Desafios Psara a Pesquisa em Educação Matemática Na Sala de Aula

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DESAFIOS PARA A PESQUISA EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA NA SALA DE AULA José Aires de Castro Filho Marcelo Câmara dos Santos Marilena Bittar Universidade Federal do Ceará Colégio de Aplicação da UFPE Universidade Federal de Mato Grosso do Sul [email protected] [email protected] [email protected] 1 Introdução A pesquisa em Educação Matemática tem evoluído muito nos últimos anos. Anualmente acontecem no Brasil cerca de 20 eventos na área, sem contar as publicações especializadas e pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação strictu-sensu (mestrado e doutorado). Em muitas áreas, o Brasil já se destaca no cenário internacional. Diversas pesquisas têm contribuído para compreender melhor as dificuldades dos alunos com vários conteúdos, como a interpretação de gráficos, o trabalho com números e suas operações, com a geometria e com as grandezas e suas medidas. Outros trabalhos também têm ajudado a compreender as concepções dos alunos sobre conteúdos matemáticos, como números, frações, equações (NUNES e BRYANT, 1999). Também há trabalhos que enfocam o conhecimento matemático apresentado fora da escola, como é o caso das pesquisas sobre matemática na vida cotidiana (CARRAHER, CARRAHER & SCHLIEMANN, 1988) e sobre Etnomatemática (D´AMBRÓSIO, 1990) mostrando que mesmo alunos com baixo desempenho utilizam-se de raciocínio matemático, as vezes bastante complexo, em suas atividades cotidianas. Algumas pesquisas já têm conseguido aproximar-se da sala de aula ou pelo menos de documentos oficiais e materiais didáticos. Por exemplo, as pesquisas sobre a Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1990) alcançaram uma amplitude tal, em termos dos diversos resultados a ela ligados, que hoje vemos seus reflexos nas orientações para a educação básica. É possível verificar a influência dos estudos sobre essa teoria, em especial os resultados sobre campo aditivo e multiplicativo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e conseqüentemente em alguns livros didáticos. Entretanto, a maioria dos resultados obtidos em pesquisas fica restrita aos círculos acadêmicos a não ser por ação de alguns professores que têm acesso a revistas

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A pesquisa em Educação Matemática tem evoluído muito nos últimos anos.Anualmente acontecem no Brasil cerca de 20 eventos na área, sem contar as publicações especializadas e pesquisas realizadas nos programas de pós-graduaçãostrictu-sensu (mestrado e doutorado). Em muitas áreas, o Brasil já se destaca no cenário internacional.

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  • DESAFIOS PARA A PESQUISA EM EDUCAO MATEMTICA NA SALA DE AULA

    Jos Aires de Castro Filho Marcelo Cmara dos Santos Marilena Bittar Universidade Federal do Cear Colgio de Aplicao da UFPE Universidade Federal de Mato

    Grosso do Sul [email protected] [email protected] [email protected]

    1 Introduo

    A pesquisa em Educao Matemtica tem evoludo muito nos ltimos anos. Anualmente acontecem no Brasil cerca de 20 eventos na rea, sem contar as publicaes especializadas e pesquisas realizadas nos programas de ps-graduao strictu-sensu (mestrado e doutorado). Em muitas reas, o Brasil j se destaca no cenrio internacional.

    Diversas pesquisas tm contribudo para compreender melhor as dificuldades dos alunos com vrios contedos, como a interpretao de grficos, o trabalho com nmeros e suas operaes, com a geometria e com as grandezas e suas medidas. Outros trabalhos tambm tm ajudado a compreender as concepes dos alunos sobre contedos matemticos, como nmeros, fraes, equaes (NUNES e BRYANT, 1999). Tambm h trabalhos que enfocam o conhecimento matemtico apresentado fora da escola, como o caso das pesquisas sobre matemtica na vida cotidiana (CARRAHER, CARRAHER & SCHLIEMANN, 1988) e sobre Etnomatemtica (DAMBRSIO, 1990) mostrando que mesmo alunos com baixo desempenho utilizam-se de raciocnio matemtico, as vezes bastante complexo, em suas atividades cotidianas.

    Algumas pesquisas j tm conseguido aproximar-se da sala de aula ou pelo menos de documentos oficiais e materiais didticos. Por exemplo, as pesquisas sobre a Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1990) alcanaram uma amplitude tal, em termos dos diversos resultados a ela ligados, que hoje vemos seus reflexos nas orientaes para a educao bsica. possvel verificar a influncia dos estudos sobre essa teoria, em especial os resultados sobre campo aditivo e multiplicativo, nos Parmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997) e conseqentemente em alguns livros didticos.

    Entretanto, a maioria dos resultados obtidos em pesquisas fica restrita aos crculos acadmicos a no ser por ao de alguns professores que tm acesso a revistas

  • especficas, participam de eventos ou at mesmo se dispem, por iniciativa pessoal, a fazer uma ps-graduao na rea.

    Podemos apontar vrias razes para a distncia entre a pesquisa bsica e a aplicao de seus resultados na escola, como a prpria academia, que valoriza mais as publicaes cientficas, no tendo como objetivo principal as aplicaes diretas em sala de aula, a falta de polticas sistemticas de formao de professores (no s na matemtica, mas tambm em outras reas do conhecimento), etc.

    O presente artigo reflete sobre essas dificuldades ao mesmo tempo em que apresenta caminhos para enfrent-las. O texto apresenta reflexes importantes quando tratamos da transferncia de resultados de pesquisa para a escola. A primeira a produo de material didtico e de orientaes didticas para professores com base nos resultados de pesquisa. Tal tpico discutido na seo 2, quando tratamos do uso de tecnologias e objetos de aprendizagem na escola. Argumentamos que as tecnologias podem ser um instrumento para oportunizar aprendizagem no apenas para os alunos, mas tambm para os professores. A formao de professores o foco da seo 3 e talvez a rea mais crtica nessa discusso e sobre a qual todo pesquisador deva se debruar. por meio do professor que os resultados de pesquisa iro efetivamente chegar ao aluno, objetivo final de todo esforo para melhoria do ensino de matemtica. Por ltimo, mas no menos importante, a reflexo sobre que matemtica queremos para nossos alunos. Essa reflexo feita na seo 4, quando exemplificamos os descompassos entre a produo de conhecimento matemtico e sua chegada na escola. Aps as trs sees, retomamos a questo da relao entre pesquisa e ensino de matemtica na concluso do texto.

    2 Pesquisa sobre tecnologias e objetos de aprendizagem em sala de aula

    Jos Aires de Castro Filho Como abordado na introduo, uma das dificuldades na transferncia de resultados

    para a sala de aula a ausncia de materiais didticos baseados nas pesquisas. A tecnologia um caso singular. Visto serem novas e estarem sempre sendo desenvolvidas, elas podem se beneficiar mais rapidamente dos resultados de pesquisa. Alm disso, as tecnologias podem ser elas prprias frutos de pesquisas. Tais pesquisas podem ter foco nos alunos ou nos professores. Iremos discutir essas vertentes a seguir.

    2.1 Pesquisas com foco nos alunos Com relao aos alunos, as pesquisas tm focado na contribuio de tecnologia,

  • tais como softwares educativos e ambientes computacionais (sensores acoplados a computadores) para o desenvolvimento de conceitos matemticos.

    Por exemplo, Freire e Castro-Filho (2006) compararam as estratgias adotadas por alunos de 3 e 5 ano na resoluo de problemas algbricos utilizando-se uma balana de dois pratos e um objeto de aprendizagem (OA)1 intitulado Balana Interativa2. O estudo mostrou que o nmero de estratgias utilizadas durante a resoluo do OA foi maior do que na utilizao da balana concreta. Alm disso, todas as estratgias utilizadas na balana envolviam estimativas, o que no foi observado nas estratgias encontradas no uso do OA. Isso levou os autores a conclurem que o raciocnio adotado na utilizao do OA estava mais prximo do algbrico, ao passo que estimar valores estava mais prximo de um raciocnio aritmtico.

    Nem toda tecnologia ir trazer vantagens em relao a materiais manipulativos ou ao lpis e papel. Muitos softwares so apenas programas de exerccio e prtica, no qual os alunos iro treinar respostas a contedos previamente estudados. Tais formas de utilizao trazem poucos ganhos em relao a prticas tradicionais. O uso de um software ou tecnologia deve trazer vantagens em relao materiais tradicionais, devendo se refletir numa compreenso diferenciada dos alunos em relao aos contedos abordados.

    Outros estudos indicam benefcios ao se trabalhar com mltiplas representaes de funes (equaes, tabelas, grficos e animaes) para desenvolvimento de conceitos algbricos, tais como famlia de funes, transformao de funes e taxa de variao. Softwares de geometria dinmica, tais como Cabri ou Geogebra possibilitam aos alunos realizar construes geomtricas e levantar hipteses sobre leis da geometria. Tais softwares permitem focalizar mais nos aspectos conceituais do que na produo de figuras, como acontecem quando se usa somente lpis e papel.

    Os benefcios da tecnologia s sero efetivos se tivermos professores preparados. Por isso, necessrio tambm investigar a formao de professores para utilizao das tecnologias, discutido a seguir.

    2.2 O uso da tecnologia por professores. O foco na utilizao de tecnologia pelos professores permite diversos tipos de

    pesquisas. A primeira delas sobre como realizar a formao de professores para uso das tecnologias. Castro-Filho (2000), por exemplo, sugere que a formao deve iniciar com tecnologias que sejam mais simples de usar, como os objetos de

    1 Recursos digitais (vdeo, animao, simulao etc.), os quais permitem que professores e

    alunos explorem conceitos especficos nas mais diversas reas do conhecimento. 2 Disponvel nos endereos rived.proinfo.mec.gov.br e www.proativa.vdl.ufc.br.

  • aprendizagem (OA). O autor afirma que softwares completos como CABRI ou LOGO demandam um tempo muito grande para serem aprendidos.

    Outras pesquisas podem focar no ganho de conhecimentos dos professores obtidos com a utilizao das tecnologias. Os softwares educativos ou objetos de aprendizagem que tragam mltiplas representaes, simulaes e transformaes dinmicas podem ser boas oportunidades para que os professores desenvolvam seu conhecimento matemtico. Castro-filho et al (1999) discutiram o desenvolvimento dos conceitos de funo e taxa de variao por professores do Ensino Mdio de uma escola nos EUA durante a utilizao de um software chamado Conta Bancria e de sensores de movimento. Os autores apontaram que a tecnologia utilizada permitiu aos professores questionarem e refinarem seu prprio conhecimento sobre funo. Essa mudana aconteceu no apenas nas sees de treinamento, mas tambm durante a implementao da tecnologia com os alunos. Por ltimo, apontam a importncia dos professores discutirem entre si, questes pedaggicas e conceituais.

    Uma ltima vertente de pesquisas com foco nos professores a incorporao da tecnologia na prtica pedaggica. O que pode ser observado se a tecnologia provocou mudanas no processo de ensino adotado pelo professor. Leite (2006), por exemplo, investigou a mediao do professor durante a utilizao do OA Balana Interativa com alunos do 8 ano de uma escola pblica de fortaleza, CE. Os pesquisadores registraram as trocas conversacionais entre o professor e quatro duplas de alunos na resoluo de situaes-problema apresentadas no software. A autora verificou que houve uma preponderncia de dilogos diretamente relacionados ao contedo, fato que nem sempre observado em sala de aula. Portanto, deve-se verificar se o uso da tecnologia pode propiciar situaes em que a mediao do professor possa ser focada nos aspectos de contedo e no somente em aspectos tcnicos como orientao para utilizao do programa. Para que Isso seja possvel, necessrio um professor de matemtica que conhea o contedo e que tambm esteja familiarizado com o OA.

    Nessa seo, discutimos a pesquisa sobre o uso de tecnologia na escola. Do que foi abordado, pode-se concluir que a pesquisa deve enfatizar a aprendizagem conceitual dos alunos. No caso dos professores, a pesquisa deve ainda focar na sua prtica pedaggica e na sua formao, antes e durante a utilizao da tecnologia com os alunos. Esse aspecto da formao dos professores ser discutido com mais detalhes na prxima seo.

  • 3 Formao de professores: um projeto de pesquisa-ao Marilena Bittar

    A formao de professores, tanto a inicial como a continuada, h muito sofre influncias de concepes behavioristas. Ou seja, no geral, o professor ainda considerado objeto de estudo e pessoa a ser mudada via participao em cursos, cujo objetivo central , de modo geral, ocasionar mudanas em sua prtica mediante a aquisio de conhecimentos. Esta tendncia, entretanto, vem sendo contestada a partir dos anos oitenta, quando a ateno na pesquisa sobre a formao do professor passou a ser dirigida aos [...] objetos e modelos culturais (WARDE, 2000, p.14), bem como s prticas diferenciadas de apropriao deles (ibid). Instaura-se, deste modo, a busca por novos modos de se olhar a problemtica da formao de professores: a pesquisa-ao surge como uma dessas alternativas. De uma metodologia experimental para a ao, segundo o entendimento dos precursores do uso dessa metodologia, ela passou a ser utilizada como um revs sobre as abordagens cientficas positivistas. Busca-se superar a separao idealista entre pensamento e ao. Outra expectativa a de superar o carter de especializao e de aplicao das cincias sociais, assumindo a necessria implicao do homem com os fatos sociais. nessa direo que propomos discutir, nesse texto, uma proposta de pesquisa-ao que temos realizado, sobre a integrao da tecnologia na formao do professor de Matemtica.

    Os estudos realizados nesse campo tm evidenciado que, importantes resultados tm sido alcanados, por meio do uso de softwares de Matemtica, conforme citado na seo anterior. No entanto, pesquisas mostram que os professores dos diversos nveis de escolaridade no tm efetivamente integrado a tecnologia em suas aulas, o que acontece inclusive nos cursos de formao de professores, conforme relatam algumas pesquisas (BITTAR, 2000 e BRANDO, 2005). Ou seja, o uso da tecnologia tem sido apontado como deficiente tanto nos cursos de formao inicial de professores como nos cursos de formao continuada e as discusses realizadas nesse mbito tm sido insuficientes para uma integrao que venha, de fato, contribuir com a aprendizagem do aluno. Alm disso, muitas vezes a informtica usada como "apndice" do curso habitual; ou seja, o professor d a aula da maneira tradicional (papel, lpis, quadro-negro) e depois ilustra algumas atividades no computador. Neste caso, esse uso no assume carter diferente de outros, e o computador (software) no est sendo explorado em sua potencialidade mxima, como um meio que pode oportunizar mudanas no processo de ensino e de aprendizagem relativas ao conhecimento. A verdadeira integrao da tecnologia

  • somente acontecer quando o professor vivenciar o processo, ou seja, quando a tecnologia representar um instrumento, um meio importante na aprendizagem para todos, inclusive, para o professor, afinal somos reflexo de nossas experincias.

    Os professores devem se apropriar dos recursos oferecidos pela tecnologia e estudar possibilidades de uso dessa ferramenta como mais um recurso didtico facilitador do processo de aprendizagem. Inserir um novo instrumento em sala de aula implica mudanas pedaggicas, mudanas do ponto de vista da viso de ensino e de aprendizagem, que devem ser estudadas e consideradas pelos professores na preparao e encaminhamento de suas aulas: Como preparar uma aula utilizando esse novo recurso? Que mudanas ocorrem quando se introduz a tecnologia nas aulas de Matemtica? Eis algumas questes que devem ser discutidas pelos professores visando insero efetiva e crtica do computador no processo de ensino e aprendizagem. Para ter elementos de respostas a essas e outras questes, importante conhecer as vrias possibilidades existentes no uso da informtica na Educao. Porm, essa condio no suficiente para a integrao da tecnologia na Educao. Acreditamos que somente com experincias significativas para os professores essa integrao poder ocorrer. Com efeito, quando trabalhamos com a formao inicial de professores percebemos que, mesmo se essa parte dita tcnica lhes familiar, falta o componente da prtica pedaggica que o professor que est atuando tem. Nas duas ltimas dcadas, temos tido oportunidade de trabalhar ou realizar pesquisas em cursos de formao continuada, de diversos formatos, com professores de Matemtica de Campo Grande/MS e a anlise dessas experincias tem evidenciado a necessidade de um trabalho de formao que seja efetivamente inserido na realidade da escola e desenvolvido dentro dela. nesse sentido que a metodologia da pesquisa-ao parece fornecer um quadro coerente para o desenvolvimento de pesquisas visando atingir objetivos como os citados anteriormente.

    A constituio de grupos compostos por pesquisadores e professores poder trazer subsdios para uma insero crtica e significativa da tecnologia na Educao. Acreditamos que a pesquisa dos profissionais (professores) sobre sua prtica em colaborao com outros profissionais pode constituir uma estratgia que contribui para a resoluo dos problemas enfrentados cotidianamente na escola. Concordamos com Ponte (2004) que:

    No se trata de transformar os professores em pesquisadores profissionais. Trata-se de reforar a competncia profissional do professor, habilitando-o a usar a pesquisa como uma forma, entre outras, de lidar com os problemas que defronta (p. 37).

    Nossa orientao no de fornecer respostas, como geralmente ocorre na

  • formao tradicional, para problemticas no formuladas. Na verdade, em consonncia com a metodologia da pesquisa-ao (BARBIER, 2002) acreditamos que

    [...] o problema nasce, num contexto preciso, de um grupo em crise. O pesquisador no o provoca, mas constata-o, e seu papel consiste em ajudar a coletividade a determinar todos os detalhes mais cruciais ligados ao problema, por uma tomada de conscincia dos atores do problema numa ao coletiva (p. 54).

    Com base no objetivo exposto e na metodologia da pesquisa-ao nossa investigao, iniciada em fevereiro de 2007, tem sido desenvolvida em algumas fases cuja durao varia em funo dos interesses e das necessidades dos envolvidos. Nesse trabalho, abordaremos as cinco primeiras: 1) constituio e consolidao do grupo composto por professores que atuam na Educao Bsica, tendo como nico critrio o fato de ensinarem Matemtica nesse segmento. Consideramos essa, como sendo uma fase importante dentro da perspectiva da metodologia de pesquisa-ao, pois se trata da real constituio do grupo de estudo. Essa fase foi composta por uma discusso inicial geral sobre questes ligadas tecnologia e prtica pedaggica. O objetivo dessa fase foi, dentre os problemas vivenciados, identificados e discutidos pelos professores, no grupo, escolher um tema para ser estudado com mais profundidade; 2) estudo coletivo do tema definido na fase anterior softwares educativos e suas possibilidades para a aprendizagem matemtica por meio de leitura de textos e apresentao de slides. A partir desse estudo passamos fase seguinte; 3) estudo e anlise de um software que pode contribuir com a aprendizagem da Matemtica o grupo escolheu trabalhar com o LOGO; 4) leitura de artigos ligados ao ensino e a aprendizagem da Geometria, do bloco Espao e Forma, contido nos Parmetros Curriculares Nacionais de Matemtica (BRASIL, 1997) e, em seguida, anlise do contedo de Geometria apresentado nos livros didticos de Matemtica destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental; 5) elaborao de seqncias didticas (BROUSSEAU, 1986) envolvendo o uso de softwares educativos ou calculadora. Nessa fase houve a subdiviso por subgrupos, segundo o interesse dos participantes.

    Ao longo dos encontros percebemos alguns momentos de colaborao, em especial naqueles destinados explorao do LOGO. Foi dada uma rpida explicao sobre o software e, a partir de ento o grupo comeou a trabalhar de forma livre; no se tratava de um curso sobre o uso do software. Cada vez que um participante tinha uma dvida ou se sentia bloqueado diante de uma dificuldade, ele procurava outra pessoa para discutir. Alm disso, medida que algum participante fazia um questionamento acerca das possibilidades de uso desse software, ou a respeito de alguma descoberta, boa parte dos envolvidos sentia-se instigado a descobrir essas e novas

  • possibilidades, a explorar as ferramentas e a confrontar essa experincia ao trabalho que poderiam realizar com seus alunos em suas respectivas escolas, tendo em vista o ensino e a aprendizagem da Geometria. Na ocasio, duas professoras tomaram a iniciativa de desenvolver, com seus alunos, uma aula fazendo o uso do LOGO. Para tanto, prepararam algumas atividades, expuseram ao grupo o que haviam planejado e o que j haviam realizado. O grupo fez alguns questionamentos e deu novas sugestes para ampliar o trabalho.

    As reflexes realizadas ao longo de todo o trabalho desenvolvido durante o ano de 2007 indicam que foi despertada, em todos, a vontade de explorar de forma crtica a tecnologia para que, de fato, ela possa constituir mais um instrumento a ser incorporado na prtica pedaggica do professor. Na avaliao feita ao final do ano, todos manifestaram contentamento com o que foi desenvolvido e tambm interesse no prosseguimento da pesquisa. Parece-nos que uma primeira parte, fundamental para o trabalho proposto, foi cumprida: a constituio de um grupo de pesquisa-ao, que trabalha em colaborao e que chegou a certo entendimento sobre o significado e interesse acerca do uso da tecnologia na educao. Isso est sendo comprovado nesse primeiro semestre de 2008, quando estamos preparando, aplicando, analisando, reaplicando e discutindo as seqncias didticas (BROUSSEAU, 1986) elaboradas pelos subgrupos. Ou seja, estamos alcanando um dos objetivos pretendidos: a realizao das idas e vindas entre as reflexes do grupo e as aes desenvolvidas em sala de aula.

    Podemos afirmar que participar de um grupo de pesquisa-ao oportuniza aos professores refletirem sobre sua prtica de forma coletiva, investigando problemas que tenham significado para eles. De fato,

    Os professores que vivenciam processos de pesquisa-ao tm a possibilidade de refletir sobre as suas prprias prticas, sua condio de trabalhador, bem como os limites e possibilidades do seu trabalho. Nesse sentido, ela se constitui em uma estratgia pedaggica de conscientizao, anlise e crtica e prope, a partir da reflexo propiciada na interlocuo com os pesquisadores-observadores e na participao nas discusses com o grupo de pesquisa, alteraes de suas prticas, sendo delas os autores. (GARRIDO, 2005, p. 527)

    Finalmente, queremos salientar que a anlise da pesquisa que temos desenvolvido parece mostrar que no se trata apenas de instigar nos professores o desejo pela integrao da tecnologia em suas aulas de Matemtica, mas sim de investir em uma mudana mais profunda que implica reflexes sobre sua prtica pedaggica. Essa anlise corrobora nossas escolhas metodolgicas e evidenciam que o caminho escolhido est nos levando aos resultados pretendidos: contribuir com o

  • desenvolvimento profissional do professor em uma parceria Universidade X Escola, onde nenhuma das partes submissa outra. O grande desafio nessa formao refletir sobre que matemtica queremos em nossa sala de aula. A prxima seo trata dessa questo.

    4 A matemtica na sala de aula ou como transformar singelas vaquinhas em diablicos monmios.

    Marcelo Cmara dos Santos Os textos anteriores colocaram em evidncia, de forma bastante pertinente,

    questes ligadas ao ensino de matemtica. Em particular, articuladas utilizao de recursos tecnolgicos, salientando-se os objetos de aprendizagem, destacados por Jos Aires, e formao de professores de matemtica, em especial por meio da pesquisa-ao, em um interessante trabalho apresentado por Marilena.

    De minha parte, me aventuro a levantar uma discusso sobre a presena dos saberes matemticos em nossas salas de aula. Em especial, parto das apresentaes anteriores na medida em que os professores citados anteriormente tm como funo bsica levar seus alunos a construrem conceitos matemticos. Mas como esses objetos matemticos esto sendo tratados nessas salas de aula? Que efeitos certas escolhas feitas por ns, professores, geram nos comportamentos dos alunos?

    Evidentemente no tenho a mnima pretenso de, em um texto de carter to limitado, estabelecer respostas, mesmo que no definitivas, a tais questes, mas o momento me parece bastante apropriado para avanarmos algumas provocaes a esses questionamentos.

    Quando observamos o desenvolvimento do saber matemtico ao longo da histria, podemos verificar que esse saber foi construdo a partir de problemas do cotidiano da sociedade na busca pelo desenvolvimento do ser humano. Nesse processo, esses saberes foram sendo paulatinamente sistematizados, com novas construes realizadas, construes essas dando origem a novos problemas, e assim sucessivamente. Porm, me parece importante destacar que esses saberes produzidos se caracterizam essencialmente pela descontextualizao, processo necessrio at mesmo para permitir a universalizao desses saberes.

    Por outro lado, nossos alunos esto imersos em uma sociedade na qual a matemtica aparece intimamente ligada ao cotidiano de cada um de ns. Ns fazemos matemtica em cada um dos atos de nossas vidas. Mesmo o sujeito que nunca freqentou a escola utiliza a matemtica em sua sobrevivncia, seja realizando operaes, fazendo medies e estimativas, trabalhando com grandezas, etc. Nesse

  • caso, preciso destacar que se trata de uma matemtica fortemente contextualizada, quase que uma matemtica pessoal de cada cidado.

    Surge ento um dos grandes dilemas da matemtica escolar: em que medida a matemtica que estamos ensinando aos nossos alunos est contribuindo para a melhoria da qualidade de vidas deles? Em que medida a matemtica pessoal de nossos alunos encontra eco em nossas salas de aula. Ou, nos termos de Gelsa Knijnick (2006), como os saberes impuros convivem (ou no) com os saberes puros em nossas salas de aula. Isso me faz lembrar de uma entrevista de Yves Chevallard que dizia que a sociedade iria parar se no houvesse energia eltrica, mas no sofreria o mnimo dano se a matemtica fosse retirada de nossas escolas. Eu faria um pequeno adendo a essa frase, a sociedade no sentiria a mnima falta dessa matemtica que estamos fazendo em nossas escolas (CMARA, 2006).

    Para ilustrar, e ao mesmo tempo dar sentido ao ttulo desse texto, vou trazer um problema tipicamente escolar, no trabalho com sistemas de equaes do primeiro grau com duas variveis, objeto de ensino to presente em nossas salas de aula de sexta srie, atualmente promovido ao stimo ano do ensino fundamental:

    Em um stio existem vacas e galinhas, num total de 10 cabeas e 26 patas. Quantos animais de cada tipo existem nesse stio?

    Ora, como todos bem sabemos, trata-se de um problema que exige a aplicao do contedo sistema de equaes. Ora, mas para resolver uma equao eu precisa antes saber o que uma expresso algbrica. Ento vamos aprender o que so polinmios. Mas um polinmio uma soma algbrica de monmios, logo eu preciso primeiro aprender o que so monmios.

    Essa fcil, monmios so produtos envolvendo letras e nmeros. Portanto so formados por uma parte numrica, chamada de coeficiente, e uma parte literal. Evidentemente os monmios tm grau. Bem, o grau de um monmio dado pela soma dos expoentes da parte literal. Legal, agora vamos definir monmios semelhantes, so aqueles que tm a mesma parte literal. Bom, com isso eu j posso aprender a somar monmios, evidentemente apenas monmios que so semelhantes: somamos os coeficientes e mantemos a parte literal.

    Mas j que estamos somando monmios, por que no estudar tambm as outras operaes? Vamos l, para multiplicar ou dividir monmios (mas ateno, agora eles no precisam mais ser semelhantes), multiplicamos ou dividimos normalmente os coeficientes e, para a parte literal, aplicamos as propriedades das potncias de mesma base. Voc no sabe essas propriedades? Mas isso j foi estudado na quinta srie, v fazer uma reviso! A mesma coisa podemos fazer em relao potenciao e radiciao de monmios. Agora podemos aplicar tudo isso que aprendemos em

  • expresses. Determine o valor de:

    SOCORRO!!! Agora que j sabemos tudo sobre monmios, podemos voltar. Vamos aos

    polinmios, que se classificam em binmios, trinmios e os polinmios propriamente ditos. Vamos ver ento, como fizemos com os monmios, como identificar o grau de um polinmio. Em seguida vemos as operaes com polinmios, adio algbrica, multiplicao, diviso, potenciao e radiciao. Mas para isso precisamos estudar tambm os produtos notveis.

    J sabemos tudo sobre polinmios? Vamos estudar as equaes, de todos os tipos e formatos, incluindo com fraes, heim! Agora s aprendermos os diferentes mtodos de resoluo de um sistema, adio, substituio, comparao e mtodo grfico, e, finalmente, seremos capazes de resolver o problema das singelas vaquinhas!

    Temos ento o trabalho com esse objeto de ensino em sua manifestao pura. Mas como seria esse mesmo objeto em sua verso impura? Vou apresentar agora como crianas, que ainda no aprenderam tudo aquilo colocado antes, tratam dessa questo de vaquinhas.

    Forma pura Forma impura Galinhas: x Vacas: y

    logo, Damos duas patas para cada

    animal

    Temos os 10 animais

  • Portanto, temos 3 vacas e 7 galinhas.

    Subtraindo, sobram 6 patas

    Dividindo as patas que sobraram.

    Temos 3 vacas e 7 galinhas

    Isso parece mostrar que o movimento histrico de construo dos saberes matemticos parece ter sido completamente evacuado das escolas. Em outras palavras, partimos de toda uma construo sistemtica do saber matemtico para, ento, pedirmos aos alunos que resolvam problemas (que na verdade se caracterizam como exerccios de fixao dos conhecimentos recebidos).

    As conseqncias de tais escolhas tm se refletido de forma bastante marcante nos resultados de nossos alunos, alm de contribuir para o grande ndice de evaso em nossas escolas, na medida em que no conseguimos dar significado matemtica que estamos ensinando. Isso parece explicar o motivo de precisarmos, atualmente, subornar nossos alunos com bolsas, vales e merendas para que ele, pelo menos, se apresente na escola.

    Evidentemente isso no garante que esse sujeito v ser capaz de, um dia, mobilizar os saberes escolares para resolver problemas de sua vida cotidiana. De fato, o que freqentemente encontramos uma espcie de conduta adaptativa e de sobrevivncia, em que os alunos seriam meros estrategistas de um jogo em que cada uma das partes executa seu papel: os professores pensam que ensinam e os alunos fingem que aprendem ou apenas se conformam (SPSITO, 2004).

    Finalizando, e retomando o ttulo do texto, me parece importante que o trabalho em Educao Matemtica se interesse um pouco mais a que matemtica estamos fazendo em nossas salas de aula. verdade que diversos documentos produzidos por educadores matemticos, tais como Parmetros, Orientaes Curriculares, Propostas locais, etc. tm surgido, mas pouca ateno se tem dado implementao e acompanhamento desses documentos. Com isso, vemos cada vez mais a matemtica da escola sendo apresentada sem sentido para o aluno, em que singelas

  • vaquinhas so transformadas em diablicos monmios.

    5 Concluso

    Como dissemos anteriormente, pesquisas em Educao Matemtica tm produzido diversos resultados sobre a aprendizagem da Matemtica nos diferentes nveis de escolaridade. Se, por um lado, essas investigaes abordam mltiplos aspectos ligados ao processo de ensino e de aprendizagem da Matemtica, por outro lado, seus resultados parecem permanecer longe dos verdadeiros interessados: professores e alunos da Educao Bsica. Esse fato nos coloca diante de um paradoxo: para que pesquisamos? Ou, para quem pesquisamos? No estamos defendendo a produo de receitas pela comunidade de pesquisadores a serem consumidas pela comunidade de professores e alunos. Estamos sim, defendendo que as pesquisas realizadas devem, em seu conjunto, contribuir com a melhoria da educao e, mais particularmente, da educao matemtica.

    Nesse sentido foi proposta essa mesa-redonda. Na preparao da mesma, buscamos investigar um pouco mais a relao existente entre a pesquisa em Educao Matemtica e a sala de aula. Percebemos que faltam pesquisas sistemticas sobre essa relao. Mais do que isso: acreditamos que fundamental estudar como essas pesquisas tm (ou no) chegado sala de aula. Esse tipo de investigao pode fornecer algum caminho para discutir a formao de professores que, em nossa opinio, a chave para a mudana. Afinal, as pesquisas, ou os resultados delas, s vo entrar na sala de aula por meio do professor.

    Finalmente, queremos dizer que nos parece que h duas frentes a serem desbravadas: a produo de materiais, incluindo artigos, acessveis a professores da Educao Bsica e a realizao de pesquisas sobre formao de professores em moldes que permitam a esses experimentar, vivenciar os processos e no somente repetir experincias vividas por outros. So esses os desafios que vislumbramos para os prximos anos e que teremos de encontrar solues de modo a contribuir efetivamente para uma maior aprendizagem da Matemtica pelos nossos alunos.

    6 Referncias:

    BARBIER, R. A pesquisa-ao. Braslia: Lber Livro, 2002. BITTAR, M. Informtica na Educao e formao de Professores no Brasil. Revista

    Srie-Estudos: Peridico do Mestrado em Educao da UCDB, Campo Grande, 2000. BRANDO, P. C. R. O uso de software educacional na formao inicial do professor

    de Matemtica: uma anlise dos cursos de licenciatura em Matemtica do Estado de

  • Mato Grosso do Sul. Dissertao de Mestrado, Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Mestrado em Educao, Campo Grande, 2005.

    BRASIL. Secretaria de Educao Fundamental. Parmetros curriculares nacionais : matemtica/Secretaria de Educao Fundamental. Braslia:MEC/SEF, 1997.

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