Da remediação à premediação: ou de como a sensação de imediatismo da sociedade digital dos...
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7/21/2019 Da remediao premediao: ou de como a sensao de imediatismo da sociedade digital dos anos 1990 evolu
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R um dos mais conhecidos e pioneiros pesquisadores
na rea de estudos de mdia. Seu trabalho est vinculado aos aspectos
histricos, tericos e estticos das tecnologias miditicas. Junto com
Jay David Bolter foi o autor de Remediation: Understanding New Media (MIT,) que delineia a genealogia das novas mdias a partir da contraditria
lgica visual que sustenta as mdias digitais contemporneas; Remediationpossui uma importante conexo com o quarto livro de Grusin,Premediation:
Affect and Mediality Afer /(Palgrave, ), no qual argumenta que numaera de elevada securitizao, a sociedade em rede nos Estados Unidos e a
mdia global buscam pr-mediaras percepes coletivas de antecipao e
conectividade de forma a perpetuar baixos nveis de apreenso e medo. A
riqueza de suas anlises est na conexo entre a nossa vida cotidiana e a real
com as ambincias digitais que permeiam nossa sociedade. Richard Grusin
visitou recentemente diversas Universidades e grupos de pesquisa brasi leirospara uma srie de conferncias e aulas focadas no lado escuro da sociedade
digital e nos conceitos de premediao.
MATRIZes:Existem alguns conceitos bsicos, essenciais para entender
remediao e premediao: medialidade, mediatizao e hipermedialidade;
voc poderia explicar a relao entre eles e o respectivo papel nos processo de
re/pre-mediao (considerando os problemas de traduo para o Portugus)?
Grusin: Inicialmente, fundamental diferenciar remediao de preme-
diao. Embora ambas as lgicas de mediao estejam em ao no sculo
163
E n t r e v i s t a c o m R I C H A R D G R U S I N *
p o r E l i z a b e t h S a a d C o r r a **
Da remediao premediao: ou de como a sensao deimediatismo da sociedade digital dos anos 1990 evoluiu paraum clima de contnua antecipao do futuro no sculo XXI
From remediation to premediation: or how the affective immediacyof late 90s digital society evolves to an continuous affectivityanticipation of future in the 21th century
* Diretor do Center for21st Century Studies e
Professor na University
of Wisconsin-Milwaukee.
Recebeu seu PhD em
1983 pela Universidade
de Califrnia, em Berkely.
E-mail: gr [email protected]
** Professora Titulardo Departamento de
Jornalismo e Editorao da
ECA-USP e do Programa de
Ps-Graduao em Cincias
da Comunicao da USP.
Coordenadora do curso de
especializao lato sensu
DIGICORP e do grupo de
pesquisa COM+. E-mail:
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XXI, elas operam de forma diferente e com diferentes conceitos. A lgica
dupla da remediao surgiu ao final do sculo XX como resposta exuberante
proliferao das tecnologias de mdias digitais, frequentemente cunhadascomo mediatizao. Remediar, remodelar ou re-mediar de um meio para
outro operava de duas formas contraditrias, buscando de um lado apagar
todos os sinais de mediao ao oferecer um contato imediato com o real, e,
de outro, multiplicar ou chamar ateno para a remediao ou quilo que JayDavid Bolter e eu nos referimos como hipermediao.
Premediao uma das formas predominantes com que a remediao
se manifesta no sculo XXI. A premediao no desaloja a remediao, masa reorganiza em diferentes formaes estticas, sociotcnicas ou polticas. A
lgica dupla da remediao ainda se mantm, mas o conflito dessa lgica formalmente diferente. Diferente da remediao, que busca uma espcie deimediatismo perceptivo ou afetivo, a premediao trabalha para produzir
uma afetividade da antecipao remediando eventos futuros ou ocorrnciasque podem ou no acontecer. O regime miditico da premediao no evi-
dencia o desejo dos anos de uma realidade virtual, mas sim um enga-
jamento com a realidade dovirtual, ou aquilo que Delleuze entende como
potencialidade. Premediao descreve o temporal e a formao afetiva atualda sociedade conectada. Se a remediao fala para um modelo de conexo
mais individualizado de imediatismo e hipermediao que prevaleceu na
cibercultura dos anos e , a premediao fala para a temporalidadeantecipatria do sculo XXI, aquela em que estamos sempre prontos para
nos movimentarmos pelas redes sociais que esto premediadas no futuro,
ou como usamos nossas redes para mobilizarmos a ns e aos outros (ami-
gos ou redes) e nos sentirmos juntos e participarmos em eventos de mdia
temporal e especialmente heterogneos seja onlinevia Facebookou Twitter,ou no espao geogrfico por meio de conexes mveis com GPS ou outras
tecnologias espaciais.
Finalmente, voc se refere aos problemas de traduo Ingls/Portugus
dos termos da remediao. Especificamente, a questo se devemos traduzir
remediao com i ou com e. Em Ingls, o substantivo media e o verbo
mediate possuem a mesma grafia; assim, um pode corrigir uma pintura e
outro um problema. Em Ingls, remediation pode significar tanto remode-lagem quanto reforma. Em Portugus estes dois significados possuem duas
diferentes grafias e duas diferentes palavras. Assim, o trocadilho do Ingls
no funciona em Portugus. Talvez remediation deva ser traduzido tanto
com i ou com e1.
164 MATRIZes Ano 7 N2 jul ./dez .2013 - So Paulo - Brasil RICHARD GRUSIN p. 163-172
1. NT: optamos neste
texto por utilizar o termo
com e- remediao,
assim como todos os dele
decorrentes: preme-
diao , mediatizao,
hipermediatizao.
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MATRIZes: Poderamos entender remediao e premediao como pro-
cessos combinados e intercambiveis tpicos de nossa contemporaneidade?
Grusin:Sim, conforme citei anteriormente, tanto remediao quantopremediao esto em ao no ambiente contemporneo da mdia. Embora
as diferenas histricas sempre resultem em diferentes momentos no tempo,
em nenhum ponto da histria a lgica miditica predominante foi totalizante.
Sempre assistimos competio de lgicas e prticas miditicas. No sculo
XXI ainda, nos interessamos pelo imediatismo, pelo agora, da mesma forma
que nas ultimas dcadas do sculo XX as novas tecnologias de mdia digitais
chamaram ateno ao imaginrio do futuro, s temporalidades focadas para
o futuro. Mas, em cada caso a mdia das formaes afetivas predominantes
esto conectadas com a mdia das formaes tcnicas predominantes. Assim,a digitalizao obsessiva ocorrida com a maioria das mdias ao final do sculo
XX favoreceu uma orientao focada numa renovao do passado, resultando
quase que num grito universal de inovaodas mdias digitais. No sculo XXI atemporalidade da premediao est tambm conectada s formas predominan-tes da mediao tcnica que, ao incio da segunda dcada do sculo XXI, so
representadas pelas mdias mveis, as mdias sociais e o big datae respectivas
mineraes e capitalizaes.
MATRIZes: A afetividade central para a premediao. Assim, poderamos
caracterizar a remediao como um processo relativo aos objetos de mdia esuas tecnologias e fazeres, e a premediao como um processo relacionado
s pessoas utilizando a mdia, suas informaes e contedos para estabelecer
relaes sociais?
Grusin:Bem, primeira vista isto faz algum sentido. A lgica dupla da
remediao , em primeira instncia, uma lgica formal, focada tanto num
imediatismo transparente no qual a tela ou a imagem plana concebida
como uma janela atravs da qual pode se ver um mundo no mediado quantofocada na hipermediao, na qual a tela ou a imagem plana chama ateno
para sua prpria mediao, quase sempre pela fragmentao de si mesma num
navegador web, num computador ou numa tela de TV a cabo como a CNN.
Entretanto, a remediao tambm tem uma dimenso afetiva, especialmente
na concepo de imediatismo, na qual alm da lgica visual da transparncia
tambm recorre expresso, resposta afetiva gerada pela transparncia do
imediatismo e da hipermediao, as quais produzem algo como um sentimentoou afetividade do real.
A premediao, como voc destacou, mais explicitamente vinculada afe-tividade, sendo um dos conceitos-chave que desenvolvi no livro Premediation.
165Ano 7 N2 jul ./dez .2013 - So Paulo - Brasil RICHARD GRUSIN p. 163-172
ENTREVISTAFrom remediation to premediation: or how the affectiveimmediacy of late 90s digital society evolves to an continuousaffectivity anticipation of future in the 21th century
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E, embora seja verdade que a premediao se refere forma com que as pessoasusam a mdia para estabelecer relaes sociais, este no seria o modo como eu
formularia o processo. Conforme Bruno Latour, vejo as relaes to tcnicasquanto sociais, to no-humanas quanto humanas. O que muito interes-
sante sobre nossas relaes com as mdias tcnicas hoje que elas esto cada
vez mais crescentes e intensamente afetivas. Estamos totalmente envolvidos
com aquilo que chamo a vida afetiva da mdia, na qual no usamos a mdia
simplesmente como ferramenta ou instrumento para nos relacionarmos com
outros na sociedade, mas muito mais como nos engajamos afetivamente com
a prpria mdia tcnica, que eu chamo crculo afetivo de retroalimentao
entre nossas mdias e ns mesmos. Embora esse conceito tenha sido abordado
de forma rudimentar em Remediation, em Premediationnos aprofundamosno desenvolvimento de nosso relacionamento afetivo com as mdias tcnicas.
MATRIZes: A maioria de seus argumentos sobre a premediao baseiam--se em eventos catastrficos globais. Ideia de coletivismo e senso comum so
evidentes neste tipo de evento. Como poderamos explicar a premediao no co-tidiano da cibersociedade? A posse do Presidente Obama ou a final doAmericanIdolcomentados no Facebooke Twitter, ou aqui no Brasil os comentrios em
segunda tela das telenovelas so exemplos adequados?
Grusin:Voc est certa ao afirmar que a premediao muito evidente
ao ser relacionada a eventos globais catastrficos como o de Setembro ou aguerra do Iraque, ou o desastre da usina de Fukushima, no Japo. Mas, todos
esses eventos tm efeitos no cotidiano e, sem dvida, em algum sentido a pre-
mediao opera de modo poderoso em nossas transaes dirias com a mdia
digital do que com esses eventos globais. Defino em meu livro trs sentidos paraa premediao: como a remediao das formas futuras de mdias e tecnologias;como a remediao de eventos futuros; e (mais fortemente) como uma extensopara o futuro das redes sociotcnicas de mdia. neste ltimo sentido que operaa mdia cotidiana do sculo XXI, especialmente na estruturao da afetividadee na antecipao da temporalidade.
A proliferao de redes sociais premediadas de pessoas e coisas uma forapoderosa na vida cotidiana dos usurios das mdias digitais do sculo XXI. As
redes de mdias sociais existem quase que exclusivamente para o propsito de
premediao da conectividade, promovendo uma antecipao que a conexo
poderia fazer que algum poderia comentar em seu Facebooko statusou umafoto que voc compartilhou; que o seu tweetpoderia ser favoritado ou retuitado;que voc poderia escutar um ringtonediferenciado, ou que seu computador,
tabletou celular iria alert-lo sobre uma nova mensagem. Essas premediaes
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cotidianas no operam em interaes discretas pessoa-a-pessoa e em uma redede mdia especfica, mas geram um campo fludo e em mudana permanente
de interaes afetivas temporais entre redes premediadas de humanos e nohumanos, de mediadores tcnicos incorporados. Essa antecipao temporal e
afetiva produz um presente que sempre dividido, seja orientado para o mo-
mento imediato e tambm para o futuro prximo, seja nem para o presente emsi e nem para aquilo que ainda no passou. Essa temporalidade antecipatria
cria, algumas vezes, um elevado senso de alerta, enquanto que em outras (talvezem muitas) gera um sentimento mudo e tmido de espera ou de passagem do
tempo. A antecipao o que melhor caracteriza o estado de premediao bemcomo a qualidade afetiva gerada pelas redes sociais mveis ou pela internet das
coisas, nas quais as pessoas e seus dispositivos mveis navegam atravs dasredes sociais constitudas no apenas por humanos e suas mdias sociotcnicas,mas tambm constitudas por tecnologias como GPS e RFID (Identificao porradiofreqncia) e tambm por locais e objetos.
MATRIZes:Voc poderia nos contar um pouco mais sobre a relao entrepremediao e mobilidade?
Grusin:Neste sculo XXI, a afetividade e a temporalidade das mdias social-mente conectadas esto cada vez mais focadas na antecipao e na futurologia,ou seja, no porvir e naquilo que iremos encontrar. A temporalidade afetiva da
premediao antecipatria e na qual as mdias mveis socialmente conec-tadas atuam em conjunto para produzir, satisfazer e manter estados afetivos
individuais e coletivos voltados para um futuro potencial, virtual e at mesmo
um futuro real/atual. Ao nvel dos usurios individuais, essa temporalidade
antecipatria os mantm vinculados e conectados s suas mdias mveis e,
certamente, valoriza a mobilidade espacial e temporal. A integrao do GPS aosformatos de mdia nas plataformas sociais check-inpor exemplo, no Facebook,ou uso do Google Mapsno iPhone, geolocalizao de fotos, ou amplo uso do
FourSquare funcionam em conjunto tanto para nos estimular a informar nossalocalizao quanto para facilitar e socializar nossos deslocamentos. Entretanto,a mobilidade dos usurios individuais tambm beneficia os negcios e os go-
vernos. As empresas podem usar a geolocalizao para comercializar produtose servios de forma direcionada e geoespacialmente pertinente. Os governos
podem armazenar e minerar dados de todas as transaes realizadas via dis-
positivos mveis para criar um amplo registro de comportamentos individuaisque pode ser acessado e acionado em caso de proteo de interesses de Estado.
Para alm da remedio ocorrida ao final do sculo XX, a mobilidade chave
para o funcionamento da premediao no sculo XXI.
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MATRIZes: Em Premediation voc afirma que experincias de imaginaopr-figurativas so um bom exemplo de como ns nos protegemos de eventos
catastrficos futuros. Voc no acha que esta prtica pode nos levar a uma vidafantasiosa ou sonhadora?
Grusin:A preocupao de que as novas mdias podem levar os indivduos
a fugir das vicissitudes da realidade para uma vida de sonho e fantasia algo
que reaparece com regularidade. Quando os primeiros romances impressos
comearam a ficar disponveis e acessveis no sculo XIX, muitos adultos se pre-ocuparam com os jovens que ficariam por demais envolvidos com o mundo dafico, imersos nas pginas de seus livros favoritos, desligados das praticidadesda vida cotidiana. Filmes trouxeram os mesmos receios, da mesma forma que
a televiso e agora a internet e as mdias sociais de um modo geral. Esse medorecorrente uma reao que toda nova reconfigurao miditica ou remedia-
o gera em nossa relao com a realidade; para aqueles no familiarizados
com estas novas mdias o engajamento afetivo por parte (especialmente) dos
jovens com os novos formatos e dispositivos tcnicos aparenta ser uma fuga
da realidade para o mundo da fantasia e do sonho. No entanto, argumento queisso significa um outro tipo de engajamento com o mundo, aquele (citando
McLuhan) que altera a razo e no apenas nossos sentidos, que altera nossas
interaes inerentes com outros humanos e tambm com no humanos, com
a natureza e com os ambientes construdos. De fato, por conta da crescente
mobilidade de nossos dispositivos de mdia e da complexa rede decorrenteno espao geofsico e dos objetos, nossos dispositivos de novas mdias (e a
premediao que eles geram) so menos relacionados a sonhos e fantasias do
que velhas mdias como romances, filmes ou a televiso.
MATRIZes:O Jornalismo uma das reas da Comunicao mais dire-
tamente afetadas pelas mudanas da sociedade digital. Nesse contexto, existe
espao para produo de mdia de massa? Considerando que o jornalismo lida
com fatos e estamos propondo premediar fatos para aceit-los de modo mais
fcil, o que resta para o jornalismo? Casos recentes como os vazamentos da
NSA ou do Wikileakspodem ser considerados como aes de premediao?
Grusin:O Jornalismo, e especialmente as notcias, uma das principaisinstituies impactadas pelas mudanas da mdia as quais ficam visveis nodeslocamento da lgica e das temporalidades ocorridas ao longo dos ltimossculos. Embora seja bvio que hoje a mdia jornalstica foque mais naquilo quepoderia ocorrer do que nos fatos do presente ou do passado, a notcia sempremisturou eventos passados e futuros, bem como prximos e distantes. Em suasmanifestaes mais remotas, as notcias eram transmitidas oralmente por pessoas
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como os pretorianos da Roma Antiga ou os arautos da Inglaterra Medieval.Naqueles tempos, notcia poderia ser tanto fatos significativos que j ocorreram
quanto aqueles que iriam acontecer, mas o foco dominante estava nas ocorrnciaslocais. Com o advento da notcia impressa, o foco em reportar o passado perma-neceu, mesmo quando os jornais passaram a operar em sintonia com as agnciasgovernamentais, anunciando prazos e eventos oficiais futuros. A introduo dafotografia nos jornais, ainda que pontuando fatos, ampliou o foco no passadona medida em que fotgrafos (a exemplo do cinema mais tarde) podem apenasregistrar eventos j ocorridos. A ruptura temporal mais importante ocorreucom o advento dos telejornais, inicialmente com a retomada da tradio oralda transmisso ao vivo e, mais tarde, com o surgimento das redes globais de
cobertura ao vivo pela CNNe outras, gerando o salto para uma temporalidadeimediata e instantnea, a notcia em tempo real, o auge da cobertura jornalstica.Ao final do sculo XX, culminando com a transmisso mundial e ao vivo dostrgicos eventos de de Setembro, o marco exemplar da cobertura noticiosa foia transparncia decorrente do imediato e ao vivo, embora sempre associado hi-permedialidade que se constituiu na outra metade da lgica dupla da remediao.
Argumento em Premediationque, depois do de Setembro, a lgica pre-dominante e a temporalidade da mdia noticiosa deslocou-se da remediao dopresente para a premediao do futuro. Inicialmente, movida pelo desejo deevitar o traumtico imediatismo jornalstico experimentado em de Setembro,
a mdia informativa passou a direcionar seu foco da remediao daquilo quej ocorrera ou estava ocorrendo ao vivo, para premediar aquilo que poderiaacontecer quase acontecendo. O Jornalismo comea a tomar para si como ta-refa principal a premediao de potenciais catstrofes futuras no apenas oprximo ataque terrorista, mas ameaas futuras como mudanas climticas,pandemias globais, crises financeiras ou colapsos na infraestrutura. Ao mesmotempo, porm, as mdias sociais como as conhecemos, com sua temporalidadeantecipatria, adicionou outra dimenso ao Jornalismo, conforme demonstradode forma dramtica com o papel das mdias sociais na Primavera rabe de .No foram apenas os meios impressos, televisivos e as grandes redes que se viramcobrindo as mdias sociais como fonte, mas eles comearam a integrar as mdiassociais em suas prprias premediaes do futuro, intensificando frequentementeo deslocamento temporal do reportar o passado para reportar o presente e parareportar o futuro. Ao traarmos este movimento da temporalidade jornalstica,gostaria de deixar claro que no um processo de substituio de um tempora-lidade miditica por outra, mas sim novos modos de temporalidade miditicasendo adicionados queles existentes, modificando o padro da cobertura no-ticiosa, sem deixar de lado reportar o acontecido e o acontecimento.
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MATRIZes: Sua proposta metodolgica apresentada na introduo do
livro Premediationenfatiza a necessria relao interconectada de diferentes
reas de estudo e conhecimento para a pesquisa no campo dos Internet Studies.Como voc avalia os tradicionais rituais acadmicos em relao a esse tema?
Grusin:As disciplinas e a pesquisa acadmicas esto em meio a transfor-
maes significativas, algumas iniciadas internamente e outras decorrentes
de desafios externos propostos pela crescente neoliberalizao da educao.
Internamente, pelo menos desde o ltimo tero do sculo XX, a academia
convenceu-se de que os problemas prticos e intelectuais ps-modernos, do
capitalismo ps-industrial no podem ser tratados apenas dentro de um cenriodisciplinar tradicional que remonta ao sculo XIX ou antes. Nos programas de
cincias humanas e sociais, pesquisas de campo, estudos sobre a mulher, sobreetnias, mdia, meio ambiente e similares surgiram como uma forma de agregardiferentes tradies de pesquisa em busca da resoluo de novos problemas.
Talvez, a rea mais transformadora deste novo campo interdisciplinar seja os
estudos de cincia e tecnologia (ECT), particularmente a teoria ator-rede de
Bruno Latour, que insiste em rejeitar uma distino categrica entre atores
humanos e no humanos e em acompanhar os actantes por seus percursos pelasredes sociotcnicas heterogneas que comearam a proliferar ao final do sculoXX. Quando aplicada aos estudos sobre tecnologias de mdias digitais, esta
metodologia requer que os pesquisadores ignorem ou at mesmo transgridam
os limites da disciplinaridade tradicional em busca do conhecimento.Externamente, essa mesma transformao sociotcnica nos conduziu
quilo denominado como universidade neoliberal, na qual as formaes tra-
dicionais por disciplinas so claramente dispensadas ou ignoradas em busca
de objetivos econmicos. Essa nova interdisciplinaridade tecnocrtica organizauma retrica de inovao, uma reforma radical e de vanguarda que dispensa
qualquer instituio ou prtica acadmica tradicional que no sejam economi-camente eficientes, que no resultem numa imediata e definitiva lucratividade.Paradoxalmente, a mesma retrica utilizada ao final do sculo XX argumen-
tando que as novas mdias digitais possibilitariam a liberdade, a liberao e a
radicalizao de novas formas de pensamento, foi utilizada no sculo XXI paraque o ensino profissionalizante tivesse o menor custo social possvel. No vejo
isso acontecendo no Brasil de forma to intensa como a que ocorre nos EstadosUnidos ou na Gr-Bretanha, onde os empreendedores do Vale do Silcio esto
promovendo a revoluo dos MOOCs (Massive Open Online Courses), embora
no demore muito para que algo similar tambm ocorra no Brasil.
A soluo para este problema no retornar aos tempos anteriores
interdisciplinaridade ou anteriores introduo das tecnologias digitais no
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ensino e na pesquisa das Universidades. A soluo buscar formas de usar as
novas tecnologias servio de alguns valores cruciais da pesquisa acadmica,
especialmente a liberdade de investigao mesmo que esta no gere resultadosfinanceiros imediatos (ou mesmo a longo prazo).
MATRIZes: Sua produo denota um dilogo muito interessante com
autores europeus como Delleuze, Latour, Baudrillard, Virillio, Benjamin, entreoutros. Algo especial nisso?
Grusin:Voc est certa ao notar uma mudana no meu engajamento ps-
-Remediationcom autores europeus (e no europeus) filsofos e tericos crticos.Isso se deve a dois motivos. Primeiro, ao fato que Remediationfoi escrito em
coautoria e cada um de ns trouxe suas prprias foras (e fraquezas) ao projeto.Bolter trouxe para Remediationuma sofisticada compreenso das tecnologiasde novas mdias e da cultura online, bem como uma reviso nos campos da
computao e das humanidades, evidenciados em seus dois livros anteriores
Turings Mane Writing Space. Ele tambm contribuiu com a clareza de pensa-
mento e narrativa, algo evidente ao longo de nosso trabalho conjunto. Minha
contribuio esteve no aprofundamento sobre a teoria crtica e a filosofia, bem
como uma base conceitual em artes visuais dos sculos XVIII/XX. Fomos felizesem Remediationao provar que o todo foi maior que a soma de suas partes. Isso
foi possvel porque cada um de ns sacrificou algo de seu prprio interesse e
preocupao a servio do projeto como um todo.Esse no foi o caso de nosso trabalho aps Remediation. Assim, o meu
trabalho com novas mdias tornou-se cada vez mais terico e filosfico, en-
quanto que o trabalho de Bolter focou-se mais no designe na prtica. Minhas
leituras tambm se tornaram mais tericas e filosficas. Bolter tem trabalhado
em computao e humanidades desde sua ida para Georgia Techem ; eu
comecei a pesquisar novas mdias aps cinco anos de minha entrada na GeorgiaTech. Ao transferir-me para Wayne State Universityem , meu envolvimentocom designe prticas de mdias digitais tornou-se uma parte menor de minha
pesquisa acadmica e meu envolvimento com teoria e filosofia ficou mais centralna pesquisa.
Atualmente, estou trabalhando sobre o conceito de mediao deper se,
buscando discutir as formas como a mediao tem sido definida e convencio-
nalmente posicionada como um conceito ou categoria secundrio (ou tercirio),como algo que entra em cena muito atrasado, aps uma diviso do mundo
entre sujeitos e objetos, humanos e no humanos, representaes e realidades.
Em tais dualidades mais ou menos tradicionais, a mediao tem sido vista
como algo entre, no meio de, j pr-formatada, pr-existente em sujeitos ou
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ENTREVISTAFrom remediation to premediation: or how the affectiveimmediacy of late 90s digital society evolves to an continuousaffectivity anticipation of future in the 21th century
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objetos, actantes ou entidades. Especialmente no pensamento ps-Hegeliano,
Marxiano, a mediao vista como epistemolgica ou ideolgica, como algo
oposto ao imediatismo, como algo que poderia ser chamado de agente de cor-relao que filtra, limita, restringe ou distorce uma percepo imediata ou um
conhecimento de ou ainda um engajamento com o mundo, com o real, com
outras pessoas, com o poder e assim por diante. Avanando, vou continuar o
envolvimento com a tradio terica e filosfica Ocidental de forma a questionaro imediatismo da mediao, possibilitando a direta e a imediata relao como mundo, sobre a qual Brian Massumi insiste em afirmar como um componentefundamental das experincias humanas e no humanas.
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