DA EDUCAÇÃO DO REBANHO: REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ... · Uma pra viver e duas pra morrer...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO REINALDO DE SOUZA MARCHESI DA EDUCAÇÃO DO REBANHO: REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO OFERECIDO ÀS MASSAS CUIABÁ-MT 2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REINALDO DE SOUZA MARCHESI

DA EDUCAÇÃO DO REBANHO:

REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO OFERECIDO ÀS MASSAS

CUIABÁ-MT

2011

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

REINALDO DE SOUZA MARCHESI

DA EDUCAÇÃO DO REBANHO:

REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO OFERECIDO ÀS MASSAS

CUIABÁ-MT

2011

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REINALDO DE SOUZA MARCHESI

DA EDUCAÇÃO DO REBANHO: REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO

OFERECIDO ÀS MASSAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Universidade Federal de

Mato Grosso como requisito para a obtenção do título

de Mestre em Educação na Área de Concentração

Educação, Linha de Pesquisa Cultura, Memória e

Teorias em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro

Cuiabá-MT

2011

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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

Catalogação na fonte: Maurício Silva de Oliveira- Bibliotecário CRB/1-1860.

M316e Marchesi, Reinaldo de Souza.

Da educação do rebanho: reflexões nietzschenianas sobre o ensino oferecido

às massas. -- 2011.

94 f. ; 30 cm: (Incluem figuras e tabelas)

Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro.

Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de

Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2011.

Bibliografia: f. 89-92

1 .Educação do rebanho. 2.Visão nietzscheniana – universidade. 3. Educação

pública. I. Título.

CDU 37.012

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REINALDO DE SOUZA MARCHESI

Profa. Dra. Terezinha Azerêdo Rios

Examinadora Externa (USP)

Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes

Examinador Interno (UFMT)

Prof. Dr. Silas Borges Monteiro

Orientador (UFMT)

Aprovado em 24 de março de 2011.

DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT

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Agradecimentos

À meus pais-amigos, Nino e Sônia – pelo amor que me deram e pelo apoio

incondicional em todos os momentos fáceis e difíceis de minha vida. Meu

irmão-amigo, Cristiano - por ser um exemplo de determinação em minha

vida.

Ao Prof. Silas – mesmo sem nunca termos nos conhecido antes, por ter dado

crédito a proposta inicial do meu trabalho, pelos conhecimentos

compartilhados, por seu profissionalismo. Uma pessoa que guarda

qualidades que coloco como um dos exemplos de educador ao qual procuro

me inspirar.

À minha amiga Marlene – que conheci como colega de grupo de pesquisa,

mas que por vezes foi como uma mãe em muitos momentos dessa minha

estada em Cuiabá. Por sua sabedoria e afeto.

E por fim, à todos do GEDFFE, o pessoal de 2009 à 2011, que com todos

eles, direta ou indiretamente aprendi mais que ensinei.

Guardo minhas considerações, agradecimentos, sentimentos por todos

aqueles que ao meu lado ou distante estiveram, guardo tudo em meu peito e

em minhas lembranças.

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Curriculum Mortis

(Reinaldo S. Marchesi)

Meia vida de uma vida

Duas intenções de vivificá-la

Uma pra viver e duas pra morrer

Três livros sendo escritos

Eu no prelo

Mais quatro artigos de luxo científico

Faço parte de cinco gerações de quintas intenções

O sexto sentido não nos faz mais sentido

Na corrida pelo conceito do sétimo selo

De que vale meias vidas?

Trocentas intenções, livros frívolos?

Conceitos?

Valerá meia vida?

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RESUMO

―Da Educação do rebanho: reflexões nietzschenianas sobre o ensino oferecido às massas‖ é o título eleito para desenvolver a pesquisa acerca da temática da educação em Friedrich Nietzsche. Com a noção de que eram inúmeras as entradas possíveis em sua filosofia, em sua visão sobre educação encontrei a minha entrada, acerca da qual lancei a discussão sobre o discurso da expansão da educação superior. O objetivo principal foi de analisar referências a partir do texto do filósofo, sobre suas concepções e críticas, no intuito hipotético de encontrar se aquilo que se fez na Alemanha do século XIX se faz bastante presente naquilo que vemos em nosso sistema educacional atual; busquei expor as razões pela qual Nietzsche faz determinadas críticas à educação de sua época e seus apontamentos por uma determinada perspectiva de ensino superior que não fosse para todos, aos moldes democratizantes daquilo que vemos hoje. É adotado o método interpretativo como recurso metodológico para realizar uma leitura profícua dos escritos de Nietzsche, tomando por análise as suas Conferências ―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino‖ proferidas na Basiléia no ano de 1872. Tendo sido trabalhado a filosofia de Nietzsche como referencial teórico, seu texto é utilizado como fonte principal no intento de produzir enunciados à luz ou na perspectiva de seu pensamento. Utilizei também o auxílio da produção bibliográfica de especialistas (leitores comentadores) da obra de Nietzsche. Dos resultados e discussões: na leitura de Nietzsche a educação é um fenômeno de ―rebanho‖ desde a sua época, e nota-se que isso foi se radicalizando cada vez mais até o século XXI sob os reflexos de uma proposta Iluminista de universalização da educação inspirada na Revolução Francesa. Bem como, a partir do momento que Estado passa a assumir o controle do sistema educacional na Alemanha, tal qual lá, aqui também é nítido que a tendência de uma educação que forme apenas para uma profissão tome o rumo de sufocar a possibilidade de uma educação para a cultura. Outro fato é a educação ser colocada como um destino comum a todos e, quando posta de tal maneira, vejo implicitamente uma idéia totalizante e totalitária presente em tal discurso. A tendência em voga sobre o ―sucesso‖ profissional via instituições educacionais é um mecanismo discursivo que visa garantir o interesse do rebanho pelo destino educacional que lhe é ofertado, uma forma de ―arrebanhar‖. O destino criado e projetado pelo Estado para com a Universidade (que haveria de ser uma instituição de cultura por excelência) visa oferecer uma educação do tipo como queira (que aplaina as diferenças/homogeneizando os diferentes) capaz de formar apenas dois tipos de sujeitos: o profissional – ―servo do ganha-pão‖ e/ou erudito – ―escravo da ciência‖, invés de ofertar uma educação para cultura que forme indivíduos criativos. Num sentido metafórico, falamos da educação para as massas na forma da educação do rebanho, onde a tentativa totalizante de sê-la para todos revela-nos a realidade de uma educação de pouca qualidade para todos, num projeto de sê-la para maioria é negociado o senso de qualidade e a possibilidade do objetivo de uma formação verdadeiramente para a cultura. Compreendemos ser esse o problema do discurso irrealizável, bom apenas para utopia.

Palavras-chave: ―Educação do rebanho‖; ―Educação para todos‖ e ―Universalização do ensino superior‖.

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ABSTRACT ―Of Flock Education: nietzschean reflection on education offered to the masses‖ is the elected title to develop a research regarding the educational issue in Friedrich Nietzsche. Bearing the notion that multiple are the possible entries in his philosophy, in his view on education I found my entry, about which I raised the discussion on the superior education expansion discourse. The main objective was analyzing references from the philosopher‘s text, about his conceptions and critics, hypothetically aiming to figure out if what has been done in XIX century Germany has been quite present in what we see in our current educational system. I attempted to expose the reasons for which Nietzsche criticized the education of this time and his notes for a determined perspective of a superior education that would not be destined for all people, as in the democratizing forms which we behold today. As a methodological resource, the interpretation method is employed to accomplish a profitable reading of Nietzsche‘s writings, holding into analysis the Conferences ―Over the future of our educational establishments‖ pronounced in Basilea in the year of 1872. Having worked Nietzsche‘s philosophy as theoretic reference, his text has been used as the main source aiming to produce statements at his light or in the perspective of his thoughts. I also made use of experts‘ bibliographic production (commentator readers) of Nietzsche‘s work. Of results and discussions: in Nietzsche‘s reading, education is a ―flock‖ phenomena since his time, and it has been noticed that this has been radicalized even more until the XXI century under the reflexes of an Illuminist proposal of educational universalization inspired on the French Revolution. Also, from the moment the state seizes control of the educational system in Germany, as well as there, here it is also clear that the tendency to an education that instructs for only one profession gets on the way of an education intended to instruct for culture. Another fact is that education is put as a destiny that is common to all, and, when set forth that way, I implicitly see a totalitarian and totalizing idea present in such speech. The trend in vogue about professional ―success‖ via educational institutions is a discursive mechanism that aims to assure the flock‘s interest in the educational destiny which is offered to them, one way to ―flock them in‖. The fate created and projected by the State for the University (which would have to be par excellence a cultural institution) aims to offer an education of the laissez-faire kind (flattening differences/ homogenizing the different ones) capable to produce only two types of subjects: the professional ones – ―living-making servants‖ and/or the erudite ones – ―slaves to science‖, instead of offering an education towards culture which would produce creative individuals. In a metaphorical sense, we talked about education for the masses as flock education, where the totalizing attempt of it to be meant for all unfolds the reality of a low-quality education for all. Within the project of being meant for the majority, the sense of quality and the possibility of the goal of a true culture-bound formation are negotiated. We understand that to be the problem of the speech that is unable to be accomplished, good enough only for utopia.

Key-words: ―Flock education‖; ―Education for all‖; ―Universalization of

superior education‖

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NOTA SOBRE ABREVIATURAS E SIGLAS

Dentre todas as obras consultadas, nesta pesquisa optamos em

utilizar preferencialmente a edição das obras de Nietzsche organizada por

Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Werke. Kritische Studienausgabe (KSA).

Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988, 15v. Sempre que possível,

recorremos à tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho para o volume

Nietzsche da Coleção Os Pensadores: Nietzsche – Obras incompletas. São

Paulo: Nova Cultural, 1987, v. 2. Seguem algumas abreviaturas:

EE - Über die Zukunftunserer Bildungsanstalten (Sobre o futuro de nossos

estabelecimentos de ensino)

Co. Ext II, HL – Considerações Extemporâneas II: Da utilidade e desvantagem da história para a vida.

Co. Ext III, SE – Considerações Extemporâneas III: Schopenhauer Educador.

Co. Ext IV, WB – Considerações Extemporâneas IV: Richard Wagner em

Bayreuth.

HH I, MS – Humano, demasiado Humano (vol. 1): Miscelânea de Opiniões e Sentenças (Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho).

HH II, AS – Humano, demasiado Humano (vol. 2): O Andarilho e sua Sombra (Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho).

A – Aurora

GC – A Gaia Ciência

Za – Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém.

ABM – Além do bem e do mal.

GM – Genealogia da moral.

CW – O caso Wagner e Nietzsche contra Wagner.

CI – Crepúsculo dos ídolos.

EH – Ecce Homo.

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A nomenclatura que utilizamos nas referências dos textos de Nietzsche é a seguinte:

• Nas obras publicadas: Abreviatura do livro seguido do número do aforismo. O aforismo 119 de Aurora, por exemplo, é referenciado: A 119.

• Nos fragmentos póstumos: Abreviatura KSA, seguida do número do

volume, do número do fragmento e sua página. O fragmento póstumo que consta no volume 12 da KSA, registrado sob o número 6[4] do verão de 1886/primavera de 1887, por exemplo, é referenciado: KSA 12, 6[4] p. 232.

• Nas cartas, utilizamos a abreviatura KGB, seguida do volume e o número da carta. Uma carta de setembro de 1882, por exemplo, é referenciada: KGB

III/1, n. 296.

• Quanto aos demais autores, o título completo do livro ou do artigo é dado sob a primeira citação que ocorre em cada capítulo; adiante, apenas se

indica o nome do autor e a página.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................. p.13

I DA METODOLOGIA: CAMINHOS DA PESQUISA

1.1 Nietzsche: objeto ou sujeito da pesquisa?...................................... p.19

1.2 Methodos ..................................................................................... p.21

II NIETZSCHE EM MEIO AO FENÔMENO DA EXPANSÃO DA

EDUCAÇÃO

2.1 Panorama da expansão mundial da educação .............................. p.31

2.2 Nietzsche, percursos e percalços .................................................. p.35

2.2.1 Seu contexto educacional ............................................................. p.37

2.3 Desambiguações: civilisation, kultur e bildung .............................. p.40

2.4 Visões nietzschenianas de universidade ....................................... p.44

III CONFERÊNCIAS “SOBRE O FUTURO DE NOSSOS

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO”

3.1 “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino” .................. p.51

3.2 Uma história em cinco conferências ............................................. p.55

3.3 Da expansão máxima ................................................................... p.67

3.4 Da redução máxima ..................................................................... p.68

IV DA EDUCAÇÃO DO “REBANHO”

4.1 O ―rebanho‖ ................................................................................. p.71

4.2 A educação e os ―homens de rebanho‖.......................................... p.78

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... p.85

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... p.89

ANEXOS ............................................................................................... p.92

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

As raízes deste trabalho surgem durante o percurso de minha

graduação no Curso de Pedagogia, em minha aproximação a um Grupo de

Pesquisa da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, que

discutia Currículo referenciando em autores leitores de Foucault, da UFRGS.

Na ocasião cheguei a ser Bolsista de Iniciação Científica. Assim, ao lê-los,

passei a ler Foucault e, consequentemente a Nietzsche, importante

influência na filosofia foucaultiana. Também caminhei por diversas leituras

acerca desses autores, seja diretamente neles, ou através de seus tantos

intérpretes e/ou comentadores. Todas essas leituras culminaram em meu

Trabalho de Conclusão de Curso: “Repensando Educação e Escola: com

Nietzsche & Foucault”, em que me esforço por fazer um diálogo com e entre

esses dois autores: na tentativa de que com Nietzsche pudesse refletir sobre

a educação, e com Foucault, sobre a escola. Algo que naquele momento

encarei como um desafio posto, tendo em vista a complexidade teórica

desses dois pensadores da filosofia, dentro do campo da educação.

Essa trajetória de leitura desses autores supracitados me trouxe ao

encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Didática, Filosofia e Formação

de Educadores (GEDFFE/UFMT)1, que dentre os pensadores da filosofia,

toma Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida como os principais

provocadores de seus trabalhos.

No GEDFFE as discussões sobre a educação ocorrem em sua maioria

no terreno da filosofia. Creditamos à filosofia, ou melhor, à base reflexiva a

partir desses filósofos, uma capacidade de inquirirmos não apenas as

questões da tradição filosófica tidas por complexas; assim, creditamos a

filosofia desses como aquela que irá abalar nossas bases conceituais. Tais

quais os pensadores Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida, a busca pela

compreensão de alguns conceitos, termos, palavras desde os mais complexos

1 Grupo vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador –

GEPEFE – da FE-USP, coordenado pela professora Selma Garrido Pimenta.

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aos mais simples é algo muito comum dentro do cotidiano de nosso grupo de

pesquisa.

Ao dizer de educação, anuncio falar sobre o pensamento de Nietzsche

a partir de suas Conferências ―Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de

Ensino”, que foram escritas na primeira fase. Não utilizo de toda sua obra

para legitimar-me a dizer, afinal não pretendo ocupar-me do trabalho dos

biógrafos ou dos muitos técnicos eruditos que se amontoam na empreitada

de destrinchar, dissecar e fatiar obras a golpes de bisturis, que

esquadrinham e encaixam vidas inteiras num papel. Aqui critico aqueles aos

quais por diversos mecanismos através de suas ―lupas‖ esmiúçam vidas a

―golpes‖ de ―bisturis‖ e de ―canetas‖, não digo daqueles que falam das

vivências que contextualizam o autor e sua obra. Nesta investigação busco a

compreensão das intensidades de seu discurso, mas propriamente sobre a

questão da crítica que faz sobre a ―extensão máxima” e a ―redução máxima”

da educação especificamente direcionando-me a situação da universidade.

Conforme relata no segundo prefácio de suas conferências nomeadas

―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino”, Nietzsche não escreve

para as massas, pois escolhe seus leitores, ou melhor, seus leitores hão de

possuir qualidades para escolhê-lo e compreendê-lo. O leitor esperado por

Nietzsche há de ter três qualidades: sem pressa, e sem remorso, que possa

―escolher e buscar as boas horas do dia e os momentos fecundos e

poderosos para meditar sobre o futuro de nossa cultura‖; não privilegiar a si

e à sua “cultura”, como critério seguro de todas as coisas, bem como não

esperar por encerrar um quadro de resultados, pois ele não promete quadros

e novos horários para os estabelecimentos de ensino. O que quer Nietzsche é

um homem que não desaprendeu a pensar lendo, que lê nas entrelinhas e

medita sobre o lido, talvez, depois de ter fechado o livro. E, com seu livro na

mão, ele busca por pessoas que sejam impulsionadas de todos os lados por

sentimento análogos: homens isolados, ―seres dotados pela contemplação,

cujo olho não desliza num exame prematuro na superfície das coisas, mas

sabe encontrar o caminho até o núcleo do seu ser‖.

Dos capítulos:

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No primeiro capítulo ―Da metodologia: caminhos da pesquisa‖ será

colocado um questionamento inicial ―Nietzsche: objeto ou sujeito da

pesquisa?‖ para dizer dos percursos de se fazer uma pesquisa em Nietzsche

e com Nietzsche. É uma reflexão sobre o desafio de se trabalhar com esse

autor e sua obra, onde nos colocamos a realizar uma pesquisa que não

tivesse por objetivo comprovar a atualidade dos enunciados do texto de

Nietzsche, mas o inverso: verificar a atualidade através de seu texto. E em

―Methodos” vamos anunciar o método interpretativo como recurso

metodológico para realizar uma leitura profícua dos escritos de Nietzsche,

tomando por análise as suas Conferências ―Sobre o futuro de nossos

estabelecimentos de ensino‖ proferidas na Basiléia no ano de 1872. Tendo

sido trabalhada a filosofia de Nietzsche como referencial teórico, utilizamos

seu texto como fonte principal no intento de produzir enunciados à luz ou na

perspectiva de seu pensamento. Arriscamos pela interpretação invés do

comentário de maneira que não vamos nos restringir apenas às análises dos

textos do filósofo. Valemo-nos também do auxílio da produção bibliográfica

de especialistas (leitores comentadores) da obra de Nietzsche. A escolha pelo

método interpretativo do texto de Nietzsche consiste em fazer uma pesquisa

teórica de análise de pontos e conceitos pronunciados ao longo das

Conferências da Basiléia, com auxílio de seus próprios escritos e de

reconhecidos intérpretes e comentadores de sua obra, valendo-me

principalmente das sugestões metodológicas apontadas por Müller-Lauter e

Scarlett Marton.

No segundo capítulo ―Nietzsche em meio ao fenômeno da expansão da

educação‖ o objeto inicial é o de mostrar o fenômeno da expansão ou

universalização da educação. É uma abordagem contextual e fundamental

para que possamos fazer uma leitura daquilo que vivenciava o filósofo

durante os acontecimentos políticos da Alemanha, os quais diretamente

estavam ligados à educação. Com o ―Panorama da expansão mundial da

educação‖ será feito um ―entrelaçamento‖ do pensamento de Nietzsche com

os eventos do contexto histórico em que desenvolveu seu trabalho, relatando

também em ―Nietzsche, percursos e percalços‖ como se deu suas vivências e

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trilhas formativas. Mostrando em ―Seu contexto educacional‖ uma localização

histórica a partir de onde ele desfere boa parte de suas críticas a educação

de sua época. Com auxílio de comentadores da obra de Nietzsche, achamos

que fosse pertinente uma diferenciação dos termos recorrentes citados ao

longo da pesquisa e para tal escrevemos: ―Desambiguação: civilisation, kultur

e bildung”. Ao finalizar o capítulo apresentamos as idéias centrais daquilo

que seriam as ―Visões nietzschenianas de universidade‖.

Através do terceiro capítulo ―Conferências sobre o futuro de nossos

estabelecimentos de ensino” fazemos os recortes que extraímos dos

fragmentos que elegemos como principais desses discursos proferidos por

Nietzsche quando professor na Basiléia (Suíça) no ano de 1872, na

perspectiva de se analisar as críticas que desfere contra o sistema

educacional alemão, em que ele utiliza ―Uma história em cinco conferências‖

onde conta um diálogo para animar seu discurso. Dessas conferências

extraímos dois conceitos fundamentes ―Da extensão máxima” e “Da redução

máxima” na educação, onde fazemos uma análise das implicações de se

expandir a educação custe o que custar, em específico as universidades, em

que ao sê-la universalizada e ao privilegiar apenas o conhecimento científico,

se sacrificam os ideais mais elevados dessas instituições de cultura. Em ―Da

educação do rebanho”, empresto o conceito de ―rebanho‖ muito usado por

Nietzsche, no intuito de dizer que aquilo que se fez na Alemanha do século

XIX se faz bastante presente naquilo que vivemos hoje: o oferecimento de

uma educação para a média [rebanho] e não para as exceções [indivíduos

com capacidade criadora], uma educação que visa tão somente

homogeneizar as diferenças, que está longe de se colocar como uma

educação para a cultura, dentro de um sistema universitário que não possui

filosofia e arte, na justeza da palavra.

No quarto e último capítulo: depois do enredo dos capítulos anteriores

que de certo modo lançaram os fundamentos das implicações daquilo que

aqui será discorrido, disserto acerca do que chamo de ―Da educação do

Rebanho‖ no objetivo de mostrar que o discurso da ―educação para todos‖ é

um fenômeno totalizante, logo, de ―rebanho‖. Sobre ―O rebanho‖,

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inicialmente busco explicar os termos correntes por suas etimologias e

conceitos acerca das palavras em uso: educação, formador/professor e

rebanho. Em ―A educação e os homens de rebanho‖ é lançado uma pergunta

inicial que é central (―O que quer o pastor com seu rebanho?‖) que se trata

de uma pergunta em partes já respondida noutros capítulos anteriores, mas

que ainda nos incita mais discussões. A proposta deste último capítulo é de

relacionar o sentido da educação ao conceito de ―homens de rebanho‖.

Num sentido metafórico, falamos da educação para as massas na

forma da educação do rebanho, onde a tentativa totalizante de sê-la para

todos revela-nos a realidade de uma educação de pouca qualidade para

todos, num projeto de sê-la para maioria em que são negociados o senso de

qualidade e a possibilidade do objetivo de uma formação para a cultura.

Compreendemos ser esse o problema do discurso irrealizável, bom apenas

para utopia.

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I DA METODOLOGIA: CAMINHOS DA PESQUISA

19

1.1 Nietzsche: objeto e ou sujeito da pesquisa?

Seja objeto ou sujeito da pesquisa, sobre um melhor detalhamento,

diante das diversas formas em que a obra de Nietzsche já havia sido

analisada, Brum2 comenta que desde o mais dedicado comentador-

historiador da vida e obra de Nietzsche, que é Charles Andler, é que vem

sendo feito a divisão de sua obra via diversos tipos de critérios. Apenas para

citar, apresentamos a divisão quanto a três fases encontradas na obra de

Nietzsche:

1º Pessimismo Romântico (1869-1876) Ligado as idéias de Wagner e

Schopenhauer, constrói a metafísica da estética em que procura justificar a

filosofia de seus mestres

2º Positivismo Cético (1876-1881) Período de rompimento com os

antigos ideais românticos e metafísicos. Influenciado pelos moralistas

franceses e pelo utilitarismo inglês, Nietzsche denuncia o caráter humano,

demasiado humano das filosofias transcendentes e cultua a liberdade de

espírito.

3º Período de Reconstrução (1882-1888) Liberto do ideal Iluminista,

Nietzsche alcança a fase de sua filosofia em que a afirmação da vida é o

supremo valor. Esse período, em que as oposições anteriores se desfazem em

uma síntese afirmativa, tem em Assim Falava Zaratustra sua obra principal.

É importante dizer que a categorização desses períodos não

exatamente corresponde a etapas datadas, mas sim aos referenciais teóricos

adotados por Nietzsche que se traduzem em momentos em sua obra.

Ao dizer de educação, anuncio falar sobre o pensamento de Nietzsche

a partir de suas Conferências ―Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de

Ensino”, que foram escritas na primeira fase. Não utilizo de toda sua obra

para legitimar-me a dizer, afinal não pretendo ocupar-me do trabalho dos

biógrafos ou dos muitos técnicos eruditos que se amontoam na empreitada

2 Brum, Nietzsche – as artes do intelecto. 1986, p. 11-12.

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de destrinchar, dissecar e fatiar obras a golpes de bisturis, que

esquadrinham e encaixam vidas inteiras num papel. Aqui critico aqueles aos

quais por diversos mecanismos através de suas ―lupas‖ esmiúçam vidas a

―golpes‖ de ―bisturis‖ e de ―canetas‖, não digo daqueles que falam das

vivências que contextualizam o autor e sua obra.

Nesta investigação busco a compreensão das intensidades de seu

discurso, mas propriamente sobre a questão da crítica que faz sobre a

―extensão máxima” e a ―redução máxima” da educação especificamente

direcionando-me a situação da universidade.

Tendo a premissa de que produzir conhecimento é criar ou reelaborar.

Produzir conhecimento em educação é falar certamente de estradas já

caminhadas e de estradas por se abrir, é falar de percursos. Logo, neste

trabalho, sigo algumas trilhas acadêmicas percorridas, mas certamente

sobre a velha paisagem, lanço novos olhares e analiso a perspectiva do meu

próprio caminhar, num solo ainda extremamente profícuo, que é fazer

pesquisa em Nietzsche e com ele. Será sempre um discurso o que se analisa.

Para mim, fazer pesquisa em Nietzsche é um exercício de se perguntar

sobre dois possíveis objetivos:

1º Se a proposta da pesquisa é um trabalho sobre Nietzsche?

E para isso valho-me de distintos e diversos métodos e teóricos para

acompanhar-me neste projeto. Ou então:

2º Se o propósito da pesquisa será valer-se dele como ponto de

partida?

Assim, num intento nietzschiano vou a favor dele como ponto de

partida de modo a produzir enunciados no curso da experiência, na

perspectiva e à luz de seus pensamentos.

Algumas perguntas em Nietzsche no curso de minha pesquisa:

- Torná-lo objeto da pesquisa?

- Tê-lo como referência teórica da pesquisa?

- Torná-lo caixa de ferramentas para minhas análises?

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- Pensar com ele?

- Pensar a partir dele?

- Pensar contra ele?

São perguntas por serem respondidas agora!

De seus escritos:

- Pensar a atualidade de seu texto?

- Ou pensar nossa atualidade através de seu texto?

Neste trabalho, o que faço tem sido um a partir dele – através de seus

textos sem saber precisamente aquilo que o afetou naquilo que pensou ao

escrever: quem, como e de onde – um exercício interpretativo, de

interlocutor, comentador, de um dado pensamento que supus ter

compreendido e apreendido.

Meu pensar não será tão somente sobre, mas a partir de Nietzsche,

não será um pensar a atualidade de seu pensamento, mas com muito mais

coerência será pensar alguns pontos e questões da atualidade através de seu

texto: educação, escola e ensino superior. Como por exemplo, o discurso da

expansão do ensino superior custe-o-que-custar.

É preciso refletir também que não podemos falar presunçosamente do

pensamento do autor todo ou de todo seu pensamento. Pois seria o mesmo

que viver o que ele viveu: suas comidas, seus amores, dissabores, dores,

odores, etc. Seria o mesmo que pensar o que, como e onde ele pensou. Coisa

que nem o autor próprio que viveu, por sua memória, seria capaz de dar

conta.

1.2 Methodos

Quando estamos de frente do desafio da leitura do texto de Nietzsche

temos que ter ciência que são inúmeras as entradas possíveis em sua

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filosofia. Nesta pesquisa sua visão sobre educação será nossa entrada, em

específico da educação superior.

O objetivo será o de expor as razões pela qual Nietzsche faz

determinadas críticas à educação de sua época e seus apontamentos por

uma determinada perspectiva de educação superior que não fosse para

todos, mas apenas para alguns.

Para cumprir com tal objetivo, desenvolvemos uma pesquisa teórica

realizada através do método interpretativo3 do texto de Nietzsche, em

específico sobre suas conferências proferidas na Basiléia, nomeadas ―Sobre o

Futuro de nossos Estabelecimentos de Ensino”. Arriscamos pela interpretação

invés do comentário, de maneira que não vamos nos restringir apenas às

análises dos textos do filósofo. Assim, valemo-nos do texto original do autor

em si, bem como de pesquisadores especialistas da filosofia nietzschiana,

especificamente de comentadores de sua obra, mais significativamente dos

apontamentos de Scarllet Marton4.

Na escrita deste texto estaremos imersos e envolvidos, afinal cada

parte há de ter o autor todo bem como em cada todo há de ter parte do autor.

E assim, criando a metáfora da Águia, digo do método nesta pesquisa:

Como a águia sabe caçar, será preciso voar alto, por vezes de longe,

com um olhar à distância, pois olhar de perto cega, e nesse sentido será

necessário esconder-se da presa sobre ou sob a copa duma árvore frondosa e

robusta. No pouso da ave de rapina, para ―trair‖ o galho soltando as fortes

3 Inspirado na discussão de Monteiro e Leitão (2008, p. 255-271), em que nos apontam a palavra método que indica a noção de procedimentos que devem ser seguidos quando se

deseja obter algum resultado investigativo. Trata-se de efetivar algo seguindo determinados

passos, em que citam Nietzsche que põe sob suspeita a pretensão em formular garantias

metodológicas para o estabelecimento de sentenças que possam ser consideradas unívocas, portanto, verdadeiras. A discussão nos leva à compreensão de método como caminho do

conhecimento, destaca a impossibilidade de se considerar neutro o investigador e, assim,

aponta para a impossibilidade de se tomar em absoluto algo ―em si mesmo‖ (neste caso, o

objeto da investigação), indicando possíveis pontos de vista em torno do mesmo fenômeno. 4 Professora titular de filosofia contemporânea da Universidade de São Paulo, autora, dentre

outros livros, de "Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos", "Extravagâncias. Ensaios sobre a filosofia de Nietzsche", "A irrecusável busca de sentido. Autobiografia

intelectual", "Nietzsche, seus leitores e suas leituras", "Nietzsche, filósofo da suspeita".

Fundou e coordena o GEN - Grupo de Estudos Nietzsche; é a editora responsável dos

Cadernos Nietzsche e da Coleção Sendas e Veredas. Faz parte da direção do GIRN - Groupe

International de Recherches sur Nietzsche.

23

presas que nele se prenderam, será requerido o impulso antecedente ao vôo

do que perseguirá a presa, e não se sacia ao capturá-la. Assim:

A ―águia‖ é o que pesquisa;

A ―presa‖ é o objeto-objetivo;

A ―árvore‖ é onde ou em quem o pesquisador se sustenta;

O ―esconder-se sobre, ou sob, a copa de uma árvore frondosa e

robusta‖ é o método;

―Trair o galho‖ é onde o pesquisador deve pisar sem se prender. Neste

caso, coaduno com a idéia de Nietzsche que ―na comunicação de qualquer

conhecimento há sempre alguma traição‖5.

O ―impulso antecedente ao vôo do que perseguirá a presa‖ é típico

daquele que age com objetivos livres;

Por fim, ―aquele que não se sacia ao capturar a presa‖ é o não

conformado com o alcançado, ele quer sempre mais e vai além. Deste modo,

construo meu método – meu caminho é no vôo.

Em método (do Grego methodos, met' hodos que significa, literalmente,

"caminho para chegar a um fim"), temos que nos ater aquilo que Abanano

(2000) diz ao definir Método6, em que nos apresenta dois significados:

1º qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa (não se distingue de

―investigação‖ ou ―doutrina‖)

2º uma técnica particular de pesquisa (um procedimento de

investigação organizado, repetível e autocorrigível, que garanta a obtenção de

resultados válidos): Assim, é preciso observar que não há doutrina ou teoria,

quer científica quer filosófica, que não possa ser considerada sob o aspecto

de sua ordem de procedimentos, sendo, pois, chamada de Método.

De modo geral, não há doutrina que não possa ser considerada e

chamada de Método, se encarada como ordem e procedimento de pesquisa.

5Nietzsche, FP, 2[26] (Verão-outono de 1882). In: Fragmentos do Espólio. 6 Abbagnano, Dicionário de Filosofia. 2000, p. 668.

24

Portanto, a classificação dos Métodos filosóficos e científicos sem dúvida

seria uma classificação das respectivas doutrinas.

Numa tentativa metafórica sobre a questão do método, sobre o

―caminho para se chegar a um fim‖ percebo que muitos viajantes

(pesquisadores) temem em se perder e, se valem de mapas, cartas, bússolas

e, se preciso for, suplicarão até aos astros para não se perderem na viagem.

Eles têm ponto de partida e objetivo de chegada. Assim com todos os

apetrechos para percorrer rotas ―certas‖ e ―seguras‖, eles almejam poder

conhecer previamente o caminho ainda não caminhado. Sabem eles que do

ponto de partida ao ponto de chegada poderão fazer muitos atalhos por

desvios, contudo são medrosos e seguirão palmo a palmo as escalas

projetadas de seus mapas.

Assim os sujeitos apegados as suas rotas rigidamente pré-

estabelecidas nunca saberão o que é ser um desbravador aventureiro que é

flexível na mudança dos passos. Faço aqui essa alusão, para dizer que para

tais viajantes (pesquisadores), o melhor passo que se pisa é o de calcanhares

que tocam em caminhos seguros (legitimados nos métodos tradicionais de se

fazer ciência), mesmo sabendo eles que nenhum mapa, carta ou bússola

(trajeto) seja tão seguro assim.

Ao que Nietzsche nos ensina:

Por muitos caminhos diferentes e de múltiplos modos cheguei eu a minha verdade; não por uma única escada subi até a

altura onde meus olhos percorreram o mundo. E nunca gostei de perguntar por caminhos, - isso, a meu ver, sempre repugna! Preferiria perguntar e submeter à prova os meus próprios caminhos. Um ensaiar e perguntar foram todo meu caminhar - e, na verdade, também tem-se de aprender a responder a tal perguntar! Este é o meu gosto: não um bom gosto, não um mau gosto, mas meu gosto, do qual já não me envergonho nem me escondo. ―Este - é meu caminho, - onde está o vosso?‖, assim respondia eu aos que me perguntavam ―pelo caminho‖. O caminho, na verdade, não existe!7

Entre tantos descaminhos até um caminho que possamos trilhar

Nietzsche, o filósofo da suspeita nos coloca a responsabilidade de encontrar

nossos próprios (des)caminhos entre ―semideuses‖, ―veredas‖ e ―pontes‖ que

7 Nietzsche, Za/ZA, 1883/5.

25

surgirão como segurança para levar-nos ao ―outro lado do rio‖, mas assim

nos diz em ―Schopenhauer como Educador” §1, (1):

Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida, ninguém exceto tu, somente tu. Existem por certo inúmeras veredas, e pontes, e semideuses que oferecerão para levar-te do outro lado do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho, por onde só tu podes passar. Para onde leva? Não perguntes, segue-o8.

Tal como o filósofo alemão sugere, nós buscamos construir nossas

pontes para atravessar o ―rio‖ da pesquisa. Nesta pesquisa, não se trata de

uma leitura exegética, pois, na busca de uma interpretação calcada sobre

experiências vividas, partilhadas entre leitor/autor, ao construir os

caminhos desta experiência, reitero a ciência de que ―não existe um método

científico que seja via única para o saber‖ 9. É o que Nietzsche nos coloca em

―Aurora” § 432, ao negar a existência de um único método científico, assim

como em dizer que é necessário tratar o objeto do conhecimento com justiça

e frieza, bem como podendo tratá-lo com paixão.

Na metáfora do pensador alemão, há um modo de proceder típico do

policial, 1) aquele que rastreia o criminoso, atento à empiria das pistas e das

provas, mas há também o procedimento da escuta, aquele do 2) confessor, e

também o da interrogação sem compromisso, como o do 3) curioso

transeunte. De qualquer forma, a produção do conhecimento é tateante e

seus fatores aventureiros, exploradores, tentadores e conquistadores.

Obtemos qualquer coisa deles (dos objetos do conhecimento) tanto por simpatia, quanto por violência; é o respeito por seus segredos que permite a um progredir e compreender; a outro, ao contrário, é a indiscrição e a trapaça (Schelmerei) na explicação dos segredos10.

Diante do objeto de conhecimento, que é o texto de Nietzsche, mais de

um método pode ser legítimo. Sem deixar de reconhecer o lugar próprio das

leituras rigorosamente fiéis a algum método científico, pode-se creditar a

possibilidade de alcançar-se uma compreensão do texto de outro tipo e por

8 Ibidem, SE/Co. Ext. III, §1, (1), 1874. 9 Nietzsche, M/A, 1881. 10 Ibidem.

26

outras vias. No caso de Nietzsche, a partilha da experiência vivida entre

leitor e autor é uma via privilegiada.

Quando ouvimos o nome de Nietzsche, e das pesquisas que se fazem a

seu respeito, podemos ler muitas coisas: filósofo, poeta, defensor do ateísmo,

cristão ressentido, crítico da ideologia, inspirador da psicanálise, pensador

do nazismo, arauto do irracionalismo são questões sempre em voga quando

se lê o nome do filósofo nos diversos textos.

A acusação de falta de retorno de Nietzsche em termos de contribuição

no campo da filosofia e da educação está em função do desconhecimento e

preconceito que muitos têm sobre sua filosofia. Como um exímio pensador

de problemas, na provocação de sua filosofia espera que o leitor não o leia no

intento de encontrar respostas naquilo que se lê em si, mas podendo

encontrar respostas a partir disso, não é na coisa em si, mas a partir dela.

A partir dos Arquivos Nietzsche na Alemanha, os italianos Giorgio Colli

e Mazzino Montinari organizaram a edição das obras completas de Nietzsche

para o alemão, francês e italiano. Mas ainda hoje não temos uma edição das

obras completas em português.

Historicamente o legado do escrito de Nietzsche tem sido analisado de

forma diversa, por vezes através de análises de estilo, ora por investigações

psicológicas, ora por interpretações filosóficas. Na academia, muitos

trabalhos são feitos a respeito das influências que o filósofo recebeu e/ou

exerceu, bem como sobre a repercussão e impacto de sua obra nas mais

distintas áreas. Existem pesquisas que fazem análises em algum ou alguns

de seus textos específicos; existem outras que comparam o tratamento que

ele dá a algum e/ou alguns temas com outros textos e autores. Há ainda os

que se voltam para o exame de questões específicas e os que se empenham

em avaliar a atualidade de seu pensamento enquanto um todo.

A aceitação de Nietzsche na academia nem sempre foi assim. O

pensador entra em cena como um autor lido por volta de 1890 e 1920, na

Europa de modo geral e, em particular Alemanha, França e Itália. No Brasil,

houve três momentos de ênfase: no início do século XX, através de uma

27

vertente de leitores anarquistas; durante a Segunda Grande Guerra, foi

tomado como pensador de direita, sendo associado ao fascismo; e em 1968,

quando a extrema-esquerda francesa que se apossou de suas teorias e

passou a ser visto como iconoclasta11. Vale dizer que, entre 1960 e 1970,

torna-se bastante lido por meio dos franceses: Foucault, Deleuze e Derrida,

pois é a referência de maior influência desses.

Por volta da década de 1980, começam a alertar sobre o contágio de

seus textos, dizendo que eles nada teriam a contribuir em termos de

respostas aos nossos problemas. Mesmo assim, ele se tornava cada vez mais

popular, por diversas e diferentes leituras críticas de sua filosofia, ora sérias

com acuidade e ora deturpadoras. O nome dele está também ligado a

grandes expoentes, como no caso, da Escola de Frankfurt com Adorno,

Horkheimer e Marcuse – que em suas análises partiram de Nietzsche, ao

lado de Freud e Marx; como Foucault, Deleuze e Derrida – que em suas

investigações também tomaram Nietzsche como ponto de partida;

―Wittgenstein, em cujas idéias se encontram ressonâncias do pensamento

nietzschiano. Sem falar de Freud e na psicanálise.‖12

Os italianos pesquisadores e tradutores Giorgio Colli e Mazzino

Montinari; filósofos como o alemão Heidegger, os franceses Michel Foucault,

Gilles Deleuze, Derrida e Müller-Lauter; no Brasil Rubens Torres Filho e,

atualmente, Oswaldo Giacóia Jr. e Scarllet Marton são importantes nomes

ligados aos desdobramentos da obra de Friedrich Nietzsche.

Estando diante de pesquisar os textos de Nietzsche, através dos

questionamentos de Müller-Lauter o qual diz que:

[...] alguns julgam de maior valor os livros editados pelo filósofo; outros atribuem peso maior aos fragmentos póstumos. Há ainda quem hierarquize os textos segundo a importância que acreditam ter cada um deles, encarando este ou aquele como a "obra capital". E há quem entenda que se deva levar em conta apenas os póstumos que se mostram de acordo com a obra publicada13.

11 Aquele que ataca crenças estabelecidas ou instituições veneradas ou que é contra

qualquer tradição. 12 Marton, Nietzsche, filósofo da suspeita. 2010, p. 8-34, passim. 13 Müller-Lauter apud Marton, A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. 1997, p. 11.

28

Penso que toda escolha tem sua hierarquia de valores, e é sempre uma

arbitrariedade que quer o leitor ao invés de necessariamente aquilo que quis

o autor. Desse modo, não há como negar que os livros editados pelo filósofo

tenham sido importantes no momento em que foram publicados. Entretanto,

em se tratando de um pensador como Nietzsche que deixou muita coisa de

seu trajeto filosófico de fora, é óbvio que não podemos afirmar isso.

Os escritos de Nietzsche sempre nos darão possibilidades de vários

tipos de leituras, por ser um pensador que não apresenta um sistema de

pensamento e por sua forma assistemática de escrever, por não apresentar

um estilo único, mas uma riqueza de estilos, por estar imerso em suas

vivências e contradições revela uma experiência filosófica de corpo, com

ataques àqueles todos em sua volta, bem como a si mesmo. Para tal, valho-

me da experiência do exímio trabalho da pesquisadora brasileira Scarlett

Marton, que organizou trabalhos sobre a recepção da filosofia de Nietzsche

na Alemanha, Itália, França e América do Sul.

Quanto ao texto de Nietzsche e a forma, método ou maneira em que é

pesquisado, Marton em entrevista à revista ―Filosofia: Ciência e vida” em

2009, diz que os comentadores franceses da atualidade (Eric Blondel,

Patrick Wotling, Blaise Benoit, Céline Denat e Yannis Constantinidès),

compõem uma escola de interpretação da filosofia nietzschiana, pois

possuem em comum uma maneira particular de trabalhar o texto do filósofo.

Esses costumam eleger um problema específico e, a partir dele, desenvolvem

todo um trabalho reflexivo. É uma metodologia que se afasta completamente

de um trabalho de ordem genética. Ou seja, não se leva muito em conta o

itinerário que Nietzsche percorreu para chegar a determinado conceito ou

obra. No entender desses estudiosos, essa tarefa já está cumprida e o que

importa é pensar questões e problemas pontuais dentro da filosofia

nietzschiana. É interessante notarmos que se chegou a essa escola depois de

passarmos, nos anos 1960 e 1970, por outro "Nietzsche francês", o Nietzsche

de Foucault, Deleuze e Derrida. Foi nessa época que a filosofia nietzschiana

passou a ser utilizada como um instrumento de trabalho. Segundo Marton:

29

O lema não era pensar a atualidade do texto nietzschiano, mas a atualidade através do texto nietzschiano. Foi a fase das interpretações, quando Nietzsche era usado para se pensar a realidade vigente. Nas últimas décadas, no entanto, Nietzsche voltou a ser um objeto de estudo por parte de comentadores. De caixa de ferramentas, se converteu em objeto de conhecimento filosófico. Usar a Filosofia de Nietzsche como caixa de ferramentas é dizer que podemos interpretar por intermédio de Nietzsche - e interpretar não é o mesmo que comentar. Comentar é estudar o texto do filósofo e tentar compreender o que ele nos diz. Interpretar, por outro lado, é usar as idéias do pensador para refletir sobre questões efetivas.14

A atualidade do texto de Nietzsche é para nós algo de menor

importância, pois nesta pesquisa buscamos para além de saber o que o texto

do filósofo nos diz, procuramos usar suas idéias para refletir questões

efetivas, no caso, a universalização e democratização da educação superior

hoje, através da contundência de apontamentos profícuos e a discussão da

qualidade do ensino.

14 No caso da França dos anos 1960 e 1970, pensavam-se - pela Filosofia nietzschiana - os acontecimentos de caráter político, social e artístico daquele momento. Refletia-se, por

exemplo, acerca das insurreições que estavam acontecendo nas penitenciárias - foi algo que

Foucault fez muito. Pensava-se, também, sobre as comunidades antipsiquiátricas, os filmes

de Jean-Luc Godard, a música de John Cage, a Pop art e os happenings - esse tipo de

acontecimento artístico que surgiu naquela ocasião. É interessante a gente não deixar de perguntar por qual razão foi justamente nesse momento e por obra desses filósofos que

Nietzsche foi apresentado como o filósofo da interpretação e dos intérpretes. E, aqui, Marton

traz a questão das redes de poder que está presente no meio acadêmico. ―Imagine você que

surgem jovens pensadores que estão em busca de seu lugar ao Sol, em busca de um lugar

no meio acadêmico. Para conquistar esse espaço eles precisavam se diferenciar das gerações

anteriores. Nesse sentido, enquanto a geração anterior privilegiava o comentário e tentava estar o mais próximo possível da verdade do texto filosófico, esses jovens pensadores - com

a intenção de ganhar um novo espaço na cena acadêmica - vão substituir o comentário pela

atitude interpretativa. Essa substituição revela, de alguma maneira, as tensões de relações de forças que estão sempre presentes no meio acadêmico‖. In: Marton, Interpretações de Nietzsche mundo afora. Revista Filosofia Ciência e Vida, São Paulo, n. 39. Entrevista

concedida a João Neto.

30

II NIETZSCHE EM MEIO AO FENÔMENO DA EXPANSÃO DA

EDUCAÇÃO

31

2.1 O panorama da expansão mundial da educação

Neste capítulo o objeto inicial é o de mostrar o fenômeno da expansão

ou universalização da educação e finalizar, nos demais subtítulos, com um

―entrelaçamento‖ do pensamento de Nietzsche com os eventos do contexto

histórico em que desenvolveu seu trabalho.

Na leitura de Nietzsche a educação é um fenômeno de rebanho desde a

sua época, e para nós, isso vai se radicalizando cada vez mais até o século

XXI sob os reflexos de uma proposta iluminista de ―educação para todos‖

inspirada na Revolução Francesa. Dentre tantas teses existentes acerca da

origem das instituições escolares públicas no cenário mundial, analiso que o

nascimento de um novo tipo de sociedade veio ligado à necessidade de um

espaço privilegiado para concebê-la – a escola (em sentido lato). Espaço esse

que ganha maior visibilidade ao longo do impasse da discussão entre a

necessidade ou não de se educar o povo, diante do questionamento de qual

seria o conteúdo ou método mais adequado para ensinar, até a terminologia

instrução ser aos poucos substituída por educação - por pressupor que não

bastava apenas ensinar a ler, escrever e ou contar, mas era preciso também

moralizar. A escola seria para o Estado a responsável por instituir um

determinado tipo de sociedade e um determinado ritmo e modus social.

A Idade da Razão, Iluminismo ou Ilustração remete a Luzes, que

significam o primado otimista da razão humana de interpretar e reorganizar

o mundo tirando-o das trevas. Algo já pretendido desde o período do

Renascimento. Especialmente, a ilustração marcou presença em países

como Prússia, Áustria, Rússia e Portugal, nos quais persistia o absolutismo,

então chamado de Despotismo esclarecido, ou Ilustrado.

Os pressupostos do Iluminismo sugerem a defesa de alguns pontos,

como:

- educação ao encargo do Estado;

- obrigatoriedade e gratuidade do ensino;

32

- orientação prática, voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não

mais privilegiando uma educação humanística.

Assim, o marquês de Condorcet, eleito deputado da assembléia

legislativa francesa após a Revolução, 1792, redigiu o ―Plano de Instrução

Pública, ou Rapport‖15, que propunha estender a todos os cidadãos a

instrução pública e gratuita e o saber técnico necessário a

profissionalização. Muito embora não tenha sido aprovado, seu papel foi de

grande inspiração para outros planos.

Luzuriaga16 relata o processo de luta no século XIX que se discutia a

necessidade ou não de educar o povo. As lutas em favor ou contra ocorridas

em torno de universalidade, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade são

acentuadas a partir da revolução ocorrida na França entre 1789 e 1799, bem

como posteriormente com a Comuna de Paris - insurreição dos

trabalhadores de 1871. Movimentos cujos feitos repercutiram em diversos

países do mundo, nos quais apontavam o anseio da classe trabalhadora em

fazer uma revolução social. Momento esse de luta por regimes democráticos

de governo, ensaiando para que a população passasse a escolher seus

próprios governantes, ao passo que ao Estado coube assumir a

responsabilidade pela instrução popular, via instituições escolares.

A questão da universalidade e da gratuidade não causou muita

polêmica, pois seria útil e rentável para o Estado, para a classe dos

comerciantes e para o progresso da ciência. Contudo, a questão da educação

laica enfrentou oposição fortíssima da Igreja Católica e a questão da

educação obrigatória, em manter as crianças nas escolas sob a tutela do

Estado, sofreu severas críticas entre todas as classes sociais, pois poderia

significar uma forma de coibir liberdades individuais. Por outro lado, cresce

os discursos favoráveis a regimes democráticos, onde os trabalhadores

passariam a escolher seus governantes e o Estado a direcionar a força social

15 Aranha, História da Educação e da Pedagogia – Geral e do Brasil. 2006, p. 173-176,

passim. 16 Apud Machado, Fontes História das Instituições Escolares: o projeto educacional de Rui

Barbosa no Brasil. In: LOMBARDI, J. C.; NASCIMENTO, M. I. M.(Orgs.). Fontes, história e historiografia da educação. Campinas: Autores Associados: Histedbr, 2004. p. 65-68,

passim.

33

via instituições escolares, na qual todas as classes sociais se encontrariam

com as mesmas oportunidades, em que ao mesmo tempo transmitiriam a

mesma ideologia em favor de um tipo de sociedade. Assim, a origem das

diferenças sociais estaria ligada às capacidades e aptidões individuais de

cada um, indiferente da sua classe social. Fortaleceu-se a idéia de que por

meio dessa instituição seria possível transformar a sociedade em livre e

civilizada, que pudesse velar pela conservação da ordem. Daí difundiu-se e

firmou-se a idéia de oferecer escolas para o povo, com conteúdos ligados ao

nacionalismo17.

Desde então, com a efetivação do sonho Iluminista e Republicano,

sob o regime educacional do sistema escolarizador criado, é disseminado o

discurso que aquele no qual não passar por suas malhas estará fadado ao

fracasso pessoal, profissional e material, além de inapto a votar.

A idéia de escola pública é bem vista por volta do século XVIII e

efetivada no século XIX em alguns países do mundo. Neste momento é que,

no Brasil, se criaram os sistemas de ensino e as leis de instrução pública,

ainda que precários, mas sob o ideal de um tipo de educação que fosse

universal, gratuita, obrigatória e alguns países lei18.

A expressividade de tais discussões, fez com que o século XIX fosse

considerado como o ―Século da Instrução Popular‖. Pois, neste contexto é que

se difundiu a idéia de uma escola que por sua instrução fosse capaz de

iluminar e transformar a sociedade, numa condição positiva de progresso,

uma instituição fundamental para nações livres e civilizadas. Para muitos

republicanos da época, somente com mais escolas é que seria possível tal

proeza. Assim, para o suposto avanço dos estados democráticos, criou-se a

necessidade do avanço da escola com sua dupla função de formar o sujeito

cidadão e o sujeito egoísta voltado aos ―seus‖ interesses particulares.

Principalmente na França a organização dos trabalhadores e as

greves exigiam mudanças sociais por parte do Estado, defensor dos

17 Sentimento de valorização marcado pela aproximação e identificação com uma nação,

mais precisamente com o ponto de vista ideológico. 18 Ibidem.

34

interesses burgueses. Junto ao momento de Revolução Industrial vivido,

com cada vez mais máquinas substituindo trabalhadores, ocorre o

rebaixamento salarial e o aumento do desemprego. Então as crianças são

menos interessantes para as fábricas. Neste momento, para além da

necessidade de escolas primárias para depositar os filhos da classe operária

ou da necessidade de ler e escrever por mera instrução, a educação torna-se

um importante mecanismo para moralizar. O Estado visava que as

instituições escolares transmitissem conteúdos que conservassem o status

quo, velando pela conservação da ordem e da riqueza burguesa. Nessa

época, afloraram muitas discussões sobre quais eram os conteúdos e

métodos mais apropriados para essa escola necessária.

Nos estados da Alemanha, sobretudo Prússia, o governo lança seu

olhar sobre a educação: Frederico I e Frederico II, déspotas esclarecidos com

vistas no engrandecimento do Estado, fizeram reformas, primeiro, ao

estabelecer a obrigatoriedade no ensino primário. Ampliou-se a rede, depois

em 1763, e o Estado assumiu o controle pleno da educação. Além das

populares elementares e das tradicionais, foi criada a Escola Real, de ensino

técnico científico, onde se ensinavam matemática, mecânica, ciências

naturais e trabalhos manuais, sendo a Alemanha um dos países precursores

ao ensino tradicional e exclusivo de humanidades.

Sobre as transformações na Alemanha do século XIX, Ansell-Person

diz comentando o historiador alemão Golo Mann:

[...] a Alemanha de Bismarck não foi instituída sobre os elevados princípios da filosofia política, como no caso da fundação da união americana, mas sobre o pragmatismo brutal. A fundação do Reich alemão não foi precedida por deliberações filosóficas sobre a natureza do homem e da sociedade, mas por guerras, anexações, alianças e um parlamento aduaneiro montado pela chantagem. Bismarck chegou ao poder anunciando que ia à política dos ―discursos e resoluções‖ um estado de ―ferro e sangue‖.19

19 Ansell-Person, Nietzsche como Pensador Político. 1997, p. 37.

35

2.2 Nietzsche, percursos e percalços formativos

Nesse contexto acima citado viveu Friedrich W. Nietzsche, nascido em

15 de outubro, 1844 – em Röecken na Prússia. O filósofo alemão era filho do

pastor luterano Karl Ludwig Nietzsche com Franziska Oehler e irmão de

Elizabeth (1846) e Joseph (1848). Filho e neto de pastores protestantes,

ligação de parentesco essa que o influencia na infância a pensar seguir pelo

mesmo caminho da profissão do pai. Com a morte do pai em 1849 e depois

com a morte de seu irmão Joseph em 1850, sua mãe muda-se para

Naumburgo, indo Nietzsche estudar na escola municipal, mas em 1851 se

transfere para o Instituto Weber, e em 1854 se matricula no ginásio de

Naumburgo estudando até 1858. Em outubro de 1858, ingressa como

bolsista no Colégio Real de Pforta. Nesse renomado estabelecimento de

ensino, recebe sólida formação em estudos clássicos. Então, escreve seus

primeiros textos, em particular poemas e trechos de uma autobiografia.

Segundo Weber20, na época de Nietzsche, a Escola de Pforta era um

dos mais respeitados Institutos de Formação da Alemanha. Construído no

século XII por um grupo de monges cistercienses, tornou-se no século XVI –

após os luteranos expulsarem os monges – num dos centros da Reforma

religiosa e científica. Além disso, a celebridade dessa instituição guardava

estreita relação com a notoriedade alcançada pelos alunos lá formados,

destacando-se entre eles, Friedrich Schlegel (1772-1829) [Fundador da

revista Athenäum, meio de divulgação das concepções românticas na

Alemanha, e um dos líderes do movimento romântico naquele país], August

Wilhelm Schlegel (1767-1845) [August Wilhelm foi colaborador na revista

Athenäum, sendo um dos representantes do romantismo alemão,

particularmente conhecido pela qualidade das suas traduções de William

Shakespeare (1564-1616)], Georg Friedrich Philipp (1772-1801) [Barão de

Hardenberg, que adotou o nome literário de Novalis – juntamente com os

irmãos Schlegel, foi um dos fundadores do romantismo alemão] e Johann

Gottlieb Fichte (1762-1814) [Filósofo, autor dos Discursos à nação alemã e

20Weber, Op. cit. 2003, p. 1-7, passim.

36

primeiro reitor da Universidade de Berlim, fundada em 1810 por Wilhelm von

Humboldt].

A excelência de Pforta estava ligada ao cultivo das humanidades,

associada a uma intensa vivência da religião nos moldes do luteranismo.

Embora preparasse seus estudantes ao ingresso na Universidade, a

formação não era concebida como mera instrumentalização para um

exercício futuro. Assim podemos notar que é possível verificar que a

concepção de ―formação em Pforta nada tinha em comum com a tendência

cada vez mais intensa nas instituições de formação alemãs a partir da

segunda metade do século XIX que compreendiam a formação como

preparação para uma profissão‖.

Para Sochodolak21, a autobiografia ―Minha vida” foi escrita ao longo de

seu curso em Pforta (1858-1864) e de sua estadia em Bonn (1864-1865).

Nela, Nietzsche apresentou raras inserções reflexivas, ao menos até 1863.

Todavia, a partir de seu egresso de Pforta (verão de 1864) seu discurso

assumiu, paulatinamente, um tom reflexivo e analítico. Talvez Nietzsche se

sentisse mais seguro e livre para escrever o que pensava e sem as amarras

institucionais da velha escola. Reconhecia na escrita a forma primordial de

atacar o mundo que o cercava – a escrita deixava de ser uma exigência

escolar para tornar-se uma arma, uma ferramenta de combate, também era

entendida como uma forma de desabafo.

Na busca por conhecimento, Nietzsche tinha interesses múltiplos,

entre: música, história, poesia, geografia, matemática, arquitetura, artes de

guerra, pintura, literatura, geologia, astronomia e mitologia. Assim, diante

de sua predileção, o jovem Nietzsche22 chegou a organizar seus interesses,

por ordem de preferência entre Prazeres e Gostos, ficando assim:

I – Os prazeres da Natureza (Geologia; Botânica e Astronomia)

II – Os prazeres da Arte (Música; Poesia; Pintura e Teatro)

21 Sochodolak, Significados da leitura para o jovem Nietzsche, 2005, p. 52; 62. 22Apud Sochodolak, Op. cit. 2005, p. 16-17.

37

III – A imitação da Ação e das Práticas Humanas (a Guerra; a

Arquitetura; a Marinha)

IV – Gosto pelas Ciências (Escrever em latim em bom estilo; a

Mitologia; a Literatura; a Língua alemã).

Certamente, o período em que Nietzsche mais escreve sobre educação

é em sua fase inicial, compreendia entre 1870 e 1876, quando se encontrava

influenciado pelo helenismo. Credita à arte a função da educação dos

sentidos e da razão, colocando a tragédia como expressão primordial da vida.

O isolamento a que Nietzsche se submeteu, depois de 1878, com o

abandono da carreira de oito anos como professor Filologia Clássica na

Universidade da Basiléia em 1879, encerra suas atividades com graves

problemas de saúde. Talvez tenha lhe sido um ―mal‖ necessário para que

pudesse cunhar seus ataques mais contundentes ao "espírito da época", em

meio a suas idas prolongadas e frequêntes estadas em diversas cidades da

Suíça, do Norte da Itália e do Sul da França. Seus últimos dez anos de vida

foram passados no isolamento em Naumburg e Weimer, entregue aos

cuidados da sua irmã. Sua afronta à tradição enciclopedista e iluminista que

a Universidade do seu tempo tinha abraçado deu-se em 1878, com a

publicação da primeira edição de ―Humano, Demasiado Humano”.

Desde o período em que abandona a carreira universitária vemos

muitas passagens nos escritos de Nietzsche sobre a afirmação da

impossibilidade e da inutilidade de ensinar as grandes massas, pois como

mesmo diz em ―Humano, Demasiado Humano”, a instrução pública nos

grandes Estados será sempre, quando muito mediana, pelas mesmas razões

por que nas cozinhas grandes se cozinha, no melhor dos casos,

sofrivelmente.

Com uma vida breve, sobretudo, foram apenas poucos e interrompidos

os anos de produção filosófica e literária, em consequência de diversas

enfermidades até a última e derradeira crise, o colapso nervoso que anulou

seus últimos dez anos de vida. Sua vida foi marcada por uma trajetória cheia

de percalços (obstáculos dolorosos e acidentados), com muitos projetos e

38

escritos inacabados; curtos períodos férteis; muitas notas e fragmentos

escritos, porém não fragmentários. Não apresentou um sistema de

pensamento, entretanto apresentou-se como um pensador sistemático,

coerente até mesmo em suas contradições

2.2.1 Seu contexto educacional

A partir do enredo anterior, com enfoque no contexto educacional que

Nietzsche vivenciou desde sua juventude, traremos a visão de uma série de

transformações político-educacionais que o filósofo vivenciou, muito bem

percebidas nos livros que escreveu e também na filosofia que adotou durante

a época da Alemanha de Bismarck.

Tinha 17 anos quando Bismarck chegou ao poder, e sucumbiu a loucura um ano antes do Chanceler de Ferro ser destituído do posto. Sua educação em Schulpforta foi clássica e liberal. O diretor da escola era um forte partidário do florescimento do liberalismo, que ainda entendia como uma combinação do ideal da Bildung com o nacionalismo cultural como formulado por Johann Gottfried Heder (1744-1803). Os professores de Nietzsche foram clássicos-liberais no sentido de que se identificavam com as tradições do classismo de Weimer e sintetizavam o nacionalismo prussiano da metade do século. Nietzsche foi também formado pela revolta contra sua formação religiosa. Uma geração anterior pôde definir seu rompimento com o pietismo como uma heróica luta interior. Mas, com o recuo universal do pietismo nas décadas de 1850 e

1860, isso já não era possível. Da mesma maneira que outros rebeldes da metade do século educados na tradição pietista, como Strindberg e Van Gogh, Nietzsche percebeu que era difícil firmar sua luta com a religião. Tendo testemunhado o colapso da autoridade clerical em 1848, eles atingiram maioridade em período de rápida descristianização entre os protestantes. O fracasso da política religiosa garantia que a questão crucial que se apresentava a Nietzsche e seus contemporâneos era da secularização. Um biógrafo assinala, refletindo sobre angústia espiritual que acometeu a geração de Nietzsche, que ―a secularização ameaçava deixá-los deslocados e sem raízes, mas incitava-os para a frente com a alternativa de uma identidade pós-religiosa, como os primeiros dos ―novos homens‖. O desenvolvimento do jovem Nietzsche caracterizou-

39

se por uma reorientação simultânea nas frentes política e religiosa.23

Com referência a reforma educacional na Alemanha, destaca-se o

filósofo Friedrich August Wolf (1759-1824) que realizou uma reforma do

ensino médio da Alemanha, tentativa na qual privilegiava os estudos

clássicos; introduziu o espírito clássico que vinha da Grécia e Roma,

propondo uma cultura humanística, iniciativa ousada que teve sucesso em

impor uma nova imagem do ginásio, distanciando o objetivo de ser

unicamente um viveiro da ciência, mas, sobretudo o lugar consagrado a toda

cultura nobre e superior. Das medidas que pareciam necessárias, aquelas

que atravessaram a constituição moderna do ginásio, das mais importantes,

a iniciação dos próprios mestres neste mesmo espírito, a qual não obteve

êxito. Muito da cultura humanista, voltando-se a estima absoluta pela

erudição e cultura acadêmica.

Dentro desse clima de sistema educacional, em ―Nietzsche”24 no

primeiro capítulo nomeado ―Entre acadêmicos”, diz sobre a nomeação do

filósofo como professor na Universidade da Basiléia. Em 1869, com vinte e

cinco anos, conhece nomes de prestígio, entre eles Franz Overbeck, professor

de teologia e crítica do cristianismo do século XIX e Jakob Burckhardt,

historiador da arte, estudioso da cultura grega e do renascimento italiano,

estabelecendo com eles fortes laços de amizade e admiração. Nietzsche

considera seu amigo Jakob Burckhardt, uma exceção, e a ele a universidade

da Basiléia deve, em primeiro lugar, seu predomínio nas humanidades. É

com Burckhardt que aprenderá a ―desconfiar dos nacionalismos, inquietar-

se diante do progresso industrial, duvidar dos benefícios da democracia,

preocupar-se com a manutenção da tradição cultural.‖ Relação esta findada

com o distanciamento de Burckhardt, avesso a ousadia das idéias de

Nietzsche.

Nietzsche se encontrava em uma Alemanha que passava por

significativas mudanças, principalmente decorrente da guerra franco-

23 Ibidem, p. 38. 24 Marton, Nietzsche. 1983, p. 10-13.

40

prussiana declarada em julho de 1870, contribuindo com a unificação

política da Alemanha que vem a ocorrer em meados do século XIX, período

em que também ocorre a implantação tardia da indústria e o aparecimento

de novas camadas sociais. Entretanto, passando de um país particularista e

patriarcalista a uma Alemanha capitalista e industrial. Um país dos artesãos

e das pequenas empresas familiares, ao surgimento da sociedade por ações e

no crescimento dos bancos e das grandes indústrias. No advento da nova

burguesia em lugar dos príncipes. No discurso da liberdade industrial e da

unidade nacional. Sendo a Prússia quem toma frente do processo de

unificação dos 39 estados alemães. Segundo Marton:

Para impor sua hegemonia, entre outras manobras, teve de provocar, pelo menos, uma guerra. Forjou um inimigo externo comum a todos, já que não havia nenhum outro elemento capaz de homogeneizar interesses. Otto von Bismarck, o primeiro ministro artífice do Império Alemão, logrou levar a França a declarar guerra à Prússia.25

A Alemanha vitoriosa ―[...] impõe-se hegemônica sobre o território e,

em 1871, funda o Segundo Reich.‖ Fora mudanças econômicas e sociais,

diante da unificação, os governantes prussianos precisavam criar laços para

unir os diversos Estados, deste modo, lança mão de ―[...] uniformizar o

ensino e a cultura, de modo a suprimir as diferenças e especificidades

regionais‖, com vistas de passar do cosmopolitismo ao nacionalismo. ―Voz

dissonante no concerto de autocelebração nacional, Nietzsche tudo fará para

pôr em causa a euforia reinante, não poupando ataques à ascensão da

Alemanha como potência política [...]‖. Participando de uma tradição de

pensamento, que desde o século XVIII adere à separação entre Cultura e

Política, faz críticas a miséria cultural de seu tempo.26

2.3 Desambiguações: civilisation, kultur e bildung

A proposta aqui é diferenciar os conceitos que são recorrentes ao longo

dessa pesquisa: civilisation, kultur e bildung.

25 Ibidem, p. 12. 26 Ibidem, Op. cit. 2010, p. 37; 50.

41

Para Nietzsche ―Estado e cultura são pólos antagônicos e até

adversários: um vive às expensas do outro. Às épocas de grande fertilidade

cultural correspondem épocas de decadência política.‖27 Em fragmento

póstumo de 1888, Nietzsche afirma que:

[...] os ápices da cultura e da civilização estão separados entre si: não devemos nos deixar extraviar sobre o abissal antagonismo entre cultura e civilização. Moralmente falando, os grandes momentos da cultura sempre foram tempos de corrupção; e, novamente, as épocas da voluntária e coerciva dominação animal (―civilização‖) do homem foram tempos de intolerância para as naturezas mais espirituais e ousadas. A civilização quer algo diferente do que a cultura: talvez algo

inverso [...].28

Escrevendo ao amigo Rohde, Nietzsche lembra-se dos tempos do

colégio, da primeira sociedade literária que criara com Gersdorff e Deussen.

Rememora como refizera a tentativa de reconstituir a associação na

Universidade, com Rohde e Romundt.

Imagina criar uma espécie de confraria, um convento moderno, de que participariam todos os seus amigos. Trabalhariam juntos, servindo de professores uns aos outros, e se dedicariam a renovar a cultura da época. Seria uma instituição completamente desvinculada do Estado, uma universidade livre, uma escola para educadores. Esse projeto, porém, não encontra receptividade. Retomado em diversas ocasiões, nunca chegará a concretizar-se.29

Dedica toda uma seção em ―Crepúsculo dos Ídolos”30, em que nomeia

―O que os alemães estão na iminência de perder” §1, onde alerta sobre os

rumos da educação e universidade alemãs fazendo algumas perguntas

irônicas:

Percebe-se que não peço mais que justiça seja feita aos alemães: nisso não desejaria faltar a mim mesmo — é necessário, portanto, igualmente, que lhes faça minhas objeções. Custa muito chegar ao poder: o poder embrutece. Os alemães — eram chamados outrora um povo de pensadores: eu me pergunto de uma maneira geral se pensam ainda hoje em dia? Antes os alemães se entediam com o espírito, agora os alemães desconfiam do espírito. A política devora toda a seriedade que se poderia introduzir nas coisas

27 Marton, Op. cit. 1983, p. 13. 28 Nietzsche, KSA, 16 [10] da primavera/verão de 1888. 29 Marton, Op. cit.1983, p. 13. 30 Nietzsche, CI, §1.

42

verdadeiramente espirituais. — "A Alemanha acima de tudo", temo que isto tenha sido o fim da filosofia alemã... "Existem filósofos alemães? Existem poetas alemães? Existem bons livros alemães?" Tais são as questões que me colocam no exterior. Não posso senão rugir, mas com a bravura que me é própria, mesmo nos casos desesperados, respondo: "Sim, Bismarck!” Tinha eu portanto o direito de confessar que livros são lidos hoje?.. Maldito instinto da mediocridade!31

O filósofo externa de forma irônica sua aversão a ligação dos intentos

do Estado alemão com o projeto educativo de um sistema que arrogava ser

algo que viesse elevar a Alemanha para ser uma potência tanto política,

econômica e industrial, como no campo cultural. Assim, ele não via a

capacidade de existir filósofos na academia alemã diante da corrupção dos

poetas e da linguagem pobre dos livros que estavam sendo escritos.

Nietzsche estava num contexto de duas faces: ―a situação de miséria

cultural‖ e a ―crença amplamente difundida de que existe a verdadeira

cultura‖.32

Genericamente Cultura pode ser definida do seguinte modo:

Esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento. [...] No segundo, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização. A passagem do primeiro para o segundo significado ocorreu no século XVIII por obra da filosofia iluminista, o que nota bem este trecho em Kant: ―Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus fins gerais. Por isso, só a Cultura pode ser o fim último que a

natureza tem condições de apresentar ao gênero humano.33

Bárbaro é um sentido de ausência de cultura, de um ideal de formação

de homem em sentido amplo. Analisando o sentido de cultura a qual

Nietzsche se referia, Sampaio diz o sentido de Barbárie:

O moderno Estado alemão toma a ―cultura‖ como um instrumento de sua própria exaltação. [...] O grande exemplo de civilização é o imperium romano, enquanto a Grécia permanece sendo modelo de cultura. A cultura grega não objetiva a formação de uma individualidade perfeita, mas visava ao povo enquanto unidade concreta, isto é, enquanto

31 Nietzsche, GD/CI, §1, p. 48-49. 32 Ibidem, Nietzsche – a transvaloração dos valores. 1993, p. 18. 33 Abbagnano, Op. cit. 2000, p. 225. (Grifo do autor).

43

comunidade, em seu âmago, gesta o gênio e geram-se suas obras. Arte, caráter e civilidade formam um único ―organismo‖, um estilo ímpar e coerente. [...] Com o termo ―barbárie‖ ele [Nietzsche] aponta para a diferença entre sua atualidade e os Gregos: neles, arte e filosofia não estavam apartadas da vida partilhada34.

Na tese de Silva Júnior35 ao pesquisar ―Nietzsche e a cultura alemã”,

mostra que quando Nietzsche trata da Kultur ou Cultur é algo diferente que

está em causa: Kultur pode ter um sentido mais amplo, próximo a

Civilisation (civilização). No alemão esses dois termos estão em campos

opostos. O primeiro termo trata da vida intelectual e espiritual, o segundo se

restringiria ao domínio material. Segundo Silva Júnior, em Nietzsche, não há

essa oposição, porque ele anula a distinção entre teoria e prática, assim a

civilização torna-se assim um caso específico da ―cultura‖. ―Afirmação esta

que se afasta da posição que defende haver uma distinção entre cultura e

civilização entre os alemães‖. Civilização (Civilisation) destina um aspecto

cultural mais amplo (como da civilização grega) e cultura (Kultur ou Cultur)

destina um aspecto mais restrito (como quando nos referimos à cultura de

uma nação).

Outra diferença que nos apresenta Silva Júnior36 é entre os termos

Kultur e Bildung37: Kultur diz respeito a um agrupamento humano mais

amplo (uma nação, por exemplo), Bildung se limita à formação de um

indivíduo particular. Segundo ele, isso fica claro quando, depois de lamentar

que a Bildung alemã tenha sido confundida com uma cultura filistéia,

Nietzsche define a Kultur como sendo ―a unidade de estilo que se manifesta

em todas as atividades de uma nação‖. No idealismo alemão, ―o termo

cultura tem uma dupla acepção, que acaba por ampliar enormemente o seu

espectro‖. A Wissenschaft (os saberes científico-filosóficos) e, a Bildung (o

34 Sampaio, A Origem do Ocidente – A Antiguidade Grega no jovem Nietzsche. 2008, p. 62. 35 Silva Júnior, Em busca de um lugar ao Sol – Nietzsche e a cultura alemã. 2005. 36 Ibidem, 18-20, passim. 37 Bildung é um conceito que evolui, modernamente, a partir do quadro político-social da

Alemanha, desde os fins do século XVIII, estando enraizado numa realidade particular e

fazendo sentido apenas no contexto alemão. Daí a dificuldade em vertê-lo para uma outra

língua. Nele, expressa-se uma visão de mundo; tem, portanto, uma importância no nível ideológico, educacional, filosófico e estético. (Ibidem).

44

desenvolvimento individual do caráter de cada um), o que dá a medida da

estreita ligação entre o ensino e a investigação.

2.4 A visão nietzscheniana de universidade

O intuito aqui será o de apresentar um pouco da leitura que fazemos

daquilo que interpreto ser a visão de Universidade que Nietzsche concebia.

Nesse objetivo, é proposto fazer um ―entrelaçamento‖ do pensamento de

Nietzsche com os eventos do contexto histórico em que desenvolveu seu

trabalho: o que o levou a determinado posicionamento e contra o que se

insurgiu.

O autor de ―Crepúsculo dos Ídolos” ao analisar as universidades

alemãs indigna-se:

[...] que atmosfera respiram esses sábios, que espiritualidade vazia, satisfeita, entibiada! Aquele que objetasse com a ciência alemã, incorreria num profundo equívoco e demonstraria, ademais, não ter lido uma só linha minha. Há dezoito anos não me canso de proclamar a influência deprimente de nosso cientificismo atual sobre o espírito. A dura escravidão a que a extensão imensa da ciência condena hoje em dia cada indivíduo é uma das principais razões em virtude das quais as inteligências mais bem dotadas, mais ricas, mais profundas, não encontram já educadores nem educação que lhes convenham. Nada faz padecer tanto nossa cultura quanto a abundância de carregadores pretensiosos e fragmentos de humanidade. Nossas universidades são, para pesar próprio, verdadeiras estufas que pioram o espírito nos seus instintos. Toda Europa já principia a percebê-lo; a alta política não engana ninguém. A Alemanha vai sendo considerada o povo mais vulgar da Europa.38

Mais adiante, ainda na mesma obra, ao ver por outra perspectiva,

percebe que não só é evidente que a cultura alemã está em decadência,

como não faltam razões suficientes para isso. Para ele a cultura e o Estado

são termos antagônicos, Estado civilizado é apenas uma idéia moderna.

Todas as grandes épocas da cultura são épocas de decadência política, o que

foi grande no sentido da cultura não foi político, até mesmo foi antipolítico.

38 Nietzsche, CI, §1.

45

Da segunda metade do século XIX, decorrente dos movimentos

revolucionários, na Europa, cada vez mais se intensificam reivindicações

significativas da população que se coloca a exigir mais possibilidades de:

acesso, participação e usufruto da vida social, seja na ordem daquilo que diz

respeito às atividades produtivas (―direitos trabalhistas‖ e possibilidade de

empreendimento), seja nos chamados ―bens culturais‖, em que o acesso à

instrução desempenhava uma das reivindicações mais constantes. A

preocupação na Alemanha era com a instrução para a população, não sendo

esse um assunto novo estando presente desde os escritos de Lutero e no

empreendimento de reforma dos estabelecimentos de ensino feito por

Wilhelm von Humboldt. Algo que, depois da unificação dos Estados alemães:

[...] assumiu uma disposição peculiar na medida em que a partir de então, dada as especificidades da nova situação social, os princípios que sustentavam a proposta de Humboldt já não satisfaziam mais as exigências impostas pelas novas ―necessidades sociais‖, impostas pelos ―novos tempos‖. As duas tendências diretivas das escolas alemãs - nos termos de Nietzsche, ―da cultura alemã‖ - identificadas por Nietzsche dizem respeito a esta nova situação social. Quer dizer, a máxima extensão e a diminuição (retração) da cultura servem de identificadores dos processos sociais, pois representam tendências sociais no interior das instituições culturais.39

Nesse contexto, gostaria de destacar dois pensadores a que convém

citar para que não sejamos uma voz isolada nesse contexto da Alemanha do

século XIX, Adam Smith e Karl Marx.

Na obra ―Riqueza das Nações‖, o escocês Adam Smith (1723-1790), o

pai da economia moderna, no capítulo ―Da despesa das instituições para

educação da juventude‖, um clássico da economia política, discute, entre

outras coisas ―[...] que funções deveriam cumprir e qual era a melhor forma

de garanti-los, se com subsídio integral ou apenas parcial do Estado. Os

objetivos da utilidade, da eficiência e da eficácia do empreendimento

educativo‖40. Também como Hobbes (1588-1679) o fez em O Leviatã.

39 Weber, Arte, ciência e cultura nos primeiros escritos de Nietzsche. 2003, p. 100-101. 40 Apud Sguissardi, Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p.

165.

46

O texto de Adam Smith enfatiza a competitividade entre os homens e

organizações e instituições de toda a natureza, inclusive as educacionais,

como princípio fundamental para o progresso; desqualifica a escola pública,

especialmente quando esta é subsidiada integralmente pelo Estado, pois isso

não só corrompeu a diligência dos professores da educação pública, como

tornaram impossível a existência de bons professores da educação

particular. Mas, além disso, de modo ambíguo, diz que se não houvessem

instituições públicas destinadas a educação, a educação seria somente

utilitarista, alertando para que o Poder Público se atente para impedir a total

corrupção e degeneração da maioria das pessoas, em especial do trabalhador

braçal, que pouco exercita suas capacidades intelectuais. Adam Smith

coloca a idéia de que o ensino seria pago, mesmo que a baixo custo, pela

família (para ser valorizado), e o mestre (―mercenário‖ e propenso a

vadiagem?) seria pago apenas em parte pelo Estado, ―porque se fosse

totalmente ou na sua grande parte pago por ele, depressa aprenderia a

negligenciar sua actividade‖41.

O economista e filósofo alemão, Karl Marx (1818-1883), na Crítica do

Programa de Gotha: observações à margem do Programa do Partido

Alemão42, [documento baseado numa carta de Karl Marx, escrita no início de

1875, destinada ao grupo da social-democracia alemã em Eisenach, de quem

Marx e Engels eram próximos], oferece um pronunciamento detalhado sobre

41 Smith, 1983, p. 421 apud Sguissardi, Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p. 166. 42 Foi elaborado para ser apresentado no Congresso de 22 a 27 de Maio de 1875 em Gotha,

quando então se reuniram as duas organizações operárias alemãs ao tempo existentes: o

Partido Operário Social Democrata e a União Geral dos Operários Alemães, para formar uma

organização única, o Partido Socialista Operário da Alemanha. O Programa foi objeto de

uma crítica rigorosa por parte de Marx em 1785. Esta é sem dúvida em vigorosa tomada de

posição perante os recuos a princípios liberais do Programa. Em estilo contundente que lhe é característica, Marx formulou nele e conforme Lênin ―todas as teses sobre as questões

fundamentais da teoria do comunismo científico‖, nele encontramos contribuições para a

teoria sobre o Estado segundo o materialismo histórico–dialético. Engels publicou o texto da Crítica do Programa de Gohta em 1891, 15 anos depois de ter sido redigido e 7 anos após a

morte de Marx. No prefácio ao Programa Engels dá conta das mudanças operadas

historicamente para justificar ―quando não estavam em causa razões de fundo‖ a supressão de ―algumas expressões‖ e a sua substituição por ―reticências‖. A Crítica do Programa de

Gotha e o seu Prefácio não voltaram a ser editados na vida de Engels. Só em 1932, na

URSS, seria editado o texto integral. (Fonte: Glossário do Grupo de Estudos e Pesquisas

"História, Sociedade e Educação no Brasil"

Faculdade de Educação – UNICAMP.) Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br.

47

assuntos revolucionários, na questão de programação e estratégia. No

documento discute a ditadura do proletariado — o período de transição do

capitalismo para o comunismo —, o internacionalismo proletário, e o partido

da classe operária. Em se tratando da educação, em vez de discutir se a

educação é um bem público ou privado, diante do tipo de sociedade e de

Estado (prussiano-alemão) com que se defronta, expõe sua descrença em

que ―a educação pode ser igual para todas as classes‖, como propunha esse

programa partidário. Assim Marx nos fala:

Uma ―educação popular a cargo do Estado‖ é completamente inadmissível [...]. Longe disso, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo ou da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com baixo subterfúgio de que se fala de um ―Estado futuro‖; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado que necessita de receber a educação do povo muito severa.43

Karl Marx via no ensino superior ―gratuito‖ em alguns estados norte-

americanos, à época, uma forma de privilégio das ―classes superiores‖44.

No contexto alemão, Silva Júnior45 menciona um fato relevante sobre a

Universidade de Berlim, que: levando em conta o diálogo com Goethe,

Wilhelm von Humboldt fundou a Universidade de Berlim em 1810, tendo por

base os princípios humanistas e um tipo de ensino não separado da

pesquisa, que fosse além da simples profissionalização – próprio da

Universidade de Halle - e ―tivesse como centro a formação integral de

homens autônomos‖. Sobre esse tipo de ensino, há dois destaques a serem

feitos:

1º Não se tratava para ele da formação de um homem universal ou do

cultivo da instrução geral, mas de incentivar o cultivo do espírito e o

aguçamento dos sentidos; a instrução teria uma importância relativa.

2º Longe estava dos intentos do Iluminismo, pois não buscava educar,

fazer conhecer, esclarecer, mas simplesmente permitir um livre

43Marx, s/d., p. 223 apud Sguissard,Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p.166 – grifo do autor. 44Ibidem. p. 166). 45 Silva Júnior, Op. cit. 2005.

48

desenvolvimento espiritual longe dos constrangimentos e interditos da

cultura/civilização.

E é da maneira humboldtiana que Nietzsche compreende a

Universidade. Ainda na observação de Silva Júnior, no decorrer do século

XIX esse modelo de Universidade entra numa decadência, ―pois as

exigências do Estado para a formação de quadros técnicos só faziam

aumentar – lembremos, dos novos tempos de desenvolvimento econômico‖. A

decadência da Universidade é o reflexo da decadência alemã. Compreende

Silva Júnior 46 que ―por essa razão, Nietzsche irá se voltar, com máxima

virulência, contra a subordinação do ensino/instrução aos ditames dos

governos‖. Na concepção de Ensino e Pesquisa, Nietzsche desfere muitos

ataques hostis a Kant por ter esse permanecido na Universidade e se

submetido ao Estado. Kant não aproxima a investigação do ensino (como

Humboldt) relegando parte do saber às academias e sociedades científicas

que teriam vida autônoma, longe do ambiente universitário. Das

―Considerações extemporâneas‖ escutemos Nietzsche a respeito:

Kant permaneceu atrelado à Universidade, se submeteu aos governantes, salvou as aparências de uma fé religiosa, suportou viver entre colegas e estudantes: é portanto natural que seu exemplo tenha produzido sobretudo professores de filosofia e uma filosofia de professores47

Silva Júnior 48 nos mostra a diferenciação do ambiente acadêmico e do

não-acadêmico: ―entre colocar um saber subordinado ao Estado e à

sociedade ou se mostrar independente de qualquer instância coercitiva, tem

as mais inauditas implicações‖. Nietzsche ironiza aos que em nome da

―verdade‖, da ―ciência pura‖ (Kant), acabam por assegurar ao Estado a

máxima tranqüilidade em seus negócios. Nesse sentido, apresenta Wagner e

Schopenhauer como modelos, um para arte e outro para filosofia, naturezas

exemplares, sujeitos que ―não temeram expressar o seu interior – o mais

íntimo e verdadeiro de seu ser - mesmo em condições exteriores adversas‖.

Um texto de Schiller conhecido de Nietzsche, ―O que é e por que se estuda a

46 Ibidem. 47 Nietzsche, Co.Ext III, SE, § 3. 48 Silva Júnior, Op. Cit., passim.

49

História universal?‖ nos mostra da oposição de duas figuras: o Brotgelehrte

(intelectual ou especialista que se coloca a serviço do Estado ou do mercado)

e o espírito filosófico. Explica Silva Júnior que a primeira figura ―faria de seu

saber um conhecimento separado do todo‖, a segunda figura, o espírito

filosófico, ―manteria seu saber em conexão com o todo‖. Assim: O

Brotgelehrte se coloca a serviço do Estado ou do mercado e a eles atende

―sem sentir qualquer traição ao seu próprio espírito, pode ainda ter como

mera preocupação seu salário mensal‖. Já o espírito filosófico, ―não tem

como se submeter a exigências exteriores sem que haja um vínculo com a

sua interioridade, ou seja, jamais se submeteria ao Estado ou ao mercado‖.

Nietzsche elege Schopenhauer como um desses casos exemplares do espírito

filosófico em que a vida intelectual caminharia junto da real. Lembra

Nietzsche de sua independência em relação ao Estado e à sociedade e a sua

despreocupação com as ―castas acadêmicas‖ e ―Kant seria o anti-exemplo‖.

50

III CONFERÊNCIAS “SOBRE O FUTURO DE NOSSOS

ESTABELECIMENTOS DE ENSINO”

51

3.1 “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino”

Tu és um homem de cultura degenerado! Nasceste para cultura, mas foste educado pela incultura! Tu és um bárbaro impotente, escravo do dia, atado pela corrente do momento e faminto – eternamente faminto! (Nietzsche, Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, IV Conferência).

Neste capítulo o enfoque dado é sobre as Conferências que Nietzsche

pronunciou entre janeiro e março de 1872, no Akademisches Kunstmuseum

da Basiléia. Dessa série de conferências que pretendia proferir, nomeadas

―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino‖, apenas cinco foram

feitas, sendo que nenhuma delas fora publicada em vida pelo autor como

texto impresso para circulação.49

Sobre as datas em que foram proferidas:

- Primeira conferência: 16 de janeiro de 1872;

- Segunda conferência: 06 de fevereiro de 1872;

- Terceira conferência: 27 de fevereiro de 1872;

- Quarta conferência: 5 de março de 1872;

- Quinta conferência: 23 de março de1872.

Scarlett Marton lembra-nos que mais duas Conferências ainda seriam

realizadas; contudo, dores de garganta impediram o jovem professor de

proferi-las. Wagner, seu ainda amigo, insiste para que o filósofo as conclua e

as publique mas ele não se deixa convencer.

49 Noéli Correia de Melo Sobrinho traduz do francês para o português, a partir da edição Oeuvres philosphiques completes estabelecida por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. No

entanto, o tradutor vale-se também de uma versão em espanhol, disponível no site

Nietzsche em Castellano (2009), e também da versão de fragmentos publicada na Coleção

Os pensadores como Nietzsche: Obras Incompletas. Aqui destaco que supracitada tradução de Noéli (2003) titulada Escritos sobre Educação: Friedrich Nietzsche não fora organizada

por Nietzsche, mas é uma escolha que o tradutor faz por organizar os ditos e escritos mais

específicos deste filósofo sobre o tema da educação, sendo eles: As conferências Sobre o

futuro de nossos estabelecimentos de ensino somado a III Consideração Intempestiva:

Schopenhauer Educador e alguns fragmentos póstumos.

52

Elizabeth Föster-Nietzsche empenhou-se na difusão do nome de seu

irmão na imprensa, entre 1893 e 1900. Elaborou uma nova edição de seus

escritos, supervisionou, insistiu em lançar publicações baratas. Fato curioso

é que chegou a leiloar os manuscritos das Conferências, vendendo-os para

um jornal popular em dezembro de 1893.50

Ao escrever conforme relata no segundo prefácio de suas Conferências,

Nietzsche alerta que não escreve para as massas, pois escolhe seus leitores,

ou melhor, seus leitores hão de possuir qualidades para escolhê-lo e

compreendê-lo. Conforme já mencionado nas considerações iniciais desse

trabalho, o leitor esperado por Nietzsche, como anuncia previamente em suas

conferências, há de ter três qualidades: sem pressa, e sem remorso que

possa ―escolher e buscar as boas horas do dia e os momentos fecundos e

poderosos para meditar sobre o futuro de nossa cultura‖; não privilegiar a si

e à sua “cultura”, como critério seguro de todas as coisas; bem como, não

esperar por encerrar um quadro de resultados, pois ele não promete quadros

e novos horários para os estabelecimentos de ensino. O que quer Nietzsche é

um homem que não desaprendeu a pensar lendo, que lê nas entrelinhas e

medita sobre o lido, talvez, depois de ter fechado o livro. E, com seu livro na

mão, ele busca por pessoas que sejam impulsionadas de todos os lados por

sentimento análogos: homens isolados, ―seres dotados pela contemplação,

cujo olho não desliza num exame prematuro na superfície das coisas, mas

sabe encontrar o caminho até o núcleo do seu ser‖.

Sobre a Tese de Nietzsche quanto à Educação de sua época,

encontramos dois prefácios bastante elucidativos frente àquilo que

discorreria em suas conferências. No primeiro prefácio fala acerca do título

de tais conferências, salientando que o dever de qualquer título é de ―ser tão

preciso, claro e persuasivo quanto possível‖; aproveita e pede desculpas aos

ouvintes que não será ele a fazer as aplicações daquilo que falará, pois não

queria carregar a responsabilidade dos usos que poderiam ser feitos dos

seus propósitos. Quanto ao título seu soar como profético disse ele:

50 Marton, Op. cit. 2010, p. 42.

53

Querer ser profeta é sem dúvida a maior das presunções, de modo que parece ridículo declarar que não se quer sê-lo. Ninguém teria o direito de falar com o tom de oráculo sobre o futuro de nossa cultura e sobre a questão que está ligada a ela, o futuro dos nossos meios e dos nossos métodos educacionais, se não pudesse provar que esta cultura vindoura é já, numa certa medida, um presente e que, numa medida maior ainda, ela deve se expandir para exercer uma influência necessária sobre a escola e as instituições educacionais. Que se permita adivinhar o futuro, como um arúspice romano [sacerdote romano da Antiguidade que fazia prognósticos e presságios, consultando as entranhas das vítimas].51

O filósofo não se arroga profeta, ao passo que não nega que seu

discurso é de constatação, falando sobre o ―futuro‖ daquilo que de certa

medida já se fazia presente. Assim, ele anuncia suas considerações

contundentes acerca da educação alemã do século XIX, e porque não, de

certo do modo, de um tipo de tendência na educação que com seus efeitos se

desdobraria nos séculos vindouros.

De modo bem simples, porém não simplório, bem resumido, mas não

superficial, o filósofo aponta sua tese quanto à educação que poderíamos

tomar, sem dúvida alguma, como síntese de tais conferências:

Duas correntes aparentemente opostas, ambas nefastas nos seus efeitos e finalmente unidas nos seus resultados, dominam hoje os nossos estabelecimentos de ensino, originariamente fundados em bases totalmente diferentes: por um lado, a tendência de estender tanto quanto possível a cultura, por outro lado, a tendência de reduzi-la e enfraquecê-la.52

Desse modo, fundados em bases diferentes, na perspectiva da

primeira tendência a cultura é levada ao número maior possível de pessoas,

estendendo uma cultura medíocre; na segunda, levada pelo ideal da ciência,

seria reduzida em fatias, em recortes, portanto, aniquilada e enfraquecida.

Nesse exame, o filósofo faz suas réplicas à ―tendência da extensão” oferece o

―estreitamento e à concentração da cultura‖ e à ―tendência da redução”

aponta ―o fortalecimento e à soberania da cultura”. Algo sobre o qual não

vamos encontrar explicações detalhadas no decorrer de sua obra. Mas que

51 Nietzsche, EE, primeiro prefácio, 1872. In: Escritos sobre Educação, 2003. (Grifo meu) 52Ibidem.

54

sem dúvida aponta uma perspectiva de educação aristocrática e de certo

modo aparentemente elitista.

Nesse exame ele compreende que em tal propositura, a ―crença na

possibilidade de uma vitória é justificada‖, pois essas duas tendências ―são

tão contrárias aos desígnios constantes da natureza quanto a concentração

da cultura num pequeno número é uma lei necessária da natureza, [...]

embora as duas outras tendências só possam chegar a fundar uma cultura

mentirosa‖. Assim, ele diz que entre uma coisa e outra, ele prefere a

perspectiva seletiva da educação para poucos, ao invés da que se quer

oferecer para muitos sob as vestes enganosas de uma falsa qualidade para

todos.

O interessante é que Nietzsche aponta a necessidade de guias para a

cultura:

Vejo certamente vir um tempo em que os homens sérios, a serviço de uma cultura inteiramente renovada e purificada e num trabalho comum, se tornarão os legisladores da educação rotineira – da educação que leva a esta cultura; é verdade que então eles produzirão quadros [guias para a nação].53

Entre o futuro que anunciava e o presente que vivenciava, dizia que

talvez se fosse assistir à destruição do ginásio e da universidade, ou pelo

menos uma transformação tão profunda, que aos olhos daqueles do porvir,

os quadros antigos parecerão ―restos de uma civilização lacustre54.‖

Antes de irmos adiante com as falas das Conferências de Nietzsche, é

importante diferenciarmos suas críticas aos estabelecimentos de ensino,

onde temos duas faces de uma mesma moeda, uma no que diz respeito ao

Gymnasium55 e outra a Universidade:

A mesma moeda: com Dias56 em ―Nietzsche Educador‖, confirmamos

que para Nietzsche nem o Gymnasium ou a Universidade podem ser

53 Ibidem, EE, segundo prefácio, 1872. (Grifo meu) 54 Que vive nas águas ou à margem de um lago: planta lacustre.

Habitação lacustre, a construída sobre esteios ou colunas, nos tempos pré-históricos, acima

da superfície dos lagos ou lagunas. 55 O Gymnasium equivale aos antigos ginásio e colegial, hoje 5ª a 8ª série do ensino

fundamental e ensino médio (antigo 2º grau) do currículo brasileiro (Dias, 2003, p. 17). 56 Dias, 2003, p.17

55

considerados instituições que promovam cultura, porque ―não formam

indivíduos aptos a exercer plenamente todas as potencialidades de seu

espírito, nem capazes de combater a barbárie na cultura.‖

Das duas faces dessa mesma moeda: sobre Gymnasium, toda a crítica

de Nietzsche está em torno da língua alemã, sobre a profanação da língua e

a cultura jornalística. Quanto a Universidade, ataca o ―método acroamático”

caracterizado essencialmente pela exposição oral professor e a participação

pouco expressiva do aluno. Diz da importância da filosofia e da arte como

disciplinas indispensáveis para combater a tendência cientificista que se

acentuava cada vez mais.

Essas idéias discorridas acima são alguns dos recortes que elegemos

para dar uma visão daquilo que Nietzsche pensava como haveria de ser a

Universidade, algo que também podemos ver em suas Conferências

pronunciadas na Basiléia, que serão expostas no próximo segmento.

3.2 Uma história em cinco conferências

Rememorar e utilizar uma história para ilustrar seu pronunciamento

contando de um inusitado encontro, real ou fictício, é o artifício discursivo

utilizado por Nietzsche para a série de suas Conferências na Basiléia. Neste

texto, o proposto será fazer alguns destaques pertinentes sobre o que

pensava da educação de sua época e porque não naquilo que ela se tornaria.

Assim discutiremos fragmentos, porém, não de forma fragmentária.

A partir desse ponto, aproveitando a ocasião que as conferências

públicas lhe proporcionavam, Nietzsche inicia o relato que testemunhou de

uma conversa – na ocasião em que se estava reunido com a sociedade de

colegas57 – que um filósofo e seu discípulo tiveram sobre este assunto. De

57 ―Germânia‖ espécie de confraria, fundada por Nietzsche e seus amigos de escola em 1860

às margens do Reno, com objetivo de discutir arte, música e literatura. O compromisso de

cada membro era enviar uma vez por mês uma produção própria: poema, tratado, projeto de

arquitetura ou de obra musical. Todos em vigilância mútua ficavam responsáveis tanto por

estimular ou refrear as inclinações para a cultura, bem como por julgar com sinceridade

56

modo que, na ousadia da conversa pareceu-lhe útil descrever semelhante

diálogo para animar os ouvintes a emitirem um juízo sobre os pontos de

vista e declarações. De forma livre, vale-se da prosa, algo que poderia

prejudicar a exposição daquilo que pretende. Mas, pela falta de uma

sistematicidade gera uma riqueza pela produção de intensidades.

Contando desse encontro imprevisto dele e seus amigos58, o jovem

Nietzsche e seus amigos reuniram-se nesse local e encontraram um velho

filósofo [talvez a figuração de Schopenhauer] e seu discípulo acompanhados

de um cachorro, estando esses à espera de um amigo. Esses de imediato se

retiram incomodados com o lazer (disparos de pistolas) de Nietzsche e seus

colegas. Passado algum tempo, Nietzsche e um de seus amigos escutam

certa conversa distante e vão espiar o diálogo acalorado entre o filósofo e seu

discípulo, ficando bastante interessados na fundamentação de tal diálogo.

Depois de muito ouvir, revelam-se ao filósofo, de onde travam uma

conversa acerca do que até então havia sido falado – O futuro de nossos

estabelecimentos de ensino.

Essa história de Nietzsche e seus amigos com o velho filósofo e seu

discípulo será o diálogo ilustrativo do pronunciamento das cinco

conferências da Basiléia.

Da Primeira Conferência59

Ao falar ao público Nietzsche diz: ―O assunto sobre o qual vocês têm a

intenção de refletir comigo é tão sério, tão importante e, num certo sentido,

tão perturbador‖: o futuro de nossos estabelecimentos de ensino. No entanto,

absoluta e crítica amigável. Nietzsche era o conselheiro musical. Tinham por diversão

praticar tiro de pistola. As reuniões deveriam acontecer amiúde a cada ano, na mesma data,

no fim do verão em um sítio perto de Rolandseck. Da confraria constituída, Nietzsche diz ter

sido organizada de modo que nela nunca tenha sido pensado em algum intento do tipo

formar alguém para alguma ―profissão‖, intento de exploração esse, quase uma sistemática

do Estado o qual o mais cedo possível busca atrair para si funcionários utilizáveis e se assegurar através de exames rigorosos. E nesta confraria, sem imaginar um objetivo,

tinham orgulho de ser espíritos não utilizáveis, pois não queriam ser úteis para nada nesse

sentido. 58 Contexto do encontro: Para celebrar uma festa comemorativa, Nietzsche reuniu-se com

seus colegas de Bonn, com intenção de recordar a instituição que fundaram outrora – a Germânia. 59 Ibidem, EE, 1872. In: Melo Sobrinho, 2003, p. 48-65. (Grifo meu)

57

se alguém lhe prometesse ensinar algo desta pretensão, reflete: ―Seria, no

entanto, sempre possível que ele [Nietzsche] tivesse querido dizer algo de

justo sobre esta perturbadora questão‖, pois ―é possível que algum dos

mestres que tiveram tenham sido grandes personagens, com capacidade de

predizer o futuro, à maneira dos arúspices romanos, examinando as

entranhas do presente‖.

Sobre os leitores a que se fará compreender quando contar o diálogo

ao qual se refere, Nietzsche diz: ―ouvintes que advinham imediatamente

somente o que pode ser indicado‖ e ―completem o que foi preciso calar‖,

assim como, ―somente precisem que lhes lembre o que já sabem, e que não

lhes seja ensinado uma coisa nova‖. Em síntese, ele fala e se faz

compreender apenas por seus pares, os capazes de ir além do texto. Ou seja,

aos poucos da confraria.

Nessa conferência vem falar do infortúnio de se democratizarem os

direitos do gênio, sobre a cultura estendida que abandona os seus objetivos

mais elevados, mais nobres, mais sublimes, e que se põe a serviço do

Estado, por exemplo. Nesse sentido, nos mostra as conseqüências da

tentativa do Estado de tentar oferecer educação de modo a alcançar o

máximo de pessoas possíveis, utilizando um dispêndio de energia muito

grande distribuído entre os vários indivíduos que se quer atingir, sem que

com isso cumpra com seus objetivos.

Uma questão social: ―a massa poderia ter a impressão de que a cultura

estendida à maioria dos homens não era senão um meio para uma minoria

obter a felicidade na terra‖, pois a universalização desmedida da cultura a

enfraquece, não garante qualquer privilégio ou respeito – uma barbárie. (O

Filósofo)60. A vulgarização faz a inferiorização e mediocrização daquilo que

haveria de ser superior.

Da Segunda Conferência61

60 Ibidem, p.62. 61 Ibidem, p.66-84.

58

Para esta conferencia, Nietzsche retoma o diálogo que às escondidas

ouvia entre um velho filósofo e seu discípulo: o filósofo concorda com as

idéias de seu discípulo, exceto quanto a seu desânimo, ao passo que

também critica a literatura pedagógica de sua época, um tema de suprema

pobreza de espírito e com esta verdadeira brincadeira de roda infantil.

No diálogo citado na Conferência, o discípulo desafia o velho filósofo:

―Assim, mestre, ensine-me algo a propósito do ginásio: que tipo de

decadência, que tipo de renascimento do ginásio podemos ainda esperar?‖.

Para o filósofo ―todas as outras instituições devem medir-se pelo

objetivo cultural que é visado pelo ginásio, pois elas sofrem com os desvios

de sua tendência, e assim serão também purificadas e renovadas com a

respectiva ―purificação e renovação‖ cultural.

O ginásio analisado pelo filósofo, à época, é um falso estabelecimento

de ensino, forma não para a cultura, mas para erudição, algo que transpõe-

se da erudição unicamente para o jornalismo.

No ginásio, todos são considerados, sem um exame mais rigoroso, como seres capazes de fazer literatura, com direito de ter opiniões pessoais sobre os fatos e personagens mais sérios, embora uma educação correta devesse justamente aspirar, com todos seus esforços, a reprimir as ridículas pretensões de autonomia de julgamento e apenas habituar o jovem a uma estrita obediência sob a autoridade do gênio.62

Traços literários do jornalismo e da produção acadêmica: tendência de

produzir de modo apressado e vão, mania desprezível de escrevinhar livros,

total ausência de estilo, um modo de se expressar não refinado e sem

caráter, ou tristemente grandiloqüente, a perda de todo cânone estético, a

voluptuosidade da anarquia e do caos.

O deixa-fazer universal do que se chama livre personalidade só pode

ser o sinal distintivo da barbárie.

Os três pretensos objetivos do ginásio são: 1) cultura clássica,

extraordinariamente difícil e rara e demanda dons complexos, inacessíveis

ao ginásio; 2) cultura formal e 3) cultura que forma a ciência.

62 Ibidem, p.73.

59

In summa: ao ginásio falta o primeiro objeto de estudo, o mais simples, com o qual começa uma verdadeira cultura, a língua materna: e por isso lhe falta o solo natural e fecundo necessário a todos os esforços posteriores no sentido da cultura. Pois é somente sobre o fundo de uma aprendizagem, de um bom uso da língua, estrito, artístico, cuidadoso, que se afirma o verdadeiro sentido da grandeza dos nossos clássicos, que até agora não se aprendeu a cultivar no ginásio, senão graças ao amadorismo estetizante e suspeito de alguns mestres isolados, ou pelo efeito de um único conteúdo de algumas tragédias e de alguns romances: mas é preciso saber, por experiência própria, como a língua é difícil; é preciso, ao preço de longas pesquisas e de longas lutas, alcançar a via por onde marcharam os nossos grandes poetas, para perceber com que leveza e beleza eles marcharam e com que inaptidão e grandiloqüência os outros o seguiram.63

Sobre a questão da língua materna e seu bom uso, o filósofo chama

atenção para leitura dos mestres da escrita, para que se possa refazer a

caminhada de seus esforços, na contramão dos leitores de orelhas de livros,

leitores de figuras, conhecedores de resumos e resenhas.

Sobre a qualidade do estilo Nietzsche nos diz:

Nossos escritores que se dizem ―elegantes‖, como seu estilo o prova, jamais aprenderam a marchar: e nos ginásios não se aprende, como nossos escritores o demonstraram, a marchar. Mas a cultura começa por um caminhar correto da língua: o qual, quando começou bem, faz nascer logo, aos olhos destes escritores ‗elegantes‘, um sentimento físico que se chama ―aversão‖.64

É a disciplina o caminho para formar bons escritores.

Cultura superior autêntica é ligada a obediência e hábito, ―porque não

se atinge um objetivo qualquer senão excitando e fecundando os instintos

científicos, por isso explica-se agora a união tão freqüente da erudição com a

barbárie do gosto e da ciência com o jornalismo.‖

Toda cultura clássica, como se diz, só tem um expediente sadio e natural, o hábito de usar com seriedade e rigor artísticos a sua língua materna: mas para isto, é raro que alguém seja conduzido do interior, com suas próprias forças, para o segredo da forma, pelo atalho conveniente; na maioria dos casos, todos têm necessidade destes grandes guias e mestres e devem entregar-se à sua proteção.65

63 Ibidem, p.76. 64 Ibidem, p.77. Grifo do autor. 65 Ibidem, p.78.

60

Novamente, aqui notamos o destaque em que se dá a importância e

necessidade de guias e mestres para conduzir. Neste caso, ―conduzir‖ diz

respeito a servir de referência, que se mostra ao desenvolvimento da aptidão

de cada um.

Da Terceira Conferência66

Na prosa da história que Nietzsche utiliza nas Conferências, questiona,

se falarmos aos professores de uma mudança necessária na educação,

drástica e proeminente, qual seria a reação desse grupo se nessa proposta

exclui-se a maioria deles por exigir capacidades que ultrapassam suas

capacidades medíocres.

Vejo que o discurso de uma mudança radical cai por terra. É como se

admitíssemos algo, mas negamos algo. Ou seja, admitimos que a educação é

ruim, etc. Mas, resolver isso, não é simples, pois todos os professores são

capazes de admitir problemas de toda ordem para justificar que a educação

esteja ruim de fato. Mas, para que haja mudanças significativas é necessário

radicalizar, logo, isso todos eles hão de concordar, desde que não se exija

algo além de suas capacidades medíocres.

Existe um número excessivo de estabelecimentos de ensino superior,

que por sua vez utiliza de um número muito maior de professores,

professores em números além daquilo que uma nação bem dotada poderia

fornecer para formar uma cultura superior; ―ocorre então, nestes

estabelecimentos de ensino um excesso de pessoas que não tem vocação‖

que determinam o espírito destes estabelecimentos. Não que o termo

―vocação” remeta a uma missão espiritual que o professor tem que cumprir,

mas vocação refere-se aquilo que haveria de se exigir o exercício da profissão

docente. Onde se tem um sistema educacional demasiado grande, existe a

tendência de serem maiores as ocorrências de pessoas não dadas ao que se

exige a profissão docente.

Para alcançar realmente a cultura, é preciso que concordemos: a

natureza destinou um número restrito de homens e para o desenvolvimento

66 Ibidem, p.81-101.

61

destes um número mais restrito de estabelecimentos de ensino superior. E

aqueles que se sentem menos favorecidos nos estabelecimentos concebidos

para as grandes massas, são os únicos beneficiados por algo deste modelo.

Ainda dentro da história que Nietzsche compartilha em suas

Conferências, pergunta o discípulo ao velho mestre filósofo para onde vão

fugir todos estes pobres mestres tão numerosos, a quem a natureza não

concedeu dons para uma verdadeira cultura e que chegaram a se colocar

como mestres da cultura, só porque o excessivo número de escolas exige um

excessivo número de professores? Para onde vão fugir, se a Antiguidade os

rechaça? Não seriam eles enfim levados a se esconder como faz o avestruz,

com a cabeça escondida num monte de areia, surdos e fechados à voz da

cultura elegante da época?

A tendência de educação prussiana era bastante discutida e imitada

por outros Estados. Na Prússia, o mais poderoso dos Estados modernos,

para atingir o objetivo de atrair o maior número possível de alunos a uma

educação pelo ginásio, empregou certos privilégios que se referem ao serviço

militar – uma relação entre o ginásio e os postos mais elevados da classe dos

funcionários, sendo o ginásio considerado como portador de um certo grau

de honra. O Estado aparece como mistagogo67 da cultura.

Os Gregos tinham pelo Estado um sentimento de admiração e

reconhecimento, pois sem esta instituição de assistência e proteção, não se

poderia desenvolver a cultura. Entretanto, não era para aquela cultura um

guarda de fronteiras, nem seu superintendente, mas um companheiro de

viagem. Diferente do Estado moderno, que pretende um reconhecimento

exaltado.

Porque o Estado tem necessidade deste número excessivo de estabelecimentos de cultura? Por que esta formação do povo e esta educação popular tão amplamente difundidas? [...] porque se teme a natureza aristocrática68 da verdadeira cultura, porque se quer incentivar os grandes indivíduos a buscar um exílio voluntário, propagando e alimentando no grande número uma pretensão à cultura, porque se busca escapar da elevação

67 Do grego mystagogós. Entre os antigos gregos, sacerdote que iniciava os principiantes nos

mistérios. 68 Grupo de indivíduos que se distinguem pelo saber e merecimento real; casta, nata.

62

dura e rigorosa pelos grandes mestres, persuadindo a massa de que ela própria encontrará o caminho guiado pela estrela do Estado.69

Esse modelo de Estado tentacular visa atingir com seus efeitos o

máximo de pessoas possíveis através de suas instituições de cultura que

contribuem nesse processo. Na pretensão de oferecer uma educação de

qualidade a todos, deixa de oferecê-la aos grandes indivíduos, fazendo com

que nem as massas se elevem e, nem as potencialidades cresçam e se

tornem uma exceção.

Da Quarta Conferência70

Na fala inicial desta conferência, ele coloca em pauta duas questões

opostas: a cultura duvidosa versus a cultura aristocrática:

De fato, fica bem claro que não temos absolutamente estabelecimentos de ensino, mas que devemos tê-los. Nossos ginásios, predestinados por sua natureza a realizar este sublime desígnio, ou se transformaram em lugares onde se cultiva uma cultura duvidosa, que rechaça com ódio profundo a verdadeira cultura, ou seja, a cultura aristocrática, que se funda numa sábia seleção dos espíritos, ou antes, cultivam afincadamente uma erudição microscópica e estéril, em todo caso distante da cultura e cujo mérito se deva talvez justamente a que esta fecha os olhos e os ouvidos às seduções desta cultura contestável.71

O Estado atinge seus próprios fins por intermédio dessa cultura. O

filósofo fala da cultura autêntica que:

[...] sabe escapar sabiamente daquele que quisesse apoderar-

se dela como de um meio para realizar seus desígnios egoístas; e quando alguém imagina tê-la capturado, para tirar dela algum proveito e apaziguar com sua utilização a miséria de sua vida, então, ela desaparece subitamente com passos inaudíveis e com uma expressão de escárnio. ―Portanto, meus amigos, não confundam esta cultura, esta deusa etérea, delicada e de pés ligeiros, com esta útil escrava que se costuma chamar às vezes também de ‗cultura‘, mas que é somente a criada e a conselheira intelectual das carências da vida, do ganho, da miséria. Além disso, toda educação que deixa vislumbrar no fim de uma trajetória um posto de funcionário ou um ganho material não é uma educação para cultura tal como compreendemos, mas simplesmente uma

69 Ibidem, p.100. (Grifo meu) 70 Ibidem, p.102-119. 71 Ibidem, p.102.

63

indicação do caminho que podem percorrer para o indivíduo se salvar e se proteger na luta pela existência.72

Alerta que um tipo de educação que tem por objetivo apenas um cargo

profissional e ganho material não é cultura. Os tipos de estabelecimentos de

cultura se propõem a superar as necessidades da vida e, portanto, podem

prometer formar funcionários, comerciantes, oficiais, atacadistas,

agrônomos, médicos ou técnicos.

Não vão com isso crer, meus amigos, que eu quero mitigar elogios às nossas escolas técnicas e às nossas escolas primárias importantes: eu honro os lugares onde se aprende a calcular adequadamente, onde se domina a língua, onde se leva a sério a geografia, onde se é instruído pelos conhecimentos admiráveis que nos dão as ciências naturais. Estou também inclinado a concordar de bom grado com o fato de que os estudantes que se instruem nas melhores escolas técnicas da nossa época estão perfeitamente autorizados a ter os mesmo direitos que se tem o costume de atribuir aos alunos dos ginásios no final de seus estudos.73

Oposição entre os estabelecimentos para a cultura e os

estabelecimentos para as necessidades materiais da vida não é o que faz

Nietzsche, mas o filósofo inclusive elogia as escolas técnicas, que para ele

cumpriam com seus objetivos de formar para as necessidades da vida, e

deveriam ser dignas de respeito e por isso devem ter os mesmos direitos.

O ginásio e a universidade alemã com seus supostos objetivos de uma

instituição de cultura ficam a desejar.

[...] cultura que é, antes de mais nada, como já disse, obediência e uma habituação a disciplina que caracteriza o gênio. Mas a respeito deste ensinamento, a respeito deste hábito, as instituições agora chamadas de ―estabelecimentos de ensino‖ não sabem, por assim dizer, absolutamente nada [...].74

Da Quinta Conferência75

72 Ibidem, p.104. (Grifo do autor) 73 Ibidem, p.106. 74 Ibidem, p.118. 75 Ibidem, p.120-137.

64

Sobre essa questão em voga, da tendência que impera no ginásio

alemão, e de todas suas implicações sobre si mesmo, ou em conseqüência,

naquilo que também atinge a Universidade alemã.

[...] os objetivos de cultura a que ele [ginásio] visa deviam dar a medida para todas outras instituições, os desvios de sua tendência deviam afetá-las de alguma maneira. Nem mesmo a Universidade podia aspirar agora a este papel importante de centro motor, pois, em vista de sua estrutura atual, ela deve ser considerada, num dos seus aspectos essenciais, como

mera continuação da tendência do ginásio.76

Quanto ao estudante, o ginásio o prepara para Universidade ou pela

liberdade o torna autônomo. A Universidade figurava-se como mera

continuação daquilo que ocorria nos ginásios, da tendência de um tipo de

educação apenas profissionalizante.

É de suma importância destacar ao longo dessa prosa a questão da

avaliação da autonomia dos alunos – o professor fala o que quer e o aluno

ouve o que quer, educação e cultura exclusivamente oral, cultura que vai da

boca aos ouvidos:

―De que modo o estudante está ligado à Universidade?‖ Nós respondemos: ―Pelo ouvido, como ouvinte‖. [...] O estudante escuta. Quando fala, quando vê, quando anda, quando está acompanhado, quando tem uma atividade artística, em suma, quando vive, ele é autônomo, quer dizer, independente do estabelecimento de ensino. Com bastante frequência, o estudante escreve enquanto ouve. Estes são os momentos em que está preso pelo cordão umbilical à Universidade. Ele pode escolher o que quer ouvir, não precisa acreditar naquilo que ouve, pode tapar os ouvidos quando não queira ouvir. Eis o método de ensino ―acroamático‖77. [...] Uma só boca fala para

76 Ibidem, p.123. 77 Método de ensino Acroamático – ensino que era ministrado por Aristóteles a um círculo

restrito de discípulos; tratava-se de um ensino ―esotérico‖, em oposição ao ensino ―exotérico‖

ministrado para o público em geral. Significava também, ensino transmitido oralmente, durante o qual não se permitia aos discípulos qualquer intervenção. ―Acromática‖ era enfim

o método pedagógico oposto ao de Sócrates (o diálogo como acesso ao conhecimento). - Acroamático – Assim foram chamados, por se destinarem a ouvintes, os textos de

Aristóteles que constituíam lições por ele ministradas no liceu, para distingui-las das

destinadas ao público, das quais restam apenas fragmentos. Todas as obras aristotélicas

que possuímos são acromáticas, porque os textos compostos para um público mais vasto, quase todos em forma de diálogo, caíram em desuso quando os textos de lições levados a

Roma por Sila, foram reorganizados e publicados por Andronico de Rodes em meados do

séc. I a.C. (ABBAGNANO, 2000, p. 16). - Esotérico e Exotérico: Esotérico – Este termo encontra-se nos últimos escritores gregos para

indicar doutrinas ou ensinamentos reservados aos discípulos da escola, que não podiam ser comunicados a estranhos. Exotérico – Termo para designar obras populares, destinadas ao

65

muitos ouvidos e metade de mãos que escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural universitária posta em funcionamento.78

Sobre a concepção nietzschiana de educação que se vale do velho

filósofo para dizer por ele:

Assim, repito, meus amigos! – toda cultura começa, ao contrário de tudo que se elogia hoje com o nome de liberdade acadêmica, com a obediência, com a disciplina, com a instrução, com o sentido do dever. E, assim como os grandes guias têm necessidade de homens para conduzir, também aqueles que devem ser conduzidos têm necessidade de guias: a propósito disso, na ordem do espírito, reina uma predisposição mútua, ou melhor, uma harmonia preestabelecida.‖79

Assim diz da necessidade dos ―guias‖ na condução do aluno na

academia. De modo que questiona o que pareceria a sua formação, se

soubessem medi-la com três instrumentos: 1) Por sua necessidade de

filosofia, por seu 2) instinto artístico e, enfim, em relação à 3) Antiguidade

grega e romana, que é imperativo categórico concreto de qualquer cultura?

Aparece sua resposta:

Ainda que vocês, então, que são pessoas respeitosas, continuassem a ter uma atitude honrada com relação a estes três graus de compreensão, e ainda que tivessem reconhecido que o estudante de hoje não está apto para a filosofia, porque é mal preparado, privado de instinto artístico e que, diante dos Gregos, é um bárbaro imaginando que é livre, nem por isso vocês deveriam fugir horrorizados diante dele, mesmo quando quisessem evitar contatos mais estreitos com ele. Pois tal como ele é, ele é inocente: tal como vocês o reconheceram, ele carrega uma acusação silenciosa, mas terrível, contra os culpados.80

Para Nietzsche era imprescindível, dizer que a Universidade haveria de

ter uma ligação forte com a Arte e a Filosofia. Da relação da Universidade

com a Arte, no que nos diz:

Não se poderia confessar sem ficar envergonhado, quando vemos que relação guarda esta mesma Universidade com a arte: ela não guarda relação alguma com a arte. [...] Nesse

público (em forma de diálogos, dos quais só temos fragmentos), em contraposição aos escritos acromáticos, destinados aos ouvintes, que eram os apontamentos das lições que

chegavam até nós. (ABBAGNANO, 2000, p. 348). 78 Nietzsche, EE, 1872.In: Escritos Sobre Educação, 2003. p.125-126. (Grifo do autor) 79 Ibidem, p.135-136. 80 Ibidem, p.130.

66

sentido, pouco importa aqui se um professor em particular sente por acaso alguma inclinação mais pessoal pela arte, ou que se tenha criado uma cadeira para um historiador de literatura com tendências estetizantes: mas o fato de que a Universidade no seu conjunto não seja capaz de dar ao jovem estudante uma disciplina artística e, com permissividade absoluta, deixe vir o que vier, isto implica já uma crítica muito dura contra sua pretensão arrogante de figurar como sendo a mais elevada instituição cultural.81

O que é possível ver nesse contexto de Universidade é a inexistência

daquilo que seria duas das bases de qualquer instituição educacional que se

queira chamar de instituição de cultura – filosofia e arte.

Da relação da Universidade com a Filosofia e Arte, explica-nos:

Nossos estudantes ―autônomos‖ vivem sem filosofia e sem arte: por isso, que necessidade haveria ainda para ele de estabelecer relações com os Gregos e com os Romanos, já que, além disso, os antigos reinam numa solidão dificilmente acessível e num distanciamento majestoso. Por isso, as universidades da nossa época não têm absolutamente, e, aliás, de maneira bastante coerente, qualquer relação com as tendências culturais já totalmente extintas [...]. Pois, se eliminamos os Gregos e, ao mesmo tempo, sua filosofia e sua arte: com que escala pretendem vocês ainda elevar-se à cultura?82

Diante de toda essa exposição, com forte aclamação, em tom de

súplica, Nietzsche pede por uma verdadeira instituição de cultura que tenha

objetivos, verdadeiros mestres, métodos e modelos:

Oh!, miseráveis inocentes que viraram culpados! De fato, lhes faltava algo que deveria vir de fora, uma verdadeira instituição de cultura que pudesse lhes fornecer os objetivos, os mestres, os métodos, os modelos, os companheiros e de cujo interior exalasse o sopro do autêntico espírito alemão. Por isso, vocês definham no deserto, degeneram como inimigos deste espírito a que no fundo estão intimamente ligados; assim, acumulam erros sobre erros, mais pesados do que aqueles que jamais uma geração acumulou, maculando o que é puro, profanando o que é sagrado, preconizando o que é falso e inautêntico.83

Notamos que o sistema que Nietzsche tanto critica é o que espera um

tipo de aluno mediano. Os alunos menos dotados ou são desenvolvidos para

se tornarem medíocres ou serão excluídos; já os gênios, ou são rebaixados

para se tornarem médios ou se rebaixam e se tornam medíocres. A média

81Ibidem, p.129. 82Ibidem, p.129-130. 83 Ibidem, p. 132-133.

67

dos medíocres funciona como norma e lei, onde o fim da educação

Universitária é na verdade o mesmo fim que contaminava o ginásio da

Alemanha, uma educação tão somente para o ―ganha-pão‖.

Neste próximo segmento, venho fazer uma reflexão a partir desses dois

conceitos de Nietzsche – ―extensão máxima‖ e ―redução máxima‖. São

conceitos que dizem das implicações de se expandir (universalizar) a

educação custe-o-que-custar, em específico, as universidades, em que se

sacrificam os ideais mais elevados dessas instituições tidas como de cultura;

e o de reduzi-la (especializar) fragmentando e afunilando o saber a uma

especificidade.

3.3 Da “extensão máxima”

Nietzsche em sua crítica à expansão do ensino, em específico, da

Universidade diz que: ―Democratizam-se os direitos do gênio para suavizar o

trabalho que exige uma formação [...]. Todos preferem se instalar, tanto

quanto possível, à sombra da árvore que o gênio plantou.‖84

A cultura, por diversas razões, deve ser entendida a círculos cada vez mais amplos, eis o que exige uma tendência. A outra, ao contrário, exige que a cultura abandone as suas ambições mais elevadas, mais nobres, mais sublimes, e que se ponha humildemente a serviço não importa de que outra forma de vida, do Estado, por exemplo.85

Na ―extensão‖, um dos dogmas da economia política, a verdadeira

tarefa da cultura é criar homens tão ―correntes‖ quanto possível, uma

espécie de ―moeda corrente‖, através do máximo de conhecimento e cultura

possível, portanto, o máximo de produção e necessidades possível – o

máximo de ―felicidade‖ possível.

As instituições de ensino se colocam a formar indivíduos para que seja

possível extrair a maior quantidade possível de ―felicidade‖ e de lucro. A

união da ―inteligência e da propriedade‖ é o princípio dessa concepção de

84 Ibidem, p. 60. 85 Ibidem, p. 61.

68

mundo, perspectiva que chega a odiar toda cultura que o torne solitário

(isolado da massa, da média), que não tenha o dinheiro e o ganho como fim,

que demande muito tempo. Cultura rápida, pronta a formar seres que

ganhem dinheiro, uma espécie de ―egoísmo superior‖, tem o costume de

descartar as tendências divergentes.

Uma questão social: ―a massa poderia ter a impressão de que a cultura

estendida à maioria dos homens não era senão um meio para uma minoria

obter a felicidade na terra‖, pois a universalização desmedida da cultura a

enfraquece, não garante qualquer privilégio ou respeito, uma barbárie.86

Segundo Nietzsche, em muitos lugares o Estado visa à extensão

máxima para garantir sua própria existência – funcionários e exércitos –

onde o grito de guerra da massa exige uma cultura popular mais extensa. O

filósofo procura entender por quais motivos: ―Para o ganho e para posse?‖

Ou pela ―consciência que um Estado tem do seu valor?‖

3.4 Da “redução máxima”

Conforme citado diversas vezes em trechos da série de Conferências

proferidas na Basiléia, na ótica de Nietzsche, outra forma de analisar a

cultura, por outro lado, advinda dos círculos acadêmicos, menos retumbante

certamente, é aquela da redução da cultura. Nessa o erudito ou acadêmico,

como queiram chamar, alguém com boas disposições, mas não excepcionais,

que queira produzir algo no campo de estudo das ciências, deverá devotar-se

a uma especialidade e desconsiderar aquilo fora dos limites da disciplina.

Algo que Nietzsche nos ensina é que a divisão do trabalho nas ciências

visa à redução, ao aniquilamento da cultura; ele discute sobre a

especialização do saber e suas implicações. Se por um lado o homem de

ciência, acadêmico, está acima do vulgar (do povo), por outro pouco difere

deste. Altamente especializado, mais se parece a um operário de fábrica que,

86 Ibidem, p. 62.

69

por exemplo, durante toda sua vida não faz senão fabricar certo parafuso,

com incrível virtuosidade e fidelidade às pequenas coisas.

Vale relembrar da crítica que Nietzsche faz sobre a perspectiva da

cultura do Jornalismo (a confluência das duas tendências – expansão e

redução). O jornalista, um profundo conhecedor de superficialidades, é o

senhor do momento; ele tenta tomar o lugar do gênio, mas o que faz é

sintetizar e substituir em minutos os conhecimentos altamente complexos e

prolongados por seu jornal, romance da moda.

A cultura superior autêntica, ―é, sobretudo obediência e hábito, porque

não se atinge um objetivo qualquer senão excitando e fecundando os

instintos científicos, por isso explica-se agora a união tão freqüente da

erudição com a barbárie do gosto e da ciência com o jornalismo.‖

Assim Nietzsche indaga:

Quem os conduzirá para a pátria da cultura [Antiguidade], se os seus guias são cegos, ainda que se façam passar por videntes?! Quem de vocês chegará a uma verdadeira percepção da gravidade sagrada da arte, se são pervertidos metodicamente a balbuciar indistintamente por si mesmos, quando se deveriam levá-los ao fervor diante da obra de arte, a filosofar por si mesmos, quando se deveria obrigá-los à escutar os grandes pensadores? Tudo isso trazendo como resultado o fato de vocês ficarem eternamente distantes da Antiguidade e se tornarem os verdadeiros servidores do momento.87

Certamente o que o filósofo nos fala é de sua proposta de

revigoramento da cultura por meio de uma educação clássica.

87 Ibidem, p. 80.

70

IV DA EDUCAÇÃO DO “REBANHO”

71

4.1 O “rebanho”

[...] Se quiseres levar vida fácil, fica sempre junto com o rebanho. Esquece a ti mesmo em prol do rebanho! Ama o pastor e ama a mordida do seu cachorro! Caso saibas latir e morder, então – trata de ser o cão do rebanho: assim te tornas mais fácil a vida. (Nietzsche, FP, 4 [38]4 de novembro de 1882 - fevereiro de 1883)88

Depois do enredo dos capítulos anteriores que, de certo modo,

lançaram os fundamentos das implicações daquilo aqui irei comentar, neste

capítulo disserto acerca do que chamo de ―Educação de Rebanho‖, no

objetivo de mostrar que o discurso da ―educação para todos‖ é um fenômeno

totalizante, logo, de ―rebanho‖. Para tal, inicialmente busco explicar os

termos correntes por suas etimologias e conceitos das palavras em uso:

educação, formador/professor e rebanho.

No intuito de dizer do sentido do uso da filosofia e arte em nossas

vidas, lanço mão de uma reflexão de Gilles Deleuze (1925-1995) em ―O Ato

de Criação” (palestra proferida em 1987), em que o filósofo francês,

indagando-se sobre cinema, se propõe a refletir sobre o que exatamente faz,

quando faz ou espera fazer filosofia. Para Deleuze, o conteúdo da filosofia

consiste em criar ou inventar conceitos, resultantes de uma necessidade.

Ter uma idéia não é da natureza da comunicação, pois a comunicação é a

transmissão e a propagação de uma informação. Informação ―é um conjunto

de palavras de ordem. Quando nos informam, nos dizem o que julgam que

devemos crer. Em outros termos, informar é fazer circular uma palavra de

ordem‖89. Desse modo, um educador quando comunica, faz transmissão e

propagação de uma informação, que é um conjunto de palavras de ordem que

julga que devemos crer. As declarações de polícia são chamadas, a justo

título, comunicados. Elas nos comunicam informações, nos dizem aquilo que

julgam que somos capazes ou devemos ou temos a obrigação de crer. Ou

nem mesmo crer, mas fazer como se acreditássemos. Não nos pedem para

88 Nietzsche, FP, 4[38]4 de novembro de 1882 - fevereiro de 1883. In: Fragmentos do espólio,

2008, p. 115. 89 Deleuze, O Ato de Criação, 1999, passim.

72

crer, mas para nos comportar como se crêssemos. À parte dessas palavras

de ordem e sua transmissão, não existe comunicação. O que equivale a dizer

que a informação é exatamente o sistema do controle. Isso é evidente, e nos

toca de perto hoje em dia. Um controle não é uma disciplina. Com uma

estrada não se enclausuram pessoas, mas, ao fazer estradas, multiplicam-se

os meios de controle. Não podemos dizer que esse seja o único objetivo das

estradas, mas as pessoas podem trafegar até o infinito e ―livremente‖, sem a

mínima clausura, e serem perfeitamente controladas. Assim sendo, seria do

educador a tarefa de fazer estradas? Seria a liberdade controlada a única

liberdade que ele pode oferecer? Com Deleuze surge uma idéia: comunicar

uma informação resultante da necessidade de educador – a de refletir sobre

alguns termos, noções ou conceitos, ou como queiram enquadrar as

palavras correntes e usuais do campo educacional.

Vamos começar pela visita a palavra ―educação‖, que certamente pode

ter levado Nietzsche (o filólogo) associar a função de professor a uma espécie

de ―homem de rebanho‖. Vejamos então o que nos diz a palavra ―educação‖:

Sobre a palavra ―educação‖ Maldonado90 em seu artigo ―Crônica de

vida anunciada‖ nos mostra etimologicamente os possíveis usos da palavra

―educação‖ (Ēdŭcātĭōnis, Ēdŭcāre, Ēdŭco, Ex dŭco, dŭco, duz, dux),

compartilho aqui os principais pontos de reflexão que elegi:

De dux, temos ―pastor, o que vai à frente‖. Quatro reflexões:

1º O objetivo do pastor é manter o rebanho unido, saudável, deve

cuidar para que as ovelhas não se percam; coletivizá-las como forma de

acentuar seu domínio sobre elas, criar padrões de conduta, antever riscos e

perigos e evitá-los.

2º Cuidar delas não significa atender aos seus interesses. As ovelhas

são apenas objetos de uma projeção de valor que se encontra para além

delas próprias.

3º Ao tratá-las no conjunto impessoal, o rebanho torna-se categoria; o

plural se unifica pela busca de um padrão que lhe dê uma unidade

90 Maldonado, Crônica de vida anunciada. 2007, p.84-99, passim.

73

valorativa, e esse valor de conjunto se transforma em uma identidade aos

olhos de quem cuida (ou de quem narra).

4º A individualidade, quando vista, geralmente o é pelo contrário, pela

fuga do padrão, e o esforço é conduzi-la aos comportamentos grupais

desejados, em nome de uma pretensa normalidade majoritária ou

hegemônica.

Sobre as quatro reflexões supracitadas:

O objetivo do pastor é a ―uniformidade comportamental do rebanho‖. A

uniformidade pode lhe diminuir o trabalho do cuidar. ―Seu desafio é a

equalização comportamental do rebanho e a ampliação, ou o domínio, da

capacidade de prever o seu comportamento coletivo‖.

Na educação existem comportamentos indesejados, que geralmente

estão ligados aos comportamentos que se desviam do padrão da média,

assim os comportamentos indesejados que afetam o trabalho do pastor. Como

muito bem exemplifica Maldonado, para ―ovelhas muito lépidas ou muito

morosas‖ a solução seria ―manter as primeiras presas e as segundas

isoladas, para que não prejudiquem o ritmo das demais‖. Por diversas vias ―o

pastor pode buscar formas educativas de equalização, com exercícios de

agilidade para as segundas e de frenagem para as primeiras‖. E com

eficiência no resultado de sua ação é possível a reintegração, se não, ―a

apartação é certa‖. Pois o que define a condição da convivência ―é uma

determinada mediania de comportamento que estabelece o ritmo padrão do

pastor e das demais ovelhas‖:

Uma atenção especial pode ser despendida às ovelhas díspares, no esforço de recuperação da condição de normalidade do grupo. Mas apenas serão reintegradas à convivência se alcançarem a mediocrização sujeitando-se ao mediocrismo dos uniformes, dos aparentemente iguais, dos majoritários que são, talvez universalmente, hegemônicos nos valores que defendem e propõem91.

91 Ibidem, p. 85.

74

De duz: levar, conduzir; introduzir um personagem em cena teatral‘,

donde representar; pôr sobre, cobrir, revestir; tirar uma linha, apagar

riscando; enganar, pôr dentro.

Ex dŭco ou edŭco: conduzir para fora, tirar; fazer sair, levar; levar a

juízo, citar perante o tribunal; elevar, celebrar, exaltar; dar à luz, produzir;

criar uma criança; beber, absorver, esgotar; gastar, passar o tempo.

Com Ēdŭcāre encontraremos em acepção de Plautus as idéias de

instruir, ensinar; em Titus Livius: definir uma posição, dispor de

determinada forma; em Cícero: fazer sair, lançar ou tirar para fora.

O vocábulo Ēdŭcātĭōnis educação, criação dos filhos, instrução,

doutrina, ensino dos meninos.

Podemos ver uma aproximação conceitual em todos os possíveis

sentidos etimológicos da palavra portuguesa ―educação‖

Com as possíveis explicações:

Em de duz: é relevante a lembrança das correlatas significações de pôr

dentro e enganar. A sensação é de um ato fraudulento intencional. Uma

espécie de abuso de incapazes. Com Ex dŭco ou edŭco: conduzir para fora

pode ser entendido como o esforço para fazer sair ou tirar de si, na direção

do outro que puxa ou conduz. Um passo inicial que define papéis e

condiciona o processo relacional ao exercício de uma liderança exercida por

alguém sobre alguém. Por para fora para produzir e pensar o outro. Algo

mesmo com Ēdŭcāre: definir uma posição, dispor de determinada forma,

fazer sair, lançar ou tirar para fora. E com o vocábulo Ēdŭcātĭōnis: educação,

criação dos filhos, instrução, doutrina, ensino dos meninos.

Essa trajetória que Maldonado traça anteriormente nos permite

entender a educação como um processo de infringência, onde:

- ―Alguém lidera alguém, ou muitos, nas etapas de construção de

entendimentos e valores pré-formatados que possuem uma pertinência de

tipo transcendental, sobre a qual não cabem inovações ou contestações‖.

75

- ―É um ato, ou um conjunto deles, orientado para a formatação dos

seres a um determinado desígnio ou finalidade que independe das vontades

ou escolhas individualizadas; uma doutrina que só nos cabe professar‖.

Assim termina Maldonado: ―Educar é afirmar, pela concepção e pela

prática, uma dada ordem social que tem como base a sujeição voluntária,

consciente ou não, à doutrina que lhe dá forma‖.

Porque ―rebanho‖? O termo em sentido lato pode ser empregado para

diferentes situações, como exemplo: para designar uma porção de animais

(bovinos, ovelhas, etc.) que vivem de modo gregário. Geralmente quando

domesticados possuem necessidade de um pastor; quando selvagens,

precisam da liderança de algum animal do grupo. No caso da aplicação

desse termo a seres humanos, rebanho pode ser um conjunto de fiéis em

relação a seu pastor, papa, bispo, pároco, professor, etc.

Formador - É quem dá a forma – Quanto ao termo formar, vê-se nele

uma relação entre um sujeito formador e objeto-sujeito que será formado.

Revela-nos alguns pontos de reflexão, afinal podemos comparar o sujeito que

forma – no caso um educador – assemelhando-o ao oleiro que faz tijolos; ao

padeiro, que modela pães; ao pastor, condutor de rebanhos; ao agricultor,

formador de lavouras. Todos esses – sujeitos formadores que constituem

coisas e seres vivos não-uniformes tidos por: manipuláveis, desejáveis,

padronizáveis e homogeneizáveis. Formador é todo aquele que dá forma a

algo ou alguém. Nestes termos, a educação está para almejar um sujeito

coletivo – o educado – que mesmo por suas inclinações, é previsível e

governável. O processo e o progresso da formação, em alusão às

comparações supracitadas, sempre será uma aposta:

- mais na habilidade do oleiro do que na característica expansiva do

barro;

- mais na experiência do padeiro do que especificamente no tipo de

trigo que constitui o pão;

- mais no domínio do pastor do que no autodomínio das ovelhas;

76

- mais na técnica do agricultor em si do que no crescimento livre das

plantas.

Assim, na comparação do condutor de rebanhos (pastor) com o

formador de pessoas (educador), colocamos a seguinte argumentação: na

ordem das coisas da natureza, os animais gregários precisam ser

conduzidos, guiados, educados e cuidados. Essa tarefa da condução do

rebanho cabe a um pastor (no caso das ovelhas) e a um boiadeiro (no caso

do gado). A idéia de rebanho remete a idéia de tratar a heterogeneidade como

homogeneidade, a dispersão como a aglutinação: de consumidores de um

mesmo alimento, o pasto; a idéia de que se espera um mesmo tipo de

comportamento previsível, o dócil e domesticável.

O ―animal de rebanho‖ possui a alma bovina, o espírito de ovelha. Tem

por hábito a vida gregária, a vida em bando. Tem por instinto consumir o

mesmo pasto que consome seu coletivo. Haverá de andar no movimento e

nos caminhos e costumes do grupo. Viver em rebanho é a vida dos seres de

opiniões postiças! Viver em sociedade é isso: a raridade de respirar opinião

própria, afogada num mar de opiniões alheias. O rebanho, o gado, a alma

bovina, são os seres de vida cômoda. Na ordem dessa lógica está a educação

com seus ―homens de rebanho‖ (professores ou educadores ou como

queiram nomear) a formar tais seres gregários e homogêneos.

Nesse momento vale rememorar um fato, bastante pertinente a

discussão em voga, ocorrido na vida de Nietzsche pouco antes de ter sido

nomeado professor universitário na Basiléia (aos vinte cinco anos), algo que

por carta, do dia 13 abril de 1869, já tratava do que pensava do cargo que

viria a exercer:

[...] ingressarei numa profissão nova para mim, numa pesada e opressiva atmosfera de obrigações e deveres [...] reina agora a rigorosa deusa, a obrigação diária [...]. Sim, sim! Agora é a minha vez de ser um filisteu92! Mais dia menos dia, aqui ou ali,

92 Scarlett Marton nos diz: ―O termo ‗filisteu‘, que já aparece na Bíblia, passou a ser empregado no século XVIII, nos meios universitários alemães, para designar os estritos

cumpridores das leis e dedicados executores dos deveres que execravam a liberdade gozada

pelos estudantes. Personagem de bom senso, inculta em questões de arte e crédula na

ordem natural das coisas, o ‗filisteu‘ recorria ao mesmo raciocínio para tratar das riquezas

mundanas e das culturais. O poeta Heine diria que lhe pesava, na sua balança de queijos, ‗o

77

o dito sempre se comprova. As funções e as dignidades são coisas que nunca se aceitam impunemente. Toda a questão está em saber se os grilhões que se arrastam são de ferro ou de linha. E ainda disponho de coragem bastante para romper no momento oportuno algum elo, e arriscar de uma outra maneira ou em outro lugar, alguma tentativa de vida perigosa. Da gibosidade obrigatória do professor, ainda não vejo nenhum vestígio em mim. Tornar-se filisteu, homem de rebanho93. – que Zeus e as Musas me poupem isso! Aliás, não vejo como me poderia tornar o que não sou.94

Nessa carta estaria ele repudiando aquilo que viria ser (professor)? Ou

repudiando a condição intrínseca do ofício de ser professor (―filisteu da

cultura‖/―homem de rebanho‖)?

Nesse trecho de carta, o filósofo aponta um pequeno prenúncio daquilo

que viria a complementar em suas Conferências proferidas na universidade

da Basiléia no ano de 1872. Contudo, além disso, qual seria sua intenção

nessa carta, ao empregar o termo ―homem de rebanho‖ para designar

―professor‖? Qual seria sua intenção ao mencionar esse termo em diversas

de suas obras95? Nesse ponto é que lanço minha tese sobre tais questões.

Embora não venhamos encontrar referências em que o filósofo, e

filólogo, tivesse dissecado as palavras ―educação‖ ou ―professor‖ em suas

etimologias, certamente bem sabia de suas significações e aproximações, e

assim as tenha associado à palavra ―rebanho‖. A palavra ―rebanho‖, ―pastor‖

e outras derivadas, aparecem por vezes ao longo de toda obra de Nietzsche96.

Desse modo, reforço a idéia de uma ―Educação de Rebanho‖ através das

referências encontradas em Nietzsche no intuito de operar o conceito como

―caixa de ferramentas‖97 para uma crítica em específico a uma educação

superior reflexo de um projeto Iluminista. No intuito de falar dos efeitos

daquilo que foi feito da educação alemã a partir do século XIX que se

próprio gênio, a chama do imponderável‘. Ao formular a expressão ‗filisteu da cultura‘, é nessa mesma direção que Nietzsche caminha‖ (Marton, Scarlett. Nietzsche, a transvaloração dos valores. São Paulo: Moderna, 3.ed., 1996, p.18). 93 ―Homens de rebanho‖ um termo recorrente usado por Nietzsche, em que designa-nos,

homens ou mulheres, seres gregários, ligados às massas, ao rebanho. 94 [Carta de 13 de abril de 1869 – portanto seis dias antes de sua chegada a Basiléia] Nietzsche apud Weber, Op. cit. 2008, p.517-518. 95 Ver anexo. 96 Ver anexo. 97 Termo utilizado pelo filósofo francês Michel Foucault quando se referia ao operar a

filosofia de Nietzsche.

78

expandiu mundo afora até os dias de hoje, utilizo ―educação‖ e ―rebanho‖

para dizer da oferta de um tipo de ―educação superior‖ (uma educação para

a média e não para as exceções, uma educação que visa tão somente

homogeneizar as diferenças, cada vez mais profissionalizante e que está cada

vez mais longe de se estabelecer como uma educação para a cultura).

4.2 A educação e os “homens de rebanho”

O que quer o pastor com seu rebanho? – É uma pergunta em partes já

respondida noutros capítulos anteriores, mas que ainda nos incita mais

discussões. A proposta deste último capítulo é de relacionar o sentido da

educação ao conceito de “homens de rebanho”. Num sentido metafórico,

falamos da educação para as massas na forma da educação do rebanho,

onde a tentativa totalizante de sê-la para todos revela-nos a realidade de

uma educação de pouca qualidade para todos, num projeto de sê-la para

maioria é negociado o senso de qualidade e a possibilidade do objetivo de

uma formação para a cultura.

Sobre a questão inicial da formação em Nietzsche, vemos em Dias98 a

interpretação de sua crítica da noção de sujeito, de consciência, do ―eu‖. O

―eu‖ a que se refere é algo que se almeja e supera, e não uma substância

fixa. Não existe um ―verdadeiro eu‖, pois ninguém pode estar certo de ter-se

despojado de todas as suas máscaras. Por trás de cada pele há sempre

muitas outras peles. Em Nietzsche a formação autêntica não é uma volta

para um ―eu‖ verdadeiro, nem o desmascaramento dos obstáculos fictícios

que entravam a cultura do ―eu‖. O ―eu‖ é uma construção, um ―cultivo de si‖

permanente. Para ousar ser um ―si mesmo‖, é preciso antes de tudo uma

tarefa educativa. Com Nietzsche, falar de formação é questionar que tipo de

ser humano se quer formar: um crítico e criador ou um conformista

reprodutor. É competência da educação a criação de valores, e os valores

ensinados ao rebanho certamente não visam o ―cultivo de si‖.

98 Dias, Nietzsche Educador. 1993, p. 68 -69, passim.

79

Deixar de pensar em uma educação do rebanho não se trata de um

rompimento sem rumo. Em ―Nietzsche e a Educação”, Larrosa ao falar ―A

libertação da liberdade – Para além do sujeito‖, diz:

[...] Se estamos nos Libertando da Liberdade, ou se estamos começando a vislumbrar algo assim como uma liberdade libertada, uma liberdade a qual talvez não convenha a palavra ou conceito ―liberdade‖, também estamos começando a libertar-nos da Razão e estamos começando a vislumbrar algo assim como uma razão libertada, uma razão à qual talvez não

lhe convenha mais a palavra ou conceito de ―razão‖; e estamos também libertando-nos do Sujeito e começando a vislumbrar algo assim como uma subjetividade libertada, uma subjetividade à qual talvez não lhe convenha mais a palavra ou o conceito de ―homem‖; estamos também começando a libertar-nos da História e a vislumbrar algo assim como uma temporalidade libertada, uma temporalidade à qual talvez não lhe convenha mais a palavra ou conceito de ―história‖. Ou, se quiser, estamos começando a pensar algo assim como uma relação com o tempo que não passa agora pela idéia totalizante e totalitária da História, uma relação com o sentido que não passa agora pelas idéias totalitárias e totalizantes do Homem ou do Sujeito, e uma relação com nossa própria existência, e com o caráter contingente e finito de nossa própria existência, que não passa agora pela idéia totalitária e totalizante da Liberdade. Invenção de novas possibilidades de vida? Criação? Autocriação? Talvez.99

No desafio que temos em lidar com as diferenças e a pluralidade, a

meu ver, talvez o desafio posto a educação/educadores seja que talvez não

convenha mais a idéia tão somente de uma educação para o ―rebanho‖.

Agora, pois, tornar alguém pastor, cão e rebanho de si mesmo. Talvez seja a

maior tarefa educativa.

―Pastores‖ e ―rebanho‖ estão por todas as partes, pessoas que desejem

conduzir e outras que concordem em serem conduzidas. Em sentido

provocativo, com os dizeres de Nietzsche:

[...] Os pais fazem dos filhos, involuntariamente, algo semelhante a eles – a isso denominam ―educação‖; nenhuma mãe duvida, no fundo do coração, que ao ter um filho pariu uma propriedade; nenhum pai discute o direito de submeter o filho aos seus conceitos e valorações. [...] E assim como o pai, também a classe, o padre, o professor e o príncipe continuam

99Larrosa, Nietzsche e a Educação, 2005, p. 126.

80

vendo, em toda criatura, a cômoda oportunidade de uma nova

posse100.

O pai, a classe, o padre, o professor e o príncipe, todos vêem uma

posse – assim, o Estado também vê em cada indivíduo uma nova

propriedade, porém de modo mais coletivo e abrangente. ―Uma nova posse‖,

um novo indivíduo para o ―rebanho‖ é o que quer o Estado ao tentar

estender um tipo de educação para todos.

Em ―Humano, demasiado humano”, Nietzsche desfere críticas ao

igualitarismo, que está ligado aos valores gregários. Na questão da ―igualação

do não-igual‖ a igualação tem presente a lógica de tratar o semelhante como

igual. Assim faz a educação ligada ao Estado, ou seja, assim faz o Estado

ligado a educação. A base desse raciocínio podemos encontrar em seu ensaio

―Sobre Verdade e Mentira no sentido extra-moral”, bem como em ―Gaia

Ciência”.

Democracia e Educação - Na Grécia, o berço da democracia, a

educação tinha sua importância. Lembrando que, a democracia e a

educação dos gregos não correspondem à compreensão moderna de

democracia e educação que temos hoje, quando a educação ofertada a todos

passa ser uma condição da democracia.

Assim, é possível notarmos a universalização da educação, a ―extensão

da educação a todos‖ como um ideal iluminista. Mas bem lembra

Monteiro101 que ―todos‖ nem sempre foi para ―todos‖, como no caso dos

―anormais‖, analfabetos, pobres, etc. Pois se hoje estes fazem parte do

―todos‖, é porque essa dimensão veio sendo construída e aumentada com os

tempos desde o advento do iluminismo francês. Deste modo, aquilo que para

nós é senso comum já foi objeto de intensa luta dos movimentos sociais no

Brasil e no mundo.

É sobre esse senso comum do que seria uma ―educação para todos‖

que saio a partir das orientações do texto de Monteiro, coadunando na

distinção em que nos dá da diferença entre garantir a universalidade do

100 Nietzsche, ABM, 1886, § 194. 101 Monteiro, O caminho é a educação: democracia e instinto de rebanho em Nietzsche. 2010.

81

acesso à educação e tornar a educação um destino para todos. Sua tese é de

que a educação em um país democrático ―deveria estar aparelhada para dar

as condições de acesso e estudo a todos que a tem como destino de si

mesmo, e não como uma etapa obrigatória de todo cidadão‖. Concorda que

as crianças devam ser submetidas a um sistema educacional obrigatório que

daria competências e habilidades fundamentais: ler, escrever e calcular.

Mas, em específico sobre a Educação Superior, ―o Estado deveria estar

preparado para atender o destino que cada um – e não todos – coloca para

si‖. Nietzsche está embalado pelo helenismo; confia na arte como educação

dos sentidos e da razão. Aposta na tragédia como expressão primordial da

vida. O tema da democracia não é um assunto a que Nietzsche se dedicou,

mas podemos encontrar muitas menções de sua compreensão dela, em

vários de seus escritos. Ele ataca o instinto de rebanho, e verá na democracia

o maior aliado para a alimentação desse impulso. A forma de decadência do

estado – uma degeneração da raça, um predomínio dos malsucedidos –

dissolve o singular no coletivo. A Democracia é o resultado dessa cultura do

aplainamento e em sua origem está o cristianismo: ―Democracia é o

cristianismo naturalizado: uma espécie de "retorno à natureza", depois só

poderá ser superada por uma extrema anti-naturalidade. — Consequência:

dali em diante se desnaturalizou o ideal aristocrático ("o homem superior",

"nobre", "artista", "paixão", "conhecimento", etc). Romantismo como culto da

exceção, gênio, etc.‖102

Assim como a democracia, a educação visa a arruinar a exceção. Seu afeto está na regra, no ordinário, no comum. E reconhece que uma educação para a exceção teria efeitos financeiros nefastos no poder do estado. É mais racional, do ponto de vista econômico, tratar cada um como uma simples espécie do todos. E, de preferência, se elimina desse espaço aqueles que com ele não se conformam. Para Nietzsche, a limitação econômica leva ao convencimento racional: igual para todos é melhor do que diferente para cada um. Abaixo a diferença! Mesmo assim, desconfia da capacidade da educação em criar um novo tipo de ser humano. Se por um lado temos conquistas com a democracia, se por um lado a educação começa a atingir a população em geral, ele não será otimista quanto aos resultados propalados pela ilustração, pois verá nisso o movimento de aplainar a diferença, de eliminar a

102 Nietzsche, FP, 10 [77] – outono de 1887.

82

variedade, de fazer sucumbir o diverso. A não ser que tenhamos em mente que a democracia e a educação sejam motor para a diferença. E se assim for, precisamos de outros dispositivos culturais, políticos e educacionais.103

Ao fazer críticas à democracia, podemos perceber a lógica de que tanto

dirigentes quanto dirigidos buscariam por um único objetivo – o

comportamento uniforme. Sob a égide da coletividade discursam em favor de

uma crença de que todos possam ser iguais ou, para que sejam iguais!

Nietzsche sempre teve cautela sobre a questão da educação do povo,

ao examinar sobre essa questão fala:

Desde há muito, adquiri o hábito de olhar com prudência todos aqueles que falam com zelo sobre o que se chama ―formação do povo‖, tal como esta é compreendida comumente: pois, muito freqüentemente, eles querem, conscientes ou não, obter para si, nas epidemias saturnais da barbárie, a liberdade desenfreada, liberdade que esta ordem sagrada da natureza não lhes concederia jamais; eles nasceram para servir, para obedecer, e, a cada momento em que entram em ação seus pensamentos rasteiros, aflitos com pernas de pau, impróprias para o vôo, se estabelece de que argila a natureza os formou e qual foi a marca de fábrica se imprimiu nesta argila. Portanto, não é a cultura da massa que deve ser nossa finalidade, mas a cultura de indivíduos selecionados, munidos das armas necessárias para a realização das grandes obras que ficarão.104

É evidente nos escritos de Nietzsche, seu posicionamento dum

aristocratismo contra um ideal gregário, contra a imposição do igual, sempre

em favor de uma educação para formar a exceção e não a média.

Mostramos que o filósofo alemão via que educação pública estatal

visava criar rebanhos. Em contraponto, sugeria uma educação de elitismo

intelectual, tipicamente aristocrática, que fosse valorizar a cultura clássica;

que tivesse por objetivo criar espíritos livres, independentes e

verdadeiramente superiores. Uma educação para a Cultura, para a vida e,

não apenas para o estômago ou para o ganha-pão. Uma educação

aristocrática, e que apenas se pode vislumbrar quando olhamos para a

Academia de Platão e para o ideal educativo aristocrático desse filósofo

ateniense do século IV a.C, ou para as academias neoplatônicas das cidades

103 Monteiro, Loc. cit. 2010. 104 Ibidem, EE, 1872. In: Escritos sobre Educação. 2003, p.89-90.

83

italianas do Renascimento. Detestava toda essa tendência da expansão da

educação porque via nesses germes um perigo para a liberdade individual e

um poderoso incentivo ao adormecimento social, à expansão do espírito do

rebanho, à resignação e ao triunfo de uma moral de escravos, ainda que

escravos de barriga cheia. As suas críticas ao sistema educativo de massas,

tal como estava a despontar no seu tempo, justificavam-se porque via, no

Estado-educador e na generalização da educação estatal, os principais

instrumentos da vitória da moral de escravos. Em oposição à moral de

escravos, Nietzsche argumenta a favor de uma moral aristocrática de

senhores. Toda a vida consiste em dar expressão à vontade de poder. Toda a

vida humana, que aspire à grandeza, visa à auto-superação. A moral

aristocrática dos senhores exige uma educação superior, mas Nietzsche não

tem ilusões acerca da possibilidade de essa educação ser acessível a todos. A

sua acessibilidade e a sua generalização trariam consigo o seu

abastardamento105.

Em ―Crepúsculo dos Ídolos106”, na parte que nomeia ―Incursões de um

extemporâneo”, sobre a organização social, diz que sempre haverá homens

―superiores‖ e ―inferiores‖, e comenta sua preocupação de ―nunca igualar o

desigual‖, em todas as perspectivas, físicas ou mesmo intelectuais.

Nessa educação para as massas, a regra da média indica o nível e o

parâmetro, pois lidar com os medíocres e os homogêneos é economicamente

mais viável e requer menos sacrifício do que lidar com a heterogeneidade e a

exceção. Nietzsche diz ser a educação: ―um sistema de meios visando a

arruinar as exceções em favor a regra [...]‖107.

Destarte, trata-se de uma ―educação superior‖ para as massas, um

sistema de meios visando arruinar as exceções (o gênio) em favor a regra (do

nível dos medíocres). A fraca exigência de uma ―educação superior‖ medíocre

não está para as exceções, não está para os fortes, mas para a média, para o

nivelamento. Para as massas cabe uma educação superior que não

105 Marques, A Ética em Friedrich Nietzsche, 2010, p. 1-12, passim. 106 Ibidem, CI, § 48. 107 Nietzsche, KSA. XIV 16[6] p.238

84

pressuponha a formação superior, mas a formação medíocre. Para as

massas, para uma média, para grupos e populações que se pretende

uniformizar e homogeneizar. Uma ―educação superior‖ para as massas só

pode tratar indivíduos como generalidades e desse modo jamais tornará

massa alguma superior, pois mediocremente está posta para massificar,

uniformizar e homogeneizar, de modo a arruinar possíveis exceções em favor

à regra (da média), em favor do rebanho.

85

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após todas as exposições teóricas e conceituais, no conteúdo e na

forma, sobre a visão de Nietzsche sobre educação e cultura de modo geral,

não nos cabe tomá-las ―ao pé da letra‖ no sentido de aplicar ipsis litteris suas

considerações. Contudo não podemos deixar de levar em conta que muito de

suas críticas ainda hoje são completamente atuais dentro da conjuntura de

muitos sistemas educacionais do ocidente. As críticas que desfere são

genialmente extemporâneas e seus apontamentos ainda são pontos de

partida para muitos dos problemas que nos ocorre.

Quando falo através de Nietzsche, da extensão da educação dentro de

um sistema democratizante de educação que chamo de sistema custe-o-que-

custar, coloquei-me a dizer das implicações que isso pôde causar, partindo

do referencial do discurso proferido por Nietzsche em suas Conferências da

Basiléia. Não num intuito de presentificar seu discurso, mas de discutir os

efeitos do discurso da universalização da educação (principalmente sobre

um tipo de superior) dentro dos rumos que tomaram. Foi dada atenção às

nuances do discurso da universalização da educação dentro da trama em

que ele se encontra, analisando quais são as forças que o movem, quais

sentidos que toma, e em quais destinos com ele se quer chegar.

Metaforicamente, uma educação para as massas na forma de

educação do rebanho, com sua ambigüidade na tentativa totalizante de sê-la

para todos revela-nos consequentemente a realidade de uma educação de

pouca qualidade. Num intento de sê-la para maioria é negociado o senso de

sua qualidade. Esse é o problema desse discurso irrealizável, bom apenas

para utopia. Desse modo, a educação não haveria de ser tratada como um

destino comum a todos, sendo um discurso irrealizável dentro de uma

educação para todos que não garante nela qualidade alguma às massas.

No que tange ao discurso da expansão da educação superior para a

massa, vemos Nietzsche totalmente contrário, não porque ele seja um

elitista, no sentido comum da palavra, mas porque isso requer um sistema

86

demasiado grande em que são sacrificados os ideais de uma verdadeira

instituição de cultura. Conforme já dito, se falássemos aos professores de

um grande sistema acerca de uma mudança necessária na educação,

drástica e proeminente, qual seria a reação desse grupo se nessa proposta

excluísse a maioria deles, por exigir capacidades que ultrapassem suas

capacidades medíocres? Ou seja, como podem eles não serem os verdadeiros

―guias‖ da cultura tal qual Nietzsche sugere? Em toda mediocridade

professoral como exigir alguma exceção dos estudantes? Como esperar pela

formação do gênio (aquele que está acima da média, dotado de capacidade

criativa)?

De um tipo de educação (a do rebanho) a outro tipo de educação, qual

seria a educação que não adotasse o método de infringência? Seria possível

um projeto de educação nietzschiano? Seria possível uma educação para

todos que garantisse a formação de indivíduos criativos no campo da cultura

e não somente no campo de uma profissão?

Um projeto de educação nietzschiano talvez não caiba: primeiro

porque não nos deixou esse legado e segundo porque as proporções

históricas (políticas e sociais) são outras, mas, seu alerta não pode ser

ignorado – sobre a necessidade de um tipo de educação verdadeiramente

para a cultura e não apenas para o ―estômago‖. Um tipo de educação para a

cultura jamais seria um destino comum a todos: primeiro porque não seria

para formação dos ―servos do ganha-pão‖ e segundo porque a ela caberia

apenas formação dos sujeitos criativos (das exceções, dos gênios) invés dos

reprodutores (das massas). Colocar a educação como um destino comum a

―todos‖ é sem dúvida parte de um projeto Iluminista que trouxemos aqui,

através dos ataques de Nietzsche, como um projeto de formação do

―rebanho‖.

A partir do momento em que Estado assume o controle do sistema

educacional, é nítido que a tendência da educação para uma profissão toma

o rumo de sufocar a possibilidade de uma educação para a cultura,

principalmente do modo como nos é colocada: como um destino comum a

todos. Quando a educação é colocada como um destino comum a todos,

87

vemos implicitamente uma idéia totalizante e totalitária presente em tal

discurso. A tendência em voga sobre o sucesso profissional via instituições

educacionais é um mecanismo discursivo de garantia do interesse do

rebanho pelo destino educacional que lhe é imposto, não como um destino

natural, mas como um destino criado e projetado onde o Estado consiga

oferecer uma educação do tipo como queira e formar o um tipo de sujeito

dentro do mediocrismo.

No contexto das Universidades, o que causa estranhamento é ver um

modelo de universidade para o rebanho ainda arrogando o status de

instituição de cultura108 sem que nela exista filosofia e arte (não que

necessariamente não exista, mas que se existe, não é exatamente como

haveria de ser), sendo que quando existe a filosofia, não existem filósofos

nem filosofia, o que existe é o ensino de história da filosofia e quando existe

algo que se chame de ―arte‖, não existem artistas nem obras de arte, o que

existe é o ensino de história da arte. As disciplinas filosofia e arte se

somadas cumpririam o papel de uma educação autêntica na perspectiva da

Bildung – de educar o instinto de rebanho, que auxiliaria na educação de

indivíduos criativos e não meros reprodutores servos dos ofícios do Estado,

da ciência e/ou do ganha-pão.

Conforme já analisado dentro daquilo que Nietzsche criticou, sobre

esse nosso grande sistema educacional só resta tratar as heterogeneidades

no destino de uma homogeneidade, educando o diverso como igual, como

homogêneo, como ―rebanho‖. O típico sistema do aplainamento das

diferenças.

Em seus diversos sentidos, por maior que seja a aversão que alguém

tenha pelas idéias de Nietzsche, não há como refutar sua originalidade

quando faz suas críticas sobre a educação de sua época, não há como negar

que muito daquilo que disse ainda está em voga, como por exemplo: o tipo

de barganha da qualidade pela quantidade na educação oferecida pelo

Estado; a negação de uma educação de qualidade para tentar oferecer um

108 Talvez coubesse outro significado para aquilo que enganosamente se chama de cultura

hoje.

88

tipo de educação para ―todos‖; o ―egoísmo‖ do Estado, no objetivo de uma

educação para atender os seus próprios objetivos e não os objetivos dos

indivíduos em si, enquanto ser cultural; a preocupação do Estado em fazer o

aplainamento das diferenças presentes nas massas heterogêneas, na

formação da média e não da exceção; a busca por uma homogeneização e

não por um engrandecimento de indivíduos com potencialidades.

As universidades, de modo geral, se tornaram centros de mera

profissionalização sem espaço para uma formação voltada para a cultura

através da filosofia e da arte.

89

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93

ANEXOS

1. Palavras (rebanho/s, instinto de rebanho, animais de rebanho e pastor/es) usadas por Nietzsche e suas respectivas referências nas obras em alemão:

1.1 ―herde‖: rebanho.

- Mahnruf an die Deutschen (Exortação aos alemães), § 1

- Nachgelassene Fragmente Herbst (Fragmentos Inéditos Póstumos)

1887 bis März 1888. Herbst 1887.

- November 1887 — März 1888. (Novembro 1887 – Março de 1888) §

11[282]

1.2 ―herden‖ e ―herds‖: rebanhos.

- Nachgelassene Schriften (Escritos Inéditos) 1870-1873. Die

dionysische Weltanschauung (A visão dionisíaca do mundo). § 1.

- Nachgelassene Schriften (Escritos não publicados) 1870-1873. Die Geburt des tragischen Gedankens (O nascimento do pensamento

trágico). § 1.

- Nachgelassene Schriften (Escritos Inéditos) 1870-1873. Über die

Zukunft unserer Bildungsanstalten (Sobre o future de nossos estabelecimentos de ensino).§ 4.

- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889

(Fragmentos inéditos início de 1888 até o início de janeiro 1889). September — Oktober (Setembro – Outubro) 1888. § 22[10].

1.3 ―herdeninstinkt‖: instinto de rebanho.

- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889. Frühjahr 1888. (Fragmentos inéditos início 1888 a início de janeiro de

1889. Primavera de 1888)14[107].

1.4 ―herdenthier‖: animais do rebanho.

- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889.

Frühjahr 1888. (Fragmentos inéditos início 1888 a início de janeiro de 1889. Primavera de 1888)15[109].

1.5 ―herder‖: pastor.

94

- Nachgelassene Fragmente Herbst 1869 bis Herbst 1872. Winter 1869-70 — Frühjahr 1870. (Fragmentos inéditos Outono de 1869 para

1872 Outono Inverno 1869-1870 - Primavera 1870)2[12]

- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Sommer 1872 — Anfang 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final

de 1874. Verão 1872 - 1873 em diante)19[233].

- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Sommer 1872 — Anfang 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final

de 1874 Verão 1872 - 1873 em diante)19[286].

- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Frühjahr-

Herbst 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final de 1874 Verão 1872 - 1873 em diante)27[68].

- Menschliches, Allzumenschliches II. Zweite Abtheilung: Der

Wanderer und sein Schatten.(Humano, demasiado humano II: O Andarilho e sua sombra)§ 118.

- Menschliches, Allzumenschliches II. Zweite Abtheilung: Der

Wanderer und sein Schatten.(Humano, demasiado humano II: O Andarilho e sua sombra)§ 125.

- Der Fall Wagner. Turiner Brief vom Mai 1888. (O caso de Wagner. Carta de Turim de maio de 1888) § 3.

- Nachgelassene Fragmente Herbst 1885 bis Herbst 1887. Herbst 1885

— Herbst 1886.(Fragmentos inéditos Outono 1885 a 1887 Outono 1885 - Outono 1886) 2[188].

- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889. Frühjahr 1888.(Fragmentos inéditos cedo 1888 a início de janeiro de 1889. Primavera de 1888) 15[71].

1.6 ―herders‖: pastores.

- Nachgelassene Fragmente Herbst 1887 bis März 1888. November 1887 — März 1888. (Fragmentos póstumos 1887 a março de 1888.

Novembro 1887 - março de 1888) 11[312].

2. Algumas ocorrências de ―rebanho‖ nas obras em português:

2.1 ABM – Além do bem e do mal. (p. 191; 199; 201-3; 212; 228; 201-2)

2.2 EH – Ecce Homo. (IV 4 IV 5)

2.3 CI – Crepúsculo dos ídolos. (IX 38)

2.4 GC – A Gaia Ciência. (p. 1; 23; 50; 116; 117; 149; 174; 195; 296; 328; 335; 352; 354; 368)