofiscalmovidopelaFazendaNacional.Entretanto,conforme comprovado nos autos, tratava-se de valores decorrentes de um empréstimo consignado obtido para quitação de uma dívida junto ao seu plano de saúde, pois, em decorrência de seu estado de saúde, ele nãopoderiaficarsemassistênciamédica.

O Juiz Federal Artur César de Souza, relator do processo, arguiu o incidente sob o entendimento de que a prevalência dos créditos tributá-rios à verba alimentar (previsão do art. 186 do CTN) viola o princípio constitucional do direito à saúde, devendo o referido artigo ser afastado, ao menos de forma parcial.

Normas em conflito

Nopresenteincidente,verifica-seacolisãodeduasnormas-princípio:o direito à saúde em contraposição à indisponibilidade do crédito tribu-tário.

O direito à saúde é um direito social, previsto no art. 6º, caput, da CF.Os direitos sociais localizam-se no Capítulo II do Título II da CF/88.

O Título II da nossa Constituição Federal elenca os direitos e as garan-tias fundamentais. Assim, se os direitos sociais encontram-se insertos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e das garantias fundamentais, conclui-se que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e possuem os mesmos atributos e garantias desses direitos.

Desse modo, é inegável que o tratamento constitucional aos direitos sociais possui assento no Título II, entre os direitos fundamentais. Assim, épossívelafirmarqueodiretoàsaúdeéumdireitofundamentalsocial,visto que é possuidor de todas as características inerentes a estes direitos, haja vista o art. 5º, § 1º, da CF/88, que insere a saúde no rol dos direitos fundamentais explicitamente.

O direito à saúde é amplo e está presente em diversos artigos de nossa Carta Constitucional de 1988, a saber: arts. 5º, 6º, 7º, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230. O conceito de saúde é, também, uma questão de o cidadão ter direito a uma vida saudável, levando à construção de uma qualidade de vida, que deve objetivar a democracia, a igualdade, o respeito ecológico e o desenvolvimento tecnológico, tudo isso procurando

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livrar o homem de seus males e proporcionando-lhe benefícios.Por outro lado, o princípio da indisponibilidade do crédito tributário

decorre do próprio Estado Democrático de Direito, sendo um princípio derivado da indisponibilidade do interesse público, princípio basilar do Direito Público.

A Constituição Federal de 1988 elegeu como fundamentos principais da República Federativa do Brasil a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, prevendo como objetivos a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com promoção do bem-estar de todos, sem quaisquer formas de discriminação.

Todavia, para a realização desses mandamentos constitucionais, a AdministraçãoPúblicanecessitaderecursosfinanceiros,osquaissãoadquiridos compulsoriamente junto aos cidadãos que formam a socie-dade brasileira.

Ressalte-se, ainda, que a cobrança do crédito público deve obrigato-riamente ser realizada com observância dos princípios constitucionais da Igualdade,Legalidade, Impessoalidade,Moralidade,Eficiência eIndisponibilidade do Interesse Público.

Nessesentido,aindisponibilidadedosinteressespúblicossignificaque, sendo interesses próprios da coletividade, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, nem da própria Administração Pública ou de seus agentes públicos. O administrador não pode dispor livremente do interesse público, pois não representa seus próprios interesses quando atua, devendo agir de acordo com os limites impostos pela lei. O Admi-nistrador é mero gestor da coisa pública, não tem disponibilidade sobre osinteressesconfiadosàsuaguardaerealização.

Resolução do incidente: princípio da proporcionalidade

Apresentadas essas premissas, tem-se, em verdade, colisão de prin-cípios, de um lado o direito à saúde e de outro a indisponibilidade do crédito público.

Ocorrequeoconflitoentreprincípiosnãoseresolvenoâmbitodainconstitucionalidade, mas, sim, pela aplicação do princípio da propor-cionalidade.

O princípio da proporcionalidade, por ter fundamento constitucional, é um princípio que se aplica a todo e qualquer ramo do Direito, como

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métododeresoluçãodeconflitoentreosprincípiosjurídicos,emespecialos de índole constitucional.

Jairo Gilberto Schäfer, em obra que trata dos direitos fundamentais, sua proteção e suas restrições, ensina que, segundo o cânone da propor-cionalidade, sempre que haja restrições que confrontem com os direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos, o intérprete deve atuar segundo o princípio da justa medida, é dizer, deve escolher, entre as medidasnecessáriasparaatingirosfinslegais,aquelasqueimpliquemno mínimo sacrifício sobre os direitos dos homens. Segundo o autor, as limitações que afetem direitos e interesses dos cidadãos só devem ir até onde sejam verdadeiramente necessárias para assegurar o interesse público, não se devendo utilizar medidas mais restritivas quando outras, menosonerosas,seapresentaremsuficientesparaatingirafinalidadedalei. Em sua acepção ampla, portanto, prossegue o estudioso, o princípio daproporcionalidadequersignificaraproibiçãodoexcesso,asseverandoque:

“Restrições a direitos somente podem ser efetuadas em havendo estrita necessidade para a preservação de outras posições constitucionalmente protegidas. O Poder Público deve agir estritamentenabuscadointeressepúblico.Afinalidade,enãoavontade,équepresideaação da autoridade pública.” (SCHÄFER, Jairo Gilberto. Direitos Fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. p. 106-107)

Robert Alexy vê o princípio da proporcionalidade, ao qual ele deno-mina de máxima da proporcionalidade, como um método de resolução entreconflitosdosprincípiosconstitucionais.Ensinaodoutrinadorqueos princípios são mandados de otimização com respeito às possibilidades jurídicas fáticas. A máxima da proporcionalidade em sentido estrito, isto é, o mandado de ponderação, segue-se da relativização com respeito às possibilidades fáticas. Se uma norma de direito fundamental com ca-ráterdeprincípioentraemcolisãocomumprincípiooposto,significadizer que a possibilidade de realização da norma de direito fundamental depende do princípio contraposto. Para se resolver o problema, é de ri-gor o recurso à máxima da ponderação (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentais. Traduzido por Ernesto Garzón Valdes. Madrid: Centro de Estudos Constitucionais, 1993. p.112)

O princípio da proporcionalidade, como concebido modernamente, desdobra-se (ou compõe-se), segundo a voz uníssona dos doutrinadores,

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em três elementos ou subprincípios, a saber: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

De acordo com o subprincípio da adequação, a medida utilizada para arealizaçãodeumafinalidadepúblicadeveserapropriadaparaaconse-cuçãodofim(oufins)aelasubjacente,pressupondo,comoconsequência,averificaçãodequeoatodopoderpúblicoéaptoconformeosfinsquejustificaramsuaadoção.

Sob o prisma do subprincípio da necessidade, a medida utilizada pelo poder público não pode exceder os limites indispensáveis à conservação dofimlegítimoquesealmeja,ou,emoutraspalavras,umamedidaparaser admissível deve ser necessária. Está ínsita a ideia de que o atuar do Estado deve invadir o mínimo possível a esfera de liberdade do indivíduo.

Porfim,aproporcionalidadeemsentidoestritoconfunde-secomatécnica de ponderação ou lei da ponderação.

AduzGomesCanotilhoque,apósseverificaranecessidadeeaade-quaçãodomeioparaoatendimentodofimcolimado,deve-se,então,perguntar se o resultado obtido o foi de maneira proporcional à carga coativamesma.Nessa perspectiva, “meios e fins são colocados emequaçãomedianteumjuízodeponderação,afimdeseavaliarseomeioutilizadoéounãodesproporcionadoemrelaçãoaofim”,tratando-se,pois, de “uma questão de medida ou desmedida para se alcançar um fim:pesarasdesvantagensdosmeiosemrelaçãoàsvantagensdofim”(CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1996. p. 383-384).

Ensina Robert Alexy que, de acordo com a lei de ponderação, a me-dida permitida de não satisfação ou de afetação de um dos princípios depende do grau de importância da satisfação do princípio contraposto. Enadefiniçãodoconceitodeprincípios,comcláusularelativaàspos-sibilidades jurídicas, aquele que é ordenado pelo respectivo princípio foi posto em relação com aquele que é ordenado pelo princípio oposto. A lei de ponderação, ou proporcionalidade em sentido estrito, é que dirá em que consiste essa relação. Põe-se, assim, de forma clara, que o peso dos princípios não é determinado em si mesmo ou absolutamente, podendo-se falar apenas em pesos relativos (ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. p. 161).

Assim, na elucidativa síntese de Willis Santiago Guerra Filho, have-

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rá respeito à proporcionalidade em sentido estrito quando o meio a ser empregado se mostrar como o mais vantajoso, no sentido da promoção de certos valores com o mínimo de respeito de outros, que a eles se contraponham, observando-se, ainda, que não haja violação do “mí-nimo” em que todos devem ser respeitados (GUERRA FILHO, Willis Santiago. Princípio da proporcionalidade e teoria do direito. In: GRAU, Eros Roberto; GUERRA FILHO, Willis Santiago (coord.). Direito Constitucional: estudos em homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 270-271).

Conclusão

Destarte,comooconflitoentreprincípiosconstitucionaisnãosere-solve no âmbito da inconstitucionalidade, mas, sim, pela aplicação do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, pela pondera-ção das normas envolvidas, cabe à 2ª Turma deste Tribunal fazer a devida adequação de qual princípio ou direito fundamental deva preponderar nocasoconcreto,poisnãoverifico,nasdisposiçõesconstantesdosarts.649 do CPC e 186 do CTN, qualquer inconstitucionalidade.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer da arguição de inconstitucio-nalidade, nos termos da fundamentação retro.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0036865-24.2010.404.0000/SC

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

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Interessada: Francisfer Ltda. EPPAdvogado: Dr. Emerson de Morais Granado

Suscitante: 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoInteressada: União Federal

Procurador: Procuradoria Regional da UniãoInteressado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis – IbamaProcurador: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Emenda constitucional 62, de 2002. Artigo 100, §§ 9º e 10, da CF/88. Precatório. Compensação de ofício. Inconstitucionalidade. Reconhecimento.

1. Os créditos consubstanciados em precatório judicial são créditos que resultam de decisões judiciais transitadas em julgado. Portanto, sujeitos à preclusão máxima. A coisa julgada está revestida de imutabilidade. É decorrência do princípio da segurança jurídica. Não está sujeita, portanto, amodificações.

Diversamente, o crédito que a norma impugnada admite compensar resulta, como regra, de decisão administrativa, já que a fazenda tem o poder de constituir o seu crédito e expedir o respectivo título executivo extrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeito ao controle jurisdicional.Istoé,nãoédefinitivoeimutável,diversamentedoqueocorre com o crédito decorrente de condenação judicial transitada em julgado. Ou seja, a norma impugnada permite a compensação de créditos que têm natureza completamente distintas. Daí a ofensa ao instituto da coisa julgada.

2.Aforaisso,instituiverdadeiraexecuçãofiscaladministrativa,semdireito a embargos, já que, como é evidente, não caberá nos próprios autos do precatório a discussão da natureza do crédito oposto pela fazenda, que,comoéóbvio,nãoédefinitivoepodesercontestadojudicialmente.Há aí, sem dúvida, ofensa ao princípio do devido processo legal.

3. Ao determinar ao Judiciário que compense crédito de natureza ad-ministrativa com crédito de natureza jurisdicional, sem o devido processo legal, usurpa a competência do Poder Judiciário, resultando daí ofensa ao princípio federativo da separação dos poderes, conforme assinalado,

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em caso similar, pelo STF na ADI 3453, que pontuou: “o princípio da separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional, querestringeovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisoudasatisfaçãoaelas devidas na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico”.

4. Ainda, dispondo a Fazenda do poder de constituir administrativa-mente o seu título executivo, tendo em seu favor inúmeros privilégios materiais e processuais garantidos por lei ao seu crédito (ressalvados os trabalhistas, preferência em relação a outros débitos; processo de execu-çãoespecífico;medidacautelarfiscal;arrolamentodebens,entreoutros),ofende o princípio da razoabilidade/proporcionalidade a compensação imposta nos dispositivos impugnados.

5. Em conclusão: os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, ofendem, a um só tempo, os seguintes dispositivos e princípios constitucionais: a) art. 2º da CF/88 (princípio federativo que garante a harmonia e a independência dos poderes); b) art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 (garantia da coisa julgada/segurança jurídica); c) art. 5º, inciso LV, da CF/88 (princípio do devido processo legal); d) princípio da razoabilidade/proporcionalidade.

6. Acolhido o incidente de arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, intro-duzidos pela EC n° 62, de 2009.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher o incidente de arguição de incons-titucionalidade para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, nos termos do relatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedo presente julgado.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: A Fazenda Na-

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cional interpôs agravo de instrumento, com pedido de efeito suspensivo, contra a decisão singular que declarou, incidentalmente, inconstitucionais os§§9ºe10doartigo100daCF/88,incluídospelaECnº62/2009(fls.08 e 09), a qual foi exarada nos seguintes termos:

“Trata-se de execução contra a Fazenda Pública movida por FRANCISFER LTDA. contraUNIÃO–FAZENDANACIONAL,pelovalortotaldeR$51.144,93(fl.224).

Os Embargos à Execução foram julgados procedentes e, por isso, foi determinada ex-pedição de precatório pelo valor incontroverso, descontados os valores devidos a título de honoráriosdesucumbêncianosembargos(fls.227-v,223e224).

Intimada a União, peticionou esta dizendo que o exequente possui um débito no valor deR$53.738,33comaFazendaNacional(fls.229-231),afimdecompensarosvalores,nostermos dos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição Federal, incluídos pela EC nº 62/2009.

2. FUNDAMENTAÇÃODizem os §§ 9º e 10 do art. 100 da CRFB/88:‘§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamenta-

ção, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública de-vedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os finsneleprevistos.’

Entendo serem esses parágrafos uma afronta à coisa julgada e ao princípio da pro-porcionalidade:sãodesnecessáriosparaatingirseusfins,vistoqueaFazendaPúblicajápossuimecanismossuficientesparaagarantiadeseuscréditos,alémdeserdesarrazoadoexigir do credor que prove a ela nada dever. Outrossim, passa-se por cima do princípio do due process of law ao condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial transitada em julgado, após trâmite de processo em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.

Esse mesmo entendimento já foi adotado, inclusive, pela Corte Especial do TRF da 4ª Região quando da análise da arguição de inconstitucionalidade do artigo 19 da Lei n° 11.033/2004:

‘ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004 – VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

1 – O art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamento de valores de precatório judicial ou a autorização para seu depósito em conta bancária à

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apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, padece de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 100 da Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.

2 – O art. 100 da Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório, estabelecendo (§ 1º) a obrigatoriedade da inclusão da verba necessária no orçamento das entidades de direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, ca-bendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, não restando espaço para que o legislador ordinário crie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise, acabam por violar a coisa julgada, cuja efetividade é protegida pelo art. 100 da Constituição.

3 – As restrições criadas pelo art. 19 da Lei nº 11.033/2004 violam o princípio da proporcionalidadeporquesãodesnecessáriasaoatingimentodeseusfins,umavezqueaFazendajádetémsuficientesinstrumentosdegarantiadeseuscréditos,entreosquaisacompensação,oarrestoeapenhora,oarrolamentodebenseamedidacautelarfiscal,alémde ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazenda que nada lhe deve, por meio de certidões que devem ser expedidas pela própria Fazenda.

4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial transitada em julgado, após o trâmite de proces-so em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.’ (TRF4, INAG 2005.04.01.017909-2, Corte Especial, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 12.04.2006)

O STF, na mesma linha de entendimento, julgou procedente a ADIn n° 3.453 e declarou inconstitucional o art. 19 da Lei n° 11.033/2004, que impunha condições para o levantamento de valores decorrentes de precatório devidos pela Fazenda Pública.

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS. ART. 19 DA LEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTA AOS ARTS. 5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19 da Lei n° 11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devido pela Fazenda Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação do direito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na norma fundamental da República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação do le-gislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. 4. O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem estatuído como dever da Fazenda Pública em face de obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela

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existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio da separação depoderese,aumsótempo,restringeovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisoudasa-tisfaçãoaelasdevida.6.OsrequisitosdefinidosparaasatisfaçãodosprecatóriossomentepodemserfixadospelaConstituição,asaber:arequisiçãodopagamentopeloPresidentedoTribunal que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento das entidades políticas, das verbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano; o pagamentoatualizadoatéofinaldoexercícioseguinteaodaapresentaçãodosprecatórios,observada a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantes e requisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional, ofende os princípios da garantia da jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100 eseusincisos,nãopodendosertidacomoválidaanormaque,aofixarnovosrequisitos,embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.’ (ADI 3453, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJ VOL-00200-01 PP-00070 RT v. 96, n° 861, 2007, p. 85-95 RDDT n° 140, 2007, p. 171-179 RDDP nº 50, 2007, p. 135-144)

Dessa forma, pelos mesmos fundamentos que nortearam a declaração de inconstitucio-nalidade do art. 19 da Lei 11.033/2004, entendo que os §§ 9º e 10 do art. 100 da CRFB/1988, incluídos pela EC n° 62/2009, são igualmente inconstitucionais, pois impõem condições para o levantamento de valores já reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

3. DISPOSITIVOAssim, pelas razões expostas acima, INDEFIRO a compensação na forma requerida.”

A União Federal alegou, em síntese, que os mencionados preceptivos constitucionais não padecem do vício de inconstitucionalidade, sendo, inclusive, antieconômico impor à máquina pública a necessidade de desenvolver esforço para cobrar devedores a quem se lhes impõe o pagamento de títulos executivos. Aduziu que a alteração constitucional, patrocinada pela EC 62/2009, objetivou o fortalecimento dos princípios daeficiênciaedaeconomicidade.

Por ocasião do julgamento deste agravo de instrumento, a 2ª Turma deste Tribunal, por unanimidade, decidiu suscitar o presente incidente de inconstitucionalidade,nostermosdovotodeminharelatoria(fls.19-30),consoante ementa abaixo transcrita (D.E. 21.03.11):

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMENDA CONSTITUCIONAL 62, DE 2009. ARTIGO 100, §§ 9º E 10, DA CF/88. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECONHECIMENTO. SUBMISSÃO DA ARGUIÇÃO

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À CORTE ESPECIAL.1. Os créditos consubstanciados em precatório judicial são créditos que resultam de

decisões judiciais transitadas em julgado. Portanto, sujeitos à preclusão máxima. A coisa julgada está revestida de imutabilidade. É decorrência do princípio da segurança jurídica. Nãoestásujeita,portanto,amodificações.

Diversamente, o crédito que a norma impugnada admite compensar resulta, como regra, de decisão administrativa, já que a fazenda tem o poder de constituir o seu crédito e expe-dir o respectivo título executivo extrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeito aocontrolejurisdicional.Istoé,nãoédefinitivoeimutável,diversamentedoqueocorrecom o crédito decorrente de condenação judicial transitada em julgada. Ou seja, a norma impugnada permite a compensação de créditos que têm natureza completamente distintas. Daí a ofensa ao instituto da coisa julgada.

2.Aforaisso,instituiverdadeiraexecuçãofiscaladministrativa,semdireitoaembargos,já que, como é evidente, não caberá nos próprios autos do precatório a discussão da natureza docréditoopostopelafazenda,que,comoéóbvio,nãoédefinitivoepodesercontestadojudicialmente. Há aí, sem dúvida, ofensa ao princípio do devido processo legal.

3. Ao determinar ao Judiciário que compense crédito de natureza administrativa com crédito de natureza jurisdicional, sem o devido processo legal, usurpa a competência do Poder Judiciário, resultando daí ofensa ao princípio federativo da separação dos poderes, conforme assinalado, em caso similar, pelo STF na ADI 3453, que pontuou: ‘o princípio da separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional, que restringe ovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisoudasatisfaçãoaelasdevidasnaformulaçãoconstitucional prevalecente no ordenamento jurídico’.

4. Ainda, dispondo a Fazenda do poder de constituir administrativamente o seu título executivo, tendo em seu favor inúmeros privilégios materiais e processuais garantidos por lei ao seu crédito (ressalvados os trabalhistas, preferência em relação a outros débitos; processodeexecuçãoespecífico;medidacautelarfiscal;arrolamentodebens,entreou-tros), ofende o princípio da razoabilidade/proporcionalidade a compensação imposta nos dispositivos impugnados.

5. Em conclusão: os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, ofendem, a um só tempo, os seguintes dispositivos e princípios constitucionais: a) art. 2º da CF/88 (princípio federativo que garante a harmonia e a independência dos poderes); b) art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 (garantia da coisa julgada/segurança jurídica); c) art. 5º, inciso LV, da CF/88 (princípio do devido processo legal); d) princípio da razoabilidade/proporcionalidade.

6. Acolhida a arguição de inconstitucionalidade para submetê-la, nos termos do art. 97 da CF, à Corte Especial deste Tribunal.”

A Fazenda Nacional opôs embargos declaratórios, os quais foram desprovidos(fls.38-40),consoanteaseguinteementa(D.E.11.04.11):

“EMBARGOS DECLARATÓRIOS. INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADI-

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ÇÃO OU OBSCURIDADE.A natureza reparadora dos embargos de declaração só permite a sua oposição contra

sentença ou acórdão acoimado de obscuridade ou contradição, bem como nos casos de omis-são do Juiz ou Tribunal, a teor do art. 535 do CPC. Não ocorrendo quaisquer das hipóteses legais, descabe o manejo dessa espécie recursal. Na hipótese dos autos, o pedido de efeito suspensivo (reclamado pela embargante) já havia sido deferido anteriormente à decisão do Colegiado que submeteu a apreciação da arguição de inconstitucionalidade à Corte Especial, restando, em decorrência, inalterada, até o julgamento do incidente, a decisão preliminar que deferiu o pedido de efeito suspensivo para que os valores controversos permaneçam depositados à disposição do Juízo de origem.”

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pelo conheci-mentoepelodesprovimentodoincidentedeinconstitucionalidade(fls.55-61).

Admitidos no feito a União Federal (AGU) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, a teor do contido, respectivamente, nos §§ 1º e 3º do art. 482 do CPC, foi-lhes concedido o prazo comum de 10 dias para manifestação.

Ambos apresentaram memoriais escritos onde defendem a constitu-cionalidade das normas invocadas.

A AGU ressalta a função social e econômica do instituto da com-pensação. Alega a proporcionalidade da compensação instituída, diante das garantias à liberdade e à propriedade, sob os aspectos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. A adequação da compensação em face de permitir que o Poder Judiciário, sem cus-tos adicionais, efetue o abatimento do valor a ser pago no momento da expedição do precatório, após informações prestadas pela Fazenda Pú-blica,tratando-sedemecanismoeconômicoeeficientenarecuperaçãode ativos da Fazenda Pública. A necessidade em razão de o ajuizamento daexecuçãofiscalconsistiremmeiomaisgravoso(emenoseficiente)que a compensação, a qual é efetuada no bojo do próprio processo de que decorreu a expedição do precatório. A proporcionalidade em sentido estrito porque compatível com as garantias ao direito de propriedade e aodireitodeliberdade.Aduz,porfim,aausênciadeviolaçãoaodevidoprocessolegaleaocontraditório(fls.69-78).

O Ibama, por sua vez, ressalta o enfrentamento do tema por meio das ADINs nos 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 que serão julgadas em con-junto pela Corte Suprema, o fato de a matéria ser objeto da Resolução

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nº 122/2010 do CJF e da Res. nº 115/2010 do CNJ, bem como ter sido regulamentada pelo legislador ordinário por meio da Lei nº 12.431, de 24.06.2011 (arts. 30 a 44). Alega a ausência de violação ao princípio da razoabilidade/proporcionalidade, sob o argumento de os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF contribuírem para a higidez orçamentária dos entes políticos por um custo reduzido e, em contrapartida, possibilitarem que os contribuintes regularizem suas situações perante o erário. Aduz a au-sência de violação ao princípio da segurança jurídica e da coisa julgada. Argumenta haver a observância ao devido processo legal na medida em que o procedimento de compensação encontra previsão nos normativos citados. Defende, ainda, a inexistência de violação ao princípio federa-tivooudaharmoniaedaindependênciadosPoderesdaRepública(fls.80-96).Juntoudocumentos(fls.97-149).

É o breve relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do artigo 100 da CF/88, incluídos pela EC nº 62/2009, que estabelecem a com-pensação de ofício por parte das Fazendas Públicas de seus créditos com precatórios dos quais seja a entidade devedora, por suposta violação à coisa julgada, ao princípio da proporcionalidade e à garantia do devido processo legal.

Possibilidade de análise acerca da constitucionalidade de emendas constitucionais

Inicialmente, cumpre assinalar que é possível, tanto no controle con-centrado quanto no controle difuso de constitucionalidade, analisar-se a constitucionalidade de emendas constitucionais. Isso porque o legislador constituinte derivado não pode dispor sobre tudo, atuando ilimitadamente, consoante se infere do disposto no art. 60 e respectivos §§ da CF/88, que impõem restrições, tanto de ordem formal quanto de ordem material, à possibilidade de revisão constitucional.

Entre as vedações materiais, está a que impede a proposta de emenda constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais, verbis:

“§ 4º – Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

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I – a forma federativa de Estado;II – o voto direto, secreto, universal e periódico;III – a separação dos Poderes;IV – os direitos e garantias individuais.”

Dito isso, tenho que a decisão de primeiro grau merece ser prestigiada, porquanto, de fato, os preceptivos constitucionais nela referidos, inseri-dos no texto constitucional pela EC 62/2009, revestem-se da mácula da inconstitucionalidade.

Dispositivos constitucionais atacados

Com efeito, eis o que dispõem os novos dispositivos constitucionais questionados:

“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Dis-trital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertosparaestefim.(RedaçãodadapelaEmendaConstitucionalnº62,de2009).

(...)§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamentação,

deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líqui-dos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).

§ 10 Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública de-vedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os fins nele previstos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).”

Decisão de 1º grau no agravo de instrumento

A decisão de primeiro grau, respaldada em precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal (exaradas em situação, se não idêntica, ao menos análoga – e, diga-se de passagem, bem menos invasiva ao patrimônio jurídico do contribuinte), assim restou fundamentada:

“2. FUNDAMENTAÇÃODizem os §§ 9º e 10 do art. 100 da CRFB/88:‘§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamenta-

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ção, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

§ 10. Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública de-vedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os finsneleprevistos.’

Entendo serem esses parágrafos uma afronta à coisa julgada e ao princípio da pro-porcionalidade:sãodesnecessáriosparaatingirseusfins,vistoqueaFazendaPúblicajápossuimecanismossuficientesparaagarantiadeseuscréditos,alémdeserdesarrazoadoexigir do credor que prove a ela nada dever. Outrossim, passa-se por cima do princípio do due process of law ao condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial transitada em julgado, após trâmite de processo em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.

Esse mesmo entendimento já foi adotado, inclusive, pela Corte Especial do TRF da 4ª Região quando da análise da arguição de inconstitucionalidade do artigo 19 da Lei n° 11.033/2004:

‘ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004 – VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

1 – O art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamento de valores de precatório judicial, ou a autorização para seu depósito em conta bancária, à apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais e certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, padece de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 100 da Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.

2 – O art. 100 da Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório, estabelecendo (§ 1º) a obrigatoriedade da inclusão da verba necessária no orçamento das entidades de direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, ca-bendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, não restando espaço para que o legislador ordinário crie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise, acabam por violar a coisa julgada, cuja efetividade é protegida pelo art. 100 da Constituição.

3 – As restrições criadas pelo art. 19 da Lei nº 11.033/2004 violam o princípio da proporcionalidadeporquesãodesnecessáriasaoatingimentodeseusfins,umavezqueaFazendajádetémsuficientesinstrumentosdegarantiadeseuscréditos,entreosquaisacompensação,oarrestoeapenhora,oarrolamentodebenseamedidacautelarfiscal,além

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de ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazenda que nada lhe deve, por meio de certidões que devem ser expedidas pela própria Fazenda.

4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial transitada em julgado, após o trâmite de proces-so em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.’ (TRF4, INAG 2005.04.01.017909-2, Corte Especial, Relator Antonio Albino Ramos de Oliveira, DJ 12.04.2006)

O STF, na mesma linha de entendimento, julgou procedente a ADIn n° 3.453 e declarou inconstitucional o art. 19 da Lei n° 11.033/2004, que impunha condições para o levantamento de valores decorrentes de precatório devidos pela Fazenda Pública.

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS. ART. 19 DA LEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTA AOS ARTS. 5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19 da Lei n° 11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devido pela Fazenda Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação do direito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na norma fundamental da República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação do le-gislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. 4. O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem estatuído como dever da Fazenda Pública em face de obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio da separação depoderese,aumsótempo,restringeovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisoudasa-tisfaçãoaelasdevida.6.OsrequisitosdefinidosparaasatisfaçãodosprecatóriossomentepodemserfixadospelaConstituição,asaber:arequisiçãodo pagamento pelo Presidente do Tribunal que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento das entidades políticas, das verbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano; o pagamentoatualizadoatéofinaldoexercícioseguinteaodaapresentaçãodosprecatórios,observada a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantes e requisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional, ofende os princípios da garantia da jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100 eseusincisos,nãopodendosertidacomoválidaanormaque,aofixarnovosrequisitos,embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente.’ (ADI 3453, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJ VOL-00200-

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01 PP-00070 RT v. 96, n. 861, 2007, p. 85-95 RDDT n. 140, 2007, p. 171-179 RDDP n. 50, 2007, p. 135-144)

Dessa forma, pelos mesmos fundamentos que nortearam a declaração de inconstitucio-nalidade do art. 19 da Lei 11.033/2004, entendo que os §§ 9º e 10 do art. 100 da CRFB/1988, incluídos pela EC n° 62/2009, são igualmente inconstitucionais, pois impõem condições para o levantamento de valores já reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado.

3. DISPOSITIVOAssim, pelas razões expostas acima, INDEFIRO a compensação na forma requerida.”

Análise acerca da constitucionalidade dos §§ 9º e 10 do artigo 100 da CF/88, incluídos pela EC nº 62/2009

Com efeito, procedendo-se à análise dos dois precedentes citados na decisãosingular,verifica-se,defato,queosfundamentosdosreferidosjulgados autorizam o reconhecimento da inconstitucionalidade conforme declarada pelo togado singular.

Em razão da clareza dos fundamentos insertos tanto no julgado desta Corte quanto no julgado do Supremo Tribunal Federal, que trataram da mesma matéria, permito-me transcrevê-los, pois deles se depreende, às escâncaras, que a inconstitucionalidade, ora sob apreciação, também resta evidente.

Este Tribunal Regional Federal assim decidiu na Arguição de In-constitucionalidade nº 2005.04.01.017909-2, rel. Des. Federal Antônio Albino, verbis:

“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE – ART. 19 DA LEI Nº 11.033/2004 – VIOLAÇÃO AO ART. 100 DA CONSTITUIÇÃO, À GARANTIA PÉTREA DO RES-PEITO À COISA JULGADA E AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE.

1 – O art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, ao condicionar o levantamento de valores de precatório judicial, ou a autorização para seu depósito em conta bancária, à apresentação de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, e certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, padece de inconstitucionalidade por ofensa ao art. 100 da Constituição de 1988 e aos princípios do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade.

2 – O art. 100 da Constituição regula exaustivamente o pagamento por precatório, estabe-lecendo (§ 1º) a obrigatoriedade da inclusão da verba necessária no orçamento das entidades de direito público e sua consignação (§ 2º) diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo

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as possibilidades do depósito, não restando espaço para o que o legislador ordinário crie quaisquer restrições ao cumprimento dessa ordem. Tais restrições, em derradeira análise, acabam por violar a coisa julgada, cuja efetividade é protegida pelo art. 100 da Constituição.

3 – As restrições criadas pelo art. 19 da Lei nº 11.033/2004 violam o princípio da proporcionalidade porque são desnecessárias ao atingimento de seus fins, uma vez que a Fazenda já detém suficientes instrumentos de garantia de seus créditos, entre os quais a compensação, o arresto e a penhora, o arrolamento de bens e a medida cautelar fiscal, além de ser desarrazoado exigir do credor que prove à Fazenda que nada lhe deve, por meio de certidões que devem ser expedidas pela própria Fazenda.

4 – Fere o princípio do devido processo legal condicionar a realização do direito do credor, já consagrado por decisão judicial transitada em julgado, após o trâmite de processo em que foram observados o contraditório e a ampla defesa, a formalidades destinadas a proteger créditos fazendários não submetidos a igual procedimento.” (j. em 23.03.2006 – grifei)

Pela lucidez e pela clareza com que exarado, transcrevo, na íntegra, o voto do e. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira:

“O dispositivo questionado possui o seguinte teor:‘Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores

decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3° da Lei n° 10.259, de 12

de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.’

Comojáafirmeinovotocondutordaarguiçãodeinconstitucionalidade,taisexigênciasviolam as regras do art. 100 da Constituição de 1988. Transcrevo-as:

‘Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão ex-clusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e noscréditosadicionaisabertosparaessefim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento atéofinaldoexercícioseguinte,quandoterãoseusvaloresatualizadosmonetariamente.

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e

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indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito.

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não seaplicaaospagamentosdeobrigaçõesdefinidasemleicomodepequenovalorqueaFa-zenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago,bemcomofracionamento,repartiçãoouquebradovalordaexecução,afimdequeseu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório.

§5ºAleipoderáfixarvaloresdistintosparaofimprevistono§3ºdesteartigo,segundoas diferentes capacidades das entidades de direito público.

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.’

A Constituição, como visto, regulamenta rigorosamente o pagamento mediante pre-catório, que se autoriza para cumprir sentença transitada em julgado e, portanto, não mais passível de modificação. O trânsito em julgado é uma garantia em favor da Fazenda, na medida em que não será forçada a pagar senão aqueles créditos que já se tornaram imutáveis; mas é também uma garantia para o credor, assegurando que seu direito, con-sagrado por decisão definitiva, será respeitado. Nesse passo, as regras que regulam o precatório refletem a cláusula pétrea do art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988: ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’. E porque ali se cuida de dar efetividade à coisa julgada é que o parágrafo 2º do art. 100 dispõe, de modo enfático, caber ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda ‘determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito’.

Parece claro o mandamento constitucional. Transitando em julgado a decisão judicial, cumpre-se, sem mais delongas. Portanto, condicionar esse pagamento à apresentação de certidões negativas federais, estaduais, municipais e previdenciárias extrapola os limites postos pela própria Constituição ao legislador. Colocar obstáculos ao pagamento do precatório importa não só em violar o art. 100 da Constituição, mas também a garantia pétrea do respeito à coisa julgada.

Doutra parte, tal exigência configura uma ofensa frontal ao princípio do devido pro-cesso legal, na medida em que a realização do direito, já consagrado pela decisão judicial transitada em julgado, após o trâmite de processo em que foram observados o contraditório

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e a ampla defesa, fica na dependência de formalidades destinadas a proteger interesses da Fazenda não submetidos a igual procedimento. Não é necessário ser vidente para prever o que ocorrerá a partir dessa inusitada exigência. Os credores da Fazenda que, por qualquer motivo, estiverem questionando suas exigências fiscais ficarão impossibilitados de receber os precatórios, porque lhes será negada a certidão posta pela lei como condição inafastável. Desse modo, o cidadão, que tem assegurado o direito de ver suas demandas apreciadas pelo Judiciário (art. 5º, XXXV, da CF/88), ficará entre a cruz e a espada: se discutir o que lhe é exigido pela Fazenda, não poderá receber o que já lhe foi reconhecido por sentença transitada em julgado e acabará muitas vezes forçado a, sem o devido processo legal, submeter-se às imposições fazendárias.

Mais ainda, cria-se, para o credor, o ônus de provar a inexistência de débitos fiscais, totalmente despropositado, em flagrante ofensa ao princípio da razoabilidade. Primeiro, porque a Fazenda, que está pagando, dispõe de todos os instrumentos para identificar os débitos que para com ela tenha seu credor. Não se concebe que o exequente tenha que provar à Fazenda, por certidão por ela mesma expedida, que nada lhe deve. Segundo, porque a Fazenda teve oportunidade para, dentro do processo, exercer qualquer direito que tivesse contra seu credor, inclusive a compensação.

Seoobjetivodalei,comoafirmaoagravante,épropiciaràFazendaacompensaçãodoque tem a pagar com aquilo que seu credor lhe deve, torna-se evidente:

a) que tal providência é extemporânea, pois qualquer compensação teria que ser arguida no processo de execução, e não no ato do pagamento;

b) que tal exigência não atende ao princípio da proporcionalidade e, nem mesmo, ao da razoabilidade, impondo ao exequente um encargo absolutamente desnecessário, uma vez que – repito – a própria Fazenda é depositária das informações que pretende que o exequente lhe preste por certidão que ela mesma deverá fornecer.

É impertinente invocar, em defesa da constitucionalidade dessa exigência, o parágrafo terceiro do art. 195 da Constituição, segundo o qual ‘a pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o Poder Públiconemdelereceberbenefíciosou incentivosfiscaisoucreditícios’.Opagamentodeprecatóriosnãoénenhumbenefício,nemincentivofiscaloucreditício.É,istosim,ocumprimento de uma obrigação reconhecida por sentença transitada em julgado.

É oportuno transcrever parte do parecer exarado pelo então Procurador-Geral da República, Dr. Cláudio Fonteles, na ADI nº 3453/SP, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que extraio do parecer lançado nestes autos pela douta Procuradoria Regional da República:

‘11. O dispositivo legal questionado é, de fato, inconstitucional. E, para chegar-se a essa conclusão, bastaria analisar o art. 100 e seus parágrafos da Constituição da República.

12. Esse artigo da Carta Magna disciplina pormenorizadamente o regime dos precató-rios judiciais. O que o constituinte quis regular a respeito dos precatórios o fez, e aquilo que entendeu necessário transferir à disciplina pelo legislador ordinário também o fez, e expressamente.

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13. A Constituição, no tocante ao tema, somente transferiu ao regramento infraconstitu-cionaladefiniçãodeobrigaçõesdepequenovalor,quenãoobedecerãoàordemcronológicade apresentação dos precatórios, cujos pagamentos o erário deva fazer em virtude de sentença judicialtransitada(art.1000,§3º,CF),eafixaçãodevaloresdistintosparaelas,segundoas diferentes capacidades das entidades de direito público (art. 100, § 5º, CF).

14. Isso não quer dizer, obviamente, que o legislador infraconstitucional só poderá atuar quando a Carta Política o autorizar de forma expressa. Ocorre que, com relação a certas matérias e, no caso, aos pagamentos devidos pela Fazenda Pública, a Lei Maior estabelece minúcias, tornando-se incompatível com a atuação do legislador ordinário, a não ser que esta esteja expressamente prevista.

15. Mas não é só isso. O texto dos §§ 1º e 2º do art. 100 determina que o pagamento dos valores decorrentes de precatórios judiciais serão pagos, sem estabelecer exceção ou condição ao pagamento. Dispõem os citados parágrafos:

‘§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados, monetariamente.

(...)§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente

ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito’.

16. Tendo em vista a determinação dos parágrafos transcritos relativa ao pagamento de valores constantes de precatórios, é forçoso concluir que não é dado ao legislador in-fraconstitucional estabelecer condição que a possa desautorizar. Se o constituinte quisesse excepcionar algo, o teria feito.

17.Emseuparecer,acostadoàsfls.67-82,oprofessorKiyoshiHaradaensinaecritica:‘Como se vê do art. 100 e parágrafos, sucintamente analisados, a Carta Política traçou

regras claras e severas de conformidade com o princípio federativo da independência e da harmonia dos Poderes e em consonância com os princípios que regem a Administração Pública. Esgotou o procedimento para pagamento de precatórios judiciais, nada deixando à colaboração do legislador infraconstitucional, excetoparadefiniçãodeobrigaçõesdepequeno valor e para distinguir esses valores segundo as diferentes capacidades dos entes políticos devedores (§§ 3º e 5º), com o manifesto propósito de favorecer os credores da Fazenda, jamais para prejudicá-los.

(...)Diante de regras tão claras, objetivas e severas, não se sabe onde e como o legislador

ordinário foi buscar fundamento constitucional para procrastinar o pagamento de preca-tório judicial, incorrendo em autêntico ato de improbidade legislativa. Bastará que um único credor não consiga apresentar a certidão negativa para paralisar a fila do precatório

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judicial em benefício da Fazenda, que vem antecipando a realização da receita tributária e postergando o pagamento da despesa decorrente de condenação judicial, como é de co-nhecimento público.’’

Necessário ainda ressaltar a clara violação ao princípio da proporcionalidade que tem, na hipótese em exame, terreno propício para sua aplicação. Cuida-se, à evidência, de medida restritiva de direitos do cidadão, empregada como meio para o atingimento de interesses fazendários. Tais restrições não atendem ao princípio da proporcionalidade, porque são desnecessárias, uma vez que a Fazenda já detém suficientes instrumentos para a garantia de seus créditos, entre os quais a compensação, que pode ser arguida no processo de execução; o arresto e a penhora, que podem incidir sobre os créditos pagos por via de precatório; o arrolamento de bens; e a medida cautelar fiscal.

Por esses fundamentos, voto declarando inconstitucional o caput do art. 19 da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004, e assim também seu parágrafo único e respectivos incisos, estes por decorrência lógica, uma vez que, afastado o caput, perderão sua razão de ser.” (destaquei)

Esse voto foi acolhido, à unanimidade, pela Corte Especial deste Regional, havendo declaração de voto, em separado, formulado pela Desa. Federal Silvia Goraieb, não menos brilhante do que o do relator, no mesmo sentido.

DosfundamentosdadecisãodaCorteEspecialdesteTribunal,verifica--se que se reconheceu a inconstitucionalidade do caput do art. 19 da Lei n° 11.033/2004 por violação: (a) ao instituto da coisa julgada (art. 5º, inciso XXXVI, da CF); (b) à garantia do devido processo legal (art. 5º, inciso XXXV, da CF/88); (c) ao princípio da proporcionalidade, que é decorrência, para uns, do próprio estado democrático de direito e, para outros, do princípio do devido processo legal na sua feição substantiva.

Como se vê, esta Corte reconheceu a inconstitucionalidade de lei que apenas impunha a necessidade de apresentação de certidão negativa de débitosparafinsdelevantamentodevaloresobjetodeprecatório,porofensa a várias cláusulas pétreas da Constituição. O que se dizer, então, de ato normativo, ainda que veiculado por emenda constitucional, que, mais do que a exigência de CND para o levantamento dos valores insertos em precatório, determina a compensação de ofício pelo Judiciário? O fato de ter sido veiculada a aludida compensação por emenda constitucional, reitere-se, não tem o condão de tornar legítima e constitucional a restri-ção de direito imposta, pois violadora de princípios que estão imunes a alterações pelo poder constituinte reformador.

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O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tratando da mesma matéria objeto da arguição acima referida – caput do art. 19 da Lei n° 11.033/2004 –, na ADI 3.453-7, rel. Ministra Carmem Lúcia, decidiu, também à una-nimidade de votos, pela inconstitucionalidade do preceptivo, conforme jáfizeraonossoRegional.EisaementadojulgadodaSupremaCorte:

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECATÓRIOS. ART. 19 DA LEI NACIONAL Nº 11.033, DE 21 DE DEZEMBRO DE 2004. AFRONTA AOS ARTS. 5º, INC. XXXVI, E 100 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 19 da Lei n° 11.033/04 impõe condições para o levantamento dos valores do precatório devido pela Fazenda Pública. 2. A norma infraconstitucional estatuiu condição para a satisfação do direito do jurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na norma fundamental da República. 3. A matéria relativa a precatórios não chama a atuação do legislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. 4. O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou de autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem estatuído como dever da Fazenda Pública em face de obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública. 5. Entendimento contrário avilta o princípio da separação de poderes e, a um só tempo, restringe o vigor e a eficácia das decisões judiciais ou da satisfação a elas devida.6.OsrequisitosdefinidosparaasatisfaçãodosprecatóriossomentepodemserfixadospelaConstituição,asaber:arequisiçãodopagamentopeloPresidentedoTribunal que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento das entidades políticas, das verbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano; o pagamentoatualizadoatéofinaldoexercícioseguinteaodaapresentaçãodosprecatórios,observada a ordem cronológica de sua apresentação. 7. A determinação de condicionantes e requisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma cons-titucional, ofende os princípios da garantia da jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100 e seus incisos, não podendo ser tida como válida a norma que, ao fixar novos requisitos, embaraça o levantamento dos precatórios. 8. Ação Direta de Inconstituciona-lidade julgada procedente.” (ADI 3453, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 30.11.2006, DJ 16.03.2007 PP-00020 EMENT VOL-02268-02 PP-00304 RTJ VOL-00200-01 PP-00070 RT v. 96, n. 861, 2007, p. 85-95 RDDT n. 140, 2007, p. 171-179 RDDP n. 50, 2007, p. 135-144 – destaquei)

Também por conter fundamentos preciosos, transcrevo, na íntegra, o voto da e. Min. Relatora, verbis:

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“O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil ajuíza a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o art. 19 da Lei n° 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que estabelece:

‘Art. 19. O levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no caput deste artigo:I – aos créditos de natureza alimentar, inclusive honorários advocatícios;II – aos créditos de valor igual ou inferior ao disposto no art. 3° da Lei n° 10.259, de 12

de julho de 2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.’

A arguição põe-se ao argumento de que confrontaria a norma ali estatuída com o quanto preceituado nos arts. 100 e 5º, inc. XXXVI, da Constituição da República.

Reza o art. 100:‘Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela

Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão ex-clusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e noscréditosadicionaisabertosparaessefim.

§ 1º – É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, data em que terão atualizados seus valores, fazendo-se o pagamento até o finaldoexercícioseguinte.

§ 2º – As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados ao Poder Judiciário, recolhendo-se as importâncias respectivas à repartição competente, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento, segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento atéofinaldoexercícioseguinte,quandoterãoseusvaloresatualizadosmonetariamente.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 1º-A Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente

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ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exequenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o sequestro da quantia necessária à satisfação do débito. (Redação dada pela Emenda Cons-titucional nº 30, de 2000)

§ 3° O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplicaaospagamentosdeobrigaçõesdefinidasemleicomodepequenovalorqueaFazendaFederal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplicaaospagamentosdeobrigaçõesdefinidasemleicomodepequenovalorqueaFazendaFederal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

§ 4º São vedados a expedição de precatório complementar ou suplementar de valor pago,bemcomofracionamento,repartiçãoouquebradovalordaexecução,afimdequeseu pagamento não se faça, em parte, na forma estabelecida no § 3º deste artigo e, em parte, mediante expedição de precatório. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§5ºAleipoderáfixarvaloresdistintosparaofimprevistono§3ºdesteartigo,segundoas diferentes capacidades das entidades de direito público. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

§ 6º O Presidente do Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidação regular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade. (Parágrafo incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000, e Renumerado pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)’

O que se contém no art. 19 da Lei nº 11.033/04 é que ali se impõem condições para o levantamento dos valores do precatório devido pela Fazenda Pública como decorre de sua letra expressa. É o que se depreende da expressão contida na norma questionada: ‘O levantamento ou a autorização para depósito judicial somente poderá ocorrer mediante a apresentação ao juízo de certidão negativa de tributos federais, estaduais, municipais, bem como certidão de regularidade para com a Seguridade Social, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e a Dívida Ativa da União, depois de ouvida a Fazenda Pública’.

Verifica-sequeanormainfraconstitucionalestatuiucondiçãoparaasatisfaçãododireitojurisdicionado – constitucionalmente garantido – que não se contém na norma fundamental da República.

Tal como exposto pelo autor, o levantamento ou o depósito de valores decorrentes do precatório judicial constitui:

direito do jurisdicionado não sujeito a condições que pudessem vir a ser estabelecidas por uma norma infraconstitucional;

deverdaFazendapública,quenãopodefixar,pornormainfraconstitucional,formasinclusive de burlar aquele direito e deixar de atender o quanto estabelecido pela Constitui-ção, basicamente em seu art. 100.

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As formas de obter a Fazenda Pública o que lhe é devido e a constrição da contribuição para o pagamento de eventual débito havido com a Fazenda Pública estão estabelecidas no ordenamento jurídico e não podem ser obtidas por meios que frustrem direitos consti-tucionais dos cidadãos.

Ademais, tal como tratada na Constituição, a matéria relativa a precatórios não chama a atuação do legislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. E a juris-diçãoérespeitadaemsuacondiçãoefetiva,àsvezes,pelopagamentodevalordefinidojudicialmente.

O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou da autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem estatuído como dever da Fazenda Pública em face de obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela existência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública.

De resto, também a Fazenda Pública, quando considerada, judicialmente, credora do cidadão não tem de apresentar qualquer documento a garantir que nada deve a ele em termos de restituição de indébitos ou pagamento de débitos.

Por que, então, teria de fazê-lo o jurisdicionado, de forma diferenciada e gravosa a seu direito decorrente de decisão judicial?

Ademais, a decisão judicial não pode ter a sua efetividade e o seu respeito condicionados a exigência que venha a ser imposta pelo legislador infraconstitucional, em detrimento do julgado e da satisfatividade da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, o princípio da separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infraconstitucional, que restringe o vigor e a eficácia das decisões judiciais ou da satis-fação a elas devidas na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico.

Note-se que a norma legal questionada em sua validade constitucional é tanto mais gravosa quando se constata que não apenas o levantamento, mas o próprio depósito dos valores determinados como próprios judicialmente dependeria de prévia apresentação de certidão negativa de tributos e de certidão de regularidade perante o INSS e o FGTS. E é o que se tem na norma do art. 19 da Lei n° 11.033/04.

A frustração dos precatórios pelos entes do Poder Público tem merecido atenção, cui-dados e insatisfação tanto do Poder Judiciário quanto dos cidadãos em geral, que se veem às voltas com débitos judiciais pendentes, não poucas vezes, há mais de uma década. E a norma questionada, ao contrário de todas as tentativas de resolver e diminuir os prazos, as condições e todas as formas de se desburocratizar e facilitar o pagamento dos precatórios, estabelecemaisdificuldadese,oqueémaisgrave,emperfeitacontradiçãocomasnormasconstitucionais relativas à matéria.

RequisitosquepodemserdefinidosparaasatisfaçãodosprecatóriossomentepodemserfixadospelaConstituição.Talcomseestatuinanormafundamental,sãoeles,nosistemavigente, a requisição do pagamento pelo Presidente do Tribunal que tenha proferido a deci-

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são; a inclusão no orçamento das entidades políticas das verbas necessárias ao pagamento deprecatóriosapresentadosaté1ºdejulhodecadaano;opagamentoatualizadoatéofinaldo exercício seguinte ao da apresentação dos precatórios, observada a ordem cronológica de sua apresentação.

A assertiva feita nas informações pelo Congresso Nacional de que a norma legal sob a análise teria ‘espírito moralizador’ demonstra-se, bem ao contrário, desmoralizadora das decisões judiciais e frustradora de direitos dos jurisdicionados.

As formas de assegurar à Fazenda Pública o atendimento de seus débitos e, mais ainda, de manter-se os cidadãos-contribuintes em dia com os seus deveres tributários devem ser sintonizadas com o respeito aos direitos que se conquistam ou se veem afirmados pelo Poder Judiciário. Esse não pode ter as suas decisões transformadas em formas de ‘moedas de troca’ segundo moldes definidos pela legislação infraconstitucional quanto ao pagamento de precatórios. Nem o cidadão teria de, para receber o que lhe é devido, segundo decisão judicial, comprovar outras condições que não as que se referem ao processo de que decorre o seu crédito ou que sejam firmadas como típicas e próprias em norma constitucional.

Assim, a estatuição de condicionantes e requisitos para o levantamento ou a autorização para depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatórios judiciais, que não aqueles constantes de norma constitucional, ofendem os princípios da garantia da jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI), o art. 100 e seus incisos, não podendo ser tida como válida. Anormaque,aofixarnovosrequisitos,embaraçaolevantamentodosprecatórioscontrariaa Constituição. E foi, exatamente, o que se deu na regra do art. 19 da Lei n° 11.033, de 21 de dezembro de 2004, que, assim, não se compatibiliza com o ordenamento constitucional, não podendo ser tida como válida.

Pelo exposto, voto no sentido de julgar procedente a presente ação direta de inconsti-tucionalidade, declarando-se contrário aos arts. 5º, inc. XXXVI, e 100 da Constituição da República o art. 19 da Lei n° 11.033, de 21 de dezembro de 2004.” (destaquei)

Os votos dos Ministros do STF que participaram desse julgamento e que apresentaram declaração de voto expressa em separado também convergem na linha do que decidiu esta Corte, consoante se pode depre-ender das declarações de votos lançadas na aludida ADI.

Ao voto da e. relatora, acompanhado por todos os Ministros, foram acrescentadosoutrosfundamentosporalgunsMinistrosparajustificaradeclaração de inconstitucionalidade da norma então impugnada.

Confira-se:Ministro Ricardo Lewandowski – acompanhou a relatora, acrescen-

tando que o dispositivo feriria, também, o princípio da razoabilidade;Ministro Eros Grau – acompanhou, na íntegra, a relatora, porém en-

tendeu não ofendida “a pauta da razoabilidade”;Ministro Joaquim Barbosa – acompanhou a relatora, acrescentando

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que “a vinculação em exame representa típica hipótese de sanção política, inadmissível no sistema tributário brasileiro”;

Ministro Carlos Brito – acompanhou a relatora, agregando que o dispositivo inquinado ofenderia, ainda, o princípio da isonomia;

Ministro Cezar Peluso – acompanhou a relatora, assinalando, com todas as letras, “que a norma impugnada introduz um princípio que eu consideraria esdrúxulo na ordem jurídica”; prosseguiu aduzindo que o preceptivo não passaria pelo teste da proporcionalidade jurídica, cons-tituindo forma indireta de cobrança do crédito tributário (no caso ora em julgamento é mais do que isso, pois, havendo compensação, trata-se de cobrança direta), bem como que não se poderia afastar a ofensa aos princípios da isonomia e do devido processo legale,finalmente,que“énorma desarrazoada do ponto de vista prático”;

Ministro Gilmar Mendes – acompanhou a relatora, acrescentando, ainda, que o dispositivo discutido criou um modelo “absolutamente desnecessário e desproporcional”.

Os demais Ministros presentes naquela sessão não apresentaram de-claração de voto em separado, acompanhando a relatora.

No caso que ora está sendo submetido à análise deste colegiado, não há dúvida alguma de que se criou uma restrição muito mais contundente do que a lei que, outrora, foi declarada inconstitucional por esta Corte e pelo STF, pois, se aquela apenas condicionava o levantamento dos valores à apresentação de CND, funcionando como meio indireto de cobrança, os preceptivos ora impugnados, mais do que isso, determinam a com-pensação, que é forma direta de cobrança, sem o devido processo legal.

Com efeito, os créditos consubstanciados em precatório judicial são créditos que resultam de decisões transitadas em julgado. Portanto, su-jeitos à preclusão máxima. A coisa julgada está revestida de imutabili-dade. É decorrência do princípio da segurança jurídica. Não está sujeita, portanto,amodificações.

Diversamente, o crédito que a norma impugnada admite compensar resulta, como regra, de decisão administrativa, já que a fazenda tem o poder de constituir o seu crédito e expedir o respectivo título executivo extrajudicial (CDA) administrativamente, porém sujeito ao controle jurisdicional.Istoé,nãoédefinitivoeimutável,diversamentedoqueocorre com o crédito decorrente de condenação judicial transitada em

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julgada. Ou seja, a norma impugnada permite a compensação de créditos que têm naturezas completamente distintas. Daí a ofensa ao instituto da coisa julgada.

Aforaisso,instituiverdadeiraexecuçãofiscaladministrativa,semdi-reito a embargos, já que, como é evidente, não caberá nos próprios autos do precatório a discussão da natureza do crédito oposto pela fazenda, que,comoaludido,nãoédefinitivoepodesercontestadojudicialmente.Há aí, sem dúvida, ofensa ao princípio do devido processo legal.

Mais ainda, ao determinar ao Judiciário que compense crédito de na-tureza administrativa com crédito de natureza jurisdicional, sem o devido processo legal, usurpa a competência do Poder Judiciário, resultando daí ofensa ao princípio federativo da separação dos poderes, conforme assinalado no precedente do STF anteriormente citado, que pontuou: “o princípio da separação dos poderes estaria agravado pelo preceito infra-constitucional,querestringeovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisouda satisfação a elas devidas na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico”.

Ademais, dispondo a Fazenda do poder de constituir administrativa-mente o seu título executivo, tendo em seu favor inúmeros privilégios, materiais e processuais, garantidos por lei ao seu crédito (ressalvado os trabalhistas, preferência em relação a outros débitos, processo de execu-çãoespecífico,medidacautelarfiscal,arrolamentodebens,entreoutros),ofende o princípio da razoabilidade/proporcionalidade a compensação imposta nos dispositivos ora impugnados.

Assinalo que o entendimento até aqui exposto não se contrapõe à orientação que tem sido acolhida pelas Turmas Tributárias desta Corte que admitem a legalidade da compensação de ofício. Isso porque a compensação de ofício que está prevista em lei ocorre entre débitos/créditos que possuem a mesma natureza. Débitos e créditos decorrentes de decisões administrativas, não envolvendo créditos decorrentes de coisa julgada judicial.

Cumpre, ainda, referir que a Lei nº 12.431, de 27.06.2011, nos arts. 30 a 44, dispõe sobre a compensação de débitos perante a Fazenda Pública Federal com créditos provenientes de precatórios, na forma prevista nos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF. Tal lei é oriunda da conversão da Medida Provisória nº 517, de 30.12.2010, a qual, no entanto, não previu esse

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instituto de compensação no seu texto originário, nada tendo referido a respeito.

A inclusão dessas disposições se deu somente por ocasião do Projeto de Lei de Conversão da Medida Provisória nº 517/10, tendo passado a regulamentar em 15 dispositivos novos o uso de precatórios obtidos em ações contra a União para compensar dívidas com o Fisco federal. A lei de conversão (Lei nº 12.431, de 27.06.11) é posterior não só às ADINs nos 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425 que serão julgadas em conjunto pela Corte Suprema, como à suscitação do incidente de inconstitucionalidade pela 2ª Turma deste Tribunal (D.E. 21.03.11).

De acordo com as regras inseridas na lei de conversão, em síntese, o juízo responsável pela emissão do precatório a favor do contribuinte receberá da Fazenda informações sobre a existência de débitos a com-pensar.ObeneficiáriopoderáquestionarosdadosinformadospeloFiscoà Justiça, que também deverá buscar a resposta pela Fazenda federal. Da decisão do juiz caberá agravo de instrumento com efeito suspensivo que impediráarequisiçãodoprecatórioatéadecisãofinalsobreacompensa-ção. Entretanto, se uma parte dos valores a compensar for incontroversa, oprecatóriopoderáseremitidonessemontanteantesdadecisãofinalsobre o restante questionado.

Observe-se que esse procedimento de compensação de precatórios consubstancia-se em verdadeiro procedimento jurisdicional, porém, foi inserido na fase de expedição de precatórios, a qual tem natureza emi-nentemente administrativa. Trata-se de procedimento inusitado e nunca cogitado em nosso direito positivo, porquanto fere os mais comezinhos princípios de direito.

De qualquer sorte, a lei ordinária não pode constitucionalizar algo que já nasceu inconstitucional. Aliás, a Constituição Federal veda a edição de medidas provisórias sobre matéria processual civil (art. 62, § 1º, I, b, CF/88), de modo que a lei de conversão, em linha de princípio, não poderia dispor sobre processo civil.

Por derradeiro, não há falar em função social e econômica do instituto da compensação de precatórios, bem como em praticidade de suas nor-mas, porquanto tais argumentos não têm o condão de se sobrepor sobre princípios constitucionais.

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Conclusão

Em conclusão: reconhece-se a inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, porque ofendem, a um só tempo, os seguintes dispositivos e princípios constitucionais: a) art. 2º da CF/88 (princípio federativo que garante a harmonia e a independên-cia dos poderes); b) art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88 (garantia da coisa julgada/segurança jurídica); c) art. 5º, inciso LV, da CF/88 (princípio do devido processo legal); d) princípio da razoabilidade/proporcionalidade.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por acolher o presente incidente de arguição de inconstitucionalidade para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, introduzidos pela EC n° 62, de 2009, nos termos da fundamentação retro.

VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A prerrogativa outor-gadaàFazendaPúblicadecompensarcréditosfiscaisnomomentodaexpedição do precatório, indubitavelmente, ofende o princípio da separa-ção dos Poderes e os direitos e as garantias individuais assegurados pelo art. 5º, incisos XXXVI (garantia da coisa julgada/segurança jurídica) e LV (princípio do devido processo legal), da CF/1988.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 4.357, 4.372, 4.400 e 4.425, em que se questionam as alterações introduzidas no art. 100 da Constituição pela Emenda Constitucional nº 62/2009.

O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, julgou parcialmente proce-dente a ADIn nº 4.357, considerando inconstitucionais os §§ 9º e 10 do art. 100 da CF, além de outros dispositivos e expressões constantes da referida Emenda. Acolho integralmente os lapidares fundamentos lan-çados pelo Ministro no tocante à compensação dos créditos da Fazenda Pública, a seguir transcritos:

“22. Continuo neste exame das arguições dos requerentes para analisar a alegação deinconstitucionalidadedos§§9ºe10doart.100daConstituiçãoFederal.Confira-searedação dos dispositivos impugnados:

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‘§ 9º No momento da expedição dos precatórios, independentemente de regulamenta-ção, deles deverá ser abatido, a título de compensação, valor correspondente aos débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o credor original pela Fazenda Pública devedora, incluídas parcelas vincendas de parcelamentos, ressalvados aqueles cuja execução esteja suspensa em virtude de contestação administrativa ou judicial.

§ 10 Antes da expedição dos precatórios, o Tribunal solicitará à Fazenda Pública de-vedora, para resposta em até 30 (trinta) dias, sob pena de perda do direito de abatimento, informação sobre os débitos que preencham as condições estabelecidas no § 9º, para os finsneleprevistos.’

23. Como se vê, as normas jurídicas atacadas chancelam uma compensação obrigatória do crédito a ser inscrito em precatório com débitos perante a Fazenda Pública. Compensa-ção que se opera ‘antes da expedição dos precatórios’ e mediante informação da Fazenda devedora, no prazo de 30 (trinta) dias. Dando-se que o objetivo da norma é, nas palavras do próprio Advogado-Geral da União, precisamente este: ‘impedir que os administrados (especialmente os que devem valores vultosos à Fazenda) recebam seus créditos sem que suas dívidas perante o Estado sejam satisfeitas’. E, se é assim, o que se tem – penso – é um acréscimo de prerrogativa processual do Estado, como se já fosse pouco a prerrogativa do regime em si do precatório. Mas uma ‘super’ ou sobreprerrogativa que, ao menos quanto aos créditos privados já reconhecidos em decisão judicial com trânsito em julgado, vai im-plicar violação da res judicata. Mais até, vai consagrar um tipo de superioridade processual da parte pública sem a menor observância da garantia do devido processo legal e de seus principais desdobramentos: o contraditório e a ampla defesa.

24. Em palavras outras, a via-crúcis do precatório passou a conhecer uma nova estação, aconfigurararrevesadaespéciedeterceiroturnoprocessual-judiciário,ou,quandomenos,processual-administrativo. Com a agravante da não participação da contraparte privada. É como dizer: depois de todo um demorado processo judicial em que o administrado vê reconhecido seu direito de crédito contra a Fazenda Pública (muitas vezes de natureza alimentícia),estapoderáfrustrarasatisfaçãodocréditoafinalreconhecido.Enãoseargu-mente que ao administrado é facultada a impugnação judicial ou administrativa dos débitos informados pela Fazenda Pública. É que o cumprimento das decisões judiciais não pode ficarnadependênciademanifestaçãoalgumadaAdministraçãoPública,nemasdemandasdevem se eternizar (e se multiplicar), porque ‘a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação’ (inciso LXXVIII do art. 5º da CF).

25. Em síntese, esse tipo unilateral e automático de compensação de valores, agora constante nos §§ 9º e 10 da Magna Carta (redação dada pela Emenda Constitucional nº 62/2009), embaraça a efetividade da jurisdição e desrespeita a coisa julgada. E nessa linha é que se pronunciou o Supremo Tribunal Federal quanto a mecanismo semelhante, inserido no art. 19 da Lei nº 11.033/2004. Artigo que foi unanimemente declarado inconstitucional pelo Plenário desta nossa Corte na ADI 2.353. Colho do voto da Ministra Carmen Lúcia, relatora, o seguinte trecho:

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‘As formas de obter a Fazenda Pública o que lhe é devido e a constrição da contribuição para o pagamento de eventual débito havido com a Fazenda Pública estão estabelecidas no ordenamento jurídico e não podem ser obtidas por meios que frustrem direitos consti-tucionais dos cidadãos.

Ademais, tal como tratada na Constituição, a matéria relativa a precatórios não chama a atuação do legislador infraconstitucional, menos ainda para impor restrições que não se coadunam com o direito à efetividade da jurisdição e o respeito à coisa julgada. E a juris-diçãoérespeitadaemsuacondiçãoefetiva,àsvezes,pelopagamentodevalordefinidojudicialmente.

O condicionamento do levantamento do que é devido por força de decisão judicial ou da autorização para o depósito em conta bancária de valores decorrentes de precatório judicial, estabelecido pela norma questionada, agrava o que vem estatuído como dever da Fazenda Pública em face da obrigação que se tenha reconhecido judicialmente em razão e nas condições estabelecidas pelo Poder Judiciário, não se mesclando, confundindo ou, menos ainda, frustrando pela exigência paralela de débitos de outra fonte e natureza que, eventualmente, o jurisdicionado tenha com a Fazenda Pública.

(...)Ademais, a decisão judicial não pode ter a sua efetividade e o seu respeito condicionados

à exigência que venha a ser imposta pelo legislador infraconstitucional (nem pelo consti-tuinte reformador), em detrimento do julgado e da satisfatividade da prestação jurisdicional.

Nesse sentido, o princípio da separação de poderes estaria agravado pelo preceito in-fraconstitucional,querestringeovigoreaeficáciadasdecisõesjudiciaisoudasatisfaçãoa elas devidas na formulação constitucional prevalecente no ordenamento jurídico.

(...)A assertiva feita nas informações pelo Congresso Nacional (e, nestes autos, repetida pelo

Advogado-Geral da União) de que a norma legal sob análise teria ‘espírito moralizador’ demonstra-se, bem ao contrário, desmoralizadora das decisões judiciais e frustradora de direitos dos jurisdicionados.’

26. Com efeito, esse tipo de conformação normativa, mesmo que veiculada por emenda à Constituição, também importa contratura no princípio da separação dos Poderes. No caso, em desfavor do Poder Judiciário. Como ainda se contrapõe àquele traço ou àquela nota que, integrativa da proporcionalidade, demanda a observância obrigatória da exigibilidade/necessidade para a restrição de direito. Isso porque a Fazenda Pública dispõe de outros meiosigualmenteeficazesparaacobrançadeseuscréditostributáriosenãotributários.Basta pensar que o crédito, constituído e inscrito em dívida ativa pelo próprio Poder Públi-co, pode imediatamente ser executado, inclusive com a obtenção de penhora de eventual precatório existente em favor do administrado. Sem falar na inclusão do devedor nos ca-dastros de inadimplentes. A propósito, este Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firmenosentidodevedarouso,peloEstado,demeioscoercitivosindiretosdecobrançadetributo.Confiram-se,nessesentido,asSúmulasnos 70, 323 e 547. Assim também vocalizou o Ministro Joaquim Barbosa na citada ADI 3.453, verbis:

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‘Também eu entendo que a subordinação da solução de créditos, que devem ser pagos mediante precatório, à comprovação da ausência de débitos inscritos em dívida ativa, é desproporcional em relação aos limites impostos pelo artigo 100 da Constituição, espe-cialmenteoseurespectivo§1º,queafirmaserobrigatóriaainclusão,noorçamentodasentidades de direito público, de verbas necessárias ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado. Assim, o Estado está obrigado a solver suas obrigações, independentemente da existência ou da inexistência de créditos oponíveis ao seu credor.

A Fazenda Pública possui inúmeros mecanismos destinados à salvaguarda de seus créditos, inclusive com a constrição do patrimônio do devedor e o registro das dívidas em cadastros de inadimplência.

De forma semelhante às tentativas do Fisco de embaraçar a atividade econômica do contribuinte inadimplente, rechaçadas por esta Corte em diversos precedentes (cf., e.g., o RE 413.782, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 03.06.2005, e as Súmulas 70, 323 e 547 da Corte), a vinculação em exame representa típica hipótese de sanção política, inadmissível no sistema tributário brasileiro.’

27. Não é tudo, porque também me parece resultar preterido o princípio constitucional da isonomia. Explico. Exige-se do Poder Público, para o recebimento de valores em execução fiscal,aprovadequeoEstadonadadeveàcontraparteprivada?Claroquenão!Aocobraro crédito de que é titular, a Fazenda Pública não é obrigada a compensá-lo com eventual débito dela (Fazenda Pública) em face do credor-contribuinte. Por conseguinte, revela-se, por mais um título, anti-isonômica a sistemática dos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição da República, incluídos pela Emenda Constitucional nº 62/2009. Pelas mesmas razões, é inconstitucional a expressão ‘permitida por iniciativa do Poder Executivo a compensação com débitos líquidos e certos, inscritos ou não em dívida ativa e constituídos contra o devedor originário pela Fazenda Pública devedora até a data da expedição do precatório, ressalvados aqueles cuja exigibilidade esteja suspensa nos termos do § 9º do art. 100 da Constituição Federal’, contida no inciso II do § 9º do art. 97 do ADCT.”

Ante o exposto, voto no sentido de acolher o incidente de arguição de inconstitucionalidade dos §§ 9º e 10 do art. 100 da Constituição, introduzidos pela Emenda Constitucional nº 62/2009, acompanhando o brilhante voto apresentado pelo Desembargador Federal Otávio Roberto Pamplona.

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 0038689-18.2010.404.0000/PR

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb Rel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Interessada: União FederalAdvogado: Procuradoria Regional da União

Interessados: Joaquim Narcizo Pedrosa Borges e outrosAparecida Mercedes Viani

José Milton FavorettoNoadir Souza Lima

Ady Tramujas SamwaysOldemar Solano Bueno

José Luiz GuimarãesRosalina Diorio Guerreiro

Tereza Maria de Souza CorreaDilce de Oliveira

Advogados: Dr. Antônio Fernandes SouzaDr. Anderson Fernandes de Souza

Interessado: Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Estado do RS

Advogados: Drs. Thiago Cecchini Brunetto e outrosSuscitante: 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Constitucional. Incidente de arguição de inconstitucionalidade. Art. 16-A da Lei nº 10.887/2004, parte final, com a redação dada pela Lei nº 12.350/2010. Contribuição para o plano de seguridade social – PSS. Rejeição.

O dispositivo apontado como inconstitucional diz claramente que a contribuição para o plano da seguridade social se dará “mediante apli-cação da alíquota de 11% sobre o valor pago”. Tal redação não conduz à leitura estrita de que seja a totalidade do valor pago, mas, sim, a de que é o valor no qual as leis declaram que há incidência.

Aprópria lei se encarrega de definir qual é a base de cálculo dotributo,devendoserobservadapeloJuizdaexecução,quefixará,caso

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a caso, o valor devido a título de PSS, nos termos do que determina a orientação normativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontos relativos à contribuição previdenciária dos servidores públicos federais decorrentes de precatórios e RPVs, além das vantagens expressamente excluídas no art. 4º, § 1º.

A disposição, à evidência, não se aplica quanto a valores sobre os quais não há incidência, como são as chamadas indenizatórias.

Inexiste, portanto, afronta ao disposto no artigo 195, § 4º c/c artigo 154, I, da Constituição Federal pelo artigo 16-A da Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, no tocante à expressão “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago” porquanto não há indicação de hipótese nova de incidência de tributo, massimdefiniçãodomomentodacobrançadeste.

O fato de a retenção ser efetuada no momento do pagamento indica, exclusivamente, aspecto temporal do tributo a ser observado.

Arguição de inconstitucionalidade rejeitada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial Judicial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, rejeitar o incidente de inconstitucionalidade, vencida a Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora, e os Desembargadores Federais Luiz Carlos de Castro Lugon, Victor dos Santos Laus, Celso Kipper e Otávio Roberto Pamplona, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 27 de outubro de 2011.Des. Federal Vilson Darós, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb: Trata-se deincidentedearguiçãodeinconstitucionalidadedapartefinaldoart.16-A da Lei nº 10.887/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, de seguinte teor:

“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público – PSS, decorrente de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação deacordo,seráretidanafonte,nomomentodopagamentoaobeneficiárioouaoseurepre-

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sentantelegal,pelainstituiçãofinanceiraresponsávelpelopagamento,porintermédiodaquitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, nocasodeimplantaçãoderubricaespecíficaemfolha,medianteaaplicaçãodaalíquotadeonze por cento sobre o valor pago.”

Distribuído o feito à Corte Especial, foram os autos remetidos ao Ministério Público Federal, que aviou parecer pelo não acolhimento do presente incidente.

É o breve relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb: Inicialmente, esclareço que não se está aqui tratando do momento do recolhimento da contribuição previdenciária, o que, sem dúvida, não se sujeita à declaração de inconstitucionalidade. Nenhuma mácula atinge a determinação de retenção na fonte, porquanto, como defendido pelo Ministério Público Federal, o sistema evita fraudes e agiliza o recolhi-mento do PSS, fonte de custeio da previdência social dos servidores.

Tampouco existe mácula com relação à incidência da contribuição previdenciária sobre as verbas salariais acumuladas. Não obstante meu entendimentopessoalarespeitodotema,ajurisprudênciafirmou-senosentido de que o seu recolhimento dispensa previsão no título judicial, por tratar-se de obrigação ex lege.Confira-se:

“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. DIFERENÇAS SALARIAIS. CON-TRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RETENÇÃO. BASE DE CÁLCULO. CRITÉRIOS.

. As verbas decorrentes de indenizações judiciais surgidas em virtude de vínculo jurídico de ordem laboral estão sujeitas ao recolhimento da contribuição previdenciária nos termos do regulamento vigente à época em que seriam devidas, apurando-se o respectivo valor, mês a mês, conforme a competência de cada pagamento.

. A contribuição previdenciária incide somente sobre as parcelas de natureza salarial, entendidas aquelas que se enquadram perfeitamente no sentido de contraprestação laboral.

. Por não possuir natureza salarial, os juros de mora apurados em condenação não estão sujeitos à incidência da contribuição previdenciária.

. A contribuição previdenciária não incide sobre os proventos de aposentadoria, quando as diferenças pagas na via judicial tiverem como referência competências anteriores à MP 166/2004, convertida na Lei nº 10.887/2004.

. A individualização ou a retenção das contribuições previdenciárias deve ser realizada no momento último em que o juiz da execução tiver disposição sobre os valores incluídos

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na execução.. Nos casos em que o efetivo pagamento depende de autorização judicial, as impor-

tâncias a serem recolhidas ao Plano de Seguridade Social do Servidor – PSSS deverão ser informadas quando da expedição do respectivo alvará de levantamento, determinando-se o recolhimento pela instituição bancária.

. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir.

. Agravo de instrumento improvido.” (TRF4, Agravo de Instrumento Nº 5004903-58.2011.404.0000, 4ª Turma, Desa. Federal Silvia Goraieb, por unanimidade)

“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRIBUIÇÃO PREVI-DENCIÁRIA. PSS. RETENÇÃO. POSSIBILIDADE. PROVENTOS. LIMITAÇÃO. 1. A retenção de valores devidos a título de contribuição ao Plano de Seguridade Social – PSS – decorre de imposição legal, sendo devida a dedução em tela no momento do recebimento dos valores por meio de precatório/RPV. É o que se extrai do texto do artigo 16-A da Lei nº 10.887/04, com a redação dada pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. 2. Sobre o tema, oSTJ,emanálisederecursosubmetidoàsistemáticadoartigo543-CdoCPC,pacificouque a retenção na fonte da contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público – PSS –, incidente sobre valores pagos em cumprimento de decisão judicial, prevista no artigo 16-A da Lei nº 10.887/04, constitui obrigação ex lege e como tal deve ser promovida in-dependentemente de condenação ou de prévia autorização no título executivo. 3. Porém, a contribuição de inativos para a previdência do regime próprio dos servidores públicos, instituída pela Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, só passou a ser exigível a partir de 19.03.2004, por força da anterioridade nonagesimal prevista no artigo 195, § 6º, da Constituição Federal. Dessa forma, não deve incidir contribuição previden-ciária sobre proventos de servidores, referentes a créditos originados anteriormente a esse período. 4. No caso, contudo, prejudicado o pedido subsidiário de afastamento da incidência da contribuição sobre os exequentes inativos/isentos, porquanto, nos termos da informação prestada pelo juízo a quo, o exame particularizado de cada servidor já fora feito, oportuni-dade em que foi determinada a liberação integral do valor depositado a um dos agravantes (isento da contribuição). 5. Agravo de instrumento improvido.” (TRF4, Agravo de Instru-mento nº 2009.04.00.028495-9, 3ª Turma, Des. Federal Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, D.E. 12.04.2011)

Todavia,apartefinaldoreferidoart.16-A,comredaçãodadapelaLei nº 10.350/2010, estabelece que o PSS será calculado “mediante a aplicação da alíquota de onze por cento sobre o valor pago”, previsão essa que não encontra respaldo na sistemática constitucional, como se verá adiante.

Sistemática aplicável às contribuições previdenciárias

A contribuição previdenciária tem como fato gerador uma relação de trabalho. Se não aquela relação celetista, tradicionalmente conhecida, em

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outra órbita, o vínculo jurídico que liga os servidores públicos ao Estado, mas com um ponto em comum àquela: uma contraprestação laboral.

Nem mesmo as relações ao arrepio das leis trabalhistas escapam de tal contexto, até porque a inexistência de registros não descaracteriza a relação de emprego, quando presentes os requisitos principais.

O fato gerador, porém, não se resume à relação de emprego ou ao vínculo jurídico estatutário, no caso dos servidores públicos. Em reali-dade, surge da reunião de diversos elementos sem os quais não se con-sumaráaobrigaçãoderecolhimento.Significadizerqueofatogeradorda contribuição previdenciária será a relação onerosa de emprego que se integraliza com o pagamento da remuneração correspondente.

Para o mesmo sentido tem apontado a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE ATUALIZAÇÃO CONTRATUAL NA CTPS. INTERESSE DO PARTICULAR LESADO EM SEUS DIREITOS TRABALHISTAS. CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMEN-TO PÚBLICO (ARTIGO 297, § 4º, DO CP). SÚMULA Nº 62 DO STJ. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. 1. Hipótese em que empresa privada deixa de anotar na CTPS da empregada os dados referentes às atualizações ocorridas no contrato de trabalho, com ofitodefrustrardireitostrabalhistas,dandoorigemàreclamaçãotrabalhista.Nãosevis-lumbra qualquer prejuízo a bens, serviços ou interesses da União, senão, por via indireta oureflexa,doINSSnaanotaçãodacarteira,dado que é na prestação de serviço que se encontra o fato gerador da contribuição previdenciária. Entendimento da Súmula nº 62 do STJ.2.Acompetênciaparajulgarcrimedefalsificaçãodedocumentopúblico,consistentena ausência de anotação de atualização do contrato de trabalho de empregado, é da Justiça Estadual, pois inexistente lesão a bens, serviços ou interesse da União. Súmula nº 62 do STJ.3.ConflitoconhecidoparadeclararcompetenteoJuízodeDireitoda3ªVaraCriminalda Comarca de São Carlos/SP, o suscitado.” (CC 201001706595, Maria Thereza de Assis Moura, STJ – Terceira Seção, 25.11.2010)

“TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CON-TRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O PAGAMENTO DE SALÁRIOS. FATO GERADOR. DATA DO RECOLHIMENTO. I – O fato gerador da contribuição previden-ciária não é o pagamento do salário, mas a relação laboral existente entre o empregador e o empregado, dessa forma o recolhimento da contribuição previdenciária deve ser efetuado a cada mês, após vencida a atividade laboral do período, independentemente da data do pagamento do salário. II – Agravo regimental improvido.” (STJ, AGA 618570/PR, Primeira Turma, Rel Min. Francisco Falcão, unânime, julg. 02.12.2004, DJU 14.03.2005, p. 211)

“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. PRAZO DE RECOLHI-MENTO. 1. O fato gerador da contribuição previdenciária é a relação laboral onerosa,

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da qual se origina a obrigação de pagar ao trabalhador (até o quinto dia subsequente ao mês laborado) e a obrigação de recolher a contribuição previdenciária aos cofres da Previdência. 2. A folha de salário é a base de cálculo da exação, sendo irrelevante para o nascimento do fato gerador o pagamento. 3. Disposição expressa do art. 30, I, b, da Lei 8.212/91 prevendo o recolhimento da contribuição previdenciária até o segundo dia do mês seguinte ao da competência. 4. Recurso improvido.” (STJ, REsp 502670/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, unânime, julg. 16.12.2003, DJU 25.02.2004, p. 149)

O pagamento dos salários atrasados pela via judicial somente tem o condão de integralizar a hipótese de incidência já desencadeada e não concluída, revelando-se, tão só, um de seus elementos, e não o conteúdo principaldadefiniçãolegal.

Társis Nametala Jorge, Procurador Federal de Primeira Categoria da Advocacia-Geral da União, comunga do mesmo entendimento.

Aoanalisaroselementoseaclassificaçãodefatosgeradoresdacon-tribuição previdenciária nas relações de cunho celetista, conclui o autor que “assim, será regra, ao nosso pensar, um fato gerador complexo para as contribuições previdenciárias, como se dá no caso dos empregados celetistas, dos empregados públicos, dos representantes comerciais, dos integrantes de cargos comissionados não exercentes de cargos efetivos, nas administrações públicas, etc.” (in Elementos de Direito Previden-ciário: de acordo com EC 41/03 e MP 222/04. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 56).

Com efeito, a gênese celetista ou estatutária do liame jurídico de or-dem laboral pouca ingerência tem. Destacam-se, prima facie, princípios basilares que, um vez compreendidos, oferecem a solução mais amoldada ao caso discutido nos autos.

NãoéoutraaposiçãofixadapelaAGUnoParecernºAC-21,de01de setembro de 2004 (DOU 15-09/2004).

Questionada a Consultoria-Geral da União acerca da destinação das contribuições previdenciárias vertidas em processos trabalhistas, cujos reclamantes deixaram a condição de celetistas com a edição da Lei nº 8.112/90, entendeu aquele órgão que a competência tributária ativa, em tal hipótese, pertence ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, haja vista a impossível desvinculação da natureza das parcelas pagas, do regime jurídico vigente à época em que a prestação deveria ter sido implementada.

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As considerações lançadas são por demais elucidativas.Todavia, em homenagem à brevidade, não se revela pertinente ou

fundamental a sua referência na íntegra, bastando o simples registro de algumas conclusões, notadamente aquelas acerca da natureza dos paga-mentos judiciais, in verbis:

“Precatórios. Contribuição previdenciária a ser recolhida pela UFJF.I – o fato gerador não é a complementação salarial determinada em juízo, mas o paga-

mento incompleto realizado em data pretérita.II – Ao INSS deve ser recolhida, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa a

precatórios em que são exequentes servidores públicos que, à época questionada em juízo, possuíam vínculo celetista. (...) (Parecer nº AGUMF – 12/2002).

Emconclusão,pode-seafirmar:a) as diferenças salariais recebidas em juízo são complementações de pagamento rea-

lizado em data anterior;b) o reconhecimento do direito do servidor, pela Justiça, mostra, apenas, que o pagamento

já deveria ter sido realizado no passado;c) o fato gerador, consequentemente, se deu no passado, quando o servidor, em regime

celetista, era contribuinte do Regime Geral de Previdência Social;d) ao INSS deve ser recolhida, pela UFJF, a contribuição previdenciária relativa a pre-

catórios em que, à época questionada em juízo, possuíam vínculo celetista.”

Ainda que anterior à Lei nº 12.350/2010, as conclusões permanecem atuais,atéporqueoquesebusca,nestemomento,éverificarseamo-dificaçãolegislativasustenta-sequandoemcotejocomosparâmetrosconstitucionais.

Nãovejo,pois,comomodificartodaaestruturaconsolidadaàcontri-buição previdenciária para os casos de pagamentos judiciais.

As indenizações pagas por requisição de pagamento nada mais são do que decorrência de uma prestação salarial incompleta. Surgem exa-tamente em virtude de vínculo jurídico de ordem laboral (celetista ou estatutário), impondo-se o recolhimento da contribuição previdenciária nos termos do regulamento vigente à época em que devidas. Ou seja, no seu devido tempo, observando-se a competência de cada pagamento.

Essa é a essência que orientava, até então, os procedimentos adotados pelaautarquiaprevidenciária,emconsonância,refira-se,comodispostona Instrução Normativa INSS nº 100/2003, ipsis litteris:

“Art. 72. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador da obrigação previdenciária principal e existentes seus efeitos:

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(...)§ 1° Considera-se creditada a remuneração na competência em que a empresa ou a

equiparada contratante for obrigada a reconhecer contabilmente a despesa ou o dispêndio.Art. 141. Serão adotadas as competências dos meses em que foram prestados os serviços

pelos quais a remuneração é devida, ou dos abrangidos pelo reconhecimento do vínculo empregatício, quando consignados nos cálculos de liquidação ou nos termos do acordo. (EficáciasuspensapelaInstruçãoNormativanº108/2004,somenteenquantopendentesdesolução, problemas operacionais)

§ 1º Quando, nos cálculos de liquidação de sentença ou nos termos do acordo, a base de cálculodascontribuiçõessociaisnãoestiverrelacionada,mêsamês,aoperíodoespecíficoda prestação de serviços geradores daquela remuneração, as parcelas remuneratórias serão rateadas, dividindo-se seu valor pelo número de meses do período indicado na sentença ou no acordo, ou, na falta desta indicação, do período indicado pelo reclamante na inicial, respeitadosostermosinicialefinaldovínculoempregatícioanotadoemCTPSoujudicial-mente reconhecido na reclamatória trabalhista.

§ 2º Se o rateio mencionado no parágrafo anterior envolver competências anteriores a janeiro de 1995, para a obtenção do valor originário relativo a cada competência, o valor da fração obtida com o rateio deve ser dividido por 0,9108 (valor da UFIR vigente em 01.01.1997, a ser utilizado nos termos do art. 29 da Lei nº 10.522, de 2002), dividindo--seemseguidaoresultadodessaoperaçãopeloCoeficienteemUFIRexpressonaTabelaPrática Aplicada em Contribuições Previdenciárias elaborada pela Diretoria de Receita Previdenciária do INSS para aquela competência.

§3ºNahipótesedenãoreconhecimentodevínculo,equandonãofizerpartedoacordohomologado a indicação do período em que foram prestados os serviços aos quais se refere o valor pactuado, será adotada a competência referente à data da homologação do acordo, ou à data do pagamento, se este anteceder àquela.

Art. 142. Serão adotados as alíquotas, os critérios de atualização monetária, as taxas de juros de mora e os valores de multas vigentes à época das competências apuradas na forma doart.141.”(EficáciasuspensapelaInstruçãoNormativanº108/2004,somenteenquantopendentes de solução, problemas operacionais)

Tais critérios aplicam-se indistintamente. Por muitos anos os servi-dores federais contribuíram com 6% ao mês de seus salários, não sendo correto que agora, ao receber parcelas atrasadas de tal período, por con-duta lesiva da ré, tenham a contribuição majorada.

O mesmo se diga com relação aos inativos e aos pensionistas, em particular no que se refere à contribuição de 11% instituída pela MP nº 167/2002 (convertida na Lei nº 10.887/2004), que não pode ser calculada sobre indenizações de períodos anteriores à norma de regência, pois isso significariaautorizarqueseusefeitosretroajam,técnicaexpressamenteproibida pela Constituição Federal, quando se trata de novas obrigações

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tributárias.A regra criada pela Lei nº 12.350/2010 não pode criar um novo fato

gerador, pois isso afrontaria o próprio regime contributivo do servidor e, até mesmo, o princípio da legalidade estrita.

Parcelas integrantes da base de cálculo

Emregra,integramabasedecálculoparafinsdecontribuiçãoparaaseguridade social aquelas parcelas com as quais haverá correspondência no momento da aposentadoria.

Implica dizer que a não inclusão de determinada rubrica nos futuros proventos terá como consequência a sua não contabilização na base de cálculo no momento da exação previdenciária, de modo que a contri-buição incidirá apenas sobre as parcelas de natureza permanente, como definidonoart.4ºdaprópriaLeinº10.887/2004,amesmaque teveacréscimosàredaçãodoart.16-A.Confira-se:

“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição.

§ 1º Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:

I – as diárias para viagens;II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede;III – a indenização de transporte;IV – o salário-família;V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche; VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; VIII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de

funçãodeconfiança;eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal,

o § 5º do art. 2º e o § 1º do art. 3º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003.” (grifei)

A referência ao artigo retro se presta perfeitamente para desenvolver o raciocínio conclusivo. Já em uma primeira análise, a previsão contida noart.16-A(novaredaçãodadapelaLeinº12.350/2010)verifica-seaincompatibilidade interna da norma.

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Em um primeiro momento, associa claramente a base de cálculo da contribuição previdenciária ao trabalho remunerado, inclusive com detalhamento das parcelas que compõem a sua base de cálculo. Em um segundo (art. 16-A), curiosamente amplia o conceito para determinar a incidência, em percentual único, a todo o valor pago mediante requisição de pequeno valor.

Tal pretensão do legislador merece ser rechaçada.

Inconstitucionalidade da parte final do art. 16-A da Lei nº 10.887/04

Assim dispõe o art. 16-A da Lei nº 10.887/04, com redação dada pelo art. 48 da Lei nº 10.350/2010:

“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS), decorrente de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação deacordo,seráretidanafonte,nomomentodopagamentoaobeneficiárioouaoseurepre-sentantelegal,pelainstituiçãofinanceiraresponsávelpelopagamento,porintermédiodaquitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, nocasodeimplantaçãoderubricaespecíficaemfolha,mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (grifo meu)

A inovação trazida pela alteração legislativa destaca-se justamente na expressão “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cen-to) sobre o valor pago”. Entenda-se sobre o total pago, segundo tese defendida pela União Federal nas razões de recurso do agravo que deu origem a este incidente. Refere o Ente Público “cuidar-se de valor total calculado na data de pagamento”.

Ora, tal conclusão não encontra respaldo no arcabouço constitucional. O art. 48 da Lei nº 10.350/2010 in fine, ao determinar que a contribuição previdenciária deva incidir sobre o total, acaba por criar um novo fato gerador para a contribuição previdenciária, estranho ao sistema consti-tucional de custeio.

E isso porque o pagamento de indenizações judiciais guarda relação apenas indireta com a prestação laboral, revelando-se, como já escla-recido, a complementação de uma relação já iniciada anteriormente e somente encerrada pela via judicial, em razão da resistência da ré em adimplir com verbas salariais.

Convém, neste passo, traçar um comparativo simples, mas por demais

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esclarecedor. É de notar que a manutenção da norma tal como posta, autorizaria a incidência de contribuição previdenciária sobre qualquer parcela de natureza salarial que venha a ser buscada pelo servidor em sede judicial, inclusive aquelas de natureza indenizatória.

Para tanto, bastaria que estivesse incluída na condenação e no cálcu-lo exequendo para atrair a noviça hipótese de incidência, ainda que se tratasse de rubrica não sujeita à contribuição na origem. Exemplo disso: adicional de férias, indenização pecuniária por licença-prêmio não goza-da, diárias, ajuda de custo, adicional de transporte, dentre outras parcelas.

Seguindo, assim estabelece a Constituição Federal:“Art.195.Aseguridadesocialseráfinanciadaportodaasociedade,deformadiretae

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

(...) § 4º – A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou ex-

pansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.Art. 154. A União poderá instituir: I – mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que

sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discri-minados nesta Constituição;” (grifei)

Não se cuida de simples ampliação da base de cálculo já existente. Já foi amplamente esclarecida que a essência da contribuição previdenciária é a prestação laboral, elemento esse ausente ao pagamento judicial e que, acima de tudo o precede.

Ademais, fosse assim, amodificação pressuporia amodificaçãoestrutural de todo o sistema contributivo, passando, em primeiro lugar, pelaredefiniçãodabaseinsertanoart.4ºdomesmodiplomalegal,hojedefinidocomo“ovencimentodocargoefetivo,acrescidodasvantagenspecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens”, excetuadas as parcelas ex-pressamente excluídas.

Assim, estamos diante de verdadeira hipótese de incidência nova e que passa à margem da sistemática constitucional.

Por todos esses fundamentos, exsurge a inconstitucionalidade em parte do dispositivo sob exame, devendo ser excluída do art. 16-A da Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, a

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expressão “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”, frente ao disposto no art. 195, § 4º c/c o art. 154, I, da Constituição Federal.

Prequestionamento

Oprequestionamentoquantoàlegislaçãoinvocadaficaestabelecidopelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado, considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou de lei referidos pelas partes.

Em face do exposto, acolho o presente incidente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “(...) mediante a aplicação da alí-quota de onze por cento sobre o valor pago”, contida no art. 16-A da Lei nº 10.887/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, com redução de texto.

É como voto.

VOTO DIVERGENTE

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Divirjo da e. Relatora.

Não vejo qualquer afronta ao disposto no artigo 195, § 4º, c/c artigo 154, I, da CF pelo artigo 16-A da Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010 no tocante à expressão “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”.

Com efeito, não está aqui a se criar uma hipótese nova de incidência de tributo, mas sim a indicar o momento da cobrança desse. Como bem referiu a Desembargadora Federal Marga Inge Barth Tessler no seu voto no Agravo de Instrumento no qual foi suscitado este incidente, o fato de a retenção ser efetuada no momento do pagamento indica, exclusivamente, aspecto temporal do tributo a ser observado.

Assim dispõe o dispositivo legal ora atacado:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS), decorrente

de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação deacordo,seráretidanafonte,nomomentodopagamentoaobeneficiárioouaoseurepre-sentantelegal,pelainstituiçãofinanceiraresponsávelpelopagamento,porintermédioda

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quitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, nocasodeimplantaçãoderubricaespecíficaemfolha, mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (Incluído pela Lei nº 12.350, de 2010)

Este artigo deve ser interpretado em consonância com o artigo 4º da mesma Lei, não isoladamente, verbis:

“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição. (Vide Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

§ 1° Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:

I – as diárias para viagens;II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede;III – a indenização de transporte;IV – o salário-família;V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche; VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho; VIII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de

função de confiança; eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal,

o § 5° do art. 2° e o § 1° do art. 3° da Emenda Constitucional n° 41, de 19 de dezembro de 2003.” (Grifo nosso)

Apróprialeiseencarregadedefinirqualéabasedecálculodotributo,devendoserobservadopelojuizdaexecução,quefixará,casoacaso,ovalor devido a título de PSS, nos termos do que determina Orientação Normativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontos relativos à con-tribuição previdenciária dos servidores públicos federais decorrentes de precatórios e RPVs, nos seguintes termos:

“a) o tribunal depositará o valor integral da requisição de pagamento com status de ‘bloqueada’e,emseguida,enviaráofícioàinstituiçãofinanceiraparaaliberaçãode89%do valor depositado e a abertura de conta à disposição do juízo da execução do valor rema-nescente, ou seja, os 11% restantes referentes à retenção na fonte do PSS;

b) com o valor referente ao PSS já bloqueado e depositado em conta à disposição do juízo, o juiz da execução fixará, caso a caso, o valor devido a título de PSS, emitindo o ofício de conversão em renda e a respectiva guia para que a instituição financeira faça o

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recolhimento na forma prevista no art. 16-A da Lei n° 10.887/2004, com a redação dada pela MP n° 449/2008, se for o caso;

c) no caso de não haver dados no processo que possibilitem ao juiz aferir o valor do PSS a ser retido, este intimará o órgão de origem do servidor público determinando que este forneça as informações necessárias;

d) os eventuais valores remanescentes, após a conversão em renda para recolhimento doPSS,deverãoserliberadosporalvarájudicialemfavordobeneficiário;

e) quando se tratar de requisição com honorários contratuais destacados, o cálculo dos 11% a serem bloqueados será feito sobre o total da requisição, entretanto o bloqueio do valorrelativoaoPSSincidirásomentenascontasdosbeneficiários.

f) quando se tratar de requisição de honorários contratuais destacados e mais de um beneficiário,ovalorpoderáserintegralmentebloqueadoecolocadoàdisposiçãodojuízo,quedefiniráosvaloresdevidosacadabeneficiário,bemcomoosvaloresrelativosàretençãodo PSS;” (Grifo nosso)

Assim, não vislumbro qualquer mácula na sistemática de retenção de valores devidos a título de contribuição ao Plano de Seguridade Social – PSS, que decorre de imposição legal e cujos valores devem ser sim deduzidos no momento do recebimento dos valores por meio de preca-tório/RPV,semanecessidadedeajuizamentodeexecuçãofiscalparaque o valor da exação seja recolhido aos cofres públicos.

Na mesma linha de entendimento, colaciono precedente do STJ:“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA.

DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. AUSÊNCIA DE PRE-QUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS DE LEI INVOCADOS. SÚMULA 211/STJ. ADMINISTRATIVO.

SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO COM A EVO-LUÇÃO FUNCIONAL. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SÚMULA 672/STF. COMPENSAÇÃO.

INTEGRALIZAÇÃO DO REAJUSTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO NA FONTE. ART. 16-A DA LEI Nº 10.887/2004. CABÍVEL. OBRIGAÇÃO EX LEGE. TESE FIXADA EM RE-CURSOS REPETITIVOS, ART. 543-C DO CPC. RESP 1.196.777/RS. RESP 1.196.778/RS.

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.

2. Descumprido o necessário e indispensável exame dos dispositivos de lei invocados pelo acórdão recorrido, apto a viabilizar a pretensão recursal dos recorrentes, a despeito da oposição dos embargos de declaração. Incidência da Súmula 211/STJ.

3.Nãoconfiguracontradiçãoafirmarafaltadeprequestionamentoeafastarindicaçãode afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possível

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o julgado se encontrar devidamente fundamentado sem, no entanto, ter decidido a causa à luz dos preceitos jurídicos desejados pela postulante, pois a tal não está obrigado.

4. A jurisprudência desta Corte, seguindo a orientação do Supremo Tribunal Federal, éfirmenoreconhecimentododireitodosservidorespúblicoscivisaoreajusteemseusvencimentos no índice de 28,86%, concedido pelas Leis nos 8.622/93 e 8.627/9.

5. É cabível a retenção na fonte na execução de título judicial, para a contribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor Público (PSS), pois a obrigação fixada pelo art. 16-A da Lei n° 10.887/2004 possui caráter ex lege.

6. Quanto à pretensão de afastamento da assertiva de ausência de demonstração da in-tegralização do reajuste de 28,86%, feita pela Corte de origem, não há como aferir eventual violação sem que se reexamine o conjunto probatório dos presentes autos.

7.Oshonoráriosfixadosnoiníciodaexecuçãoembargadasãoprovisórios,poissóseconheceráasucumbênciafinalquandodojulgamentodosembargos,noentanto,porseremaçõesautônomas,nessejulgamentodevemserfixadoshonoráriosparaaAçãodeExecuçãoe para a Ação de Embargos, observando sempre o limite máximo de 20% – § 3º do art. 20 do CPC – na soma das duas verbas.

Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1248638/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 09.09.2011)

Ante o exposto, voto por rejeitar o incidente de arguição de incons-titucionalidade, nos termos da fundamentação.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de decidir sobre a constitucionalidade da expressão contida no artigo 16-A da Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010 e que prevê a cobrança da contribuição para o Plano da Seguridade social – PSS “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago”.

Rogando a vênia à eminente Relatora que entendeu por conhecer da arguiçãoedeclararainconstitucionalidadedapartefinaldoartigo16-Ada Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, no tocante à expressão mencionada, meu entendimento é diverso.

Anormaemquestão,emumaprimeiraaproximação,seriaclassificávelcomo polissêmica, uma vez que, dessa norma, em tese, emanaria mais de um sentido interpretativo.

Entendeu a douta relatora que a norma sub examine não encontra respaldo na sistemática constitucional.

A interpretação do texto legal está sempre associada aos fatos sobre

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os quais incidirá a norma.É, inclusive, aplicável a interpretação conforme a Constituição nos

casosemqueadisposiçãolegalparececonflitarcomaConstituição,paraque dela se retire sentido harmônico ao sistema, preservando-a. Tal prin-cípio encontra limite no próprio texto legal interpretado, ao qual não se pode atribuir sentido que com ele razoavelmente não se coadune à guisa de harmonizá-lo com o texto constitucional. Em tal caso, a declaração de inconstitucionalidade da lei seria impositiva.

Todavia, não é esse o caso em tela, pois, ainda que à primeira vista a disposição possa ensejar tal interpretação, tenho que da norma, inter-pretada sistematicamente, extrai-se um único entendimento possível, o de que a expressão – “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago” – se refere aos valores que a lei permite a incidência da exação.

Então, vejamos.Assim dispõe o dispositivo legal ora atacado:“Art. 16-A. A contribuição do Plano de Seguridade do Servidor Público (PSS), decorrente

de valores pagos em cumprimento de decisão judicial, ainda que derivada de homologação deacordo,seráretidanafonte,nomomentodopagamentoaobeneficiárioouaoseurepre-sentantelegal,pelainstituiçãofinanceiraresponsávelpelopagamento,porintermédiodaquitação da guia de recolhimento remetida pelo setor de precatórios do Tribunal respectivo, no caso de pagamento de precatório ou requisição de pequeno valor, ou pela fonte pagadora, nocasodeimplantaçãoderubricaespecíficaemfolha,mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago.” (Incluído pela Lei nº 12.350, de 2010)

Este artigo deve ser interpretado sistematicamente, em consonância com o artigo 4º da mesma Lei, e não isoladamente, verbis:

“Art. 4º A contribuição social do servidor público ativo de qualquer dos Poderes da União, incluídas suas autarquias e fundações, para a manutenção do respectivo regime próprio de previdência social, será de 11% (onze por cento), incidente sobre a totalidade da base de contribuição. (Vide Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

§ 1° Entende-se como base de contribuição o vencimento do cargo efetivo, acrescido das vantagens pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, os adicionais de caráter individual ou quaisquer outras vantagens, excluídas:

I – as diárias para viagens;II – a ajuda de custo em razão de mudança de sede;III – a indenização de transporte;IV– o salário-família;

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V – o auxílio-alimentação;VI – o auxílio-creche;VII – as parcelas remuneratórias pagas em decorrência de local de trabalho;VIII – a parcela percebida em decorrência do exercício de cargo em comissão ou de

funçãodeconfiança;eIX – o abono de permanência de que tratam o § 19 do art. 40 da Constituição Federal,

o § 5º do art. 2° e o § 1° do art. 3° da Emenda Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003.” (Grifo nosso)

Ou seja, o dispositivo apontado como inconstitucional diz claramente que a contribuição para o plano da seguridade social se dará “mediante aplicação da alíquota de 11% sobre o valor pago”. Tal redação não con-duz à leitura estrita de que seja a totalidade do valor pago, mas, sim, a de que é o valor no qual as leis declaram que há incidência.

Apróprialeiseencarregadedefinirqualéabasedecálculodotributo,devendoserobservadapeloJuizdaexecução,quefixará,casoacaso,ovalor devido a título de PSS, nos termos do que determina a orientação normativa nº 1 do CJF, que dispõe acerca dos descontos relativos à con-tribuição previdenciária dos servidores públicos federais decorrentes de precatórios e RPVs.

A disposição, à evidência, não se aplica quanto a valores sobre os quais não há incidência, como são as chamadas indenizatórias.

Inexiste, portanto, afronta ao disposto no artigo 195, § 4º c/c artigo 154, I, da Constituição Federal pelo artigo 16-A da Lei nº 10.884/2004, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, no tocante à expressão “mediante a aplicação da alíquota de 11% (onze por cento) sobre o valor pago” porquanto não há indicação de hipótese nova de incidência de tributo, massimdefiniçãodomomentodacobrançadeste.

O fato de a retenção ser efetuada no momento do pagamento indica, exclusivamente, aspecto temporal do tributo a ser observado.

Não diverge desse entendimento o Superior Tribunal de Justiça, como se pode ler do voto proferido pelo Eminente Ministro Humberto Martins, no AgRg no REsp 1248638/RS, julgado em 01.09.2011, cuja ementa transcrevo:

“PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. AUSÊNCIA DE PRE-QUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS DE LEI INVOCADOS. SÚMULA 211/STJ. ADMINISTRATIVO.

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SERVIDOR PÚBLICO. REAJUSTE DE 28,86%. COMPENSAÇÃO COM A EVO-LUÇÃO FUNCIONAL. DESCABIMENTO. PRECEDENTES. SÚMULA 672/STF. COMPENSAÇÃO.

INTEGRALIZAÇÃO DO REAJUSTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECOLHIMENTO NA FONTE. ART. 16-A DA LEI Nº 10.887/2004. CABÍVEL. OBRIGAÇÃO EX LEGE. TESE FIXADA EM RE-CURSOS REPETITIVOS, ART. 543-C DO CPC. RESP 1.196.777/RS. RESP 1.196.778/RS.

1. Inexiste violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso.

2. Descumprido o necessário e indispensável exame dos dispositivos de lei invocados pelo acórdão recorrido, apto a viabilizar a pretensão recursal dos recorrentes, a despeito da oposição dos embargos de declaração. Incidência da Súmula 211/STJ.

3.Nãoconfiguracontradiçãoafirmarafaltadeprequestionamentoeafastarindicaçãode afronta ao art. 535 do Código de Processo Civil, uma vez que é perfeitamente possível o julgado se encontrar devidamente fundamentado sem, no entanto, ter decidido a causa à luz dos preceitos jurídicos desejados pela postulante, pois a tal não está obrigado.

4. A jurisprudência desta Corte, seguindo a orientação do Supremo Tribunal Federal, éfirmenoreconhecimentododireitodosservidorespúblicoscivisaoreajusteemseusvencimentos no índice de 28,86%, concedido pelas Leis nos 8.622/93 e 8.627/9.

5. É cabível a retenção na fonte na execução de título judicial, para a contribuição ao Plano de Seguridade Social do Servidor Público (PSS), pois a obrigação fixada pelo art. 16-A da Lei n° 10.887/2004 possui caráter ex lege.

6. Quanto à pretensão de afastamento da assertiva de ausência de demonstração da in-tegralização do reajuste de 28,86%, feita pela Corte de origem, não há como aferir eventual violação sem que se reexamine o conjunto probatório dos presentes autos.

7.Oshonoráriosfixadosnoiníciodaexecuçãoembargadasãoprovisórios,poissóseconheceráasucumbênciafinalquandodojulgamentodosembargos,noentanto,porseremaçõesautônomas,nessejulgamentodevemserfixadoshonoráriosparaaAçãodeExecuçãoe para a Ação de Embargos, observando sempre o limite máximo de 20% – § 3º do art. 20 do CPC – na soma das duas verbas.

Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 1248638/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01.09.2011, DJe 09.09.2011)

Ante o exposto, voto por rejeitar o incidente de arguição de incons-titucionalidade, nos termos da fundamentação.

É o voto.

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ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2002.71.09.002518-1/RS

Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós

Interessada: União FederalAdvogado: Procuradoria Regional da União

Interessados: Evandro Moisés Ferreira e outroAdvogado: Dr. Almir Vanderlei Machado Bastos

Suscitante: 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApenso(s): 0000944-04.2010.404.0000

EMENTA

Constitucional. Incidente de arguição de inconstitucionalidade. Art. 27, IX, das instruções gerais para a prorrogação do tempo de serviço militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97. Dependente caracterizado como arrimo de família. Princípios da isonomia e da proteção à família. Arts. 5º, caput, e 226 da CF.

O artigo 27, inciso IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014, de 1997, condiciona a prorrogação do tempo de serviço militar à inexistência de dependentes que os caracterizem como arrimos de família. Assim, os militares que não se enquadram nas hipóteses de exceção relacionadas nas alíneas do mesmo normativo, querendo permanecer vinculados ao serviço militar, só o poderão se omitirem perante a Administração a existência de dependentes.

A condição de “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo” é absolutamente inconstitucional, por afrontar os princípios da igualda-de e da proteção à família, assegurados nos artigos 5º, caput, e 226 da Constituição da República Federativa do Brasil.

O princípio da igualdade é direito e garantia, para o qual todas as demais normas devem obediência. As efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e, até mesmo, eventualmente estabelecidas por lei,entreaspessoas,desafiamainteligênciadosjuristasadeterminarosconceitos de “iguais” e “iguais perante a lei”. Assim, é papel do jurista a interpretaçãodoconteúdodessanorma,tendoemvistaasuafinalidade,para que dessa forma o princípio realmente tenha efetividade.

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Aceitar o discrimen previsto na expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo” implica reconhecer a possibilidade de se estabelecerem condições diferenciadas para pessoas que exercem a mesma atividade: os militares de carreira e os militares que prestaram o serviço militar obrigatório e prorrogaram seu tempo de serviço militar.

É certo que a atividade militar guarda suas peculiaridades e sujeita--se a regramento próprio, porém tal ordenamento não pode malferir os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, os quais se revelam norteadores de toda a legislação infraconstitucional.

Declarada inconstitucional a expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, contida no art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº1.014/97,porconflitarcomosprincípiosdaigualdadeedaproteçãoda família, insculpidos nos arts. 5º, caput, e 226 da Constituição.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial Judicial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, declarar a inconstitucionalidade da expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, do art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 22 de setembro de 2011.Des. Federal Vilson Darós, Relator.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Cuida-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade em apelação contra sentença que jul-gou procedente ação ordinária para condenar a União a pagar ao autor as vantagens relativas à indenização de moradia (diferença de 10% para 30%), salário-família, assistência pré-escolar e adicional de natalidade, acontardonascimentodecadafilho,comreflexonoadicionalnatalinoenacompensaçãofinanceiradequetrataaLeinº7.963/89.

Entendeu o prolator da sentença que o art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria

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nº1.014/97,conflitacomosprincípiosdaigualdadeedaproteçãodafamília, insculpidos nos arts. 5º, caput, e 226 da Constituição.

Pormeiodoacórdãodafl.108,a4ªTurmanegouprovimentoàape-laçãoeàremessaoficial,afastandoaincidênciadoreferidoart.27,IX,sem declarar expressamente sua inconstitucionalidade.

Opostos embargos de declaração, foram parcialmente providos para ofimexclusivodeprequestionamento(fl.115).

A União interpôs recurso extraordinário, que não foi admitido.Interposto agravo de instrumento, o Ministro Marco Aurélio deter-

minou a devolução dos autos a este Tribunal para que fosse observado o disposto na Súmula Vinculante nº 10 do STF.

A 4ª Turma deste Tribunal, em 04 de maio de 2011, por unanimidade, suscitou, perante esta Corte Especial, incidente de inconstitucionalidade da expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, do art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97.

O Ministério Público Federal ofertou parecer opinando pelo conhe-cimentoepelaprocedênciadoincidente.(fls.200-202).

É o sucinto relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Des. Federal Vilson Darós: Os autores, que ingressaram nasfileirasdoExércitoparaprestaroserviçomilitarobrigatórioepos-teriormente prorrogaram seu tempo de serviço, vieram a juízo postular o pagamento de direitos remuneratórios consistentes em indenização de moradia de 30%, salário-família, assistência pré-escolar e adicional denatalidade,acontardonascimentodecadafilho.Taisvantagensnãoforam requeridas na época própria, mediante declaração de dependentes, porquanto isso implicaria desengajamento do Exército, em razão do disposto no inc. IX do art. 27 das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97.

O presente incidente visa a examinar, em suma, se o art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97, viola os arts. 5º, caput, e 226 da Constituição. Isso porque, no julgamento da apelação, a 4ª Turma a) entendeu que a omissão na declaração da existência de dependente não

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afrontou o princípio da boa-fé; e b) afastou a incidência do art. 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1.014/97. Ao ser reformada tal decisão pelo E. STJ, determinou-se, apenas, a observância do disposto no art. 97 da Constituição Federal. Consequentemente, restou invalidada apenas a parte daquele acórdão em que restou afastada a incidência do referido art. 27, IX, sem declaração expressa de sua inconstitucionalidade.

A respeito do tema, José Carlos Barbosa Moreira enfatiza que, havendo anulação de acórdão por ofensa ao art. 97 da Constituição,“nada subsiste da deliberação do órgão fracionário – salvo parte acaso não invalidada por-que independente –, de modo que, voltando-lhe os autos, se põe ao seu exame, ex novo, a arguiçãodeinconstitucionalidade,queeleficalivrederejeitar,prosseguindonojulgamento,ou acolher, submetendo-a ao plenário ou ao ‘órgão especial’” (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, v. V, 10. ed., p. 42)

Feita a ressalva de que não há prejuízo daquilo que já foi decidido independentemente da arguição de inconstitucionalidade, ou seja, de que subsiste intacto o acórdão anterior na parte em que entendeu que a omissão na declaração da existência de dependente não afrontou o princípio da boa-fé, passo a enfrentar o referido inciso IX do artigo 27 das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, que possui o seguinte teor:

“Art. 27. São condições básicas requisitos para a prorrogação do tempo de serviço militar:(...)IX – não ter dependentes que o caracterizem como arrimo – esse requisito não se aplica

aosmilitaresnassituaçõesaseguirespecificadas,quepoderãoterotempodeserviçomilitarprorrogado, mesmo sendo arrimos:

a) o Cabo Músico e o Taifeiro;b) o Cabo e o Soldado que servem em guarnições especiais de 1ª e de 2ª categorias,

nesta última, quando possuírem destacamentos na Linha de Fronteira;c) o Cabo e o Soldado que foi reengajado após completar seis anos de serviço;d) o Cabo e o Soldado que já havia completado quatro anos de serviço e adquirido a

condição de arrimo antes de 7 de fevereiro de 1997.”

Como se vê, tal normativo condiciona a prorrogação do tempo de serviço militar à inexistência de dependentes que os caracterizem como arrimos de família. Assim, os militares que não se enquadrassem nas hi-póteses de exceção relacionadas nas alíneas retromencionadas, querendo

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permanecer vinculados ao serviço militar, só o poderiam se omitissem peranteaAdministraçãoaexistênciadedependentes,talqualfizeram.

Tenho que a condição de “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo” é absolutamente inconstitucional, por afrontar os princípios da igualdade e da proteção à família, assegurados nos artigos 5º, caput, e 226 da Constituição da República Federativa do Brasil.

Vejamos.Prescrevem o caput do art. 5º e o art. 226 da Constituição Federal

de 1988:“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-

-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...).

(...)Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.”

O princípio da igualdade está explícito no texto constitucional, sendo também mencionado no Preâmbulo da Constituição. É um princípio, um direito e uma garantia, para o qual todas as demais normas devem obe-diência. As efetivas desigualdades, de várias categorias, existentes e, até mesmo,eventualmenteestabelecidasporlei,entreaspessoas,desafiama inteligência dos juristas a determinar os conceitos de “iguais” e “iguais perante a lei”. Assim, é papel do jurista a interpretação do conteúdo dessa norma,tendoemvistaasuafinalidade,paraquedessaformaoprincípiorealmente tenha efetividade.

Diz Ingo Wolfgang Sarlet que o princípio da igualdade se encontra“diretamente ancorado na dignidade da pessoa humana, não sendo por outro motivo que a Declaração Universal da ONU consagrou que todos os seres humanos são iguais em dignidade e direitos. Assim, constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, as perseguições por motivo de religião, sexo,enfim,todaequalquerofensaaoprincípioisonômiconasuadupladimensãoformalematerial.” (Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 89)

Nessa linha, o professor Marcelo Amaral da Silva acrescenta: “A interpretação desse princípio [igualdade] deve levar em consideração a existência de desigualdades de um lado e, de outro, as injustiças causadas

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por tal situação, para, assim, promover-se uma igualização.” (Digressões acerca do princípio constitucional da igualdade. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4143>. Acesso em: 18 ago. 2011). Em outros termos, no caso em tela, aceitar o discrimen previsto na expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo” implica reconhecer a possibilidade de se estabelecerem condições diferenciadas para pessoas que exercem a mesma atividade: os militares de carreira e os militares que prestaram o serviço militar obrigatório e prorrogaram seu tempo de serviço militar.

É certo que a atividade militar guarda suas peculiaridades e sujeita--se a regramento próprio, porém tal ordenamento não pode malferir os direitos fundamentais previstos na Carta Magna, os quais se revelam norteadores de toda a legislação infraconstitucional.

Desse modo, o requisito em questão – não ter dependentes que o caracterizem como arrimo – mostra-se maculado pela inconstituciona-lidade, tanto no que se refere ao princípio insculpido no art. 5º, caput, quanto no disposto no art. 226, ambos de nossa Constituição vigente, porquanto desproporcional, mesmo consideradas as peculiaridades das atividades a serem exercidas, as quais, creio, não sofrem qualquer pre-juízo, são desempenhadas satisfatoriamente a despeito de os militares temporáriosteremfilhos.

Acrescente-se que o requisito em questão para a prorrogação do tempo de serviço militar foi excluído pela Portaria n° 426, de 15 de agosto de 2000. As portarias até então em vigor foram revogadas pela Portaria n° 600, de 7 de novembro de 2000, que manteve excluído o referido requi-sito, o que somente demonstra a intenção da Administração em adequar tais condições às regras e aos princípios constitucionais.

A propósito, este Tribunal já teve a oportunidade de se manifestar por diversas ocasiões sobre o tema:

“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PRORROGAÇÃO DE SERVIÇO. PORTARIA Nº 1.014/97 – CONDIÇÃO DE ARRIMO – AFASTADA. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROTEÇÃO À FAMÍLIA – VIOLAÇÃO. EFEITOS REMUNERATÓRIOS. JUROS MORATÓRIOS. 1. Há violação aos princípios da isonomia e da proteção à família pela Portaria Ministerial nº 1.014/97, art. 27, IX, ao não deferir a prorrogação do tempo de serviço de militares que possuam dependentes. Precedentes. 2. O militar não afronta o princípio da boa-fé quando omite a existência de dependente, tendo em vista a própria desproporção da

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exigência. A condição de arrimo do militar, se conhecida, levaria ao indevido licenciamento do autor. 3. Cabível percepção dos valores não pagos decorrentes da existência de depen-dente do autor. 4. As verbas remuneratórias devidas a servidores ou empregados públicos pela União serão acrescidas de juros de mora no percentual a ser determinado pela data de ajuizamento da ação, se anterior ou posteriormente à vigência da MP nº 2.180-35/2001, que acrescentou o art. 1º-F à Lei nº 9.494/97.” (TRF4, Apelação/Reexame Necessário nº 2004.71.09.000909-3, 3ª Turma, Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, por unanimidade, D.E. 05.03.2009)

“DIREITO ADMINISTRATIVO. OFICIAL MILITAR TEMPORÁRIO. PRORROGA-ÇÃO DO PERÍODO DE TEMPO DE SERVIÇO CONDICIONADA À INEXISTÊNCIA DE DEPENDENTES QUE O TORNEM ARRIMO DE FAMÍLIA. PORTARIA MINISTERIAL Nº 1.014/1997. INCONSTITUCIONALIDADE. Improvimento da apelação e da remessa oficial.”(TRF4,Apelação Cível nº 2001.71.09.001378-2, 3ª Turma, Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.J.U. 07.07.2004)

“ADMINISTRATIVO. MILITAR. PRORROGAÇÃO DE SERVIÇO. CONDIÇÃO DE ARRIMO. PORTARIA Nº 1014/97. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – AFASTAMENTO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. EFEITOS REMU-NERATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS.

– A impossibilidade jurídica do pedido revela-se como uma forma de limitação à regra da inafastabilidade de jurisdição, nas hipóteses em que a demanda se mostra incompatível com o ordenamento jurídico. Não é o caso dos autos, já que a tutela jurisdicional não en-contra proibição no ordenamento. Na verdade, a impossibilidade jurídica suscitada implica o exame do próprio mérito. Assim, afasto a alegada impossibilidade jurídica do pedido.

– O art. 29, IX, da Portaria Ministerial nº 1.014/97, ao não deferir a prorrogação do tempo de serviço de militares que possuam dependentes, viola os princípios da isonomia e da proteção à família. Precedentes.

– Em consequência, o autor faz jus à percepção dos efeitos remuneratórios decorrentes da injusta limitação, ou seja, dos valores que não foram pagos enquanto permaneceu vin-culado ao Exército, decorrentes da existência da dependente.

– A omissão na declaração da existência de dependente não afronta o princípio da boa-fé, tendo em vista a própria injustiça da exigência, que, se fosse conhecida, levaria ao indevido licenciamento do autor.

– No caso de dívidas de caráter alimentar, como salários e vencimentos, a correção monetária se dá a partir de cada mês de referência ou em que devido, mesmo que em data anterior ao ajuizamento da ação.

– Em relação aos juros moratórios, a jurisprudência consolidou-se no sentido de que, em se tratando de vencimentos de servidores públicos, dotados essencialmente de natureza alimentar, não é aplicável a Medida Provisória 2.180-35/01, que restringiu a 6% (seis por cento) ao ano a taxa de juros, incidindo então a regra prevista no artigo 3º do Decreto-Lei nº 2.322/87, que estabelece a taxa de juros de 1% (um por cento) ao mês para as prestações

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dessa natureza, a partir da citação.–Considerando-sequeoautorsucumbiuemcurtoperíododopedido,restaconfigu-

rada a sucumbência mínima, cabendo à União o pagamento dos honorários advocatícios, no valor de 10% sobre o valor da condenação, consoante dispõe o art. 20, § 3º, do CPC.” (TRF4, Apelação Cível nº 2004.71.09.000884-2, 3ª Turma, Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, D.J.U. 26.07.2006)

Isso posto, voto por declarar a inconstitucionalidade da expressão “não ter dependentes que o caracterizem como arrimo”, do artigo 27, IX, das Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar, aprovadas pela Portaria nº 1014/97.É o voto.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2005.71.00.016795-4/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Interessada: Soc. Educacional Monteiro LobatoAdvogados: Drs. Mario Luciano do Nascimento e outros

Suscitante: 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Tributário. Constitucional. Reserva de plenário. CF, art. 97 e art. 195, § 7º. Inciso X do art. 14 da MP nº 2.158-35. Apreciação da controvérsia. Determinação do STF. Ausência de inconstitucionalidade.

O Supremo Tribunal Federal determinou a apreciação da controvérsia vertida nestes autos em estrita observância ao que dispõe o art. 97 da Constituição Federal de 1988.

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A Egrégia Corte Especial do TRF da 4ª Região decidiu que o inciso X doart.14daMPnº2.158-35/01,queprevêaisençãodaCofinsparaasinstituiçõesdeensinosemfinslucrativos,emrelaçãoàsreceitaspróprias,não macula a Constituição Federal Brasileira.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, rejeitar a presente arguição de inconstitucionalidade, nos termos da fundamentação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficasqueficamfazendoparteintegrantedopresentejulgado.

Porto Alegre, 24 de novembro de 2011.Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Sociedade Educacional Monteiro Lobato impetrou mandado de segu-rança, com pedido liminar, para obter o reconhecimento da isenção da contribuiçãoàCofinsnosmoldesveiculadosnoincisoIIdoart.6ºdaLCnº 70/91 ou com base na MP nº 2.158-35/01, sem a interpretação dada pela Fazenda ao inciso X do art. 14 deste último normativo.

Sobreveiosentença(fls.271-274)que,confirmandoaliminardeferida,concedeu a segurança pleiteada para reconhecer a isenção prevista no art.14daMPnº2.158-35/01e,porfim,desconstituiuocréditotributáriolançado contra a entidade.

Inconformada,apelouaUnião(fls.281-284),pugnandopelareformada sentença conforme fundamentos esposados nas informações prestadas pela Autoridade impetrada.

Comcontrarrazões(fls.293-337),subiramosautos.O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo

(fls.339-43).A 1ª Turma desta Corte manteve a decisão recorrida, considerando

que as atividades da entidade educacional estão alcançadas pela isenção postulada,porquecompreendidasdentreasprópriasdainstituição(fls.344-346).

Contra essa decisão, aUnião opôs embargos de declaração (fls.

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351-352), ao argumento de que o acórdão negou vigência ao artigo 97 da Constituição Federal e à Súmula Vinculante nº 10, os quais foram rejeitadosnestaCorte(fls.353-355).

A impetrada interpôsRecursoEspecial eExtraordinário (fls. 359-363 e 365-375). Diante do juízo positivo de admissibilidade do recurso especial(fl.485),subiramosautosaoSuperiorTribunaldeJustiça,quelhe negou seguimento por tratar-se de controvérsia baseada em funda-mentoexclusivamenteconstitucional(fls.500-501).Namesmaesteira,negou provimento ao agravo regimental interposto pela União contra tal decisão(fls.512-516).

ORecursoExtraordinário(fls.486-487),porsuavez,nãofoiadmi-tido, dando ensejo à interposição de agravo de instrumento pela União, no qual esta requereu o restabelecimento da vigência do art. 97 e do art. 195,§7º,daConstituiçãoFederal(fl.488efl.03doAInº820.394),sendo que o Supremo Tribunal Federal determinou o conhecimento e o provimento do Recurso Extraordinário interposto pela impetrada para invalidar o acórdão questionado.

O Egrégio Tribunal Superior entendeu que o acórdão proferido por esta Turma, órgão fracionário de Tribunal, violou a cláusula de reserva de plenário (CF art. 97), entendendo ter declarado, ainda que não ex-pressamente, a inconstitucionalidade de lei, o que diverge da orientação plenária,deeficáciavinculante(SúmulaVinculantenº10).

Em consequência, determinou a apreciação da controvérsia constitu-cional suscitada nesta causa em estrita observância do que dispõe o art. 97daConstituiçãoFederalde1988(fl.533doAgravodeInstrumentonº 820.394 do Rio Grande do Sul, apenso).

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: O Egrégio Supremo Tribunal determinou a apreciação desta lide em Ple-nário para restabelecimento da vigência do art. 97 e do art. 195, § 7º, da ConstituiçãoFederal(fl.488efl.03doAInº820.394).

Nesse passo, nos moldes da determinação da Suprema Corte, esta Primeira Turma suscitou arguição de inconstitucionalidade do inciso X do artigo 14 da Medida Provisória n° 2.158-35 por violação ao artigo

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195, § 7°, da Constituição Federal.No entanto, ainda que pareça desarmônico com este incidente, im-

pende defender a constitucionalidade do inciso X do art. 14 da MP nº 2.158-35/01, pois este não viola dispositivo da Magna Carta.

Eis a redação dos artigos discutidos:“Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a partir de 1º de fevereiro de 1999,

sãoisentasdaCofinsasreceitas:(...)X – relativas às atividades próprias das entidades a que se refere o art. 13.” Grifei.“Art. 13. A contribuição para o PIS/Pasep será determinada com base na folha de salários,

à alíquota de um por cento, pelas seguintes entidades:(...)III – instituições de educação e de assistência social a que se refere o art. 12 da Lei nº

9.532, de 10 de dezembro de 1997; (...)” Grifei.

Cumpre transcrever o art. 12 da Lei nº 9.532/97:“Art. 12. Para efeito do disposto no art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição,

considera-se imune a instituição de educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter complementar às atividades do Estado, sem fins lucrativos. (Vide artigos 1º e 2º da Mpv 2.189-49, de 2001) (Vide Medida Provisória nº 2158-35, de 2001)” Grifei.

O art. 195, § 7º, da Constituição Federal de 1988 assim estabelece:“Art.195.Aseguridadesocialseráfinanciadaportodaasociedade,deformadiretae

indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais:

§ 7º – são isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.” Grifei.

AMPnº2.158-35/01dirige-seàsentidadessemfinslucrativosdes-pidasdaexigênciadepossuircaráterbeneficenteoufilantrópicoedopreenchimento dos requisitos do art. 55 da Lei nº 8.212/91, tais como CertificadoeRegistrodeEntidadedeFinsFilantrópicos,CertificadodeEntidadeBeneficentedeAssistênciaSocial,etc.

Oart.195,§7º,daCFcontemplaasentidadesbeneficentesdeassis-tência social com a benesse constitucional da imunidade da contribuição para a Seguridade Social, desde que atendam às exigências estabelecidas em lei, não obstante utilizar impropriamente o termo isenção.

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Com efeito, não há que se confundir os conceitos. A jurisprudência constitucionaldoSupremoTribunalFederaljáidentificou,nacláusulainscrita no art. 195, § 7º, da Constituição da República, a existência de uma típica garantia de imunidade (e não de simples isenção) estabelecida emfavordasentidadesbeneficentesdeassistênciasocial.Precedente:RTJ 137/965 (STF, 1ª Turma, RMS 22.192-9/DF, Rel. Min. Celso de Mello, unânime, DJ 19.12.96).

JáaMedidaProvisóriaemcomentoprevêaisençãodaCofinsparaasinstituiçõesdeensinosemfinslucrativosemrelaçãoàsreceitaspróprias,o que não macula o benefício com a inconstitucionalidade.

Ante o exposto, voto por rejeitar a presente arguição de inconstitu-cionalidade, nos termos da fundamentação.

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 2008.71.02.003458-4/RS

Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch Rel. p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose

Interessado: Aroldo de Oliveira NunesAdvogado: Dr. Walter Machado Veppo

Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional

Suscitante: 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EMENTA

Arguição de inconstitucionalidade. Importação de mercadoria en-quadrada no conceito de bagagem. Instrução Normativa nº 117/98 da Secretaria da Receita Federal. Limite de isenção diferenciado conforme o meio de transporte utilizado para a internação. Rejeição do incidente.

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1. A Instrução Normativa SRF nº 117/98, em seu art. 6º, inciso III, alíneas a e b, dispõe qual o limite de isenção do imposto de importação, aplicável aos bens importados e que estejam enquadrados no conceito de bagagem, fazendo distinção entre o transporte por “via aérea ou marítima” (quotade500dólares)eaquelerealizado“porviaterrestre,fluvialoulacustre” (quota de 300 dólares). 2. Rejeição do incidente de arguição deinconstitucionalidadediantedajustificadaelegítimadiferenciaçãoentre as cotas de isenção, especialmente pelo reconhecimento da função preponderantemente extrafiscal do impostode importação, tendoporfinalidadeaconsecuçãodeobjetivosestataisconstitucionais(proteçãoà indústria e ao comércio nacionais, salvaguarda da economia nacional, promoção do desenvolvimento nacional).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionalidade, nos termosdorelatório,votosenotastaquigráficasqueficamfazendoparteintegrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2012.Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator para o acórdão.

RELATÓRIO

A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch: Trata--se de mandado de segurança contra auto de infração que determinou a apreensão e o perdimento de mercadoria estrangeira (aparelho de ar condicionado) internalizada de modo irregular, objetivando a liberação do referido bem.

A sentença concedeu parcialmente a segurança, reconhecendo a nulidade da intimação por edital realizada no processo administrativo, anulando todos os atos posteriormente praticados e determinando à Auto-ridade Impetrada que efetue a reabertura do prazo para que o Impetrante possa apresentar Impugnação ao Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 1010300/39/2007.

Apelou o impetrante, postulando o enfrentamento do mérito da alega-ção de ilegitimidade da aplicação da pena de perdimento, argumentando

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que a mera reabertura do prazo para a defesa administrativa, como deter-minada na sentença, somente vai postergar seu reingresso no Judiciário com a mesma questão ora suscitada. Alega que a cota de isenção, no valor de US$ 300,00 para o viajante por via terrestre, representa ofensa ao princípio da isonomia tributária, porquanto os que se utilizam das vias aérea ou marítima são agraciados com um limite superior (US$ 500,00). Cita doutrina que afasta o conceito de mercadoria para o bem sub ju-dice,afirmandoqueapenadeperdimento,tambémnajurisprudência,somente pode alcançar os bens móveis comprados para revenda como lucro – sendo que, no seu caso, apenas efetuou na verdade ingresso de produto para uso e consumo próprio. Aduz sua boa-fé, contra a qual não produziu provas o Fisco, requerendo o provimento do recurso, com a determinação de restituição do produto apreendido.

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.Na sessão de 21.09.2010, a 2ª Turma deste Regional, por maioria,

vencido o Relator, arguiu a inconstitucionalidade da diferenciação de cotas de isenção com base no critério do meio de transporte prevista na Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, III, a e b.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da presente arguição.

É o relatório.

VOTO

A Exma. Sra. Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch:

Preliminar – Do cabimento da arguição – Princípio da isonomia e norma isencional

Poder-se-ia sustentar – e inclusive assim o faz a Fazenda Nacional em memoriais apresentados – que não se admite a invocação do princípio da isonomia para que se estenda tratamento jurídico diferenciado a contri-buinte não contemplado no texto legal, conforme jurisprudência do STF.

Ocorre que tal raciocínio não se aplica à questão posta na presente arguição, como se demonstrará a seguir, por dois motivos: em primeiro lugar, toda a jurisprudência do STF foi construída tomando por base pedidos de extensão de regimes jurídicos diferenciados a quem por eles não tinha sido contemplado – ou seja, a isenção que se buscava estender

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era qualitativamente diferente do regime imposto ao contribuinte que se sentia prejudicado. Não se estende isenção a contribuinte “não contem-plado pela lei” (AI 360461/MG, relator Min. Celso de Mello, julgado em20.09.05,porexemplo).AorientaçãodoSTFfirmou-seapartirdoRE 159.026, que reconheceu não haver violação do princípio da isono-mia pelo Decreto-Lei 2434/88, que isentou do IOF todas as operações de câmbio relativas à importação cujas guias fossem expedidas a partir de 01 de julho daquele ano, relativamente aos importadores cujas guias haviam sido expedidas anteriormente àquela data. O acórdão foi claro ao afirmarquenãohaviadiscriminaçãoporqueamedidahaviabeneficiadoindiscriminadamente, de modo harmônico e idêntico, os importadores em igual situação, inadmitindo a retroação temporal da isenção na forma pretendida pelos contribuintes. Veja-se, portanto, que a jurisprudência assimsefirmouapartirdeumadistinçãotemporal,denaturezaqualita-tiva, assinalando de forma clara que todos os importadores cujas guias fossem expedidas a partir de 01 de julho, tinham tratamento igual.

Aqui, não há uma diferença qualitativa, mas meramente quantitativa, cuja correção não implica colocar-se o Judiciário na posição de legislador positivo, já que ele não estará criando um regime isentivo para quem não o possui, mas apenas equiparando percentuais dentro do mesmo regime. A própria lei fala em “viajante que se destine ao exterior ou dele proceda”, sendo de fácil constatação a condição de viajante, não carecendo de exame mais aprofundado sobre a qualidade dos objetos em comparação. Veja-se que o próprio Supremo Tribunal Federal vem impe-dindo a diferenciação das alíquotas de IPVA para veículos importados, o que implica, em síntese, estender-lhes o tratamento tributário dado aos veículos nacionais, com base no princípio da isonomia, sem considerar que, assim agindo, esteja assumindo a posição de legislador positivo – AI 483726 AgR/AL – Alagoas, relator Min. Marco Aurélio, julgado em 21.06.11; RE 367785 AgR/RJ – Rio de Janeiro, relator Min. Eros Grau, julgado em 09.05.06, entre outros. Da mesma forma, na ADI 1600/DF, o Plenário daquela Corte julgou inconstitucional a exigência do ICMS sobre a prestação de certos serviços de transporte aéreo, ao argumento de que, isentas as empresas estrangeiras em função de convênios celebrados, violava-se o princípio da isonomia. Em assim agindo, nada mais fez do que estender a isenção gozada pelas empresas estrangeiras às nacionais.

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Em segundo lugar, a jurisprudência mais recente do STF indica jus-tamente a linha de distinção feita acima, no momento em que, havendo diferença qualitativa de regimes, conclui pela impossibilidade de extensão das isenções porque tal demandaria uma investigação mais profunda so-bre a isonomia, já não mais cabível na esfera extraordinária. Por exemplo, em recente decisão, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, a Segunda Turma daquela Corte admitiu a possibilidade de examinar a quebra da isonomia nas isenções tributárias, contanto que as razões recursais fossem suficientesatanto.Cito,arespeito,trechodovotodorelator:

“No caso em exame, as razões de agravo regimental limitam-se a ressaltar a suposta ob-viedadedafaltadejustificaçãodocritériolegalescolhidoparaconcessãodobenefício(datade emissão da guia de importação). Mas nada há de óbvio na matéria. Para que fosse possível reverter a decisão agravada, seria necessário aprofundar o debate acerca da inadequação da data de emissão da guia de importação para estabelecer distinção relevante, considerado o objetivopretendidocomaexoneração(políticafiscal).Adeficiênciadasrazõesrecursaisimpede a exata compreensão da controvérsia.” (AI 333040 AgR-SP, julgado em 07.12.2010)

Essa decisão está em harmonia com a jurisprudência mais recente da EgrégiaCorte,quepassouaconsideraranecessidadedejustificaçãodocritério legal escolhido para estabelecer a distinção no campo tributário, devendo ser ele adequado ao objetivo escolhido. Veja-se, por exemplo, a ADI 4033/DF, relator ministro Joaquim Barbosa, julgada em 15.09.2010, que reconheceu a inexistência de violação do princípio da isonomia na concessão de isenção de contribuição sindical patronal às microempre-saseàsempresasdepequenoporteporque“nãoficoudemonstradaainexistência de diferenciação relevante entre os sindicatos patronais e os sindicatos de representação de trabalhadores, no que se refere ao potencial das fontes de custeio”. A quebra ou não do tratamento isonô-mico, portanto, passa também por uma análise de proporcionalidade e razoabilidade, como se verá adiante. Conclui-se daí que, se houvesse uma efetiva demonstração da discriminação, a extensão poderia ocorrer na via judicial. Com mais razão, no presente caso, em que a distinção é meramente quantitativa.

Como visto, portanto, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não rechaça a possibilidade de controle das isenções tributárias sob a ótica da isonomia. Resta analisar, agora, se esse controle somente seria possívelparafinsdeeliminaradiscriminaçãopormeiodareduçãoou

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da retirada da isenção daquele que a recebeu em maior quantidade ou isoladamente, ou se ele também poderia servir para estender a isenção àquele em favor de quem se reconheça ter havido discriminação.

A decisão mais recente do Supremo Tribunal Federal a tratar do assunto foi o RE 405579/PR, julgado em 01.12.2010, relator ministro Joaquim Barbosa. Nessa decisão, por apertada maioria, o STF concluiu que não pode o Judiciário, sob pretexto de tornar efetivo o princípio daisonomiatributária,estenderbenefíciofiscalsemquehajaprevisãolegalespecífica.Ainda,afirmouquenaquelecaso,aeventualconclusãopela inconstitucionalidade do critério, entendido como indevidamente restritivo,conduziriaàinaplicabilidadeintegraldobenefíciofiscal,nãosendo possível estender o benefício aos não expressamente contemplados.

Essa decisão merece algumas considerações. A primeira delas é que a distinção entre os atingidos ou não pela isenção era de natureza qualitati-va: de um lado, montadoras e fabricantes de veículos; de outro, empresas atuando no mercado de reposição. Em segundo, devem-se destacar os magistrais ensinamentos do voto-vista do ministro Gilmar Mendes, que demonstra a evolução da jurisprudência do STF no sentido de se afastar do dogma kelseniano do legislador negativo, entendendo pela possibilidade da extensão. Em seu voto, o ministro discorre sobre os inúmeros casos em que o STF vem atuando como legislador positivo, concluindo que “é possível antever que o Supremo Tribunal Federal acabe por se livrar do vetusto dogma do legislador negativo e se alie à mais progressiva linhajurisprudencialdasdecisõesinterpretativascomeficáciaaditiva,já adotadas pelas principais Cortes Constitucionais europeias”. Prosse-guindo em seu voto, concluiu ele que, no caso, a completa nulidade do benefíciofiscalaserproduzidopordecisãosimplesdedeclaraçãodein-constitucionalidade não alcançaria os objetivos pretendidos e extinguiria estímulosextrafiscaisdapolíticaeconômica,tornando-senecessáriaumasolução diferenciada, que exercesse função reparadora, de restauração corretiva da ordem jurídica afetada pela decisão de inconstitucionalidade, concluindo pela legitimidade da extensão do benefício.

Embora o ministro Gilmar Mendes tenha restado vencido na ocasião, o certo é que foi acompanhado pelo ministro Carlos Britto e pelo minis-tro Ricardo Lewandowski, todos na linha do ministro Marco Aurélio, que havia inaugurado a divergência. Acompanharam o relator, Joaquim

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Barbosa, mantendo a posição antiga do STF, os ministros Eros Grau, Cezar Peluso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. A votação, portanto, foi seis a quatro, uma apertada maioria. Ocorre que, dos ministros que acompa-nharam o relator, dois já não mais compõem aquela corte: ministra Ellen Gracie e ministro Eros Grau. O ministro Celso de Mello, na ocasião, não votou, declarando impedimento. Na atual composição daquela Corte, considerando em especial que o ministro Celso de Mello não participou daquele julgamento, há fundadas razões para imaginar que o posiciona-mento defendido pelo ministro Gilmar Mendes prevaleceria. Aliás, como bem lembrou o ministro Gilmar em seu voto, o próprio STF já admitiu esse tipo de extensão quando, reconhecendo a violação da isonomia no tratamento dado às empresas nacionais de transporte aéreo ao se lhes exigir ICMS, aplicou-se-lhes o mesmo regime isentivo concedido às em-presas internacionais em função de convênios celebrados (ADI 1600-8/DF, relator min. Sydney Sanches, julgada em 25.11.2001).

Diante dos argumentos expostos, e tendo em vista que pode o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, em sede de controle de constitucio-nalidade, contribuir para o debate já instaurado na própria corte suprema, alinhando-se com doutrina e jurisprudência constitucionais contemporâ-neas, conheço da presente arguição e passo a analisar o mérito.

Mérito

Trata-se de arguição de inconstitucionalidade da diferenciação de quotas de isenção com base no critério do meio de transporte, prevista na Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b.

A controvérsia é quanto à legalidade da aplicação da pena de perdi-mento a aparelho de ar condicionado (modelo SPLIT – 12000 BTU) adquirido no exterior pelo impetrante, no valor de US$ 389,00 (trezentos e oitenta e nove dólares – fls. 36-38), e introduzido no território nacional sem Declaração de Bagagem Acompanhada – DBA e sem o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação.

A Instrução Normativa SRF nº 117/98 dispõe qual o limite de isenção aplicável aos produtos estrangeiros enquadrados no conceito de bagagem, fazendo distinção entre o transporte por “via aérea ou marítima” e aquele realizado“porviaterrestre,fluvialoulacustre”,nosseguintestermos:

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“Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:I – bagagem: os bens novos ou usados destinados a uso ou a consumo pessoal do via-

jante, em compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem. (...)II – bagagem acompanhada: a que o viajante portar consigo no mesmo meio de transporte

em que viaje, desde que não amparada por conhecimento de carga;Parágrafo único. Incluem-se entre os bens de uso ou consumo pessoal aqueles destinados

àatividadeprofissionaldoviajante,bemcomoutilidadesdomésticas.(...)Art. 6º A bagagem acompanhada está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos; II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,

para uso próprio do viajante, em quantidade e qualidade compatíveis com a duração e a finalidadedasuapermanêncianoexterior;

III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500.00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra

moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;b) US$ 300.00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moeda,

quandooviajanteingressarnoPaísporviaterrestre,fluvialoulacustre.”(Redaçãodadapela IN SRF nº 538, de 20.04.2005)

No caso dos autos, o bem internalizado enquadra-se no conceito de bagagem acompanhada, como “outros bens”, os quais são isentos dos tributos incidentes sobre a importação, desde que obedecido o limite da quota de isenção prevista, a qual, para a hipótese, seria de US$ 300,00 (trezentos dólares americanos), porquanto o ingresso do bem em território nacional deu-se por via terrestre.

Em sua apelação o impetrante sustenta que a cota de isenção, no valor de US$ 300,00, para o viajante por via terrestre, representa ofensa ao princípio da isonomia tributária, porquanto pessoas que se utilizam das vias aérea ou marítima são agraciadas com um limite superior (US$ 500,00).

Assim dispõe a Constituição Federal quanto ao princípio da isonomia tributária:

“Seção IIDAS LIMITAÇÕES DO PODER DE TRIBUTARArt. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(...)II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-

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valente,proibidaqualquerdistinçãoemrazãodeocupaçãoprofissionaloufunçãoporelesexercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”

Entendo que assiste razão ao impetrando, consistindo em afronta ao princípio constitucional da isonomia a discriminação da quota de isenção tão somente pelo critério do meio de transporte.

Firmou-se a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a indagação a respeito de quais contribuintes podem ser discriminados sem violação da isonomia tributária tem que levar em conta os seguintes fatores: a) razoabilidade da discriminação, baseada em diferenças reais entre as pessoas ou objetos taxados; b) existência de objetivo que jus-tifiqueadiscriminação;c)nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcança-lo (veja-se, a respeito, o magistral voto do ministro Eros Grau na ADI 3128/DF, julgada em 18.08.2004, p. 158). Naquela ocasião, em outro voto brilhante, o ministro Cezar Peluso afirmouque“as exigências de justiça, no direito tributário, subordinam o tratamento normativo à me-dida da riqueza manifestada, ou, em rigor técnico, ao conceito de capacidade contributiva (art. 145, parágrafo 1°, da Constituição da República), de modo que as distinções entre categorias de pessoas devem fundar-se nesse critério, e a adoção de qualquer outro há de manter perceptível e justificada correlação lógico-jurídica com os propósitos normativos e os direitos e garantias fundamentais, sob pena de insulto ao princípio da igualdade.” (p. 125, grifos nossos)

Inicialmente, é notório que a diferenciação das cotas não leva em conta a capacidade contributiva individual de cada viajante; ao contrário, talvez favoreça com isenção maior aquele que tem melhores condições econô-micas, mas é certo que as mais diversas situações podem se apresentar. Resta, assim, analisar a razoabilidade da diferenciação, examinando se há diferenças reais entre os viajantes que utilizam meios de transporte aéreoouterrestre;aexistênciadeobjetivoquejustifiqueadiscrimina-ção e o nexo lógico entre o objetivo perseguido e a discriminação que permitirá alcançá-lo. A meu ver, não há diferença real entre os viajantes que utilizam meios de transporte aéreo ou terrestre do ponto de vista da diferenciação das cotas de isenção. E, mesmo que se considerasse que o meiodetransporteutilizadoéindíciosuficientedeumadiferençacapazdejustificarotratamentodiscriminatório,nãohaverianexológicoentreo objetivo perseguido e a discriminação, conforme passo a analisar.

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Comefeitonãoreconheçocomosituaçõesdistintas,suficientesparajustificarumtratamentotributáriodiferenciado,ofatodeabagagem,proveniente do exterior, ser introduzida no território nacional por “via aérea ou marítima” (quota de isenção de US$ 500,00) ou “por via ter-restre,fluvialoulacustre”(quotadeisençãodeUS$300,00).

Inclusive, entendo que essa discriminação da tributação, simples-mente pelo critério do meio de transporte, pode resultar, em muitos casos, em uma espécie de privilégio indevido, concedido justamente às pessoasque,aparentemente,detêmmelhorsituaçãofinanceiraequetêmcondições de viajar ao exterior “por via aérea ou marítima”. Embora a Fazenda Nacional argumente que a norma protegeria o cidadão médio que, muito esporadicamente e com grande sacrifício de economias, se dirige ao estrangeiro em aeronave, ocasião em que, pela raridade do evento,seriabeneficiadopelapossibilidadedetrazerbensdemaiorva-lor, é certo que a norma atacada não prevê tamanha esporadicidade, já que a cota de isenção pode ser utilizada a cada mês (art. 7° da IN SRF 117/98 – uma vez a cada trinta dias). Pelo mesmo motivo, não procede o argumento de que a norma teria por objetivo impedir “viagens para comprar”, porque a cota de isenção, além de insignificante para aqueles que pretendem descaminhar produtos para comercialização no território nacional, somente pode ser usada uma vez a cada mês, o que, por si só, independentemente de ter valor equivalente 300 ou 500 dólares, seria suficiente a impedir tais “viagens para comprar”. Assim, resta, a meu ver, efetiva discriminação, que não se justifica por nenhum dos objetivos apontados pela Fazenda Nacional.

Se a cota de isenção, seja de trezentos, seja de quinhentos dólares, somente pode ser utilizada uma vez ao mês, não posso vislumbrar jus-tificativalegítimaparaqueacotaparaotransporteterrestresejamaisbaixa. Isso poderia ser justificado caso não houvesse controle sobrea utilização das cotas, quando se quisesse impedir que moradores de cidades fronteiriças estivessem a todo o momento fazendo compras em países vizinhos e gozando de tal isenção. Mas, limitada a uma vez por mês,tenhoquenãosejustifica;aocontrário,presta-seagerardistorçõesde vários tipos. Imagine-se, por exemplo, o cidadão que sai de Porto Alegre de carro, com sua família, para passar férias no Uruguai ou na Argentina e, ao retornar, tem direito a uma isenção de apenas trezentos

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dólares, em comparação com aquele que pega um avião e vai passar o finaldesemanaemBuenosAiresouMontevidéu,gastandocertamentemuito menos em passagens do que o outro em gasolina, e ao retornar tem direito a uma cota de isenção de quinhentos dólares. Que situação é mais esporádica ou menos privilegiada? A do cidadão que pode perfeita-mente pegar um voo em Porto Alegre e, em uma hora e alguns minutos, chegaremMontevidéuouBuenosAiresparapassarofinaldesemana,ou até em São Paulo, chegando algumas horas depois; ou a daquele que pegou seu carro, enfrentou horas de estrada, e foi passar uma semana ou mais de férias por lá com a família? Reitero, a cota de isenção não se relaciona, a meu ver, com coibição de sacoleiros e pessoas que viajam com o objetivo de descaminhar mercadorias. Ela se destina ao turista comum, ao viajante comum, o que resta claro tanto por seus valores como pela limitação temporal de gozo, ou seja, somente uma vez ao mês, independentemente do meio de transporte utilizado. E como somente pode ser utilizada uma vez ao mês, também não serve para impedir que moradores da fronteira a cruzem o tempo todo comprando mercadorias no exterior. Ela é uma simples cota para turistas e, portanto, o que eu vejo na diferença de valores é, sim, discriminação entre pessoas que se encontram na mesma condição.

Mais, registro que as viagens aéreas para os países integrantes do Mercosul, como a Argentina, o Paraguai ou o Uruguai, este último de onde provém a mercadoria apreendida (Rivera), não demandam qualquer burocracia quanto à documentação, o que só reforça a conclusão de que, no caso dos autos, a discriminação tributária, com base apenas no meio de transporte, é indevida, afrontando o princípio da isonomia tributária previsto no art. 150, II, da CF/88.

Neste Regional já há precedentes reconhecendo que a IN SRF nº 117/98 afronta o princípio da isonomia tributária, porque estipula quo-tas diferenciadas de isenção para a importação, conforme for o meio de transporte (aéreo ou terrestre):

“EMENTA: ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA EM ZONA SECUN-DÁRIA DA FRONTEIRA. INGRESSO REGULAR. COTA DE ISENÇAO. Demonstrado que as mercadorias apreendidas no recinto do aeroporto de Foz do Iguaçu foram introduzi-das regularmente no país, tendo sido declaradas perante o Posto de Fiscalização da Ponte da Amizade e recolhidos os tributos sobre o valor que excedeu à cota de isenção. Em face do princípio da isonomia, aplica-se a mesma cota de isenção de tributos em relação à

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mercadoria introduzida por via terrestre ou área.” (TRF4, AC 2008.70.02.006200-0, Se-gunda Turma, Relator Artur César de Souza. Sessão de 15.012.2009. Unanimidade. D.E. 03.02.2010) (Grifei)

“PENAL E PROCESSO PENAL. DENÚNCIA, REJEIÇÃO, DESCAMINHO. PRIN-CÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. COTA DE ISENÇÃO. SUSPENSÃO DO PROCESSO.

1. Cabe ao Juiz rejeitar denúncia que narra fato que não se amolda a um tipo penal, por constituir crime de bagatela, destituído de qualquer valoração de expressividade a merecer reprovação penal.

2. A pena criminal tem um caráter retributivo e seria excesso impô-la a uma pessoa que introduziu em solo pátrio, mercadorias estrangeiras avaliadas em valor bem inferior a US$ 500 (quinhentos dólares americanos), enquanto que tal conduta sequer é objeto de repri-mendanaesferafiscal,dadooseuvalorinsignificante,sendoinconcebívelmoveramáquinajudiciária na esfera penal, enquanto há manifesto desinteresse do Estado na arrecadação.

3. Em face do princípio constitucional da igualdade perante a lei, considera-se que a cota de isenção de mercadorias estrangeiras, tanto pela introdução via aérea como terrestre, é de US$ 500, 00 (quinhentos dólares americanos).

4. A aplicação, no presente caso, do disposto no art. 89 da Lei 9099/95, mostra-se si-tuação mais gravosa ao acusado.” (TRF-4, 2ª Turma. ACR nº 97.04.64797-2/RS. Rel. Juiz Jardim de Camargo. DJ: 29.07.98, p . 440) (Grifei)

“RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DESCAMINHO. INSTRUÇÃO NORMATI-VA/SRF Nº 117/98. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. BENS APREENDIDOS EXCLUÍDOS DO CONCEITO DE BAGAGEM. MONTANTE DOS TRIBUTOS ILUDIDOS MENOR QUE R$ 2.500,00. PRINCÍPIO DA BAGATELA. APLICABILIDADE. CONTUMÁCIA DELITIVA NÃO CONFIGURADA.

EmboraovalordasmercadoriasapreendidastenhaficadoaquémdeUS$ 500,00, cota adotada em favor dos que ingressam no país pelas vias terrestre, fluvial ou lacustre – por aplicação do princípio da isonomia –,impossívelenquadrá-lasnadefiniçãodebagagem,a teor do art. 3º, inc. I, da IN/SRF nº 117/98.

OmontantedostributosiludidosficouaquémdolimitetomadodaLeinº10.522/02,demodoquesemostrapossívelaaplicaçãodoprincípiodainsignificância.

Não se encontra caracterizada a contumácia delitiva – tida pelos demais integrantes deste Colegiado como óbice à aplicação do princípio da bagatela – na medida em que o outro fato apontado pelo agente ministerial envolve conduta ocorrida em data posterior à daquela analisada neste feito.

Recurso a que se nega provimento.” (TRF4. Recurso Criminal em Sentido Estrito nº 2005.70.02.005885-8/PR. Sétima Turma. Relatora Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère. Sessão de 13.02.2007. Unanimidade. Publ. 07.03.2007) (Grifei)

No voto condutor do acórdão do último precedente citado, a relatora assim consignou:

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“OJuízo rejeitouadenúnciacomamparonoprincípioda insignificância,aduzindoque o montante dos tributos federais – iludidos em decorrência da introdução irregular de mercadorias no território nacional – não excederia o limite de R$ 2.500,00, tomado da Lei nº 10.522/02.

Pois bem, observo que as mercadorias apreendidas em poder da acusada foram avalia-das em US$ 232,00 (duzentos e trinta e dois dólares estadunidenses), consoante auto de infraçãoencartadoàfl.05.

De acordo com o art. 6º, inc. III, alínea b, da Instrução Normativa nº 117, de 06.10.98, da Secretaria da Receita Federal, a isenção aplicável aos bens trazidos por quem ingressa nopaíspelasviasterrestre,fluvialoulacustre,édeUS$150,00.Contudo, fazendo valer o princípio da isonomia – art. 5º, inc. I, da Constituição da República –, adoto a cota de US$ 500,00 destinada aos que viajam por via aérea (art. 6º, inc. III, alínea a, do referido diploma). Afinal, como bem expressou o Ministro Gilson Dipp, quando ainda integrava esta Corte, ‘para a tipificação do descaminho utiliza-se parâmetro único, por incidência do princípio da isonomia, qual seja, o limite de isenção fiscal maior, previsto para as viagens aéreas e marítimas, pois o fato de o agente viajar por via terrestre não pode ser determinante paraqualificaracotadeisenção’(HCnº0461100/97-RS,j.25.11.97,DJ04.02.98,p.154).

(...)” (Grifei)

Também a Instrução Normativa SRF nº 52/95, que estabelecia a quota de isenção para a via terrestre em US$ 150,00, foi reconhecida inconsti-tucional por esta Corte, por afrontar o princípio da isonomia tributária:

“PENA DE PERDIMENTO DE MERCADORIAS. COTA DE ISENÇÃO DO IMPOS-TO DE IMPORTAÇÃO. PRINCÍPIO DA ISONOMIA.

1. Em face do princípio constitucional da igualdade perante a lei, considera-se que a cota de isenção de mercadorias estrangeiras, tanto pela introdução via aérea como terrestre, é de U$ 500,00 (quinhentos dólares americanos).

2. Apelação provida.” (TRF4. Segunda Turma. AC Nº 1998.04.01.020824-3/RS. Re-lator FERNANDO QUADROS DA SILVA. Sessão de 29.06.2000. Unanimidade. DJU 09.08.00) (Grifei)

E, na mesma linha de raciocínio, é o parecer do Ministério Público Federal, o qual reproduzo, na íntegra, como razões complementares de decidir:

“FUNDAMENTOSCinge-seacontrovérsiaemverificarainconstitucionalidadedadiferenciaçãodecotas

de isenção com base no critério do meio de transporte prevista na Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6°, 111, a e b.

O limite para a internalização de mercadorias está disciplinado no art. 6° da Instrução Normativa SRF nº 117/98:

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‘Art. 6° A bagagem acompanhada está isenta relativamente a: (...)III – outros bens, observado o limite do valor global de: a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra

moeda, quando o viajante ingressar no país por via aérea ou marítima;b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moeda,

quandooviajanteingressarnoPaísporviaterrestre,fluvialoulacustre.’Daleituradosdispositivossupramencionados,verifica-sehavertratamentodiferenciado

para o viajante terrestre, tendo em vista que os viajantes por via aérea têm direito a uma cota com limite de US$ 500,00 (quinhentos dólares), superior à dos viajantes por via terrestre, o que reclama tratamento isonômico entre cotas de isenção de importação por via aérea ou terrestre, pelas razões a seguir expostas.

A questão, ora debatida, encontra albergue na aplicação do princípio da justiça ao direito tributário, o qual nos obriga a encará-lo como um todo homogêneo, pois esse é o único mododeverificarmosseodireitotributáriopositivoestádeacordocomoprimadodajus-tiça. Somente pela consideração em conjunto da incidência de todos os tributos podemos concluir ou não pelo respeito ao princípio da justiça e a seus desdobramentos no campo tributário: o princípio da isonomia e o da capacidade contributiva.

Explicitando, o princípio da justiça, apesar de não estar positivado na Constituição Federal, deve ser considerado como o princípio supremo do ordenamento jurídico, dele derivam todos os outros princípios do direito. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho:

‘Realiza-se o primado da justiça quando implementamos outros princípios, o que equivale a elegê-lo como sobreprincípio. E, na plataforma privilegiada dos sobreprincípios, ocupa o lugar preeminente. Nenhum outro o sobrepuja, ainda porque para ele trabalham. Querem alguns, por isso mesmo, que esse valor apresente-se como o sobreprincípio fundamental, construídopelaconjunçãoeficazdosdemaissobreprincípios.’(Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 107)

Dessa forma, e justamente em virtude de que a justiça é um conceito que pode ser en-carado sob diversos enfoques, temos o princípio da igualdade que, estando previsto no art. 5°, caput, da Constituição Federal, procura dar maior concretude à justiça, proclamando que todos são iguais perante a lei.

No campo tributário o princípio da isonomia é novamente consagrado no art. 150, inc. II, da Constituição Federal, que dispõe que ‘é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios’:

‘II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-valente,proibidaqualquerdistinçãoemrazãodeocupaçãoprofissionaloufunçãoporelesexercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;’

No ensinamento de Leandro Paulsen (PAULSEN, Leandro. Direito Tributário, Cons-tituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12. ed. Livraria do Advogado, 2010. p. 184),

‘A isonomia imposta pelo art. 150, II, da CF impede que haja diferenciação tributária

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entre contribuintes em situação equivalentes, ou seja, discriminação arbitrária. Justifica--se a diferenciação tributária quando haja situações efetivamente distintas, tenha-se em vista uma finalidade constitucionalmente amparada e o tratamento diferenciado seja apto a alcançar o fim colimado.’

Hugo de Brito Machado (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12. ed. Malheiros, p. 30), lecionando sobre tal princípio, alerta para uma questão importante, que é saber qual é o critério usado pelo legislador para diferenciar situações de modo a não ofender o princípio da isonomia, lecionando que:

‘Asdificuldadespertinentesaoprincípiodaisonomiasurgemquandosecolocaaquestãode saber se o legislador pode estabelecer hipóteses discriminatórias, e qual o critério de discrímen que pode validamente utilizar. Na verdade a lei sempre discrimina. Seu papel fundamental consiste precisamente na disciplina das desigualdades naturais existentes entre as pessoas. A lei, assim, forçosamente discrimina. O importante, portanto, é saber como será válida essa discriminação. Quais os critérios passíveis, e quais os critérios que implicam lesão ao principio da isonomia.’

Ainda, a verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Todo o problema relativo à aplicação do princípio da isonomia, em verdade, está em saber qual medida de desigualdade deve ser tomada, em cada situação, para justificar um tratamento desigual. É o ‘fator de discrí-men’ a que alude CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O Conteúdo Jurídico do principio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1993. p. 38), ao referir que se tem que ‘investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro lado, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada’.

Nessa esteira, o art. 6°, III, a e b, da IN/SRF nº 117/98, ao estabelecer hipóteses dis-criminatórias, acabou por tratar diferentemente duas situações fáticas exatamente iguais – ingresso de mercadorias estrangeiras via terrestre e via aérea em território nacional dando tratamento jurídico-tributáriodiferenciado a ambas injustificadamente, pois inexiste no meio de transporte usado para ingresso da mercadoria – aéreo ou terrestre – qualquer desigualdade ou peculiaridade que reclame o tratamento jurídico diferenciado imposto pela referida Instrução Normativa, o que aconselharia o afastamento dos limites estabelecidos como cotas de isenção, seja para ingresso no país por via terrestre ou fluvial, seja por via aérea, adotando-se uma única para os dois casos (terrestre ou aéreo).

Essa diferenciação despropositada é vedada pelo ordenamento constitucional porque redundou em discriminação intolerável ao dar um tratamento desigual para casos iguais, revelando a negação do ideal de Justiça.

Sobre a matéria em debate, saliente-se que o Ministro Gilson Dipp, quando ainda inte-grava este Tribunal Regional Federal, já entendia que, ‘para a tipificação do descaminho, utiliza-se parâmetro único, por incidência do princípio da isonomia, qual seja, o limite de isenção fiscal maior, previsto para as viagens aéreas e marítimas, pois o fato de o agente

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viajar por via terrestre não pode ser determinante para qualificar a cota de isenção’ (HC nº 0461100/97-RS, j. 25.11.97, DJ 04.02.98, p. 154).

Mutatis mutandis, outra não pode ser a conclusão de que o art. 6°, III, a e b , da IN/SRF nº 117/98, é inconstitucional, pois fere o princípio da isonomia ao instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontram em situação equivalente (art. 150, 11, CF/88), fazendo distinção entre o transporte por ‘via aérea ou marítima’ (quota de 500 dólares) e aquele realizado ‘porviaterrestre,fluvialoulacustre’ (quota de 300 dólares), os quais se encontram em planos iguais.

Neste sentido tem sido o entendimento da 2ª T., deste E. Tribunal, verbis:‘EMENTA: ADUANEIRO. APREENSÃO DE MERCADORIA EM ZONA SECUNDÁ-

RIA DA FRONTEIRA. INGRESSO REGULAR. COTA DE ISENÇÃO. Demonstrado que as mercadorias apreendidas no recinto do aeroporto de Foz do Iguaçu foram introduzidas regularmente no país, tendo sido declaradas perante o Posto de Fiscalização da Ponte da Amizade e recolhidos os tributos sobre o valor que excedeu à cota de isenção. Em face do princípio da isonomia, aplica-se a mesma cota de isenção de tributos em relação à mercadoria introduzida por via terrestre ou área.’ (TRF4, AC 2008.70.02.006200-0, Segunda Turma, Relator Artur César de Souza, D.E. 03.02.2010) (grifamos)

CONCLUSÃO Em face do exposto, opina o Ministério Público Federal pelo provimento do presente

incidentesuscitado,afimdequesejareconhecidaainconstitucionalidadedoart.6°,inciso111, alíneas a e b, da IN/SRF nº 117/1998.” (Grifei)

No que diz respeito, ainda, às normas do Mercosul, é certo que não podem normas internacionais servir à violação de direitos fundamentais protegidos pela Constituição. Toda a jurisprudência do Supremo Tribu-nalFederal,firmadaapartirdaADIn1480-3/DF(relatormin.CelsodeMello), reconhece a submissão de tais normas à Constituição Federal.

Reconhecida a discriminação e a consequente violação do princípio da isonomia tributária, resta-se-lhe conferir o remédio constitucional cabível. Nesse caso, pelas razões já expostas quando da análise da pre-liminar, e considerando tratar-se de controle de constitucionalidade de natureza difusa, feito no contexto de um determinado processo, entendo que a única solução possível é conferir ao texto interpretação conforme a Constituição, estendendo à parte a isenção gozada por viajantes que se utilizam de vias aéreas ou marítimas, no valor de quinhentos dólares americanos.

Por fim, destaco que permanece a Secretaria daReceita Federaldo Brasil competente para editar normativos pertinentes à isenção da tributação incidente sobre a importação de mercadorias. O que se está

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reconhecendo é a irregularidade do tratamento diferenciado, dispensado acontribuintesqueseencontramemsituaçãoequivalenteparafinsdetributação.

Ante o exposto, voto por declarar inconstitucional a diferenciação de quotas de isenção com base no critério do meio de transporte, prevista na Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b, conferindo-lhe interpretação conforme a Constituição para que, no caso dos autos, a quota de isenção corresponda a US$ 500,00.

VOTO DIVERGENTE

O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz: Sra. Presidente:

Com a devida vênia, divirjo da eminente Relatora, pois não vislumbro a inconstitucionalidade da IN-SRF nº 117/98.

Porocasiãodojulgamentodaapelação,afls.97v/99,anotouoilustreDesembargador Federal Roberto Pamplona, verbis:

“Inicialmente, observo ter julgado com acerto o magistrado singular, o qual, constatando a nulidade do auto de infração – cuja intimação por edital impossibilitou a apresentação da impugnação prevista no art. 690 do Regulamento Aduaneiro –, declarou a anulação dos atos subsequentes, com a reabertura do prazo para o autuado, ora impetrante, defender-se na via administrativa.

Todavia, se o próprio interessado, a quem favorece o reconhecimento da mencionada nulidade e a reabertura de prazo concedida na sentença, pugna pelo julgamento imediato do presente mérito, em observância aos princípios da economia e da celeridade processu-ais, entendo que o vício formal do processo administrativo foi sanado pelo ingresso na via judicial.Afinal,consoanteobemdispostonoparecerdoMPF,comostribunaisentulhadosde ações, e especialmente ante a irresignação da própria parte com a decisão judicial que anulou o procedimento de perdimento (...) a formalidade deve ser superada com o ingresso daaçãojudicialque,emverdade,garantecontraditóriomuitomaisamplo.(fls.95/96)

Cinge-se a controvérsia, portanto, à legalidade da aplicação da pena de perdimento ao aparelho de ar condicionado (modelo SPLIT – 12000 BTU) adquirido no exterior pelo impetrante,novalordeUS$389,00(trezentoseoitentaenovedólares–fls.36/38),ein-troduzido no território nacional sem Declaração de Bagagem Acompanhada – DBA e sem o recolhimento dos tributos incidentes sobre a importação.

No concernente, a Instrução Normativa SRF nº 117/98 dispõe sobre os bens compreen-didosnoconceitodebagagem,definindoaindaqualolimitedeisençãoaplicável:

‘Art. 2º Para os efeitos desta Instrução Normativa, entende-se por:I – bagagem: os bens novos ou usados destinados a uso ou a consumo pessoal do via-

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jante, em compatibilidade com as circunstâncias de sua viagem. (...)II – bagagem acompanhada: a que o viajante portar consigo no mesmo meio de transporte

em que viaje, desde que não amparada por conhecimento de carga;Parágrafo único. Incluem-se entre os bens de uso ou consumo pessoal aqueles destinados

àatividadeprofissionaldoviajante,bemcomoutilidadesdomésticas.(...)Art. 6º A bagagem acompanhada está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos; II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,

para uso próprio do viajante, em quantidade e qualidade compatíveis com a duração e a finalidadedasuapermanêncianoexterior;

III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra

moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moeda,

quandooviajanteingressarnoPaísporviaterrestre,fluvialoulacustre.’(Redaçãodadapela IN SRF nº 538, de 20.04.2005)

Verifica-se, no referido ato normativo, queo produto internalizadopelo impetranteenquadra-se no conceito de bagagem acompanhada, tratando-se de outros bens, os quais são isentos dos tributos incidentes sobre a importação desde que obedecido – in casu, haja vista o ingresso do impetrante por via terrestre – o limite de valor de US$ 300,00 (trezentos dólares americanos).

No concernente, a diferença entre as cotas de isenção para os que ingressam no país por via aérea (US$ 500,00) e via terrestre (US$ 300,00), prevista na IN/SRF 117/98, não fere, in casu, o princípio da isonomia, por tratar-se de situações absolutamente distintas.

Afinal,nãosehádenegarqueocontribuintequeingressanoBrasilvoltandodeumaviagem rápida, muitas vezes de um ou no máximo dois dias, ou até mesmo de algumas horas, a algum país vizinho, como sói acontecer em hipóteses como a dos autos, protagoniza situação muito diversa daquele que volta de longa viagem ao exterior mais longínquo – e que por isso mesmo se utiliza da via aérea ou marítima, pois só tais meios de transportes cruzam os oceanos que separam os continentes.

Ora,nestecasoopróprioimpetrante,queresideemUruguaiana/RS,afirmaque,porsercidadão fronteiriço, como os demais habitantes da citada localidade, costuma viajar com a família as cidades vizinhas de Paso de Los Libres na Argentina e Riveira no Uruguai a passeio,geralmentenosdiasferiados(fls.02/03).Comefeito,verifica-sequeaapreensãoocorreuem15.12.2007(fl.37),ouseja,nomesmodiadaaquisiçãodoprodutouruguaio(cfe.notafiscaldefl.28).

Logo, tendo em vista a facilidade com que o requerente tem acesso a produtos estran-geiros – e, de modo geral, a ausência de obstáculos encontrada nessas viagens a países mais próximos (mormente os Estados Partes do Mercosul, com sua política de livre circulação de bens e serviços, etc.) –, seria injusto equiparar suas condições às do viajante que enfrenta,

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não raro, burocracia muitas vezes extenuante para a realização de deslocamentos a nações situadas em pontos mais afastados do globo terrestre.

Haja vista tal diferença, que é inequívoca, a legislação diferencia, na mesma medida, a cota de isenção, até porque o viajante que se utiliza da via marítima (ou aérea), em razão da menor facilidade, não viajará tão amiúde quanto o que ‘dá um pulo’ na fronteira nos finaisdesemanaeferiados,sendo,porissomesmo,maioroseulimiteparaaquisiçãodebens estrangeiros.

Por outro lado, se é verdade que alguns cidadãos brasileiros também se utilizam do transporte aéreo para viajar a nações fronteiriças, não menos certas é que a legislação de regência diferencia os viajantes segundo a realidade ordinária – cabendo ao intérprete da lei adequá-la ao caso concreto, fazendo valer os princípios norteadores do estado democrático de direito.

Segundo Ricardo Lobo Torres, a proibição de desigualdades aparece no art. 150, II, da CF, que veda ‘tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equi-valente,proibidaqualquerdistinçãoemrazãodeocupaçãoprofissionaloufunçãoporelesexercidas, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos’ (...)Projeta-separaotextoconstitucional,comosinalinvertido,adefiniçãoquealcançouasua melhor expressão pela pena de Rui Barbosa (Oração aos Moços. Rio de Janeiro: Org. Simões, 1951): ‘A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam’ (in Curso de Direito Financeiro e Tributário. 16. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009 – grifei).

Na hipótese dos autos, portanto, não há que se falar em violação da isonomia tributária, pois é o típico caso em que o meio de transporte usado para ingresso da mercadoria – aéreo ou terrestre – traduz desigualdade que reclama o tratamento jurídico diferenciado imposto pela legislação.

Dito isso, observa-se que o valor do bem apreendido, conforme lançado no Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal n° 1010300/39/2007 (Discriminação das Mercadoriasàfl.38) importanomontantedeR$833,00.Porconseguinte, superioraolimite da isenção de U$ 300,00.

Logo, não poderia o proprietário furtar-se do regime de tributação especial (arts. 100 e 101 do Regulamento Aduaneiro), sendo-lhe exigível o recolhimento do imposto de im-portação.

Também não socorre ao impetrante a alegação de boa-fé, pois, como bem observado no parecerdoMPF(fls.95/96),jamaishouveaintençãodeintroduçãoregulardamercadoriaimportada, pois o impetrante tinha plena ciência da quota de isenção de bagagem e, mes-mo assim, optou por ingressar no país sem adotar as providências necessárias para tanto, sendo ela apreendida pela Polícia Rodoviária Federal, em trabalho de rotina na Rodovia BR158(fl.37).

Dessarte, é legal a apreensão procedida pela Receita Federal e a subsequente pena ad-ministrativa de perdimento conforme o disposto nos arts. 105, X, do Decreto-Lei nº 37/66, 23, IV e § 1º, do Decreto-Lei nº 1.455/76 e 618 do Regulamento Aduaneiro aplicável à época dos fatos (Decreto nº 4.543 de 26.12.2002).

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Outrossim, descabida a alegação de que apenas bens comprados para revenda estão sujeitos a perdimento. Caso contrário, por exemplo, admitir-se-ia que veículos estrangei-ros com valores absurdamente superiores à cota de isenção, desde que destinados a uso exclusivamente pessoal do contribuinte, fossem internalizados do mesmo modo como foi o aparelho de ar condicionado do impetrante: sem o pagamento dos impostos atinentes à operação de importação.

Sem razão, portanto, o recorrente, devendo ser mantida a sentença que denegou a segurança.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.”

Com efeito, comungo do mesmo entendimento.In casu, incide o magistério de um dos maiores constitucionalistas

norte-americanos, Henry Campbell Black, em seu clássico Handbook of American Constitutional Law. 2. ed. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1897. p. 70, verbis:

“10. It is not permissible do disobey, or to construe into nothingness, a provision of the constitution merely because it may apeear to work injustice, or to lead to harsh or obnoxious consequences or invidious and unmerited discriminations, and still less weight should be attached to the argument from mere inconvenience.”

Poroutrolado,nãoseconfiguraaviolaçãoaoprincípiodaisonomia,pois, consoante tranquilo entendimento da Suprema Corte, o mencionado princípio não é absoluto, nem pode ser levado às últimas consequências, conformeafirmouoeminenteesaudosoMinistroCândido Mota Fº ao votar no RMS nº 4.671-DF, verbis:

“(...) o princípio da isonomia, como qualquer outro, há de se comportar dentro do sistema legal em que vive, ao lado dos outros princípios, que não se afasta ou revoga – não pode ser levado às últimas consequências – do princípio único nivelador de direitos e obrigações.” (In RTJ 4/136)

Nesse sentido, a orientação dos tribunais estrangeiros, conforme re-ferência de CLAUDIO ROSSANO, em consagrada obra, ao comentar decisão da Corte Constitucional da Itália, verbis:

“Lo stesso è avvenuto nella sentenza n° 118 del 1964, cit, in cui era stata eccepita l’illegittimità costituzionale della regola del foro dello Stato nelle cause riguardanti la p.a., tra gli altri motivi, anche per la disparità di trattamento che ne derivava tra cittadini e Stato, col conferimento a quest’ultimo di un ingiusto privilegio. La Corte ha respinto l’eccezione preoccupandosi di trovare – motivi che dimostrassero la presenza di giustificazione – sufficientemente adeguada del diverso trattamento tra singoli e Stato” (In L’Eguaglianza Giuridica Nell’Ordinamento Costituzionale. Napoli: Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1966. p. 404, nota 49)

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Da mesma forma, não vislumbro a violação ao princípio da proporcio-nalidade, pois, nos termos do magistério de Xavier Philippe, “la référence à la proportionnalité dans l’élaboration d’un principe général du droit n’est qu’une éventualité, une potentialité, mais ne doit absolument pas être interprêtée comme une généralité”. E, adiante, acrescenta que“le juge ne peut exercer sa mission à n’importe quel prix! Le contrôle juridictionnel ne doit pas servir d’alibi à une invocation à outrance de la notion de proportionallité qui servirait à justifier une position juridiquement douteuse. Il y a donc dans cette fonction logique du contrôle de proportionnalité des limites qui conditionnent à la fois son existence et sa cré-dibilité.” (In Le Contrôle de Proportionnalité dans Les Jurisprudences Constitutionnelle et Administrative Françaises. Économica, 1990. p. 96 e 415)

Os tribunais só declaram a inconstitucionalidade das leis quando essa é evidente, não deixando margem à séria objeção em sentido contrário, uma vez que todas as presunções militam em favor da validade de um ato normativo do Poder Público, seja legislativo, seja executivo. Entre duas interpretaçõespossíveis,prefere-seaquenãoinfirmaoatolegislativo.

Oportet ut res plus valeat quam pereat.Nesse sentido, ainda, impõe-se recordar o célebre voto proferido pelo

Justice Brandeis na Suprema Corte, no caso Ashwander v. Tennessee Valley Authority, ao enumerar as regras para o exame da inconstitucio-nalidade das leis, lição hoje clássica, verbis:

“The Court will not pass upon a constitutional question although properly presented by the record, if there is also present some other ground upon which the case may be disposed of. This rule has found most varied application. Thus, if a case can be decided on either of two grounds, one involving a constitutional question, the other a question of statutory construction or general law, the Court will decide only the latter.

(...)‘When the validity of an act of the Congress is drawn in question, and even if a serious

doubt of constitutionality is raised, it is a cardinal principle that this Court will first ascer-tain whether a construction of the statute is fairly possible by which the question may be avoided.’ Crowell v. Benson, 285 U.S. 22, 62, 52 S.Ct. 285, 296, 76 L.Ed. 598.” (In Supreme Court Reporter. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1936. v. 56, p. 483-4)

Ante o exposto, voto por rejeitar o presente incidente de inconstitu-cionalidade.

É o meu voto.

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VOTO-VISTA

O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Trata-se de arguição de in-constitucionalidade da diferenciação de cotas de isenção para viajantes com base no critério do meio de transporte prevista na Instrução Nor-mativa SRF nº 117/98, art. 6º, III, a e b, suscitada pela Segunda Turma deste Tribunal.

Em sessão de 27.10.2011, a eminente Relatora acolheu o incidente para “declarar inconstitucional a diferenciação de quotas de isenção com base no critério do meio de transporte, prevista na Instrução Normativa SRF nº 117/98, art. 6º, inciso III, alíneas a e b, conferindo-lhe inter-pretação conforme à Constituição para que, no caso dos autos, a quota de isenção corresponda a US$ 500,00”, tendo sido acompanhada pelos Desembargadores Federais Silvia Goraieb, Vilson Darós, Maria de Fá-tima Freitas Labarère, Luiz Carlos de Castro Lugon, Joel Ilan Paciornik e Rômulo Pizzolatti.

Manifestaram divergência e, portanto, votaram por rejeitar o inci-dente, os Desembargadores Federais Tadaaqui Hirose, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Victor Luiz dos Santos Laus, João Batista Pinto Silveira, Otavio Roberto Pamplona, Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle e a Presidente, Marga Inge Barth Tessler.

Pedi vista e hoje apresento meu voto.A Instrução Normativa SRF nº 117/98 (revogada pela Instrução

Normativa RFB nº 1.059/2010 – que, no entanto, manteve as cotas de isenção nos mesmos patamares) assim dispunha acerca da isenção de imposto de importação e imposto de produtos industrializados aos bens que constituam bagagem de viajante procedente do exterior:

“Art. 5º A isenção aplicável aos bens que constituam bagagem de viajante procedente do exterior abrange o imposto de importação e o imposto sobre produtos industrializados.

Art. 6º A bagagem acompanhada está isenta relativamente a:I – livros, folhetos e periódicos;II – roupas e outros artigos de vestuário, artigos de higiene e do toucador, e calçados,

para uso próprio do viajante, em quantidade e qualidade compatíveis com a duração e a finalidadedasuapermanêncianoexterior;

III – outros bens, observado o limite de valor global de:a) US$ 500,00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra

moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima;

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b) US$ 300,00 (trezentos dólares dos Estados Unidos) ou o equivalente em outra moeda, quandooviajanteingressarnoPaísporviaterrestre,fluvialoulacustre.

Parágrafo único. Por ocasião do despacho aduaneiro, é vedada a transferência, total ou parcial, do limite de isenção para outro viajante, inclusive pessoa da família.

Art. 7º O direito à isenção a que se refere o inciso III do artigo anterior somente poderá ser exercido uma vez a cada trinta dias.”

Como se sabe, no tocante ao imposto de importação, exportação, IPI e IOF, são facultadas ao Poder Executivo alterar suas alíquotas, nos termos do art. 153, § 1º, da Constituição Federal. Trata-se de “exceção mitigada do princípio da legalidade tributária” (Min. Carlos Velloso, RE 225.602-80).

Além disso, o art. 237 da Constituição Federal estabelece que “A fiscalizaçãoeocontrolesobreocomércioexterior,essenciaisàdefesados interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda”.

Poisbem,especificamentecomrelaçãoaoimpostodeimportação,ésabidoque,modernamente,exercefunçãopredominantementeextrafis-cal,aocontráriodetemposremotos,quandopossuíafinseminentementearrecadatórios, tanto que consistia na principal fonte de recursos do Estado. A respeito, veja-se o magistério de Aliomar Baleeiro:

“Imposto dos mais antigos do mundo, o de importação evolveu de receita puramente fiscalparainstrumentoextrafiscaldestinadoàproteçãodosprodutoresnacionaise,maistarde, também a do câmbio e do balanço de pagamentos. Perdeu, assim, a sua importância como fonte de receita – a maior no tempo da monarquia brasileira – e ganhou relevo como armadepolíticaeconômicaefiscal.”

Por isso mesmo, continua Baleeiro, o imposto de importação goza de regime especial, pois não depende de decretação antes do início do exercício(CF,art.150,§1º),“esuasalíquotassãoflexíveis,podendooExecutivofixá-lasdentrodomínimoedomáximoestabelecidosemlei”.(BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. rev. e atua-lizada por Flávio Bauer Novelli. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 126)

No mesmo sentido, Paulo de Barros Carvalho, para quem “Os chama-dos tributos aduaneiros – impostos de importação e de exportação – têm apresentado relevantíssimas utilidades na tomada de iniciativas diretoras da política econômica”. (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 287).

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Marcus de Freitas Gouveia, igualmente, realça que “o imposto de importação, ao onerar o preço dos bens importados, apresenta, como primeiro e principal efeito, a proteção da empresa nacional contra a concorrência estrangeira, tanto sob o ponto de vista histórico quanto econômico” (GOUVEA, Marcus de Freitas. A Extrafiscalidade no Direito Tributário. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 270).

No mesmo sentido, ainda, Luiz Alberto Gurgel de Faria, in FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Importação e Exportação no Direito Bra-sileiro. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 40, verbis:

“É nesse contexto que ganha importância o estudo dos tributos sobre o comércio ex-terior.Comfeiçãopredominantementeextrafiscal,ou seja,de interferêncianodomínioeconômico, as exações mencionadas têm papel relevante no desempenho das exportações, podendo estimulá-las, quando a carga tributária é reduzida, ou inibi-las, quando, ao revés, há um incremento no ônus. O mesmo se diga com as importações, principalmente quando se busca a redução dos preços internos, diminuindo o peso tributário de produtos similares oriundos do exterior, de modo a incrementar a competitividade, ou, ao contrário, onerando a carga para proteger a indústria nacional, em determinados casos.”

AfunçãoextrafiscaldoimpostodeimportaçãofoirealçadapeloSu-premo Tribunal Federal no julgamento do RE 199.619-6/PE, 2ª Turma, DJ de 07.02.1997, como se vê do seguinte trecho do voto do Relator, o Min. Maurício Corrêa:

“O imposto de importação, de competência da União Federal, tem função predominan-tementeextrafiscal,porsermuitomaisuminstrumentodeproteçãodaindústrianacionaldoquedearrecadaçãoderecursosfinanceirosparaotesouronacional.Eassiméporque,se não existisse o imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no País não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em outros pa-íses economicamente mais desenvolvidos, em que o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além do mais, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, desortequeosseuspreçosficamconsideravelmentereduzidos.Portanto,o imposto de importação funciona como valioso instrumento de política econômica.”

Ressalte-sequeafunçãoextrafiscaldosimpostosemgeraltemsidoaceita em diversos países há bastante tempo, como bem demonstra Andrei Pitten Velloso em sua excelente obra O Princípio da Isonomia Tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas, editada pela Livraria do Advogado, 2010, conforme se vê na seguinte passagem:

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“As constituições contemporâneas exigem a intervenção estatal na sociedade e na eco-nomia,afimdeefetivarosdireitossociaisecombaterasdistorçõeseconômicas.OsEstadosmodernossãointervencionistas,utilizandoamplamenteatributaçãocomfinsregulatórios.

Até mesmo em países cujas constituições não se pronunciam a respeito, a admissibili-dadedaextrafiscalidadeéreconhecidahámuitotempo,poisospreceitosconstitucionaisimpõemarealizaçãodefinsalheiosaoDireitoTributárioenãocostumamproibiroempregoda tributação para alcançá-los” (p. 302)

OautordemonstraalegitimidadedatributaçãoextrafiscalnaAlema-nha, na Itália e na Espanha. Neste último país, segundo o autor, a extra-fiscalidadetambéméadmitidadeformapacífica,segundoaLey General Tributaria de 1963 e a Ley General Tributaria de 2003. E arremata:

“O Tribunal Constitucional espanhol sempre reconheceu a legitimidade desses preceitos, porreputarqueafunçãoextrafiscaltemfundamentoconstitucionalimplícitonosprincípiosnorteadores da política social e econômica; ‘Es cierto que la función extrafiscal del sistema tributário estatal no aparece explícitamente reconocida em la Constitución, pero dicha función puede derivarse directamente de aquellos preceptos constitucionales em los que se establecen principios rectores de política social y económica (señaladamente, arts. 40.1 y 130.1), dado que tanto el sistema tributário em su conjunto como cada figura tributaria concreta forman parte de los instrumentos de que dispone el Estado para la consecución de los fines econômicos y sociales constitucionalmente ordenados’. O Tribunal considera, outrossim,queautilizaçãoda tributaçãoparaalcançarfinsnãofiscaisé, emprincípio,compatível com o princípio da capacidade contributiva, o qual ‘no impide que el legislador pueda configurar el presupuesto de hecho del tributo teniendo em cuenta consideraciones extrafiscales’. (p. 303-304)

No Brasil não é diferente. Alfredo Augusto Becker, décadas atrás, já preconizava:

“Aprincipalfinalidadedemuitostributos(quecontinuarãoasurgiremvolumeeva-riedadesempremaiorespelaprogressivatransfiguraçãodostributosdefinalismoclássicoou tradicional) não será a de um instrumento de arrecadação de recursos para o custeio das despesas públicas, mas a de um instrumento de intervenção estatal no meio social e naeconomiaprivada.Naconstruçãodecadatributo,nãomaisseráignoradoofinalismoextrafiscal,nemseráesquecidoofiscal.Amboscoexistirão,agorademodoconscienteedesejado;apenashaverámaioroumenorprevalênciadesteoudaquelefinalismo.”(BECKER,Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 536)

Do mesmo modo, Carlos Roberto Miranda Gomes e Adilson Gurgel de Castro:

“Como resultado dos novos tempos o Estado passou a utilizar o tributo além do seu

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caráterfiscalista,istoé,comopropósitodeobtereaplicarrecursosparacusteiodosservi-ços públicos. O tributo é, hoje, meio de correção de distorções econômicas e do equilíbrio social;influindoassimemdiferentessentidos,obedecendoadiretrizeseconômicas,políticasesociais,éoqueseconvencionachamardeextrafiscalidade.Sãofunçõesextrafiscaisdotributo:reprimirainflação;evitardesemprego;distribuirariqueza;protegereestimularaindústria nacional; promover o desenvolvimento econômico; provocar o nivelamento da economiadasdiversasregiõespormeiodeconcessãodeincentivosfiscais;imposiçãodacarga tributária segundo a essencialidade do bem adquirido ou do serviço prestado, entre outras.” (GOMES, Carlos Roberto M.; GURGEL, Adilson de Castro. Curso de direito tributário. 3. ed. rev. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1987. p. 4)

Nesse passo, ainda, importante destacar trecho do voto do Min. Celso de Mello no julgamento do Ag. Reg. no Agravo de Instrumento 360.461-7/MG, 2ª Turma, DJe de 28.03.2008:

“Impõe-se registrar, neste ponto, que esse entendimento – que reconhece a legitimidade da utilização, pelo Estado, da extrafiscalidade como instrumento legítimo à efetivação de seus objetivos sociais – encontra apoio no magistério doutrinário de eminentes autores, tais como PAULO DE BARROS CARVALHO (Curso de Direito Tributário. p. 148-149, item n° 3, 4. ed., Saraiva, 1991), KIYOSHI HARADA (Direito Financeiro e Tributário. p. 386, item n° 12.5.1, 6. ed., Atlas, 2000), JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (Teoria Geral da Isenção Tributária. p. 70-71, item n° VIII, 3. ed. Malheiros, 2001), DANIELA RIBEIRO DE GUSMÃO (Incentivos fiscais, princípios da igualdade e da legalidade e efeitos no âmbito do ICMS. p. 29-36, item n° 23, Lúmen Júris, 2005), HELENILSON CUNHA PONTES (Oprincípio da capacidade contributiva e extrafiscalidade: uma conciliaçãopossível enecessária. In: Ordem Econômica e Social. p. 144-159, 152) e FLÁVIO DE AZAMBUJA BERTI (Impostos:extrafiscalidadeenãoconfisco. p. 34-37, item n° 1.4, Juruá, 2003).”

Autilizaçãodatributaçãocomfinsextrafiscaisfoiconsideradalegíti-mapeloSupremoTribunalFederalemváriasoportunidades.Confira-se,além das decisões já mencionadas (RE 199.619-6, Rel. Min. Maurício Corrêa; Ag. Reg. No Agravo de Instrumento 360.461-7, Rel. Min. Celso de Mello), os seguintes julgamentos: ADI 1.643-1, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 05.12.2002; ADI 1.276/SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 29.08.2002; Ag. Reg. No Agravo de Instrumento 138.344-6/DF, Primeira Turma, Rel. Min. Celso de Mello, julgado em 02.08.1994, entre outros.

Obviamente,nemtodautilizaçãoextrafiscaldotributoélegítima,poisnão pode ser abusiva ou arbitrária, ferindo o princípio constitucional da isonomia tributária. No julgamento do Ag. Reg. No Agravo de Instru-mento 360.461-7, já citado, o Min. Celso de Mello, ao tratar da isenção

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de IPI operada pela Lei 8.393/91, art. 2º (açúcar de cana), delineou os balizamentosnecessáriosàlegitimidadedafunçãoextrafiscaldotributoem cotejo com o princípio da igualdade. Transcrevo o texto de lei então objeto de análise (para melhor compreensão da matéria) e parte da ementa (naquilo que diz respeito com a questão até então aqui analisada):

“Art. 2º – Enquanto persistir a política de preço nacional de açúcar de cana, a alíquota máxima do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI incidente sobre a saída desse produto será de dezoito por cento, assegurada isenção para as saídas ocorridas na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene e da Superinten-dência do Desenvolvimento da Amazônia – Sudam.

Parágrafo único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, é o Poder Exe-cutivo autorizado a reduzir em até cinquenta por cento a alíquota do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o mercado interno.”

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. IPI. ACÚCAR DE CANA. LEI Nº 8.393/91 (ART. 2.º) ISENÇÃO FISCAL. CRITÉRIO ESPACIAL. APLICABILIDADE. EXCLUSÃO DE BE-NEFÍCIO. ALEGADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. NORMA LEGAL DESTITUÍDA DE CONTEÚDO ARBITRÁRIO. ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO. INADMISSIBILIDADE. RECURSO IMPROVIDO.

CONCESSÃO DE ISENÇÃO TRIBUTÁRIA E UTILIZAÇÃO EXTRAFISCAL DO IPI.

– A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder público (RE 157,228/SP), destina--se – a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal – a implementar objetivos estatais nitidamentequalificadospela nota da extrafiscalidade.

A isenção tributária que a União Federal concedeu, em matéria de IPI, sobre o açúcar de cana (Lei n° 8.393/91, art. 2º) objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da Constituição da República. Essa pessoa política, ao assim proceder, pôs em relevo a função extrafiscal desse tributo, utilizando-o como instrumento de promoção do desenvolvimento nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais.

O POSTULADO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA. A QUESTÃO DA IGUALDADE NA LEI E DA IGUALDADE PERANTE A LEI (RTJ 136/444-445, REL. P/ O ACÓRDÃO MIN. CELSO DE MELLO).

– O princípio da isonomia – que vincula, no plano institucional, todas as instâncias de poder - tem por função precípua, consideradas as razões de ordem jurídica, social, ética e política que lhe são inerentes, a de obstar discriminações e extinguir privilégios (RDA 55/114), devendo ser examinado sob a dupla perspectiva da igualdade na lei e da igual-dade perante a lei (RTJ 136/444-445). A alta significação que esse postulado assume no âmbito do Estado democrático de direito impõe, quando transgredido, o reconhecimento da absoluta desvalia jurídico-constitucional dos atos estatais que o tenham desrespeitado.

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Situação inocorrente na espécie.– A isenção tributária concedida pelo art. 2º da Lei nº 8.393/91, precisamente porque

se acha despojadadequalquercoeficientedearbitrariedade,não se qualifica – presentes as razões de política governamental que lhe são subjacentes – como instrumento de ilegítima outorga de privilégios estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.

(...)”

Emseuvoto,afirmaaindaoMin.CelsodeMello:“Narealidade,a desequiparação operada pela norma legal em causa encontra o seu fundamento racional na necessidade de o Estado implementar políticas governamentais, cuja execução lhe incumbe efetivar nos estritos limites de sua competência constitucional”.

Podemos, salvo melhor juízo, a partir de tal decisão, extrair os se-guinteselementosquejustificamotratamentonormativodiferenciadoporforçadautilizaçãoextrafiscaldotributo,semmacularoprincípioda igualdade tributária: a) discrímen fundado em critérios racionais, ló-gicos e impessoais, logo não arbitrário; b) norma voltada à consecução de objetivos estatais constitucionais; c) correlação entre o discrímen e a realização de tais objetivos.

É verdade que parte da doutrina defende um controle mais rigoroso dasnormasextrafiscais,àluzdoprincípiodaproporcionalidade,comomostra Andrei Pitten Velloso, na obra já citada:

“Aideiadeumcontroledeproporcionalidadedasnormasextrafiscaisnãoétotalmentenova. Em 1977, Vogel já expunha que as normas interventivas perseguem uma ‘autêntica finalidade’equeparaelasvalemnãosóasregrasdeinterpretaçãoteleológica,mastambémas exigências de adequação, necessidade e proporcionalidade. Gizava, ademais, a impor-tância da diferenciação entre as normas de repartição de cargas tributárias, interventivas edesimplificação, justamenteporpossibilitarsubmetê-lasacontrolesdiferenciadosdeconstitucionalidade.

Umapropostamaisespecíficaencontra-senosescritosdeVonArmin,que,alémdede-fenderaaplicaçãodomandadodeproporcionalidadenosconflitosentreajustiçatributáriaeosfinsnãofiscais,preconizaaponderaçãoespecíficaentreoprincípiodaigualdadeeosfinsmencionados.Àluzdessaconcepção,osdesviosperanteospostuladosdaisonomiatributáriasomenteserãoconstitucionaisseanormaextrafiscalobservarosrequisitosdaadequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu. Noutros termos, a norma deverá seradequadaenecessáriaparaalcançarasfinalidadesnãofiscaisalmejadas,eessashaverãode possuir peso mais acentuado que o princípio da igualdade.” (p. 309-310)

No presente caso, no entanto, adoto as diretrizes do Supremo Tribunal

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Federal – intérprete último que é da Carta Constitucional Brasileira.Dito tudo isso, passo, então, à análise da compatibilidade com o

ordenamento constitucional da diferenciação de cotas de isenção para bens trazidos por viajantes do exterior; tarefa, aliás, nada simples, como demonstra o empate até agora produzido na votação nesta Corte Especial (7X7).

De pronto, relembro o dito acima: o imposto de importação, nos dias atuais,possuifunçãopreponderantementeextrafiscal,notadamenteadesalvaguardar a indústria e o comércio nacionais, servindo, com isso, à promoção do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, inc. II).

O estabelecimento de cotas de isenção para bens trazidos do exterior por viajantes é legítimo, por outro lado, como instrumento de incentivo ao turismo como fator de desenvolvimento social e econômico (CF, art. 180).

De qualquer sorte, não está sendo arguida a inconstitucionalidade das cotas de isenção, mas a diferenciação operada segundo o meio de transporte utilizado pelo viajante. Para a averiguação de sua legitimidade ou não é preciso apurar, em primeiro lugar, os motivos do discrímen, se são ou não fundados em critérios lógicos e racionais.

Para tanto, forçoso tecer algumas considerações sobre o nosso País. O Brasil, ao longo de cerca de dezesseis mil quilômetros de fronteiras (Grande Enciclopédia Barsa, 2004), faz divisa com nada menos do que dez países: Guiana Francesa, Suriname, Guiana, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai, Argentina e Uruguai. No mundo, só dois Estados fazem fronteira com mais países que o Brasil: Rússia e China. Na América do Sul, só dois países não fazem fronteira conosco: Equador e Chile.

Isso já dá a dimensão da facilidade com que podemos chegar, senão a todos os mencionados, a vários países por via terrestre. Mas não é só: em Foz do Iguaçu (PR), pode-se chegar a Ciudad Del Este, no Paraguai, a pé, apenas atravessando a Ponte da Amizade, bem como, de carro, por um rápido caminho, a Puerto Iguazu, na Argentina; em Uruguaiana (RS), domicílio do ora impetrante, chega-se a Paso de Los Libres (Argentina) apenas atravessando a Ponte Internacional; a não muitos quilômetros dali, em Santana do Livramento (RS), chega-se a Rivera (Uruguai) – onde o ora impetrante adquiriu um condicionador de ar – apenas atravessando umapraça!;PontaPorã(MS)fazfronteirasecacomPedroJuanCabal-lero (Paraguai); Guajará-Mirim (RO) situa-se na fronteira com a Bolívia;

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Jaguarão (RS) está separada do Uruguai apenas pela Ponte Internacional Mauá; Chuí (RS) encontra-se separada de Chuy, no Uruguai, apenas por uma avenida; de Guaíra (PR) tem-se acesso a Salto del Guayra (Paraguai) de carro ou balsa; Corumbá (MS) situa-se a 7 km da Bolívia (Puerto Suarez)... Ademais, basta olhar o mapa do Brasil para constatar a exis-tência de vários municípios próximos aos mencionados, sem esquecer que algumas capitais não se situam tão longe (Porto Alegre encontra-se a 390 km do Uruguai, via Jaguarão; Campo Grande dista 369 km do Paraguai, via Ponta Porã; Porto Velho está a 329 km da Bolívia).

A grande facilidade de acesso, por via terrestre, a vários países da América do Sul, especialmente Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia, associada às conhecidas limitações de aeronaves e voos, traz uma con-sequência importante para a análise aqui empreendida: seguramente, a quantidade de viajantes –incluindo-se nesta categoria os moradores dos municípios fronteiriços – que se utilizam da via terrestre para ir ao exterior é muito maior do que aqueles que o fazem por via aérea. [Em-bora coloque aqui, de forma marginal, alguns dados colhidos na internet parecem comprovar o acima dito: enquanto da consulta ao site www.infraero.gov.br/index.php/br/estatistica-dos-aeroportos.html (acesso em 16.12.2012)verifica-seque,noanode2011,onúmerodepassageirosem voos internacionais partindo ou chegando aos aeroportos brasileiros foi de 18.189.779, da consulta ao site www.udc.edu.br/pdf/Pesquisa-Vei-culos-UDC.pdf, na mesma data, constata-se, por intermédio de pesquisa efetuada pelas Faculdades União Dinâmica das Cataratas, que, em oito dias(de23a30dejunhode2011),houveumfluxode734.936pessoasna Ponte Internacional da Amizade (que liga Foz do Iguaçu a Ciudad Del Este, como visto), com uma média, portanto, de 91.867 pessoas por dia, o que gera uma estimativa anual de mais de 33 milhões de pessoas. Emsuma,emapenasumdospontosdefronteiraháumfluxodepessoassuperior ao conjunto de viajantes em voos internacionais partindo ou chegando ao Brasil. Em consequência ao acima colocado, as viagens ao exterior por via terrestre implicam, em seu conjunto, compras/importa-çõesemquantidadesevaloressignificativamentesuperioresàsefetuadasem viagens por via aérea, causando aquelas, assim, um impacto maior à indústria e ao comércio nacionais do que estas.

Eis, a meu ver, a razão da diferenciação entre as cotas de isenção

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sub judice: a necessária proteção à indústria, ao comércio e à economia nacionais, visando à promoção do desenvolvimento nacional.

Haja vista os diferentes impactos à economia nacional causados por viajantesaoexteriorqueseutilizamdasviasterrestresefluviais,deumlado, e das vias aéreas e marítimas, de outro, sequer se pode dizer que são contribuintes que se encontram em situação equivalente, de modo que não há violação ao princípio da isonomia tributária insculpido no art. 150, II, da Constituição Federal.

Em apertada síntese, podemos dizer que o imposto de importação temfunçãopreponderantementeextrafiscal(CF,art.153,§1º;CF,art.237), a saber, a proteção à indústria e ao comércio nacionais como fa-tores do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II); o estabelecimento de isenções a produtos adquiridos por viajantes ao exterior, dentro de certos limites, atende à promoção e ao incentivo do turismo como fator de desenvolvimento social e econômico (CF, art. 180); e a diferenciação entre tais cotas de isenção em razão da natureza da viagem realizada (por viaterrestre/fluvialouporviaaérea/marítima)voltaaatenderàfunçãoextrafiscalacimadelineada.Seaisençãoemsifomentaoturismo,elapode ser ponderada e diferenciada de modo a não prejudicar a indústria, o comércio e a economia nacionais.

Oscritériosutilizadosparajustificarodiscrímensãoracionais,pois,ante um maior impacto à indústria e ao comércio nacionais por parte dosviajantes(emseuconjunto)queseutilizamdasviasterrestreseflu-viais para ir e vir do exterior frente àqueles que o fazem por via aérea e marítima, lógico que se lhes reduza a cota de isenção em relação a estes como forma de reduzir aquele impacto. Com a isenção de bens no valor de US$ 300,00, incentiva-se o turismo, mas não em demasia, em razão da necessária ponderação com o desenvolvimento nacional.

O discrímen, ademais, não é estabelecido segundo critérios pessoais, privilegiando um determinado grupo em detrimento de outro: todos os queforemaoexteriorporviaaéreabeneficiar-se-ãodacotadeisençãomaior, e todos os que viajarempor via terrestre, fluvial ou lacustrebeneficiar-se-ãodaisençãomenor.

Anormaemquestão,poroutrolado,temporfinalidadeaconsecuçãode objetivos estatais constitucionais (proteção à indústria e ao comércio nacionais; salvaguarda da economia nacional; promoção do desenvolvi-

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mentonacional),comojádemonstradoacima.E,porfim,hácorrelaçãoentre o discrímen e a realização de tais objetivos, na medida em que a uma cota de isenção menor corresponde uma maior proteção à indústria e ao comércio nacionais.

Por todoo exposto, entendo justificadae legítimaadiferenciaçãoentre as cotas de isenção sobre os bens subsumidos no conceito de ba-gagem trazidos por viajantes que ingressem no país, seja por via aérea ou marítima (cota de isenção de US$ 500,00), seja por via terrestre ou fluvial(cotadeisençãodeUS$300,00).

Assim, com a vênia da e. Relatora e de quem a acompanhou, voto por rejeitar o incidente de inconstitucionalidade suscitado, acompanhando a divergência inaugurada pelo Des. Tadaaqui Hirose.

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SÚMULAS

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SÚMULA Nº 1“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo

10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.” (DJ 02.10.91, p. 24.184)

SÚMULA Nº 2“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime

precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contri-buição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.” (DJ 13.01.92, p. 241)

SÚMULA Nº 3“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das

prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)

SÚMULA Nº 4“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”

(DJ 22.04.92, p. 989)

SÚMULA Nº 5“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da

causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)

SÚMULA Nº 6“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81

– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)

SÚMULA Nº 7“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ

20.05.92, p. 13.384)

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SÚMULA Nº 8“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações

contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.” (DJ 20.05.92, p. 13.385)

SÚMULA Nº 9“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,

a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previden-ciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)

SÚMULA Nº 10“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu

advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

SÚMULA Nº 11“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os

títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.” (DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)

SÚMULA Nº 12“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a

oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)

SÚMULA Nº 13“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gaso-

lina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93, p. 18.987)

SÚMULA Nº 14 (*)“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,

p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)

SÚMULA Nº 15“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei

n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e não ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)

SÚMULA Nº 16“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame

da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ 29.10.93, p. 46.086)

SÚMULA Nº 17 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%

relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)

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SÚMULA Nº 18“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário

somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)

SÚMULA Nº 19“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que

respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 20“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,

quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 21“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar

n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)

SÚMULA Nº 22“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de

importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 23“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de

energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)

SÚMULA Nº 24“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de

1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 25“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de

instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 26“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem

por base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 27“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se su-

perveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

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SÚMULA Nº 28“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social

(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 29“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em

curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)

SÚMULA Nº 30“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao ser-

vidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)

SÚMULA Nº 31“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do

trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)

SÚMULA Nº 32 (*)“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo

à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA SÚMULA 17)

SÚMULA Nº 33“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-

-Lein°2.288/86) independedaapresentaçãodasnotasfiscais.”(DJ08.09.95,p.58.814)

SÚMULA Nº 34“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”

(DJ 22.12.95, p. 89.171)

SÚMULA Nº 35“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais

com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 36“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na

variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)

SÚMULA Nº 37“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices relati-

vos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96, p. 15.388)

SÚMULA Nº 38“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa

superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)

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SÚMULA Nº 39“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário

para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES, vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 40“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuição

e o salário de benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 41“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para

garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)

SÚMULA Nº 42 (*)“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de

justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97, p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)

SÚMULA Nº 43“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo

prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 44“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos admi-

nistradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 45“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação

de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)

SÚMULA Nº 46“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do

devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98, p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)

SÚMULA Nº 47“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo da renda

mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 48“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no

índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de se-tembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)

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SÚMULA Nº 49“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da

Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 50“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20

salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 51“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de

Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de 1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)

SÚMULA Nº 52 (*)“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório comple-

mentar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 53“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária

do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)

SÚMULA Nº 54“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam

à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386)

SÚMULA Nº 55“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de

recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação dada pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)

SÚMULA Nº 56“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que ob-

jetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 57“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS

sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)

SÚMULA Nº 58“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto

no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)

SÚMULA Nº 59“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,

passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)

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SÚMULA Nº 60“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido

estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)

SÚMULA Nº 61 (*)“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja

postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 62 (*)“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária

sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)

SÚMULA Nº 63“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias

versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)

SÚMULA Nº 64“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo

para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ 07.03.2001, p. 619)

SÚMULA Nº 65“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previ-

denciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 66“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos,

não aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 67“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribui-

ções previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 68“A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra con-

duta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

SÚMULA Nº 69“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização

da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)

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SÚMULA Nº 70“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de

ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)

SÚMULA Nº 71“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação

nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)

SÚMULA Nº 72“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 73“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade

rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 74“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge

21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 75“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,

a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 76“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente

sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)

SÚMULA Nº 77“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir

de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).” (DJ 08.02.2006, p. 290)

SÚMULA Nº 78“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal

concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.” (DJ 22.03.2006, p. 434)

SÚMULA Nº 79“Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os

ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária rela-tivamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009)

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RESUMO

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ResumoTrata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª

Região, com periodicidade semestral e distribuição nacional. A Revista contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelen-tíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência. Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos Desembargadores Federais integrantes desta Corte.

SummaryThis is about an official bi-annual publication of Tribunal Regional

Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Cir-cuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the matters of the federal competence. It also brings the official speeches, the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited by the Court, as well as the national and the international doctrinal articles, written by renowned jurists and mainly those written by the Judges of this Court.

ResumenEsta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,

con periodicidad semestral y distribución nacional. La Revista contiene la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados com-

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ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, sú-mulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente, aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.

SintesiSi tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale

della Quarta Regione, con periodicità semestrale e distribuizione na-zionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.

RésuméIl s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal

da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la périodicité est semestrielle et la distribution nationale. Cette Revue publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux et internationaux renommés.

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ÍNDICE NUMÉRICO

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DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL0009433-95.2009.404.7200/SC (AC) Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz..........................852007.72.00.015024-2/SC (AC) Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva............................................122 5000074-84.2010.404.7205/SC (AC) Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria...............................................1305031281-28.2010.404.7100/RS (APELREEX) Rel. Des. Federal Vilson Darós..................................................................137

DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL0002468-31.2005.404.7107/RS (ACR) Rel. Juiz Federal Sergio Fernando Moro...................................................1530002718-18.2010.404.7001/PR (RSE) Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus.........................................1665000638-53.2011.404.7003/PR (ACR) Rel. Des. Federal Márcio Antônio Rocha...................................................1755005783-27.2010.404.7100/RS (ACR) Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz..................................................208 5016351-28.2011.404.0000/SC (HC) Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro...................................................229

DIREITO PREVIDENCIÁRIO0001040-63.2009.404.7110/RS (APELREEX) Rel. Des. Federal Celso Kipper.................................................................247 2006.70.00.007609-4/PR (APELREEX) Rel. Des. Federal Rogerio Favreto............................................................2765002233-33.2010.404.7000/PR (AC) Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira.....................................2925002825-34.2011.404.7100/RS (APELREEX) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle....................................300 5020447-63.2010.404.7100/RS (AC) Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira............................................313

DIREITO PROCESSUAL CIVIL0014656-27.2011.404.0000/RS (AG) Rel. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto...............................................339

DIREITO TRIBUTÁRIO5003038-74.2010.404.7003/PR (AC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona ............................................3555011822-49.2010.404.7000/PR (AC) Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik .......................................................368 5012825-93.2011.404.7100/RS (AC) Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti........ ...............................................387

ARGUIÇÕES DE INCONSTITUCIONALIDADE0004601-17.2011.404.0000/PR (ARGINC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona ...............................................393 0036865-24.2010.404.0000/SC (ARGINC) Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona ...............................................403 0038689-18.2010.404.0000/PR (ARGINC) Rel. Des. Federal Vilson Darós..................................................................433 2002.71.09.002518-1/RS (ARGINC) Rel. Des. Federal Vilson Darós..................................................................451 2005.71.00.016795-4/RS (ARGINC) Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère ...................................458 2008.71.02.003458-4/RS (ARGINC) Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose........ .......................................................462

R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 23, n. 80, p. 509-512, 2012 511

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ÍNDICE ANALÍTICO

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A

ABSOLUTAMENTE INCAPAZTermo inicial – Vide PENSÃO POR MORTE

AÇÃO CIVIL PÚBLICAMinistério Público Federal – Vide PENSÃO POR MORTE

APOSENTADORIA ESPECIALPescador, descabimento, concessão, decorrência, não, implementação, tempo de serviço especial. Impossibilidade, reconhecimento, atividade especial, como, pescador artesanal. Possibilidade, reconhecimento, atividade especial, como, pescador, empregado, por, enquadramento,categoriaprofissional,apenas,até,ano,1995.Período,posterior,nãoreconhecimento, decorrência, inexistência, laudo pericial, para, comprovação, sujeição, serviço nocivo.Cabimento, concessão, aposentadoria por tempo de serviço. Termo inicial, data, requerimento, via administrativa..............................................................................247

APOSENTADORIA POR IDADETrabalhador urbano. Possibilidade, soma, tempo de serviço, atividade rural, e, atividade urbana, exercício, durante, período aquisitivo. Irrelevância, segurado, não, exercício, atividade rural, momento, implementação, requisito, para, obtenção, benefício previdenciário. Observância, princípio da razoabilidade...........................................292

APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇOLegislação – Vide REVISÃO DE BENEFÍCIO

Reconhecimento, atividade rural, regime de economia familiar. Irrelevância, segurado, frequência, estabelecimento de ensino, por, um, período, dia, e, realização, trabalho, para, empresa, sem, assinatura, CTPS. Comprovação, manutenção, exercício, atividade

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rural, objetivo, garantia, subsistência, família. Observância, realidade, vida, segurado. Cabimento, contagem, período, exercício, atividade especial.Ponderação, princípio, imparcialidade, juiz.............................................................276

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADECompensação – Vide PRECATÓRIO

Exército – Vide PORTARIA

Isenção tributária – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

Lei – Vide PSS

Medida provisória – Vide COFINS

Não conhecimento – Vide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

ATIVIDADE RURALRegime de economia familiar – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO

B

BARRAGEM Impossibilidade, paralisação, obra civil, para, aprofundamento, estudo, eventualidade, outra, localização, barragem, após, totalidade, análise, pelo, órgão público, estado, e, concessão, licença prévia, e, Secretaria do Meio Ambiente, município, concessão, Licença de Instalação. Legalidade, ato administrativo, Ibama, autorização prévia, supressão, Mata Atlântica, área, construção, barragem, com, objetivo, aumento, capacidade, abastecimento, água, para, população, município, Rio Grande do Sul. Ocorrência, relevância, investimento, com, 90%, execução, obra civil. Risco, para, saúde pública, insuficiência, abastecimento, água, e, possibilidade,prejuízo,município, e,população. Plantio,coberturaflorística,para,compensação,meioambiente.Incompetência, Ibama, para, análise, mérito, alternativa, localização, empreendimento...137

C

COFINSConstitucionalidade, isenção tributária, para, estabelecimento de ensino, instituição semfimlucrativo,em,relação,receita,própria.Rejeição, arguição de inconstitucionalidade, inciso, artigo, medida provisória, ano, 2001.........................................................................................................................458 Crédito presumido – Vide PIS

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CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICOConcessionária, rodovia, legitimidade, cobrança, concessionário, gás natural, valor, pelo, uso, faixa de domínio, rodovia federal. Adequação, custo, pela, oportunidade, ocupação. Aplicação, fórmula, previsão, resolução, ano, 2008, Agência Nacional deTransportesTerrestres, com, competência, para, elaboração, e, fixação, norma,referência, exploração, rodovia, objeto, concessão. Ilegalidade, utilização, parte, faixa de domínio, em, decorrência, inexistência, autorização, órgão público, com, competência, e, celebração, contrato, com, concessionária, rodovia. Contrato, entre, concessionária, rodovia, e, Agência Nacional de Transportes Terrestres, previsão, possibilidade, recebimento, receita, alternativa. Incompetência,DepartamentoNacional de Infraestrutura deTransportes, fixação,norma, para, exploração, rodovia, objeto, contrato, concessão, entre, Agência Nacional de Transportes Terrestres, e, terceiro................................................85

CONSTRUÇÃO CIVILUnidade de conservação – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIAInexigibilidade, incidência, sobre, proventos, membro, Forças Armadas, em, inatividade. Contribuição, apenas, para, custeio, pensão por morte. Inaplicabilidade, mesma, legislação previdenciária, servidor público civil. Constituição Federal, não, alteração, regime jurídico, contribuição, membro, Forças Armadas.......................................................................................387

CRÉDITO PRESUMIDOCofins–VidePIS

CRÉDITO TRIBUTÁRIOIndisponibilidade – Vide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIAAtipicidade.Aplicação,princípioda insignificância,hipótese, supressãode tributo,valor inferior, limite legal. Irrelevância, existência, diversidade, débito tributário, em, parcelamento, com, valor superior, para, caracterização, crime de bagatela.Habitualidadecriminosa,não,impedimento,incidência,princípiodainsignificância,decorrência, descabimento, apreciação, circunstância subjetiva...................166

CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTEConstrução civil, em, área, unidade de conservação. Comprovação, dolo, autor do crime, pelo, seguimento, obra, após, embargo administrativo, Ibama.Dosimetriadapena.Condenaçãocriminal,possibilidade,especificação,reparaçãodedanos. Determinação, demolição, obra...................................................................153

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CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIROCliente,instituiçãofinanceira,sonegação,informação,objetivo,realização,operaçãode câmbio, com, atividade clandestina, entrada, valor, território nacional. Não caracterização, evasão de divisas, decorrência, previsão, saída, moeda, para, país estrangeiro. Impossibilidade, interpretação analógica, com, prejuízo, réu. Inexistência, tipicidade, delito, sonegação, informação, pela, caracterização, como, crime próprio, administrador,instituiçãofinanceira.Possibilidade,caracterização,sonegaçãofiscal,ou,movimentação,valor,simultaneidade,contabilidade, exigência, previsão legal.....................................................................208

D

DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADEConstituição Federal – Vide PRECATÓRIO

DIREITO À SAUDEVide PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

DISCRIMINAÇÃOServiço militar obrigatório – Vide PORTARIA

DOENÇA GRAVEIsenção tributária – Vide IMPOSTO DE RENDA

E

ESTABELECIMENTO DE ENSINOIsenção tributária – Vide COFINS

EVASÃO DE DIVISASVide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

F

FAIXA DE DOMÍNIOUso – Vide CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

FORÇAS ARMADASInatividade – Vide CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA

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H

HABITUALIDADE CRIMINOSAPrincípiodainsignificância–VideCRIMECONTRAAORDEMTRIBUTÁRIA

I

IMPORTAÇÃO CLANDESTINAMercadoria falsificada, grande quantidade,medicamento, sem, registro,Anvisa.Impossibilidade, enquadramento, conduta, como, descaminho, ou, contrabando, decorrência, gravidade da infração, com, risco, para, saúde, e, vida, coletividade.Dosimetria da pena. Inaplicabilidade, pena, previsão, Lei de Tóxicos, pelo, descabimento, aplicação, duplicidade, tipo penal, para, única, conduta típica. Pena privativa de liberdade, descabimento, substituição da pena, pena restritiva de direitos....................................................................................................................175

IMPOSTO DE IMPORTAÇÃOConstitucionalidade, instrução normativa, determinação, diferença, limite, isenção tributária, referência, mercadoria importada, enquadramento, como, bagagem, decorrência, espécie, transporte, utilização, para, importação. Não ocorrência, violação, princípio da isonomia.Reconhecimento,funçãoextrafiscal, impostoimportação,com,proteção,comércio,indústria, território nacional. Rejeição, arguição de inconstitucionalidade...........................................................462

IMPOSTO DE RENDAAplicação, isenção tributária, sobre, proventos, aposentadoria, decorrência, portador, doença grave. Irrelevância, inexistência, previsão legal. Inaplicabilidade, interpretação restritiva, lei, definição, lista, doença, com, direito,isenção tributária. Observância, garantia, direito à saúde, direito à vida. Não ocorrência, prescrição, repetição do indébito.Desnecessidade,apresentação,retificação,declaraçãodeajusteanual.Devolução,por,precatório, ou, requisição de pequeno valor. Correçãomonetária,aplicação,Ufir,até,dezembro,1995,e,taxaSelic,apartir,janeiro,1996...........................................................................................................................368

INTERPRETAÇÃO RESTRITIVAInaplicabilidade – Vide IMPOSTO DE RENDA

INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICACódigo Penal – Vide PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

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INTIMAÇÃO POR EDITALDemarcação – Vide TERRENO DE MARINHA

ISENÇÃO TRIBUTÁRIADoença grave – Vide IMPOSTO DE RENDA

Mercadoria importada – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

M

MATA ATLÂNTICASupressão – Vide BARRAGEM

MEDICAMENTODireito, paciente, recebimento, medicamento, não, inclusão, lista, SUS, após, transplante. Descabimento, alegação, SUS, fornecimento, medicamento, apenas, para, outro, tipo, transplante.Laudopericial,afirmação,paciente,necessidade,suspensão,medicamento,fornecimento, pelo, SUS, em, decorrência, risco, aquisição, irreversibilidade, doença grave. Legitimidade passiva, responsabilidade solidária, União Federal, estado, e, município................................................................................................................130

MEDIDA PROVISÓRIAArguição de inconstitucionalidade – Vide COFINS

MERCADORIA FALSIFICADAMedicamento – Vide IMPORTAÇÃO CLANDESTINA

MERCADORIA IMPORTADAIsenção tributária – Vide IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO

P

PENSÃO POR MORTE Beneficiário,absolutamenteincapaz.Aplicação,data,morte,segurado,como,termoinicial. Inaplicabilidade, data, requerimento, via administrativa. Não incidência, prazo, previsão, Lei de Benefícios da Previdência Social, para, requerimento, benefício previdenciário.Ministério Público Federal, legitimidade ativa, para, ajuizamento, ação civil pública, objetivo, defesa, direito individual homogêneo, em, matéria, direito previdenciário........................................................................................................300

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PESCADORVide APOSENTADORIA ESPECIAL

PISCofins.Impossibilidade,aproveitamento,crédito,PIS,e,Cofins,previsãolegal,ano,2002, e, 2003, simultaneidade, com, crédito presumido, previsão legal, ano, 2004, sobre, aquisição, insumo,pessoa jurídica,não, sujeição, suspensão,PIS, e,Cofins.Descabimento,PoderJudiciário,concessão,benefíciofiscal,não,previsão,legislaçãotributária. Previsãolegal,ano,2002,e,2003,direito,crédito,com,finalidade,dedução,basedecálculo,regimejurídico,nãocumulatividade,para,PIS,e,Cofins,hipótese,aquisição,bem, e, serviço, sujeição, incidência, mesma, contribuição. Impossibilidade, pretensão, discussão, crédito, apuração, anterior, agosto, 2004, e, aproveitamento, em, setembro, 2004, pela, aplicação, prazo, prescrição quinquenal, previsão, decreto, ano, 1932........................................................................................355

PORTARIAInconstitucionalidade, previsão, como, condição, para, prorrogação, tempo de serviço, militar temporário, inexistência, dependente, para, não caracterização, arrimo de família. Violação, princípio constitucional, proteção, família, e, princípio da isonomia. Caracterização,como,discriminação,fixação,diversidade,condição,para,militardecarreira, e, militar, prestação, serviço militar obrigatório, com, prorrogação, tempo de serviço, militar. Procedência, arguição de inconstitucionalidade, inciso, artigo, Instruções Gerais para a Prorrogação de Tempo de Serviço Militar, aprovação, por, portaria, Exército, ano, 1997...........................................................................................................................451

PRECATÓRIO Declaração de inconstitucionalidade, parágrafo, artigo, Constituição Federal, inclusão, pela, emenda constitucional, ano, 2009, previsão, compensação, ex officio, crédito, com, diversidade, natureza jurídica. Imposição, condição, para, levantamento, valor, reconhecimento, por, decisão judicial, com, trânsito em julgado. Violação, princípio federativo, princípio da segurança jurídica, coisa julgada, devido processo legal, princípio da razoabilidade, princípio da proporcionalidade.....................................403

PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA Não ocorrência. Descabimento, interpretação literal, artigo, Código Penal. Necessidade, interpretação sistemática, em, observância, Constituição Federal. Termo inicial, prescrição da pretensão executória, trânsito em julgado, para, duplicidade, parte processual. Descabimento, contagem, prazo, prescrição, a partir, trânsito em julgado, apenas, para, acusação. Observância, princípio da presunção de inocência. Impossibilidade, declaração de inconstitucionalidade, artigo, Código Penal. Descabimento, interpretação literal................................................................................................229

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PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIAVide CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

PRINCÍPIO DA ISONOMIAViolação – Vide PORTARIA

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIAVide PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADEAplicação, objetivo, resolução, discussão, prevalência, direito à saúde, ou, indisponibilidade, crédito tributário, hipótese, penhora, valor, conta corrente, executado, realização, empréstimo, para, quitação, dívida, plano de saúde. Executado, portador, neoplasia maligna, necessidade, assistência médica.Nãoconhecimento,arguiçãodeinconstitucionalidade,para,resolução,conflito,entre,duplicidade, princípio constitucional.........................................................................393

Vide PRECATÓRIO

PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADEVide APOSENTADORIA POR IDADE

Vide PRECATÓRIO

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICAVide PRECATÓRIO

PSSConstitucionalidade, retenção na fonte, PSS, servidor público federal, com, alíquota, 11%, sobre, valor pago, hipótese, execução de título judicial. Interpretação sistemática, expressão, valor pago. Não ocorrência, nova, incidência, tributo.Apenas,definição,momento,cobrança.Previsão legal, base de cálculo, tributo. Juízo, execução, necessidade, observação, instrução normativa, Conselho da Justiça Federal, com, determinação, desconto, para, CSS, decorrência, precatório, e, requisição de pequeno valor. Inaplicabilidade, desconto, para, PSS, hipótese, recebimento, valor, natureza jurídica, indenização.Rejeição,arguiçãodeinconstitucionalidade,partefinal,artigo,lei,ano,2004,com,redação, lei, edição, ano, 2010....................................................................................433

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R

REAJUSTEServidor público federal – Vide RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

REAJUSTE ANUALTaxa de ocupação – Vide TERRENO DE MARINHA

RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA Não ocorrência, violação, coisa julgada, limitação, pagamento, reajuste, 28,86%, servidor público federal, data, edição, lei, reestruturação, carreira previdenciária. Trânsito em julgado, título executivo, após, inclusão, parágrafo único, artigo, Código de Processo Civil. Necessidade, relativização da coisa julgada, para, desconto, valor, pagamento, e, autorização, compensação, reajuste, 28,86%, com, posterior, reestruturação, carreira, em, observância, súmula, STF...........................................339

REPARAÇÃO DE DANOSEspecificação–VideCRIMECONTRAOMEIOAMBIENTE

RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIASUS – Vide MEDICAMENTO

REVISÃO DE BENEFÍCIOCálculo, aposentadoria por tempo de serviço, observância, legislação, vigência, data, implementação, requisito. Irrelevância, requerimento, via administrativa, momento, posterior. Segurado, direito adquirido, benefício previdenciário, com, mais, vantagem.Inaplicabilidade, salário mínimo de referência. Correção, menor valor-teto, a partir, março, 1986, pelo, IPC.Não ocorrência, decadência, direito, pedido, revisão de benefício..................................313

S

SERVIÇO MILITAR OBRIGATÓRIODiscriminação – Vide PORTARIA

SONEGAÇÃO FISCALOperação de câmbio – Vide CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO

SUSTransplante – Vide MEDICAMENTO

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T

TAXA DE OCUPAÇÃOReajuste anual – Vide TERRENO DE MARINHA

TEMPO DE SERVIÇOSoma – Vide APOSENTADORIA POR IDADE

TERMO INICIALAbsolutamente incapaz – Vide PENSÃO POR MORTE

TERRENO DE MARINHAExigibilidade, taxa de ocupação. Regularidade, procedimento, demarcação, duração, período, superior, cinco anos. Prescrição quinquenal, direito, impugnação.Adequação, intimação por edital, anterior, alteração, entendimento, STF. A partir, declaração de inconstitucionalidade, exigência, intimação pessoal, interessado. Impossibilidade, oposição, título de propriedade, particular, contra, União Federal.Previsão legal, reajuste anual, valor, domínio pleno, terreno de marinha, em, observância, critério, valorização imobiliária................................................................................122

TRANSPLANTESUS – Vide MEDICAMENTO

U

UNIDADE DE CONSERVAÇÃOConstrução civil – Vide CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE

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ÍNDICE LEGISLATIVO

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Código de Processo CivilArtigo 649 .....................................................................................................................393 Artigo 741 .....................................................................................................................339

Código PenalArtigo 112 ....................................................................................................................229Artigo 273 ....................................................................................................................175

Código Tributário NacionalArtigo 165 ....................................................................................................................368Artigo 186 ....................................................................................................................393

Constituição Federal/88Artigo 5º ...........................................................................................85/229/313/393/451Artigo 6º .......................................................................................................................393Artigo 20 .......................................................................................................................122 Artigo 37 ........................................................................................................................85 Artigo 97 .......................................................................................................................458 Artigo 100 .....................................................................................................................403 Artigo 127 .....................................................................................................................300 Artigo 129 .....................................................................................................................300 Artigo 142 .....................................................................................................................387 Artigo 150 ....................................................................................................................462 Artigo 153 .....................................................................................................................462 Artigo 154 .....................................................................................................................433 Artigo 175 ....................................................................................................................85 Artigo 195 .....................................................................................................................433 Artigo 196 .....................................................................................................................130 Artigo 197 ....................................................................................................................458

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Artigo 226 .....................................................................................................................451 Artigo 237 ....................................................................................................................462

Decreto nº 20.910/32Artigo 1º ...............................................................................................................122/355

Decreto nº 3.048/99Artigo 32 .....................................................................................................................313Artigo 56 .......................................................................................................................313 Artigo 70 ......................................................................................................................276

Decreto nº 6.660/2008Artigo 19 .......................................................................................................................137

Decreto-Lei nº 9.760/46Artigo 67 ......................................................................................................................122 Artigo 101 ....................................................................................................................122

Decreto-Lei nº 2.398/87Artigo 1º ......................................................................................................................122

Emenda Constitucional nº 41/2003Artigo 4º ....................................................................................................................387

Emenda Constitucional nº 62/2009 .............................................................................403

Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 117/98Artigo 6º ......................................................................................................................462

Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 660/2006Artigo 7º ........................................................................................................................355 Artigo 10 ......................................................................................................................355

Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007Artigo 69 .......................................................................................................................313 Artigo 93 ......................................................................................................................313

Instruções Gerais para a Prorrogação do Tempo de Serviço Militar/1997Artigo 27.......................................................................................................................451

Lei Complementar Municipal nº 246/2005 (Caxias do Sul/RS)Artigo 2º .....................................................................................................................137 Artigo 6º ....................................................................................................................137

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Lei Municipal nº 2.452/1978 (Caxias do Sul/RS)Artigo 14 .......................................................................................................................137 Artigo 15 ...................................................................................................................137

Lei nº 3.765/60 ...........................................................................................................387 Lei nº 7.492/86Artigo 11 ...................................................................................................................208 Artigo 21 .....................................................................................................................208 Artigo 22 ....................................................................................................................208 Artigo 25 ......................................................................................................................208

Lei nº 7.713/88 Artigo 6º ......................................................................................................................368 Lei nº 8.213/91Artigo 48 ...................................................................................................................292 Artigo 49 .....................................................................................................................247 Artigo 52 .....................................................................................................................276 Artigo 53 .....................................................................................................................276Artigo 54 ...................................................................................................................247Artigo 55 ....................................................................................................................247Artigo 58 ..................................................................................................................276Artigo 74 ...................................................................................................................300Artigo 79 .....................................................................................................................300Artigo 103 ....................................................................................................................300Artigo 122 ...................................................................................................................313Artigo 142 ....................................................................................................................276

Lei nº 8.987/95Artigo 9º ......................................................................................................................85 Artigo 11 .......................................................................................................................85

Lei nº 9.250/95Artigo 39 .......................................................................................................................368

Lei nº 9.605/98Artigo 20 ......................................................................................................................153 Artigo 40 ......................................................................................................................153

Lei nº 10.233/2001Artigo 24 ......................................................................................................................85Artigo 26 ........................................................................................................................85

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Lei nº 10.522/2002Artigo 20 ......................................................................................................................166

Lei nº 10.637/2002Artigo 3º ......................................................................................................................355

Lei nº 10.684/2003Artigo 25 ....................................................................................................................355 Lei nº 10.833/2003Artigo 3º ......................................................................................................................355

Lei nº 10.884/2004Artigo 16-A .................................................................................................................433

Lei nº 10.887/2004Artigo 4° ....................................................................................................................433

Lei nº 10.925/2004Artigo 8º ...................................................................................................................355 Artigo 9º ......................................................................................................................355Artigo 17 .....................................................................................................................355

Lei nº 11.428/2006Artigo 11 .....................................................................................................................137Artigo 14 ......................................................................................................................137

Lei nº 11.718/2008 ....................................................................................................292

Lei nº 12.350/2010 ...................................................................................................433

Medida Provisória nº 2.158-35/2001Artigo 14 ...................................................................................................................458

Portaria nº 1.014/97 (expedida pelo Ministro do Exército) .....................................451

Resolução nº 2.552/2008 da Agência Nacional de Transportes TerrestresArtigo 1º ....................................................................................................................85

Súmulas do Superior Tribunal de JustiçaNº 162 .........................................................................................................................368

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Súmulas do Supremo Tribunal FederalNº 359 .......................................................................................................................313Nº 672 .......................................................................................................................339

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