Contratos Publicos

19
CONTRATOS PÚBLICOS, CAUÇÃO E TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS – BREVE APONTAMENTO SOBRE A JURISDIÇÃO COMPETENTE PUBLIC CONTRACTS, PERFORMANCE BOND AND ADMINISTRATIVE COURTS – BRIEF NOTE ON THE COMPETENT JURISDICTION pública Revista Eletrónica de Direito Público E-PÚBLICA REVISTA ELECTRÓNICA DE DIREITO PÚBLICO www.e-publica.pt Marco Caldeira * Número 1, 2014 ISSN 2183-184x

description

Código

Transcript of Contratos Publicos

  • CONTRATOS PBLICOS, CAUO E TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS BREVE APONTAMENTO

    SOBRE A JURISDIO COMPETENTE

    PUBLIC CONTRACTS, PERFORMANCE BOND AND ADMINISTRATIVE COURTS BRIEF NOTE

    ON THE COMPETENT JURISDICTION

    pblicaRevista Eletrnica de Direito Pblico

    E-PBLICAREVISTA ELECTRNICA DE DIREITO PBLICO

    www.e-publica.pt

    Marco Caldeira *

    Nmero 1, 2014ISSN 2183-184x

  • 2Resumo: O presente texto debrua-se sobre as vrias decises judiciais que tm sido proferidas relativamente questo de saber qual a jurisdio competente para decidir da causa nos processos em que o co-contratante tenta obstar ao, ou reagir contra, o accionamento da cauo pelo contraente pblico.

    Abstract: This article focus on the several decisions issued by the Courts in regard to the question of knowing which jurisdiction is entitled to decide on the judicial procedures through which the contractor tries to avoid the performance bond to be enforced by the public contracting party or reacts against the enforcement of such bond.

    Palavras-chave: contratos pblicos; cauo; incumprimento do contrato; Tribunais Administrativos.

    Keywords: public contracts; performance bond; breach of contract; Administrative Courts.

    1. Como se sabe, nos procedimentos pr-contratuais de Direito Pblico, comum a celebrao do contrato ser antecedida da prvia prestao de cauo por parte do adjudicatrio. J era assim, nomeadamente, na vigncia do Decreto-Lei n. 59/99, de 2 de Maro1, e do Decreto-Lei n. 197/99, de 8 de Junho2, e, com toda a naturalidade, continuou a s-lo ao abrigo do Cdigo dos Contratos Pblicos (doravante CCP ou Cdigo), aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro3, que revogou aqueles primeiros diplomas e passou a estabelecer a disciplina aplicvel

    contratao pblica e o regime substantivo dos contratos administrativos 4.Neste sentido, quando esteja em causa um procedimento para a formao de contratos pblicos 5, deve, em princpio, ser exigida ao adjudicatrio a prestao de uma cauo 6.

    A prestao de cauo apenas no obrigatria nas seguintes situaes:(i) Em primeiro lugar, caso o contrato a celebrar no implique o pagamento de um preo por parte da entidade adjudicant 7;(ii) Em segundo lugar, caso o preo do contrato a celebrar seja inferior a 200.000 8;(iii) Em terceiro lugar, quando o programa do procedimento ou o convite apresentao de propostas o prevejam e o adjudicatrio apresente entidade adjudicante um dos seguintes documentos:

    (iv) Em quarto lugar, caso se esteja num procedimento para a celebrao de um acordo-quadro 10.A estes casos em que a prestao da cauo no obrigatria por lei (mas pode ser exigida pela entidade adjudicante), acrescente-se ainda um caso em que a prpria lei que estabelece no haver lugar prestao de cauo: os casos em que adoptado um concurso pblico urgente 11.

    2. Como resulta da lei, a cauo a prestar pelo adjudicatrio destina-se a garantir, por um lado, a garantir a sua celebrao [do contrato]12 e, por outro, o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais que [o adjudicatrio] assume com essa celebrao - 13-14.

    O valor da cauo corresponder, em regra, a 5% do preo contratual15, salvo quando a proposta adjudicada tenha um preo considerado anormalmente baixo16, caso em que a cauo a prestar ser de 10% do preo contratual17.A cauo deve ser prestada no modo definido ab initio nas peas do procedimento18(admitindo a lei o depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, a apresentao de garantia bancria ou subscrio de seguro-cauo19) e no prazo de 10 dias a contar da notificao da adjudicao20, devendo o adjudicatrio comprovar essa prestao junto da entidade adjudicante no dia imediatamente subsequente21.

    3. De sublinhar que estamos perante uma fase decisiva do procedimento pr-contratual, pois a no prestao regular da cauo (quando a mesma seja exigida, claro est) constitui um requisito que afecta a subsistncia do acto de adjudicao e obsta celebrao do contrato.Na verdade, caso o adjudicatrio, por facto que lhe seja imputvel, no preste a cauo exigida, no prazo e nos demais termos legal e procedimentalmente previstos incumprindo, pois, o nus que sobre ele recai22, esta circunstncia determinar a caducidade da adjudicao23, a ser declarada

    1 Cfr. artigos 110. a 114. deste diploma.2 Cfr. artigos 65. e 69. a 71. deste diploma.3 Rectificado pela Declarao de Rectificao n. 18-A/2008, de 28 de Maro, alterado pela Lei n. 59/2008, de 11 de

    Setembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n. 278/2009, de 2 de Outubro, alterado pela Lei n. 3/2010, de

    27 de Abril, pelo Decreto-Lei n. 131/2010, de 14 de Dezembro, pela Lei n. 64 -B/2011, de 30 de Dezembro, e, mais

    recentemente, pelo Decreto-Lei n. 149/2012, de 12 de Julho.

    por acto expresso e fundamentado da entidade adjudicante24. Nestes casos haver depois lugar adjudicao da proposta ordenada em lugar subsequente 25 e, quando se trate de um procedimento para a formao de um contrato de empreitada ou de concesso de obras pblicas, dever ainda a caducidade da adjudicao ser comunicada ao Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P.26, designadamente para efeitos de instaurao de um procedimento contra-ordenacional contra o adjudicatrio inicial27.Noutra perspectiva, a importncia desta formalidade ps-adjudicatria revela-se ainda na necessidade de o clausulado do contrato a celebrar28 conter uma referncia cauo prestada pelo adjudicatrio, sob pena de nulidade daquele29. A validade do acordo firmado entre as partes est assim intrinsecamente dependente desta meno obrigatria no clausulado contratual, originando a sua omisso a invalidade prpria do contrato30, qual a lei faz corresponder o desvalor jurdico mais gravoso31.

    4. Assumindo, enfim, que o adjudicatrio prestou a cauo nos termos previstos e que o contrato foi celebrado, cabe agora analisar as diversas vicissitudes da cauo ao longo do perodo de execuo das prestaes contratuais.

    4.1. Desde logo, a ttulo preliminar e como mero apontamento, refira-se que a cauo pode ser substituda, a requerimento do co-contratante e mediante autorizao do contraente pblico, desde que (i) fiquem salvaguardados os pagamentos j efectuados32 e que (ii) da substituio no resulte uma diminuio das garantias do contraente pblico33.

    4.2. Mas, independentemente de a cauo ser ou no substituda, destinando-se a mesma, como se referiu, a assegurar o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais do co-contratante (como resulta do artigo 88., n. 1 do CCP), o seu destino normal (= no patolgico) da ser a respectiva liberao pelo contraente pblico medida que se vo extinguindo as obrigaes cujo cumprimento visa garantir34.Numa manifestao do reforo da autonomia contratual que o legislador pretendeu conferir s partes35, o CCP remete a definio do concreto regime da liberao da cauo para o prprio contrato36. Este regime dever em princpio manter-se imodificvel durante a execuo do contrato, no podendo as partes acordar num regime diverso, salvo se existir fundamento de modificao do contrato que justifique uma alterao do regime de liberao das caues sendo certo que, mesmo neste caso, devero ser respeitados os limites previstos no CCP37.

    Tais limites apresentam diversas variaes, que podem sinteticamente esquematizadas do seguinte modo38:(i) Caso a cauo tenha sido prestada para garantia de adiantamentos do preo39, a mesma dever ser progressivamente liberada medida que forem prestados ou entregues os bens ou servios correspondentes ao adiantamento efectuado pelo contraente pblico40;(ii) Quando o contrato no contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (nomeadamente, obrigaes de garantia41), a cauo dever ser integralmente liberada no prazo de 30 dias aps o cumprimento de todas as obrigaes contratuais pelo co-contratante42;(iii) Quando o contrato contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (incluindo obrigaes de garantia), o regime de liberao da cauo distinto consoante o prazo destas obrigaes. Assim:

    Caso o contraente pblico no respeite os prazos previstos para a liberao da cauo, o co-contratante poder notificar o contraente pblico para tal efeito, sob pena de, caso este no o faa no prazo de 15 dias, o co-contratante ficar autorizado a promover a liberao total ou parcial da cauo46, isto sem prejuzo do seu direito a ser indemnizado, inter alia, pelos custos adicionais suportados por fora da manuteno da cauo por um perodo superior ao que seria devido47.

    4.3. No obstante, como a liberao da cauo depende (i) da inexistncia de defeitos da prestao do co-contratante, ou (ii) da correco daqueles que hajam sido detectados at data da liberao da cauo ou, caso tal no tenha sucedido, (iii) da deciso do contraente pblico de liberar a cauo, por entender que os defeitos identificados e no corrigidos so de pequena importncia e no justificam a no liberao48, isto significa que, caso no se verifique qualquer dos trs cenrios acabados de enunciar, o contraente pblico no s no est obrigado a liberar a cauo

    como, pelo contrrio, se encontra habilitado a ret-la e accion-la para cobrir os custos suportados por fora do incumprimento contratual por parte do co-contratante.Assim, nos termos da lei, o contraente pblico pode executar a cauo para satisfao de quaisquer importncias que se mostrem devidas por fora da violao das obrigaes legais ou contratuais do co-contratante49, aqui se incluindo, nomeadamente, as sanes pecunirias aplicadas pelo contraente pblico, os prejuzos incorridos pelo contraente em virtude do incumprimento do contrato pelo co-contratante ou as importncias fixadas no contrato a ttulo de clusulas penais, se for o caso50.

    4.4. Aspecto importante a reter e que deve ser salientado que o accionamento da cauo depende apenas de uma declarao de vontade do contraente pblico, no sendo necessria a prvia prolao de uma deciso judicial ou arbitral para este efeito 51. Assim, apesar de, em geral, as declaraes do contraente pblico sobre a execuo do contrato revestirem a natureza de meras declaraes negociais, que, na falta de acordo do co-contratante, apenas podem ser impostas a este ltimo mediante o recurso aos Tribunais Administrativos52, a verdade que, para que a cauo possa ser accionada, no se exige a prvia interveno de um Tribunal (seja ele estadual ou ad hoc, como so os Tribunais arbitrais), sendo suficiente para este

    efeito que o contraente pblico, no exerccio dos seus poderes de fiscalizao53, impute um incumprimento contratual ao co-contratante e interpele o Banco emitente para proceder ao pagamento do montante coberto pela garantia54. Est-se assim, segundo alguns Autores, perante um poder prprio e de autotutela executiva do contraente pblico55, ou, de acordo com outro entendimento, diante de uma declarao negocial de exerccio de um direito potestativo56.Por outro lado, tambm no se exige a prvia resoluo do contrato, podendo o contraente pblico decidir manter a relao contratual mesmo aps a verificao de um incumprimento suficientemente grave a ponto de justificar o accionamento da cauo57. No obstante, caso esse incumprimento seja, na ptica do contraente pblico, de molde a fundamentar a resoluo sancionatria do contrato, nos termos legalmente previstos58, o contraente pblico encontra-se expressamente autorizado pela lei a executar a cauo prestada pelo co-contratante para cobrir os danos provocados pelo incumprimento que motivou a resoluo sancionatria59-60.

    4.5. A afirmao, feita no ponto anterior, da amplitude do poder de accionamento da cauo por parte do contraente pblico61 sai ainda reforada pelas caractersticas do instrumento atravs do qual as entidades adjudicantes normalmente exigem que a cauo seja prestada.Na verdade, apesar de, como acima se referiu, a lei prever que a cauo pode ser prestada por depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, por garantia bancria ou por seguro-cauo (cfr. ponto 2 supra), mostra a experincia que, na grande maioria dos casos, a entidade adjudicante exige que a cauo seja prestada atravs de garantia bancria62, autnoma e primeira interpelao (on first demand)63. Significa isto, por conseguinte, que, caso considere que o co-contratante violou qualquer das suas obrigaes contratuais, basta ao contraente pblico interpelar o Banco para lhe pagar o montante garantido, sem que o Banco possa, em princpio, recusar-se a proceder ao pagamento solicitado e sem que seja permitido ao co-contratante obstar ao accionamento da garantia, nomeadamente invocando no ter existido qualquer incumprimento contratual da sua parte.

    5. Ora, precisamente neste ponto que se colocam srias dvidas, de ndole processual: caso o co-contratante pretenda reagir contenciosamente contra o accionamento (que ele considera indevido) da garantia bancria por si prestada, qual ser a jurisdio competente para conhecer de tal litgio?Uma vez analisado o regime substantivo, debrucemo-nos agora sobre esta questo adjectiva, que, diga-se, tem suscitado uma volumosa produo jurisprudencial cujos contornos vale a pena conhecer.

    5.1. De um dos lados da discusso, abundante jurisprudncia tem entendido que a competncia jurisdicional para indagar do correcto ou incorrecto accionamento da cauo em contratos administrativos pertence aos Tribunais comuns 64.O principal argumento desta corrente jurisprudencial assenta, em sntese, na constatao de que, perante o accionamento de uma cauo prestada por meio de uma garantia bancria autnoma e on first demand, o juiz nunca ter de (em rigor: nunca poder) apreciar a relao contratual subjacente, visto que no permitido ao co-contratante obstar ao accionamento deste tipo de garantias com base na no verificao dos pressupostos invocados pelo contraente pblico.Por outras palavras, a natureza autnoma da garantia significa que o seu accionamento no depende de qualquer prvia indagao da efectiva violao de obrigaes contratuais por parte do co-contratante, razo pela qual no poder tambm o juiz, em sede de um processo judicial relativo execuo da cauo, conhecer da matria do (in)cumprimento do contrato.Nesta linha, o que est em causa, de acordo com esta perspectiva, fundamentalmente uma relao jurdica privada entre o Banco emitente e o co-contratante (enquanto ordenador da garantia), sem qualquer conexo, portanto, com a jurisdio administrativa.

    5.2. Adoptando um prisma distinto, tem outra corrente sustentado o entendimento contrrio ao que acabou de se expor, elegendo os Tribunais Administrativos como os materialmente competentes para dirimir litgios que tenham por fonte o accionamento da cauo por parte de um contraente pblico65.Em termos sucintos, considera esta parte da jurisprudncia que o que decisivo neste debate o facto de a execuo da cauo (mesmo que esta tenha sido prestada atravs de garantia bancria autnoma) se basear, sempre, no incumprimento de uma qualquer obrigao contratual por parte do co-contratante. E, nesta medida, no se mostra possvel analisar isoladamente a (i)licitude do accionamento da garantia, sem atender aos motivos concretamente invocados pelo contraente pblico para este efeito e indagar da sua procedncia. Razo pela qual, em suma, os litgios

    surgidos a propsito da execuo da cauo convocam inevitavelmente uma apreciao sobre a relao contratual existente entre co-contratante e contraente pblico, relao essa que de Direito Pblico e que, por conseguinte, se insere na competncia dos Tribunais Administrativos.

    5.3. Do breve confronto acima efectuado entre estas duas orientaes divergentes decorre, pois, que o cerne da discrdia reside fundamentalmente em saber se o litgio diz primacialmente respeito execuo do contrato e, portanto, emerge (ou implica a apreciao) de uma relao jurdica administrativa (caso em que seriam competentes os Tribunais da jurisdio administrativa) ou se, ao invs, est puramente em causa o accionamento de uma garantia prestada no mbito de uma relao jurdica privada, logo disciplinada pelo Direito Civil (pertencendo a competncia aqui ao foro da jurisdio comum).A distino determinante porque, como sabido, a nossa Constituio e a lei ordinria estabelecem uma reserva, a favor dos Tribunais da jurisdio administrativa e fiscal, para o julgamento de litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas e fiscais66, reserva essa que, em matria contratual, se concretiza, nomeadamente e para o que aqui importa, na competncia material dos Tribunais Administrativos para julgar sobre a interpretao, validade e execuo de contratos (i) a respeito dos quais haja lei especfica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pr-contratual regulado por normas de direito pblico67, (ii) de objecto passvel de acto administrativo, (iii) especificamente a respeito dos quais existam normas de direito pblico que regulem aspectos especficos do respectivo regime substantivo, ou (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pblica ou um concessionrio que actue no mbito da concesso e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito pblico68. Assim, atenta a competncia dita residual dos Tribunais da jurisdio comum69, estes ltimos apenas se encontraro materialmente habilitados a conhecer do litgio caso o mesmo no envolva a apreciao de uma relao jurdica administrativa, maxime em qualquer das suas concretizaes vertidas no ETAF.Sem poder levar a cabo uma anlise exaustiva da questo e sem muito menos ter a pretenso de dar aqui uma resposta definitiva a um problema to complexo e que tem dividido os Tribunais de forma to acentuada70, no nos furtaremos, porm, a assentar algumas ideias-chave que nos parecem essenciais para a correcta abordagem do problema e a procurar apontar possveis pistas de auxlio sua resoluo.

    5.4. Comeando, pois, pelas traves-mestras que presidem questo sub judice, pensamos que qualquer aproximao ao problema tem necessariamente de ter presente o seguinte:a) Os contratos que se encontrem sujeitos Parte III do CCP so contratos administrativos71; assim, mesmo que o contraente pblico tenha a natureza jurdica de entidade privada72, a relao jurdica estabelecida atravs de um contrato administrativo sempre (passe a redundncia) uma relao administrativa73, pelo que se integram no mbito de competncia material dos Tribunais Administrativos;b) Do mesmo modo, quanto aos contratos celebrados na sequncia de procedimentos pr-contratuais previstos na Parte II do CCP, mesmo que no estejam sujeitos aplicao da Parte III do mesmo Cdigo e independentemente da sua natureza74, afigura-se que a mera adopo de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico j determina a competncia material dos Tribunais Administrativos para conhecer dos litgios suscitados durante a execuo do contrato em causa75;c) Por seu turno, o contrato de garantia autnoma76 ser sempre um contrato de direito privado77

    , no se vislumbrando, pois, qualquer elemento de conexo com a jurisdio administrativa, mesmo que o Banco emitente seja uma entidade pblica e que, porventura, o prprio co-contratante (ordenador da garantia) igualmente o seja 78;d) Nos termos da lei (cfr. artigo 296., n. 1 do CCP), o accionamento da cauo pelo contraente pblico tem sempre de se fundamentar no incumprimento de uma qualquer obrigao legal ou contratual por parte do co-contratante;e) Tendo, todavia, a cauo sido prestada atravs de garantia bancria autnoma e on first demand, o contraente pblico pode accion-la mediante simples interpelao ao Banco emitente, o qual no est autorizado a indagar da verificao (ou no verificao) dos motivos invocados para o accionamento da garantia (salvo, eventualmente, abuso de direito79 ou fraude manifesta por parte do contraente pblico80);f) Pelo mesmo motivo referido na alnea anterior, bastante duvidoso que o co-contratante possa limitar-se a invocar o pontual cumprimento do contrato para obviar ao accionamento da garantia bancria: mais do que saber qual o Tribunal competente para apreciar esta pretenso, est aqui em causa saber se se trata de um pedido legalmente atendvel81;g) Em qualquer caso, independentemente do entendimento que se perfilhe quanto ao fundo da causa, tal constitui uma questo de mrito no pode ser esgrimida para obstar ao conhecimento do litgio do facto de o(s) pedido(s) deduzido(s) apresentar(em) reduzidas probabilidades de procedncia no decorre qualquer incompetncia material do Tribunal para dele(s) conhecer82;

    h) No caso aqui em apreo, como em qualquer outro processo judicial, o preenchimento dos pressupostos processuais, incluindo a competncia do Tribunal (ao nvel hierrquico, territorial e, para o que aqui interessa, material) est intrinsecamente dependente do modo como o litgio foi configurado, no podendo abstrair-se da forma como o objecto do processo se encontra delimitado pelo autor/requerente83;i) Assim, afigura-se que a questo, genericamente formulada, de saber qual a jurisdio competente para apreciar um litgio em que se discute o accionamento da cauo no pode ser respondida em abstracto, pois s atendendo s especificidades do processo em concreto se pode determinar qual o Tribunal competente para decidir da pretenso (bem ou mal) trazida a juzo.

    5.5. Partindo dos pontos que acima adiantmos, poder agora testar-se a sua aplicao na resoluo das diversas configuraes que os vrios litgios submetidos apreciao jurisdicional podem assumir.

    Na verdade, tendo em mente que a chave para se determinar se a jurisdio competente a administrativa ou a judicial o facto de o litgio implicar, ou no, a anlise das vicissitudes de uma relao (contratual) jurdica administrativa, revela-se decisivo, para este efeito, atender ao pedido e causa de pedir de cada diferendo em concreto. Ou, dito de forma mais simples, preciso olhar para os factos invocados pelo co-contratante no articulado da petio inicial (e/ou do requerimento inicial, quando se trate de um processo cautelar) para perceber se os fundamentos atravs dos quais o autor/requerente pretende obstar ao accionamento da cauo se prendem ou no com a execuo do contrato administrativo no mbito do qual aquela (cauo) foi prestada, sendo que s no caso de os fundamentos que integram o objecto do litgio se relacionarem com o contrato-base que convocada a jurisdio administrativa.Note-se, com efeito, que pretenso do co-contratante de que a garantia no seja accionada podem estar subjacentes motivos da mais diversa ndole, razo pela qual seria precipitado dar o mesmo enquadramento jurdico a litgios de natureza radicalmente diferente. Basta pensar que um processo em que o co-contratante tenta impedir o accionamento da garantia porque, por exemplo, a mesma no vlida ou j caducou84 nada tem que ver com um outro processo em que a pretenso do co-contratante se baseia no facto de o contrato administrativo ter sido pontual e integralmente cumprido como evidente, as vicissitudes da prpria garantia no se confundem nem podem ser reconduzidas (eventual falta de) verificao dos pressupostos que habilitam o respectivo accionamento. Assim, s perante o caso concreto e em face do pedido e da causa de pedir de cada processo se poder determinar a competncia jurisdicional para dirimir o litgio.

    6. Segundo pensamos, e com base na jurisprudncia a que tivemos acesso e foi citada ao longo do texto, a situao mais frequente na prtica ser, de longe, a invocao, pelo co-contratante, de que o contrato foi pontualmente cumprido e de que, por conseguinte, a cauo foi abusivamente executada pelo contraente pblico. O que, tendo em conta o que acima se exps, significa que a configurao da maioria dos litgios apontar para a competncia dos Tribunais da jurisdio administrativa, na medida em que a discusso sobre o cumprimento ou incumprimento de um contrato administrativo (ou celebrado na sequncia de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico) cabe aos Tribunais Administrativos, luz do ETAF. Ora, ainda que tal discusso surja a ttulo instrumental como enquadramento prvio anlise a efectuar a ttulo principal , a verdade que o facto de o processo se destinar a impedir o accionamento da cauo no descaracteriza o objecto do litgio como essencialmente ligado boa ou m execuo do contrato85 . Assim, sempre que a causa de pedir estabelea uma ligao ao contrato-base e no se

    limite a discutir a ttulo principal o accionamento da garantia, sem mais, sero competentes para conhecer do pedido os Tribunais Administrativos86.Este entendimento parece ser reforado pelo facto de se ter vindo a impor na praxis um dever de o Banco garante consultar o co-contratante (a pedido de quem prestou a garantia) previamente ao pagamento, ao contraente pblico (beneficirio da garantia), do montante garantido87, o que indicia que, apesar de a garantia bancria autnoma ser na conhecida distino doutrinria um negcio abstracto e no causal, tal abstraco (face ao contrato principal no mbito do qual a garantia foi prestada) no absoluta, permitindo-se que o co-contratante, ainda em fase pr-contenciosa, procure demonstrar junto do Banco que no existem fundamentos para o accionamento da garantia.Alm do mais, se o co-contratante cumular o pedido principal (v.g., de condenao do contraente pblico a reconhecer que o contrato foi pontualmente cumprido e a adoptar todas as condutas necessrias ao restabelecimento dos direitos ou interesses violados88) com o pedido de pagamento da indemnizao devida pelos prejuzos sofridos em virtude do accionamento ilcito da cauo89, afigura-se que esta matria, respeitando responsabilidade civil da Administrao Pblica, se enquadrar de pleno no mbito da jurisdio administrativa90.Em suma, sem prejuzo de ser necessria uma avaliao casustica e de, por conseguinte, no ser possvel dar ao problema aqui analisado uma resposta em abstracto, sem atender aos contornos de cada situao em concreto, afigura-se que, na maioria dos casos que tem vindo a ser decidido na jurisprudncia, o objecto do processo e a pretenso (bem ou mal) formulada pelo autor/requerente remetem a deciso do litgio para os Tribunais Administrativos, no podendo o juzo sobre a procedncia ou improcedncia dos pedidos contaminar a tarefa prvia de verificao do preenchimento dos pressupostos processuais (in casu, a competncia material) de que depende a emisso, a final, de uma sentena de mrito.

    MARCO CALDEIRA *AdvogadoAssistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

  • Resumo: O presente texto debrua-se sobre as vrias decises judiciais que tm sido proferidas relativamente questo de saber qual a jurisdio competente para decidir da causa nos processos em que o co-contratante tenta obstar ao, ou reagir contra, o accionamento da cauo pelo contraente pblico.

    Abstract: This article focus on the several decisions issued by the Courts in regard to the question of knowing which jurisdiction is entitled to decide on the judicial procedures through which the contractor tries to avoid the performance bond to be enforced by the public contracting party or reacts against the enforcement of such bond.

    Palavras-chave: contratos pblicos; cauo; incumprimento do contrato; Tribunais Administrativos.

    Keywords: public contracts; performance bond; breach of contract; Administrative Courts.

    1. Como se sabe, nos procedimentos pr-contratuais de Direito Pblico, comum a celebrao do contrato ser antecedida da prvia prestao de cauo por parte do adjudicatrio. J era assim, nomeadamente, na vigncia do Decreto-Lei n. 59/99, de 2 de Maro1, e do Decreto-Lei n. 197/99, de 8 de Junho2, e, com toda a naturalidade, continuou a s-lo ao abrigo do Cdigo dos Contratos Pblicos (doravante CCP ou Cdigo), aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro3, que revogou aqueles primeiros diplomas e passou a estabelecer a disciplina aplicvel

    3

    contratao pblica e o regime substantivo dos contratos administrativos 4.Neste sentido, quando esteja em causa um procedimento para a formao de contratos pblicos 5, deve, em princpio, ser exigida ao adjudicatrio a prestao de uma cauo 6.

    A prestao de cauo apenas no obrigatria nas seguintes situaes:(i) Em primeiro lugar, caso o contrato a celebrar no implique o pagamento de um preo por parte da entidade adjudicant 7;(ii) Em segundo lugar, caso o preo do contrato a celebrar seja inferior a 200.000 8;(iii) Em terceiro lugar, quando o programa do procedimento ou o convite apresentao de propostas o prevejam e o adjudicatrio apresente entidade adjudicante um dos seguintes documentos:

    (iv) Em quarto lugar, caso se esteja num procedimento para a celebrao de um acordo-quadro 10.A estes casos em que a prestao da cauo no obrigatria por lei (mas pode ser exigida pela entidade adjudicante), acrescente-se ainda um caso em que a prpria lei que estabelece no haver lugar prestao de cauo: os casos em que adoptado um concurso pblico urgente 11.

    2. Como resulta da lei, a cauo a prestar pelo adjudicatrio destina-se a garantir, por um lado, a garantir a sua celebrao [do contrato]12 e, por outro, o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais que [o adjudicatrio] assume com essa celebrao - 13-14.

    O valor da cauo corresponder, em regra, a 5% do preo contratual15, salvo quando a proposta adjudicada tenha um preo considerado anormalmente baixo16, caso em que a cauo a prestar ser de 10% do preo contratual17.A cauo deve ser prestada no modo definido ab initio nas peas do procedimento18(admitindo a lei o depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, a apresentao de garantia bancria ou subscrio de seguro-cauo19) e no prazo de 10 dias a contar da notificao da adjudicao20, devendo o adjudicatrio comprovar essa prestao junto da entidade adjudicante no dia imediatamente subsequente21.

    3. De sublinhar que estamos perante uma fase decisiva do procedimento pr-contratual, pois a no prestao regular da cauo (quando a mesma seja exigida, claro est) constitui um requisito que afecta a subsistncia do acto de adjudicao e obsta celebrao do contrato.Na verdade, caso o adjudicatrio, por facto que lhe seja imputvel, no preste a cauo exigida, no prazo e nos demais termos legal e procedimentalmente previstos incumprindo, pois, o nus que sobre ele recai22, esta circunstncia determinar a caducidade da adjudicao23, a ser declarada

    4 Cfr. artigo 1., n. 1 do CCP.5 Na acepo da lei, todos os contratos que, independentemente da sua designao e natureza, sejam celebrados

    pelas entidades adjudicantes referidas no presente Cdigo (cfr. artigo 1., n. 2 do CCP).6 Cfr. artigo 88., n. 1 do CCP.7 Nestes casos, a entidade adjudicante pode exigir a prestao de cauo, mas o seu montante no pode ser superior

    a 2% do montante correspondente utilidade econmica imediata do contrato para a entidade adjudicante (cfr.

    artigo 89., n. 3 do CCP). Nestes casos, o valor da cauo a prestar tem de estar previsto, ou no programa do

    concurso pblico (cfr. artigo 132., n. 1, alnea p) do CCP), ou no convite apresentao de proposta (cfr. artigo

    115., n. 1, alnea i) do CCP, para o ajuste directo, bem como artigo 189., n. 1, alnea i) do CCP, para o concurso

    limitado por prvia qualificao, aplicvel ao procedimento de negociao e ao dilogo concorrencial por fora da

    remisso dos artigos 199. e 217., n. 2 do CCP, respectivamente).

    Para uma anlise dos principais problemas suscitados pela figura do contrato sem valor, previsto no artigo 17., n.

    4 do CCP, cfr. VERA EIR, Os Contratos Sem Valor no Cdigo dos Contratos Pblicos, in Estudos em

    Homenagem ao Professor Doutor Carlos Ferreira de Almeida, Volume II, Almedina, Coimbra, 2011, pginas 267 a

    286.8 O facto de preo contratual ser inferior a 200.000 apenas dispensa (mas no probe) a entidade adjudicante de,

    querendo, exigir ao adjudicatrio a prestao de cauo: neste sentido, cfr. GONALO GUERRA TAVARES e NUNO

    MONTEIRO DENTE, Cdigo dos Contratos Pblicos Comentado, Volume I, Almedina, Coimbra, 2009, pgina 315.

    De todo o modo, a lei prev que, nesta situao (contratos de preo inferior a 200.000), a entidade adjudicante

    poder proceder reteno de at 10% do valor dos pagamentos a efectuar, caso o considere conveniente e desde que

    tal faculdade tenha sido prevista no caderno de encargos (cfr. artigo 88., n. 3 do CCP).

    (iii.1) Um seguro da execuo do contrato a celebrar, emitido por entidade seguradora, que cubra o respectivo preo contratual; ou(iii.2) Uma declarao de assuno de responsabilidade solidria com o adjudicatrio, pelo mesmo montante, emitida por entidade bancria, desde que essa entidade apresente documento comprovativo de que possui sede ou sucursal

    em Estado membro da Unio Europeia, emitido pela entidade que nesse Estado exera a superviso seguradora ou bancria, respectivamente 9; ou

    por acto expresso e fundamentado da entidade adjudicante24. Nestes casos haver depois lugar adjudicao da proposta ordenada em lugar subsequente 25 e, quando se trate de um procedimento para a formao de um contrato de empreitada ou de concesso de obras pblicas, dever ainda a caducidade da adjudicao ser comunicada ao Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P.26, designadamente para efeitos de instaurao de um procedimento contra-ordenacional contra o adjudicatrio inicial27.Noutra perspectiva, a importncia desta formalidade ps-adjudicatria revela-se ainda na necessidade de o clausulado do contrato a celebrar28 conter uma referncia cauo prestada pelo adjudicatrio, sob pena de nulidade daquele29. A validade do acordo firmado entre as partes est assim intrinsecamente dependente desta meno obrigatria no clausulado contratual, originando a sua omisso a invalidade prpria do contrato30, qual a lei faz corresponder o desvalor jurdico mais gravoso31.

    4. Assumindo, enfim, que o adjudicatrio prestou a cauo nos termos previstos e que o contrato foi celebrado, cabe agora analisar as diversas vicissitudes da cauo ao longo do perodo de execuo das prestaes contratuais.

    4.1. Desde logo, a ttulo preliminar e como mero apontamento, refira-se que a cauo pode ser substituda, a requerimento do co-contratante e mediante autorizao do contraente pblico, desde que (i) fiquem salvaguardados os pagamentos j efectuados32 e que (ii) da substituio no resulte uma diminuio das garantias do contraente pblico33.

    4.2. Mas, independentemente de a cauo ser ou no substituda, destinando-se a mesma, como se referiu, a assegurar o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais do co-contratante (como resulta do artigo 88., n. 1 do CCP), o seu destino normal (= no patolgico) da ser a respectiva liberao pelo contraente pblico medida que se vo extinguindo as obrigaes cujo cumprimento visa garantir34.Numa manifestao do reforo da autonomia contratual que o legislador pretendeu conferir s partes35, o CCP remete a definio do concreto regime da liberao da cauo para o prprio contrato36. Este regime dever em princpio manter-se imodificvel durante a execuo do contrato, no podendo as partes acordar num regime diverso, salvo se existir fundamento de modificao do contrato que justifique uma alterao do regime de liberao das caues sendo certo que, mesmo neste caso, devero ser respeitados os limites previstos no CCP37.

    Tais limites apresentam diversas variaes, que podem sinteticamente esquematizadas do seguinte modo38:(i) Caso a cauo tenha sido prestada para garantia de adiantamentos do preo39, a mesma dever ser progressivamente liberada medida que forem prestados ou entregues os bens ou servios correspondentes ao adiantamento efectuado pelo contraente pblico40;(ii) Quando o contrato no contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (nomeadamente, obrigaes de garantia41), a cauo dever ser integralmente liberada no prazo de 30 dias aps o cumprimento de todas as obrigaes contratuais pelo co-contratante42;(iii) Quando o contrato contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (incluindo obrigaes de garantia), o regime de liberao da cauo distinto consoante o prazo destas obrigaes. Assim:

    Caso o contraente pblico no respeite os prazos previstos para a liberao da cauo, o co-contratante poder notificar o contraente pblico para tal efeito, sob pena de, caso este no o faa no prazo de 15 dias, o co-contratante ficar autorizado a promover a liberao total ou parcial da cauo46, isto sem prejuzo do seu direito a ser indemnizado, inter alia, pelos custos adicionais suportados por fora da manuteno da cauo por um perodo superior ao que seria devido47.

    4.3. No obstante, como a liberao da cauo depende (i) da inexistncia de defeitos da prestao do co-contratante, ou (ii) da correco daqueles que hajam sido detectados at data da liberao da cauo ou, caso tal no tenha sucedido, (iii) da deciso do contraente pblico de liberar a cauo, por entender que os defeitos identificados e no corrigidos so de pequena importncia e no justificam a no liberao48, isto significa que, caso no se verifique qualquer dos trs cenrios acabados de enunciar, o contraente pblico no s no est obrigado a liberar a cauo

    como, pelo contrrio, se encontra habilitado a ret-la e accion-la para cobrir os custos suportados por fora do incumprimento contratual por parte do co-contratante.Assim, nos termos da lei, o contraente pblico pode executar a cauo para satisfao de quaisquer importncias que se mostrem devidas por fora da violao das obrigaes legais ou contratuais do co-contratante49, aqui se incluindo, nomeadamente, as sanes pecunirias aplicadas pelo contraente pblico, os prejuzos incorridos pelo contraente em virtude do incumprimento do contrato pelo co-contratante ou as importncias fixadas no contrato a ttulo de clusulas penais, se for o caso50.

    4.4. Aspecto importante a reter e que deve ser salientado que o accionamento da cauo depende apenas de uma declarao de vontade do contraente pblico, no sendo necessria a prvia prolao de uma deciso judicial ou arbitral para este efeito 51. Assim, apesar de, em geral, as declaraes do contraente pblico sobre a execuo do contrato revestirem a natureza de meras declaraes negociais, que, na falta de acordo do co-contratante, apenas podem ser impostas a este ltimo mediante o recurso aos Tribunais Administrativos52, a verdade que, para que a cauo possa ser accionada, no se exige a prvia interveno de um Tribunal (seja ele estadual ou ad hoc, como so os Tribunais arbitrais), sendo suficiente para este

    efeito que o contraente pblico, no exerccio dos seus poderes de fiscalizao53, impute um incumprimento contratual ao co-contratante e interpele o Banco emitente para proceder ao pagamento do montante coberto pela garantia54. Est-se assim, segundo alguns Autores, perante um poder prprio e de autotutela executiva do contraente pblico55, ou, de acordo com outro entendimento, diante de uma declarao negocial de exerccio de um direito potestativo56.Por outro lado, tambm no se exige a prvia resoluo do contrato, podendo o contraente pblico decidir manter a relao contratual mesmo aps a verificao de um incumprimento suficientemente grave a ponto de justificar o accionamento da cauo57. No obstante, caso esse incumprimento seja, na ptica do contraente pblico, de molde a fundamentar a resoluo sancionatria do contrato, nos termos legalmente previstos58, o contraente pblico encontra-se expressamente autorizado pela lei a executar a cauo prestada pelo co-contratante para cobrir os danos provocados pelo incumprimento que motivou a resoluo sancionatria59-60.

    4.5. A afirmao, feita no ponto anterior, da amplitude do poder de accionamento da cauo por parte do contraente pblico61 sai ainda reforada pelas caractersticas do instrumento atravs do qual as entidades adjudicantes normalmente exigem que a cauo seja prestada.Na verdade, apesar de, como acima se referiu, a lei prever que a cauo pode ser prestada por depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, por garantia bancria ou por seguro-cauo (cfr. ponto 2 supra), mostra a experincia que, na grande maioria dos casos, a entidade adjudicante exige que a cauo seja prestada atravs de garantia bancria62, autnoma e primeira interpelao (on first demand)63. Significa isto, por conseguinte, que, caso considere que o co-contratante violou qualquer das suas obrigaes contratuais, basta ao contraente pblico interpelar o Banco para lhe pagar o montante garantido, sem que o Banco possa, em princpio, recusar-se a proceder ao pagamento solicitado e sem que seja permitido ao co-contratante obstar ao accionamento da garantia, nomeadamente invocando no ter existido qualquer incumprimento contratual da sua parte.

    5. Ora, precisamente neste ponto que se colocam srias dvidas, de ndole processual: caso o co-contratante pretenda reagir contenciosamente contra o accionamento (que ele considera indevido) da garantia bancria por si prestada, qual ser a jurisdio competente para conhecer de tal litgio?Uma vez analisado o regime substantivo, debrucemo-nos agora sobre esta questo adjectiva, que, diga-se, tem suscitado uma volumosa produo jurisprudencial cujos contornos vale a pena conhecer.

    5.1. De um dos lados da discusso, abundante jurisprudncia tem entendido que a competncia jurisdicional para indagar do correcto ou incorrecto accionamento da cauo em contratos administrativos pertence aos Tribunais comuns 64.O principal argumento desta corrente jurisprudencial assenta, em sntese, na constatao de que, perante o accionamento de uma cauo prestada por meio de uma garantia bancria autnoma e on first demand, o juiz nunca ter de (em rigor: nunca poder) apreciar a relao contratual subjacente, visto que no permitido ao co-contratante obstar ao accionamento deste tipo de garantias com base na no verificao dos pressupostos invocados pelo contraente pblico.Por outras palavras, a natureza autnoma da garantia significa que o seu accionamento no depende de qualquer prvia indagao da efectiva violao de obrigaes contratuais por parte do co-contratante, razo pela qual no poder tambm o juiz, em sede de um processo judicial relativo execuo da cauo, conhecer da matria do (in)cumprimento do contrato.Nesta linha, o que est em causa, de acordo com esta perspectiva, fundamentalmente uma relao jurdica privada entre o Banco emitente e o co-contratante (enquanto ordenador da garantia), sem qualquer conexo, portanto, com a jurisdio administrativa.

    5.2. Adoptando um prisma distinto, tem outra corrente sustentado o entendimento contrrio ao que acabou de se expor, elegendo os Tribunais Administrativos como os materialmente competentes para dirimir litgios que tenham por fonte o accionamento da cauo por parte de um contraente pblico65.Em termos sucintos, considera esta parte da jurisprudncia que o que decisivo neste debate o facto de a execuo da cauo (mesmo que esta tenha sido prestada atravs de garantia bancria autnoma) se basear, sempre, no incumprimento de uma qualquer obrigao contratual por parte do co-contratante. E, nesta medida, no se mostra possvel analisar isoladamente a (i)licitude do accionamento da garantia, sem atender aos motivos concretamente invocados pelo contraente pblico para este efeito e indagar da sua procedncia. Razo pela qual, em suma, os litgios

    surgidos a propsito da execuo da cauo convocam inevitavelmente uma apreciao sobre a relao contratual existente entre co-contratante e contraente pblico, relao essa que de Direito Pblico e que, por conseguinte, se insere na competncia dos Tribunais Administrativos.

    5.3. Do breve confronto acima efectuado entre estas duas orientaes divergentes decorre, pois, que o cerne da discrdia reside fundamentalmente em saber se o litgio diz primacialmente respeito execuo do contrato e, portanto, emerge (ou implica a apreciao) de uma relao jurdica administrativa (caso em que seriam competentes os Tribunais da jurisdio administrativa) ou se, ao invs, est puramente em causa o accionamento de uma garantia prestada no mbito de uma relao jurdica privada, logo disciplinada pelo Direito Civil (pertencendo a competncia aqui ao foro da jurisdio comum).A distino determinante porque, como sabido, a nossa Constituio e a lei ordinria estabelecem uma reserva, a favor dos Tribunais da jurisdio administrativa e fiscal, para o julgamento de litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas e fiscais66, reserva essa que, em matria contratual, se concretiza, nomeadamente e para o que aqui importa, na competncia material dos Tribunais Administrativos para julgar sobre a interpretao, validade e execuo de contratos (i) a respeito dos quais haja lei especfica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pr-contratual regulado por normas de direito pblico67, (ii) de objecto passvel de acto administrativo, (iii) especificamente a respeito dos quais existam normas de direito pblico que regulem aspectos especficos do respectivo regime substantivo, ou (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pblica ou um concessionrio que actue no mbito da concesso e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito pblico68. Assim, atenta a competncia dita residual dos Tribunais da jurisdio comum69, estes ltimos apenas se encontraro materialmente habilitados a conhecer do litgio caso o mesmo no envolva a apreciao de uma relao jurdica administrativa, maxime em qualquer das suas concretizaes vertidas no ETAF.Sem poder levar a cabo uma anlise exaustiva da questo e sem muito menos ter a pretenso de dar aqui uma resposta definitiva a um problema to complexo e que tem dividido os Tribunais de forma to acentuada70, no nos furtaremos, porm, a assentar algumas ideias-chave que nos parecem essenciais para a correcta abordagem do problema e a procurar apontar possveis pistas de auxlio sua resoluo.

    5.4. Comeando, pois, pelas traves-mestras que presidem questo sub judice, pensamos que qualquer aproximao ao problema tem necessariamente de ter presente o seguinte:a) Os contratos que se encontrem sujeitos Parte III do CCP so contratos administrativos71; assim, mesmo que o contraente pblico tenha a natureza jurdica de entidade privada72, a relao jurdica estabelecida atravs de um contrato administrativo sempre (passe a redundncia) uma relao administrativa73, pelo que se integram no mbito de competncia material dos Tribunais Administrativos;b) Do mesmo modo, quanto aos contratos celebrados na sequncia de procedimentos pr-contratuais previstos na Parte II do CCP, mesmo que no estejam sujeitos aplicao da Parte III do mesmo Cdigo e independentemente da sua natureza74, afigura-se que a mera adopo de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico j determina a competncia material dos Tribunais Administrativos para conhecer dos litgios suscitados durante a execuo do contrato em causa75;c) Por seu turno, o contrato de garantia autnoma76 ser sempre um contrato de direito privado77

    , no se vislumbrando, pois, qualquer elemento de conexo com a jurisdio administrativa, mesmo que o Banco emitente seja uma entidade pblica e que, porventura, o prprio co-contratante (ordenador da garantia) igualmente o seja 78;d) Nos termos da lei (cfr. artigo 296., n. 1 do CCP), o accionamento da cauo pelo contraente pblico tem sempre de se fundamentar no incumprimento de uma qualquer obrigao legal ou contratual por parte do co-contratante;e) Tendo, todavia, a cauo sido prestada atravs de garantia bancria autnoma e on first demand, o contraente pblico pode accion-la mediante simples interpelao ao Banco emitente, o qual no est autorizado a indagar da verificao (ou no verificao) dos motivos invocados para o accionamento da garantia (salvo, eventualmente, abuso de direito79 ou fraude manifesta por parte do contraente pblico80);f) Pelo mesmo motivo referido na alnea anterior, bastante duvidoso que o co-contratante possa limitar-se a invocar o pontual cumprimento do contrato para obviar ao accionamento da garantia bancria: mais do que saber qual o Tribunal competente para apreciar esta pretenso, est aqui em causa saber se se trata de um pedido legalmente atendvel81;g) Em qualquer caso, independentemente do entendimento que se perfilhe quanto ao fundo da causa, tal constitui uma questo de mrito no pode ser esgrimida para obstar ao conhecimento do litgio do facto de o(s) pedido(s) deduzido(s) apresentar(em) reduzidas probabilidades de procedncia no decorre qualquer incompetncia material do Tribunal para dele(s) conhecer82;

    h) No caso aqui em apreo, como em qualquer outro processo judicial, o preenchimento dos pressupostos processuais, incluindo a competncia do Tribunal (ao nvel hierrquico, territorial e, para o que aqui interessa, material) est intrinsecamente dependente do modo como o litgio foi configurado, no podendo abstrair-se da forma como o objecto do processo se encontra delimitado pelo autor/requerente83;i) Assim, afigura-se que a questo, genericamente formulada, de saber qual a jurisdio competente para apreciar um litgio em que se discute o accionamento da cauo no pode ser respondida em abstracto, pois s atendendo s especificidades do processo em concreto se pode determinar qual o Tribunal competente para decidir da pretenso (bem ou mal) trazida a juzo.

    5.5. Partindo dos pontos que acima adiantmos, poder agora testar-se a sua aplicao na resoluo das diversas configuraes que os vrios litgios submetidos apreciao jurisdicional podem assumir.

    Na verdade, tendo em mente que a chave para se determinar se a jurisdio competente a administrativa ou a judicial o facto de o litgio implicar, ou no, a anlise das vicissitudes de uma relao (contratual) jurdica administrativa, revela-se decisivo, para este efeito, atender ao pedido e causa de pedir de cada diferendo em concreto. Ou, dito de forma mais simples, preciso olhar para os factos invocados pelo co-contratante no articulado da petio inicial (e/ou do requerimento inicial, quando se trate de um processo cautelar) para perceber se os fundamentos atravs dos quais o autor/requerente pretende obstar ao accionamento da cauo se prendem ou no com a execuo do contrato administrativo no mbito do qual aquela (cauo) foi prestada, sendo que s no caso de os fundamentos que integram o objecto do litgio se relacionarem com o contrato-base que convocada a jurisdio administrativa.Note-se, com efeito, que pretenso do co-contratante de que a garantia no seja accionada podem estar subjacentes motivos da mais diversa ndole, razo pela qual seria precipitado dar o mesmo enquadramento jurdico a litgios de natureza radicalmente diferente. Basta pensar que um processo em que o co-contratante tenta impedir o accionamento da garantia porque, por exemplo, a mesma no vlida ou j caducou84 nada tem que ver com um outro processo em que a pretenso do co-contratante se baseia no facto de o contrato administrativo ter sido pontual e integralmente cumprido como evidente, as vicissitudes da prpria garantia no se confundem nem podem ser reconduzidas (eventual falta de) verificao dos pressupostos que habilitam o respectivo accionamento. Assim, s perante o caso concreto e em face do pedido e da causa de pedir de cada processo se poder determinar a competncia jurisdicional para dirimir o litgio.

    6. Segundo pensamos, e com base na jurisprudncia a que tivemos acesso e foi citada ao longo do texto, a situao mais frequente na prtica ser, de longe, a invocao, pelo co-contratante, de que o contrato foi pontualmente cumprido e de que, por conseguinte, a cauo foi abusivamente executada pelo contraente pblico. O que, tendo em conta o que acima se exps, significa que a configurao da maioria dos litgios apontar para a competncia dos Tribunais da jurisdio administrativa, na medida em que a discusso sobre o cumprimento ou incumprimento de um contrato administrativo (ou celebrado na sequncia de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico) cabe aos Tribunais Administrativos, luz do ETAF. Ora, ainda que tal discusso surja a ttulo instrumental como enquadramento prvio anlise a efectuar a ttulo principal , a verdade que o facto de o processo se destinar a impedir o accionamento da cauo no descaracteriza o objecto do litgio como essencialmente ligado boa ou m execuo do contrato85 . Assim, sempre que a causa de pedir estabelea uma ligao ao contrato-base e no se

    limite a discutir a ttulo principal o accionamento da garantia, sem mais, sero competentes para conhecer do pedido os Tribunais Administrativos86.Este entendimento parece ser reforado pelo facto de se ter vindo a impor na praxis um dever de o Banco garante consultar o co-contratante (a pedido de quem prestou a garantia) previamente ao pagamento, ao contraente pblico (beneficirio da garantia), do montante garantido87, o que indicia que, apesar de a garantia bancria autnoma ser na conhecida distino doutrinria um negcio abstracto e no causal, tal abstraco (face ao contrato principal no mbito do qual a garantia foi prestada) no absoluta, permitindo-se que o co-contratante, ainda em fase pr-contenciosa, procure demonstrar junto do Banco que no existem fundamentos para o accionamento da garantia.Alm do mais, se o co-contratante cumular o pedido principal (v.g., de condenao do contraente pblico a reconhecer que o contrato foi pontualmente cumprido e a adoptar todas as condutas necessrias ao restabelecimento dos direitos ou interesses violados88) com o pedido de pagamento da indemnizao devida pelos prejuzos sofridos em virtude do accionamento ilcito da cauo89, afigura-se que esta matria, respeitando responsabilidade civil da Administrao Pblica, se enquadrar de pleno no mbito da jurisdio administrativa90.Em suma, sem prejuzo de ser necessria uma avaliao casustica e de, por conseguinte, no ser possvel dar ao problema aqui analisado uma resposta em abstracto, sem atender aos contornos de cada situao em concreto, afigura-se que, na maioria dos casos que tem vindo a ser decidido na jurisprudncia, o objecto do processo e a pretenso (bem ou mal) formulada pelo autor/requerente remetem a deciso do litgio para os Tribunais Administrativos, no podendo o juzo sobre a procedncia ou improcedncia dos pedidos contaminar a tarefa prvia de verificao do preenchimento dos pressupostos processuais (in casu, a competncia material) de que depende a emisso, a final, de uma sentena de mrito.

    MARCO CALDEIRA *AdvogadoAssistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

  • Resumo: O presente texto debrua-se sobre as vrias decises judiciais que tm sido proferidas relativamente questo de saber qual a jurisdio competente para decidir da causa nos processos em que o co-contratante tenta obstar ao, ou reagir contra, o accionamento da cauo pelo contraente pblico.

    Abstract: This article focus on the several decisions issued by the Courts in regard to the question of knowing which jurisdiction is entitled to decide on the judicial procedures through which the contractor tries to avoid the performance bond to be enforced by the public contracting party or reacts against the enforcement of such bond.

    Palavras-chave: contratos pblicos; cauo; incumprimento do contrato; Tribunais Administrativos.

    Keywords: public contracts; performance bond; breach of contract; Administrative Courts.

    1. Como se sabe, nos procedimentos pr-contratuais de Direito Pblico, comum a celebrao do contrato ser antecedida da prvia prestao de cauo por parte do adjudicatrio. J era assim, nomeadamente, na vigncia do Decreto-Lei n. 59/99, de 2 de Maro1, e do Decreto-Lei n. 197/99, de 8 de Junho2, e, com toda a naturalidade, continuou a s-lo ao abrigo do Cdigo dos Contratos Pblicos (doravante CCP ou Cdigo), aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro3, que revogou aqueles primeiros diplomas e passou a estabelecer a disciplina aplicvel

    contratao pblica e o regime substantivo dos contratos administrativos 4.Neste sentido, quando esteja em causa um procedimento para a formao de contratos pblicos 5, deve, em princpio, ser exigida ao adjudicatrio a prestao de uma cauo 6.

    A prestao de cauo apenas no obrigatria nas seguintes situaes:(i) Em primeiro lugar, caso o contrato a celebrar no implique o pagamento de um preo por parte da entidade adjudicant 7;(ii) Em segundo lugar, caso o preo do contrato a celebrar seja inferior a 200.000 8;(iii) Em terceiro lugar, quando o programa do procedimento ou o convite apresentao de propostas o prevejam e o adjudicatrio apresente entidade adjudicante um dos seguintes documentos:

    4

    (iv) Em quarto lugar, caso se esteja num procedimento para a celebrao de um acordo-quadro 10.A estes casos em que a prestao da cauo no obrigatria por lei (mas pode ser exigida pela entidade adjudicante), acrescente-se ainda um caso em que a prpria lei que estabelece no haver lugar prestao de cauo: os casos em que adoptado um concurso pblico urgente 11.

    2. Como resulta da lei, a cauo a prestar pelo adjudicatrio destina-se a garantir, por um lado, a garantir a sua celebrao [do contrato]12 e, por outro, o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais que [o adjudicatrio] assume com essa celebrao - 13-14.

    O valor da cauo corresponder, em regra, a 5% do preo contratual15, salvo quando a proposta adjudicada tenha um preo considerado anormalmente baixo16, caso em que a cauo a prestar ser de 10% do preo contratual17.A cauo deve ser prestada no modo definido ab initio nas peas do procedimento18(admitindo a lei o depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, a apresentao de garantia bancria ou subscrio de seguro-cauo19) e no prazo de 10 dias a contar da notificao da adjudicao20, devendo o adjudicatrio comprovar essa prestao junto da entidade adjudicante no dia imediatamente subsequente21.

    3. De sublinhar que estamos perante uma fase decisiva do procedimento pr-contratual, pois a no prestao regular da cauo (quando a mesma seja exigida, claro est) constitui um requisito que afecta a subsistncia do acto de adjudicao e obsta celebrao do contrato.Na verdade, caso o adjudicatrio, por facto que lhe seja imputvel, no preste a cauo exigida, no prazo e nos demais termos legal e procedimentalmente previstos incumprindo, pois, o nus que sobre ele recai22, esta circunstncia determinar a caducidade da adjudicao23, a ser declarada 9 Estamos, porm, perante falsas ou aparentes dispensas de prestao de cauo, pois, como nota MANUEL

    JANURIO DA COSTA GOMES, a assuno de responsabilidade pela entidade seguradora ou pela instituio bancria tambm corresponde, substancialmente, a uma prestao de cauo: cfr. Garantias bancrias no Cdigo dos Contratos Pblicos breves notas, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Srvulo Correia, Volume IV, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Coimbra Editora, 2010, pgina 507.10 Caso em que, como resulta claramente do disposto no artigo 254., n. 1 do CCP, a entidade adjudicante pode [tratando-se, pois, de uma mera faculdade] exigir a cada adjudicatrio a prestao de uma cauo, destinada a garantir o exacto e pontual cumprimento da obrigao de celebrao de contratos nas condies previstas no acordo-quadro medida que a entidade adjudicante parte no acordo quadro o requeira (cfr. artigo 255., n. 1 do CCP).11 Cfr. artigo 156., n. 2 do CCP.12 Por este motivo, quando (i) o adjudicatrio no comparece no dia, hora e local fixados para a outorga do contrato, bem como quando (ii) a proposta adjudicada tenha sido apresentada por um agrupamento concorrente e os membros do agrupamento no se tenham associado na modalidade jurdica prevista no programa do procedimento (cfr. artigo 54., n. 4 do CCP), a entidade adjudicante pode, no apenas declarar a caducidade da adjudicao, como tambm accionar a cauo que tenha sido prestada, a qual se considera perdida a seu favor (cfr. artigo 105., n. 2 do CCP).Mais duvidoso saber se os restantes casos de caducidade da adjudicao previstos no Cdigo tambm do lugar perda da cauo, quando a mesma j tenha sido prestada, j que o CCP no o prev: analisando a questo mas acabando por concluir, embora com dvidas, em sentido negativo, cfr. MRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Concursos e Outros Procedimentos de Contratao Pblica, Almedina, Coimbra, 2011, pginas 1073 e 1074.13 Cfr. artigo 88., n. 1 do CCP.Nas palavras do Tribunal Central Administrativo (doravante TCA) Sul proferidas luz do regime constante do acima citado Decreto-Lei n. 197/99, mas ainda plenamente aplicveis , a prestao de cauo estabelecida a favor da entidade adjudicante, para assegurar o bom cumprimento da execuo do contrato: cfr. Acrdo de 14.12.2011, processo n. 08264/11, disponvel em www.dgsi.pt.14 Note-se, porm, que no caso especial da cauo prestada no mbito de acordos-quadro, nos termos do artigo 254. do CCP, a cauo garante simultaneamente a celebrao de um contrato (futuro) e o exacto e pontual cumprimento de uma obrigao assumida em contrato anterior: neste sentido, cfr. PEDRO COSTA GONALVES, Cumprimento e incumprimento do contrato administrativo, in Estudos de Contratao Pblica I (org. PEDRO COSTA GONALVES), Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pgina 586, nota 33.

    (iii.1) Um seguro da execuo do contrato a celebrar, emitido por entidade seguradora, que cubra o respectivo preo contratual; ou(iii.2) Uma declarao de assuno de responsabilidade solidria com o adjudicatrio, pelo mesmo montante, emitida por entidade bancria, desde que essa entidade apresente documento comprovativo de que possui sede ou sucursal

    em Estado membro da Unio Europeia, emitido pela entidade que nesse Estado exera a superviso seguradora ou bancria, respectivamente 9; ou

    por acto expresso e fundamentado da entidade adjudicante24. Nestes casos haver depois lugar adjudicao da proposta ordenada em lugar subsequente 25 e, quando se trate de um procedimento para a formao de um contrato de empreitada ou de concesso de obras pblicas, dever ainda a caducidade da adjudicao ser comunicada ao Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P.26, designadamente para efeitos de instaurao de um procedimento contra-ordenacional contra o adjudicatrio inicial27.Noutra perspectiva, a importncia desta formalidade ps-adjudicatria revela-se ainda na necessidade de o clausulado do contrato a celebrar28 conter uma referncia cauo prestada pelo adjudicatrio, sob pena de nulidade daquele29. A validade do acordo firmado entre as partes est assim intrinsecamente dependente desta meno obrigatria no clausulado contratual, originando a sua omisso a invalidade prpria do contrato30, qual a lei faz corresponder o desvalor jurdico mais gravoso31.

    4. Assumindo, enfim, que o adjudicatrio prestou a cauo nos termos previstos e que o contrato foi celebrado, cabe agora analisar as diversas vicissitudes da cauo ao longo do perodo de execuo das prestaes contratuais.

    4.1. Desde logo, a ttulo preliminar e como mero apontamento, refira-se que a cauo pode ser substituda, a requerimento do co-contratante e mediante autorizao do contraente pblico, desde que (i) fiquem salvaguardados os pagamentos j efectuados32 e que (ii) da substituio no resulte uma diminuio das garantias do contraente pblico33.

    4.2. Mas, independentemente de a cauo ser ou no substituda, destinando-se a mesma, como se referiu, a assegurar o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais do co-contratante (como resulta do artigo 88., n. 1 do CCP), o seu destino normal (= no patolgico) da ser a respectiva liberao pelo contraente pblico medida que se vo extinguindo as obrigaes cujo cumprimento visa garantir34.Numa manifestao do reforo da autonomia contratual que o legislador pretendeu conferir s partes35, o CCP remete a definio do concreto regime da liberao da cauo para o prprio contrato36. Este regime dever em princpio manter-se imodificvel durante a execuo do contrato, no podendo as partes acordar num regime diverso, salvo se existir fundamento de modificao do contrato que justifique uma alterao do regime de liberao das caues sendo certo que, mesmo neste caso, devero ser respeitados os limites previstos no CCP37.

    Tais limites apresentam diversas variaes, que podem sinteticamente esquematizadas do seguinte modo38:(i) Caso a cauo tenha sido prestada para garantia de adiantamentos do preo39, a mesma dever ser progressivamente liberada medida que forem prestados ou entregues os bens ou servios correspondentes ao adiantamento efectuado pelo contraente pblico40;(ii) Quando o contrato no contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (nomeadamente, obrigaes de garantia41), a cauo dever ser integralmente liberada no prazo de 30 dias aps o cumprimento de todas as obrigaes contratuais pelo co-contratante42;(iii) Quando o contrato contenha obrigaes de correco de defeitos pelo co-contratante (incluindo obrigaes de garantia), o regime de liberao da cauo distinto consoante o prazo destas obrigaes. Assim:

    Caso o contraente pblico no respeite os prazos previstos para a liberao da cauo, o co-contratante poder notificar o contraente pblico para tal efeito, sob pena de, caso este no o faa no prazo de 15 dias, o co-contratante ficar autorizado a promover a liberao total ou parcial da cauo46, isto sem prejuzo do seu direito a ser indemnizado, inter alia, pelos custos adicionais suportados por fora da manuteno da cauo por um perodo superior ao que seria devido47.

    4.3. No obstante, como a liberao da cauo depende (i) da inexistncia de defeitos da prestao do co-contratante, ou (ii) da correco daqueles que hajam sido detectados at data da liberao da cauo ou, caso tal no tenha sucedido, (iii) da deciso do contraente pblico de liberar a cauo, por entender que os defeitos identificados e no corrigidos so de pequena importncia e no justificam a no liberao48, isto significa que, caso no se verifique qualquer dos trs cenrios acabados de enunciar, o contraente pblico no s no est obrigado a liberar a cauo

    como, pelo contrrio, se encontra habilitado a ret-la e accion-la para cobrir os custos suportados por fora do incumprimento contratual por parte do co-contratante.Assim, nos termos da lei, o contraente pblico pode executar a cauo para satisfao de quaisquer importncias que se mostrem devidas por fora da violao das obrigaes legais ou contratuais do co-contratante49, aqui se incluindo, nomeadamente, as sanes pecunirias aplicadas pelo contraente pblico, os prejuzos incorridos pelo contraente em virtude do incumprimento do contrato pelo co-contratante ou as importncias fixadas no contrato a ttulo de clusulas penais, se for o caso50.

    4.4. Aspecto importante a reter e que deve ser salientado que o accionamento da cauo depende apenas de uma declarao de vontade do contraente pblico, no sendo necessria a prvia prolao de uma deciso judicial ou arbitral para este efeito 51. Assim, apesar de, em geral, as declaraes do contraente pblico sobre a execuo do contrato revestirem a natureza de meras declaraes negociais, que, na falta de acordo do co-contratante, apenas podem ser impostas a este ltimo mediante o recurso aos Tribunais Administrativos52, a verdade que, para que a cauo possa ser accionada, no se exige a prvia interveno de um Tribunal (seja ele estadual ou ad hoc, como so os Tribunais arbitrais), sendo suficiente para este

    efeito que o contraente pblico, no exerccio dos seus poderes de fiscalizao53, impute um incumprimento contratual ao co-contratante e interpele o Banco emitente para proceder ao pagamento do montante coberto pela garantia54. Est-se assim, segundo alguns Autores, perante um poder prprio e de autotutela executiva do contraente pblico55, ou, de acordo com outro entendimento, diante de uma declarao negocial de exerccio de um direito potestativo56.Por outro lado, tambm no se exige a prvia resoluo do contrato, podendo o contraente pblico decidir manter a relao contratual mesmo aps a verificao de um incumprimento suficientemente grave a ponto de justificar o accionamento da cauo57. No obstante, caso esse incumprimento seja, na ptica do contraente pblico, de molde a fundamentar a resoluo sancionatria do contrato, nos termos legalmente previstos58, o contraente pblico encontra-se expressamente autorizado pela lei a executar a cauo prestada pelo co-contratante para cobrir os danos provocados pelo incumprimento que motivou a resoluo sancionatria59-60.

    4.5. A afirmao, feita no ponto anterior, da amplitude do poder de accionamento da cauo por parte do contraente pblico61 sai ainda reforada pelas caractersticas do instrumento atravs do qual as entidades adjudicantes normalmente exigem que a cauo seja prestada.Na verdade, apesar de, como acima se referiu, a lei prever que a cauo pode ser prestada por depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, por garantia bancria ou por seguro-cauo (cfr. ponto 2 supra), mostra a experincia que, na grande maioria dos casos, a entidade adjudicante exige que a cauo seja prestada atravs de garantia bancria62, autnoma e primeira interpelao (on first demand)63. Significa isto, por conseguinte, que, caso considere que o co-contratante violou qualquer das suas obrigaes contratuais, basta ao contraente pblico interpelar o Banco para lhe pagar o montante garantido, sem que o Banco possa, em princpio, recusar-se a proceder ao pagamento solicitado e sem que seja permitido ao co-contratante obstar ao accionamento da garantia, nomeadamente invocando no ter existido qualquer incumprimento contratual da sua parte.

    5. Ora, precisamente neste ponto que se colocam srias dvidas, de ndole processual: caso o co-contratante pretenda reagir contenciosamente contra o accionamento (que ele considera indevido) da garantia bancria por si prestada, qual ser a jurisdio competente para conhecer de tal litgio?Uma vez analisado o regime substantivo, debrucemo-nos agora sobre esta questo adjectiva, que, diga-se, tem suscitado uma volumosa produo jurisprudencial cujos contornos vale a pena conhecer.

    5.1. De um dos lados da discusso, abundante jurisprudncia tem entendido que a competncia jurisdicional para indagar do correcto ou incorrecto accionamento da cauo em contratos administrativos pertence aos Tribunais comuns 64.O principal argumento desta corrente jurisprudencial assenta, em sntese, na constatao de que, perante o accionamento de uma cauo prestada por meio de uma garantia bancria autnoma e on first demand, o juiz nunca ter de (em rigor: nunca poder) apreciar a relao contratual subjacente, visto que no permitido ao co-contratante obstar ao accionamento deste tipo de garantias com base na no verificao dos pressupostos invocados pelo contraente pblico.Por outras palavras, a natureza autnoma da garantia significa que o seu accionamento no depende de qualquer prvia indagao da efectiva violao de obrigaes contratuais por parte do co-contratante, razo pela qual no poder tambm o juiz, em sede de um processo judicial relativo execuo da cauo, conhecer da matria do (in)cumprimento do contrato.Nesta linha, o que est em causa, de acordo com esta perspectiva, fundamentalmente uma relao jurdica privada entre o Banco emitente e o co-contratante (enquanto ordenador da garantia), sem qualquer conexo, portanto, com a jurisdio administrativa.

    5.2. Adoptando um prisma distinto, tem outra corrente sustentado o entendimento contrrio ao que acabou de se expor, elegendo os Tribunais Administrativos como os materialmente competentes para dirimir litgios que tenham por fonte o accionamento da cauo por parte de um contraente pblico65.Em termos sucintos, considera esta parte da jurisprudncia que o que decisivo neste debate o facto de a execuo da cauo (mesmo que esta tenha sido prestada atravs de garantia bancria autnoma) se basear, sempre, no incumprimento de uma qualquer obrigao contratual por parte do co-contratante. E, nesta medida, no se mostra possvel analisar isoladamente a (i)licitude do accionamento da garantia, sem atender aos motivos concretamente invocados pelo contraente pblico para este efeito e indagar da sua procedncia. Razo pela qual, em suma, os litgios

    surgidos a propsito da execuo da cauo convocam inevitavelmente uma apreciao sobre a relao contratual existente entre co-contratante e contraente pblico, relao essa que de Direito Pblico e que, por conseguinte, se insere na competncia dos Tribunais Administrativos.

    5.3. Do breve confronto acima efectuado entre estas duas orientaes divergentes decorre, pois, que o cerne da discrdia reside fundamentalmente em saber se o litgio diz primacialmente respeito execuo do contrato e, portanto, emerge (ou implica a apreciao) de uma relao jurdica administrativa (caso em que seriam competentes os Tribunais da jurisdio administrativa) ou se, ao invs, est puramente em causa o accionamento de uma garantia prestada no mbito de uma relao jurdica privada, logo disciplinada pelo Direito Civil (pertencendo a competncia aqui ao foro da jurisdio comum).A distino determinante porque, como sabido, a nossa Constituio e a lei ordinria estabelecem uma reserva, a favor dos Tribunais da jurisdio administrativa e fiscal, para o julgamento de litgios emergentes das relaes jurdicas administrativas e fiscais66, reserva essa que, em matria contratual, se concretiza, nomeadamente e para o que aqui importa, na competncia material dos Tribunais Administrativos para julgar sobre a interpretao, validade e execuo de contratos (i) a respeito dos quais haja lei especfica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pr-contratual regulado por normas de direito pblico67, (ii) de objecto passvel de acto administrativo, (iii) especificamente a respeito dos quais existam normas de direito pblico que regulem aspectos especficos do respectivo regime substantivo, ou (iv) em que pelo menos uma das partes seja uma entidade pblica ou um concessionrio que actue no mbito da concesso e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito pblico68. Assim, atenta a competncia dita residual dos Tribunais da jurisdio comum69, estes ltimos apenas se encontraro materialmente habilitados a conhecer do litgio caso o mesmo no envolva a apreciao de uma relao jurdica administrativa, maxime em qualquer das suas concretizaes vertidas no ETAF.Sem poder levar a cabo uma anlise exaustiva da questo e sem muito menos ter a pretenso de dar aqui uma resposta definitiva a um problema to complexo e que tem dividido os Tribunais de forma to acentuada70, no nos furtaremos, porm, a assentar algumas ideias-chave que nos parecem essenciais para a correcta abordagem do problema e a procurar apontar possveis pistas de auxlio sua resoluo.

    5.4. Comeando, pois, pelas traves-mestras que presidem questo sub judice, pensamos que qualquer aproximao ao problema tem necessariamente de ter presente o seguinte:a) Os contratos que se encontrem sujeitos Parte III do CCP so contratos administrativos71; assim, mesmo que o contraente pblico tenha a natureza jurdica de entidade privada72, a relao jurdica estabelecida atravs de um contrato administrativo sempre (passe a redundncia) uma relao administrativa73, pelo que se integram no mbito de competncia material dos Tribunais Administrativos;b) Do mesmo modo, quanto aos contratos celebrados na sequncia de procedimentos pr-contratuais previstos na Parte II do CCP, mesmo que no estejam sujeitos aplicao da Parte III do mesmo Cdigo e independentemente da sua natureza74, afigura-se que a mera adopo de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico j determina a competncia material dos Tribunais Administrativos para conhecer dos litgios suscitados durante a execuo do contrato em causa75;c) Por seu turno, o contrato de garantia autnoma76 ser sempre um contrato de direito privado77

    , no se vislumbrando, pois, qualquer elemento de conexo com a jurisdio administrativa, mesmo que o Banco emitente seja uma entidade pblica e que, porventura, o prprio co-contratante (ordenador da garantia) igualmente o seja 78;d) Nos termos da lei (cfr. artigo 296., n. 1 do CCP), o accionamento da cauo pelo contraente pblico tem sempre de se fundamentar no incumprimento de uma qualquer obrigao legal ou contratual por parte do co-contratante;e) Tendo, todavia, a cauo sido prestada atravs de garantia bancria autnoma e on first demand, o contraente pblico pode accion-la mediante simples interpelao ao Banco emitente, o qual no est autorizado a indagar da verificao (ou no verificao) dos motivos invocados para o accionamento da garantia (salvo, eventualmente, abuso de direito79 ou fraude manifesta por parte do contraente pblico80);f) Pelo mesmo motivo referido na alnea anterior, bastante duvidoso que o co-contratante possa limitar-se a invocar o pontual cumprimento do contrato para obviar ao accionamento da garantia bancria: mais do que saber qual o Tribunal competente para apreciar esta pretenso, est aqui em causa saber se se trata de um pedido legalmente atendvel81;g) Em qualquer caso, independentemente do entendimento que se perfilhe quanto ao fundo da causa, tal constitui uma questo de mrito no pode ser esgrimida para obstar ao conhecimento do litgio do facto de o(s) pedido(s) deduzido(s) apresentar(em) reduzidas probabilidades de procedncia no decorre qualquer incompetncia material do Tribunal para dele(s) conhecer82;

    h) No caso aqui em apreo, como em qualquer outro processo judicial, o preenchimento dos pressupostos processuais, incluindo a competncia do Tribunal (ao nvel hierrquico, territorial e, para o que aqui interessa, material) est intrinsecamente dependente do modo como o litgio foi configurado, no podendo abstrair-se da forma como o objecto do processo se encontra delimitado pelo autor/requerente83;i) Assim, afigura-se que a questo, genericamente formulada, de saber qual a jurisdio competente para apreciar um litgio em que se discute o accionamento da cauo no pode ser respondida em abstracto, pois s atendendo s especificidades do processo em concreto se pode determinar qual o Tribunal competente para decidir da pretenso (bem ou mal) trazida a juzo.

    5.5. Partindo dos pontos que acima adiantmos, poder agora testar-se a sua aplicao na resoluo das diversas configuraes que os vrios litgios submetidos apreciao jurisdicional podem assumir.

    Na verdade, tendo em mente que a chave para se determinar se a jurisdio competente a administrativa ou a judicial o facto de o litgio implicar, ou no, a anlise das vicissitudes de uma relao (contratual) jurdica administrativa, revela-se decisivo, para este efeito, atender ao pedido e causa de pedir de cada diferendo em concreto. Ou, dito de forma mais simples, preciso olhar para os factos invocados pelo co-contratante no articulado da petio inicial (e/ou do requerimento inicial, quando se trate de um processo cautelar) para perceber se os fundamentos atravs dos quais o autor/requerente pretende obstar ao accionamento da cauo se prendem ou no com a execuo do contrato administrativo no mbito do qual aquela (cauo) foi prestada, sendo que s no caso de os fundamentos que integram o objecto do litgio se relacionarem com o contrato-base que convocada a jurisdio administrativa.Note-se, com efeito, que pretenso do co-contratante de que a garantia no seja accionada podem estar subjacentes motivos da mais diversa ndole, razo pela qual seria precipitado dar o mesmo enquadramento jurdico a litgios de natureza radicalmente diferente. Basta pensar que um processo em que o co-contratante tenta impedir o accionamento da garantia porque, por exemplo, a mesma no vlida ou j caducou84 nada tem que ver com um outro processo em que a pretenso do co-contratante se baseia no facto de o contrato administrativo ter sido pontual e integralmente cumprido como evidente, as vicissitudes da prpria garantia no se confundem nem podem ser reconduzidas (eventual falta de) verificao dos pressupostos que habilitam o respectivo accionamento. Assim, s perante o caso concreto e em face do pedido e da causa de pedir de cada processo se poder determinar a competncia jurisdicional para dirimir o litgio.

    6. Segundo pensamos, e com base na jurisprudncia a que tivemos acesso e foi citada ao longo do texto, a situao mais frequente na prtica ser, de longe, a invocao, pelo co-contratante, de que o contrato foi pontualmente cumprido e de que, por conseguinte, a cauo foi abusivamente executada pelo contraente pblico. O que, tendo em conta o que acima se exps, significa que a configurao da maioria dos litgios apontar para a competncia dos Tribunais da jurisdio administrativa, na medida em que a discusso sobre o cumprimento ou incumprimento de um contrato administrativo (ou celebrado na sequncia de um procedimento pr-contratual de Direito Pblico) cabe aos Tribunais Administrativos, luz do ETAF. Ora, ainda que tal discusso surja a ttulo instrumental como enquadramento prvio anlise a efectuar a ttulo principal , a verdade que o facto de o processo se destinar a impedir o accionamento da cauo no descaracteriza o objecto do litgio como essencialmente ligado boa ou m execuo do contrato85 . Assim, sempre que a causa de pedir estabelea uma ligao ao contrato-base e no se

    limite a discutir a ttulo principal o accionamento da garantia, sem mais, sero competentes para conhecer do pedido os Tribunais Administrativos86.Este entendimento parece ser reforado pelo facto de se ter vindo a impor na praxis um dever de o Banco garante consultar o co-contratante (a pedido de quem prestou a garantia) previamente ao pagamento, ao contraente pblico (beneficirio da garantia), do montante garantido87, o que indicia que, apesar de a garantia bancria autnoma ser na conhecida distino doutrinria um negcio abstracto e no causal, tal abstraco (face ao contrato principal no mbito do qual a garantia foi prestada) no absoluta, permitindo-se que o co-contratante, ainda em fase pr-contenciosa, procure demonstrar junto do Banco que no existem fundamentos para o accionamento da garantia.Alm do mais, se o co-contratante cumular o pedido principal (v.g., de condenao do contraente pblico a reconhecer que o contrato foi pontualmente cumprido e a adoptar todas as condutas necessrias ao restabelecimento dos direitos ou interesses violados88) com o pedido de pagamento da indemnizao devida pelos prejuzos sofridos em virtude do accionamento ilcito da cauo89, afigura-se que esta matria, respeitando responsabilidade civil da Administrao Pblica, se enquadrar de pleno no mbito da jurisdio administrativa90.Em suma, sem prejuzo de ser necessria uma avaliao casustica e de, por conseguinte, no ser possvel dar ao problema aqui analisado uma resposta em abstracto, sem atender aos contornos de cada situao em concreto, afigura-se que, na maioria dos casos que tem vindo a ser decidido na jurisprudncia, o objecto do processo e a pretenso (bem ou mal) formulada pelo autor/requerente remetem a deciso do litgio para os Tribunais Administrativos, no podendo o juzo sobre a procedncia ou improcedncia dos pedidos contaminar a tarefa prvia de verificao do preenchimento dos pressupostos processuais (in casu, a competncia material) de que depende a emisso, a final, de uma sentena de mrito.

    MARCO CALDEIRA *AdvogadoAssistente convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

  • Resumo: O presente texto debrua-se sobre as vrias decises judiciais que tm sido proferidas relativamente questo de saber qual a jurisdio competente para decidir da causa nos processos em que o co-contratante tenta obstar ao, ou reagir contra, o accionamento da cauo pelo contraente pblico.

    Abstract: This article focus on the several decisions issued by the Courts in regard to the question of knowing which jurisdiction is entitled to decide on the judicial procedures through which the contractor tries to avoid the performance bond to be enforced by the public contracting party or reacts against the enforcement of such bond.

    Palavras-chave: contratos pblicos; cauo; incumprimento do contrato; Tribunais Administrativos.

    Keywords: public contracts; performance bond; breach of contract; Administrative Courts.

    1. Como se sabe, nos procedimentos pr-contratuais de Direito Pblico, comum a celebrao do contrato ser antecedida da prvia prestao de cauo por parte do adjudicatrio. J era assim, nomeadamente, na vigncia do Decreto-Lei n. 59/99, de 2 de Maro1, e do Decreto-Lei n. 197/99, de 8 de Junho2, e, com toda a naturalidade, continuou a s-lo ao abrigo do Cdigo dos Contratos Pblicos (doravante CCP ou Cdigo), aprovado pelo Decreto-Lei n. 18/2008, de 29 de Janeiro3, que revogou aqueles primeiros diplomas e passou a estabelecer a disciplina aplicvel

    contratao pblica e o regime substantivo dos contratos administrativos 4.Neste sentido, quando esteja em causa um procedimento para a formao de contratos pblicos 5, deve, em princpio, ser exigida ao adjudicatrio a prestao de uma cauo 6.

    A prestao de cauo apenas no obrigatria nas seguintes situaes:(i) Em primeiro lugar, caso o contrato a celebrar no implique o pagamento de um preo por parte da entidade adjudicant 7;(ii) Em segundo lugar, caso o preo do contrato a celebrar seja inferior a 200.000 8;(iii) Em terceiro lugar, quando o programa do procedimento ou o convite apresentao de propostas o prevejam e o adjudicatrio apresente entidade adjudicante um dos seguintes documentos:

    (iv) Em quarto lugar, caso se esteja num procedimento para a celebrao de um acordo-quadro 10.A estes casos em que a prestao da cauo no obrigatria por lei (mas pode ser exigida pela entidade adjudicante), acrescente-se ainda um caso em que a prpria lei que estabelece no haver lugar prestao de cauo: os casos em que adoptado um concurso pblico urgente 11.

    2. Como resulta da lei, a cauo a prestar pelo adjudicatrio destina-se a garantir, por um lado, a garantir a sua celebrao [do contrato]12 e, por outro, o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigaes legais e contratuais que [o adjudicatrio] assume com essa celebrao - 13-14.

    5

    O valor da cauo corresponder, em regra, a 5% do preo contratual15, salvo quando a proposta adjudicada tenha um preo considerado anormalmente baixo16, caso em que a cauo a prestar ser de 10% do preo contratual17.A cauo deve ser prestada no modo definido ab initio nas peas do procedimento18(admitindo a lei o depsito em dinheiro ou ttulos emitidos ou garantidos pelo Estado, a apresentao de garantia bancria ou subscrio de seguro-cauo19) e no prazo de 10 dias a contar da notificao da adjudicao20, devendo o adjudicatrio comprovar essa prestao junto da entidade adjudicante no dia imediatamente subsequente21.

    3. De sublinhar que estamos perante uma fase decisiva do procedimento pr-contratual, pois a no prestao regular da cauo (quando a mesma seja exigida, claro est) constitui um requisito que afecta a subsistncia do acto de adjudicao e obsta celebrao do contrato.Na verdade, caso o adjudicatrio, por facto que lhe seja imputvel, no preste a cauo exigida, no prazo e nos demais termos legal e procedimentalmente previstos incumprindo, pois, o nus que sobre ele recai22, esta circunstncia determinar a caducidade da adjudicao23, a ser declarada

    15 Cfr. artigo 89., n. 1 do CCP. O preo contratual constitui o preo a pagar, pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execuo de todas as prestaes que constituem o objecto do contrato, incluindo, nomeadamente, o preo a pagar pela execuo das prestaes objecto do contrato na sequncia de qualquer prorrogao contratualmente prevista, expressa ou tcita, do respectivo prazo de execuo (cfr. artigo 97., n.os 1 e 2 do CCP).De referir que alguma doutrina j tem defendido que este montante de 5% deveria ser reduzido pelo legislador, pelo menos no actual contexto de crise econmica e financeira: cfr. PEDRO COSTA GONALVES, Gesto de contratos pblicos em tempo de crise, in Estudos de Contratao Pblica III (org. PEDRO COSTA GONALVES), Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pgina 14.16 Cfr. artigo 71. do CCP. Sobre os fundamentos e regime das propostas com preo anormalmente baixo, cfr., por todos, JOO AMARAL E ALMEIDA, As propostas de preo anormalmente baixo, in Estudos de Contratao Pblica III (org. PEDRO COSTA GONALVES), Coimbra Editora, Coimbra, 2010, pginas 87 a 14817 Cfr. artigo 89., n. 2 do CCP.18 Cfr. artigo 90., n. 5, bem como artigos 115., n. 1, alnea h) (convite apresentao de proposta no ajuste directo), 132., n. 1, alnea o) (programa do concurso pblico), 189., n. 1, alnea h) (convite apresentao de proposta no concurso limitado por prvia qualificao), 199. (convite apresentao de proposta no procedimento de negociao, por remisso para o regime do concurso limitado por prvia qualificao) e 217., n. 2 (convite apresentao de proposta no dilogo concorrencial, tambm por remisso para o regime do concurso limitado por prvia qualificao).19 H, pois, uma tipicidade taxativa quanto aos modos de prestao da cauo pelo adjudicatrio, no podendo a cauo ser prestada por qualquer outro meio que no algum dos legalmente previstos: cfr. MANUEL JANURIO DA COSTA GOMES, Garantias bancrias no Cdigo dos Contratos Pblicos..., cit., pgina 508.20 Prevista no artigo 77., n. 2 do CCP.21 Cfr. artigo 90., n. 1 do CCP.22 Por se tratar de uma obrigao pr-contratual do adjudicatrio, este que suporta todas as despesas relativas prestao da cauo, como estabelece o artigo 90., n. 9 do CCP.23 Cfr. artigo 91., n. 1 do CCP.

    por acto expresso e fundamentado da entidade adjudicante24. Nestes casos haver depois lugar adjudicao da proposta ordenada em lugar subsequente 25 e, quando se trate de um procedimento para a formao de um contrato de empreitada ou de concesso de obras pblicas, dever ainda a caducidade da adjudicao ser comunicada ao Instituto da Construo e do Imobilirio, I.P.26, designadamente para efeitos de instaurao de um procedimento contra-ordenacional contra o adjudicatrio inicial27.Noutra perspectiva, a importncia desta formalidade ps-adjudicatria revela-se ainda na necessidade