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Cultura e contraculturaMartin Cezar Feij

A gerao baby-boomer, cantada nos versos de Pete Towshed, do The Who em My generation (1967): "I hope I die before I get old" (espero morrer antes de ficar velho) est ultrapassando a maturidade. A gerao dos que nasceram e se formaram no contexto da Guerra Fria, da aventura espacial, da revoluo cientfica e tecnolgica, da emergncia do rock, da revoluo sexual, da luta pelos direitos civis, e que puderam testemunhar, ou at participar ativamente, de transformaes importantssimas, que at hoje assustam conservadores de vrios tons e ideologias. Mas antes de falar na exceo, preciso falar na regra, porque contracultura exceo, a regra a cultura. O conceito de cultura um conceito polissmico, flexvel e complexo. Cultura pode ser vista tanto do ponto de vista da antropologia cultura como regra , como do Alfklrung alemo: Bildung cultura como exceo. Cultura Do ponto de vista da antropologia Kultur em alemo tem mais um sentido de Civilizao, como algo pronto, definido. Tem relao com identidade de um povo, de uma etnia, de uma tribo, de uma classe e seu peso sobre os coraes e mentes decisivo como alertou Marx sobre "os mortos governando os vivos". Kultur, tambm em alemo, tem relao com o Zeitgeist, o esprito do tempo. Foi este sentido que Freud deu ao seu O mal-estar da civilizao em alemo, Das unbehagen in der kultur (publicado em 1930), e muitas vezes traduzido para o portugus como O mal-estar na cultura, o que no somente compreensvel, como correto, embora impreciso quanto existncia de outro conceito em alemo mais consistente e mais moderno. Freud d um sentido ao conceito mais antropolgico, da cultura como norma, costume e regras dominantes, e como se manifestam no mundo moderno, mesmo que ele distinga com muita preciso os termos Kultur e Zivilization. Cultura como regra de um lado, como possibilidade de subverso do outro. Contracultura Contracultura foi o nome que recebeu a rebelio de jovens na segunda metade da dcada de 1960 do sculo 20, principalmente jovens universitrios norte-americanos de classe mdia que se recusavam a cumprir servio militar em funo da Guerra do Vietn. Buscando uma vida alternativa, tambm criavam uma nova msica e negavam uma sociedade de alta tecnologia e sociedade de consumo correspondente. Um produto importante da contracultura foi o musical Hair, que est sendo remontado na Broadway, com estreia prevista para maio deste ano, o que comprova a atualidade ou mesmo a nostalgia daquele movimento. A pea Hair trazia uma novidade aos palcos tradicionais: era uma pera-rock. Hair foi um projeto dos atores Gerome Ragni e James Rado, com msica de Galt MacDermot, que teve sua estreia off-Broadway em outubro de 1967 no Teatro Pblico de Joseph Papp, em Nova York. Seu sucesso imediato permitiu ir para a Broadway em abril de 1968, ficando quatro anos em cartaz, com sucesso absoluto, com quase 2 mil apresentaes em Nova York e com nmeros semelhantes por onde foi montada, como em Londres, por exemplo.

No Brasil, Hair foi dirigida por Ademar Guerra (1933-1993) j em 1969, ficando dois anos em cartaz, tambm com sucesso. Eu mesmo a assisti umas dez vezes. Um mito marcava a pea, o mito que o movimento hippie incorporou como utopia, a do incio de uma nova Era, a Era de Aqurio, que segundo alguns hippies e astrlogos, amadores ou profissionais, teria seu incio na segunda semana de fevereiro de 2009. Semana em que nasceu minha filha Beatriz, aquariana. A crena na Era de Aqurio vem sendo ridicularizada por vrios intelectuais cticos, o que no deve surpreender. Desde Aristteles, passando por Rousseau, sabemos que a diferena entre fico e histria, arte e cincia, est entre a mentira verossmil e o verossmil comprovado. Enquanto a verdade da cincia deve ser confirmada pela pesquisa emprica, a verdade da poesia est na verdade que pode haver na mentira. Era de Aqurio A Era de Aqurio pode ter sido uma inveno que um picareta do tipo Aleister Crowley (guru que Paulo Coelho esconde e John Lennon colocou na capa do Sgt. Peppers) promoveu e se autopromoveu, mas sua incorporao na performance coletiva conhecida como movimento hippie foi uma atitude esttica com toda carga de utopia (no bom sentido) que merece respeito como qualquer crena, por mais ingnua que seja, e que se torna problemtica quando vira ideologia, o que no caso da contracultura, seria um contrassenso. Em 1970, John Lennon concedeu uma entrevista ao editor da revista Rolling Stone, Jann Wenner, que lhe perguntou, comentando a letra polmica da msica God, de sua autoria: Quando soube que estava caminhando para o verso "I dont believe in Beatles" (eu no acredito nos Beatles)? John Lennon respondeu que no sabia quando havia chegado ao fim de todas aquelas coisas em que antes acreditava, e que os Beatles tambm haviam se transformado em um mito em que ele no acreditava mais. Mas, curiosamente, foi um ano depois daquela entrevista que John Lennon gravou Imagine (1971) e deu incio a uma trajetria mais politizada e s encerrada com os tiros que recebeu de um suposto f na porta de seu prdio, o Dakota, em Nova York. Hoje, com a vitria de Barak Hussein Obama para presidente dos EUA pode-se dizer que as lutas polticas da contracultura pelos direitos civis finalmente vm obtendo resultados concretos e realistas. E que os versos de Pete Towshend sobre a prpria gerao que no quer morrer de velhice possa significar no a morte do ainda jovem, mas a maturidade alerta e atualizada quanto ao novo sculo em que ainda " preciso estar atento e forte/ No temos tempo de temer a morte/ Tudo divino, maravilhoso", como diz a letra de uma msica histrica de Caetano Veloso e Gilberto Gil na bela voz da bela Gal Costa, minha paixo juvenil.

Contracultura um movimento que tem seu auge na dcada de 1960, quando teve lugar um estilo de mobilizao e contestao social e utilizando novos meios de comunicao em massa. Jovens inovando estilos, voltando-se mais para o anti-social aos olhos das famlias mais conservadoras, com um esprito mais libertrio, resumido como uma cultura underground, cultura alternativa ou cultura marginal, focada principalmente nas transformaes da conscincia, dos valores e do comportamento, na busca de outros espaos e novos canais de expresso para o indivduo e pequenas realidades do cotidiano, embora o movimento Hippie, que representa esse auge, almejasse a transformao da sociedade como um todo, atravs da tomada de conscincia, da mudana de atitude e do protesto poltico. O Festival de Woodstock foi um marco da Contracultura. A contracultura pode ser definida como um iderio altercador que questiona valores centrais vigentes e institudos na cultura ocidental. Justamente por causa disso, so pessoas que costumam se excluir socialmente e algumas que se negam a se adaptarem s vises aceitas pelo mundo. Com o vultoso crescimento dos meios de comunicao, a difuso de normas, valores, gostos e padres de comportamento se libertavam das amarras tradicionais e locais como a religiosa e a familiar -, ganhando uma dimenso mais universal e aproximando a juventude de todo o globo, de uma maior integrao cultural e humana. Destarte, a contracultura desenvolveu-se na Amrica Latina, Europa e principalmente nos EUA onde as pessoas buscavam valores novos. Na dcada de 1950, surgiu nos Estados Unidos um dos primeiros movimentos da contracultura: a Beat Generation (Gerao Beat). Os Beatniks eram jovens intelectuais, principalmente artistas e escritores, que contestavam o consumismo e o otimismo do psguerra americano, o anticomunismo generalizado e a falta de pensamento crtico. Na verdade, como iderio, muitos consideram o Existencialismo de Sartre como o marco inicial da contracultura, j na dcada de 1940, com seu engajamento poltico, defesa da liberdade, seu pessimismo ps-guerra, etc, portanto, um movimento filosfico mais restrito, anterior ao movimento basicamente artstico e comportamental da Beat Generetion que resultaria em um movimento de massa, o movimento Hippie. Na dcada de 1960, dessa forma, o mundo conheceu o principal e mais influente movimento de contra cultura ja existente, o movimento Hippie. Os hippies se opunham radicalmente aos valores culturais considerados importantes na sociedade: o trabalho, o patriotismo e nacionalismo, a ascenso social e at mesmo a "esttica padro". O principal marco histrico da cultura "hippie" foi o "Woodstock," um grande festival ocorrido no estado de Nova Iorque em 1969, que contou com a participao de artistas de diversos estilos musicais, como o folk, o "rock'n'roll" e o blues, todos esses de alguma forma ligados s crticas e contestao do movimento. "De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelio da juventude [...] que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a msica rock, uma certa movimentao nas universidades, viagens de mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, ento, de um fenmeno datado e situado historicamente e que, embora muito prximo de ns, j faz parte do passado. [...] De outro lado, o mesmo termo pode tambm se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo esprito, um certo modo de contestao, de enfrentamento diante da ordem vigente, de carter profundamente radical e bastante estranho s foras mais tradicionais de oposio a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crtica anrquica esta parece ser a palavra-chave que, de certa maneira, rompe com as regras do jogo em termos de modo de se fazer oposio a uma determinada situao. [...] Uma contracultura,

entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes pocas e situaes, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crtica social." (Pereira, 1992, p. 20). A partir de todos esses fatos era difcil ignorar-se a contracultura como forma de contestao radical, pois rompia com praticamente todos os hbitos consagrados de pensamentos e comportamentos da cultura dominante, surgindo inicialmente na imprensa foi ganhando espao no sentido de lanar rtulos ou modismos. vital a importncia dos meios de comunicao de massa para configurar a contracultura: "pela primeira vez, os sentimentos de rebeldia, insatisfao e busca que caracterizam o processo de transio para a maturidade encontram ressonncia nos meios de comunicao" (Carvalho, 2002, p. 7). O que marcava a nova onda de protestos desta cultura que comeava a tomar conta, principalmente, da sociedade americana era o seu carter de no-violncia, por tudo que conseguiu expressar, por todo o envolvimento social que conseguiu provocar, um fenmeno verdadeiramente cultural. Constituindo-se num dos principais veculos da nova cultura que explodia em pleno corao das sociedades industriais avanadas. O discurso crtico que o movimento estudantil internacional elaborou ao longo dos anos 60 visava no apenas as contradies da sociedade capitalista, mas tambm aquelas de uma sociedade industrial capitalista, tecnocrtica, nas suas manifestaes mais simples e corriqueiras. Neste perodo a contracultura teve seu lugar de importncia, no apenas pelo poder de mobilizao, mas principalmente, pela natureza de idias que colocou em circulao, pelo modo como as veiculou e pelo espao de interveno crtica que abriu. Por contracultura, segundo Pereira, pode-se entender duas representaes at certo ponto diferentes, ainda que muito ligadas entre si: Finalmente, esta ruptura ideolgica do establishment, a que se se convencionou chamar de contracultura, modificou inexoravelmente o modo de vida ocidental, seja na esfera social, com a gnese do Movimento pelos Direitos Civis; no mbito musical, com o surgimento de gneros musicais e organizao de festivais; e na rea poltica, como os infindos protestos desencadeados pela beligerncia ianque. Pode-se citar ainda o movimento estudantil Maio de 68, ocorrido na Frana, alm da Primavera de Praga, sucedida na Tchecoslovquia no mesmo ano. Pereira (1992) assevera que difcil negar que a contracultura seja a ltima pelo menos at agora - grande utopia radical de transformao social que se originou no Ocidente. Pode-se ainda considerar muitos movimentos de massa ligados idia de rebelio como desenvolvimentos posteriores da contracultura, como, por exemplo, o movimento Punk. Este visto, pelos prprios punks, como o fim do movimento Hippie. Coicidentemente ou no, a poca urea do Punk, meados dos 70's e a morte de John Lennon (1980), a qual popularizou a frase "O sonho acabou", so muito prximas. No entanto, o maior diferencial entre os Punks e Hippies, alm do visual, a crena na no-violncia gandhiana, propagada pelos hippies e negada pelos punks. Embora haja contrvrsia nesta negao da no-violncia pelos punks, j que eles no apiam, na totalidade de seu grupo, a violncia fsica, mas sim uma violncia contra os valores sociais atravs da agressividade visual (vestimentas e aparncia), sonora (anti-msica) e ideolgica. Ainda assim, h punks que acreditam na violncia fsica contra grupos opostos como fascistas e nazistas. Alm disso, os punks possuam, no geral, uma maior conscincia do sentido poltico de suas atitudes contestatrias.