CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA: O XADREZ...
-
Upload
nguyentuong -
Category
Documents
-
view
218 -
download
0
Transcript of CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA: O XADREZ...
Ralfe de Souza Medeiros da Silva
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense
CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA: O XADREZ COMO
INSTRUMENTO DIDÁTICO PARA COMPREENSÃO DOS CONCEITOS DE
TERRITÓRIO, CENTRO-PERIFERIA
INTRODUÇÃO
A crise da educação torna necessária a busca de novos instrumentos didáticos
para tornar as aulas mais atrativas, visto que o desinteresse por parte dos alunos é
crescente. A Geografia não é exceção, uma vez que os estudantes sentem dificuldade
em entender conceitos que exigem abstração. O jogo de xadrez simula uma guerra
travada por dois exércitos de força iguais. Abstração, raciocínio lógico, paciência e
memorização são essenciais para a vitória no jogo supracitado, o que leva os jogadores
a se aprimorarem em tais quesitos. Os jogos e as brincadeiras são situações de
aprendizagem lúdica que propiciam a interação entre alunos e entre aluno-professor,
estimulando a cooperação. Contribuem também para o processo contínuo de
descentralização, auxiliando na superação do egocentrismo infantil, ao mesmo tempo
em que ajuda na formação de conceitos abstratos. Pode-se afirmar que os jogos auxiliam
os indivíduos a aprender e a pensar sobre o espaço em que vivem. O tabuleiro e a
disposição das peças no decorrer da partida de xadrez, assim como as estratégias que os
jogadores utilizam, permitem, através da representação, visualizar e identificar alguns
fenômenos que ocorrem no espaço geográfico. Sendo assim, o ensino de conceitos de
Geografia a partir do jogo de Xadrez seria possível. Acredita-se que o jogo de xadrez
pode auxiliar na compreensão dos fenômenos supracitados, mas o questionamento
trazido é como o mesmo pode ser utilizado como instrumento didático extraindo as suas
contribuições cognitivas para o ensino de Geografia? A hipótese defendida é que o jogo
de xadrez é uma ferramenta que permite, a partir da criação de situações-problema no
decorrer de uma partida, auxiliar a assimilação de temáticas da Geografia,
especificamente dos conceitos de centro-periferia e território.
1. OBJETIVOS
Figura como objetivo geral analisar a utilização de novas estratégias didáticas
para o ensino de Geografia através do jogo de xadrez, relacionando as situações do jogo
com fenômenos espaciais analisados e estudados pela Geografia, utilizando o jogo de
xadrez como instrumento didático. Os objetivos específicos são: identificar as relações
entre os conteúdos de Geografia e o jogo de xadrez; propor o jogo de xadrez como
instrumento de análise da apreensão do conteúdo de Geografia; analisar a eficácia do
uso de jogos como instrumentos didáticos no ensino dos conteúdos de Geografia.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada na pesquisa consistirá em: levantamento bibliográfico
em livros e revistas científicas; entrevistas semi-estruturadas com professores de
Geografia da rede estadual de ensino de Campos dos Goytacazes; análise da aceitação
que o instrumento possa ter e a viabilidade de sua aplicação; análise dos atributos que o
jogo de xadrez tem para o desenvolvimento intelectual e crítico dos alunos. Esta
pesquisa encontra-se na etapa inicial, portanto sem resultados preliminares. Porém, está
sendo realizada uma revisão bibliográfica com livros e artigos sobre o jogo de xadrez,
ensino de geografia e dos conceitos escolhidos para fundamentar teoricamente a mesma.
Como a pesquisa encontra-se na fase inicial, carece de resultados preliminares.
3. O XADREZ COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO
O jogo de xadrez vem sendo investigado e utilizado como instrumento didático,
principalmente nas áreas de Educação Física, Pedagogia, Matemática e Psicologia.
Segundo Silva (2008, p. 20)
[...] o jogo de xadrez é um instrumento pedagógico lúdico e
potencializa o ensino-aprendizagem dialógico, empático e
impulsionador das competências e habilidades de forma interativa,
envolvente, autônoma, com participação qualitativa dos sujeitos da
comunidade escolar”.
Aprender as regras básicas do jogo de xadrez não é dificil como a
maioria das pessoas pensa. O que torna tal jogo complexo é a quase infinita
possibilidades de combinações que um jogador poderá utilizar para ganhar a partida.
Por isso, o xadrez é uma importante ferramenta didática, pois o jogo auxilia no
desenvolvimento do raciocínio lógico, o raciocínio crítico, a criatividade, além de
influenciar na personalidade e austeridade do jogador (REZENDE, 2013).
Na Geografia, o xadrez ainda não possui muitas pesquisas, embora nos últimos
anos esta constatação esteja mudando. Fernandes (2008) narra de forma bem original
uma partida de xadrez utilizando “vocabulário geográfico” para fazer a relação entre o
jogo e a Geografia. Girotto e Santos (2011) propõe o uso do jogo de xadrez para melhor
entendimento da guerra fria, por conta de ter sido um conflito equilibrado no inicio, tal
como o xadrez. De acordo com Ferreira e Silva (2009) também é possível ensinar
cartografia, mais precisamente coordenadas geográficas, utilizando o xadrez como
ferramenta. As chamadas fileiras do tabuleiro substituiriam os trópicos, ao passo que as
colunas substituiriam os meridianos.
4. ENSINO DOS CONCEITOS DE TERRITÓRIO, CENTRO-PERIFERIA A PARTIR
DO XADREZ
O jogo de xadrez simula uma guerra travada por dois exércitos que possuem a
mesma força. Numa guerra, é de vital importância defender e conquistar territórios e
durante uma partida de xadrez não é diferente. Os jogadores participam diretamente do
processo de territorialização e reterritorialização do tabuleiro, o que facilitará a
compreensão do conceito de território, visto que os jogadores são agentes diretos da
construção do mesmo durante a partida. Porém, é necessário que o professor faça a
mediação entre o ensino e significado do conceito e a situação ocorrida durante o jogo.
Portanto,
A atividade enxadrística atrelada aos aspectos educacionais
tem função peculiar no momento em que contrapomos os objetivos da
educação escolar, organizada de forma intencional que tem como um
dos principais pressupostos modificar e formar comportamentos nos
alunos para que esses possam conviver harmonicamente em
sociedade, nesse ponto traçamos um paralelo com as potencialidades
do jogo de xadrez que favorece esse fim (SILVA, 2008, p. 21).
Sendo assim, para perceber a construção e reconstrução de territórios durante a partida,
o aluno deverá ter uma noção do conceito do mesmo.
Para Souza (2005, p. 78), o território “[...] é fundamentalmente um espaço
definido pelas relações de poder”. A conquista de territórios no jogo de xadrez é de
suma importância para cumprir o objetivo do jogo, e mesmo no início do mesmo, já se
percebe a existência de dois territórios no tabuleiro, o lado branco e o lado negro, ambos
compartilhando dos mesmos contingentes (Rei, Dama, Torres, Bispos, Cavalos e Peões)
e objetivos, aplicar o xeque mate no adversário [emboscar o rei] e proteger seu próprio
rei. Nesse sentido, no decorrer da história, as peças do xadrez vão ganhando novas
movimentações para atingir a finalidade supracitada. Porém, tais movimentações irão
ocorrer dentro do contexto histórico europeu. Sendo assim, o par de bispos passa a se
movimentar pelas diagonais do tabuleiro, simbolizando a fluidez que a Igreja Católica
possuía ao se movimentar pela maioria dos territórios europeus. O Rei passa a ter uma
cruz na parte superior da sua coroa, simbolizando mais uma vez a influência católica no
jogo. Na Idade Moderna essa influência diminui, assim como na própria Europa. A
Dama, ou Rainha, passa a ser a peça mais forte do jogo, se movimentando tanto pelas
diagonais, quanto pela vertical e horizontal. Devido às novas movimentações da rainha,
a mesma pode gerir e influenciar um território maior, simbolizando essa mesma função
do estado-nação, que foram criados na Época Moderna (FINATTI; FERRAZ, 2011, p.
66-69).
Com as movimentações mais complexas, conquistar territórios no xadrez passa a
ser mais fácil, e também mais difícil, uma vez que o oponente também usufrui das
mesmas movimentações. Sendo assim, somente o uso da lógica aliado à situação no
tabuleiro já não é mais suficiente para garantir a vitória. O jogador terá que abstrair o
que está à sua frente e pensar jogadas futuras para sair vitorioso. Ou seja, “apesar de sua
forte base matemática, caracterizada pela habilidade do jogador de calcular no biplano
do tabuleiro o melhor lance a fazer dentre as variantes possíveis, o jogo já não tem mais
como alicerce o processo lógico para a condução à vitória” (FINATTI; FERRAZ, 2011,
p. 72). A partir desse fato, os autores afirmam que o xadrez passa a ser um jogo
tridimensional, sendo a terceira dimensão a esfera da abstração para as jogadas futuras.
Sendo assim, a partir dessa aquisição, se torna possível ampliar o sentido de território
que é ensinado a partir do xadrez. A complexidade que o jogo assume a partir dos
movimentos de igual complexidade das peças irá proporcionar a relação entre o xadrez
e as novas considerações do conceito de território pela Geografia, no sentido de que as
relações territoriais também se intensificaram e se tornaram mais complexas a partir dos
avanços tecnológicos, sobretudo de comunicação, informação e transporte.
Os conceitos de centro e periferia, considerados de suma importância para a
Geografia, principalmente a Geografia Urbana, também podem ser ensinados a partir do
jogo de xadrez. Corrêa (2003) aponta que o centro, dentre outras características é dotado
de infraestruturas, ampla escala vertical, uso intensivo do solo, por conta da valorização
do mesmo. Ao passo que a periferia caracteriza-se pela ausência ou precariedades de
serviços públicos, ampla escala horizontal, por conta da desvalorização do solo em
detrimento dos poucos serviços oferecidos na periferia. Porém, o autor salienta que a
periferia não deve ser entendida de forma igualitária, homogênea. Cada periferia terá
suas próprias características e por isso devem ser vistas como complexos periféricos. De
encontro com essa visão, Ritter e Firkowski (2009) apontam que a periferia não deve ser
classificada somente como área distante do centro, uma vez que não é a distância que
determina as relações socioespaciais nos espaços urbanos. Os autores supracitados
propõem o fim da singularização do conceito de periferia, visto que a mesma não é
homogênea. Para eles, seria mais adequado falar de periferias.
Durante uma partida de xadrez, os jogadores buscam dois tipos de vantagem, a
vantagem material e a posicional. A primeira é obtida a partir da captura das peças
adversárias, enquanto que a segunda é obtida a partir da melhor posição no tabuleiro.
Portanto, as casas centrais (os sessenta e quatro quadrados que formam o tabuleiro de
xadrez são chamados de casa) do tabuleiro passam a ser mais assediadas e dotadas de
valor. (SEIRAWAN; YASSER, 2006).
Imagem representando a área central (vermelho), e a parte mais importante do centro do tabuleiro (verde). extraida e modificada de: <http://4.bp.blogspot.com/_9WyVLFpkVm8/SYzmT3T-hFI/AAAAA AAAAAo/qK2Mpnm4pHw/s400/n1.gif>, ACESSO EM 28/06/2013.
Sendo assim, o jogador que conseguir o domínio das casas centrais do tabuleiro
terá mais possibilidade de vitória, pois conseguirá com mais facilidade a vantagem
posicional. Outro fator que torna o centro do tabuleiro do xadrez é que as peças, com
exceção do peão, atingem mais casas. Dessa forma, as peças se tornam mais poderosas.
Bispo na casa central mostrando maior raio de alcance. Extraído de: <http://jogarxadrez.blogspot.com.br /2009/02/regra s-do-xadrez-ii-os-bispos.html>. Acesso em 26/06/2014.
As casas periféricas do xadrez acabam sendo menos utilizadas e evitadas devido
ao pouco valor e importância que possuem, pois no primeiro momento do jogo a
localização de tais casas pouco contribui para ganhar vantagem posicional do
adversário.
Imagem representando as casas periféricas (azul). extraida e modificada de: <http://4.bp.bl ogspot.com/_9WyVLFpkVm8/SYzmT3T-hFI/AAAAAAAAAAo/qK2Mpnm4pHw/ s400/n1.gif>, ACESSO EM 28/06/2014.
Sendo assim, é possível comparar a relação centro-periferia que ocorre no
tabuleiro de xadrez com a relação centro-periferia debatido pela Geografia. Com isso, os
jogadores serão agentes ativos na construção de tais áreas, centrais e periféricas e caberá
ao professor trazer o debate a respeito da valorização e desvalorização das áreas
supracitadas por conta da ação dos jogadores durante a partida.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A utilização do jogo de xadrez como ferramenta pedagógica para o ensino de
Geografia poderá tornar as aulas mais atrativas para os alunos, visto que os mesmos
participarão da construção dos conceitos elencados nesse trabalho. Portanto, o jogo de
xadrez pode ser um aliado do professor, que o terá como opção para dinamizar suas
aulas.
REFERÊNCIAS
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 2003.
FERNANDES, M. Aula de geografia. Campina Grande: Bagagem, 2008.
FERREIRA, A. S.. SOUZA, A. P. de. A utilização do xadrez nas aulas de geografia
nos anos iniciais do segundo segmento do ensino fundamental. In: ENCONTRO NACIONAL DE PRÁTICA DE ENSINO EM GEOGRAFIA, 10., 2009, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre, 2009. FINATTI, R.; FERRAZ, C. B. O. Linguagem geográfica do jogo de xadrez: uma aproximação ao conceito de território e ao processo de ensino-aprendizagem. In: NUNES, F. G. (Org.). Ensino de geografia: novos olhares e práticas. Dourados, MS: UFGD, 2011. p. 61–99.
GIROTTO, E. D.; SANTOS, D. A. A Geopolítica e o ensino de Geografia: Estratégias
didáticas para a retomada do diálogo. Geografia Ensino & Pesquisa, v. 15, n.3, p. 139-153, set./dez. 2011.
REZENDE, S. O que é o xadrez escolar? Disponível em:<http://br.geocities.com/ xadrezap/pagina/xadrez_na_escola.htm#sylvio>. Acesso em 26/06/ 2014. RITTER, C.; FIRKOWSKI, O. L. C. de F. Novo conceitual para as periferias urbanas.
Revista Geografar. Resumos do VII Seminário interno de Pós-Graduação em Geografia. Curitiba, 2009.
SEIRAWAN, Y.; SILMAN, J. Xadrez vitorioso: táticas. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SILVA, R. R. V. O Jogo de Xadrez como Recurso Didático-Padagógico nas Aulas de
Educação Física. Extraido de: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/a rticle/download/2175-8042.2008n31p19/12949>. Acesso em 26/06/2014.
SOUZA, M. J. L. de. O território sobre espaço e poder: autonomia e desenvolvimento.
In: CASTRO, Iná Elias; CORREA, Roberto Lobato; GOMES, Paulo Cesar da Costa. Geografia: conceitos e temas. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p. 77-116.