Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM –...

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA DAYANE CRISTINA PAL Descrição e análise de construções seriais em baulê São Paulo 2010 Exemplar revisado

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UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E

LINGUIacuteSTICA

DAYANE CRISTINA PAL

Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais

em baulecirc

Satildeo Paulo 2010

Exemplar revisado

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E

LINGUIacuteSTICA

Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

Dayane Cristina Pal

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Semioacutetica e

Linguiacutestica Geral do Departamento de Linguiacutestica da Faculdade de Filosofia

Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Letras

Orientador Profa Dra Margarida Maria Taddoni Petter

Exemplar revisado

Satildeo Paulo 2010

A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade

Agradecimentos

Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida

Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo

das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em

Paris

Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem

eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em

me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc

A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de

Linguiacutestica

Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros

diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris

A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o

conhecimento

Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas

A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade

pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria

acadecircmica desde o mestrado

Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida

RESUMO

Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que

subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees

simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de

orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a

Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)

A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com

construccedilotildees coordenadas sem conectivo

O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e

de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc

Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries

verbais liacutenguas africanas

ABSTRACT

This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial

constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by

Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major

semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their

syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization

based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive

Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions

(Goldberg 1995)

Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to

coordinate constructions without connective for being similar in structure

emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in

coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally

differentiates them

The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers

of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule

KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs

linguistic

SUMAacuteRIO

ABREVIATURAS

INTRODUCcedilAtildeO

CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1

11 FONOLOGIA 2

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4

13 O GEcircNERO 6

14 O NUacuteMERO 6

15 CLASSES DE PALAVRAS 6

151 Pronomes 7

1511 Pronomes pessoaispossessivos 8

1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9

152 Verbos 10

1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10

1522 Futuro 11

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11

153 Adjetivos 12

1531 Adjetivos indefinidos 12

154 Numeral 13

155 Palavras de sentido adverbial 14

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15

16 SINTAXE 15

161 Frase simples 15

162 Frase complexa 16

1621 Coordenaccedilatildeo 16

1622 Subordinaccedilatildeo 16

17 INTERROGATIVAS 17

18 NEGACcedilAtildeO 18

CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19

22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33

243 Propriedades prosoacutedicas 34

244 TempoAspectoModo 36

245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38

246 Argumentos compartilhados 41

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43

251 Construccedilotildees seriais 46

2511 Orientaccedilatildeo espacial 46

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto 49

2515 Comparativos e superlativos 53

2516 Construccedilotildees que indicam modo 54

2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54

2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57

31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59

311 Nomes e verbos 60

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64

313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67

314 Determinante do Profile 71

315 Autonomia e dependecircncia 73

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74

317 Verbos complexos 75

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87

3221 Polissemia 88

3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88

3223 Instanciaccedilatildeo 89

3224 Metaacutefora 90

323 Verbos e construccedilotildees 91

324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97

CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101

411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102

412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126

44 MARCAS ASPECTUAIS 131

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144

CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146

511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147

512 Introdutoras de instrumento 158

513 Comparaccedilatildeo 164

514 Indicativas de modo 173

515 Indicativas dos participantes de um evento 174

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188

CONCLUSAtildeO 190

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194

ANEXO 203

i

Abreviaturas

ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo

ADJINDEF ndash adjetivo indefinido

ADV ndash adveacuterbio

APRES ndash apresentativo

ASP ndash aspecto

CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado

COMPL ndash completivo

CONJ ndash conjunccedilatildeo

CONT ndash continuativo

DEM ndash demonstrativo

DET ndash determinante

DET-PL ndash determinante plural

ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo

EST ndash estativo

EXPL ndash expletivo

FUT ndash futuro

HAB ndash habitual

IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )

INDEF ndash indefinido

INF ndash infinitivo

INTER ndash interrogativo

LOC ndash locativo

M ndash masculino

MORF ndash morfema

NEG ndash negaccedilatildeo

O ndash objeto

OD ndash objeto direto

OI ndash objeto indireto

PASS ndash passado

PASREM ndash passado remoto

PER ndash person lsquopessoarsquo

PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)

ii

PL ndash plural

POSS ndash possessivo

POT ndash potencial

Prep ndash preposiccedilatildeo

PRES ndash presente

PROG ndash progressivo

REAL ndash realista

RED ndash reduplicado

REDUP ndash reduplicado

REFL ndash reflexivo

REL ndash morfema relativo

REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo

RES ndash aspecto resultativo

RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo

S ndash sujeito

Sg ndash singular

SN ndash sintagma nominal

TEMP ndash tempo

V ndash verbo

INTRODUCcedilAtildeO

O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de

leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005

na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs

brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo

Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como

ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava

propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da

teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo

apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries

verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que

um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro

Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do

continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs

mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento

e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo

Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto

de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de

cada liacutengua

Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de

serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas

agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de

Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais

em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um

olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que

tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos

Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos

brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)

e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees

seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade

de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o

portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel

semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as

propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)

elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em

dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo

dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados

de nosso corpus do baulecirc

No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais

teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica

Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos

Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas

insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a

sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na

elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem

passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer

outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-

se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de

suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem

conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura

conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc

Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente

fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon

(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente

semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma

caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo

5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees

Coleta de dados

O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira

1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da

histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria

pesquisadora

2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e

cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo

realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um

filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns

triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos

que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era

transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em

diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas

3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo

colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a

partir de um tema de interesse do proacuteprio falante

4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os

trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses

dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio

As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados

foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos

os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila

1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na

pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal

referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa

1

CAPIacuteTULO 1

A LIacuteNGUA BAULEcirc

Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por

aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do

continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia

em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que

estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma

aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais

repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas

estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e

superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma

classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do

Marfim

Niger-Congo

Atlantic-Congo

Volta-Congo

Kwa

Nyo

Tano

Central

Bia

Northern

Baouleacute

1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl

2

Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma

breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo

realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)

11FONOLOGIA

O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e

21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras

em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo

haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a

oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos

de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)

Orais e nasais

fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo

fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo

fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo

kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo

Surda e sonora

bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo

3

di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo

jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo

Pontos distintos de articulaccedilatildeo

fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo

Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e

dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma

propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos

semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute

determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)

sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo

alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo

No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo

realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo

indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos

(Kouadio amp Kouame 2004 14)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame

lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)

ɔ fa a duo

3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)

4

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio

amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica

Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa

do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem

alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees

foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um

exemplo

VOGAIS

API Ortografia baulecirc Exemplos

A a ta lsquoplantarrsquo

E e be lsquocozinharrsquo

ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo

I I ti lsquocabeccedilarostorsquo

O o bo lsquofundorsquo

ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo

U u fu lsquosubirrsquo

I in fin lsquovir dersquo

Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo

ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo

ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo

U un wun lsquover incharrsquo

CONSOANTES

API Ortografia baulecirc Exemplos

b b ba lsquocrianccedilarsquo

c c cɛn lsquoengordarrsquo

5

d d dɔn lsquohorarsquo

f f fu lsquosubirrsquo

ɡ g gali lsquomandiocarsquo

gb gb gba lsquoarmadilharsquo

ɉ j jɔ lsquoredersquo

k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo

kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo

l l la lsquodeitar dormirrsquo

m m damun lsquojogorsquo

n n nnun lsquocincorsquo

ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo

p p panndu lsquogarrafarsquo

r r rɛrɛ lsquoescalarsquo

s s se lsquodizerrsquo

t t tu lsquodesenterrarrsquo

v v vi lsquorim lomborsquo

j y yi lsquoesposarsquo

z z nza lsquoinhamersquo

13 O GEcircNERO

Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a

distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea

como observamos a seguir

bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo

yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo

6

14 O NUacuteMERO

Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun

Sran mun

Ser humano PL

lsquoOs seres humanosrsquo

15 CLASSES DE PALAVRAS

As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que

constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas

(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de

nomes verbos adjetivos e adveacuterbios

No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os

distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados

devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha

significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor

definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os

pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que

acompanham os lexemas nominais Exemplos4

di

Comer

lsquoComarsquo

alwa ɔ

cachorro pred

lsquoEacute um cachorrorsquo

bia kun

cadeira INDEF

lsquoUma cadeirarsquo

4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora

7

ɔ fa- li wa n man-ni mi

3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o filho delersquo

151Pronomes

Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes

pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte

nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que

determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5

bja nga

cadeira DEM

lsquoEsta cadeirarsquo

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ

branco vila INDEF dentro LOC

lsquoNuma vilahelliprsquo

511 Pronomes pessoaispossessivos

A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto

SUJEITO Singular Plural

1a pessoa n e

2a pessoa a amu

3a pessoa ɔ be

5 Exemplos de nosso corpus

8

COMPLEMENTO Singular Plural

1a pessoa mi e

2a pessoa wɔ amu

3a pessoa i be

Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em

construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ

(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por

pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do

referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso

facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004

22)

Min si liɛ

1Ss pai MORF

lsquoMeu pai (a mim)rsquo

Be nianman bian6 liɛ mun

3Opl irmatildeo homem MORF PL

lsquoOs irmatildeos delesrsquo

Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal

complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta

adicionar o morfema mun

POSSESSIVO Singular Plural

1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo

2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo

3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo

6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua

9

1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido

Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga

mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome

que determinam7

Gbo nga

Poccedilo DEM

lsquoEste poccedilorsquo

sran nga mun

Ser humano DEM PL

lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo

A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun

lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be fa be un

3Spl parecer 3Opl corpo

lsquoEles se parecemrsquo

Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado

utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be wan Kofi ba-li

3Spl dizer Kofi vir-PERF

lsquoDizem que o Kofi veiorsquo

7 Exemplos de nosso corpus

10

152 Verbos

A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e

dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin

lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros

1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo

A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)

verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o

imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man

colocado apoacutes o(s) verbo(s)

Exemplos

tra li a ce kl ltri

Ele s sentar PERF solo escrever carta

lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo

a ba ma

3Ss RES chegar NEG

lsquoEle natildeo chegoursquo

ba su wa kɔ lafi

crianccedila PROG FUT ir dormir

lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo

yɛ ɔ fa flwa nga

entatildeo 3Ss pegar livro DEM

lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo

ɔ tɛ lafi

3Ss CONT dormir

lsquoEle continua a dormirrsquo

11

1522Futuro

A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome

sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro

proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa

Vejamos alguns exemplos

laflɛ kun ba yɛ wa lafi

sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir

lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo

ɔ su wa sɔ televizion n

3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET

lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos

Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos

realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz

em muitas repeticcedilotildees

wo l titi waka ma wie

3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF

lsquoEle colhia umas frutasrsquo

153 Adjetivos

O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que

determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o

adjetivo

Sran dan

Ser humano grande

lsquoUm homem grandersquo

8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo

12

Bla kpɛnngbɛn mun be si able

Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)

lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10

1531 Adjetivos indefinidos

a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)

algum(ns) certo (s) Exemplo

sran vie mun be bali wa

ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC

lsquoAlguns homens vieram aquirsquo

b) fi algum Exemplos

like fi n kɔ a lika fi

coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum

lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo

c) kwlaangba tudo todos

Ba sɔrsquon si sa kwlaa

Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo

lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo

d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo

lsquouma aacutervorersquo

10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc

wa ka ku n

aacutervore uma

13

e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo

Like uflɛ

coisa outra

lsquooutra coisarsquo

f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo

like kunngba

coisa mesmo

lsquoa mesma coisarsquo

g) sɔ lsquotal dessa formarsquo

talua sɔrsquo n tirsquo A kpa

menina tal DET ser NEG bom

lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo

154 Numeral

Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a

centena 200

1 kun k 11 blu nin ku

2 nnyɔn 20 ablaɔn

3 nsan 30 ablasan

4 nnan 40 ablanan

5 nnun 50 ablenunn

6 nsiɛn 60 ablesiɛn

7 nso 70 ableso

8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ

14

9 ngwlan 90 ablangwlan

10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn

155 Palavras de sentido adverbial

Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe

unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente

nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos

tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e

adjetival

Nian kpa

Olhar bom

lsquoOlhe bemrsquo

Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado

como adjetivo e adveacuterbio

i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ

3Ssg sair 3CLpl olho grande grande

lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo

Kuasi klo Amlan ngboko

Kuasi amar Amlam Muito

lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo

O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12

K a gu li l fu li e ku n

Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo

lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo

11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus

15

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo

Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de

adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute

contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo

bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo

16 SINTAXE

161 Frase simples

As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema

Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos

le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs

lsquoEle tem trecircs cestasrsquo

Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs

lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo

Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute

invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo

ɔ yo li swa nga man ni mi

3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

162 Frase complexa

1621 Coordenaccedilatildeo

A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes

morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns

exemplos

16

ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver

lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo

Y sie-li l y bo i komin ekun

Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv

lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo

K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba

Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir

lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo

1622 Subordinaccedilatildeo

O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para

expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i

nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ

sa) Exemplos ilustrativos

K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla

Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo

lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo

i ti kɛ nɛ yɛ

3Ss ser como animal ADV

lsquoEle eacute como um animalrsquo

ti k kkba umuan y u i

3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo

17

A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo

Exemplo

e wo Paris tra Lion

1Spl ir Paris ultrapassar Lion

lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo

17 Interrogativas

Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin

lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo

nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ

O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred

lsquoO que ele fez para mimrsquo

a fa mannin wan

2Ss pegar dar-PERF INTER

lsquoA quem vocecirc deu isso

ɔ duman suan13 sɛ

3Ss chamar INTER

lsquoComo vocecirc se chamarsquo

18 Negaccedilatildeo

O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a

marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o

morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos

13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo

18

Mrsquoa fa man mrsquoa fia man

1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG

lsquoEu natildeo o escondirsquo

kɛ ba lafili man

quando crianccedila dormir-PERF-NEG

lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo

Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se

acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos

mi si su man ma n mi livru kun

POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF

lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo

Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo

man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo

ɔ tran ma n lɔ ku n

3Ssg morar NEG LOC NEG

lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15

ɔ nian wɔ ma n Buake

3Ssg NEG ir NEG Buake

lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo

14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397

19

CAPIacuteTULO 2

L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no

que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades

definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de

anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das

liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos

parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades

sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme

Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do

tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo

Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais

construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas

Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp

DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais

que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute

nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS

Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em

estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute

considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu

trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de

um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua

Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de

combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem

nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele

atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma

sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo

acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial

20

Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for

um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um

complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar

fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos

satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse

caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas

subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16

(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)

Em combinaccedilatildeo acidental

Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou

adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado

simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados

sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas

satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto

na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)

Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os

componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute

hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na

seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que

estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou

Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica

da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e

tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo

A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de

uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser

expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o

16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo

21

apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o

essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora

eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo

significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao

verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)

Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada

muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar

a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das

liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento

seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos

desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item

lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo

absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada

construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos

estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido

aprofundadas pelo autor

A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com

Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os

estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas

pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa

transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as

construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou

mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)

(1) fmm me ne pocircnko no

Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o

lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo

18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)

22

(2)

fmm me no

Ele emprestar-PASS me o

lsquoEle o emprestou a mimrsquo

(3)

de no fmm me

3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)

lsquoele o emprestou a mimrsquo

Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua

natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples

admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A

produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome

objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em

que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que

compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que

restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de

novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais

Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas

propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos

em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais

como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental

por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se

realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que

observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os

verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de

identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da

combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as

caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de

verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da

sentenccedila nem portam marcas gramaticais

23

Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que

em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de

Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens

lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem

de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em

momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo

apresentando propostas diferentes

O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas

distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las

como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir

de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas

estabelecidas na construccedilatildeo

Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991

Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como

resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a

sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um

fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um

continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi

2005)

Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados

associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas

chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute

Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais

para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees

seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees

sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos

os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo

de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)

Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees

seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente

21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo

24

pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os

argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar

mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma

recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma

anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez

que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande

variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia

demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o

surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso

linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um

processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel

A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos

nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos

falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo

Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento

ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo

semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as

construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades

semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que

tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal

na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A

nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a

possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente

A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de

Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da

inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo

Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo

satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada

construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do

significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a

proacutepria construccedilatildeo

25

22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica

da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade

cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia

tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema

cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral

Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de

outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma

habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a

concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes

de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa

tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano

culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de

tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico

Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo

linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo

principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia

Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo

denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre

construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade

para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos

africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor

rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que

testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as

ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que

essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor

eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente

compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa

construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de

que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar

a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns

22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo

26

povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos

desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e

consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo

produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se

certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em

outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por

exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord

(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua

depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees

comunicativas elas servemrdquo23

Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais

uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura

sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES

SERIAIS

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de

propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do

fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que

pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de

1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual

tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de

anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de

1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos

tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as

proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa

abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para

todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)

No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas

contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que

23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname

27

dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como

o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser

analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e

quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns

exemplos

(4)

Olu mu iweacute wa

Olu pegar livro vir

lsquoOlu trouxe o livrorsquo

(5)

Olu gun iyan je

Olu pounded yam ate

lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo

Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo

de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e

construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries

verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o

autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de

natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo

tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao

contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26

Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na

tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf

JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o

desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa

entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas

e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la

da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais

25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos

28

Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas

abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse

pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito

de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas

caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as

diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)

O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a

tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades

especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para

a construccedilatildeo eacute

Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem

juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo

subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais

descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees

simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo

simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS

podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada

componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos

individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27

(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)

Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma

variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea

Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e

coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua

anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua

de base

Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma

maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como

o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de

subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares

27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo

29

modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas

inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)

A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois

apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase

inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do

Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute

que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais

comuns em liacutenguas analiacuteticas

Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-

congolecircs

Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)

(6)

a fa i swa n a kle mi

3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os

lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)

Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)

ti-wa -ra ete re a

3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o

lsquoEle destruiu o pratorsquo

No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em

seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle

lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo

sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado

28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo

30

por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute

mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas

da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada

O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na

elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de

serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee

apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no

capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula

completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse

satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o

dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de

complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se

parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas

mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo

O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num

uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos

assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por

meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo

podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a

adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um

evento

Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos

descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem

expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal

associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades

verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que

sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico

lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da

construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do

segundo verbo

29 Verbos esvaziados de sentido

31

Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma

compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se

complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS

para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem

na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas

regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das

construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas

coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia

ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como

uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa

classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS

Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de

liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo

esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon

(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a

elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes

grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores

contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem

que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e

Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e

chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas

seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico

Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a

despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado

simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia

sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra

32

oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se

observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da

Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)

(8)

nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana

1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP

lsquoEle viu que eu atravesseirsquo

Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final

da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais

ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de

cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS

o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS

aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de

subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute

subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte

Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud

AIKHENVALD 2006)

(9)

a mtto cw katto rwo t

1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei

lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo

Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o

elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas

verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de

estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos

componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da

composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a

30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda

33

CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas

gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso

acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees

seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de

forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais

independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas

marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do

perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo

Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo

de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus

componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel

constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir

uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas

multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa

dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de

gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que

adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a

compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto

que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido

Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas

a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a

distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse

conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por

essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores

Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que

determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de

compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de

integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente

possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja

do uso que o falante faz dele

34

243 Propriedades prosoacutedicas

Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma

oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de

entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras

oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa

pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os

autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo

concisa sobre ela

Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua

escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite

maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de

fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de

organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais

Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a

complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os

interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que

pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura

gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa

de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no

discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade

entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou

informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no

discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda

na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os

limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma

oraccedilatildeo de um uacutenico verbo

A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a

caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se

sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie

verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees

seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo

35

prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que

uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da

capacidade fiacutesica humana

Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula

a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala

tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se

houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade

entonacional

A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos

formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente

uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de

uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades

cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a

tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma

mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma

abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica

(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels

() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre

construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um

predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees

em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)

Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia

verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba

todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas

europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de

seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo

inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000

240)

32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo

36

244 TempoAspectoModo

Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de

tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes

conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser

feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre

elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e

que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila

entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a

concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema

indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de

aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33

(Ameka 2003)

(10)

Kwasi da h re di di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e

o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores

aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a

concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se

harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do

aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento

Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo

por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades

discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos

maiores perfectivo e imperfectivo

Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir

uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam

33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana

37

compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum

contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)

Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006

9)

(11)

cu a ni ak n- ni

Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB

lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)

Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e

ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir

(12)

cua ci ak oŋgu i

cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg

lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo

Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra

accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo

apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute

de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao

segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo

que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de

agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do

exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo

parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo

coordenada

Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc

(13)

Be sin-ni l be wo-li

38

3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF

lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo

Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que

representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem

pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido

junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar

essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados

No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos

verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees

coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em

elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos

que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do

falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente

a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento

como em construccedilotildees seriais

245 Composiccedilatildeo dos argumentos

Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento

Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de

argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico

argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item

lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da

natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)

Ambos podem pertencer agrave CS como um todo

Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a

caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou

subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as

caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos

34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo

39

por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em

outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio

de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando

usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)

Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da

valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos

requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois

resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o

seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)

(14)

o ti ri nwo keacute a hu o kpo

Ele bater TEMPO homem REL soco

lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)

(15)

lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)

Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e

o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o

mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando

entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o

verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e

interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se

sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A

estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo

o ti gbu ru nwo keacute a hu

Ele bater matar TEMPO homem REL

40

transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos

que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um

argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma

serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos

compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo

caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a

apresentada acima como uma CS

O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso

(16)

i kle mo n wla i ti kle n a tu a t

3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES

cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo

Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle

arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo

ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da

CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando

concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS

O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento

interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia

desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos

transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc

Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da

combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de

que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua

valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante

de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto

de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS

41

246 Argumentos compartilhados

A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma

propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que

quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam

consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como

prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos

ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo

satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs

Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo

componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO

sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de

um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode

ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade

indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute

denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38

(AIKHENVALD 2006 16)

(17)

Tali mi-tit tenten Kevin

Tali PER-socar chorarREDUP Kevin

lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo

Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza

uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro

verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse

primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo

elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2

37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu

42

Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico

entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)

que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo

impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir

como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada

proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo

como elemento de fundo ou apoio agrave cena

Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em

geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical

seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit

p16)

(18)

na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak

3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM

lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo

O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e

tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares

em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que

eacute menos especiacutefica

A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute

sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim

Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e

construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a

diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito

evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto

de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute

bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)

39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo

43

Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito

satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na

literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo

transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2

nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees

consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito

de V1 eacute equivalente ao objeto de V2

Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do

goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud

AIKHENVALD 2006 102)

(19)

kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()

antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta

lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo

Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees

temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou

de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo

progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o

primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima

Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees

(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os

recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica

demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a

identificaccedilatildeo de uma CS

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA

Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees

seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com

suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash

construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a

relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na

44

construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico

evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo

harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus

componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo

pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado

grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem

representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico

verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica

especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald

Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas

grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe

relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe

gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees

assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito

por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula

uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou

postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a

toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)

Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos

pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe

restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma

divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo

com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e

quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos

que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos

de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa

desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a

adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo

ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse

40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo

45

conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que

podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees

gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou

ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente

Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos

semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as

propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo

condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer

quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos

semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos

parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo

das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as

constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e

consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros

de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los

1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento

2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de

estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo

3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-

modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo

4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo

5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo

6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos

como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros

A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a

apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo

tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar

principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria

essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os

mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs

46

251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A

seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades

2511 Orientaccedilatildeo espacial

Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de

movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -

e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD

2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica

do Sul

(20)

Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]

Macaco vir beber I PRES

lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo

indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao

mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada

(21)

a fin Buake a ba

3Ssg RES vir de Buake RES chegar

lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo

Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao

encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]

Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No

primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do

baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida

47

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado

Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de

outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do

kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213

apud AIKHENVALD op cit p23)

(22)

lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo

Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma

funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de

mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo

apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma

outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em

casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord

(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma

adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico

Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS

ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois

processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite

portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como

afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do

qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo

ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise

como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte

de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma

mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial

Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses

verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A

kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai

quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir

48

autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e

temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do

aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre

CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais

processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees

Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe

apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)

(23)

ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]

1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS

lsquoEu me tornei grandersquo

Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo

ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro

verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando

empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de

ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de

seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos

semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um

novo significado

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo

Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute

negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos

em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma

modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo

morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer

sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a

41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)

49

seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD

opcit p 24)

(24)

eli ja acha bai Singapore

3Ssg PER receber ir Cingapura

lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto

Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em

papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas

instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que

passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees

semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como

verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em

saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud

AIKHENVALD opcit p 26)

(25)

Kofi Bi bai di buku da di muyeacute

Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher

lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo

O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo

primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo

(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e

beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo

quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica

entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego

em CS como a do exemplo (25)

43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca

50

Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de

um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud

KROEGER 2004 239)

(26)

Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i

Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip

lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo

Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os

argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos

verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos

As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser

analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o

padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os

verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()

Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004

239)

Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em

posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em

posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O

objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o

objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo

serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por

exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo

representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees

metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS

Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como

coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O

principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena

44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo

51

representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a

natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome

nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)

(27)

Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg

lsquoAya me deu o livrorsquo

A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em

CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar

sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode

ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e

aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON

opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo

acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos

integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns

casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio

ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item

lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em

sincroniardquo47

O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento

mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um

momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2

Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de

coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a

outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo

jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em

serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para

46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas

52

verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential

combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48

Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico

de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)

(28)

Abo lori tudik korsquoa paun

avocirc pegar faca cortar patildeo

lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de

ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)

tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada

sem conectivo com sujeito vazio

(29)

fa-li lali kp-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF

lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um

uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o

sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas

construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject

construction- ESC)

Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo

apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em

estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis

visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum

53

instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem

como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento

A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como

as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou

coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos

que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo

semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise

reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como

uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo

2 515 Comparativos e superlativos

Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo

ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de

construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006

101)

(30)

kuma frsquoyer ma ni

tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg

lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo

Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial

comparativa

(31)

n si Kofi kpa tra Kuakou

1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o

outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute

algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo

50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria

54

como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em

segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados

2516 Construccedilotildees que indicam maneira

Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado

pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in

AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em

que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira

como a outra accedilatildeo se realizou51

(32)

ti [gi-e yaa-a -goe ]

1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT

lsquoEu chegarei atrasadorsquo

252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes

Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico

da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um

evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como

pressuposto a accedilatildeo de cozinhar

(33)

Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu

Ama POT-cozinhar coisa comer

lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo

51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo

55

Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois

do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido

pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo

2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito

O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo

serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o

efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos

em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-

function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)

(34)

n=babas weli n=mot do

3sg=bater porco 3sg=morrer REAL

lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo

Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra

indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou

52 Liacutengua austroneacutesia

56

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o

tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito

de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas

propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de

variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas

construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer

paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees

Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de

compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa

caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo

homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo

evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de

identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais

Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo

com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto

mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um

ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo

57

CAPIacuteTULO 3

PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS

Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as

construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo

dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois

entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que

traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em

coacutedigo

O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de

perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas

relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave

elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970

nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente

como um movimento mundial

O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os

estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano

precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos

gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de

que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas

propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos

pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos

teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta

Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto

heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)

teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais

(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987

2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas

comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira

(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos

portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo

(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se

uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico

58

(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre

domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes

inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia

Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem

estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas

estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como

manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na

Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a

organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em

diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)

Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da

Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave

proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a

Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria

maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as

propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as

quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva

desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens

lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de

nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo

aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o

significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca

mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf

LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele

Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a

elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item

lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee

a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como

a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os

moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de

ambas

59

31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)

Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso

e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que

descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute

simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o

fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e

no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)

formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas

simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica

ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma

determinada liacutengua (LANGACKER 1987)

Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave

conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer

tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto

experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva

compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada

pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica

dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa

interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo

discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as

estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da

transmissatildeo da informaccedilatildeo

A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica

Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a

caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que

estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na

elaboraccedilatildeo dos enunciados

53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria

60

311 Nomes e verbos

Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam

em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos

dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que

natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente

idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo

necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria

Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por

Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA

1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de

saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da

dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria

categoria

As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade

identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos

mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas

propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os

elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a

estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a

natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as

dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se

extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os

membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de

significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e

sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em

consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a

natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas

margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e

intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees

necessaacuterias e suficientes

Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e

verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto

fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em

54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa

61

termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos

fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades

de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo

que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo

prototiacutepico

Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a

existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para

nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes

Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos

I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material

II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual

III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo

IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa

nenhuma localizaccedilatildeo particular

V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos

conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento

E para verbos o autor destaca

I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de

mudanccedila e transferecircncia de energia

II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem

sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal

III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada

uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes

IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem

conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem

Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo

resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam

tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo

linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e

categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo

das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas

62

por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de

influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)

Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos

de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos

o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo

Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos

discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato

entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de

dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato

fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que

pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55

(LANGACKER 2008 103)

No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila

a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o

objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia

prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida

Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute

proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais

proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se

um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma

accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa

transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um

terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim

sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo

substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que

os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa

Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento

e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)

Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de

energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras

55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo

63

[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia

de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de

energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo

intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o

sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento

autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o

que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos

chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute

um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA

SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)

O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado

modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia

momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a

interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse

modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem

em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)

No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os

participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo

cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por

expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos

nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos

centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que

representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez

que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a

uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como

participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante

Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical

e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e

complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia

complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os

dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico

56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo

64

contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto

a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura

Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas

linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou

mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do

falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual

direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes

de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado

As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que

concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo

uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam

prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se

desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles

haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um

nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente

possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser

relevante para nossa pesquisa

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual

Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por

uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo

significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais

ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende

do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre

leacutexico e gramaacutetica

Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo

claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do

leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e

podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro

mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no

estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar

processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura

semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica

65

Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que

uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma

comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo

expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma

comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o

lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas

partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber

dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo

palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo

auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo

(estaacute falando) entre outros

Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o

processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para

que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma

expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de

complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas

caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo

eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de

detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes

A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de

experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um

conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58

(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais

de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria

o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem

traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a

que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo

formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos

protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor

(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo

satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um

57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo

66

nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e

probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os

protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)

Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja

na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e

dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais

Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e

conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito

no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva

consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e

devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma

representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais

De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-

se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro

deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso

deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de

construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma

expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas

depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59

(LANGACKER 1993a)

E ainda

Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo

inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade

eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro

ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva

tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)

Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a

sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na

59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo

67

situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez

refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o

outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do

proacuteprio discurso

Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das

diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de

um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)

identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que

decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as

classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)

313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)

Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais

relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se

estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu

significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais

de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia

entre os seus elementos conceituais

As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo

apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado

da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como

exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base

mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma

condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um

processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e

reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento

Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se

desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de

energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a

categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a

impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva

Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado

natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo

68

bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como

um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades

cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background

memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER

1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo

linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais

capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos

mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos

cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa

percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas

por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do

primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o

que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua

compreensatildeo o que eacute menos relevante etc

Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia

conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois

elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos

saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em

um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas

gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas

figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata

Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e

fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o

espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)

Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente

moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor

particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61

61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo

69

O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel

relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou

orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62

Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as

noccedilotildees de marido e esposa

(LANGACKER 2003 252)

A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma

base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e

esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao

poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino

A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o

elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais

como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre

homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o

nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto

de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo

de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros

A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de

retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia

desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor

tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a

possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que

demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada

proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees

particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados

62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo

70

conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo

planos

Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma

determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver

essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com

o qual a cena eacute representada

Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em

que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja

representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido

amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento

preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas

dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current

discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as

informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor

formando a base do discurso produzido

No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para

elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia

que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa

capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa

forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo

numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra

absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O

escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou

escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo

imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e

o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a

propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato

Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em

sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo

em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que

nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez

examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento

cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou

71

seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo

escopo maacuteximo

Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)

interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo

temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de

sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas

gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o

trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees

314 O determinante do profile

A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de

seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo

a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas

esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa

forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os

profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao

profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um

termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a

mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo

designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome

ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo

O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da

construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave

qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da

GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela

natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de

seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo

correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de

classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as

estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e

consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute

apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos

72

Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de

nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse

equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma

parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo

Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser

classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha

cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar

analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet

tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o

trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como

trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do

closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina

um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um

de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile

correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um

deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial

Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser

identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao

da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o

profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por

Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um

verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de

remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o

processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim

um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que

apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos

constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar

carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente

Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam

usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC

denominados esquemas construcionais

64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo

73

Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de

semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas

Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)

315 Autonomia e dependecircncia

Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de

correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui

esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados

Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um

detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a

schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse

termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration

site (e-site)

Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente

conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de

correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados

como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo

considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a

caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical

verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute

-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que

o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado

O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da

organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por

termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato

indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em

suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de

dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a

estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute

65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo

74

dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o

componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no

ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de

autonomiadependecircncia desses elementos componentes

A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser

compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e

seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente

sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria

construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo

isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe

de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado

Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo

eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica

Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute

identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas

componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas

componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical

mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos

constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico

representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano

corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha

A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC

uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um

agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto

de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que

iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo

se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a

sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC

considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno

75

(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por

instacircncias simboacutelicas

Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que

estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees

transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos

elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos

alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo

componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)

(a) The package [that I was expecting] arrived

(b) The package arrived [that I was expecting]

Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo

conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de

organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do

exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que

ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos

constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a

sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a

significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas

gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual

que expressam

317 Verbos complexos

Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta

complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A

estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma

oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que

restam a ser preenchidos

De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui

no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em

liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos

76

resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o

autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo

necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto

ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do

tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)

A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma

uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas

indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto

por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos

por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores

de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo

podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que

representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam

como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas

O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo

funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o

que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos

complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em

construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do

inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que

demonstra as relaccedilotildees de seu profile

(LANGACKER 2003 270) Figura 2

GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)

aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de

77

um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena

enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A

Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com

a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser

de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade

transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for

mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e

influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do

tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do

recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)

Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no

domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente

admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja

transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no

caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da

liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso

pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER

2003 271)

No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo

agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o

beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de

transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)

Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave

demonstrada na figura 2 acima

No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos

son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e

78

envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas

representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes

mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma

sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a

compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua

representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como

verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do

beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor

prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais

representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a

representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do

marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente

(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual

Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres

que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do

mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada

por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos

que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo

em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente

experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas

conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees

linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia

dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal

elaborado de uma determinada cena

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

10) fa li tanni man ni kuajo

Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso

79

fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais

que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento

descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por

transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos

fa (pegar) e man (dar)

O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute

tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena

O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo

e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato

de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel

numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com

essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a

perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo

fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode

imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos

Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos

semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores

que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte

semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em

construccedilotildees seriais passa a verbo funcional

Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de

seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais

possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas

formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento

dessa estrutura

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais

A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas

um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos

semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos

constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a

ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e

80

qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente

relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que

antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da

Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua

significaccedilatildeo

O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos

a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um

evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente

de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos

culmine em um evento maior e principal

Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de

alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente

associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma

concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash

AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28

in AIKHENVALD 2006)

A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos

semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente

pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no

que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou

subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma

mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em

estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no

significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado

da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem

Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos

semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais

66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo

81

deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa

forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de

conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens

lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela

acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da

construccedilatildeo

Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial

como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de

eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma

funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do

evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo

como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou

discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e

uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim

concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo

de interdependecircncia estabelecida entre os verbos

Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o

ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de

um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado

denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto

de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo

verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma

consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo

primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)

Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que

nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores

prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo

67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo

82

Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de

autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68

Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar

e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena

representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees

seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em

termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como

representativos tambeacutem dessas construccedilotildees

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados

estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus

participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os

componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de

acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena

de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a

abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o

barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma

mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu

interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada

atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem

mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo

para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo

conceitual

Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo

fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a

conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as

liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos

seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser

realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de

evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento

em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)

68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to

clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual

autonomy and dependencerdquo

83

Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi

discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser

comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado

por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que

devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo

Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de

Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica

Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica

Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo

teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites

estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas

naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem

processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao

leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias

denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da

liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como

pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de

forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da

maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos

anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria

A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel

central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma

minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A

natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas

formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG

2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a

69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos

84

gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser

compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas

e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge

espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras

semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave

gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)

sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees

satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee

assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da

liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange

ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico

A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre

construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de

uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute

de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que

natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as

unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e

sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a

diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade

Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos

construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais

transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por

exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e

a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em

complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares

de significado e forma

A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia

lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma

hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma

construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da

70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical

constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538

85

construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)

sobre o verbo slice

a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)

b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-

movimento)

c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)

d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o

eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)

e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)

A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice

a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao

contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp

instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a

determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da

estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de

Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo

preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e

que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido

central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais

como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de

estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre

outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente

pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees

Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma

gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado

projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando

entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma

determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos

e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto

quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base

86

adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em

outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem

como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico

Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma

abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se

atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal

abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as

construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de

mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical

se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque

potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta

ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e

escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado

na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de

um item lexical em seu sentido de base

Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que

Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de

linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)

deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das

palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que

(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes

significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro

de maneira clara71

A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de

motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as

provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas

71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item

87

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos

Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas

tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da

motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo

maximizado princiacutepio da maacutexima economia

Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute

motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de

forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas

sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder

expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir

de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de

construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel

Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as

construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees

(GOLDBERG 1995 67)

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila

Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana

uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos

capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas

sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o

compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o

que eacute novo

Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo

de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem

entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e

um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que

jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo

nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela

gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou

alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute

conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada

88

categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como

um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)

No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que

representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a

Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a

gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma

similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras

- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode

ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica

3221 Polissemia

Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado

particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima

extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas

entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As

informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo

Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs

1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo

2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo

As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que

preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus

participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo

sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A

existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1

3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)

Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de

outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre

73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995

89

construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir

um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes

Constr Movimento Causado

SEM Causa-Movimento lt

PRED lt

SINT V

causa tema alvo

gt

gt

SUJ OBJ OBL

Lscausa

Constr Intransitiva de Movimento

SEM Movimento lt tema alvo gt

PRED lt gt

SINT V SUJ OBL

3223 Instanciaccedilatildeo (Li)

Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou

uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a

autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo

instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica

associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de

construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo

Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo

75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo

90

Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da

semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa

consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em

que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa

forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na

construccedilatildeo que a originou

(GOLDBERG 1995 80)

Resultativa

Li Ls

drive

3224 Metaacutefora

Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de

um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave

construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a

autora cita

a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo

b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo

O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido

de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)

apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de

movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado

como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off

the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo

metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o

sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)

Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo

possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas

91

semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes

entre as liacutenguas

Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute

a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens

construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como

forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e

processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas

empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)

323 Verbos e construccedilotildees

A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute

carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem

Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees

sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio

sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais

Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que

consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda

construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do

falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais

(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em

construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos

componentes

No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena

por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas

em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-

se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de

apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical

Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de

primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o

compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa

atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade

76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo

92

cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker

(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e

TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam

diferentes aspectos

HIPOTENUSA TRIAcircNGULO

De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens

verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na

medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos

aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os

itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam

papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que

neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao

evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma

construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um

significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional

propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical

instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e

protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido

O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas

concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre

outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a

um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo

regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de

princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir

a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos

semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que

realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o

papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse

verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser

instanciado como exemplo do papel de agente

93

b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um

correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma

similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a

elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria

Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa

estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo

bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus

integrantes

Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir

com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item

CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um

chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o

recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva

Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)

Joatildeo chuta a bola para o Pedro

O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela

construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel

de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o

verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados

como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de

recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite

essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da

informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de

chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam

por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs

Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando

incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel

de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)

He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo

94

A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi

empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico

Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo

manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na

cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a

introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados

diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto

natildeo nos parece ter sido salientado pela autora

O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado

do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do

verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma

construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa

construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo

profunda entre esse item e a construccedilatildeo

Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica

de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo

compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo

visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento

Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo

menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute

corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo

324 Limites entre leacutexico e sintaxe

Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia

pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de

uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a

gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos

significados mas que seja apenas um de seus componentes

A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum

significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se

postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo

sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute

entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a

95

proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de

uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a

compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada

predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente

idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada

virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um

organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez

tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua

menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o

sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se

produz

Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria

regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e

consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos

herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum

elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura

originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original

(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente

Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o

conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa

circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a

construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas

em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A

capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato

cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa

capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana

constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental

A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite

visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que

estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo

sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele

contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da

gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao

significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado

96

e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e

desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo

verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo

Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como

um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou

de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica

primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o

interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do

verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na

estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses

casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena

principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo

ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como

essencial

A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de

mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee

para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se

compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado

Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter

funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo

seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o

caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura

que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do

leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico

97

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas

teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que

nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram

utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os

enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a

Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua

natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute

precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera

assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e

significado

Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo

observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o

entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes

analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais

construccedilotildees

98

CAPIacuteTULO 4

DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS

Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais

concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila

entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute

certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc

(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se

firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam

exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas

propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar

apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos

os exemplos abaixo77

(1)

S V1 O V2 O

sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(2)

S V1 V2 O

fa nu13nu kun wun $ a wun i

Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo

Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores

reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se

assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees

77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros

99

Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma

construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de

seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi

reconhecida mas que se distingue pouco do ponto

de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito

relativamente mais proacutexima formalmente da

justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de

outras liacutenguas79

Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais

nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais

construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua

semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf

CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas

dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf

CREISSELS amp KOUADIO opcit)

bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila

de entonaccedilatildeo

bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a

sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa

bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80

bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)

mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a

construccedilatildeo

Vejamos um exemplo

(3)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ssg pegar frango mostrar 1Osg

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS

amp KOUADIO 1977)

100

Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp

Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso

apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca

gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto

imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave

classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o

significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo

pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir

(4)

ā su fā wɔ swӑ n kle mī

2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg

lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo

Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno

do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise

como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute

mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento

interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)

Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma

ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de

introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute

inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com

o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista

morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se

dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo

enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de

81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82

101

uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro

termo da seacuterie82

Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade

simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe

formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por

dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e

semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees

seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo

Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a

proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois

grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem

a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject

Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos

a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc

Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico

da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso

sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de

coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon

(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal

tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois

grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam

conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar

uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum

82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo

102

dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas

da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado

principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo

Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se

apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem

sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que

esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por

essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais

(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos

semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia

dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir

caracteriacutesticas de verbos funcionais83

411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para

a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio

b) introduzir o papel de instrumento

c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento

d) Indicar uma comparaccedilatildeo

e) Indicar a origem do movimento ou percurso

Analisaremos a seguir cada um dos itens citados

a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio

Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais

assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo Vejamos84

(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su

Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa

103

Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez

funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido

por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo

fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental

ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena

principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo

proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos

levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os

verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2

sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo

verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977

421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o

sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie

verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85

Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome

sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo

caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente

Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo

diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na

coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em

que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo

Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-

baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2

natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um

formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no

corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo

que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos

semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo

85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo

104

metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser

empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)

(6)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em

liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas

como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da

construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais

como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis

semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa

funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na

relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio

proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima

No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um

sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno

Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice

aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele

eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo

Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de

beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir

com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele

ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material

no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio

Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees

indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu

ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a

seguir

105

(7)

i mamamama nnnn----ni mi swa kun

3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF

lsquoEle deu uma casa para mimrsquo

O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu

uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em

relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro

apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)

A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado

de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman

(8)

ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute

3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo

ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em

posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como

ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo

inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o

seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado

central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando

compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de

uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de

verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena

88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo

106

principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os

exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas

Exemplo (6)

yo man

SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem

FAZER DAR

Exemplo (8)

fa man

SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem

PEGAR DAR

Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma

Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a

descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez

man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro

lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que

V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo

aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)

na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada

construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em

seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a

outra

Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma

construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a

preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma

construccedilatildeo serial

A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica

apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1

mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo

107

(9)

i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi

3Ssg pegar manga oferecer 1Osg

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante

os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo

em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se

reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos

dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A

diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man

natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante

beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse

participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de

ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas

por Silva (1999)

b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento

O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o

instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De

acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie

verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)

atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente

um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele

veio com o inhamerdquo89

89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo

108

(10)

lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo

conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se

manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por

trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo

mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido

mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima

extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da

cena descrita carrega traz consigo o inhame

Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo

serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como

operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre

outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa

tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto

nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de

deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo

verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o

inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o

participante tem a posse de algo eacute o verbo fa

O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por

seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas

propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu

estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute

possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como

preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe

de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo

estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de

verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute

preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que

ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li

Il prendre-ACC igname venir-ACC

109

adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da

classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]

O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo

(11)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)

[S V1 O1 V2 O2]

Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta

caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de

PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de

um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero

poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de

um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo

em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois

dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos

salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a

preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos

como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir

de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo

Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o

uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O

morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema

nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo

12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois

termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode

ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor

90 Corpus 4

110

de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em

algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos

a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)

(12)

ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ

3Ss cortar -PERF patildeo COM faca

lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo

(13)

ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī

3Ss ECOM fruta vir-PERF

lsquoEle trouxe frutasrsquo

O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre

dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No

entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria

possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado

pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo

pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena

descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo

dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio

de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A

escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante

c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento

Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma

construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir

111

(14)

e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin

1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho

lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo

(15)

e su wawawawandindindindi babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo

A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria

de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na

estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso

do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e

o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)

apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a

construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo

facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das

marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo

d) Indicativas de comparaccedilatildeo

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre

dois termos

(16)

n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92

91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor

112

(17)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo

entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode

ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um

mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do

sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do

segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)

(18)

n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi

1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi

lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo

A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila

Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez

que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos

comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente

estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a

pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres

com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O

exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da

semana

(19)

igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo

93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo

113

A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo

em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]

e) Origem do movimento ou percurso

As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino

de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo

(20)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten

ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo

uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um

locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo

principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem

conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin

funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega

propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos

anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por

outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez

tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo

(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]

Consideraccedilotildees finais

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve

a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1

114

(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente

essa base

As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se

ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do

sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral

natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como

no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo

Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na

construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo

propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum

estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida

sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as

prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute

entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens

que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas

pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo

possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo

412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para

representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir

(21)

sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica

115

([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma

uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim

como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem

estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as

construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a

ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os

verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores

prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um

ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um

resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva

implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio

visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como

(22)

e kan be bawle

3Spl falar 3Opl baulecirc

lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo

Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por

si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que

sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado

que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa

construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees

No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle

introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode

ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para

mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em

questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo

combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura

argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da

94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos

116

construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim

considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se

relacionam na construccedilatildeo

A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido

introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no

exemplo (23) a seguir

(23)

y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila

lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila

lafl kun ba sono matar crianccedila

a crianccedila dormersquo

A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior

e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta

o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD

V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo

discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto

anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2

sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da

estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo

portanto a sua ordem prototiacutepica

No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc

formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento

(24)

i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo

3Ssg sair-PERF irpartir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo

117

Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico

durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada

apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma

forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a

construccedilatildeo

Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos

e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um

local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de

deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima

portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos

verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute

aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo

acontece no exemplo (25) a seguir

(25)

i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho

a tutututu a tttt

3Ss RES arrancar RES cair

O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo

retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da

oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo

repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por

V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a

queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos

na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser

95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

118

arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas

a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos

A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo

serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo

(26)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo

Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o

locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu

no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete

wlɔ)

(27)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96

A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado

SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ

kpɛn

Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando

nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A

inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de

algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra

96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

119

A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de

forma geral representada por

[SN V1 V2 (SN) (LOC)]

Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que

as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees

assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos

descritos neste capiacutetulo

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO

Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais

dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute

diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si

pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute

atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)

Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em

baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a

denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora

(LARSON 2005 61)

(a) to-li oflɛ di-li

3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL

lsquoShe bought papaya and ate itrsquo

lsquoElea comprou papaia e comeursquo

(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF

lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo

lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo

97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO

120

(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi

Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so

lsquoThe girls have told me the newsrsquo

lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo

(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so

lsquoAya gave me the bookrsquo

lsquoAya me deu o livrorsquo

Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries

verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para

o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por

justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees

seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como

caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu

1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o

sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua

interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)

2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como

defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais

verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo

seriam comumente empregados em seacuteries verbais

3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e

acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)

4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em

uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada

padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer

apenas uma vez

5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e

pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele

99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO

121

A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o

argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se

assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais

sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as

diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico

evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se

assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um

uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados

A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado

decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf

LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a

introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que

envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em

significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os

verbos temos

(28) (32 p99)

lsquoEle comprou papaia e comeursquo

Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado

(29) (3106 p99)

to-li oflɛ kpeacutekun di-li

3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF

lsquoEle comprou papaia E comeursquo

A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe

porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois

eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que

ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples

o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas

to li oflɛ di li

3Ss comprar PERF papaia comer PERF

122

propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos

o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute

facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e

a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter

Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o

verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado

(30) (34 p99)

fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo

Agora com a conjunccedilatildeo

(31) (3108 p100)

fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo

Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas

natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a

sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila

sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas

sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A

possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as

construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na

estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel

sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o

evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em

outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu

conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos

numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a

faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo

sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a

123

faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um

agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o

gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o

processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo

natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa

diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo

dos enunciados

Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees

sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade

maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao

redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado

segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece

efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo

podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101

O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo

deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras

caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de

marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos

considerar o exemplo a seguir

(32) (3118 p105)

Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi

Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg

lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo

De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa

introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson

admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado

inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de

100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo

124

uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o

resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)

A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha

sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo

se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado

ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas

propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como

fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser

interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo

A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees

comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o

verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de

sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar

por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que

indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria

em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua

que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes

nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das

sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)

admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da

construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam

parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees

seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma

propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como

serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo

que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees

Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu

como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a

diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da

conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica

102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo

125

S V1 O1 V2 O2

FA (PEGAR) NOME VERBO NOME

O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos

verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo

semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa

introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em

O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel

semacircntico e natildeo sintaacutetico

Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)

(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em

ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre

parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja

modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)

por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima

apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando

isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se

estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o

mesmo conteuacutedo informacional de antes

A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas

construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses

casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo

acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no

significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser

uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo

(33)

ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi

3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

126

(34)

Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ

Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL

lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo

Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser

interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto

coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em

posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que

envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do

baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e

apresenta o seguinte exemplo

(35) (37 p73)

Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi

Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo

O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico

verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees

funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute

utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta

O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da

marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de

ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas

seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas

como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode

127

levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno

em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte

construccedilatildeo

(36) (332 p73)

Aya fa-li fluwa-lsquon

Aya pegar-PERF livro-DET

lsquoAya pegou o livrorsquo

Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de

argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo

pleno A autora conclui entatildeo que

Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo

na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um

conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila

simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1

natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos

sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc

natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta

ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)

A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo

serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o

livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute

duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo

A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se

afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo

103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo

128

coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora

natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo

sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o

antigo uso

Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais

sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em

favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o

nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas

caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba

todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001

422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os

verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da

combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto

como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas

Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem

morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou

plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias

sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou

subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam

como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma

flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve

entre as propriedades do sistema linguiacutestico

Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou

plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade

funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias

sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos

(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos

subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre

muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas

apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma

106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo

129

flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas

problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)

Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas

transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais

desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em

construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais

abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa

flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado

tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da

construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer

denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades

associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que

natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida

Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a

sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um

evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto

concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo

Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do

verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio

Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia

de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute

possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de

um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo

ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse

novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia

desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF

107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo

130

1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT

2005 88)

Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da

Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees

seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees

simples

(37)

o tou enuma

3Ss pegar dinheiro

lsquoEla pega dinheirorsquo

Agora em construccedilotildees seriais

(38)

o tou inya diredirediredire

3Ss pegar arroz cozinhar

lsquoEla cozinha arrozrsquo

(39)

bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba

2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar

lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)

Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples

natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais

sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo

de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em

construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria

linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum

momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo

108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo

131

44 MARCAS ASPECTUAIS

Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a

categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida

em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que

essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza

simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas

complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre

elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de

um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute

portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia

um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica

independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma

As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem

respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao

momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de

presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees

semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo

instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA

COSTA 2002 19)

Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma

accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa

accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a

definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa

Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a

formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a

constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto

natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com

qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo

temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a

132

diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e

situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109

Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira

como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo

temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em

evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo

referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar

proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute

nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)

como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos

distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e

tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma

exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no

entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato

de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em

relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma

mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o

PROGRESSIVO e o ESTATIVO

Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da

Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes

(40)

Kwasi da h re-di-di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo

133

A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao

valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na

maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a

ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia

entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham

rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a

primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um

subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as

marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude

entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de

aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto

RESULTATIVO para o segundo verbo

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO

Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais

Li(Ni) PERFECTIVO

A RESULTATIVO

Su PROGRESSIVO

Oslash IMPERFECTIVO

Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes

maneiras

1) Junto apenas do primeiro verbo

2) Junto apenas do segundo verbo

3) Junto do primeiro OU do segundo verbo

4) Junto de ambos os verbos

Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos

verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que

haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de

exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar

nos exemplos do corpus abaixo citados

110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes

134

Junto de ambos os verbos

(41)

fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί

3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo

(42)

Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET

lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo

(43)

kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do segundo verbo

(44)

fafafafa tanni n totototo ----lililili blo

3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc

lsquoEle jogou o pano laacutersquo

(45)

n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili

1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF

lsquoEu escondi o patildeorsquo

135

(46)

kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do primeiro verbo

(47)

i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n

3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET

lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo

(48)

kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc

obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No

progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas

do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111

O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial

(49)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo

136

(50)

Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(51)

mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi

1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo

quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo

verbo da construccedilatildeo

(52)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar

acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os

(53)

Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee

lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo

137

(54)

i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema

zero

(55)

sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(56)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em

construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os

tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou

posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas

possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro

Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2

IMPERFECTIVO X X

PERFECTIVO X X

RESULTATIVO X

PROGRESSIVO X X (verbo fin)

112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

138

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO

Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em

construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA

pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os

casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como

representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente

ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja

feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a

constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os

verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de

forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo

de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia

de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um

iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado

A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc

(57)

didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(58)

Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee

lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(59)

Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun

3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC

lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo

139

(60)

a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi

3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os

lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo

Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao

morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois

do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o

que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)

Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de

imperfectivo eacute um morfema zero

No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a

V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e

seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com

uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a

O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em

V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal

A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo

man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura

[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em

seguida na serial

(61)

mi si su ma n-an mi livro kun

1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

140

(62)

mi si su fa man livro kun man mi

1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro

verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as

estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo

No presente e no passado

[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]

[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]

No futuro

[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO

Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a

possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute

possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e

utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo

(63)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]

No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular

em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1

(64)

kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

141

(65)

didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(66)

yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(67)

Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO

Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em

sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1

eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser

representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por

um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3

Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos

[S V1 O1 V2 O2]

Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1

funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de

objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na

estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos

itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais

Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento

principal da construccedilatildeo

Numa estrutura como

142

(68)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os

sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse

lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo

natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu

conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma

preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige

argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal

de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem

inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa

estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]

Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e

consequentemente predicador de argumentos

(69)

ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a

propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo

semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo

mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo

lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando

que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de

143

argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa

construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]

Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo

estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a

presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel

representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra

que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute

manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento

essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que

sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo

Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila

serial

(70)

fa nu13nu kun wun( a wun i

3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em

sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar

que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo

posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a

sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez

que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa

natildeo eacute o predicador do argumento interno

Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto

113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice

pronominal para retomar o objeto direto

144

(71)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore

filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo

No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da

estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial

Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora

na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de

V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse

referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do

enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de

Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento

interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2

A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais

mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura

de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees

[SN V1 SN(obj) V2 V3]

[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]

[SN V1 V2 SN(obj)]

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de

construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com

base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse

tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos

exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas

comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de

propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades

145

CAPIacuteTULO 5

DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que

compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da

Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG

1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um

uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo

de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)

Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios

dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees

conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou

concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro

modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo

quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos

conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser

uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma

categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como

um evento115

Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao

domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita

uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a

estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que

consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo

De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica

a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os

tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o

alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante

secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais

115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo

146

chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a

entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da

atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de

perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)

Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees

(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das

construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem

teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas

e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos

que as aproximam

No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos

demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em

seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal

por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a

possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede

semacircntica potencial dos itens verbais

Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e

assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no

processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam

conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com

o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a

proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que

tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS

Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um

verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de

Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas

116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo

147

511 Introdutoras de beneficiaacuterio

Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo

(72)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ss pegar frango mostrar 1Os

agente tema recipiente

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim

fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo

O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo

descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia

secundaacuteria

O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de

um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento

(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema

eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua

esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento

que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente

mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que

ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum

traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma

vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena

Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute

de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento

trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o

148

caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento

determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema

coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle

O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais

prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma

relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute

efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de

colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar

algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua

posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar

pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim

demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento

interno

Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de

estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos

dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na

serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo

V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse

verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a

ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de

tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua

estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da

construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel

sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado

Caso semelhante observamos no exemplo seguinte

149

(73)

i fa mango cɛ mi

3Ss pegar manga oferecer 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e

secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ

lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos

limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical

acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno

conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e

conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo

objetiva do evento

No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo

introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma

de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais

evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional

(74)

fa nu13nu kun wun$ a wun i

3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

agente tema

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

LIMPAR

nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo

150

PEGAR

fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando

assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu

conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo

(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X

causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que

pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da

proacutepria construccedilatildeo

Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados

(75)

ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute

3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)

que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com

o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)

como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita

por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves

demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o

caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item

escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o

verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que

um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No

entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado

151

a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a

algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa

No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas

aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo

(76)

i ni fa i kondro fa kt Oslash su

POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o

evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja

o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo

discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o

preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um

morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito

O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre

seus participantes

trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida

para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento

requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que

aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa

perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor

Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem

como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas

propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo

satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se

152

daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de

uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes

da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se

compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo

devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que

estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees

satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir

eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o

constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o

exemplo 78

(77)

ɔ yo-li swa nga man-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(78)

ɔ fa -li swa nga man-ni mi

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o

evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de

um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical

semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas

que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo

Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem

em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em

118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)

153

marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo

de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado

pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso

explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119

O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da

construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente

(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio

FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo

DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo

O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na

construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por

esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile

fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem

A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi

determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo

sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia

preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que

construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o

leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um

campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher

uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado

correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para

os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE

2006 26)

Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que

podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)

119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)

154

Semacircntica

Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

Sujeito Obj1 Obj2

yyyyooooman lsquofazerdarrsquo

lsquoelersquo

swa nga lsquoesta casarsquo

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle fez esta casa para mimlsquo

Semacircntica Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

faman man man man lsquopegardarrsquo

Sujeito

lsquoelersquo

Obj1

swa nga

lsquoesta casarsquo

Obj2

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo

apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse

esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute

dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de

introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso

temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como

secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos

155

nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man

lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo

funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna

necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo

serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo

Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas

propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por

adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao

que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma

construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo

constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim

adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma

mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa

possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas

propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos

Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa

Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo

receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que

todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de

situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia

apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na

medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento

descrito

A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena

descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira

veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda

por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do

verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu

uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno

beneficiaacuterio

156

Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de

construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de

construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um

dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo

de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os

verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na

construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange

3 construccedilotildees analisadas

Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do

tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da

cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o

verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o

mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela

construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees

semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas

Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las

bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees

representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o

sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade

157

constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal

combinaccedilatildeo

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

(79)

fa li13 tanni man ni kuajo

3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo

anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes

do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute

representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia

de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo

O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio

tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O

outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e

eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse

tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por

equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte

podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais

relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o

verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena

No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto

em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de

que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma

construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor

apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua

thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a

120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo

158

funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de

beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo

512 Introdutoras de instrumento

A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para

uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da

construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo

incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que

eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma

preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria

uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo

corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado

abaixo

(80)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um

agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre

um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal

(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante

secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma

construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y

se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo

necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou

159

objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a

caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam

Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de

que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja

introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo

de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela

composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome

O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode

revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se

interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a

representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e

ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca

para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra

apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse

movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa

perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca

Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a

funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para

chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado

Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas

coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo

de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham

percorrido esse caminho

Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em

sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse

movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona

diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um

item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute

o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que

por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido

pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de

160

extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma

das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham

como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo

A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem

nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de

beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades

verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando

observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo

verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121

(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e

de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o

sintagma nominal laliɛ n

Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos

verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento

descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente

Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se

adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia

No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca

representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ

lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos

descritos por esses verbos eacute

fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n

kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun

A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor

ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles

121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010

161

estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa

posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun

nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se

entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e

esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal

representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que

representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que

em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela

construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira

funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais

A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um

esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por

meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso

vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf

CROFT 1991 185)

Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos

Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo

Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo

162

Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na

descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel

sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades

verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do

resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-

PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado

A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas

sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute

verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui

manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos

mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto

denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos

o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute

por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que

por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma

uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de

um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave

estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto

se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas

naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto

por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo

da construccedilatildeo serial

163

Construccedilatildeo resultativa transitiva

Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute

predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com

papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na

construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade

visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo

mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca

aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada

A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees

natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz

em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental

que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a

semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo

estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos

diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias

construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da

economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e

harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa

integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial

adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo

122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo

164

semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da

construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos

constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa

combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da

construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido

resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja

ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo

V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de

V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item

lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees

dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas

estabelecidas previamente na construccedilatildeo

513 Comparaccedilatildeo

Observemos o exemplo a seguir

(81)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo

Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo

A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da

relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da

construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema

relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto

natildeo prototiacutepico o item lexical de base

A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma

comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu

165

proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade

do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura

parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente

determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo

em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo

imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que

tange a sua especificaccedilatildeo formal interna

Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5

categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais

estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda

para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas

categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos

proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala

organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem

PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE

Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se

gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se

considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma

categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave

categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas

ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a

proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a

categoria QUALIDADE eacute o de modificador

A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia

simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de

estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e

formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se

organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua

No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico

capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar

relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a

166

comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma

mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e

por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo

traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento

concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz

mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos

sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo

previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que

preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva

desse falante

Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo

Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra

lsquoEle fala mais comigorsquo

Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ

lsquodo que (fala) com vocecircrsquo

Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que

estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o

inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam

como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela

construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo

semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias

que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos

semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso

essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a

habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua

A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante

tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo

em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute

depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da

construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se

relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de

167

comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber

que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os

termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que

o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a

comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc

(82)

igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no

dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura

sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e

em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema

relacional de funccedilatildeo comparativa

O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que

esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse

gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente

determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A

construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que

antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o

que sucede tra

Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do

ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial

comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de

sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o

termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o

OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A

informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores

conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias

168

necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A

depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente

por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra

(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos

semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica

Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que

estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade

O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar

ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os

elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos

argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre

participante focal e secundaacuterio temos

Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman

Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem

Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor

eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como

marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman

lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma

condiccedilatildeo no dia anterior

Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas

produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades

discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os

falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem

relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas

estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado

formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de

Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um

169

uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de

um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo

(83)

n tra Kwakou afwɛ nsjɛ

1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis

lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo

A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra

que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade

traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional

Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco

Trajetor n Marco Kwakou

Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que

aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na

comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo

dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o

elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos

semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o

sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas

posiccedilotildees

A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute

diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da

construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em

evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da

construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um

verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas

construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -

representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o

170

evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que

esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a

estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)

Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo

(84)

didididi juma n tratratratra mi

3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas

que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui

observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre

nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o

pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute

ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma

construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em

baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade

simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute

depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse

enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente

Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de

instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os

segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de

trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade

abstrata o proacuteprio trabalho

A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma

atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa

escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-

se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o

pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real

mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si

171

operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual

se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a

seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o

exemplo 89123

Tia˃Tkb

di juma n tra mi

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos

123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

172

M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo

igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois

referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome

sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a

performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por

sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a

dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em

baulecirc

(85)

n si Kofi kpa tra Kwakow

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo

posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)

Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia

instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem

recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada

173

numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos

depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas

estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se

estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em

relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na

estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124

exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e superioridade

514 Indicativas de modo

Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento

ocorreu por meio de construccedilotildees seriais

(86)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

Trajetor Noacutes marco natildeo tem

No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado

movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute

designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute

participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um

processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)

mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha

necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode

ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria

124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo

174

referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem

representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa

uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)

Vejamos sua representaccedilatildeo

Sem MOVER tema objetivo

PRED

Sint V Suj Verbo

susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa

correr(ndo) 1Spl chegar

Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire

funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a

circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas

permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo

e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito

por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o

falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila

515 Indicativas dos participantes de um evento

(87)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo

A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas

analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento

e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o

participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento

175

de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante

secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece

uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de

apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo

metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido

cortado do evento representado

A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a

elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o

que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou

perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees

analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria

semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado

O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes

de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica

apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem

de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma

forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico

A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado

Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao

falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse

participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica

da construccedilatildeo

A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um

determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos

elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento

que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem

efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado

compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse

exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo

apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos

constituintes da construccedilatildeo

Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e

marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente

176

di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao

observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e

mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como

trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre

esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta

num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e

marco mi

A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em

que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado

analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser

inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma

variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou

experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a

natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e

qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo

herdadas pelas extensotildeesrdquo126

O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada

extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando

essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)

125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo

177

lsquoEles comem sem mimrsquo

A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2

para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos

constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo

pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado

seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e

realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS

A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica

implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se

encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave

178

combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo

a seguir

(88)

i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo

3Ss sair-PERF ir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo

Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo

Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico

e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos

argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve

conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico

verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel

de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de

Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema

designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas

∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo

O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do

movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e

diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de

um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses

verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada

um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria

construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a

construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na

estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move

127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo

179

empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum

lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos

verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade

construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens

verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si

uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria

construccedilatildeo

Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de

construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e

semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das

especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128

(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo

especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento

indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre

ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)

128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo

180

Movimento causado

Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBJ OBL

H129 subparte

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBL

A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos

exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

fite+k ˂ i gwabo ˃

Sin V S LOC ir 3Ss mercado

Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um

determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a

construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma

129 H= heranccedila

181

construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as

estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees

Vejamos o exemplo abaixo

(89)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo

Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo

No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado

central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no

final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos

demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo

eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2

A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o

termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo

de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila

Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas

um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante

focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual

correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no

entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que

seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os

compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos

analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No

caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo

enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre

em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud

182

Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao

menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions

ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel

participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os

papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)

A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura

serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema

Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a

estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A

atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos

interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu

sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos

O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees

seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao

valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A

ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma

vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto

determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas

construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que

demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical

Observemos o exemplo a seguir131

(90)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132

Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo

130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

183

Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo

(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na

construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do

conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos

semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo

de que o salto foi sobre por cima de algo133

Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui

descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo

como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos

Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas

que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em

ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se

trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos

mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos

permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de

sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB

LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia

de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular

enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a

finalizaccedilatildeo desse evento

As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo

com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira

133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar

184

ou

Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da

construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento

exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por

meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com

185

Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B

entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o

fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando

observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se

configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute

explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento

deslocado) e o alvo

(91)

i kle mon

wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute

Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui

empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo

(91a)

a tutututu a tttt

3Ssg RES arrancarpartir RES cair

lsquoO chapeacuteu caiursquo

O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de

focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de

CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica

composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras

construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis

134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico

186

A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado

sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma

causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou

marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante

focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A

noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois

elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que

indica a finalizaccedilatildeo do processo

A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo

participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como

uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua

organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos

os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam

sintaticamente como um uacutenico predicado

O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo

resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo

natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa

lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo

de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da

proacutepria construccedilatildeo serial

Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser

acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como

observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que

ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo

(91b)

a tutututu a tttt ace

3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo

lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo

A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse

processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila

temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que

187

realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma

mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir

expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos

predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio

(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na

medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado

Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz

com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante

causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como

indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante

do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos

tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado

ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais

na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca

entre os mesmos

Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por

meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO

opcit p264-265)

(92)

a liɛ+ n ti be-wa

alimento DET ser cozinhar

lsquoO alimento estaacute cozidorsquo

Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura

diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo

que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee

em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador

assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada

A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes

comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem

188

Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente

pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com

incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como

Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃

tutututu tttt ˂ ˃

Sin V Suj Suj

cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo

Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de

paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A

noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash

que incidi sobre o proacuteprio sujeito

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o

processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a

partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees

Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade

entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as

demais construccedilotildees da liacutengua

Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de

um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos

A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi

determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os

verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para

compor seu significado

189

190

CONCLUSAtildeO

Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees

seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas

mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que

fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as

coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em

baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva

teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual

A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos

revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que

tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de

uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas

Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como

Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo

de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos

consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando

que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em

outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor

nem a uma nem a outra estrutura

Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute

ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas

principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um

inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas

construccedilotildees

Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma

diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por

Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de

que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo

para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente

Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as

construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem

tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos

191

(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no

modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos

adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)

pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem

que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais

nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em

baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas de cada uma delas

No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da

anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham

pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro

deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que

expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo

semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber

que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou

como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte

especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi

primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc

Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a

concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto

designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos

(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos

linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede

de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se

como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para

ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo

discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os

interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas

No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a

perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008

2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em

baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo

192

constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio

conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais

proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como

verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de

nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e

secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do

significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas

Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos

verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi

salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo

pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo

gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo

visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo

pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar

Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo

multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do

marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida

comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo

para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da

cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o

que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo

Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo

funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno

mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional

Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas

acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os

itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees

No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee

que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura

que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que

toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a

ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida

nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem

193

como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo

satildeo unidades estanques

Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo

devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel

descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um

conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da

construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver

duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc

que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma

procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de

estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem

como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise

Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em

outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que

continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um

pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um

incentivo a outras abordagens

194

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and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998

ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)

Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et

eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003

______________ Words and their meanings principles of variation and

stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards

201

a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106

Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92

RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da

coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004

_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no

portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP

SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva

sociocognitiva 2006

_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre

sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74

SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in

sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing

Company 1987

SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um

novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de

Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm

_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-

versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a

Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda

SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic

Publishers 1977

TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford

Clerendon Press 1995

TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive

semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)

202

_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring

Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a

_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in

Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System

of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning

Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar

httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf

VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York

Cornell University Press 1967

WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do

portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP

WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues

africaines Paris Karthala 2004

WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee

HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions

Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology

Trondheim 2003

WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)

The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8

Berlin New York Mouton de Gruyter 1996

WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE

DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004

203

ANEXO

Trecho de uma das narrativas do corpus

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo

Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo

Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo

Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo

yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo

Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo

I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo

204

yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo

Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo

wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo

i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo

mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo

yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo

laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo

yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo

  • Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
  • Agradecimentos
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • Abreviaturas
  • INTRODUCcedilAtildeO
  • CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
  • 11FONOLOGIA
  • 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
  • 13 O GEcircNERO
  • 14 O NUacuteMERO
  • 15 CLASSES DE PALAVRAS
  • 151Pronomes
  • 511 Pronomes pessoaispossessivos
  • 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
  • 152 Verbos
  • 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
  • 1522Futuro
  • 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
  • 153 Adjetivos
  • 1531 Adjetivos indefinidos
  • 154 Numeral
  • 155 Palavras de sentido adverbial
  • 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
  • 16 SINTAXE
  • 161 Frase simples
  • 162 Frase complexa
  • 1621 Coordenaccedilatildeo
  • 1622 Subordinaccedilatildeo
  • 17 Interrogativas
  • 18 Negaccedilatildeo
  • CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
  • 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
  • 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
  • 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
  • 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
  • 243 Propriedades prosoacutedicas
  • 244 TempoAspectoModo
  • 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
  • 246 Argumentos compartilhados
  • 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
  • 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 2511 Orientaccedilatildeo espacial
  • 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
  • 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
  • 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
  • 2 515 Comparativos e superlativos
  • 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
  • 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
  • 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
  • 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
  • 311 Nomes e verbos
  • 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
  • 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
  • 314 O determinante do profile
  • 315 Autonomia e dependecircncia
  • 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
  • 317 Verbos complexos
  • 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
  • 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
  • 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
  • 3221 Polissemia
  • 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
  • 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
  • 3224 Metaacutefora
  • 323 Verbos e construccedilotildees
  • 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
  • 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
  • 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
  • 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 44 MARCAS ASPECTUAIS
  • 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
  • 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
  • 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
  • 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
  • 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
  • 512 Introdutoras de instrumento
  • 513 Comparaccedilatildeo
  • 514 Indicativas de modo
  • 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CONCLUSAtildeO
  • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
  • ANEXO
Page 2: Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM – demonstrativo DET – determinante DET-PL – determinante plural ESC – empty subject

UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E

LINGUIacuteSTICA

Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

Dayane Cristina Pal

Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Semioacutetica e

Linguiacutestica Geral do Departamento de Linguiacutestica da Faculdade de Filosofia

Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para a

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Letras

Orientador Profa Dra Margarida Maria Taddoni Petter

Exemplar revisado

Satildeo Paulo 2010

A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade

Agradecimentos

Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida

Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo

das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em

Paris

Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem

eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em

me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc

A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de

Linguiacutestica

Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros

diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris

A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o

conhecimento

Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas

A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade

pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria

acadecircmica desde o mestrado

Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida

RESUMO

Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que

subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees

simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de

orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a

Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)

A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com

construccedilotildees coordenadas sem conectivo

O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e

de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc

Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries

verbais liacutenguas africanas

ABSTRACT

This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial

constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by

Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major

semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their

syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization

based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive

Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions

(Goldberg 1995)

Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to

coordinate constructions without connective for being similar in structure

emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in

coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally

differentiates them

The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers

of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule

KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs

linguistic

SUMAacuteRIO

ABREVIATURAS

INTRODUCcedilAtildeO

CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1

11 FONOLOGIA 2

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4

13 O GEcircNERO 6

14 O NUacuteMERO 6

15 CLASSES DE PALAVRAS 6

151 Pronomes 7

1511 Pronomes pessoaispossessivos 8

1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9

152 Verbos 10

1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10

1522 Futuro 11

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11

153 Adjetivos 12

1531 Adjetivos indefinidos 12

154 Numeral 13

155 Palavras de sentido adverbial 14

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15

16 SINTAXE 15

161 Frase simples 15

162 Frase complexa 16

1621 Coordenaccedilatildeo 16

1622 Subordinaccedilatildeo 16

17 INTERROGATIVAS 17

18 NEGACcedilAtildeO 18

CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19

22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33

243 Propriedades prosoacutedicas 34

244 TempoAspectoModo 36

245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38

246 Argumentos compartilhados 41

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43

251 Construccedilotildees seriais 46

2511 Orientaccedilatildeo espacial 46

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto 49

2515 Comparativos e superlativos 53

2516 Construccedilotildees que indicam modo 54

2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54

2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57

31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59

311 Nomes e verbos 60

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64

313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67

314 Determinante do Profile 71

315 Autonomia e dependecircncia 73

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74

317 Verbos complexos 75

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87

3221 Polissemia 88

3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88

3223 Instanciaccedilatildeo 89

3224 Metaacutefora 90

323 Verbos e construccedilotildees 91

324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97

CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101

411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102

412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126

44 MARCAS ASPECTUAIS 131

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144

CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146

511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147

512 Introdutoras de instrumento 158

513 Comparaccedilatildeo 164

514 Indicativas de modo 173

515 Indicativas dos participantes de um evento 174

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188

CONCLUSAtildeO 190

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194

ANEXO 203

i

Abreviaturas

ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo

ADJINDEF ndash adjetivo indefinido

ADV ndash adveacuterbio

APRES ndash apresentativo

ASP ndash aspecto

CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado

COMPL ndash completivo

CONJ ndash conjunccedilatildeo

CONT ndash continuativo

DEM ndash demonstrativo

DET ndash determinante

DET-PL ndash determinante plural

ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo

EST ndash estativo

EXPL ndash expletivo

FUT ndash futuro

HAB ndash habitual

IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )

INDEF ndash indefinido

INF ndash infinitivo

INTER ndash interrogativo

LOC ndash locativo

M ndash masculino

MORF ndash morfema

NEG ndash negaccedilatildeo

O ndash objeto

OD ndash objeto direto

OI ndash objeto indireto

PASS ndash passado

PASREM ndash passado remoto

PER ndash person lsquopessoarsquo

PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)

ii

PL ndash plural

POSS ndash possessivo

POT ndash potencial

Prep ndash preposiccedilatildeo

PRES ndash presente

PROG ndash progressivo

REAL ndash realista

RED ndash reduplicado

REDUP ndash reduplicado

REFL ndash reflexivo

REL ndash morfema relativo

REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo

RES ndash aspecto resultativo

RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo

S ndash sujeito

Sg ndash singular

SN ndash sintagma nominal

TEMP ndash tempo

V ndash verbo

INTRODUCcedilAtildeO

O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de

leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005

na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs

brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo

Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como

ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava

propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da

teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo

apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries

verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que

um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro

Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do

continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs

mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento

e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo

Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto

de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de

cada liacutengua

Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de

serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas

agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de

Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais

em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um

olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que

tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos

Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos

brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)

e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees

seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade

de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o

portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel

semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as

propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)

elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em

dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo

dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados

de nosso corpus do baulecirc

No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais

teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica

Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos

Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas

insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a

sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na

elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem

passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer

outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-

se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de

suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem

conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura

conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc

Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente

fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon

(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente

semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma

caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo

5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees

Coleta de dados

O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira

1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da

histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria

pesquisadora

2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e

cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo

realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um

filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns

triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos

que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era

transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em

diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas

3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo

colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a

partir de um tema de interesse do proacuteprio falante

4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os

trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses

dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio

As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados

foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos

os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila

1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na

pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal

referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa

1

CAPIacuteTULO 1

A LIacuteNGUA BAULEcirc

Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por

aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do

continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia

em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que

estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma

aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais

repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas

estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e

superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma

classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do

Marfim

Niger-Congo

Atlantic-Congo

Volta-Congo

Kwa

Nyo

Tano

Central

Bia

Northern

Baouleacute

1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl

2

Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma

breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo

realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)

11FONOLOGIA

O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e

21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras

em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo

haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a

oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos

de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)

Orais e nasais

fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo

fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo

fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo

kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo

Surda e sonora

bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo

3

di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo

jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo

Pontos distintos de articulaccedilatildeo

fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo

Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e

dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma

propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos

semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute

determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)

sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo

alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo

No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo

realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo

indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos

(Kouadio amp Kouame 2004 14)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame

lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)

ɔ fa a duo

3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)

4

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio

amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica

Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa

do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem

alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees

foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um

exemplo

VOGAIS

API Ortografia baulecirc Exemplos

A a ta lsquoplantarrsquo

E e be lsquocozinharrsquo

ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo

I I ti lsquocabeccedilarostorsquo

O o bo lsquofundorsquo

ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo

U u fu lsquosubirrsquo

I in fin lsquovir dersquo

Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo

ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo

ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo

U un wun lsquover incharrsquo

CONSOANTES

API Ortografia baulecirc Exemplos

b b ba lsquocrianccedilarsquo

c c cɛn lsquoengordarrsquo

5

d d dɔn lsquohorarsquo

f f fu lsquosubirrsquo

ɡ g gali lsquomandiocarsquo

gb gb gba lsquoarmadilharsquo

ɉ j jɔ lsquoredersquo

k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo

kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo

l l la lsquodeitar dormirrsquo

m m damun lsquojogorsquo

n n nnun lsquocincorsquo

ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo

p p panndu lsquogarrafarsquo

r r rɛrɛ lsquoescalarsquo

s s se lsquodizerrsquo

t t tu lsquodesenterrarrsquo

v v vi lsquorim lomborsquo

j y yi lsquoesposarsquo

z z nza lsquoinhamersquo

13 O GEcircNERO

Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a

distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea

como observamos a seguir

bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo

yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo

6

14 O NUacuteMERO

Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun

Sran mun

Ser humano PL

lsquoOs seres humanosrsquo

15 CLASSES DE PALAVRAS

As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que

constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas

(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de

nomes verbos adjetivos e adveacuterbios

No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os

distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados

devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha

significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor

definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os

pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que

acompanham os lexemas nominais Exemplos4

di

Comer

lsquoComarsquo

alwa ɔ

cachorro pred

lsquoEacute um cachorrorsquo

bia kun

cadeira INDEF

lsquoUma cadeirarsquo

4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora

7

ɔ fa- li wa n man-ni mi

3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o filho delersquo

151Pronomes

Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes

pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte

nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que

determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5

bja nga

cadeira DEM

lsquoEsta cadeirarsquo

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ

branco vila INDEF dentro LOC

lsquoNuma vilahelliprsquo

511 Pronomes pessoaispossessivos

A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto

SUJEITO Singular Plural

1a pessoa n e

2a pessoa a amu

3a pessoa ɔ be

5 Exemplos de nosso corpus

8

COMPLEMENTO Singular Plural

1a pessoa mi e

2a pessoa wɔ amu

3a pessoa i be

Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em

construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ

(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por

pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do

referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso

facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004

22)

Min si liɛ

1Ss pai MORF

lsquoMeu pai (a mim)rsquo

Be nianman bian6 liɛ mun

3Opl irmatildeo homem MORF PL

lsquoOs irmatildeos delesrsquo

Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal

complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta

adicionar o morfema mun

POSSESSIVO Singular Plural

1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo

2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo

3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo

6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua

9

1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido

Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga

mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome

que determinam7

Gbo nga

Poccedilo DEM

lsquoEste poccedilorsquo

sran nga mun

Ser humano DEM PL

lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo

A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun

lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be fa be un

3Spl parecer 3Opl corpo

lsquoEles se parecemrsquo

Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado

utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be wan Kofi ba-li

3Spl dizer Kofi vir-PERF

lsquoDizem que o Kofi veiorsquo

7 Exemplos de nosso corpus

10

152 Verbos

A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e

dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin

lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros

1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo

A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)

verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o

imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man

colocado apoacutes o(s) verbo(s)

Exemplos

tra li a ce kl ltri

Ele s sentar PERF solo escrever carta

lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo

a ba ma

3Ss RES chegar NEG

lsquoEle natildeo chegoursquo

ba su wa kɔ lafi

crianccedila PROG FUT ir dormir

lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo

yɛ ɔ fa flwa nga

entatildeo 3Ss pegar livro DEM

lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo

ɔ tɛ lafi

3Ss CONT dormir

lsquoEle continua a dormirrsquo

11

1522Futuro

A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome

sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro

proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa

Vejamos alguns exemplos

laflɛ kun ba yɛ wa lafi

sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir

lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo

ɔ su wa sɔ televizion n

3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET

lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos

Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos

realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz

em muitas repeticcedilotildees

wo l titi waka ma wie

3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF

lsquoEle colhia umas frutasrsquo

153 Adjetivos

O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que

determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o

adjetivo

Sran dan

Ser humano grande

lsquoUm homem grandersquo

8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo

12

Bla kpɛnngbɛn mun be si able

Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)

lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10

1531 Adjetivos indefinidos

a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)

algum(ns) certo (s) Exemplo

sran vie mun be bali wa

ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC

lsquoAlguns homens vieram aquirsquo

b) fi algum Exemplos

like fi n kɔ a lika fi

coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum

lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo

c) kwlaangba tudo todos

Ba sɔrsquon si sa kwlaa

Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo

lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo

d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo

lsquouma aacutervorersquo

10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc

wa ka ku n

aacutervore uma

13

e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo

Like uflɛ

coisa outra

lsquooutra coisarsquo

f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo

like kunngba

coisa mesmo

lsquoa mesma coisarsquo

g) sɔ lsquotal dessa formarsquo

talua sɔrsquo n tirsquo A kpa

menina tal DET ser NEG bom

lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo

154 Numeral

Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a

centena 200

1 kun k 11 blu nin ku

2 nnyɔn 20 ablaɔn

3 nsan 30 ablasan

4 nnan 40 ablanan

5 nnun 50 ablenunn

6 nsiɛn 60 ablesiɛn

7 nso 70 ableso

8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ

14

9 ngwlan 90 ablangwlan

10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn

155 Palavras de sentido adverbial

Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe

unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente

nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos

tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e

adjetival

Nian kpa

Olhar bom

lsquoOlhe bemrsquo

Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado

como adjetivo e adveacuterbio

i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ

3Ssg sair 3CLpl olho grande grande

lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo

Kuasi klo Amlan ngboko

Kuasi amar Amlam Muito

lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo

O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12

K a gu li l fu li e ku n

Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo

lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo

11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus

15

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo

Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de

adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute

contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo

bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo

16 SINTAXE

161 Frase simples

As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema

Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos

le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs

lsquoEle tem trecircs cestasrsquo

Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs

lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo

Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute

invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo

ɔ yo li swa nga man ni mi

3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

162 Frase complexa

1621 Coordenaccedilatildeo

A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes

morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns

exemplos

16

ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver

lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo

Y sie-li l y bo i komin ekun

Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv

lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo

K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba

Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir

lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo

1622 Subordinaccedilatildeo

O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para

expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i

nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ

sa) Exemplos ilustrativos

K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla

Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo

lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo

i ti kɛ nɛ yɛ

3Ss ser como animal ADV

lsquoEle eacute como um animalrsquo

ti k kkba umuan y u i

3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo

17

A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo

Exemplo

e wo Paris tra Lion

1Spl ir Paris ultrapassar Lion

lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo

17 Interrogativas

Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin

lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo

nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ

O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred

lsquoO que ele fez para mimrsquo

a fa mannin wan

2Ss pegar dar-PERF INTER

lsquoA quem vocecirc deu isso

ɔ duman suan13 sɛ

3Ss chamar INTER

lsquoComo vocecirc se chamarsquo

18 Negaccedilatildeo

O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a

marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o

morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos

13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo

18

Mrsquoa fa man mrsquoa fia man

1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG

lsquoEu natildeo o escondirsquo

kɛ ba lafili man

quando crianccedila dormir-PERF-NEG

lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo

Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se

acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos

mi si su man ma n mi livru kun

POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF

lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo

Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo

man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo

ɔ tran ma n lɔ ku n

3Ssg morar NEG LOC NEG

lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15

ɔ nian wɔ ma n Buake

3Ssg NEG ir NEG Buake

lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo

14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397

19

CAPIacuteTULO 2

L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no

que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades

definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de

anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das

liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos

parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades

sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme

Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do

tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo

Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais

construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas

Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp

DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais

que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute

nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS

Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em

estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute

considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu

trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de

um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua

Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de

combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem

nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele

atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma

sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo

acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial

20

Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for

um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um

complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar

fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos

satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse

caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas

subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16

(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)

Em combinaccedilatildeo acidental

Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou

adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado

simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados

sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas

satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto

na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)

Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os

componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute

hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na

seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que

estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou

Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica

da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e

tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo

A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de

uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser

expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o

16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo

21

apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o

essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora

eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo

significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao

verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)

Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada

muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar

a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das

liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento

seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos

desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item

lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo

absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada

construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos

estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido

aprofundadas pelo autor

A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com

Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os

estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas

pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa

transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as

construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou

mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)

(1) fmm me ne pocircnko no

Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o

lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo

18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)

22

(2)

fmm me no

Ele emprestar-PASS me o

lsquoEle o emprestou a mimrsquo

(3)

de no fmm me

3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)

lsquoele o emprestou a mimrsquo

Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua

natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples

admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A

produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome

objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em

que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que

compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que

restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de

novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais

Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas

propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos

em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais

como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental

por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se

realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que

observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os

verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de

identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da

combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as

caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de

verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da

sentenccedila nem portam marcas gramaticais

23

Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que

em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de

Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens

lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem

de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em

momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo

apresentando propostas diferentes

O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas

distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las

como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir

de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas

estabelecidas na construccedilatildeo

Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991

Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como

resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a

sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um

fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um

continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi

2005)

Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados

associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas

chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute

Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais

para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees

seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees

sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos

os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo

de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)

Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees

seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente

21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo

24

pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os

argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar

mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma

recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma

anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez

que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande

variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia

demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o

surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso

linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um

processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel

A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos

nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos

falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo

Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento

ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo

semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as

construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades

semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que

tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal

na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A

nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a

possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente

A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de

Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da

inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo

Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo

satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada

construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do

significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a

proacutepria construccedilatildeo

25

22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica

da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade

cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia

tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema

cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral

Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de

outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma

habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a

concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes

de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa

tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano

culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de

tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico

Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo

linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo

principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia

Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo

denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre

construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade

para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos

africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor

rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que

testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as

ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que

essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor

eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente

compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa

construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de

que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar

a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns

22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo

26

povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos

desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e

consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo

produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se

certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em

outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por

exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord

(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua

depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees

comunicativas elas servemrdquo23

Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais

uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura

sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES

SERIAIS

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de

propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do

fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que

pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de

1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual

tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de

anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de

1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos

tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as

proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa

abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para

todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)

No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas

contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que

23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname

27

dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como

o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser

analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e

quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns

exemplos

(4)

Olu mu iweacute wa

Olu pegar livro vir

lsquoOlu trouxe o livrorsquo

(5)

Olu gun iyan je

Olu pounded yam ate

lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo

Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo

de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e

construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries

verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o

autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de

natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo

tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao

contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26

Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na

tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf

JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o

desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa

entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas

e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la

da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais

25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos

28

Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas

abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse

pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito

de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas

caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as

diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)

O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a

tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades

especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para

a construccedilatildeo eacute

Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem

juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo

subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais

descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees

simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo

simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS

podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada

componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos

individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27

(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)

Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma

variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea

Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e

coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua

anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua

de base

Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma

maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como

o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de

subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares

27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo

29

modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas

inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)

A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois

apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase

inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do

Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute

que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais

comuns em liacutenguas analiacuteticas

Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-

congolecircs

Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)

(6)

a fa i swa n a kle mi

3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os

lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)

Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)

ti-wa -ra ete re a

3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o

lsquoEle destruiu o pratorsquo

No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em

seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle

lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo

sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado

28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo

30

por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute

mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas

da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada

O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na

elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de

serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee

apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no

capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula

completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse

satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o

dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de

complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se

parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas

mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo

O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num

uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos

assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por

meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo

podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a

adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um

evento

Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos

descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem

expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal

associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades

verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que

sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico

lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da

construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do

segundo verbo

29 Verbos esvaziados de sentido

31

Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma

compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se

complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS

para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem

na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas

regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das

construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas

coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia

ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como

uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa

classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS

Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de

liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo

esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon

(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a

elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes

grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores

contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem

que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e

Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e

chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas

seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico

Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a

despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado

simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia

sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra

32

oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se

observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da

Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)

(8)

nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana

1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP

lsquoEle viu que eu atravesseirsquo

Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final

da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais

ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de

cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS

o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS

aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de

subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute

subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte

Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud

AIKHENVALD 2006)

(9)

a mtto cw katto rwo t

1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei

lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo

Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o

elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas

verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de

estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos

componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da

composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a

30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda

33

CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas

gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso

acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees

seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de

forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais

independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas

marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do

perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo

Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo

de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus

componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel

constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir

uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas

multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa

dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de

gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que

adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a

compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto

que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido

Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas

a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a

distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse

conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por

essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores

Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que

determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de

compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de

integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente

possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja

do uso que o falante faz dele

34

243 Propriedades prosoacutedicas

Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma

oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de

entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras

oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa

pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os

autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo

concisa sobre ela

Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua

escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite

maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de

fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de

organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais

Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a

complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os

interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que

pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura

gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa

de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no

discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade

entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou

informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no

discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda

na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os

limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma

oraccedilatildeo de um uacutenico verbo

A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a

caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se

sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie

verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees

seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo

35

prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que

uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da

capacidade fiacutesica humana

Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula

a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala

tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se

houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade

entonacional

A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos

formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente

uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de

uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades

cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a

tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma

mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma

abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica

(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels

() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre

construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um

predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees

em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)

Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia

verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba

todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas

europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de

seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo

inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000

240)

32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo

36

244 TempoAspectoModo

Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de

tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes

conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser

feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre

elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e

que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila

entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a

concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema

indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de

aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33

(Ameka 2003)

(10)

Kwasi da h re di di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e

o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores

aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a

concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se

harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do

aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento

Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo

por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades

discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos

maiores perfectivo e imperfectivo

Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir

uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam

33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana

37

compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum

contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)

Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006

9)

(11)

cu a ni ak n- ni

Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB

lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)

Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e

ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir

(12)

cua ci ak oŋgu i

cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg

lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo

Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra

accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo

apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute

de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao

segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo

que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de

agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do

exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo

parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo

coordenada

Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc

(13)

Be sin-ni l be wo-li

38

3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF

lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo

Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que

representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem

pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido

junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar

essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados

No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos

verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees

coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em

elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos

que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do

falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente

a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento

como em construccedilotildees seriais

245 Composiccedilatildeo dos argumentos

Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento

Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de

argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico

argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item

lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da

natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)

Ambos podem pertencer agrave CS como um todo

Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a

caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou

subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as

caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos

34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo

39

por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em

outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio

de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando

usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)

Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da

valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos

requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois

resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o

seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)

(14)

o ti ri nwo keacute a hu o kpo

Ele bater TEMPO homem REL soco

lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)

(15)

lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)

Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e

o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o

mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando

entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o

verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e

interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se

sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A

estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo

o ti gbu ru nwo keacute a hu

Ele bater matar TEMPO homem REL

40

transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos

que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um

argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma

serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos

compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo

caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a

apresentada acima como uma CS

O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso

(16)

i kle mo n wla i ti kle n a tu a t

3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES

cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo

Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle

arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo

ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da

CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando

concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS

O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento

interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia

desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos

transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc

Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da

combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de

que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua

valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante

de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto

de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS

41

246 Argumentos compartilhados

A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma

propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que

quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam

consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como

prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos

ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo

satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs

Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo

componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO

sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de

um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode

ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade

indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute

denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38

(AIKHENVALD 2006 16)

(17)

Tali mi-tit tenten Kevin

Tali PER-socar chorarREDUP Kevin

lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo

Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza

uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro

verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse

primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo

elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2

37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu

42

Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico

entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)

que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo

impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir

como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada

proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo

como elemento de fundo ou apoio agrave cena

Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em

geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical

seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit

p16)

(18)

na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak

3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM

lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo

O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e

tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares

em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que

eacute menos especiacutefica

A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute

sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim

Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e

construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a

diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito

evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto

de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute

bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)

39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo

43

Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito

satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na

literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo

transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2

nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees

consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito

de V1 eacute equivalente ao objeto de V2

Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do

goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud

AIKHENVALD 2006 102)

(19)

kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()

antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta

lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo

Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees

temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou

de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo

progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o

primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima

Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees

(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os

recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica

demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a

identificaccedilatildeo de uma CS

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA

Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees

seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com

suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash

construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a

relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na

44

construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico

evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo

harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus

componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo

pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado

grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem

representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico

verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica

especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald

Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas

grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe

relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe

gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees

assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito

por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula

uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou

postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a

toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)

Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos

pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe

restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma

divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo

com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e

quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos

que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos

de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa

desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a

adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo

ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse

40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo

45

conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que

podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees

gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou

ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente

Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos

semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as

propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo

condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer

quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos

semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos

parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo

das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as

constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e

consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros

de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los

1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento

2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de

estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo

3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-

modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo

4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo

5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo

6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos

como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros

A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a

apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo

tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar

principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria

essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os

mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs

46

251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A

seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades

2511 Orientaccedilatildeo espacial

Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de

movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -

e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD

2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica

do Sul

(20)

Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]

Macaco vir beber I PRES

lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo

indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao

mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada

(21)

a fin Buake a ba

3Ssg RES vir de Buake RES chegar

lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo

Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao

encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]

Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No

primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do

baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida

47

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado

Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de

outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do

kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213

apud AIKHENVALD op cit p23)

(22)

lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo

Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma

funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de

mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo

apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma

outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em

casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord

(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma

adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico

Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS

ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois

processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite

portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como

afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do

qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo

ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise

como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte

de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma

mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial

Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses

verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A

kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai

quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir

48

autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e

temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do

aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre

CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais

processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees

Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe

apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)

(23)

ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]

1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS

lsquoEu me tornei grandersquo

Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo

ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro

verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando

empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de

ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de

seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos

semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um

novo significado

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo

Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute

negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos

em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma

modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo

morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer

sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a

41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)

49

seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD

opcit p 24)

(24)

eli ja acha bai Singapore

3Ssg PER receber ir Cingapura

lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto

Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em

papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas

instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que

passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees

semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como

verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em

saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud

AIKHENVALD opcit p 26)

(25)

Kofi Bi bai di buku da di muyeacute

Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher

lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo

O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo

primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo

(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e

beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo

quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica

entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego

em CS como a do exemplo (25)

43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca

50

Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de

um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud

KROEGER 2004 239)

(26)

Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i

Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip

lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo

Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os

argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos

verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos

As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser

analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o

padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os

verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()

Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004

239)

Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em

posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em

posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O

objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o

objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo

serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por

exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo

representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees

metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS

Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como

coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O

principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena

44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo

51

representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a

natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome

nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)

(27)

Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg

lsquoAya me deu o livrorsquo

A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em

CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar

sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode

ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e

aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON

opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo

acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos

integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns

casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio

ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item

lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em

sincroniardquo47

O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento

mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um

momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2

Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de

coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a

outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo

jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em

serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para

46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas

52

verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential

combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48

Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico

de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)

(28)

Abo lori tudik korsquoa paun

avocirc pegar faca cortar patildeo

lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de

ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)

tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada

sem conectivo com sujeito vazio

(29)

fa-li lali kp-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF

lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um

uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o

sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas

construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject

construction- ESC)

Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo

apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em

estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis

visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum

53

instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem

como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento

A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como

as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou

coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos

que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo

semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise

reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como

uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo

2 515 Comparativos e superlativos

Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo

ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de

construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006

101)

(30)

kuma frsquoyer ma ni

tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg

lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo

Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial

comparativa

(31)

n si Kofi kpa tra Kuakou

1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o

outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute

algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo

50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria

54

como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em

segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados

2516 Construccedilotildees que indicam maneira

Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado

pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in

AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em

que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira

como a outra accedilatildeo se realizou51

(32)

ti [gi-e yaa-a -goe ]

1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT

lsquoEu chegarei atrasadorsquo

252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes

Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico

da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um

evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como

pressuposto a accedilatildeo de cozinhar

(33)

Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu

Ama POT-cozinhar coisa comer

lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo

51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo

55

Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois

do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido

pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo

2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito

O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo

serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o

efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos

em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-

function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)

(34)

n=babas weli n=mot do

3sg=bater porco 3sg=morrer REAL

lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo

Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra

indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou

52 Liacutengua austroneacutesia

56

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o

tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito

de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas

propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de

variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas

construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer

paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees

Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de

compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa

caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo

homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo

evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de

identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais

Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo

com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto

mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um

ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo

57

CAPIacuteTULO 3

PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS

Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as

construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo

dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois

entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que

traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em

coacutedigo

O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de

perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas

relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave

elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970

nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente

como um movimento mundial

O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os

estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano

precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos

gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de

que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas

propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos

pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos

teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta

Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto

heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)

teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais

(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987

2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas

comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira

(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos

portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo

(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se

uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico

58

(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre

domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes

inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia

Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem

estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas

estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como

manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na

Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a

organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em

diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)

Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da

Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave

proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a

Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria

maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as

propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as

quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva

desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens

lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de

nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo

aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o

significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca

mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf

LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele

Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a

elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item

lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee

a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como

a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os

moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de

ambas

59

31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)

Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso

e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que

descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute

simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o

fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e

no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)

formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas

simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica

ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma

determinada liacutengua (LANGACKER 1987)

Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave

conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer

tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto

experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva

compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada

pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica

dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa

interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo

discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as

estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da

transmissatildeo da informaccedilatildeo

A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica

Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a

caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que

estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na

elaboraccedilatildeo dos enunciados

53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria

60

311 Nomes e verbos

Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam

em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos

dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que

natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente

idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo

necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria

Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por

Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA

1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de

saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da

dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria

categoria

As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade

identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos

mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas

propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os

elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a

estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a

natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as

dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se

extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os

membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de

significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e

sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em

consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a

natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas

margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e

intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees

necessaacuterias e suficientes

Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e

verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto

fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em

54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa

61

termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos

fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades

de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo

que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo

prototiacutepico

Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a

existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para

nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes

Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos

I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material

II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual

III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo

IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa

nenhuma localizaccedilatildeo particular

V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos

conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento

E para verbos o autor destaca

I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de

mudanccedila e transferecircncia de energia

II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem

sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal

III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada

uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes

IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem

conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem

Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo

resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam

tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo

linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e

categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo

das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas

62

por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de

influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)

Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos

de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos

o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo

Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos

discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato

entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de

dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato

fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que

pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55

(LANGACKER 2008 103)

No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila

a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o

objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia

prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida

Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute

proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais

proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se

um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma

accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa

transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um

terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim

sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo

substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que

os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa

Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento

e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)

Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de

energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras

55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo

63

[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia

de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de

energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo

intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o

sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento

autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o

que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos

chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute

um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA

SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)

O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado

modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia

momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a

interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse

modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem

em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)

No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os

participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo

cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por

expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos

nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos

centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que

representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez

que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a

uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como

participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante

Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical

e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e

complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia

complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os

dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico

56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo

64

contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto

a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura

Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas

linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou

mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do

falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual

direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes

de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado

As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que

concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo

uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam

prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se

desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles

haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um

nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente

possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser

relevante para nossa pesquisa

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual

Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por

uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo

significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais

ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende

do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre

leacutexico e gramaacutetica

Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo

claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do

leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e

podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro

mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no

estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar

processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura

semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica

65

Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que

uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma

comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo

expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma

comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o

lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas

partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber

dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo

palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo

auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo

(estaacute falando) entre outros

Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o

processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para

que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma

expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de

complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas

caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo

eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de

detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes

A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de

experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um

conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58

(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais

de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria

o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem

traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a

que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo

formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos

protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor

(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo

satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um

57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo

66

nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e

probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os

protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)

Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja

na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e

dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais

Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e

conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito

no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva

consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e

devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma

representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais

De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-

se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro

deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso

deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de

construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma

expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas

depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59

(LANGACKER 1993a)

E ainda

Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo

inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade

eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro

ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva

tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)

Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a

sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na

59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo

67

situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez

refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o

outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do

proacuteprio discurso

Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das

diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de

um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)

identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que

decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as

classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)

313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)

Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais

relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se

estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu

significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais

de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia

entre os seus elementos conceituais

As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo

apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado

da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como

exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base

mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma

condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um

processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e

reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento

Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se

desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de

energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a

categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a

impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva

Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado

natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo

68

bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como

um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades

cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background

memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER

1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo

linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais

capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos

mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos

cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa

percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas

por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do

primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o

que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua

compreensatildeo o que eacute menos relevante etc

Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia

conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois

elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos

saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em

um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas

gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas

figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata

Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e

fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o

espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)

Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente

moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor

particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61

61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo

69

O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel

relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou

orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62

Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as

noccedilotildees de marido e esposa

(LANGACKER 2003 252)

A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma

base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e

esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao

poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino

A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o

elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais

como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre

homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o

nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto

de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo

de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros

A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de

retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia

desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor

tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a

possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que

demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada

proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees

particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados

62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo

70

conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo

planos

Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma

determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver

essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com

o qual a cena eacute representada

Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em

que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja

representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido

amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento

preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas

dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current

discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as

informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor

formando a base do discurso produzido

No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para

elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia

que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa

capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa

forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo

numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra

absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O

escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou

escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo

imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e

o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a

propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato

Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em

sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo

em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que

nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez

examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento

cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou

71

seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo

escopo maacuteximo

Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)

interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo

temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de

sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas

gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o

trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees

314 O determinante do profile

A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de

seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo

a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas

esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa

forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os

profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao

profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um

termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a

mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo

designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome

ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo

O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da

construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave

qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da

GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela

natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de

seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo

correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de

classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as

estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e

consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute

apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos

72

Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de

nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse

equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma

parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo

Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser

classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha

cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar

analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet

tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o

trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como

trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do

closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina

um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um

de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile

correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um

deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial

Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser

identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao

da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o

profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por

Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um

verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de

remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o

processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim

um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que

apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos

constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar

carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente

Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam

usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC

denominados esquemas construcionais

64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo

73

Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de

semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas

Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)

315 Autonomia e dependecircncia

Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de

correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui

esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados

Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um

detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a

schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse

termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration

site (e-site)

Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente

conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de

correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados

como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo

considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a

caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical

verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute

-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que

o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado

O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da

organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por

termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato

indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em

suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de

dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a

estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute

65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo

74

dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o

componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no

ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de

autonomiadependecircncia desses elementos componentes

A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser

compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e

seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente

sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria

construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo

isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe

de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado

Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo

eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica

Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute

identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas

componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas

componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical

mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos

constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico

representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano

corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha

A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC

uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um

agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto

de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que

iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo

se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a

sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC

considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno

75

(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por

instacircncias simboacutelicas

Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que

estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees

transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos

elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos

alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo

componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)

(a) The package [that I was expecting] arrived

(b) The package arrived [that I was expecting]

Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo

conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de

organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do

exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que

ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos

constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a

sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a

significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas

gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual

que expressam

317 Verbos complexos

Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta

complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A

estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma

oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que

restam a ser preenchidos

De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui

no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em

liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos

76

resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o

autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo

necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto

ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do

tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)

A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma

uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas

indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto

por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos

por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores

de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo

podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que

representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam

como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas

O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo

funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o

que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos

complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em

construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do

inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que

demonstra as relaccedilotildees de seu profile

(LANGACKER 2003 270) Figura 2

GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)

aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de

77

um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena

enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A

Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com

a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser

de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade

transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for

mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e

influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do

tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do

recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)

Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no

domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente

admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja

transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no

caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da

liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso

pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER

2003 271)

No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo

agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o

beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de

transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)

Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave

demonstrada na figura 2 acima

No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos

son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e

78

envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas

representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes

mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma

sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a

compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua

representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como

verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do

beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor

prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais

representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a

representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do

marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente

(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual

Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres

que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do

mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada

por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos

que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo

em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente

experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas

conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees

linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia

dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal

elaborado de uma determinada cena

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

10) fa li tanni man ni kuajo

Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso

79

fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais

que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento

descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por

transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos

fa (pegar) e man (dar)

O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute

tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena

O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo

e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato

de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel

numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com

essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a

perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo

fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode

imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos

Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos

semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores

que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte

semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em

construccedilotildees seriais passa a verbo funcional

Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de

seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais

possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas

formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento

dessa estrutura

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais

A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas

um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos

semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos

constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a

ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e

80

qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente

relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que

antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da

Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua

significaccedilatildeo

O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos

a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um

evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente

de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos

culmine em um evento maior e principal

Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de

alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente

associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma

concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash

AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28

in AIKHENVALD 2006)

A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos

semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente

pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no

que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou

subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma

mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em

estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no

significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado

da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem

Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos

semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais

66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo

81

deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa

forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de

conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens

lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela

acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da

construccedilatildeo

Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial

como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de

eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma

funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do

evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo

como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou

discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e

uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim

concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo

de interdependecircncia estabelecida entre os verbos

Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o

ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de

um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado

denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto

de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo

verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma

consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo

primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)

Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que

nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores

prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo

67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo

82

Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de

autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68

Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar

e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena

representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees

seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em

termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como

representativos tambeacutem dessas construccedilotildees

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados

estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus

participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os

componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de

acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena

de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a

abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o

barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma

mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu

interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada

atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem

mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo

para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo

conceitual

Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo

fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a

conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as

liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos

seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser

realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de

evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento

em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)

68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to

clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual

autonomy and dependencerdquo

83

Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi

discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser

comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado

por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que

devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo

Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de

Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica

Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica

Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo

teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites

estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas

naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem

processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao

leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias

denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da

liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como

pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de

forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da

maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos

anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria

A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel

central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma

minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A

natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas

formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG

2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a

69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos

84

gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser

compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas

e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge

espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras

semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave

gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)

sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees

satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee

assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da

liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange

ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico

A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre

construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de

uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute

de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que

natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as

unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e

sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a

diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade

Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos

construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais

transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por

exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e

a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em

complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares

de significado e forma

A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia

lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma

hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma

construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da

70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical

constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538

85

construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)

sobre o verbo slice

a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)

b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-

movimento)

c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)

d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o

eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)

e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)

A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice

a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao

contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp

instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a

determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da

estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de

Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo

preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e

que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido

central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais

como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de

estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre

outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente

pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees

Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma

gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado

projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando

entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma

determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos

e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto

quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base

86

adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em

outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem

como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico

Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma

abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se

atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal

abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as

construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de

mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical

se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque

potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta

ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e

escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado

na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de

um item lexical em seu sentido de base

Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que

Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de

linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)

deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das

palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que

(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes

significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro

de maneira clara71

A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de

motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as

provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas

71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item

87

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos

Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas

tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da

motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo

maximizado princiacutepio da maacutexima economia

Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute

motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de

forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas

sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder

expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir

de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de

construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel

Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as

construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees

(GOLDBERG 1995 67)

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila

Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana

uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos

capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas

sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o

compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o

que eacute novo

Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo

de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem

entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e

um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que

jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo

nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela

gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou

alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute

conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada

88

categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como

um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)

No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que

representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a

Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a

gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma

similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras

- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode

ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica

3221 Polissemia

Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado

particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima

extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas

entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As

informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo

Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs

1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo

2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo

As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que

preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus

participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo

sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A

existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1

3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)

Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de

outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre

73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995

89

construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir

um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes

Constr Movimento Causado

SEM Causa-Movimento lt

PRED lt

SINT V

causa tema alvo

gt

gt

SUJ OBJ OBL

Lscausa

Constr Intransitiva de Movimento

SEM Movimento lt tema alvo gt

PRED lt gt

SINT V SUJ OBL

3223 Instanciaccedilatildeo (Li)

Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou

uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a

autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo

instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica

associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de

construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo

Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo

75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo

90

Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da

semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa

consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em

que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa

forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na

construccedilatildeo que a originou

(GOLDBERG 1995 80)

Resultativa

Li Ls

drive

3224 Metaacutefora

Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de

um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave

construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a

autora cita

a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo

b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo

O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido

de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)

apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de

movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado

como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off

the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo

metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o

sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)

Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo

possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas

91

semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes

entre as liacutenguas

Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute

a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens

construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como

forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e

processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas

empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)

323 Verbos e construccedilotildees

A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute

carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem

Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees

sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio

sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais

Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que

consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda

construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do

falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais

(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em

construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos

componentes

No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena

por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas

em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-

se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de

apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical

Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de

primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o

compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa

atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade

76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo

92

cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker

(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e

TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam

diferentes aspectos

HIPOTENUSA TRIAcircNGULO

De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens

verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na

medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos

aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os

itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam

papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que

neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao

evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma

construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um

significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional

propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical

instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e

protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido

O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas

concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre

outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a

um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo

regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de

princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir

a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos

semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que

realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o

papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse

verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser

instanciado como exemplo do papel de agente

93

b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um

correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma

similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a

elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria

Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa

estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo

bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus

integrantes

Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir

com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item

CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um

chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o

recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva

Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)

Joatildeo chuta a bola para o Pedro

O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela

construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel

de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o

verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados

como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de

recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite

essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da

informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de

chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam

por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs

Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando

incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel

de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)

He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo

94

A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi

empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico

Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo

manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na

cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a

introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados

diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto

natildeo nos parece ter sido salientado pela autora

O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado

do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do

verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma

construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa

construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo

profunda entre esse item e a construccedilatildeo

Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica

de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo

compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo

visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento

Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo

menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute

corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo

324 Limites entre leacutexico e sintaxe

Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia

pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de

uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a

gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos

significados mas que seja apenas um de seus componentes

A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum

significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se

postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo

sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute

entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a

95

proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de

uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a

compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada

predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente

idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada

virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um

organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez

tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua

menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o

sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se

produz

Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria

regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e

consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos

herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum

elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura

originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original

(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente

Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o

conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa

circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a

construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas

em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A

capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato

cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa

capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana

constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental

A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite

visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que

estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo

sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele

contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da

gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao

significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado

96

e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e

desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo

verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo

Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como

um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou

de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica

primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o

interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do

verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na

estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses

casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena

principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo

ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como

essencial

A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de

mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee

para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se

compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado

Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter

funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo

seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o

caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura

que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do

leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico

97

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas

teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que

nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram

utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os

enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a

Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua

natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute

precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera

assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e

significado

Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo

observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o

entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes

analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais

construccedilotildees

98

CAPIacuteTULO 4

DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS

Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais

concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila

entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute

certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc

(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se

firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam

exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas

propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar

apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos

os exemplos abaixo77

(1)

S V1 O V2 O

sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(2)

S V1 V2 O

fa nu13nu kun wun $ a wun i

Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo

Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores

reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se

assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees

77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros

99

Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma

construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de

seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi

reconhecida mas que se distingue pouco do ponto

de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito

relativamente mais proacutexima formalmente da

justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de

outras liacutenguas79

Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais

nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais

construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua

semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf

CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas

dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf

CREISSELS amp KOUADIO opcit)

bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila

de entonaccedilatildeo

bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a

sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa

bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80

bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)

mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a

construccedilatildeo

Vejamos um exemplo

(3)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ssg pegar frango mostrar 1Osg

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS

amp KOUADIO 1977)

100

Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp

Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso

apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca

gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto

imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave

classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o

significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo

pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir

(4)

ā su fā wɔ swӑ n kle mī

2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg

lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo

Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno

do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise

como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute

mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento

interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)

Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma

ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de

introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute

inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com

o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista

morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se

dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo

enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de

81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82

101

uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro

termo da seacuterie82

Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade

simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe

formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por

dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e

semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees

seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo

Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a

proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois

grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem

a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject

Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos

a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc

Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico

da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso

sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de

coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon

(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal

tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois

grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam

conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar

uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum

82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo

102

dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas

da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado

principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo

Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se

apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem

sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que

esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por

essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais

(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos

semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia

dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir

caracteriacutesticas de verbos funcionais83

411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para

a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio

b) introduzir o papel de instrumento

c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento

d) Indicar uma comparaccedilatildeo

e) Indicar a origem do movimento ou percurso

Analisaremos a seguir cada um dos itens citados

a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio

Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais

assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo Vejamos84

(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su

Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa

103

Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez

funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido

por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo

fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental

ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena

principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo

proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos

levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os

verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2

sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo

verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977

421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o

sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie

verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85

Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome

sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo

caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente

Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo

diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na

coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em

que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo

Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-

baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2

natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um

formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no

corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo

que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos

semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo

85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo

104

metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser

empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)

(6)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em

liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas

como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da

construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais

como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis

semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa

funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na

relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio

proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima

No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um

sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno

Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice

aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele

eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo

Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de

beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir

com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele

ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material

no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio

Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees

indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu

ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a

seguir

105

(7)

i mamamama nnnn----ni mi swa kun

3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF

lsquoEle deu uma casa para mimrsquo

O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu

uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em

relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro

apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)

A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado

de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman

(8)

ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute

3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo

ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em

posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como

ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo

inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o

seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado

central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando

compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de

uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de

verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena

88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo

106

principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os

exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas

Exemplo (6)

yo man

SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem

FAZER DAR

Exemplo (8)

fa man

SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem

PEGAR DAR

Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma

Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a

descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez

man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro

lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que

V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo

aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)

na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada

construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em

seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a

outra

Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma

construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a

preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma

construccedilatildeo serial

A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica

apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1

mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo

107

(9)

i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi

3Ssg pegar manga oferecer 1Osg

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante

os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo

em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se

reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos

dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A

diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man

natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante

beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse

participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de

ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas

por Silva (1999)

b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento

O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o

instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De

acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie

verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)

atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente

um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele

veio com o inhamerdquo89

89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo

108

(10)

lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo

conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se

manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por

trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo

mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido

mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima

extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da

cena descrita carrega traz consigo o inhame

Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo

serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como

operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre

outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa

tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto

nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de

deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo

verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o

inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o

participante tem a posse de algo eacute o verbo fa

O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por

seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas

propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu

estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute

possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como

preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe

de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo

estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de

verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute

preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que

ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li

Il prendre-ACC igname venir-ACC

109

adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da

classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]

O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo

(11)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)

[S V1 O1 V2 O2]

Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta

caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de

PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de

um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero

poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de

um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo

em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois

dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos

salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a

preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos

como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir

de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo

Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o

uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O

morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema

nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo

12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois

termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode

ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor

90 Corpus 4

110

de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em

algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos

a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)

(12)

ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ

3Ss cortar -PERF patildeo COM faca

lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo

(13)

ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī

3Ss ECOM fruta vir-PERF

lsquoEle trouxe frutasrsquo

O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre

dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No

entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria

possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado

pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo

pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena

descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo

dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio

de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A

escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante

c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento

Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma

construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir

111

(14)

e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin

1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho

lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo

(15)

e su wawawawandindindindi babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo

A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria

de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na

estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso

do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e

o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)

apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a

construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo

facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das

marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo

d) Indicativas de comparaccedilatildeo

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre

dois termos

(16)

n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92

91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor

112

(17)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo

entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode

ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um

mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do

sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do

segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)

(18)

n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi

1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi

lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo

A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila

Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez

que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos

comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente

estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a

pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres

com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O

exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da

semana

(19)

igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo

93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo

113

A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo

em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]

e) Origem do movimento ou percurso

As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino

de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo

(20)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten

ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo

uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um

locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo

principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem

conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin

funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega

propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos

anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por

outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez

tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo

(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]

Consideraccedilotildees finais

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve

a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1

114

(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente

essa base

As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se

ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do

sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral

natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como

no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo

Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na

construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo

propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum

estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida

sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as

prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute

entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens

que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas

pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo

possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo

412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para

representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir

(21)

sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica

115

([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma

uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim

como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem

estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as

construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a

ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os

verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores

prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um

ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um

resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva

implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio

visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como

(22)

e kan be bawle

3Spl falar 3Opl baulecirc

lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo

Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por

si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que

sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado

que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa

construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees

No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle

introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode

ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para

mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em

questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo

combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura

argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da

94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos

116

construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim

considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se

relacionam na construccedilatildeo

A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido

introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no

exemplo (23) a seguir

(23)

y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila

lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila

lafl kun ba sono matar crianccedila

a crianccedila dormersquo

A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior

e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta

o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD

V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo

discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto

anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2

sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da

estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo

portanto a sua ordem prototiacutepica

No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc

formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento

(24)

i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo

3Ssg sair-PERF irpartir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo

117

Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico

durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada

apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma

forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a

construccedilatildeo

Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos

e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um

local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de

deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima

portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos

verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute

aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo

acontece no exemplo (25) a seguir

(25)

i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho

a tutututu a tttt

3Ss RES arrancar RES cair

O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo

retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da

oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo

repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por

V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a

queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos

na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser

95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

118

arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas

a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos

A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo

serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo

(26)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo

Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o

locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu

no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete

wlɔ)

(27)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96

A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado

SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ

kpɛn

Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando

nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A

inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de

algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra

96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

119

A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de

forma geral representada por

[SN V1 V2 (SN) (LOC)]

Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que

as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees

assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos

descritos neste capiacutetulo

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO

Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais

dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute

diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si

pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute

atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)

Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em

baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a

denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora

(LARSON 2005 61)

(a) to-li oflɛ di-li

3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL

lsquoShe bought papaya and ate itrsquo

lsquoElea comprou papaia e comeursquo

(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF

lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo

lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo

97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO

120

(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi

Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so

lsquoThe girls have told me the newsrsquo

lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo

(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so

lsquoAya gave me the bookrsquo

lsquoAya me deu o livrorsquo

Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries

verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para

o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por

justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees

seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como

caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu

1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o

sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua

interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)

2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como

defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais

verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo

seriam comumente empregados em seacuteries verbais

3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e

acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)

4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em

uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada

padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer

apenas uma vez

5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e

pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele

99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO

121

A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o

argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se

assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais

sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as

diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico

evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se

assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um

uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados

A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado

decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf

LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a

introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que

envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em

significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os

verbos temos

(28) (32 p99)

lsquoEle comprou papaia e comeursquo

Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado

(29) (3106 p99)

to-li oflɛ kpeacutekun di-li

3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF

lsquoEle comprou papaia E comeursquo

A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe

porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois

eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que

ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples

o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas

to li oflɛ di li

3Ss comprar PERF papaia comer PERF

122

propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos

o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute

facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e

a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter

Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o

verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado

(30) (34 p99)

fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo

Agora com a conjunccedilatildeo

(31) (3108 p100)

fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo

Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas

natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a

sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila

sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas

sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A

possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as

construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na

estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel

sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o

evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em

outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu

conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos

numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a

faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo

sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a

123

faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um

agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o

gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o

processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo

natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa

diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo

dos enunciados

Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees

sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade

maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao

redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado

segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece

efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo

podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101

O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo

deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras

caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de

marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos

considerar o exemplo a seguir

(32) (3118 p105)

Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi

Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg

lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo

De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa

introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson

admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado

inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de

100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo

124

uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o

resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)

A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha

sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo

se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado

ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas

propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como

fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser

interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo

A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees

comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o

verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de

sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar

por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que

indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria

em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua

que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes

nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das

sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)

admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da

construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam

parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees

seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma

propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como

serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo

que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees

Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu

como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a

diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da

conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica

102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo

125

S V1 O1 V2 O2

FA (PEGAR) NOME VERBO NOME

O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos

verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo

semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa

introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em

O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel

semacircntico e natildeo sintaacutetico

Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)

(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em

ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre

parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja

modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)

por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima

apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando

isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se

estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o

mesmo conteuacutedo informacional de antes

A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas

construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses

casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo

acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no

significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser

uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo

(33)

ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi

3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

126

(34)

Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ

Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL

lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo

Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser

interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto

coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em

posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que

envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do

baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e

apresenta o seguinte exemplo

(35) (37 p73)

Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi

Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo

O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico

verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees

funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute

utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta

O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da

marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de

ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas

seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas

como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode

127

levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno

em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte

construccedilatildeo

(36) (332 p73)

Aya fa-li fluwa-lsquon

Aya pegar-PERF livro-DET

lsquoAya pegou o livrorsquo

Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de

argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo

pleno A autora conclui entatildeo que

Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo

na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um

conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila

simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1

natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos

sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc

natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta

ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)

A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo

serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o

livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute

duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo

A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se

afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo

103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo

128

coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora

natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo

sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o

antigo uso

Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais

sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em

favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o

nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas

caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba

todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001

422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os

verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da

combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto

como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas

Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem

morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou

plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias

sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou

subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam

como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma

flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve

entre as propriedades do sistema linguiacutestico

Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou

plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade

funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias

sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos

(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos

subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre

muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas

apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma

106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo

129

flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas

problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)

Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas

transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais

desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em

construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais

abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa

flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado

tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da

construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer

denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades

associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que

natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida

Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a

sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um

evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto

concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo

Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do

verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio

Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia

de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute

possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de

um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo

ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse

novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia

desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF

107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo

130

1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT

2005 88)

Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da

Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees

seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees

simples

(37)

o tou enuma

3Ss pegar dinheiro

lsquoEla pega dinheirorsquo

Agora em construccedilotildees seriais

(38)

o tou inya diredirediredire

3Ss pegar arroz cozinhar

lsquoEla cozinha arrozrsquo

(39)

bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba

2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar

lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)

Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples

natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais

sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo

de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em

construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria

linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum

momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo

108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo

131

44 MARCAS ASPECTUAIS

Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a

categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida

em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que

essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza

simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas

complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre

elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de

um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute

portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia

um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica

independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma

As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem

respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao

momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de

presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees

semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo

instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA

COSTA 2002 19)

Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma

accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa

accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a

definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa

Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a

formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a

constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto

natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com

qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo

temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a

132

diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e

situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109

Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira

como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo

temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em

evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo

referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar

proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute

nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)

como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos

distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e

tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma

exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no

entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato

de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em

relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma

mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o

PROGRESSIVO e o ESTATIVO

Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da

Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes

(40)

Kwasi da h re-di-di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo

133

A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao

valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na

maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a

ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia

entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham

rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a

primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um

subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as

marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude

entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de

aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto

RESULTATIVO para o segundo verbo

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO

Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais

Li(Ni) PERFECTIVO

A RESULTATIVO

Su PROGRESSIVO

Oslash IMPERFECTIVO

Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes

maneiras

1) Junto apenas do primeiro verbo

2) Junto apenas do segundo verbo

3) Junto do primeiro OU do segundo verbo

4) Junto de ambos os verbos

Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos

verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que

haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de

exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar

nos exemplos do corpus abaixo citados

110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes

134

Junto de ambos os verbos

(41)

fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί

3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo

(42)

Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET

lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo

(43)

kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do segundo verbo

(44)

fafafafa tanni n totototo ----lililili blo

3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc

lsquoEle jogou o pano laacutersquo

(45)

n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili

1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF

lsquoEu escondi o patildeorsquo

135

(46)

kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do primeiro verbo

(47)

i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n

3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET

lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo

(48)

kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc

obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No

progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas

do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111

O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial

(49)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo

136

(50)

Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(51)

mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi

1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo

quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo

verbo da construccedilatildeo

(52)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar

acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os

(53)

Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee

lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo

137

(54)

i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema

zero

(55)

sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(56)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em

construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os

tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou

posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas

possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro

Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2

IMPERFECTIVO X X

PERFECTIVO X X

RESULTATIVO X

PROGRESSIVO X X (verbo fin)

112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

138

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO

Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em

construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA

pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os

casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como

representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente

ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja

feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a

constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os

verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de

forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo

de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia

de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um

iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado

A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc

(57)

didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(58)

Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee

lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(59)

Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun

3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC

lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo

139

(60)

a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi

3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os

lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo

Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao

morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois

do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o

que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)

Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de

imperfectivo eacute um morfema zero

No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a

V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e

seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com

uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a

O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em

V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal

A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo

man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura

[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em

seguida na serial

(61)

mi si su ma n-an mi livro kun

1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

140

(62)

mi si su fa man livro kun man mi

1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro

verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as

estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo

No presente e no passado

[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]

[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]

No futuro

[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO

Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a

possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute

possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e

utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo

(63)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]

No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular

em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1

(64)

kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

141

(65)

didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(66)

yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(67)

Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO

Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em

sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1

eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser

representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por

um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3

Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos

[S V1 O1 V2 O2]

Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1

funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de

objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na

estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos

itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais

Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento

principal da construccedilatildeo

Numa estrutura como

142

(68)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os

sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse

lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo

natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu

conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma

preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige

argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal

de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem

inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa

estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]

Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e

consequentemente predicador de argumentos

(69)

ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a

propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo

semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo

mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo

lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando

que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de

143

argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa

construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]

Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo

estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a

presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel

representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra

que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute

manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento

essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que

sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo

Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila

serial

(70)

fa nu13nu kun wun( a wun i

3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em

sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar

que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo

posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a

sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez

que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa

natildeo eacute o predicador do argumento interno

Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto

113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice

pronominal para retomar o objeto direto

144

(71)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore

filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo

No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da

estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial

Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora

na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de

V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse

referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do

enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de

Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento

interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2

A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais

mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura

de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees

[SN V1 SN(obj) V2 V3]

[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]

[SN V1 V2 SN(obj)]

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de

construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com

base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse

tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos

exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas

comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de

propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades

145

CAPIacuteTULO 5

DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que

compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da

Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG

1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um

uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo

de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)

Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios

dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees

conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou

concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro

modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo

quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos

conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser

uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma

categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como

um evento115

Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao

domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita

uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a

estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que

consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo

De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica

a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os

tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o

alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante

secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais

115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo

146

chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a

entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da

atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de

perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)

Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees

(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das

construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem

teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas

e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos

que as aproximam

No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos

demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em

seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal

por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a

possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede

semacircntica potencial dos itens verbais

Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e

assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no

processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam

conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com

o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a

proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que

tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS

Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um

verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de

Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas

116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo

147

511 Introdutoras de beneficiaacuterio

Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo

(72)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ss pegar frango mostrar 1Os

agente tema recipiente

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim

fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo

O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo

descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia

secundaacuteria

O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de

um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento

(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema

eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua

esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento

que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente

mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que

ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum

traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma

vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena

Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute

de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento

trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o

148

caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento

determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema

coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle

O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais

prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma

relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute

efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de

colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar

algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua

posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar

pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim

demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento

interno

Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de

estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos

dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na

serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo

V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse

verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a

ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de

tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua

estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da

construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel

sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado

Caso semelhante observamos no exemplo seguinte

149

(73)

i fa mango cɛ mi

3Ss pegar manga oferecer 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e

secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ

lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos

limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical

acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno

conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e

conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo

objetiva do evento

No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo

introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma

de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais

evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional

(74)

fa nu13nu kun wun$ a wun i

3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

agente tema

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

LIMPAR

nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo

150

PEGAR

fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando

assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu

conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo

(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X

causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que

pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da

proacutepria construccedilatildeo

Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados

(75)

ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute

3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)

que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com

o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)

como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita

por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves

demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o

caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item

escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o

verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que

um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No

entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado

151

a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a

algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa

No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas

aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo

(76)

i ni fa i kondro fa kt Oslash su

POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o

evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja

o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo

discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o

preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um

morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito

O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre

seus participantes

trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida

para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento

requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que

aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa

perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor

Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem

como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas

propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo

satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se

152

daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de

uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes

da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se

compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo

devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que

estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees

satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir

eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o

constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o

exemplo 78

(77)

ɔ yo-li swa nga man-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(78)

ɔ fa -li swa nga man-ni mi

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o

evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de

um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical

semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas

que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo

Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem

em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em

118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)

153

marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo

de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado

pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso

explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119

O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da

construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente

(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio

FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo

DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo

O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na

construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por

esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile

fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem

A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi

determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo

sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia

preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que

construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o

leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um

campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher

uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado

correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para

os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE

2006 26)

Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que

podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)

119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)

154

Semacircntica

Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

Sujeito Obj1 Obj2

yyyyooooman lsquofazerdarrsquo

lsquoelersquo

swa nga lsquoesta casarsquo

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle fez esta casa para mimlsquo

Semacircntica Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

faman man man man lsquopegardarrsquo

Sujeito

lsquoelersquo

Obj1

swa nga

lsquoesta casarsquo

Obj2

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo

apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse

esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute

dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de

introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso

temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como

secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos

155

nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man

lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo

funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna

necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo

serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo

Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas

propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por

adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao

que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma

construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo

constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim

adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma

mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa

possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas

propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos

Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa

Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo

receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que

todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de

situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia

apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na

medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento

descrito

A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena

descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira

veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda

por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do

verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu

uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno

beneficiaacuterio

156

Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de

construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de

construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um

dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo

de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os

verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na

construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange

3 construccedilotildees analisadas

Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do

tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da

cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o

verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o

mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela

construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees

semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas

Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las

bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees

representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o

sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade

157

constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal

combinaccedilatildeo

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

(79)

fa li13 tanni man ni kuajo

3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo

anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes

do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute

representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia

de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo

O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio

tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O

outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e

eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse

tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por

equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte

podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais

relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o

verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena

No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto

em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de

que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma

construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor

apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua

thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a

120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo

158

funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de

beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo

512 Introdutoras de instrumento

A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para

uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da

construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo

incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que

eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma

preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria

uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo

corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado

abaixo

(80)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um

agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre

um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal

(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante

secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma

construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y

se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo

necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou

159

objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a

caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam

Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de

que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja

introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo

de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela

composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome

O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode

revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se

interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a

representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e

ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca

para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra

apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse

movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa

perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca

Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a

funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para

chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado

Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas

coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo

de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham

percorrido esse caminho

Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em

sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse

movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona

diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um

item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute

o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que

por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido

pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de

160

extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma

das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham

como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo

A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem

nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de

beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades

verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando

observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo

verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121

(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e

de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o

sintagma nominal laliɛ n

Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos

verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento

descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente

Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se

adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia

No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca

representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ

lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos

descritos por esses verbos eacute

fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n

kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun

A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor

ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles

121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010

161

estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa

posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun

nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se

entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e

esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal

representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que

representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que

em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela

construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira

funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais

A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um

esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por

meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso

vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf

CROFT 1991 185)

Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos

Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo

Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo

162

Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na

descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel

sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades

verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do

resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-

PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado

A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas

sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute

verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui

manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos

mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto

denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos

o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute

por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que

por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma

uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de

um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave

estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto

se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas

naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto

por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo

da construccedilatildeo serial

163

Construccedilatildeo resultativa transitiva

Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute

predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com

papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na

construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade

visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo

mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca

aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada

A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees

natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz

em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental

que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a

semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo

estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos

diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias

construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da

economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e

harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa

integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial

adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo

122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo

164

semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da

construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos

constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa

combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da

construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido

resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja

ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo

V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de

V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item

lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees

dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas

estabelecidas previamente na construccedilatildeo

513 Comparaccedilatildeo

Observemos o exemplo a seguir

(81)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo

Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo

A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da

relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da

construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema

relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto

natildeo prototiacutepico o item lexical de base

A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma

comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu

165

proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade

do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura

parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente

determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo

em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo

imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que

tange a sua especificaccedilatildeo formal interna

Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5

categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais

estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda

para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas

categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos

proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala

organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem

PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE

Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se

gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se

considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma

categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave

categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas

ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a

proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a

categoria QUALIDADE eacute o de modificador

A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia

simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de

estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e

formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se

organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua

No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico

capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar

relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a

166

comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma

mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e

por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo

traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento

concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz

mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos

sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo

previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que

preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva

desse falante

Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo

Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra

lsquoEle fala mais comigorsquo

Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ

lsquodo que (fala) com vocecircrsquo

Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que

estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o

inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam

como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela

construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo

semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias

que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos

semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso

essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a

habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua

A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante

tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo

em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute

depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da

construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se

relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de

167

comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber

que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os

termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que

o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a

comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc

(82)

igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no

dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura

sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e

em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema

relacional de funccedilatildeo comparativa

O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que

esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse

gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente

determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A

construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que

antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o

que sucede tra

Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do

ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial

comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de

sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o

termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o

OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A

informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores

conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias

168

necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A

depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente

por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra

(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos

semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica

Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que

estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade

O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar

ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os

elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos

argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre

participante focal e secundaacuterio temos

Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman

Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem

Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor

eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como

marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman

lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma

condiccedilatildeo no dia anterior

Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas

produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades

discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os

falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem

relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas

estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado

formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de

Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um

169

uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de

um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo

(83)

n tra Kwakou afwɛ nsjɛ

1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis

lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo

A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra

que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade

traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional

Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco

Trajetor n Marco Kwakou

Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que

aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na

comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo

dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o

elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos

semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o

sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas

posiccedilotildees

A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute

diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da

construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em

evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da

construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um

verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas

construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -

representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o

170

evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que

esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a

estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)

Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo

(84)

didididi juma n tratratratra mi

3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas

que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui

observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre

nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o

pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute

ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma

construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em

baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade

simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute

depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse

enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente

Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de

instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os

segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de

trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade

abstrata o proacuteprio trabalho

A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma

atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa

escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-

se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o

pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real

mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si

171

operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual

se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a

seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o

exemplo 89123

Tia˃Tkb

di juma n tra mi

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos

123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

172

M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo

igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois

referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome

sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a

performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por

sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a

dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em

baulecirc

(85)

n si Kofi kpa tra Kwakow

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo

posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)

Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia

instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem

recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada

173

numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos

depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas

estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se

estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em

relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na

estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124

exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e superioridade

514 Indicativas de modo

Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento

ocorreu por meio de construccedilotildees seriais

(86)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

Trajetor Noacutes marco natildeo tem

No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado

movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute

designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute

participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um

processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)

mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha

necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode

ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria

124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo

174

referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem

representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa

uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)

Vejamos sua representaccedilatildeo

Sem MOVER tema objetivo

PRED

Sint V Suj Verbo

susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa

correr(ndo) 1Spl chegar

Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire

funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a

circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas

permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo

e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito

por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o

falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila

515 Indicativas dos participantes de um evento

(87)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo

A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas

analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento

e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o

participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento

175

de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante

secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece

uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de

apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo

metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido

cortado do evento representado

A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a

elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o

que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou

perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees

analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria

semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado

O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes

de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica

apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem

de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma

forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico

A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado

Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao

falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse

participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica

da construccedilatildeo

A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um

determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos

elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento

que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem

efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado

compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse

exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo

apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos

constituintes da construccedilatildeo

Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e

marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente

176

di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao

observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e

mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como

trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre

esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta

num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e

marco mi

A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em

que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado

analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser

inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma

variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou

experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a

natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e

qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo

herdadas pelas extensotildeesrdquo126

O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada

extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando

essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)

125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo

177

lsquoEles comem sem mimrsquo

A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2

para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos

constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo

pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado

seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e

realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS

A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica

implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se

encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave

178

combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo

a seguir

(88)

i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo

3Ss sair-PERF ir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo

Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo

Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico

e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos

argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve

conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico

verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel

de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de

Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema

designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas

∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo

O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do

movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e

diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de

um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses

verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada

um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria

construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a

construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na

estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move

127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo

179

empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum

lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos

verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade

construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens

verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si

uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria

construccedilatildeo

Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de

construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e

semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das

especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128

(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo

especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento

indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre

ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)

128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo

180

Movimento causado

Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBJ OBL

H129 subparte

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBL

A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos

exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

fite+k ˂ i gwabo ˃

Sin V S LOC ir 3Ss mercado

Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um

determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a

construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma

129 H= heranccedila

181

construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as

estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees

Vejamos o exemplo abaixo

(89)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo

Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo

No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado

central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no

final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos

demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo

eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2

A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o

termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo

de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila

Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas

um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante

focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual

correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no

entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que

seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os

compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos

analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No

caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo

enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre

em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud

182

Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao

menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions

ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel

participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os

papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)

A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura

serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema

Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a

estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A

atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos

interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu

sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos

O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees

seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao

valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A

ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma

vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto

determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas

construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que

demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical

Observemos o exemplo a seguir131

(90)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132

Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo

130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

183

Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo

(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na

construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do

conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos

semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo

de que o salto foi sobre por cima de algo133

Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui

descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo

como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos

Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas

que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em

ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se

trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos

mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos

permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de

sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB

LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia

de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular

enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a

finalizaccedilatildeo desse evento

As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo

com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira

133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar

184

ou

Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da

construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento

exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por

meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com

185

Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B

entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o

fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando

observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se

configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute

explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento

deslocado) e o alvo

(91)

i kle mon

wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute

Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui

empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo

(91a)

a tutututu a tttt

3Ssg RES arrancarpartir RES cair

lsquoO chapeacuteu caiursquo

O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de

focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de

CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica

composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras

construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis

134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico

186

A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado

sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma

causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou

marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante

focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A

noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois

elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que

indica a finalizaccedilatildeo do processo

A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo

participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como

uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua

organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos

os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam

sintaticamente como um uacutenico predicado

O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo

resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo

natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa

lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo

de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da

proacutepria construccedilatildeo serial

Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser

acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como

observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que

ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo

(91b)

a tutututu a tttt ace

3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo

lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo

A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse

processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila

temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que

187

realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma

mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir

expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos

predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio

(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na

medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado

Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz

com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante

causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como

indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante

do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos

tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado

ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais

na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca

entre os mesmos

Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por

meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO

opcit p264-265)

(92)

a liɛ+ n ti be-wa

alimento DET ser cozinhar

lsquoO alimento estaacute cozidorsquo

Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura

diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo

que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee

em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador

assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada

A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes

comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem

188

Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente

pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com

incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como

Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃

tutututu tttt ˂ ˃

Sin V Suj Suj

cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo

Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de

paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A

noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash

que incidi sobre o proacuteprio sujeito

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o

processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a

partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees

Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade

entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as

demais construccedilotildees da liacutengua

Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de

um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos

A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi

determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os

verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para

compor seu significado

189

190

CONCLUSAtildeO

Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees

seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas

mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que

fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as

coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em

baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva

teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual

A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos

revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que

tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de

uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas

Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como

Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo

de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos

consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando

que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em

outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor

nem a uma nem a outra estrutura

Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute

ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas

principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um

inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas

construccedilotildees

Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma

diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por

Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de

que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo

para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente

Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as

construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem

tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos

191

(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no

modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos

adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)

pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem

que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais

nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em

baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas de cada uma delas

No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da

anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham

pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro

deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que

expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo

semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber

que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou

como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte

especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi

primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc

Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a

concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto

designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos

(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos

linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede

de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se

como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para

ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo

discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os

interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas

No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a

perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008

2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em

baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo

192

constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio

conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais

proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como

verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de

nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e

secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do

significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas

Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos

verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi

salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo

pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo

gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo

visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo

pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar

Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo

multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do

marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida

comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo

para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da

cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o

que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo

Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo

funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno

mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional

Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas

acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os

itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees

No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee

que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura

que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que

toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a

ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida

nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem

193

como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo

satildeo unidades estanques

Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo

devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel

descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um

conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da

construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver

duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc

que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma

procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de

estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem

como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise

Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em

outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que

continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um

pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um

incentivo a outras abordagens

194

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis

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203

ANEXO

Trecho de uma das narrativas do corpus

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo

Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo

Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo

Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo

yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo

Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo

I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo

204

yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo

Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo

wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo

i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo

mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo

yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo

laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo

yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo

  • Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
  • Agradecimentos
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • Abreviaturas
  • INTRODUCcedilAtildeO
  • CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
  • 11FONOLOGIA
  • 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
  • 13 O GEcircNERO
  • 14 O NUacuteMERO
  • 15 CLASSES DE PALAVRAS
  • 151Pronomes
  • 511 Pronomes pessoaispossessivos
  • 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
  • 152 Verbos
  • 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
  • 1522Futuro
  • 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
  • 153 Adjetivos
  • 1531 Adjetivos indefinidos
  • 154 Numeral
  • 155 Palavras de sentido adverbial
  • 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
  • 16 SINTAXE
  • 161 Frase simples
  • 162 Frase complexa
  • 1621 Coordenaccedilatildeo
  • 1622 Subordinaccedilatildeo
  • 17 Interrogativas
  • 18 Negaccedilatildeo
  • CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
  • 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
  • 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
  • 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
  • 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
  • 243 Propriedades prosoacutedicas
  • 244 TempoAspectoModo
  • 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
  • 246 Argumentos compartilhados
  • 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
  • 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 2511 Orientaccedilatildeo espacial
  • 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
  • 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
  • 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
  • 2 515 Comparativos e superlativos
  • 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
  • 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
  • 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
  • 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
  • 311 Nomes e verbos
  • 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
  • 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
  • 314 O determinante do profile
  • 315 Autonomia e dependecircncia
  • 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
  • 317 Verbos complexos
  • 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
  • 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
  • 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
  • 3221 Polissemia
  • 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
  • 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
  • 3224 Metaacutefora
  • 323 Verbos e construccedilotildees
  • 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
  • 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
  • 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
  • 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 44 MARCAS ASPECTUAIS
  • 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
  • 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
  • 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
  • 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
  • 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
  • 512 Introdutoras de instrumento
  • 513 Comparaccedilatildeo
  • 514 Indicativas de modo
  • 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CONCLUSAtildeO
  • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
  • ANEXO
Page 3: Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM – demonstrativo DET – determinante DET-PL – determinante plural ESC – empty subject

A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade

Agradecimentos

Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida

Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo

das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em

Paris

Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem

eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em

me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc

A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de

Linguiacutestica

Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros

diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris

A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o

conhecimento

Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas

A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade

pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria

acadecircmica desde o mestrado

Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida

RESUMO

Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que

subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees

simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de

orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a

Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)

A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com

construccedilotildees coordenadas sem conectivo

O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e

de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc

Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries

verbais liacutenguas africanas

ABSTRACT

This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial

constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by

Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major

semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their

syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization

based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive

Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions

(Goldberg 1995)

Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to

coordinate constructions without connective for being similar in structure

emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in

coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally

differentiates them

The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers

of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule

KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs

linguistic

SUMAacuteRIO

ABREVIATURAS

INTRODUCcedilAtildeO

CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1

11 FONOLOGIA 2

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4

13 O GEcircNERO 6

14 O NUacuteMERO 6

15 CLASSES DE PALAVRAS 6

151 Pronomes 7

1511 Pronomes pessoaispossessivos 8

1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9

152 Verbos 10

1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10

1522 Futuro 11

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11

153 Adjetivos 12

1531 Adjetivos indefinidos 12

154 Numeral 13

155 Palavras de sentido adverbial 14

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15

16 SINTAXE 15

161 Frase simples 15

162 Frase complexa 16

1621 Coordenaccedilatildeo 16

1622 Subordinaccedilatildeo 16

17 INTERROGATIVAS 17

18 NEGACcedilAtildeO 18

CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19

22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33

243 Propriedades prosoacutedicas 34

244 TempoAspectoModo 36

245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38

246 Argumentos compartilhados 41

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43

251 Construccedilotildees seriais 46

2511 Orientaccedilatildeo espacial 46

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto 49

2515 Comparativos e superlativos 53

2516 Construccedilotildees que indicam modo 54

2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54

2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57

31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59

311 Nomes e verbos 60

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64

313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67

314 Determinante do Profile 71

315 Autonomia e dependecircncia 73

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74

317 Verbos complexos 75

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87

3221 Polissemia 88

3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88

3223 Instanciaccedilatildeo 89

3224 Metaacutefora 90

323 Verbos e construccedilotildees 91

324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97

CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101

411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102

412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126

44 MARCAS ASPECTUAIS 131

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144

CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146

511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147

512 Introdutoras de instrumento 158

513 Comparaccedilatildeo 164

514 Indicativas de modo 173

515 Indicativas dos participantes de um evento 174

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188

CONCLUSAtildeO 190

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194

ANEXO 203

i

Abreviaturas

ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo

ADJINDEF ndash adjetivo indefinido

ADV ndash adveacuterbio

APRES ndash apresentativo

ASP ndash aspecto

CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado

COMPL ndash completivo

CONJ ndash conjunccedilatildeo

CONT ndash continuativo

DEM ndash demonstrativo

DET ndash determinante

DET-PL ndash determinante plural

ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo

EST ndash estativo

EXPL ndash expletivo

FUT ndash futuro

HAB ndash habitual

IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )

INDEF ndash indefinido

INF ndash infinitivo

INTER ndash interrogativo

LOC ndash locativo

M ndash masculino

MORF ndash morfema

NEG ndash negaccedilatildeo

O ndash objeto

OD ndash objeto direto

OI ndash objeto indireto

PASS ndash passado

PASREM ndash passado remoto

PER ndash person lsquopessoarsquo

PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)

ii

PL ndash plural

POSS ndash possessivo

POT ndash potencial

Prep ndash preposiccedilatildeo

PRES ndash presente

PROG ndash progressivo

REAL ndash realista

RED ndash reduplicado

REDUP ndash reduplicado

REFL ndash reflexivo

REL ndash morfema relativo

REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo

RES ndash aspecto resultativo

RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo

S ndash sujeito

Sg ndash singular

SN ndash sintagma nominal

TEMP ndash tempo

V ndash verbo

INTRODUCcedilAtildeO

O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de

leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005

na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs

brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo

Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como

ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava

propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da

teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo

apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries

verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que

um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro

Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do

continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs

mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento

e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo

Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto

de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de

cada liacutengua

Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de

serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas

agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de

Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais

em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um

olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que

tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos

Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos

brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)

e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees

seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade

de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o

portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel

semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as

propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)

elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em

dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo

dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados

de nosso corpus do baulecirc

No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais

teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica

Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos

Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas

insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a

sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na

elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem

passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer

outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-

se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de

suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem

conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura

conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc

Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente

fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon

(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente

semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma

caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo

5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees

Coleta de dados

O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira

1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da

histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria

pesquisadora

2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e

cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo

realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um

filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns

triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos

que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era

transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em

diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas

3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo

colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a

partir de um tema de interesse do proacuteprio falante

4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os

trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses

dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio

As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados

foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos

os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila

1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na

pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal

referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa

1

CAPIacuteTULO 1

A LIacuteNGUA BAULEcirc

Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por

aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do

continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia

em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que

estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma

aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais

repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas

estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e

superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma

classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do

Marfim

Niger-Congo

Atlantic-Congo

Volta-Congo

Kwa

Nyo

Tano

Central

Bia

Northern

Baouleacute

1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl

2

Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma

breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo

realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)

11FONOLOGIA

O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e

21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras

em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo

haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a

oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos

de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)

Orais e nasais

fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo

fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo

fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo

kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo

Surda e sonora

bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo

3

di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo

jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo

Pontos distintos de articulaccedilatildeo

fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo

Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e

dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma

propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos

semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute

determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)

sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo

alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo

No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo

realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo

indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos

(Kouadio amp Kouame 2004 14)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame

lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)

ɔ fa a duo

3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)

4

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio

amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica

Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa

do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem

alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees

foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um

exemplo

VOGAIS

API Ortografia baulecirc Exemplos

A a ta lsquoplantarrsquo

E e be lsquocozinharrsquo

ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo

I I ti lsquocabeccedilarostorsquo

O o bo lsquofundorsquo

ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo

U u fu lsquosubirrsquo

I in fin lsquovir dersquo

Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo

ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo

ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo

U un wun lsquover incharrsquo

CONSOANTES

API Ortografia baulecirc Exemplos

b b ba lsquocrianccedilarsquo

c c cɛn lsquoengordarrsquo

5

d d dɔn lsquohorarsquo

f f fu lsquosubirrsquo

ɡ g gali lsquomandiocarsquo

gb gb gba lsquoarmadilharsquo

ɉ j jɔ lsquoredersquo

k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo

kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo

l l la lsquodeitar dormirrsquo

m m damun lsquojogorsquo

n n nnun lsquocincorsquo

ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo

p p panndu lsquogarrafarsquo

r r rɛrɛ lsquoescalarsquo

s s se lsquodizerrsquo

t t tu lsquodesenterrarrsquo

v v vi lsquorim lomborsquo

j y yi lsquoesposarsquo

z z nza lsquoinhamersquo

13 O GEcircNERO

Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a

distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea

como observamos a seguir

bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo

yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo

6

14 O NUacuteMERO

Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun

Sran mun

Ser humano PL

lsquoOs seres humanosrsquo

15 CLASSES DE PALAVRAS

As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que

constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas

(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de

nomes verbos adjetivos e adveacuterbios

No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os

distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados

devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha

significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor

definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os

pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que

acompanham os lexemas nominais Exemplos4

di

Comer

lsquoComarsquo

alwa ɔ

cachorro pred

lsquoEacute um cachorrorsquo

bia kun

cadeira INDEF

lsquoUma cadeirarsquo

4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora

7

ɔ fa- li wa n man-ni mi

3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o filho delersquo

151Pronomes

Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes

pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte

nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que

determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5

bja nga

cadeira DEM

lsquoEsta cadeirarsquo

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ

branco vila INDEF dentro LOC

lsquoNuma vilahelliprsquo

511 Pronomes pessoaispossessivos

A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto

SUJEITO Singular Plural

1a pessoa n e

2a pessoa a amu

3a pessoa ɔ be

5 Exemplos de nosso corpus

8

COMPLEMENTO Singular Plural

1a pessoa mi e

2a pessoa wɔ amu

3a pessoa i be

Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em

construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ

(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por

pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do

referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso

facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004

22)

Min si liɛ

1Ss pai MORF

lsquoMeu pai (a mim)rsquo

Be nianman bian6 liɛ mun

3Opl irmatildeo homem MORF PL

lsquoOs irmatildeos delesrsquo

Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal

complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta

adicionar o morfema mun

POSSESSIVO Singular Plural

1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo

2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo

3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo

6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua

9

1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido

Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga

mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome

que determinam7

Gbo nga

Poccedilo DEM

lsquoEste poccedilorsquo

sran nga mun

Ser humano DEM PL

lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo

A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun

lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be fa be un

3Spl parecer 3Opl corpo

lsquoEles se parecemrsquo

Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado

utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be wan Kofi ba-li

3Spl dizer Kofi vir-PERF

lsquoDizem que o Kofi veiorsquo

7 Exemplos de nosso corpus

10

152 Verbos

A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e

dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin

lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros

1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo

A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)

verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o

imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man

colocado apoacutes o(s) verbo(s)

Exemplos

tra li a ce kl ltri

Ele s sentar PERF solo escrever carta

lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo

a ba ma

3Ss RES chegar NEG

lsquoEle natildeo chegoursquo

ba su wa kɔ lafi

crianccedila PROG FUT ir dormir

lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo

yɛ ɔ fa flwa nga

entatildeo 3Ss pegar livro DEM

lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo

ɔ tɛ lafi

3Ss CONT dormir

lsquoEle continua a dormirrsquo

11

1522Futuro

A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome

sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro

proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa

Vejamos alguns exemplos

laflɛ kun ba yɛ wa lafi

sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir

lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo

ɔ su wa sɔ televizion n

3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET

lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos

Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos

realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz

em muitas repeticcedilotildees

wo l titi waka ma wie

3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF

lsquoEle colhia umas frutasrsquo

153 Adjetivos

O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que

determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o

adjetivo

Sran dan

Ser humano grande

lsquoUm homem grandersquo

8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo

12

Bla kpɛnngbɛn mun be si able

Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)

lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10

1531 Adjetivos indefinidos

a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)

algum(ns) certo (s) Exemplo

sran vie mun be bali wa

ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC

lsquoAlguns homens vieram aquirsquo

b) fi algum Exemplos

like fi n kɔ a lika fi

coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum

lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo

c) kwlaangba tudo todos

Ba sɔrsquon si sa kwlaa

Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo

lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo

d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo

lsquouma aacutervorersquo

10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc

wa ka ku n

aacutervore uma

13

e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo

Like uflɛ

coisa outra

lsquooutra coisarsquo

f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo

like kunngba

coisa mesmo

lsquoa mesma coisarsquo

g) sɔ lsquotal dessa formarsquo

talua sɔrsquo n tirsquo A kpa

menina tal DET ser NEG bom

lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo

154 Numeral

Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a

centena 200

1 kun k 11 blu nin ku

2 nnyɔn 20 ablaɔn

3 nsan 30 ablasan

4 nnan 40 ablanan

5 nnun 50 ablenunn

6 nsiɛn 60 ablesiɛn

7 nso 70 ableso

8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ

14

9 ngwlan 90 ablangwlan

10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn

155 Palavras de sentido adverbial

Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe

unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente

nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos

tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e

adjetival

Nian kpa

Olhar bom

lsquoOlhe bemrsquo

Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado

como adjetivo e adveacuterbio

i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ

3Ssg sair 3CLpl olho grande grande

lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo

Kuasi klo Amlan ngboko

Kuasi amar Amlam Muito

lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo

O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12

K a gu li l fu li e ku n

Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo

lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo

11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus

15

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo

Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de

adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute

contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo

bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo

16 SINTAXE

161 Frase simples

As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema

Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos

le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs

lsquoEle tem trecircs cestasrsquo

Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs

lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo

Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute

invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo

ɔ yo li swa nga man ni mi

3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

162 Frase complexa

1621 Coordenaccedilatildeo

A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes

morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns

exemplos

16

ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver

lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo

Y sie-li l y bo i komin ekun

Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv

lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo

K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba

Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir

lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo

1622 Subordinaccedilatildeo

O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para

expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i

nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ

sa) Exemplos ilustrativos

K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla

Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo

lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo

i ti kɛ nɛ yɛ

3Ss ser como animal ADV

lsquoEle eacute como um animalrsquo

ti k kkba umuan y u i

3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo

17

A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo

Exemplo

e wo Paris tra Lion

1Spl ir Paris ultrapassar Lion

lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo

17 Interrogativas

Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin

lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo

nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ

O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred

lsquoO que ele fez para mimrsquo

a fa mannin wan

2Ss pegar dar-PERF INTER

lsquoA quem vocecirc deu isso

ɔ duman suan13 sɛ

3Ss chamar INTER

lsquoComo vocecirc se chamarsquo

18 Negaccedilatildeo

O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a

marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o

morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos

13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo

18

Mrsquoa fa man mrsquoa fia man

1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG

lsquoEu natildeo o escondirsquo

kɛ ba lafili man

quando crianccedila dormir-PERF-NEG

lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo

Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se

acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos

mi si su man ma n mi livru kun

POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF

lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo

Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo

man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo

ɔ tran ma n lɔ ku n

3Ssg morar NEG LOC NEG

lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15

ɔ nian wɔ ma n Buake

3Ssg NEG ir NEG Buake

lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo

14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397

19

CAPIacuteTULO 2

L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no

que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades

definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de

anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das

liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos

parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades

sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme

Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do

tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo

Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais

construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas

Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp

DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais

que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute

nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS

Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em

estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute

considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu

trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de

um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua

Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de

combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem

nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele

atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma

sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo

acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial

20

Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for

um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um

complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar

fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos

satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse

caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas

subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16

(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)

Em combinaccedilatildeo acidental

Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou

adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado

simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados

sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas

satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto

na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)

Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os

componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute

hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na

seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que

estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou

Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica

da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e

tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo

A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de

uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser

expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o

16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo

21

apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o

essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora

eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo

significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao

verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)

Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada

muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar

a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das

liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento

seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos

desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item

lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo

absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada

construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos

estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido

aprofundadas pelo autor

A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com

Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os

estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas

pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa

transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as

construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou

mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)

(1) fmm me ne pocircnko no

Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o

lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo

18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)

22

(2)

fmm me no

Ele emprestar-PASS me o

lsquoEle o emprestou a mimrsquo

(3)

de no fmm me

3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)

lsquoele o emprestou a mimrsquo

Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua

natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples

admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A

produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome

objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em

que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que

compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que

restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de

novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais

Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas

propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos

em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais

como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental

por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se

realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que

observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os

verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de

identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da

combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as

caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de

verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da

sentenccedila nem portam marcas gramaticais

23

Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que

em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de

Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens

lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem

de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em

momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo

apresentando propostas diferentes

O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas

distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las

como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir

de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas

estabelecidas na construccedilatildeo

Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991

Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como

resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a

sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um

fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um

continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi

2005)

Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados

associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas

chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute

Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais

para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees

seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees

sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos

os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo

de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)

Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees

seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente

21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo

24

pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os

argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar

mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma

recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma

anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez

que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande

variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia

demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o

surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso

linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um

processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel

A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos

nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos

falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo

Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento

ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo

semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as

construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades

semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que

tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal

na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A

nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a

possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente

A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de

Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da

inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo

Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo

satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada

construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do

significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a

proacutepria construccedilatildeo

25

22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica

da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade

cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia

tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema

cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral

Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de

outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma

habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a

concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes

de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa

tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano

culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de

tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico

Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo

linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo

principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia

Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo

denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre

construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade

para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos

africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor

rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que

testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as

ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que

essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor

eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente

compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa

construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de

que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar

a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns

22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo

26

povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos

desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e

consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo

produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se

certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em

outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por

exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord

(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua

depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees

comunicativas elas servemrdquo23

Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais

uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura

sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES

SERIAIS

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de

propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do

fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que

pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de

1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual

tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de

anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de

1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos

tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as

proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa

abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para

todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)

No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas

contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que

23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname

27

dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como

o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser

analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e

quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns

exemplos

(4)

Olu mu iweacute wa

Olu pegar livro vir

lsquoOlu trouxe o livrorsquo

(5)

Olu gun iyan je

Olu pounded yam ate

lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo

Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo

de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e

construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries

verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o

autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de

natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo

tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao

contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26

Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na

tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf

JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o

desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa

entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas

e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la

da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais

25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos

28

Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas

abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse

pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito

de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas

caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as

diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)

O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a

tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades

especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para

a construccedilatildeo eacute

Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem

juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo

subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais

descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees

simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo

simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS

podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada

componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos

individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27

(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)

Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma

variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea

Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e

coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua

anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua

de base

Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma

maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como

o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de

subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares

27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo

29

modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas

inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)

A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois

apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase

inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do

Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute

que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais

comuns em liacutenguas analiacuteticas

Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-

congolecircs

Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)

(6)

a fa i swa n a kle mi

3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os

lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)

Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)

ti-wa -ra ete re a

3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o

lsquoEle destruiu o pratorsquo

No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em

seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle

lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo

sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado

28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo

30

por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute

mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas

da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada

O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na

elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de

serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee

apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no

capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula

completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse

satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o

dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de

complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se

parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas

mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo

O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num

uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos

assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por

meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo

podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a

adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um

evento

Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos

descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem

expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal

associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades

verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que

sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico

lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da

construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do

segundo verbo

29 Verbos esvaziados de sentido

31

Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma

compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se

complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS

para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem

na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas

regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das

construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas

coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia

ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como

uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa

classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS

Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de

liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo

esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon

(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a

elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes

grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores

contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem

que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e

Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e

chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas

seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico

Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a

despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado

simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia

sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra

32

oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se

observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da

Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)

(8)

nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana

1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP

lsquoEle viu que eu atravesseirsquo

Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final

da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais

ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de

cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS

o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS

aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de

subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute

subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte

Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud

AIKHENVALD 2006)

(9)

a mtto cw katto rwo t

1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei

lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo

Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o

elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas

verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de

estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos

componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da

composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a

30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda

33

CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas

gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso

acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees

seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de

forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais

independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas

marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do

perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo

Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo

de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus

componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel

constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir

uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas

multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa

dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de

gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que

adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a

compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto

que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido

Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas

a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a

distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse

conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por

essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores

Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que

determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de

compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de

integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente

possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja

do uso que o falante faz dele

34

243 Propriedades prosoacutedicas

Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma

oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de

entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras

oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa

pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os

autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo

concisa sobre ela

Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua

escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite

maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de

fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de

organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais

Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a

complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os

interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que

pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura

gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa

de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no

discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade

entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou

informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no

discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda

na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os

limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma

oraccedilatildeo de um uacutenico verbo

A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a

caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se

sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie

verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees

seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo

35

prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que

uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da

capacidade fiacutesica humana

Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula

a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala

tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se

houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade

entonacional

A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos

formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente

uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de

uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades

cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a

tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma

mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma

abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica

(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels

() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre

construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um

predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees

em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)

Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia

verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba

todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas

europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de

seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo

inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000

240)

32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo

36

244 TempoAspectoModo

Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de

tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes

conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser

feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre

elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e

que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila

entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a

concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema

indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de

aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33

(Ameka 2003)

(10)

Kwasi da h re di di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e

o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores

aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a

concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se

harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do

aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento

Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo

por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades

discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos

maiores perfectivo e imperfectivo

Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir

uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam

33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana

37

compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum

contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)

Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006

9)

(11)

cu a ni ak n- ni

Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB

lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)

Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e

ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir

(12)

cua ci ak oŋgu i

cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg

lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo

Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra

accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo

apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute

de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao

segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo

que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de

agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do

exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo

parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo

coordenada

Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc

(13)

Be sin-ni l be wo-li

38

3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF

lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo

Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que

representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem

pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido

junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar

essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados

No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos

verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees

coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em

elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos

que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do

falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente

a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento

como em construccedilotildees seriais

245 Composiccedilatildeo dos argumentos

Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento

Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de

argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico

argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item

lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da

natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)

Ambos podem pertencer agrave CS como um todo

Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a

caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou

subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as

caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos

34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo

39

por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em

outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio

de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando

usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)

Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da

valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos

requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois

resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o

seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)

(14)

o ti ri nwo keacute a hu o kpo

Ele bater TEMPO homem REL soco

lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)

(15)

lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)

Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e

o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o

mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando

entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o

verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e

interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se

sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A

estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo

o ti gbu ru nwo keacute a hu

Ele bater matar TEMPO homem REL

40

transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos

que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um

argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma

serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos

compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo

caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a

apresentada acima como uma CS

O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso

(16)

i kle mo n wla i ti kle n a tu a t

3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES

cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo

Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle

arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo

ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da

CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando

concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS

O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento

interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia

desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos

transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc

Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da

combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de

que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua

valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante

de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto

de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS

41

246 Argumentos compartilhados

A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma

propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que

quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam

consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como

prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos

ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo

satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs

Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo

componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO

sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de

um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode

ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade

indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute

denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38

(AIKHENVALD 2006 16)

(17)

Tali mi-tit tenten Kevin

Tali PER-socar chorarREDUP Kevin

lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo

Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza

uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro

verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse

primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo

elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2

37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu

42

Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico

entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)

que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo

impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir

como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada

proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo

como elemento de fundo ou apoio agrave cena

Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em

geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical

seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit

p16)

(18)

na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak

3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM

lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo

O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e

tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares

em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que

eacute menos especiacutefica

A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute

sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim

Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e

construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a

diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito

evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto

de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute

bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)

39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo

43

Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito

satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na

literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo

transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2

nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees

consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito

de V1 eacute equivalente ao objeto de V2

Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do

goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud

AIKHENVALD 2006 102)

(19)

kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()

antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta

lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo

Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees

temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou

de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo

progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o

primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima

Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees

(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os

recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica

demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a

identificaccedilatildeo de uma CS

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA

Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees

seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com

suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash

construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a

relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na

44

construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico

evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo

harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus

componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo

pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado

grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem

representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico

verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica

especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald

Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas

grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe

relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe

gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees

assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito

por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula

uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou

postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a

toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)

Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos

pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe

restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma

divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo

com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e

quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos

que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos

de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa

desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a

adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo

ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse

40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo

45

conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que

podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees

gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou

ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente

Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos

semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as

propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo

condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer

quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos

semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos

parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo

das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as

constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e

consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros

de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los

1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento

2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de

estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo

3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-

modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo

4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo

5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo

6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos

como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros

A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a

apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo

tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar

principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria

essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os

mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs

46

251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A

seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades

2511 Orientaccedilatildeo espacial

Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de

movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -

e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD

2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica

do Sul

(20)

Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]

Macaco vir beber I PRES

lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo

indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao

mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada

(21)

a fin Buake a ba

3Ssg RES vir de Buake RES chegar

lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo

Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao

encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]

Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No

primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do

baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida

47

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado

Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de

outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do

kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213

apud AIKHENVALD op cit p23)

(22)

lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo

Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma

funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de

mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo

apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma

outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em

casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord

(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma

adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico

Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS

ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois

processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite

portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como

afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do

qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo

ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise

como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte

de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma

mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial

Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses

verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A

kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai

quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir

48

autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e

temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do

aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre

CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais

processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees

Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe

apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)

(23)

ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]

1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS

lsquoEu me tornei grandersquo

Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo

ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro

verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando

empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de

ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de

seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos

semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um

novo significado

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo

Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute

negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos

em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma

modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo

morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer

sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a

41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)

49

seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD

opcit p 24)

(24)

eli ja acha bai Singapore

3Ssg PER receber ir Cingapura

lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto

Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em

papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas

instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que

passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees

semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como

verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em

saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud

AIKHENVALD opcit p 26)

(25)

Kofi Bi bai di buku da di muyeacute

Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher

lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo

O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo

primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo

(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e

beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo

quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica

entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego

em CS como a do exemplo (25)

43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca

50

Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de

um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud

KROEGER 2004 239)

(26)

Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i

Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip

lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo

Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os

argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos

verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos

As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser

analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o

padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os

verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()

Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004

239)

Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em

posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em

posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O

objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o

objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo

serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por

exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo

representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees

metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS

Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como

coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O

principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena

44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo

51

representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a

natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome

nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)

(27)

Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg

lsquoAya me deu o livrorsquo

A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em

CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar

sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode

ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e

aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON

opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo

acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos

integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns

casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio

ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item

lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em

sincroniardquo47

O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento

mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um

momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2

Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de

coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a

outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo

jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em

serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para

46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas

52

verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential

combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48

Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico

de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)

(28)

Abo lori tudik korsquoa paun

avocirc pegar faca cortar patildeo

lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de

ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)

tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada

sem conectivo com sujeito vazio

(29)

fa-li lali kp-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF

lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um

uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o

sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas

construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject

construction- ESC)

Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo

apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em

estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis

visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum

53

instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem

como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento

A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como

as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou

coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos

que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo

semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise

reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como

uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo

2 515 Comparativos e superlativos

Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo

ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de

construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006

101)

(30)

kuma frsquoyer ma ni

tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg

lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo

Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial

comparativa

(31)

n si Kofi kpa tra Kuakou

1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o

outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute

algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo

50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria

54

como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em

segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados

2516 Construccedilotildees que indicam maneira

Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado

pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in

AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em

que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira

como a outra accedilatildeo se realizou51

(32)

ti [gi-e yaa-a -goe ]

1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT

lsquoEu chegarei atrasadorsquo

252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes

Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico

da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um

evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como

pressuposto a accedilatildeo de cozinhar

(33)

Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu

Ama POT-cozinhar coisa comer

lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo

51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo

55

Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois

do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido

pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo

2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito

O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo

serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o

efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos

em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-

function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)

(34)

n=babas weli n=mot do

3sg=bater porco 3sg=morrer REAL

lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo

Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra

indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou

52 Liacutengua austroneacutesia

56

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o

tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito

de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas

propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de

variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas

construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer

paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees

Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de

compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa

caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo

homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo

evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de

identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais

Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo

com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto

mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um

ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo

57

CAPIacuteTULO 3

PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS

Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as

construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo

dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois

entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que

traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em

coacutedigo

O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de

perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas

relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave

elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970

nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente

como um movimento mundial

O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os

estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano

precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos

gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de

que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas

propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos

pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos

teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta

Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto

heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)

teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais

(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987

2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas

comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira

(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos

portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo

(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se

uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico

58

(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre

domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes

inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia

Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem

estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas

estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como

manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na

Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a

organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em

diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)

Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da

Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave

proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a

Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria

maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as

propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as

quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva

desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens

lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de

nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo

aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o

significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca

mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf

LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele

Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a

elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item

lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee

a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como

a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os

moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de

ambas

59

31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)

Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso

e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que

descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute

simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o

fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e

no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)

formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas

simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica

ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma

determinada liacutengua (LANGACKER 1987)

Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave

conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer

tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto

experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva

compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada

pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica

dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa

interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo

discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as

estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da

transmissatildeo da informaccedilatildeo

A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica

Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a

caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que

estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na

elaboraccedilatildeo dos enunciados

53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria

60

311 Nomes e verbos

Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam

em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos

dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que

natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente

idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo

necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria

Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por

Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA

1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de

saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da

dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria

categoria

As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade

identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos

mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas

propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os

elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a

estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a

natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as

dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se

extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os

membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de

significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e

sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em

consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a

natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas

margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e

intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees

necessaacuterias e suficientes

Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e

verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto

fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em

54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa

61

termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos

fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades

de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo

que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo

prototiacutepico

Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a

existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para

nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes

Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos

I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material

II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual

III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo

IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa

nenhuma localizaccedilatildeo particular

V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos

conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento

E para verbos o autor destaca

I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de

mudanccedila e transferecircncia de energia

II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem

sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal

III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada

uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes

IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem

conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem

Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo

resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam

tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo

linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e

categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo

das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas

62

por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de

influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)

Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos

de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos

o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo

Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos

discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato

entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de

dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato

fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que

pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55

(LANGACKER 2008 103)

No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila

a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o

objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia

prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida

Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute

proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais

proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se

um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma

accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa

transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um

terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim

sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo

substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que

os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa

Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento

e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)

Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de

energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras

55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo

63

[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia

de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de

energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo

intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o

sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento

autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o

que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos

chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute

um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA

SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)

O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado

modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia

momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a

interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse

modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem

em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)

No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os

participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo

cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por

expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos

nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos

centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que

representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez

que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a

uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como

participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante

Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical

e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e

complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia

complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os

dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico

56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo

64

contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto

a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura

Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas

linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou

mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do

falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual

direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes

de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado

As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que

concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo

uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam

prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se

desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles

haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um

nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente

possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser

relevante para nossa pesquisa

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual

Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por

uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo

significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais

ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende

do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre

leacutexico e gramaacutetica

Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo

claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do

leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e

podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro

mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no

estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar

processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura

semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica

65

Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que

uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma

comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo

expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma

comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o

lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas

partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber

dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo

palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo

auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo

(estaacute falando) entre outros

Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o

processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para

que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma

expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de

complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas

caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo

eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de

detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes

A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de

experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um

conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58

(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais

de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria

o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem

traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a

que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo

formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos

protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor

(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo

satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um

57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo

66

nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e

probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os

protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)

Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja

na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e

dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais

Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e

conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito

no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva

consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e

devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma

representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais

De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-

se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro

deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso

deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de

construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma

expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas

depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59

(LANGACKER 1993a)

E ainda

Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo

inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade

eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro

ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva

tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)

Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a

sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na

59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo

67

situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez

refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o

outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do

proacuteprio discurso

Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das

diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de

um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)

identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que

decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as

classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)

313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)

Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais

relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se

estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu

significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais

de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia

entre os seus elementos conceituais

As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo

apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado

da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como

exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base

mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma

condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um

processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e

reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento

Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se

desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de

energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a

categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a

impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva

Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado

natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo

68

bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como

um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades

cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background

memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER

1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo

linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais

capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos

mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos

cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa

percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas

por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do

primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o

que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua

compreensatildeo o que eacute menos relevante etc

Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia

conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois

elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos

saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em

um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas

gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas

figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata

Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e

fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o

espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)

Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente

moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor

particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61

61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo

69

O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel

relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou

orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62

Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as

noccedilotildees de marido e esposa

(LANGACKER 2003 252)

A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma

base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e

esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao

poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino

A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o

elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais

como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre

homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o

nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto

de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo

de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros

A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de

retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia

desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor

tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a

possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que

demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada

proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees

particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados

62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo

70

conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo

planos

Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma

determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver

essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com

o qual a cena eacute representada

Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em

que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja

representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido

amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento

preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas

dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current

discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as

informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor

formando a base do discurso produzido

No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para

elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia

que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa

capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa

forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo

numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra

absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O

escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou

escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo

imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e

o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a

propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato

Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em

sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo

em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que

nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez

examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento

cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou

71

seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo

escopo maacuteximo

Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)

interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo

temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de

sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas

gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o

trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees

314 O determinante do profile

A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de

seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo

a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas

esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa

forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os

profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao

profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um

termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a

mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo

designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome

ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo

O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da

construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave

qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da

GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela

natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de

seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo

correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de

classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as

estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e

consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute

apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos

72

Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de

nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse

equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma

parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo

Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser

classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha

cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar

analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet

tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o

trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como

trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do

closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina

um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um

de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile

correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um

deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial

Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser

identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao

da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o

profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por

Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um

verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de

remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o

processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim

um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que

apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos

constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar

carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente

Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam

usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC

denominados esquemas construcionais

64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo

73

Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de

semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas

Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)

315 Autonomia e dependecircncia

Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de

correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui

esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados

Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um

detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a

schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse

termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration

site (e-site)

Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente

conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de

correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados

como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo

considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a

caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical

verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute

-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que

o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado

O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da

organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por

termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato

indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em

suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de

dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a

estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute

65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo

74

dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o

componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no

ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de

autonomiadependecircncia desses elementos componentes

A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser

compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e

seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente

sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria

construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo

isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe

de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado

Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo

eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica

Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute

identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas

componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas

componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical

mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos

constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico

representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano

corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha

A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC

uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um

agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto

de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que

iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo

se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a

sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC

considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno

75

(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por

instacircncias simboacutelicas

Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que

estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees

transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos

elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos

alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo

componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)

(a) The package [that I was expecting] arrived

(b) The package arrived [that I was expecting]

Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo

conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de

organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do

exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que

ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos

constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a

sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a

significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas

gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual

que expressam

317 Verbos complexos

Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta

complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A

estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma

oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que

restam a ser preenchidos

De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui

no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em

liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos

76

resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o

autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo

necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto

ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do

tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)

A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma

uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas

indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto

por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos

por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores

de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo

podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que

representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam

como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas

O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo

funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o

que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos

complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em

construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do

inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que

demonstra as relaccedilotildees de seu profile

(LANGACKER 2003 270) Figura 2

GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)

aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de

77

um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena

enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A

Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com

a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser

de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade

transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for

mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e

influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do

tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do

recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)

Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no

domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente

admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja

transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no

caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da

liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso

pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER

2003 271)

No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo

agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o

beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de

transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)

Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave

demonstrada na figura 2 acima

No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos

son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e

78

envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas

representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes

mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma

sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a

compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua

representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como

verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do

beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor

prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais

representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a

representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do

marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente

(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual

Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres

que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do

mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada

por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos

que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo

em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente

experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas

conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees

linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia

dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal

elaborado de uma determinada cena

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

10) fa li tanni man ni kuajo

Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso

79

fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais

que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento

descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por

transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos

fa (pegar) e man (dar)

O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute

tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena

O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo

e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato

de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel

numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com

essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a

perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo

fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode

imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos

Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos

semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores

que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte

semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em

construccedilotildees seriais passa a verbo funcional

Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de

seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais

possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas

formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento

dessa estrutura

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais

A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas

um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos

semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos

constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a

ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e

80

qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente

relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que

antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da

Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua

significaccedilatildeo

O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos

a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um

evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente

de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos

culmine em um evento maior e principal

Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de

alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente

associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma

concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash

AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28

in AIKHENVALD 2006)

A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos

semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente

pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no

que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou

subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma

mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em

estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no

significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado

da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem

Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos

semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais

66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo

81

deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa

forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de

conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens

lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela

acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da

construccedilatildeo

Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial

como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de

eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma

funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do

evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo

como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou

discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e

uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim

concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo

de interdependecircncia estabelecida entre os verbos

Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o

ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de

um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado

denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto

de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo

verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma

consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo

primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)

Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que

nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores

prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo

67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo

82

Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de

autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68

Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar

e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena

representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees

seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em

termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como

representativos tambeacutem dessas construccedilotildees

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados

estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus

participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os

componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de

acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena

de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a

abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o

barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma

mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu

interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada

atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem

mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo

para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo

conceitual

Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo

fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a

conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as

liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos

seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser

realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de

evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento

em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)

68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to

clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual

autonomy and dependencerdquo

83

Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi

discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser

comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado

por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que

devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo

Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de

Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica

Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica

Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo

teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites

estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas

naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem

processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao

leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias

denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da

liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como

pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de

forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da

maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos

anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria

A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel

central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma

minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A

natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas

formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG

2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a

69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos

84

gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser

compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas

e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge

espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras

semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave

gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)

sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees

satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee

assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da

liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange

ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico

A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre

construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de

uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute

de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que

natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as

unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e

sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a

diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade

Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos

construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais

transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por

exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e

a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em

complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares

de significado e forma

A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia

lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma

hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma

construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da

70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical

constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538

85

construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)

sobre o verbo slice

a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)

b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-

movimento)

c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)

d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o

eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)

e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)

A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice

a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao

contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp

instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a

determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da

estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de

Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo

preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e

que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido

central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais

como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de

estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre

outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente

pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees

Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma

gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado

projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando

entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma

determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos

e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto

quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base

86

adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em

outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem

como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico

Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma

abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se

atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal

abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as

construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de

mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical

se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque

potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta

ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e

escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado

na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de

um item lexical em seu sentido de base

Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que

Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de

linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)

deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das

palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que

(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes

significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro

de maneira clara71

A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de

motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as

provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas

71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item

87

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos

Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas

tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da

motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo

maximizado princiacutepio da maacutexima economia

Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute

motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de

forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas

sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder

expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir

de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de

construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel

Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as

construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees

(GOLDBERG 1995 67)

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila

Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana

uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos

capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas

sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o

compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o

que eacute novo

Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo

de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem

entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e

um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que

jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo

nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela

gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou

alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute

conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada

88

categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como

um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)

No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que

representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a

Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a

gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma

similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras

- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode

ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica

3221 Polissemia

Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado

particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima

extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas

entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As

informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo

Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs

1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo

2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo

As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que

preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus

participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo

sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A

existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1

3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)

Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de

outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre

73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995

89

construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir

um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes

Constr Movimento Causado

SEM Causa-Movimento lt

PRED lt

SINT V

causa tema alvo

gt

gt

SUJ OBJ OBL

Lscausa

Constr Intransitiva de Movimento

SEM Movimento lt tema alvo gt

PRED lt gt

SINT V SUJ OBL

3223 Instanciaccedilatildeo (Li)

Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou

uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a

autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo

instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica

associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de

construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo

Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo

75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo

90

Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da

semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa

consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em

que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa

forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na

construccedilatildeo que a originou

(GOLDBERG 1995 80)

Resultativa

Li Ls

drive

3224 Metaacutefora

Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de

um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave

construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a

autora cita

a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo

b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo

O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido

de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)

apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de

movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado

como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off

the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo

metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o

sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)

Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo

possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas

91

semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes

entre as liacutenguas

Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute

a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens

construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como

forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e

processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas

empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)

323 Verbos e construccedilotildees

A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute

carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem

Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees

sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio

sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais

Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que

consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda

construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do

falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais

(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em

construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos

componentes

No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena

por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas

em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-

se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de

apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical

Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de

primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o

compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa

atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade

76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo

92

cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker

(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e

TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam

diferentes aspectos

HIPOTENUSA TRIAcircNGULO

De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens

verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na

medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos

aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os

itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam

papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que

neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao

evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma

construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um

significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional

propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical

instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e

protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido

O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas

concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre

outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a

um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo

regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de

princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir

a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos

semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que

realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o

papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse

verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser

instanciado como exemplo do papel de agente

93

b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um

correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma

similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a

elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria

Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa

estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo

bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus

integrantes

Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir

com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item

CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um

chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o

recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva

Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)

Joatildeo chuta a bola para o Pedro

O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela

construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel

de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o

verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados

como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de

recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite

essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da

informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de

chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam

por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs

Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando

incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel

de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)

He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo

94

A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi

empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico

Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo

manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na

cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a

introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados

diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto

natildeo nos parece ter sido salientado pela autora

O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado

do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do

verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma

construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa

construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo

profunda entre esse item e a construccedilatildeo

Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica

de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo

compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo

visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento

Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo

menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute

corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo

324 Limites entre leacutexico e sintaxe

Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia

pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de

uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a

gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos

significados mas que seja apenas um de seus componentes

A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum

significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se

postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo

sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute

entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a

95

proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de

uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a

compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada

predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente

idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada

virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um

organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez

tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua

menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o

sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se

produz

Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria

regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e

consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos

herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum

elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura

originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original

(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente

Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o

conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa

circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a

construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas

em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A

capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato

cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa

capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana

constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental

A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite

visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que

estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo

sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele

contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da

gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao

significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado

96

e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e

desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo

verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo

Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como

um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou

de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica

primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o

interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do

verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na

estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses

casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena

principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo

ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como

essencial

A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de

mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee

para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se

compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado

Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter

funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo

seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o

caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura

que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do

leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico

97

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas

teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que

nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram

utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os

enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a

Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua

natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute

precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera

assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e

significado

Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo

observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o

entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes

analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais

construccedilotildees

98

CAPIacuteTULO 4

DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS

Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais

concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila

entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute

certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc

(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se

firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam

exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas

propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar

apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos

os exemplos abaixo77

(1)

S V1 O V2 O

sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(2)

S V1 V2 O

fa nu13nu kun wun $ a wun i

Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo

Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores

reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se

assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees

77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros

99

Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma

construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de

seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi

reconhecida mas que se distingue pouco do ponto

de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito

relativamente mais proacutexima formalmente da

justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de

outras liacutenguas79

Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais

nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais

construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua

semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf

CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas

dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf

CREISSELS amp KOUADIO opcit)

bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila

de entonaccedilatildeo

bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a

sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa

bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80

bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)

mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a

construccedilatildeo

Vejamos um exemplo

(3)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ssg pegar frango mostrar 1Osg

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS

amp KOUADIO 1977)

100

Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp

Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso

apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca

gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto

imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave

classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o

significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo

pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir

(4)

ā su fā wɔ swӑ n kle mī

2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg

lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo

Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno

do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise

como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute

mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento

interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)

Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma

ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de

introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute

inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com

o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista

morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se

dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo

enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de

81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82

101

uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro

termo da seacuterie82

Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade

simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe

formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por

dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e

semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees

seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo

Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a

proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois

grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem

a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject

Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos

a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc

Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico

da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso

sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de

coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon

(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal

tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois

grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam

conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar

uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum

82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo

102

dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas

da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado

principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo

Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se

apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem

sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que

esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por

essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais

(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos

semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia

dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir

caracteriacutesticas de verbos funcionais83

411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para

a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio

b) introduzir o papel de instrumento

c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento

d) Indicar uma comparaccedilatildeo

e) Indicar a origem do movimento ou percurso

Analisaremos a seguir cada um dos itens citados

a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio

Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais

assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo Vejamos84

(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su

Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa

103

Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez

funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido

por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo

fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental

ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena

principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo

proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos

levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os

verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2

sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo

verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977

421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o

sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie

verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85

Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome

sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo

caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente

Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo

diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na

coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em

que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo

Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-

baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2

natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um

formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no

corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo

que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos

semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo

85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo

104

metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser

empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)

(6)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em

liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas

como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da

construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais

como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis

semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa

funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na

relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio

proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima

No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um

sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno

Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice

aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele

eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo

Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de

beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir

com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele

ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material

no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio

Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees

indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu

ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a

seguir

105

(7)

i mamamama nnnn----ni mi swa kun

3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF

lsquoEle deu uma casa para mimrsquo

O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu

uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em

relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro

apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)

A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado

de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman

(8)

ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute

3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo

ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em

posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como

ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo

inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o

seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado

central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando

compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de

uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de

verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena

88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo

106

principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os

exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas

Exemplo (6)

yo man

SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem

FAZER DAR

Exemplo (8)

fa man

SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem

PEGAR DAR

Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma

Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a

descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez

man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro

lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que

V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo

aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)

na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada

construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em

seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a

outra

Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma

construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a

preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma

construccedilatildeo serial

A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica

apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1

mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo

107

(9)

i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi

3Ssg pegar manga oferecer 1Osg

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante

os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo

em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se

reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos

dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A

diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man

natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante

beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse

participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de

ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas

por Silva (1999)

b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento

O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o

instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De

acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie

verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)

atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente

um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele

veio com o inhamerdquo89

89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo

108

(10)

lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo

conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se

manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por

trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo

mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido

mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima

extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da

cena descrita carrega traz consigo o inhame

Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo

serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como

operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre

outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa

tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto

nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de

deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo

verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o

inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o

participante tem a posse de algo eacute o verbo fa

O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por

seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas

propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu

estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute

possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como

preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe

de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo

estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de

verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute

preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que

ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li

Il prendre-ACC igname venir-ACC

109

adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da

classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]

O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo

(11)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)

[S V1 O1 V2 O2]

Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta

caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de

PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de

um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero

poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de

um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo

em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois

dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos

salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a

preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos

como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir

de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo

Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o

uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O

morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema

nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo

12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois

termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode

ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor

90 Corpus 4

110

de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em

algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos

a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)

(12)

ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ

3Ss cortar -PERF patildeo COM faca

lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo

(13)

ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī

3Ss ECOM fruta vir-PERF

lsquoEle trouxe frutasrsquo

O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre

dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No

entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria

possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado

pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo

pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena

descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo

dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio

de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A

escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante

c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento

Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma

construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir

111

(14)

e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin

1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho

lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo

(15)

e su wawawawandindindindi babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo

A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria

de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na

estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso

do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e

o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)

apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a

construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo

facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das

marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo

d) Indicativas de comparaccedilatildeo

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre

dois termos

(16)

n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92

91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor

112

(17)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo

entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode

ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um

mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do

sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do

segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)

(18)

n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi

1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi

lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo

A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila

Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez

que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos

comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente

estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a

pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres

com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O

exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da

semana

(19)

igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo

93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo

113

A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo

em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]

e) Origem do movimento ou percurso

As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino

de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo

(20)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten

ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo

uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um

locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo

principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem

conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin

funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega

propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos

anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por

outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez

tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo

(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]

Consideraccedilotildees finais

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve

a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1

114

(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente

essa base

As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se

ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do

sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral

natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como

no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo

Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na

construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo

propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum

estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida

sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as

prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute

entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens

que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas

pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo

possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo

412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para

representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir

(21)

sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica

115

([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma

uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim

como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem

estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as

construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a

ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os

verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores

prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um

ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um

resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva

implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio

visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como

(22)

e kan be bawle

3Spl falar 3Opl baulecirc

lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo

Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por

si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que

sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado

que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa

construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees

No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle

introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode

ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para

mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em

questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo

combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura

argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da

94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos

116

construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim

considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se

relacionam na construccedilatildeo

A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido

introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no

exemplo (23) a seguir

(23)

y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila

lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila

lafl kun ba sono matar crianccedila

a crianccedila dormersquo

A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior

e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta

o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD

V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo

discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto

anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2

sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da

estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo

portanto a sua ordem prototiacutepica

No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc

formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento

(24)

i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo

3Ssg sair-PERF irpartir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo

117

Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico

durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada

apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma

forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a

construccedilatildeo

Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos

e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um

local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de

deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima

portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos

verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute

aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo

acontece no exemplo (25) a seguir

(25)

i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho

a tutututu a tttt

3Ss RES arrancar RES cair

O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo

retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da

oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo

repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por

V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a

queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos

na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser

95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

118

arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas

a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos

A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo

serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo

(26)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo

Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o

locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu

no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete

wlɔ)

(27)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96

A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado

SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ

kpɛn

Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando

nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A

inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de

algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra

96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

119

A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de

forma geral representada por

[SN V1 V2 (SN) (LOC)]

Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que

as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees

assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos

descritos neste capiacutetulo

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO

Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais

dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute

diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si

pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute

atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)

Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em

baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a

denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora

(LARSON 2005 61)

(a) to-li oflɛ di-li

3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL

lsquoShe bought papaya and ate itrsquo

lsquoElea comprou papaia e comeursquo

(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF

lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo

lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo

97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO

120

(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi

Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so

lsquoThe girls have told me the newsrsquo

lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo

(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so

lsquoAya gave me the bookrsquo

lsquoAya me deu o livrorsquo

Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries

verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para

o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por

justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees

seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como

caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu

1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o

sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua

interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)

2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como

defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais

verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo

seriam comumente empregados em seacuteries verbais

3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e

acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)

4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em

uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada

padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer

apenas uma vez

5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e

pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele

99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO

121

A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o

argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se

assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais

sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as

diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico

evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se

assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um

uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados

A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado

decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf

LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a

introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que

envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em

significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os

verbos temos

(28) (32 p99)

lsquoEle comprou papaia e comeursquo

Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado

(29) (3106 p99)

to-li oflɛ kpeacutekun di-li

3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF

lsquoEle comprou papaia E comeursquo

A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe

porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois

eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que

ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples

o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas

to li oflɛ di li

3Ss comprar PERF papaia comer PERF

122

propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos

o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute

facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e

a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter

Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o

verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado

(30) (34 p99)

fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo

Agora com a conjunccedilatildeo

(31) (3108 p100)

fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo

Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas

natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a

sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila

sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas

sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A

possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as

construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na

estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel

sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o

evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em

outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu

conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos

numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a

faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo

sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a

123

faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um

agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o

gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o

processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo

natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa

diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo

dos enunciados

Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees

sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade

maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao

redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado

segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece

efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo

podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101

O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo

deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras

caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de

marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos

considerar o exemplo a seguir

(32) (3118 p105)

Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi

Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg

lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo

De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa

introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson

admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado

inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de

100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo

124

uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o

resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)

A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha

sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo

se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado

ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas

propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como

fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser

interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo

A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees

comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o

verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de

sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar

por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que

indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria

em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua

que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes

nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das

sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)

admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da

construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam

parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees

seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma

propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como

serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo

que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees

Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu

como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a

diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da

conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica

102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo

125

S V1 O1 V2 O2

FA (PEGAR) NOME VERBO NOME

O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos

verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo

semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa

introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em

O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel

semacircntico e natildeo sintaacutetico

Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)

(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em

ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre

parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja

modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)

por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima

apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando

isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se

estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o

mesmo conteuacutedo informacional de antes

A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas

construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses

casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo

acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no

significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser

uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo

(33)

ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi

3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

126

(34)

Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ

Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL

lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo

Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser

interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto

coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em

posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que

envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do

baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e

apresenta o seguinte exemplo

(35) (37 p73)

Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi

Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo

O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico

verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees

funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute

utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta

O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da

marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de

ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas

seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas

como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode

127

levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno

em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte

construccedilatildeo

(36) (332 p73)

Aya fa-li fluwa-lsquon

Aya pegar-PERF livro-DET

lsquoAya pegou o livrorsquo

Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de

argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo

pleno A autora conclui entatildeo que

Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo

na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um

conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila

simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1

natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos

sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc

natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta

ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)

A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo

serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o

livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute

duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo

A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se

afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo

103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo

128

coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora

natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo

sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o

antigo uso

Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais

sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em

favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o

nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas

caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba

todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001

422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os

verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da

combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto

como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas

Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem

morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou

plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias

sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou

subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam

como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma

flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve

entre as propriedades do sistema linguiacutestico

Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou

plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade

funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias

sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos

(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos

subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre

muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas

apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma

106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo

129

flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas

problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)

Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas

transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais

desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em

construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais

abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa

flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado

tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da

construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer

denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades

associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que

natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida

Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a

sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um

evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto

concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo

Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do

verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio

Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia

de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute

possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de

um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo

ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse

novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia

desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF

107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo

130

1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT

2005 88)

Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da

Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees

seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees

simples

(37)

o tou enuma

3Ss pegar dinheiro

lsquoEla pega dinheirorsquo

Agora em construccedilotildees seriais

(38)

o tou inya diredirediredire

3Ss pegar arroz cozinhar

lsquoEla cozinha arrozrsquo

(39)

bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba

2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar

lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)

Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples

natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais

sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo

de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em

construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria

linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum

momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo

108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo

131

44 MARCAS ASPECTUAIS

Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a

categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida

em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que

essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza

simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas

complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre

elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de

um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute

portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia

um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica

independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma

As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem

respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao

momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de

presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees

semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo

instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA

COSTA 2002 19)

Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma

accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa

accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a

definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa

Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a

formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a

constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto

natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com

qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo

temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a

132

diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e

situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109

Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira

como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo

temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em

evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo

referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar

proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute

nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)

como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos

distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e

tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma

exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no

entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato

de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em

relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma

mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o

PROGRESSIVO e o ESTATIVO

Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da

Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes

(40)

Kwasi da h re-di-di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo

133

A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao

valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na

maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a

ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia

entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham

rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a

primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um

subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as

marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude

entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de

aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto

RESULTATIVO para o segundo verbo

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO

Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais

Li(Ni) PERFECTIVO

A RESULTATIVO

Su PROGRESSIVO

Oslash IMPERFECTIVO

Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes

maneiras

1) Junto apenas do primeiro verbo

2) Junto apenas do segundo verbo

3) Junto do primeiro OU do segundo verbo

4) Junto de ambos os verbos

Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos

verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que

haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de

exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar

nos exemplos do corpus abaixo citados

110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes

134

Junto de ambos os verbos

(41)

fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί

3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo

(42)

Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET

lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo

(43)

kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do segundo verbo

(44)

fafafafa tanni n totototo ----lililili blo

3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc

lsquoEle jogou o pano laacutersquo

(45)

n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili

1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF

lsquoEu escondi o patildeorsquo

135

(46)

kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do primeiro verbo

(47)

i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n

3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET

lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo

(48)

kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc

obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No

progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas

do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111

O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial

(49)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo

136

(50)

Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(51)

mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi

1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo

quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo

verbo da construccedilatildeo

(52)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar

acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os

(53)

Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee

lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo

137

(54)

i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema

zero

(55)

sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(56)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em

construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os

tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou

posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas

possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro

Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2

IMPERFECTIVO X X

PERFECTIVO X X

RESULTATIVO X

PROGRESSIVO X X (verbo fin)

112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

138

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO

Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em

construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA

pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os

casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como

representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente

ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja

feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a

constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os

verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de

forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo

de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia

de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um

iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado

A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc

(57)

didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(58)

Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee

lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(59)

Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun

3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC

lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo

139

(60)

a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi

3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os

lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo

Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao

morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois

do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o

que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)

Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de

imperfectivo eacute um morfema zero

No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a

V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e

seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com

uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a

O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em

V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal

A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo

man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura

[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em

seguida na serial

(61)

mi si su ma n-an mi livro kun

1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

140

(62)

mi si su fa man livro kun man mi

1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro

verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as

estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo

No presente e no passado

[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]

[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]

No futuro

[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO

Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a

possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute

possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e

utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo

(63)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]

No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular

em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1

(64)

kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

141

(65)

didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(66)

yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(67)

Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO

Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em

sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1

eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser

representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por

um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3

Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos

[S V1 O1 V2 O2]

Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1

funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de

objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na

estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos

itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais

Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento

principal da construccedilatildeo

Numa estrutura como

142

(68)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os

sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse

lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo

natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu

conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma

preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige

argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal

de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem

inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa

estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]

Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e

consequentemente predicador de argumentos

(69)

ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a

propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo

semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo

mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo

lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando

que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de

143

argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa

construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]

Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo

estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a

presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel

representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra

que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute

manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento

essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que

sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo

Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila

serial

(70)

fa nu13nu kun wun( a wun i

3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em

sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar

que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo

posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a

sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez

que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa

natildeo eacute o predicador do argumento interno

Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto

113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice

pronominal para retomar o objeto direto

144

(71)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore

filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo

No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da

estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial

Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora

na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de

V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse

referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do

enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de

Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento

interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2

A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais

mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura

de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees

[SN V1 SN(obj) V2 V3]

[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]

[SN V1 V2 SN(obj)]

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de

construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com

base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse

tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos

exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas

comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de

propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades

145

CAPIacuteTULO 5

DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que

compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da

Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG

1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um

uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo

de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)

Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios

dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees

conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou

concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro

modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo

quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos

conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser

uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma

categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como

um evento115

Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao

domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita

uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a

estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que

consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo

De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica

a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os

tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o

alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante

secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais

115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo

146

chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a

entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da

atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de

perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)

Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees

(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das

construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem

teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas

e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos

que as aproximam

No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos

demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em

seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal

por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a

possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede

semacircntica potencial dos itens verbais

Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e

assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no

processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam

conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com

o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a

proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que

tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS

Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um

verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de

Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas

116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo

147

511 Introdutoras de beneficiaacuterio

Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo

(72)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ss pegar frango mostrar 1Os

agente tema recipiente

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim

fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo

O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo

descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia

secundaacuteria

O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de

um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento

(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema

eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua

esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento

que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente

mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que

ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum

traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma

vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena

Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute

de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento

trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o

148

caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento

determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema

coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle

O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais

prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma

relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute

efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de

colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar

algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua

posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar

pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim

demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento

interno

Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de

estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos

dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na

serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo

V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse

verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a

ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de

tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua

estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da

construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel

sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado

Caso semelhante observamos no exemplo seguinte

149

(73)

i fa mango cɛ mi

3Ss pegar manga oferecer 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e

secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ

lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos

limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical

acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno

conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e

conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo

objetiva do evento

No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo

introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma

de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais

evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional

(74)

fa nu13nu kun wun$ a wun i

3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

agente tema

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

LIMPAR

nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo

150

PEGAR

fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando

assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu

conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo

(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X

causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que

pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da

proacutepria construccedilatildeo

Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados

(75)

ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute

3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)

que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com

o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)

como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita

por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves

demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o

caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item

escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o

verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que

um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No

entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado

151

a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a

algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa

No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas

aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo

(76)

i ni fa i kondro fa kt Oslash su

POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o

evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja

o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo

discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o

preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um

morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito

O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre

seus participantes

trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida

para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento

requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que

aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa

perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor

Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem

como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas

propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo

satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se

152

daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de

uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes

da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se

compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo

devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que

estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees

satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir

eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o

constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o

exemplo 78

(77)

ɔ yo-li swa nga man-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(78)

ɔ fa -li swa nga man-ni mi

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o

evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de

um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical

semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas

que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo

Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem

em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em

118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)

153

marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo

de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado

pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso

explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119

O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da

construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente

(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio

FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo

DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo

O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na

construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por

esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile

fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem

A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi

determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo

sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia

preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que

construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o

leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um

campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher

uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado

correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para

os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE

2006 26)

Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que

podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)

119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)

154

Semacircntica

Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

Sujeito Obj1 Obj2

yyyyooooman lsquofazerdarrsquo

lsquoelersquo

swa nga lsquoesta casarsquo

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle fez esta casa para mimlsquo

Semacircntica Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

faman man man man lsquopegardarrsquo

Sujeito

lsquoelersquo

Obj1

swa nga

lsquoesta casarsquo

Obj2

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo

apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse

esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute

dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de

introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso

temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como

secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos

155

nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man

lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo

funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna

necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo

serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo

Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas

propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por

adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao

que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma

construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo

constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim

adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma

mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa

possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas

propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos

Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa

Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo

receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que

todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de

situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia

apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na

medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento

descrito

A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena

descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira

veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda

por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do

verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu

uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno

beneficiaacuterio

156

Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de

construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de

construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um

dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo

de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os

verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na

construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange

3 construccedilotildees analisadas

Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do

tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da

cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o

verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o

mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela

construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees

semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas

Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las

bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees

representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o

sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade

157

constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal

combinaccedilatildeo

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

(79)

fa li13 tanni man ni kuajo

3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo

anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes

do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute

representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia

de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo

O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio

tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O

outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e

eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse

tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por

equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte

podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais

relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o

verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena

No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto

em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de

que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma

construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor

apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua

thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a

120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo

158

funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de

beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo

512 Introdutoras de instrumento

A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para

uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da

construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo

incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que

eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma

preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria

uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo

corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado

abaixo

(80)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um

agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre

um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal

(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante

secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma

construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y

se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo

necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou

159

objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a

caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam

Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de

que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja

introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo

de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela

composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome

O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode

revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se

interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a

representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e

ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca

para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra

apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse

movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa

perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca

Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a

funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para

chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado

Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas

coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo

de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham

percorrido esse caminho

Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em

sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse

movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona

diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um

item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute

o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que

por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido

pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de

160

extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma

das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham

como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo

A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem

nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de

beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades

verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando

observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo

verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121

(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e

de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o

sintagma nominal laliɛ n

Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos

verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento

descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente

Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se

adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia

No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca

representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ

lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos

descritos por esses verbos eacute

fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n

kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun

A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor

ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles

121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010

161

estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa

posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun

nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se

entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e

esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal

representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que

representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que

em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela

construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira

funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais

A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um

esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por

meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso

vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf

CROFT 1991 185)

Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos

Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo

Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo

162

Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na

descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel

sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades

verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do

resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-

PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado

A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas

sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute

verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui

manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos

mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto

denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos

o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute

por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que

por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma

uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de

um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave

estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto

se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas

naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto

por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo

da construccedilatildeo serial

163

Construccedilatildeo resultativa transitiva

Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute

predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com

papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na

construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade

visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo

mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca

aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada

A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees

natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz

em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental

que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a

semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo

estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos

diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias

construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da

economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e

harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa

integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial

adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo

122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo

164

semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da

construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos

constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa

combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da

construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido

resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja

ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo

V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de

V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item

lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees

dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas

estabelecidas previamente na construccedilatildeo

513 Comparaccedilatildeo

Observemos o exemplo a seguir

(81)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo

Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo

A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da

relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da

construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema

relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto

natildeo prototiacutepico o item lexical de base

A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma

comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu

165

proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade

do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura

parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente

determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo

em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo

imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que

tange a sua especificaccedilatildeo formal interna

Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5

categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais

estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda

para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas

categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos

proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala

organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem

PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE

Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se

gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se

considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma

categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave

categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas

ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a

proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a

categoria QUALIDADE eacute o de modificador

A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia

simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de

estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e

formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se

organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua

No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico

capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar

relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a

166

comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma

mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e

por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo

traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento

concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz

mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos

sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo

previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que

preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva

desse falante

Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo

Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra

lsquoEle fala mais comigorsquo

Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ

lsquodo que (fala) com vocecircrsquo

Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que

estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o

inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam

como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela

construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo

semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias

que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos

semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso

essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a

habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua

A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante

tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo

em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute

depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da

construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se

relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de

167

comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber

que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os

termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que

o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a

comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc

(82)

igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no

dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura

sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e

em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema

relacional de funccedilatildeo comparativa

O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que

esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse

gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente

determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A

construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que

antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o

que sucede tra

Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do

ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial

comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de

sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o

termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o

OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A

informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores

conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias

168

necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A

depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente

por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra

(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos

semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica

Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que

estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade

O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar

ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os

elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos

argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre

participante focal e secundaacuterio temos

Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman

Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem

Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor

eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como

marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman

lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma

condiccedilatildeo no dia anterior

Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas

produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades

discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os

falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem

relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas

estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado

formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de

Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um

169

uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de

um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo

(83)

n tra Kwakou afwɛ nsjɛ

1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis

lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo

A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra

que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade

traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional

Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco

Trajetor n Marco Kwakou

Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que

aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na

comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo

dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o

elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos

semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o

sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas

posiccedilotildees

A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute

diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da

construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em

evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da

construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um

verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas

construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -

representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o

170

evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que

esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a

estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)

Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo

(84)

didididi juma n tratratratra mi

3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas

que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui

observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre

nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o

pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute

ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma

construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em

baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade

simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute

depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse

enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente

Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de

instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os

segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de

trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade

abstrata o proacuteprio trabalho

A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma

atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa

escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-

se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o

pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real

mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si

171

operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual

se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a

seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o

exemplo 89123

Tia˃Tkb

di juma n tra mi

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos

123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

172

M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo

igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois

referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome

sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a

performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por

sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a

dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em

baulecirc

(85)

n si Kofi kpa tra Kwakow

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo

posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)

Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia

instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem

recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada

173

numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos

depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas

estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se

estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em

relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na

estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124

exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e superioridade

514 Indicativas de modo

Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento

ocorreu por meio de construccedilotildees seriais

(86)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

Trajetor Noacutes marco natildeo tem

No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado

movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute

designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute

participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um

processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)

mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha

necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode

ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria

124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo

174

referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem

representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa

uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)

Vejamos sua representaccedilatildeo

Sem MOVER tema objetivo

PRED

Sint V Suj Verbo

susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa

correr(ndo) 1Spl chegar

Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire

funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a

circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas

permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo

e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito

por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o

falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila

515 Indicativas dos participantes de um evento

(87)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo

A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas

analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento

e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o

participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento

175

de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante

secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece

uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de

apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo

metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido

cortado do evento representado

A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a

elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o

que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou

perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees

analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria

semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado

O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes

de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica

apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem

de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma

forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico

A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado

Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao

falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse

participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica

da construccedilatildeo

A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um

determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos

elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento

que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem

efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado

compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse

exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo

apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos

constituintes da construccedilatildeo

Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e

marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente

176

di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao

observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e

mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como

trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre

esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta

num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e

marco mi

A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em

que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado

analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser

inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma

variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou

experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a

natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e

qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo

herdadas pelas extensotildeesrdquo126

O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada

extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando

essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)

125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo

177

lsquoEles comem sem mimrsquo

A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2

para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos

constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo

pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado

seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e

realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS

A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica

implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se

encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave

178

combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo

a seguir

(88)

i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo

3Ss sair-PERF ir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo

Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo

Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico

e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos

argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve

conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico

verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel

de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de

Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema

designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas

∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo

O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do

movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e

diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de

um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses

verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada

um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria

construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a

construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na

estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move

127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo

179

empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum

lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos

verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade

construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens

verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si

uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria

construccedilatildeo

Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de

construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e

semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das

especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128

(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo

especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento

indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre

ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)

128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo

180

Movimento causado

Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBJ OBL

H129 subparte

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBL

A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos

exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

fite+k ˂ i gwabo ˃

Sin V S LOC ir 3Ss mercado

Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um

determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a

construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma

129 H= heranccedila

181

construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as

estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees

Vejamos o exemplo abaixo

(89)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo

Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo

No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado

central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no

final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos

demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo

eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2

A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o

termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo

de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila

Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas

um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante

focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual

correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no

entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que

seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os

compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos

analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No

caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo

enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre

em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud

182

Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao

menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions

ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel

participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os

papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)

A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura

serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema

Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a

estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A

atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos

interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu

sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos

O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees

seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao

valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A

ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma

vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto

determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas

construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que

demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical

Observemos o exemplo a seguir131

(90)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132

Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo

130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

183

Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo

(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na

construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do

conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos

semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo

de que o salto foi sobre por cima de algo133

Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui

descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo

como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos

Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas

que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em

ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se

trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos

mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos

permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de

sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB

LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia

de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular

enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a

finalizaccedilatildeo desse evento

As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo

com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira

133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar

184

ou

Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da

construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento

exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por

meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com

185

Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B

entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o

fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando

observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se

configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute

explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento

deslocado) e o alvo

(91)

i kle mon

wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute

Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui

empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo

(91a)

a tutututu a tttt

3Ssg RES arrancarpartir RES cair

lsquoO chapeacuteu caiursquo

O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de

focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de

CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica

composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras

construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis

134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico

186

A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado

sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma

causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou

marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante

focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A

noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois

elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que

indica a finalizaccedilatildeo do processo

A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo

participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como

uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua

organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos

os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam

sintaticamente como um uacutenico predicado

O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo

resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo

natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa

lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo

de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da

proacutepria construccedilatildeo serial

Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser

acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como

observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que

ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo

(91b)

a tutututu a tttt ace

3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo

lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo

A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse

processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila

temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que

187

realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma

mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir

expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos

predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio

(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na

medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado

Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz

com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante

causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como

indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante

do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos

tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado

ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais

na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca

entre os mesmos

Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por

meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO

opcit p264-265)

(92)

a liɛ+ n ti be-wa

alimento DET ser cozinhar

lsquoO alimento estaacute cozidorsquo

Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura

diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo

que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee

em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador

assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada

A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes

comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem

188

Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente

pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com

incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como

Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃

tutututu tttt ˂ ˃

Sin V Suj Suj

cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo

Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de

paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A

noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash

que incidi sobre o proacuteprio sujeito

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o

processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a

partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees

Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade

entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as

demais construccedilotildees da liacutengua

Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de

um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos

A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi

determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os

verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para

compor seu significado

189

190

CONCLUSAtildeO

Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees

seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas

mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que

fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as

coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em

baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva

teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual

A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos

revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que

tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de

uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas

Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como

Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo

de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos

consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando

que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em

outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor

nem a uma nem a outra estrutura

Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute

ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas

principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um

inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas

construccedilotildees

Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma

diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por

Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de

que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo

para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente

Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as

construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem

tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos

191

(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no

modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos

adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)

pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem

que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais

nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em

baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas de cada uma delas

No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da

anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham

pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro

deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que

expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo

semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber

que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou

como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte

especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi

primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc

Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a

concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto

designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos

(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos

linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede

de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se

como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para

ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo

discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os

interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas

No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a

perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008

2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em

baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo

192

constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio

conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais

proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como

verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de

nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e

secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do

significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas

Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos

verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi

salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo

pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo

gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo

visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo

pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar

Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo

multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do

marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida

comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo

para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da

cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o

que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo

Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo

funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno

mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional

Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas

acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os

itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees

No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee

que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura

que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que

toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a

ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida

nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem

193

como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo

satildeo unidades estanques

Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo

devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel

descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um

conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da

construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver

duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc

que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma

procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de

estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem

como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise

Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em

outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que

continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um

pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um

incentivo a outras abordagens

194

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203

ANEXO

Trecho de uma das narrativas do corpus

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo

Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo

Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo

Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo

yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo

Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo

I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo

204

yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo

Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo

wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo

i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo

mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo

yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo

laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo

yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo

  • Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
  • Agradecimentos
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • Abreviaturas
  • INTRODUCcedilAtildeO
  • CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
  • 11FONOLOGIA
  • 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
  • 13 O GEcircNERO
  • 14 O NUacuteMERO
  • 15 CLASSES DE PALAVRAS
  • 151Pronomes
  • 511 Pronomes pessoaispossessivos
  • 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
  • 152 Verbos
  • 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
  • 1522Futuro
  • 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
  • 153 Adjetivos
  • 1531 Adjetivos indefinidos
  • 154 Numeral
  • 155 Palavras de sentido adverbial
  • 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
  • 16 SINTAXE
  • 161 Frase simples
  • 162 Frase complexa
  • 1621 Coordenaccedilatildeo
  • 1622 Subordinaccedilatildeo
  • 17 Interrogativas
  • 18 Negaccedilatildeo
  • CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
  • 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
  • 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
  • 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
  • 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
  • 243 Propriedades prosoacutedicas
  • 244 TempoAspectoModo
  • 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
  • 246 Argumentos compartilhados
  • 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
  • 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 2511 Orientaccedilatildeo espacial
  • 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
  • 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
  • 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
  • 2 515 Comparativos e superlativos
  • 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
  • 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
  • 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
  • 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
  • 311 Nomes e verbos
  • 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
  • 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
  • 314 O determinante do profile
  • 315 Autonomia e dependecircncia
  • 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
  • 317 Verbos complexos
  • 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
  • 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
  • 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
  • 3221 Polissemia
  • 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
  • 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
  • 3224 Metaacutefora
  • 323 Verbos e construccedilotildees
  • 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
  • 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
  • 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
  • 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 44 MARCAS ASPECTUAIS
  • 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
  • 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
  • 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
  • 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
  • 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
  • 512 Introdutoras de instrumento
  • 513 Comparaccedilatildeo
  • 514 Indicativas de modo
  • 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CONCLUSAtildeO
  • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
  • ANEXO
Page 4: Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM – demonstrativo DET – determinante DET-PL – determinante plural ESC – empty subject

Agradecimentos

Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida

Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo

das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em

Paris

Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem

eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em

me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc

A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de

Linguiacutestica

Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros

diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris

A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o

conhecimento

Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas

A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade

pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria

acadecircmica desde o mestrado

Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida

RESUMO

Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que

subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees

simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de

orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a

Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)

A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com

construccedilotildees coordenadas sem conectivo

O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e

de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc

Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries

verbais liacutenguas africanas

ABSTRACT

This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial

constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by

Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major

semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their

syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization

based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive

Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions

(Goldberg 1995)

Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to

coordinate constructions without connective for being similar in structure

emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in

coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally

differentiates them

The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers

of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule

KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs

linguistic

SUMAacuteRIO

ABREVIATURAS

INTRODUCcedilAtildeO

CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1

11 FONOLOGIA 2

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4

13 O GEcircNERO 6

14 O NUacuteMERO 6

15 CLASSES DE PALAVRAS 6

151 Pronomes 7

1511 Pronomes pessoaispossessivos 8

1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9

152 Verbos 10

1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10

1522 Futuro 11

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11

153 Adjetivos 12

1531 Adjetivos indefinidos 12

154 Numeral 13

155 Palavras de sentido adverbial 14

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15

16 SINTAXE 15

161 Frase simples 15

162 Frase complexa 16

1621 Coordenaccedilatildeo 16

1622 Subordinaccedilatildeo 16

17 INTERROGATIVAS 17

18 NEGACcedilAtildeO 18

CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19

22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33

243 Propriedades prosoacutedicas 34

244 TempoAspectoModo 36

245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38

246 Argumentos compartilhados 41

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43

251 Construccedilotildees seriais 46

2511 Orientaccedilatildeo espacial 46

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto 49

2515 Comparativos e superlativos 53

2516 Construccedilotildees que indicam modo 54

2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54

2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57

31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59

311 Nomes e verbos 60

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64

313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67

314 Determinante do Profile 71

315 Autonomia e dependecircncia 73

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74

317 Verbos complexos 75

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87

3221 Polissemia 88

3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88

3223 Instanciaccedilatildeo 89

3224 Metaacutefora 90

323 Verbos e construccedilotildees 91

324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97

CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101

411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102

412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126

44 MARCAS ASPECTUAIS 131

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144

CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146

511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147

512 Introdutoras de instrumento 158

513 Comparaccedilatildeo 164

514 Indicativas de modo 173

515 Indicativas dos participantes de um evento 174

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188

CONCLUSAtildeO 190

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194

ANEXO 203

i

Abreviaturas

ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo

ADJINDEF ndash adjetivo indefinido

ADV ndash adveacuterbio

APRES ndash apresentativo

ASP ndash aspecto

CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado

COMPL ndash completivo

CONJ ndash conjunccedilatildeo

CONT ndash continuativo

DEM ndash demonstrativo

DET ndash determinante

DET-PL ndash determinante plural

ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo

EST ndash estativo

EXPL ndash expletivo

FUT ndash futuro

HAB ndash habitual

IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )

INDEF ndash indefinido

INF ndash infinitivo

INTER ndash interrogativo

LOC ndash locativo

M ndash masculino

MORF ndash morfema

NEG ndash negaccedilatildeo

O ndash objeto

OD ndash objeto direto

OI ndash objeto indireto

PASS ndash passado

PASREM ndash passado remoto

PER ndash person lsquopessoarsquo

PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)

ii

PL ndash plural

POSS ndash possessivo

POT ndash potencial

Prep ndash preposiccedilatildeo

PRES ndash presente

PROG ndash progressivo

REAL ndash realista

RED ndash reduplicado

REDUP ndash reduplicado

REFL ndash reflexivo

REL ndash morfema relativo

REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo

RES ndash aspecto resultativo

RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo

S ndash sujeito

Sg ndash singular

SN ndash sintagma nominal

TEMP ndash tempo

V ndash verbo

INTRODUCcedilAtildeO

O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de

leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005

na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs

brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo

Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como

ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava

propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da

teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo

apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries

verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que

um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro

Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do

continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs

mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento

e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo

Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto

de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de

cada liacutengua

Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de

serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas

agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de

Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais

em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um

olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que

tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos

Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos

brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)

e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees

seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade

de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o

portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel

semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as

propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)

elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em

dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo

dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados

de nosso corpus do baulecirc

No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais

teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica

Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos

Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas

insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a

sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na

elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem

passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer

outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-

se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de

suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem

conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura

conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc

Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente

fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon

(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente

semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma

caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo

5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees

Coleta de dados

O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira

1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da

histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria

pesquisadora

2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e

cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo

realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um

filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns

triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos

que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era

transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em

diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas

3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo

colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a

partir de um tema de interesse do proacuteprio falante

4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os

trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses

dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio

As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados

foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos

os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila

1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na

pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal

referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa

1

CAPIacuteTULO 1

A LIacuteNGUA BAULEcirc

Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por

aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do

continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia

em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que

estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma

aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais

repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas

estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e

superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma

classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do

Marfim

Niger-Congo

Atlantic-Congo

Volta-Congo

Kwa

Nyo

Tano

Central

Bia

Northern

Baouleacute

1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl

2

Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma

breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo

realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)

11FONOLOGIA

O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e

21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras

em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo

haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a

oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos

de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)

Orais e nasais

fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo

fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo

fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo

kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo

Surda e sonora

bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo

3

di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo

jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo

Pontos distintos de articulaccedilatildeo

fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo

Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e

dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma

propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos

semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute

determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)

sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo

alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo

No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo

realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo

indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos

(Kouadio amp Kouame 2004 14)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame

lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)

ɔ fa a duo

3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)

4

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio

amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica

Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa

do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem

alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees

foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um

exemplo

VOGAIS

API Ortografia baulecirc Exemplos

A a ta lsquoplantarrsquo

E e be lsquocozinharrsquo

ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo

I I ti lsquocabeccedilarostorsquo

O o bo lsquofundorsquo

ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo

U u fu lsquosubirrsquo

I in fin lsquovir dersquo

Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo

ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo

ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo

U un wun lsquover incharrsquo

CONSOANTES

API Ortografia baulecirc Exemplos

b b ba lsquocrianccedilarsquo

c c cɛn lsquoengordarrsquo

5

d d dɔn lsquohorarsquo

f f fu lsquosubirrsquo

ɡ g gali lsquomandiocarsquo

gb gb gba lsquoarmadilharsquo

ɉ j jɔ lsquoredersquo

k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo

kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo

l l la lsquodeitar dormirrsquo

m m damun lsquojogorsquo

n n nnun lsquocincorsquo

ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo

p p panndu lsquogarrafarsquo

r r rɛrɛ lsquoescalarsquo

s s se lsquodizerrsquo

t t tu lsquodesenterrarrsquo

v v vi lsquorim lomborsquo

j y yi lsquoesposarsquo

z z nza lsquoinhamersquo

13 O GEcircNERO

Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a

distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea

como observamos a seguir

bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo

yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo

6

14 O NUacuteMERO

Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun

Sran mun

Ser humano PL

lsquoOs seres humanosrsquo

15 CLASSES DE PALAVRAS

As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que

constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas

(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de

nomes verbos adjetivos e adveacuterbios

No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os

distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados

devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha

significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor

definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os

pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que

acompanham os lexemas nominais Exemplos4

di

Comer

lsquoComarsquo

alwa ɔ

cachorro pred

lsquoEacute um cachorrorsquo

bia kun

cadeira INDEF

lsquoUma cadeirarsquo

4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora

7

ɔ fa- li wa n man-ni mi

3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o filho delersquo

151Pronomes

Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes

pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte

nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que

determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5

bja nga

cadeira DEM

lsquoEsta cadeirarsquo

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ

branco vila INDEF dentro LOC

lsquoNuma vilahelliprsquo

511 Pronomes pessoaispossessivos

A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto

SUJEITO Singular Plural

1a pessoa n e

2a pessoa a amu

3a pessoa ɔ be

5 Exemplos de nosso corpus

8

COMPLEMENTO Singular Plural

1a pessoa mi e

2a pessoa wɔ amu

3a pessoa i be

Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em

construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ

(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por

pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do

referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso

facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004

22)

Min si liɛ

1Ss pai MORF

lsquoMeu pai (a mim)rsquo

Be nianman bian6 liɛ mun

3Opl irmatildeo homem MORF PL

lsquoOs irmatildeos delesrsquo

Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal

complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta

adicionar o morfema mun

POSSESSIVO Singular Plural

1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo

2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo

3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo

6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua

9

1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido

Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga

mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome

que determinam7

Gbo nga

Poccedilo DEM

lsquoEste poccedilorsquo

sran nga mun

Ser humano DEM PL

lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo

A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun

lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be fa be un

3Spl parecer 3Opl corpo

lsquoEles se parecemrsquo

Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado

utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be wan Kofi ba-li

3Spl dizer Kofi vir-PERF

lsquoDizem que o Kofi veiorsquo

7 Exemplos de nosso corpus

10

152 Verbos

A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e

dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin

lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros

1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo

A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)

verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o

imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man

colocado apoacutes o(s) verbo(s)

Exemplos

tra li a ce kl ltri

Ele s sentar PERF solo escrever carta

lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo

a ba ma

3Ss RES chegar NEG

lsquoEle natildeo chegoursquo

ba su wa kɔ lafi

crianccedila PROG FUT ir dormir

lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo

yɛ ɔ fa flwa nga

entatildeo 3Ss pegar livro DEM

lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo

ɔ tɛ lafi

3Ss CONT dormir

lsquoEle continua a dormirrsquo

11

1522Futuro

A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome

sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro

proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa

Vejamos alguns exemplos

laflɛ kun ba yɛ wa lafi

sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir

lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo

ɔ su wa sɔ televizion n

3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET

lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos

Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos

realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz

em muitas repeticcedilotildees

wo l titi waka ma wie

3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF

lsquoEle colhia umas frutasrsquo

153 Adjetivos

O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que

determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o

adjetivo

Sran dan

Ser humano grande

lsquoUm homem grandersquo

8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo

12

Bla kpɛnngbɛn mun be si able

Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)

lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10

1531 Adjetivos indefinidos

a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)

algum(ns) certo (s) Exemplo

sran vie mun be bali wa

ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC

lsquoAlguns homens vieram aquirsquo

b) fi algum Exemplos

like fi n kɔ a lika fi

coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum

lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo

c) kwlaangba tudo todos

Ba sɔrsquon si sa kwlaa

Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo

lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo

d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo

lsquouma aacutervorersquo

10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc

wa ka ku n

aacutervore uma

13

e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo

Like uflɛ

coisa outra

lsquooutra coisarsquo

f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo

like kunngba

coisa mesmo

lsquoa mesma coisarsquo

g) sɔ lsquotal dessa formarsquo

talua sɔrsquo n tirsquo A kpa

menina tal DET ser NEG bom

lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo

154 Numeral

Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a

centena 200

1 kun k 11 blu nin ku

2 nnyɔn 20 ablaɔn

3 nsan 30 ablasan

4 nnan 40 ablanan

5 nnun 50 ablenunn

6 nsiɛn 60 ablesiɛn

7 nso 70 ableso

8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ

14

9 ngwlan 90 ablangwlan

10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn

155 Palavras de sentido adverbial

Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe

unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente

nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos

tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e

adjetival

Nian kpa

Olhar bom

lsquoOlhe bemrsquo

Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado

como adjetivo e adveacuterbio

i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ

3Ssg sair 3CLpl olho grande grande

lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo

Kuasi klo Amlan ngboko

Kuasi amar Amlam Muito

lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo

O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12

K a gu li l fu li e ku n

Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo

lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo

11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus

15

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo

Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de

adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute

contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo

bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo

16 SINTAXE

161 Frase simples

As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema

Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos

le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs

lsquoEle tem trecircs cestasrsquo

Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs

lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo

Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute

invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo

ɔ yo li swa nga man ni mi

3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

162 Frase complexa

1621 Coordenaccedilatildeo

A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes

morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns

exemplos

16

ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver

lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo

Y sie-li l y bo i komin ekun

Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv

lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo

K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba

Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir

lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo

1622 Subordinaccedilatildeo

O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para

expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i

nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ

sa) Exemplos ilustrativos

K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla

Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo

lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo

i ti kɛ nɛ yɛ

3Ss ser como animal ADV

lsquoEle eacute como um animalrsquo

ti k kkba umuan y u i

3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo

17

A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo

Exemplo

e wo Paris tra Lion

1Spl ir Paris ultrapassar Lion

lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo

17 Interrogativas

Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin

lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo

nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ

O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred

lsquoO que ele fez para mimrsquo

a fa mannin wan

2Ss pegar dar-PERF INTER

lsquoA quem vocecirc deu isso

ɔ duman suan13 sɛ

3Ss chamar INTER

lsquoComo vocecirc se chamarsquo

18 Negaccedilatildeo

O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a

marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o

morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos

13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo

18

Mrsquoa fa man mrsquoa fia man

1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG

lsquoEu natildeo o escondirsquo

kɛ ba lafili man

quando crianccedila dormir-PERF-NEG

lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo

Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se

acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos

mi si su man ma n mi livru kun

POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF

lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo

Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo

man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo

ɔ tran ma n lɔ ku n

3Ssg morar NEG LOC NEG

lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15

ɔ nian wɔ ma n Buake

3Ssg NEG ir NEG Buake

lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo

14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397

19

CAPIacuteTULO 2

L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no

que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades

definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de

anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das

liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos

parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades

sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme

Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do

tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo

Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais

construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas

Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp

DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais

que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute

nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS

Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em

estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute

considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu

trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de

um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua

Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de

combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem

nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele

atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma

sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo

acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial

20

Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for

um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um

complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar

fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos

satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse

caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas

subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16

(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)

Em combinaccedilatildeo acidental

Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou

adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado

simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados

sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas

satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto

na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)

Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os

componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute

hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na

seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que

estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou

Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica

da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e

tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo

A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de

uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser

expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o

16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo

21

apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o

essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora

eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo

significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao

verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)

Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada

muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar

a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das

liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento

seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos

desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item

lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo

absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada

construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos

estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido

aprofundadas pelo autor

A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com

Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os

estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas

pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa

transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as

construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou

mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)

(1) fmm me ne pocircnko no

Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o

lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo

18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)

22

(2)

fmm me no

Ele emprestar-PASS me o

lsquoEle o emprestou a mimrsquo

(3)

de no fmm me

3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)

lsquoele o emprestou a mimrsquo

Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua

natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples

admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A

produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome

objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em

que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que

compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que

restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de

novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais

Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas

propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos

em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais

como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental

por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se

realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que

observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os

verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de

identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da

combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as

caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de

verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da

sentenccedila nem portam marcas gramaticais

23

Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que

em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de

Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens

lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem

de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em

momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo

apresentando propostas diferentes

O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas

distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las

como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir

de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas

estabelecidas na construccedilatildeo

Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991

Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como

resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a

sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um

fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um

continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi

2005)

Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados

associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas

chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute

Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais

para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees

seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees

sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos

os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo

de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)

Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees

seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente

21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo

24

pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os

argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar

mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma

recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma

anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez

que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande

variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia

demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o

surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso

linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um

processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel

A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos

nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos

falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo

Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento

ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo

semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as

construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades

semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que

tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal

na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A

nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a

possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente

A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de

Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da

inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo

Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo

satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada

construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do

significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a

proacutepria construccedilatildeo

25

22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica

da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade

cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia

tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema

cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral

Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de

outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma

habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a

concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes

de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa

tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano

culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de

tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico

Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo

linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo

principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia

Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo

denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre

construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade

para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos

africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor

rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que

testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as

ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que

essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor

eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente

compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa

construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de

que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar

a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns

22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo

26

povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos

desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e

consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo

produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se

certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em

outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por

exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord

(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua

depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees

comunicativas elas servemrdquo23

Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais

uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura

sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES

SERIAIS

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de

propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do

fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que

pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de

1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual

tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de

anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de

1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos

tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as

proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa

abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para

todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)

No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas

contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que

23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname

27

dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como

o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser

analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e

quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns

exemplos

(4)

Olu mu iweacute wa

Olu pegar livro vir

lsquoOlu trouxe o livrorsquo

(5)

Olu gun iyan je

Olu pounded yam ate

lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo

Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo

de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e

construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries

verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o

autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de

natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo

tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao

contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26

Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na

tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf

JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o

desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa

entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas

e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la

da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais

25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos

28

Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas

abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse

pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito

de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas

caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as

diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)

O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a

tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades

especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para

a construccedilatildeo eacute

Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem

juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo

subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais

descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees

simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo

simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS

podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada

componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos

individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27

(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)

Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma

variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea

Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e

coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua

anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua

de base

Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma

maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como

o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de

subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares

27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo

29

modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas

inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)

A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois

apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase

inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do

Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute

que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais

comuns em liacutenguas analiacuteticas

Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-

congolecircs

Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)

(6)

a fa i swa n a kle mi

3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os

lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)

Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)

ti-wa -ra ete re a

3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o

lsquoEle destruiu o pratorsquo

No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em

seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle

lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo

sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado

28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo

30

por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute

mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas

da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada

O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na

elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de

serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee

apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no

capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula

completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse

satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o

dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de

complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se

parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas

mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo

O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num

uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos

assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por

meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo

podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a

adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um

evento

Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos

descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem

expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal

associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades

verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que

sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico

lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da

construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do

segundo verbo

29 Verbos esvaziados de sentido

31

Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma

compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se

complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS

para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem

na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas

regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das

construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas

coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia

ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como

uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa

classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS

Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de

liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo

esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon

(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a

elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes

grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores

contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem

que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e

Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e

chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas

seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico

Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a

despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado

simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia

sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra

32

oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se

observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da

Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)

(8)

nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana

1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP

lsquoEle viu que eu atravesseirsquo

Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final

da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais

ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de

cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS

o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS

aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de

subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute

subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte

Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud

AIKHENVALD 2006)

(9)

a mtto cw katto rwo t

1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei

lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo

Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o

elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas

verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de

estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos

componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da

composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a

30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda

33

CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas

gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso

acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees

seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de

forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais

independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas

marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do

perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo

Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo

de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus

componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel

constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir

uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas

multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa

dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de

gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que

adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a

compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto

que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido

Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas

a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a

distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse

conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por

essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores

Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que

determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de

compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de

integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente

possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja

do uso que o falante faz dele

34

243 Propriedades prosoacutedicas

Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma

oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de

entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras

oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa

pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os

autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo

concisa sobre ela

Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua

escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite

maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de

fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de

organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais

Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a

complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os

interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que

pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura

gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa

de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no

discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade

entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou

informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no

discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda

na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os

limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma

oraccedilatildeo de um uacutenico verbo

A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a

caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se

sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie

verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees

seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo

35

prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que

uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da

capacidade fiacutesica humana

Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula

a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala

tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se

houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade

entonacional

A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos

formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente

uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de

uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades

cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a

tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma

mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma

abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica

(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels

() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre

construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um

predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees

em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)

Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia

verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba

todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas

europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de

seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo

inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000

240)

32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo

36

244 TempoAspectoModo

Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de

tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes

conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser

feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre

elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e

que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila

entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a

concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema

indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de

aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33

(Ameka 2003)

(10)

Kwasi da h re di di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e

o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores

aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a

concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se

harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do

aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento

Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo

por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades

discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos

maiores perfectivo e imperfectivo

Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir

uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam

33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana

37

compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum

contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)

Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006

9)

(11)

cu a ni ak n- ni

Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB

lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)

Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e

ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir

(12)

cua ci ak oŋgu i

cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg

lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo

Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra

accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo

apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute

de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao

segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo

que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de

agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do

exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo

parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo

coordenada

Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc

(13)

Be sin-ni l be wo-li

38

3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF

lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo

Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que

representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem

pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido

junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar

essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados

No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos

verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees

coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em

elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos

que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do

falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente

a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento

como em construccedilotildees seriais

245 Composiccedilatildeo dos argumentos

Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento

Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de

argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico

argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item

lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da

natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)

Ambos podem pertencer agrave CS como um todo

Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a

caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou

subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as

caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos

34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo

39

por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em

outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio

de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando

usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)

Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da

valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos

requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois

resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o

seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)

(14)

o ti ri nwo keacute a hu o kpo

Ele bater TEMPO homem REL soco

lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)

(15)

lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)

Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e

o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o

mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando

entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o

verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e

interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se

sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A

estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo

o ti gbu ru nwo keacute a hu

Ele bater matar TEMPO homem REL

40

transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos

que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um

argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma

serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos

compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo

caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a

apresentada acima como uma CS

O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso

(16)

i kle mo n wla i ti kle n a tu a t

3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES

cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo

Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle

arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo

ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da

CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando

concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS

O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento

interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia

desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos

transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc

Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da

combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de

que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua

valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante

de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto

de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS

41

246 Argumentos compartilhados

A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma

propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que

quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam

consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como

prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos

ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo

satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs

Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo

componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO

sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de

um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode

ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade

indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute

denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38

(AIKHENVALD 2006 16)

(17)

Tali mi-tit tenten Kevin

Tali PER-socar chorarREDUP Kevin

lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo

Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza

uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro

verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse

primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo

elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2

37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu

42

Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico

entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)

que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo

impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir

como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada

proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo

como elemento de fundo ou apoio agrave cena

Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em

geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical

seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit

p16)

(18)

na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak

3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM

lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo

O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e

tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares

em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que

eacute menos especiacutefica

A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute

sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim

Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e

construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a

diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito

evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto

de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute

bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)

39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo

43

Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito

satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na

literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo

transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2

nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees

consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito

de V1 eacute equivalente ao objeto de V2

Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do

goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud

AIKHENVALD 2006 102)

(19)

kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()

antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta

lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo

Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees

temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou

de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo

progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o

primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima

Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees

(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os

recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica

demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a

identificaccedilatildeo de uma CS

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA

Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees

seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com

suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash

construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a

relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na

44

construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico

evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo

harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus

componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo

pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado

grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem

representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico

verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica

especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald

Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas

grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe

relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe

gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees

assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito

por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula

uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou

postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a

toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)

Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos

pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe

restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma

divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo

com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e

quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos

que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos

de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa

desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a

adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo

ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse

40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo

45

conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que

podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees

gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou

ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente

Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos

semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as

propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo

condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer

quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos

semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos

parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo

das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as

constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e

consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros

de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los

1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento

2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de

estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo

3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-

modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo

4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo

5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo

6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos

como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros

A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a

apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo

tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar

principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria

essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os

mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs

46

251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A

seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades

2511 Orientaccedilatildeo espacial

Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de

movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -

e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD

2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica

do Sul

(20)

Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]

Macaco vir beber I PRES

lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo

indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao

mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada

(21)

a fin Buake a ba

3Ssg RES vir de Buake RES chegar

lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo

Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao

encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]

Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No

primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do

baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida

47

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado

Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de

outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do

kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213

apud AIKHENVALD op cit p23)

(22)

lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo

Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma

funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de

mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo

apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma

outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em

casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord

(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma

adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico

Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS

ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois

processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite

portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como

afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do

qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo

ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise

como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte

de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma

mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial

Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses

verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A

kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai

quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir

48

autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e

temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do

aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre

CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais

processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees

Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe

apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)

(23)

ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]

1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS

lsquoEu me tornei grandersquo

Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo

ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro

verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando

empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de

ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de

seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos

semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um

novo significado

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo

Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute

negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos

em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma

modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo

morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer

sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a

41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)

49

seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD

opcit p 24)

(24)

eli ja acha bai Singapore

3Ssg PER receber ir Cingapura

lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto

Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em

papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas

instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que

passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees

semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como

verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em

saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud

AIKHENVALD opcit p 26)

(25)

Kofi Bi bai di buku da di muyeacute

Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher

lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo

O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo

primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo

(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e

beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo

quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica

entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego

em CS como a do exemplo (25)

43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca

50

Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de

um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud

KROEGER 2004 239)

(26)

Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i

Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip

lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo

Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os

argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos

verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos

As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser

analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o

padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os

verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()

Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004

239)

Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em

posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em

posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O

objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o

objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo

serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por

exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo

representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees

metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS

Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como

coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O

principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena

44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo

51

representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a

natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome

nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)

(27)

Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg

lsquoAya me deu o livrorsquo

A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em

CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar

sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode

ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e

aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON

opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo

acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos

integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns

casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio

ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item

lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em

sincroniardquo47

O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento

mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um

momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2

Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de

coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a

outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo

jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em

serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para

46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas

52

verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential

combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48

Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico

de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)

(28)

Abo lori tudik korsquoa paun

avocirc pegar faca cortar patildeo

lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de

ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)

tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada

sem conectivo com sujeito vazio

(29)

fa-li lali kp-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF

lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um

uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o

sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas

construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject

construction- ESC)

Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo

apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em

estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis

visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum

53

instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem

como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento

A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como

as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou

coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos

que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo

semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise

reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como

uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo

2 515 Comparativos e superlativos

Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo

ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de

construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006

101)

(30)

kuma frsquoyer ma ni

tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg

lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo

Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial

comparativa

(31)

n si Kofi kpa tra Kuakou

1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o

outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute

algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo

50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria

54

como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em

segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados

2516 Construccedilotildees que indicam maneira

Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado

pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in

AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em

que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira

como a outra accedilatildeo se realizou51

(32)

ti [gi-e yaa-a -goe ]

1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT

lsquoEu chegarei atrasadorsquo

252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes

Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico

da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um

evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como

pressuposto a accedilatildeo de cozinhar

(33)

Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu

Ama POT-cozinhar coisa comer

lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo

51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo

55

Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois

do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido

pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo

2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito

O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo

serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o

efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos

em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-

function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)

(34)

n=babas weli n=mot do

3sg=bater porco 3sg=morrer REAL

lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo

Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra

indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou

52 Liacutengua austroneacutesia

56

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o

tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito

de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas

propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de

variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas

construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer

paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees

Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de

compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa

caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo

homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo

evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de

identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais

Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo

com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto

mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um

ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo

57

CAPIacuteTULO 3

PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS

Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as

construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo

dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois

entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que

traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em

coacutedigo

O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de

perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas

relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave

elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970

nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente

como um movimento mundial

O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os

estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano

precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos

gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de

que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas

propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos

pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos

teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta

Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto

heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)

teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais

(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987

2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas

comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira

(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos

portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo

(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se

uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico

58

(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre

domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes

inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia

Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem

estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas

estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como

manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na

Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a

organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em

diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)

Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da

Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave

proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a

Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria

maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as

propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as

quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva

desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens

lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de

nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo

aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o

significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca

mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf

LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele

Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a

elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item

lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee

a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como

a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os

moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de

ambas

59

31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)

Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso

e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que

descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute

simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o

fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e

no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)

formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas

simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica

ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma

determinada liacutengua (LANGACKER 1987)

Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave

conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer

tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto

experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva

compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada

pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica

dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa

interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo

discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as

estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da

transmissatildeo da informaccedilatildeo

A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica

Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a

caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que

estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na

elaboraccedilatildeo dos enunciados

53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria

60

311 Nomes e verbos

Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam

em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos

dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que

natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente

idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo

necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria

Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por

Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA

1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de

saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da

dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria

categoria

As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade

identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos

mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas

propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os

elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a

estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a

natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as

dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se

extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os

membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de

significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e

sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em

consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a

natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas

margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e

intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees

necessaacuterias e suficientes

Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e

verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto

fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em

54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa

61

termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos

fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades

de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo

que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo

prototiacutepico

Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a

existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para

nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes

Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos

I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material

II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual

III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo

IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa

nenhuma localizaccedilatildeo particular

V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos

conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento

E para verbos o autor destaca

I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de

mudanccedila e transferecircncia de energia

II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem

sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal

III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada

uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes

IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem

conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem

Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo

resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam

tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo

linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e

categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo

das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas

62

por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de

influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)

Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos

de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos

o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo

Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos

discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato

entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de

dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato

fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que

pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55

(LANGACKER 2008 103)

No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila

a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o

objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia

prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida

Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute

proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais

proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se

um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma

accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa

transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um

terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim

sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo

substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que

os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa

Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento

e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)

Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de

energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras

55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo

63

[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia

de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de

energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo

intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o

sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento

autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o

que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos

chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute

um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA

SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)

O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado

modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia

momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a

interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse

modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem

em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)

No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os

participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo

cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por

expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos

nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos

centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que

representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez

que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a

uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como

participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante

Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical

e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e

complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia

complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os

dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico

56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo

64

contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto

a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura

Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas

linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou

mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do

falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual

direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes

de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado

As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que

concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo

uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam

prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se

desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles

haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um

nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente

possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser

relevante para nossa pesquisa

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual

Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por

uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo

significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais

ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende

do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre

leacutexico e gramaacutetica

Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo

claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do

leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e

podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro

mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no

estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar

processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura

semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica

65

Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que

uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma

comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo

expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma

comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o

lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas

partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber

dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo

palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo

auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo

(estaacute falando) entre outros

Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o

processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para

que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma

expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de

complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas

caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo

eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de

detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes

A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de

experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um

conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58

(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais

de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria

o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem

traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a

que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo

formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos

protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor

(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo

satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um

57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo

66

nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e

probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os

protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)

Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja

na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e

dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais

Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e

conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito

no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva

consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e

devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma

representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais

De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-

se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro

deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso

deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de

construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma

expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas

depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59

(LANGACKER 1993a)

E ainda

Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo

inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade

eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro

ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva

tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)

Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a

sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na

59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo

67

situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez

refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o

outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do

proacuteprio discurso

Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das

diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de

um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)

identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que

decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as

classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)

313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)

Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais

relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se

estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu

significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais

de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia

entre os seus elementos conceituais

As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo

apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado

da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como

exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base

mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma

condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um

processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e

reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento

Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se

desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de

energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a

categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a

impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva

Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado

natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo

68

bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como

um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades

cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background

memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER

1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo

linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais

capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos

mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos

cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa

percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas

por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do

primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o

que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua

compreensatildeo o que eacute menos relevante etc

Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia

conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois

elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos

saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em

um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas

gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas

figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata

Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e

fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o

espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)

Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente

moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor

particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61

61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo

69

O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel

relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou

orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62

Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as

noccedilotildees de marido e esposa

(LANGACKER 2003 252)

A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma

base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e

esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao

poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino

A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o

elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais

como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre

homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o

nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto

de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo

de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros

A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de

retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia

desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor

tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a

possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que

demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada

proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees

particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados

62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo

70

conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo

planos

Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma

determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver

essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com

o qual a cena eacute representada

Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em

que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja

representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido

amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento

preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas

dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current

discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as

informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor

formando a base do discurso produzido

No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para

elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia

que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa

capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa

forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo

numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra

absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O

escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou

escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo

imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e

o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a

propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato

Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em

sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo

em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que

nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez

examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento

cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou

71

seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo

escopo maacuteximo

Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)

interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo

temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de

sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas

gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o

trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees

314 O determinante do profile

A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de

seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo

a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas

esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa

forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os

profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao

profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um

termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a

mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo

designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome

ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo

O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da

construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave

qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da

GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela

natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de

seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo

correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de

classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as

estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e

consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute

apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos

72

Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de

nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse

equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma

parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo

Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser

classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha

cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar

analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet

tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o

trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como

trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do

closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina

um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um

de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile

correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um

deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial

Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser

identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao

da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o

profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por

Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um

verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de

remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o

processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim

um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que

apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos

constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar

carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente

Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam

usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC

denominados esquemas construcionais

64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo

73

Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de

semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas

Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)

315 Autonomia e dependecircncia

Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de

correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui

esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados

Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um

detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a

schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse

termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration

site (e-site)

Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente

conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de

correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados

como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo

considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a

caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical

verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute

-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que

o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado

O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da

organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por

termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato

indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em

suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de

dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a

estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute

65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo

74

dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o

componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no

ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de

autonomiadependecircncia desses elementos componentes

A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser

compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e

seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente

sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria

construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo

isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe

de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado

Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo

eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica

Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute

identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas

componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas

componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical

mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos

constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico

representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano

corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha

A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC

uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um

agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto

de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que

iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo

se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a

sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC

considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno

75

(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por

instacircncias simboacutelicas

Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que

estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees

transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos

elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos

alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo

componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)

(a) The package [that I was expecting] arrived

(b) The package arrived [that I was expecting]

Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo

conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de

organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do

exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que

ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos

constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a

sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a

significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas

gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual

que expressam

317 Verbos complexos

Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta

complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A

estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma

oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que

restam a ser preenchidos

De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui

no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em

liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos

76

resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o

autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo

necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto

ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do

tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)

A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma

uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas

indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto

por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos

por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores

de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo

podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que

representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam

como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas

O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo

funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o

que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos

complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em

construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do

inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que

demonstra as relaccedilotildees de seu profile

(LANGACKER 2003 270) Figura 2

GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)

aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de

77

um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena

enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A

Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com

a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser

de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade

transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for

mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e

influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do

tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do

recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)

Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no

domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente

admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja

transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no

caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da

liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso

pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER

2003 271)

No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo

agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o

beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de

transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)

Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave

demonstrada na figura 2 acima

No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos

son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e

78

envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas

representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes

mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma

sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a

compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua

representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como

verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do

beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor

prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais

representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a

representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do

marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente

(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual

Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres

que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do

mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada

por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos

que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo

em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente

experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas

conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees

linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia

dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal

elaborado de uma determinada cena

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

10) fa li tanni man ni kuajo

Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso

79

fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais

que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento

descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por

transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos

fa (pegar) e man (dar)

O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute

tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena

O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo

e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato

de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel

numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com

essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a

perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo

fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode

imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos

Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos

semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores

que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte

semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em

construccedilotildees seriais passa a verbo funcional

Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de

seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais

possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas

formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento

dessa estrutura

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais

A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas

um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos

semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos

constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a

ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e

80

qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente

relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que

antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da

Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua

significaccedilatildeo

O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos

a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um

evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente

de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos

culmine em um evento maior e principal

Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de

alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente

associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma

concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash

AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28

in AIKHENVALD 2006)

A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos

semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente

pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no

que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou

subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma

mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em

estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no

significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado

da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem

Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos

semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais

66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo

81

deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa

forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de

conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens

lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela

acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da

construccedilatildeo

Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial

como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de

eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma

funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do

evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo

como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou

discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e

uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim

concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo

de interdependecircncia estabelecida entre os verbos

Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o

ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de

um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado

denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto

de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo

verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma

consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo

primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)

Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que

nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores

prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo

67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo

82

Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de

autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68

Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar

e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena

representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees

seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em

termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como

representativos tambeacutem dessas construccedilotildees

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados

estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus

participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os

componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de

acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena

de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a

abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o

barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma

mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu

interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada

atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem

mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo

para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo

conceitual

Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo

fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a

conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as

liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos

seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser

realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de

evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento

em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)

68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to

clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual

autonomy and dependencerdquo

83

Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi

discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser

comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado

por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que

devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo

Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de

Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica

Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica

Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo

teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites

estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas

naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem

processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao

leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias

denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da

liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como

pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de

forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da

maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos

anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria

A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel

central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma

minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A

natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas

formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG

2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a

69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos

84

gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser

compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas

e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge

espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras

semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave

gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)

sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees

satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee

assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da

liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange

ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico

A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre

construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de

uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute

de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que

natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as

unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e

sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a

diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade

Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos

construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais

transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por

exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e

a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em

complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares

de significado e forma

A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia

lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma

hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma

construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da

70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical

constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538

85

construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)

sobre o verbo slice

a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)

b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-

movimento)

c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)

d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o

eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)

e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)

A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice

a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao

contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp

instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a

determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da

estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de

Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo

preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e

que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido

central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais

como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de

estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre

outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente

pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees

Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma

gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado

projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando

entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma

determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos

e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto

quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base

86

adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em

outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem

como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico

Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma

abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se

atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal

abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as

construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de

mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical

se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque

potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta

ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e

escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado

na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de

um item lexical em seu sentido de base

Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que

Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de

linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)

deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das

palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que

(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes

significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro

de maneira clara71

A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de

motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as

provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas

71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item

87

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos

Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas

tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da

motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo

maximizado princiacutepio da maacutexima economia

Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute

motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de

forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas

sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder

expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir

de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de

construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel

Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as

construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees

(GOLDBERG 1995 67)

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila

Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana

uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos

capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas

sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o

compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o

que eacute novo

Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo

de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem

entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e

um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que

jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo

nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela

gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou

alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute

conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada

88

categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como

um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)

No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que

representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a

Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a

gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma

similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras

- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode

ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica

3221 Polissemia

Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado

particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima

extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas

entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As

informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo

Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs

1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo

2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo

As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que

preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus

participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo

sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A

existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1

3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)

Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de

outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre

73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995

89

construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir

um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes

Constr Movimento Causado

SEM Causa-Movimento lt

PRED lt

SINT V

causa tema alvo

gt

gt

SUJ OBJ OBL

Lscausa

Constr Intransitiva de Movimento

SEM Movimento lt tema alvo gt

PRED lt gt

SINT V SUJ OBL

3223 Instanciaccedilatildeo (Li)

Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou

uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a

autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo

instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica

associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de

construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo

Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo

75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo

90

Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da

semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa

consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em

que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa

forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na

construccedilatildeo que a originou

(GOLDBERG 1995 80)

Resultativa

Li Ls

drive

3224 Metaacutefora

Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de

um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave

construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a

autora cita

a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo

b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo

O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido

de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)

apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de

movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado

como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off

the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo

metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o

sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)

Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo

possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas

91

semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes

entre as liacutenguas

Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute

a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens

construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como

forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e

processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas

empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)

323 Verbos e construccedilotildees

A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute

carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem

Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees

sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio

sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais

Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que

consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda

construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do

falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais

(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em

construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos

componentes

No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena

por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas

em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-

se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de

apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical

Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de

primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o

compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa

atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade

76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo

92

cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker

(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e

TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam

diferentes aspectos

HIPOTENUSA TRIAcircNGULO

De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens

verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na

medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos

aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os

itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam

papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que

neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao

evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma

construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um

significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional

propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical

instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e

protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido

O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas

concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre

outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a

um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo

regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de

princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir

a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos

semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que

realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o

papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse

verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser

instanciado como exemplo do papel de agente

93

b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um

correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma

similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a

elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria

Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa

estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo

bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus

integrantes

Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir

com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item

CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um

chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o

recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva

Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)

Joatildeo chuta a bola para o Pedro

O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela

construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel

de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o

verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados

como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de

recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite

essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da

informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de

chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam

por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs

Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando

incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel

de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)

He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo

94

A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi

empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico

Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo

manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na

cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a

introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados

diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto

natildeo nos parece ter sido salientado pela autora

O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado

do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do

verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma

construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa

construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo

profunda entre esse item e a construccedilatildeo

Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica

de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo

compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo

visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento

Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo

menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute

corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo

324 Limites entre leacutexico e sintaxe

Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia

pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de

uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a

gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos

significados mas que seja apenas um de seus componentes

A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum

significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se

postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo

sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute

entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a

95

proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de

uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a

compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada

predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente

idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada

virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um

organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez

tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua

menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o

sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se

produz

Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria

regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e

consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos

herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum

elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura

originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original

(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente

Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o

conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa

circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a

construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas

em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A

capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato

cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa

capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana

constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental

A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite

visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que

estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo

sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele

contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da

gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao

significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado

96

e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e

desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo

verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo

Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como

um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou

de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica

primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o

interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do

verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na

estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses

casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena

principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo

ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como

essencial

A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de

mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee

para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se

compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado

Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter

funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo

seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o

caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura

que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do

leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico

97

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas

teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que

nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram

utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os

enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a

Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua

natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute

precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera

assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e

significado

Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo

observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o

entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes

analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais

construccedilotildees

98

CAPIacuteTULO 4

DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS

Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais

concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila

entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute

certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc

(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se

firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam

exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas

propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar

apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos

os exemplos abaixo77

(1)

S V1 O V2 O

sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(2)

S V1 V2 O

fa nu13nu kun wun $ a wun i

Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo

Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores

reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se

assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees

77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros

99

Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma

construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de

seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi

reconhecida mas que se distingue pouco do ponto

de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito

relativamente mais proacutexima formalmente da

justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de

outras liacutenguas79

Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais

nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais

construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua

semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf

CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas

dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf

CREISSELS amp KOUADIO opcit)

bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila

de entonaccedilatildeo

bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a

sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa

bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80

bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)

mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a

construccedilatildeo

Vejamos um exemplo

(3)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ssg pegar frango mostrar 1Osg

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS

amp KOUADIO 1977)

100

Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp

Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso

apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca

gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto

imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave

classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o

significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo

pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir

(4)

ā su fā wɔ swӑ n kle mī

2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg

lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo

Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno

do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise

como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute

mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento

interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)

Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma

ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de

introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute

inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com

o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista

morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se

dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo

enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de

81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82

101

uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro

termo da seacuterie82

Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade

simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe

formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por

dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e

semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees

seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo

Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a

proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois

grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem

a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject

Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos

a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc

Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico

da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso

sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de

coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon

(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal

tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois

grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam

conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar

uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum

82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo

102

dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas

da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado

principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo

Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se

apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem

sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que

esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por

essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais

(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos

semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia

dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir

caracteriacutesticas de verbos funcionais83

411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para

a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio

b) introduzir o papel de instrumento

c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento

d) Indicar uma comparaccedilatildeo

e) Indicar a origem do movimento ou percurso

Analisaremos a seguir cada um dos itens citados

a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio

Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais

assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo Vejamos84

(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su

Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa

103

Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez

funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido

por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo

fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental

ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena

principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo

proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos

levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os

verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2

sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo

verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977

421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o

sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie

verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85

Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome

sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo

caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente

Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo

diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na

coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em

que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo

Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-

baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2

natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um

formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no

corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo

que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos

semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo

85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo

104

metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser

empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)

(6)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em

liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas

como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da

construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais

como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis

semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa

funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na

relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio

proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima

No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um

sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno

Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice

aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele

eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo

Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de

beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir

com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele

ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material

no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio

Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees

indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu

ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a

seguir

105

(7)

i mamamama nnnn----ni mi swa kun

3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF

lsquoEle deu uma casa para mimrsquo

O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu

uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em

relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro

apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)

A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado

de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman

(8)

ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute

3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo

ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em

posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como

ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo

inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o

seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado

central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando

compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de

uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de

verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena

88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo

106

principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os

exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas

Exemplo (6)

yo man

SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem

FAZER DAR

Exemplo (8)

fa man

SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem

PEGAR DAR

Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma

Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a

descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez

man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro

lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que

V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo

aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)

na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada

construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em

seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a

outra

Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma

construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a

preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma

construccedilatildeo serial

A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica

apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1

mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo

107

(9)

i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi

3Ssg pegar manga oferecer 1Osg

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante

os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo

em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se

reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos

dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A

diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man

natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante

beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse

participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de

ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas

por Silva (1999)

b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento

O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o

instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De

acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie

verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)

atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente

um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele

veio com o inhamerdquo89

89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo

108

(10)

lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo

conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se

manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por

trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo

mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido

mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima

extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da

cena descrita carrega traz consigo o inhame

Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo

serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como

operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre

outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa

tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto

nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de

deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo

verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o

inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o

participante tem a posse de algo eacute o verbo fa

O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por

seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas

propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu

estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute

possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como

preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe

de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo

estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de

verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute

preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que

ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li

Il prendre-ACC igname venir-ACC

109

adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da

classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]

O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo

(11)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)

[S V1 O1 V2 O2]

Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta

caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de

PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de

um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero

poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de

um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo

em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois

dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos

salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a

preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos

como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir

de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo

Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o

uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O

morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema

nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo

12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois

termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode

ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor

90 Corpus 4

110

de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em

algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos

a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)

(12)

ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ

3Ss cortar -PERF patildeo COM faca

lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo

(13)

ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī

3Ss ECOM fruta vir-PERF

lsquoEle trouxe frutasrsquo

O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre

dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No

entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria

possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado

pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo

pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena

descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo

dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio

de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A

escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante

c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento

Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma

construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir

111

(14)

e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin

1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho

lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo

(15)

e su wawawawandindindindi babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo

A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria

de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na

estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso

do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e

o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)

apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a

construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo

facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das

marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo

d) Indicativas de comparaccedilatildeo

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre

dois termos

(16)

n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92

91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor

112

(17)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo

entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode

ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um

mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do

sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do

segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)

(18)

n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi

1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi

lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo

A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila

Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez

que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos

comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente

estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a

pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres

com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O

exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da

semana

(19)

igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo

93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo

113

A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo

em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]

e) Origem do movimento ou percurso

As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino

de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo

(20)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten

ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo

uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um

locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo

principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem

conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin

funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega

propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos

anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por

outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez

tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo

(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]

Consideraccedilotildees finais

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve

a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1

114

(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente

essa base

As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se

ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do

sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral

natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como

no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo

Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na

construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo

propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum

estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida

sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as

prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute

entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens

que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas

pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo

possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo

412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para

representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir

(21)

sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica

115

([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma

uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim

como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem

estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as

construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a

ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os

verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores

prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um

ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um

resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva

implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio

visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como

(22)

e kan be bawle

3Spl falar 3Opl baulecirc

lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo

Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por

si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que

sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado

que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa

construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees

No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle

introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode

ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para

mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em

questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo

combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura

argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da

94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos

116

construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim

considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se

relacionam na construccedilatildeo

A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido

introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no

exemplo (23) a seguir

(23)

y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila

lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila

lafl kun ba sono matar crianccedila

a crianccedila dormersquo

A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior

e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta

o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD

V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo

discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto

anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2

sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da

estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo

portanto a sua ordem prototiacutepica

No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc

formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento

(24)

i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo

3Ssg sair-PERF irpartir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo

117

Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico

durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada

apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma

forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a

construccedilatildeo

Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos

e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um

local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de

deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima

portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos

verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute

aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo

acontece no exemplo (25) a seguir

(25)

i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho

a tutututu a tttt

3Ss RES arrancar RES cair

O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo

retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da

oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo

repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por

V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a

queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos

na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser

95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

118

arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas

a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos

A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo

serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo

(26)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo

Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o

locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu

no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete

wlɔ)

(27)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96

A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado

SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ

kpɛn

Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando

nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A

inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de

algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra

96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

119

A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de

forma geral representada por

[SN V1 V2 (SN) (LOC)]

Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que

as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees

assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos

descritos neste capiacutetulo

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO

Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais

dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute

diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si

pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute

atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)

Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em

baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a

denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora

(LARSON 2005 61)

(a) to-li oflɛ di-li

3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL

lsquoShe bought papaya and ate itrsquo

lsquoElea comprou papaia e comeursquo

(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF

lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo

lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo

97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO

120

(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi

Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so

lsquoThe girls have told me the newsrsquo

lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo

(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so

lsquoAya gave me the bookrsquo

lsquoAya me deu o livrorsquo

Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries

verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para

o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por

justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees

seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como

caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu

1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o

sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua

interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)

2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como

defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais

verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo

seriam comumente empregados em seacuteries verbais

3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e

acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)

4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em

uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada

padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer

apenas uma vez

5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e

pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele

99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO

121

A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o

argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se

assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais

sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as

diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico

evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se

assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um

uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados

A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado

decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf

LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a

introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que

envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em

significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os

verbos temos

(28) (32 p99)

lsquoEle comprou papaia e comeursquo

Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado

(29) (3106 p99)

to-li oflɛ kpeacutekun di-li

3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF

lsquoEle comprou papaia E comeursquo

A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe

porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois

eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que

ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples

o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas

to li oflɛ di li

3Ss comprar PERF papaia comer PERF

122

propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos

o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute

facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e

a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter

Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o

verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado

(30) (34 p99)

fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo

Agora com a conjunccedilatildeo

(31) (3108 p100)

fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo

Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas

natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a

sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila

sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas

sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A

possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as

construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na

estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel

sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o

evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em

outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu

conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos

numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a

faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo

sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a

123

faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um

agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o

gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o

processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo

natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa

diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo

dos enunciados

Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees

sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade

maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao

redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado

segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece

efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo

podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101

O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo

deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras

caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de

marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos

considerar o exemplo a seguir

(32) (3118 p105)

Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi

Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg

lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo

De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa

introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson

admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado

inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de

100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo

124

uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o

resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)

A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha

sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo

se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado

ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas

propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como

fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser

interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo

A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees

comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o

verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de

sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar

por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que

indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria

em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua

que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes

nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das

sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)

admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da

construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam

parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees

seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma

propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como

serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo

que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees

Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu

como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a

diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da

conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica

102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo

125

S V1 O1 V2 O2

FA (PEGAR) NOME VERBO NOME

O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos

verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo

semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa

introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em

O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel

semacircntico e natildeo sintaacutetico

Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)

(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em

ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre

parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja

modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)

por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima

apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando

isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se

estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o

mesmo conteuacutedo informacional de antes

A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas

construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses

casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo

acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no

significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser

uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo

(33)

ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi

3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

126

(34)

Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ

Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL

lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo

Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser

interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto

coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em

posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que

envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do

baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e

apresenta o seguinte exemplo

(35) (37 p73)

Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi

Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo

O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico

verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees

funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute

utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta

O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da

marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de

ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas

seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas

como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode

127

levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno

em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte

construccedilatildeo

(36) (332 p73)

Aya fa-li fluwa-lsquon

Aya pegar-PERF livro-DET

lsquoAya pegou o livrorsquo

Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de

argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo

pleno A autora conclui entatildeo que

Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo

na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um

conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila

simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1

natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos

sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc

natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta

ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)

A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo

serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o

livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute

duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo

A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se

afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo

103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo

128

coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora

natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo

sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o

antigo uso

Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais

sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em

favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o

nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas

caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba

todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001

422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os

verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da

combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto

como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas

Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem

morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou

plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias

sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou

subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam

como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma

flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve

entre as propriedades do sistema linguiacutestico

Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou

plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade

funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias

sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos

(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos

subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre

muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas

apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma

106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo

129

flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas

problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)

Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas

transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais

desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em

construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais

abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa

flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado

tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da

construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer

denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades

associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que

natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida

Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a

sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um

evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto

concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo

Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do

verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio

Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia

de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute

possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de

um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo

ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse

novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia

desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF

107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo

130

1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT

2005 88)

Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da

Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees

seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees

simples

(37)

o tou enuma

3Ss pegar dinheiro

lsquoEla pega dinheirorsquo

Agora em construccedilotildees seriais

(38)

o tou inya diredirediredire

3Ss pegar arroz cozinhar

lsquoEla cozinha arrozrsquo

(39)

bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba

2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar

lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)

Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples

natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais

sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo

de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em

construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria

linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum

momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo

108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo

131

44 MARCAS ASPECTUAIS

Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a

categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida

em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que

essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza

simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas

complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre

elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de

um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute

portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia

um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica

independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma

As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem

respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao

momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de

presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees

semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo

instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA

COSTA 2002 19)

Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma

accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa

accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a

definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa

Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a

formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a

constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto

natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com

qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo

temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a

132

diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e

situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109

Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira

como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo

temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em

evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo

referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar

proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute

nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)

como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos

distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e

tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma

exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no

entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato

de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em

relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma

mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o

PROGRESSIVO e o ESTATIVO

Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da

Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes

(40)

Kwasi da h re-di-di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo

133

A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao

valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na

maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a

ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia

entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham

rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a

primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um

subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as

marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude

entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de

aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto

RESULTATIVO para o segundo verbo

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO

Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais

Li(Ni) PERFECTIVO

A RESULTATIVO

Su PROGRESSIVO

Oslash IMPERFECTIVO

Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes

maneiras

1) Junto apenas do primeiro verbo

2) Junto apenas do segundo verbo

3) Junto do primeiro OU do segundo verbo

4) Junto de ambos os verbos

Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos

verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que

haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de

exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar

nos exemplos do corpus abaixo citados

110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes

134

Junto de ambos os verbos

(41)

fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί

3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo

(42)

Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET

lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo

(43)

kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do segundo verbo

(44)

fafafafa tanni n totototo ----lililili blo

3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc

lsquoEle jogou o pano laacutersquo

(45)

n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili

1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF

lsquoEu escondi o patildeorsquo

135

(46)

kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do primeiro verbo

(47)

i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n

3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET

lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo

(48)

kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc

obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No

progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas

do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111

O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial

(49)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo

136

(50)

Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(51)

mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi

1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo

quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo

verbo da construccedilatildeo

(52)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar

acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os

(53)

Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee

lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo

137

(54)

i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema

zero

(55)

sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(56)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em

construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os

tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou

posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas

possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro

Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2

IMPERFECTIVO X X

PERFECTIVO X X

RESULTATIVO X

PROGRESSIVO X X (verbo fin)

112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

138

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO

Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em

construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA

pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os

casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como

representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente

ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja

feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a

constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os

verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de

forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo

de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia

de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um

iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado

A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc

(57)

didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(58)

Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee

lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(59)

Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun

3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC

lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo

139

(60)

a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi

3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os

lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo

Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao

morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois

do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o

que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)

Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de

imperfectivo eacute um morfema zero

No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a

V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e

seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com

uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a

O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em

V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal

A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo

man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura

[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em

seguida na serial

(61)

mi si su ma n-an mi livro kun

1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

140

(62)

mi si su fa man livro kun man mi

1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro

verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as

estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo

No presente e no passado

[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]

[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]

No futuro

[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO

Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a

possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute

possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e

utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo

(63)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]

No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular

em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1

(64)

kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

141

(65)

didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(66)

yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(67)

Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO

Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em

sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1

eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser

representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por

um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3

Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos

[S V1 O1 V2 O2]

Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1

funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de

objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na

estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos

itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais

Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento

principal da construccedilatildeo

Numa estrutura como

142

(68)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os

sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse

lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo

natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu

conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma

preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige

argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal

de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem

inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa

estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]

Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e

consequentemente predicador de argumentos

(69)

ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a

propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo

semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo

mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo

lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando

que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de

143

argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa

construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]

Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo

estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a

presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel

representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra

que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute

manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento

essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que

sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo

Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila

serial

(70)

fa nu13nu kun wun( a wun i

3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em

sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar

que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo

posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a

sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez

que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa

natildeo eacute o predicador do argumento interno

Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto

113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice

pronominal para retomar o objeto direto

144

(71)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore

filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo

No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da

estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial

Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora

na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de

V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse

referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do

enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de

Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento

interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2

A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais

mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura

de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees

[SN V1 SN(obj) V2 V3]

[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]

[SN V1 V2 SN(obj)]

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de

construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com

base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse

tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos

exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas

comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de

propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades

145

CAPIacuteTULO 5

DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que

compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da

Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG

1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um

uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo

de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)

Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios

dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees

conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou

concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro

modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo

quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos

conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser

uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma

categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como

um evento115

Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao

domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita

uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a

estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que

consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo

De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica

a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os

tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o

alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante

secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais

115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo

146

chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a

entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da

atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de

perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)

Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees

(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das

construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem

teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas

e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos

que as aproximam

No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos

demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em

seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal

por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a

possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede

semacircntica potencial dos itens verbais

Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e

assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no

processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam

conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com

o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a

proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que

tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS

Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um

verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de

Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas

116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo

147

511 Introdutoras de beneficiaacuterio

Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo

(72)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ss pegar frango mostrar 1Os

agente tema recipiente

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim

fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo

O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo

descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia

secundaacuteria

O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de

um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento

(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema

eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua

esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento

que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente

mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que

ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum

traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma

vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena

Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute

de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento

trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o

148

caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento

determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema

coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle

O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais

prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma

relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute

efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de

colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar

algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua

posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar

pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim

demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento

interno

Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de

estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos

dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na

serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo

V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse

verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a

ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de

tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua

estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da

construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel

sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado

Caso semelhante observamos no exemplo seguinte

149

(73)

i fa mango cɛ mi

3Ss pegar manga oferecer 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e

secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ

lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos

limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical

acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno

conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e

conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo

objetiva do evento

No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo

introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma

de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais

evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional

(74)

fa nu13nu kun wun$ a wun i

3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

agente tema

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

LIMPAR

nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo

150

PEGAR

fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando

assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu

conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo

(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X

causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que

pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da

proacutepria construccedilatildeo

Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados

(75)

ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute

3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)

que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com

o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)

como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita

por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves

demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o

caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item

escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o

verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que

um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No

entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado

151

a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a

algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa

No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas

aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo

(76)

i ni fa i kondro fa kt Oslash su

POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o

evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja

o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo

discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o

preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um

morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito

O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre

seus participantes

trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida

para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento

requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que

aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa

perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor

Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem

como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas

propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo

satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se

152

daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de

uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes

da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se

compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo

devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que

estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees

satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir

eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o

constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o

exemplo 78

(77)

ɔ yo-li swa nga man-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(78)

ɔ fa -li swa nga man-ni mi

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o

evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de

um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical

semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas

que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo

Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem

em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em

118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)

153

marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo

de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado

pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso

explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119

O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da

construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente

(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio

FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo

DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo

O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na

construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por

esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile

fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem

A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi

determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo

sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia

preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que

construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o

leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um

campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher

uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado

correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para

os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE

2006 26)

Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que

podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)

119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)

154

Semacircntica

Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

Sujeito Obj1 Obj2

yyyyooooman lsquofazerdarrsquo

lsquoelersquo

swa nga lsquoesta casarsquo

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle fez esta casa para mimlsquo

Semacircntica Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

faman man man man lsquopegardarrsquo

Sujeito

lsquoelersquo

Obj1

swa nga

lsquoesta casarsquo

Obj2

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo

apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse

esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute

dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de

introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso

temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como

secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos

155

nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man

lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo

funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna

necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo

serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo

Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas

propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por

adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao

que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma

construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo

constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim

adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma

mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa

possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas

propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos

Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa

Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo

receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que

todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de

situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia

apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na

medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento

descrito

A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena

descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira

veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda

por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do

verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu

uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno

beneficiaacuterio

156

Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de

construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de

construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um

dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo

de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os

verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na

construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange

3 construccedilotildees analisadas

Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do

tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da

cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o

verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o

mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela

construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees

semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas

Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las

bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees

representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o

sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade

157

constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal

combinaccedilatildeo

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

(79)

fa li13 tanni man ni kuajo

3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo

anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes

do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute

representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia

de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo

O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio

tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O

outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e

eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse

tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por

equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte

podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais

relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o

verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena

No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto

em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de

que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma

construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor

apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua

thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a

120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo

158

funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de

beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo

512 Introdutoras de instrumento

A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para

uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da

construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo

incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que

eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma

preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria

uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo

corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado

abaixo

(80)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um

agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre

um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal

(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante

secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma

construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y

se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo

necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou

159

objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a

caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam

Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de

que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja

introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo

de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela

composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome

O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode

revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se

interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a

representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e

ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca

para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra

apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse

movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa

perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca

Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a

funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para

chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado

Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas

coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo

de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham

percorrido esse caminho

Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em

sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse

movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona

diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um

item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute

o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que

por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido

pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de

160

extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma

das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham

como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo

A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem

nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de

beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades

verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando

observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo

verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121

(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e

de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o

sintagma nominal laliɛ n

Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos

verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento

descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente

Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se

adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia

No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca

representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ

lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos

descritos por esses verbos eacute

fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n

kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun

A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor

ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles

121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010

161

estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa

posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun

nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se

entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e

esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal

representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que

representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que

em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela

construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira

funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais

A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um

esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por

meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso

vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf

CROFT 1991 185)

Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos

Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo

Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo

162

Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na

descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel

sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades

verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do

resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-

PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado

A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas

sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute

verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui

manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos

mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto

denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos

o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute

por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que

por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma

uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de

um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave

estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto

se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas

naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto

por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo

da construccedilatildeo serial

163

Construccedilatildeo resultativa transitiva

Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute

predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com

papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na

construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade

visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo

mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca

aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada

A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees

natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz

em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental

que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a

semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo

estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos

diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias

construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da

economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e

harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa

integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial

adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo

122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo

164

semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da

construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos

constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa

combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da

construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido

resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja

ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo

V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de

V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item

lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees

dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas

estabelecidas previamente na construccedilatildeo

513 Comparaccedilatildeo

Observemos o exemplo a seguir

(81)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo

Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo

A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da

relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da

construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema

relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto

natildeo prototiacutepico o item lexical de base

A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma

comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu

165

proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade

do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura

parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente

determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo

em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo

imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que

tange a sua especificaccedilatildeo formal interna

Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5

categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais

estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda

para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas

categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos

proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala

organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem

PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE

Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se

gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se

considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma

categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave

categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas

ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a

proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a

categoria QUALIDADE eacute o de modificador

A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia

simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de

estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e

formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se

organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua

No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico

capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar

relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a

166

comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma

mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e

por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo

traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento

concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz

mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos

sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo

previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que

preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva

desse falante

Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo

Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra

lsquoEle fala mais comigorsquo

Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ

lsquodo que (fala) com vocecircrsquo

Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que

estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o

inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam

como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela

construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo

semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias

que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos

semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso

essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a

habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua

A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante

tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo

em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute

depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da

construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se

relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de

167

comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber

que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os

termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que

o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a

comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc

(82)

igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no

dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura

sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e

em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema

relacional de funccedilatildeo comparativa

O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que

esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse

gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente

determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A

construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que

antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o

que sucede tra

Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do

ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial

comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de

sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o

termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o

OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A

informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores

conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias

168

necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A

depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente

por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra

(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos

semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica

Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que

estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade

O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar

ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os

elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos

argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre

participante focal e secundaacuterio temos

Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman

Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem

Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor

eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como

marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman

lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma

condiccedilatildeo no dia anterior

Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas

produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades

discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os

falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem

relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas

estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado

formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de

Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um

169

uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de

um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo

(83)

n tra Kwakou afwɛ nsjɛ

1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis

lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo

A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra

que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade

traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional

Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco

Trajetor n Marco Kwakou

Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que

aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na

comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo

dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o

elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos

semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o

sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas

posiccedilotildees

A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute

diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da

construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em

evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da

construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um

verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas

construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -

representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o

170

evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que

esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a

estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)

Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo

(84)

didididi juma n tratratratra mi

3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas

que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui

observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre

nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o

pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute

ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma

construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em

baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade

simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute

depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse

enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente

Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de

instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os

segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de

trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade

abstrata o proacuteprio trabalho

A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma

atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa

escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-

se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o

pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real

mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si

171

operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual

se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a

seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o

exemplo 89123

Tia˃Tkb

di juma n tra mi

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos

123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

172

M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo

igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois

referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome

sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a

performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por

sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a

dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em

baulecirc

(85)

n si Kofi kpa tra Kwakow

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo

posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)

Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia

instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem

recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada

173

numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos

depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas

estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se

estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em

relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na

estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124

exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e superioridade

514 Indicativas de modo

Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento

ocorreu por meio de construccedilotildees seriais

(86)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

Trajetor Noacutes marco natildeo tem

No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado

movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute

designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute

participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um

processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)

mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha

necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode

ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria

124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo

174

referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem

representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa

uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)

Vejamos sua representaccedilatildeo

Sem MOVER tema objetivo

PRED

Sint V Suj Verbo

susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa

correr(ndo) 1Spl chegar

Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire

funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a

circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas

permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo

e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito

por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o

falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila

515 Indicativas dos participantes de um evento

(87)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo

A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas

analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento

e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o

participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento

175

de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante

secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece

uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de

apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo

metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido

cortado do evento representado

A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a

elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o

que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou

perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees

analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria

semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado

O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes

de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica

apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem

de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma

forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico

A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado

Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao

falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse

participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica

da construccedilatildeo

A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um

determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos

elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento

que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem

efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado

compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse

exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo

apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos

constituintes da construccedilatildeo

Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e

marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente

176

di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao

observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e

mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como

trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre

esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta

num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e

marco mi

A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em

que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado

analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser

inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma

variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou

experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a

natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e

qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo

herdadas pelas extensotildeesrdquo126

O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada

extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando

essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)

125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo

177

lsquoEles comem sem mimrsquo

A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2

para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos

constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo

pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado

seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e

realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS

A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica

implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se

encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave

178

combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo

a seguir

(88)

i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo

3Ss sair-PERF ir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo

Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo

Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico

e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos

argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve

conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico

verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel

de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de

Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema

designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas

∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo

O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do

movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e

diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de

um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses

verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada

um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria

construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a

construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na

estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move

127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo

179

empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum

lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos

verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade

construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens

verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si

uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria

construccedilatildeo

Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de

construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e

semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das

especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128

(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo

especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento

indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre

ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)

128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo

180

Movimento causado

Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBJ OBL

H129 subparte

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBL

A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos

exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

fite+k ˂ i gwabo ˃

Sin V S LOC ir 3Ss mercado

Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um

determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a

construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma

129 H= heranccedila

181

construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as

estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees

Vejamos o exemplo abaixo

(89)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo

Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo

No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado

central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no

final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos

demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo

eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2

A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o

termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo

de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila

Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas

um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante

focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual

correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no

entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que

seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os

compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos

analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No

caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo

enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre

em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud

182

Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao

menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions

ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel

participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os

papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)

A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura

serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema

Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a

estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A

atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos

interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu

sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos

O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees

seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao

valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A

ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma

vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto

determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas

construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que

demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical

Observemos o exemplo a seguir131

(90)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132

Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo

130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

183

Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo

(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na

construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do

conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos

semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo

de que o salto foi sobre por cima de algo133

Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui

descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo

como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos

Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas

que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em

ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se

trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos

mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos

permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de

sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB

LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia

de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular

enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a

finalizaccedilatildeo desse evento

As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo

com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira

133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar

184

ou

Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da

construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento

exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por

meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com

185

Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B

entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o

fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando

observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se

configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute

explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento

deslocado) e o alvo

(91)

i kle mon

wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute

Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui

empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo

(91a)

a tutututu a tttt

3Ssg RES arrancarpartir RES cair

lsquoO chapeacuteu caiursquo

O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de

focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de

CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica

composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras

construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis

134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico

186

A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado

sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma

causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou

marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante

focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A

noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois

elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que

indica a finalizaccedilatildeo do processo

A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo

participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como

uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua

organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos

os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam

sintaticamente como um uacutenico predicado

O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo

resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo

natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa

lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo

de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da

proacutepria construccedilatildeo serial

Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser

acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como

observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que

ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo

(91b)

a tutututu a tttt ace

3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo

lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo

A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse

processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila

temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que

187

realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma

mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir

expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos

predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio

(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na

medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado

Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz

com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante

causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como

indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante

do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos

tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado

ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais

na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca

entre os mesmos

Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por

meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO

opcit p264-265)

(92)

a liɛ+ n ti be-wa

alimento DET ser cozinhar

lsquoO alimento estaacute cozidorsquo

Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura

diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo

que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee

em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador

assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada

A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes

comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem

188

Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente

pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com

incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como

Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃

tutututu tttt ˂ ˃

Sin V Suj Suj

cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo

Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de

paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A

noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash

que incidi sobre o proacuteprio sujeito

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o

processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a

partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees

Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade

entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as

demais construccedilotildees da liacutengua

Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de

um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos

A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi

determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os

verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para

compor seu significado

189

190

CONCLUSAtildeO

Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees

seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas

mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que

fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as

coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em

baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva

teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual

A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos

revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que

tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de

uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas

Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como

Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo

de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos

consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando

que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em

outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor

nem a uma nem a outra estrutura

Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute

ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas

principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um

inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas

construccedilotildees

Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma

diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por

Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de

que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo

para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente

Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as

construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem

tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos

191

(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no

modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos

adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)

pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem

que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais

nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em

baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas de cada uma delas

No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da

anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham

pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro

deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que

expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo

semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber

que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou

como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte

especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi

primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc

Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a

concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto

designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos

(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos

linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede

de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se

como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para

ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo

discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os

interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas

No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a

perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008

2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em

baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo

192

constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio

conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais

proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como

verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de

nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e

secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do

significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas

Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos

verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi

salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo

pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo

gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo

visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo

pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar

Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo

multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do

marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida

comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo

para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da

cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o

que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo

Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo

funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno

mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional

Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas

acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os

itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees

No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee

que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura

que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que

toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a

ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida

nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem

193

como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo

satildeo unidades estanques

Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo

devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel

descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um

conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da

construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver

duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc

que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma

procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de

estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem

como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise

Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em

outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que

continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um

pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um

incentivo a outras abordagens

194

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verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology

and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998

ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)

Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et

eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003

______________ Words and their meanings principles of variation and

stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards

201

a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106

Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92

RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da

coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004

_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no

portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP

SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva

sociocognitiva 2006

_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre

sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74

SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in

sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing

Company 1987

SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um

novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de

Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm

_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-

versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a

Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda

SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic

Publishers 1977

TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford

Clerendon Press 1995

TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive

semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)

202

_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring

Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a

_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in

Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System

of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning

Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar

httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf

VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York

Cornell University Press 1967

WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do

portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de

Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP

WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues

africaines Paris Karthala 2004

WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee

HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions

Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology

Trondheim 2003

WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)

The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8

Berlin New York Mouton de Gruyter 1996

WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE

DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004

203

ANEXO

Trecho de uma das narrativas do corpus

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo

Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo

Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo

Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo

yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo

Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo

I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo

204

yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo

Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo

wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo

i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo

mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo

yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo

laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo

yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo

  • Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
  • Agradecimentos
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • Abreviaturas
  • INTRODUCcedilAtildeO
  • CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
  • 11FONOLOGIA
  • 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
  • 13 O GEcircNERO
  • 14 O NUacuteMERO
  • 15 CLASSES DE PALAVRAS
  • 151Pronomes
  • 511 Pronomes pessoaispossessivos
  • 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
  • 152 Verbos
  • 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
  • 1522Futuro
  • 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
  • 153 Adjetivos
  • 1531 Adjetivos indefinidos
  • 154 Numeral
  • 155 Palavras de sentido adverbial
  • 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
  • 16 SINTAXE
  • 161 Frase simples
  • 162 Frase complexa
  • 1621 Coordenaccedilatildeo
  • 1622 Subordinaccedilatildeo
  • 17 Interrogativas
  • 18 Negaccedilatildeo
  • CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
  • 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
  • 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
  • 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
  • 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
  • 243 Propriedades prosoacutedicas
  • 244 TempoAspectoModo
  • 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
  • 246 Argumentos compartilhados
  • 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
  • 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 2511 Orientaccedilatildeo espacial
  • 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
  • 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
  • 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
  • 2 515 Comparativos e superlativos
  • 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
  • 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
  • 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
  • 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
  • 311 Nomes e verbos
  • 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
  • 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
  • 314 O determinante do profile
  • 315 Autonomia e dependecircncia
  • 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
  • 317 Verbos complexos
  • 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
  • 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
  • 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
  • 3221 Polissemia
  • 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
  • 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
  • 3224 Metaacutefora
  • 323 Verbos e construccedilotildees
  • 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
  • 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
  • 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
  • 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 44 MARCAS ASPECTUAIS
  • 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
  • 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
  • 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
  • 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
  • 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
  • 512 Introdutoras de instrumento
  • 513 Comparaccedilatildeo
  • 514 Indicativas de modo
  • 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CONCLUSAtildeO
  • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
  • ANEXO
Page 5: Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM – demonstrativo DET – determinante DET-PL – determinante plural ESC – empty subject

RESUMO

Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc

classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que

subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees

simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de

orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a

Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)

A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com

construccedilotildees coordenadas sem conectivo

O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e

de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc

Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries

verbais liacutenguas africanas

ABSTRACT

This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial

constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by

Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major

semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their

syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization

based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive

Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions

(Goldberg 1995)

Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to

coordinate constructions without connective for being similar in structure

emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in

coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally

differentiates them

The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers

of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule

KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs

linguistic

SUMAacuteRIO

ABREVIATURAS

INTRODUCcedilAtildeO

CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1

11 FONOLOGIA 2

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4

13 O GEcircNERO 6

14 O NUacuteMERO 6

15 CLASSES DE PALAVRAS 6

151 Pronomes 7

1511 Pronomes pessoaispossessivos 8

1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9

152 Verbos 10

1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10

1522 Futuro 11

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11

153 Adjetivos 12

1531 Adjetivos indefinidos 12

154 Numeral 13

155 Palavras de sentido adverbial 14

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15

16 SINTAXE 15

161 Frase simples 15

162 Frase complexa 16

1621 Coordenaccedilatildeo 16

1622 Subordinaccedilatildeo 16

17 INTERROGATIVAS 17

18 NEGACcedilAtildeO 18

CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19

22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33

243 Propriedades prosoacutedicas 34

244 TempoAspectoModo 36

245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38

246 Argumentos compartilhados 41

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43

251 Construccedilotildees seriais 46

2511 Orientaccedilatildeo espacial 46

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto 49

2515 Comparativos e superlativos 53

2516 Construccedilotildees que indicam modo 54

2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54

2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56

CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57

31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59

311 Nomes e verbos 60

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64

313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67

314 Determinante do Profile 71

315 Autonomia e dependecircncia 73

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74

317 Verbos complexos 75

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87

3221 Polissemia 88

3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88

3223 Instanciaccedilatildeo 89

3224 Metaacutefora 90

323 Verbos e construccedilotildees 91

324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97

CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101

411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102

412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126

44 MARCAS ASPECTUAIS 131

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144

CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146

511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147

512 Introdutoras de instrumento 158

513 Comparaccedilatildeo 164

514 Indicativas de modo 173

515 Indicativas dos participantes de um evento 174

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188

CONCLUSAtildeO 190

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194

ANEXO 203

i

Abreviaturas

ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo

ADJINDEF ndash adjetivo indefinido

ADV ndash adveacuterbio

APRES ndash apresentativo

ASP ndash aspecto

CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado

COMPL ndash completivo

CONJ ndash conjunccedilatildeo

CONT ndash continuativo

DEM ndash demonstrativo

DET ndash determinante

DET-PL ndash determinante plural

ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo

EST ndash estativo

EXPL ndash expletivo

FUT ndash futuro

HAB ndash habitual

IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )

INDEF ndash indefinido

INF ndash infinitivo

INTER ndash interrogativo

LOC ndash locativo

M ndash masculino

MORF ndash morfema

NEG ndash negaccedilatildeo

O ndash objeto

OD ndash objeto direto

OI ndash objeto indireto

PASS ndash passado

PASREM ndash passado remoto

PER ndash person lsquopessoarsquo

PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)

ii

PL ndash plural

POSS ndash possessivo

POT ndash potencial

Prep ndash preposiccedilatildeo

PRES ndash presente

PROG ndash progressivo

REAL ndash realista

RED ndash reduplicado

REDUP ndash reduplicado

REFL ndash reflexivo

REL ndash morfema relativo

REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo

RES ndash aspecto resultativo

RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo

S ndash sujeito

Sg ndash singular

SN ndash sintagma nominal

TEMP ndash tempo

V ndash verbo

INTRODUCcedilAtildeO

O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de

leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005

na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs

brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo

Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como

ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava

propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da

teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo

apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries

verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que

um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro

Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do

continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs

mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento

e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo

Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto

de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de

cada liacutengua

Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de

serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas

agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de

Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais

em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um

olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que

tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos

Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos

brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)

e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees

seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade

de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o

portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel

semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as

propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)

elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em

dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo

dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados

de nosso corpus do baulecirc

No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais

teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica

Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos

Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas

insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a

sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na

elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem

passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer

outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-

se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de

suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem

conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura

conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc

Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente

fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon

(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente

semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma

caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo

5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees

Coleta de dados

O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira

1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da

histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria

pesquisadora

2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e

cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo

realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um

filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns

triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos

que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era

transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em

diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas

3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo

colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a

partir de um tema de interesse do proacuteprio falante

4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os

trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses

dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio

As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados

foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos

os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila

1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na

pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal

referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa

1

CAPIacuteTULO 1

A LIacuteNGUA BAULEcirc

Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por

aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do

continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia

em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que

estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma

aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais

repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas

estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e

superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma

classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do

Marfim

Niger-Congo

Atlantic-Congo

Volta-Congo

Kwa

Nyo

Tano

Central

Bia

Northern

Baouleacute

1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl

2

Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma

breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo

realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)

11FONOLOGIA

O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e

21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras

em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo

haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a

oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos

de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)

Orais e nasais

fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo

fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo

fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo

kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo

Surda e sonora

bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo

3

di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo

jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo

Pontos distintos de articulaccedilatildeo

fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo

Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e

dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma

propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos

semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute

determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)

sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo

alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo

No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo

realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo

indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos

(Kouadio amp Kouame 2004 14)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame

lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)

ɔ fa duo

3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)

ɔ fa a duo

3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)

4

12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio

amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica

Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa

do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem

alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees

foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um

exemplo

VOGAIS

API Ortografia baulecirc Exemplos

A a ta lsquoplantarrsquo

E e be lsquocozinharrsquo

ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo

I I ti lsquocabeccedilarostorsquo

O o bo lsquofundorsquo

ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo

U u fu lsquosubirrsquo

I in fin lsquovir dersquo

Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo

ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo

ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo

U un wun lsquover incharrsquo

CONSOANTES

API Ortografia baulecirc Exemplos

b b ba lsquocrianccedilarsquo

c c cɛn lsquoengordarrsquo

5

d d dɔn lsquohorarsquo

f f fu lsquosubirrsquo

ɡ g gali lsquomandiocarsquo

gb gb gba lsquoarmadilharsquo

ɉ j jɔ lsquoredersquo

k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo

kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo

l l la lsquodeitar dormirrsquo

m m damun lsquojogorsquo

n n nnun lsquocincorsquo

ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo

p p panndu lsquogarrafarsquo

r r rɛrɛ lsquoescalarsquo

s s se lsquodizerrsquo

t t tu lsquodesenterrarrsquo

v v vi lsquorim lomborsquo

j y yi lsquoesposarsquo

z z nza lsquoinhamersquo

13 O GEcircNERO

Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a

distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea

como observamos a seguir

bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo

yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo

6

14 O NUacuteMERO

Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun

Sran mun

Ser humano PL

lsquoOs seres humanosrsquo

15 CLASSES DE PALAVRAS

As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que

constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas

(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de

nomes verbos adjetivos e adveacuterbios

No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os

distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados

devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha

significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor

definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os

pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que

acompanham os lexemas nominais Exemplos4

di

Comer

lsquoComarsquo

alwa ɔ

cachorro pred

lsquoEacute um cachorrorsquo

bia kun

cadeira INDEF

lsquoUma cadeirarsquo

4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora

7

ɔ fa- li wa n man-ni mi

3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o filho delersquo

151Pronomes

Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes

pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte

nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que

determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5

bja nga

cadeira DEM

lsquoEsta cadeirarsquo

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ

branco vila INDEF dentro LOC

lsquoNuma vilahelliprsquo

511 Pronomes pessoaispossessivos

A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto

SUJEITO Singular Plural

1a pessoa n e

2a pessoa a amu

3a pessoa ɔ be

5 Exemplos de nosso corpus

8

COMPLEMENTO Singular Plural

1a pessoa mi e

2a pessoa wɔ amu

3a pessoa i be

Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em

construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ

(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por

pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do

referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso

facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004

22)

Min si liɛ

1Ss pai MORF

lsquoMeu pai (a mim)rsquo

Be nianman bian6 liɛ mun

3Opl irmatildeo homem MORF PL

lsquoOs irmatildeos delesrsquo

Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal

complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta

adicionar o morfema mun

POSSESSIVO Singular Plural

1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo

2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo

3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo

6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua

9

1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido

Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga

mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome

que determinam7

Gbo nga

Poccedilo DEM

lsquoEste poccedilorsquo

sran nga mun

Ser humano DEM PL

lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo

A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun

lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be fa be un

3Spl parecer 3Opl corpo

lsquoEles se parecemrsquo

Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado

utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)

Be wan Kofi ba-li

3Spl dizer Kofi vir-PERF

lsquoDizem que o Kofi veiorsquo

7 Exemplos de nosso corpus

10

152 Verbos

A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e

dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin

lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros

1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo

A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)

verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o

imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man

colocado apoacutes o(s) verbo(s)

Exemplos

tra li a ce kl ltri

Ele s sentar PERF solo escrever carta

lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo

a ba ma

3Ss RES chegar NEG

lsquoEle natildeo chegoursquo

ba su wa kɔ lafi

crianccedila PROG FUT ir dormir

lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo

yɛ ɔ fa flwa nga

entatildeo 3Ss pegar livro DEM

lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo

ɔ tɛ lafi

3Ss CONT dormir

lsquoEle continua a dormirrsquo

11

1522Futuro

A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome

sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro

proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa

Vejamos alguns exemplos

laflɛ kun ba yɛ wa lafi

sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir

lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo

ɔ su wa sɔ televizion n

3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET

lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8

1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos

Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos

realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz

em muitas repeticcedilotildees

wo l titi waka ma wie

3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF

lsquoEle colhia umas frutasrsquo

153 Adjetivos

O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que

determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o

adjetivo

Sran dan

Ser humano grande

lsquoUm homem grandersquo

8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo

12

Bla kpɛnngbɛn mun be si able

Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)

lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10

1531 Adjetivos indefinidos

a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)

algum(ns) certo (s) Exemplo

sran vie mun be bali wa

ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC

lsquoAlguns homens vieram aquirsquo

b) fi algum Exemplos

like fi n kɔ a lika fi

coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum

lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo

c) kwlaangba tudo todos

Ba sɔrsquon si sa kwlaa

Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo

lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo

d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo

lsquouma aacutervorersquo

10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc

wa ka ku n

aacutervore uma

13

e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo

Like uflɛ

coisa outra

lsquooutra coisarsquo

f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo

like kunngba

coisa mesmo

lsquoa mesma coisarsquo

g) sɔ lsquotal dessa formarsquo

talua sɔrsquo n tirsquo A kpa

menina tal DET ser NEG bom

lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo

154 Numeral

Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a

centena 200

1 kun k 11 blu nin ku

2 nnyɔn 20 ablaɔn

3 nsan 30 ablasan

4 nnan 40 ablanan

5 nnun 50 ablenunn

6 nsiɛn 60 ablesiɛn

7 nso 70 ableso

8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ

14

9 ngwlan 90 ablangwlan

10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn

155 Palavras de sentido adverbial

Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe

unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente

nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos

tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e

adjetival

Nian kpa

Olhar bom

lsquoOlhe bemrsquo

Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado

como adjetivo e adveacuterbio

i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ

3Ssg sair 3CLpl olho grande grande

lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo

Kuasi klo Amlan ngboko

Kuasi amar Amlam Muito

lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo

O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12

K a gu li l fu li e ku n

Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo

lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo

11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus

15

156 Elementos que indicam posiccedilatildeo

Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de

adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute

contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo

bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo

16 SINTAXE

161 Frase simples

As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema

Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos

le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs

lsquoEle tem trecircs cestasrsquo

Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs

lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo

Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute

invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo

ɔ yo li swa nga man ni mi

3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

162 Frase complexa

1621 Coordenaccedilatildeo

A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes

morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns

exemplos

16

ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver

lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo

Y sie-li l y bo i komin ekun

Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv

lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo

K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba

Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir

lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo

1622 Subordinaccedilatildeo

O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para

expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i

nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ

sa) Exemplos ilustrativos

K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla

Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo

lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo

i ti kɛ nɛ yɛ

3Ss ser como animal ADV

lsquoEle eacute como um animalrsquo

ti k kkba umuan y u i

3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo

17

A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo

Exemplo

e wo Paris tra Lion

1Spl ir Paris ultrapassar Lion

lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo

17 Interrogativas

Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin

lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo

nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ

O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred

lsquoO que ele fez para mimrsquo

a fa mannin wan

2Ss pegar dar-PERF INTER

lsquoA quem vocecirc deu isso

ɔ duman suan13 sɛ

3Ss chamar INTER

lsquoComo vocecirc se chamarsquo

18 Negaccedilatildeo

O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a

marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o

morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos

13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo

18

Mrsquoa fa man mrsquoa fia man

1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG

lsquoEu natildeo o escondirsquo

kɛ ba lafili man

quando crianccedila dormir-PERF-NEG

lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo

Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se

acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos

mi si su man ma n mi livru kun

POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF

lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo

Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo

man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo

ɔ tran ma n lɔ ku n

3Ssg morar NEG LOC NEG

lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15

ɔ nian wɔ ma n Buake

3Ssg NEG ir NEG Buake

lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo

14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397

19

CAPIacuteTULO 2

L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no

que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades

definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de

anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das

liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos

parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades

sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme

Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do

tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo

Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais

construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas

Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp

DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais

que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute

nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa

21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS

Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em

estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute

considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu

trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de

um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua

Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de

combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem

nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele

atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma

sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo

acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial

20

Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for

um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um

complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar

fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos

satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse

caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas

subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16

(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)

Em combinaccedilatildeo acidental

Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou

adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado

simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados

sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas

satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto

na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)

Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os

componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute

hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na

seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que

estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou

Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica

da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e

tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo

A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de

uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser

expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o

16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo

21

apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o

essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora

eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo

significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao

verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)

Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada

muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar

a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das

liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento

seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos

desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item

lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo

absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada

construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos

estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido

aprofundadas pelo autor

A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com

Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os

estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas

pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa

transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as

construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou

mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)

(1) fmm me ne pocircnko no

Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o

lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo

18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)

22

(2)

fmm me no

Ele emprestar-PASS me o

lsquoEle o emprestou a mimrsquo

(3)

de no fmm me

3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)

lsquoele o emprestou a mimrsquo

Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua

natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples

admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A

produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome

objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em

que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que

compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que

restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de

novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais

Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas

propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos

em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais

como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental

por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se

realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que

observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os

verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de

identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da

combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as

caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de

verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da

sentenccedila nem portam marcas gramaticais

23

Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que

em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de

Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens

lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem

de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em

momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo

apresentando propostas diferentes

O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas

distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las

como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir

de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas

estabelecidas na construccedilatildeo

Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991

Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como

resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a

sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um

fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um

continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi

2005)

Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados

associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas

chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute

Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais

para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees

seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees

sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos

os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo

de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)

Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees

seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente

21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo

24

pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os

argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar

mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma

recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma

anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez

que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande

variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia

demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o

surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso

linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um

processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel

A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos

nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos

falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo

Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento

ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo

semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as

construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades

semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que

tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal

na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A

nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a

possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente

A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de

Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da

inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo

Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo

satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada

construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do

significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a

proacutepria construccedilatildeo

25

22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica

da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade

cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia

tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema

cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral

Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de

outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma

habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a

concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes

de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa

tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano

culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de

tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico

Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo

linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo

principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia

Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo

denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre

construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade

para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos

africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor

rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que

testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as

ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que

essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor

eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente

compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa

construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de

que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar

a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns

22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo

26

povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos

desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e

consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo

produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se

certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em

outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por

exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord

(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua

depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees

comunicativas elas servemrdquo23

Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais

uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura

sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano

23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES

SERIAIS

Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de

propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do

fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que

pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de

1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual

tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de

anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de

1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos

tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as

proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa

abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para

todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)

No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas

contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que

23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname

27

dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como

o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser

analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e

quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns

exemplos

(4)

Olu mu iweacute wa

Olu pegar livro vir

lsquoOlu trouxe o livrorsquo

(5)

Olu gun iyan je

Olu pounded yam ate

lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo

Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo

de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e

construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries

verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o

autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de

natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo

tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao

contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26

Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na

tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf

JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o

desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa

entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas

e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la

da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais

25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos

28

Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas

abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse

pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito

de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas

caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as

diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)

O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a

tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades

especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para

a construccedilatildeo eacute

Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem

juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo

subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais

descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees

simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo

simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS

podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada

componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos

individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27

(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)

Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma

variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea

Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e

coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua

anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua

de base

Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma

maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como

o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de

subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares

27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo

29

modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas

inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)

A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois

apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase

inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do

Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute

que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais

comuns em liacutenguas analiacuteticas

Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-

congolecircs

Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)

(6)

a fa i swa n a kle mi

3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os

lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)

Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)

ti-wa -ra ete re a

3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o

lsquoEle destruiu o pratorsquo

No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em

seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle

lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo

sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado

28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo

30

por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute

mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas

da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada

O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na

elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de

serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee

apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no

capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula

completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse

satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o

dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de

complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se

parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas

mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo

O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num

uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos

assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por

meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo

podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a

adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um

evento

Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos

descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem

expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal

associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades

verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que

sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico

lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da

construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do

segundo verbo

29 Verbos esvaziados de sentido

31

Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma

compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se

complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS

para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem

na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas

regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das

construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas

coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia

ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como

uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa

classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa

24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS

Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de

liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo

esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e

classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon

(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a

elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes

grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores

contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem

que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e

Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e

chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas

seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica

241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico

Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a

despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado

simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia

sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra

32

oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se

observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da

Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)

(8)

nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana

1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP

lsquoEle viu que eu atravesseirsquo

Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final

da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais

ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de

cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS

o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS

aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de

subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute

subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte

Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud

AIKHENVALD 2006)

(9)

a mtto cw katto rwo t

1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei

lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo

Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o

elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas

verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de

estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos

componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da

composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a

30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda

33

CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas

gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso

acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees

seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de

forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais

independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas

marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do

perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes

242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo

Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo

de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus

componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel

constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir

uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas

multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa

dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de

gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que

adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a

compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto

que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido

Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas

a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a

distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse

conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por

essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores

Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que

determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de

compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de

integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente

possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja

do uso que o falante faz dele

34

243 Propriedades prosoacutedicas

Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma

oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de

entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras

oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa

pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os

autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo

concisa sobre ela

Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua

escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite

maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de

fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de

organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais

Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a

complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os

interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que

pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura

gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa

de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no

discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade

entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou

informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no

discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda

na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os

limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma

oraccedilatildeo de um uacutenico verbo

A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a

caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se

sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie

verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees

seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo

35

prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que

uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da

capacidade fiacutesica humana

Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula

a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala

tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se

houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade

entonacional

A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos

formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente

uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de

uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades

cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a

tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma

mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma

abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica

(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels

() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre

construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um

predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees

em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)

Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia

verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba

todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas

europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de

seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo

inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000

240)

32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo

36

244 TempoAspectoModo

Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de

tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes

conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser

feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre

elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e

que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila

entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a

concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema

indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de

aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33

(Ameka 2003)

(10)

Kwasi da h re di di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e

o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores

aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a

concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se

harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do

aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento

Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo

por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades

discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos

maiores perfectivo e imperfectivo

Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir

uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam

33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana

37

compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum

contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)

Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006

9)

(11)

cu a ni ak n- ni

Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB

lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)

Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e

ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir

(12)

cua ci ak oŋgu i

cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg

lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo

Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra

accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo

apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute

de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao

segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo

que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de

agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do

exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo

parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo

coordenada

Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc

(13)

Be sin-ni l be wo-li

38

3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF

lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo

Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que

representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem

pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido

junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar

essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados

No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos

verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees

coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em

elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos

que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do

falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente

a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento

como em construccedilotildees seriais

245 Composiccedilatildeo dos argumentos

Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento

Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de

argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico

argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item

lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da

natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)

Ambos podem pertencer agrave CS como um todo

Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a

caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou

subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as

caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos

34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo

39

por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em

outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio

de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando

usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)

Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da

valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos

requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois

resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o

seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)

(14)

o ti ri nwo keacute a hu o kpo

Ele bater TEMPO homem REL soco

lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)

(15)

lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)

Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e

o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o

mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando

entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o

verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e

interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se

sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A

estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo

o ti gbu ru nwo keacute a hu

Ele bater matar TEMPO homem REL

40

transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos

que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um

argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma

serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos

compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo

caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a

apresentada acima como uma CS

O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso

(16)

i kle mo n wla i ti kle n a tu a t

3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES

cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo

Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle

arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo

ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da

CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando

concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS

O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento

interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia

desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos

transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc

Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da

combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de

que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua

valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante

de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto

de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS

41

246 Argumentos compartilhados

A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma

propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que

quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam

consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como

prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos

ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo

satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs

Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo

componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO

sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de

um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode

ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade

indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute

denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38

(AIKHENVALD 2006 16)

(17)

Tali mi-tit tenten Kevin

Tali PER-socar chorarREDUP Kevin

lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo

Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza

uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro

verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse

primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo

elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2

37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu

42

Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico

entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)

que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo

impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir

como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada

proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo

como elemento de fundo ou apoio agrave cena

Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em

geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical

seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit

p16)

(18)

na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak

3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM

lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo

O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e

tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares

em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que

eacute menos especiacutefica

A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute

sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim

Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e

construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a

diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito

evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto

de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute

bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)

39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo

43

Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito

satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na

literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo

transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2

nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees

consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito

de V1 eacute equivalente ao objeto de V2

Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do

goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud

AIKHENVALD 2006 102)

(19)

kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()

antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta

lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo

Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees

temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou

de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo

progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o

primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima

Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees

(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os

recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica

demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a

identificaccedilatildeo de uma CS

25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA

Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees

seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com

suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash

construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a

relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na

44

construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico

evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo

harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus

componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo

pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado

grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem

representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico

verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica

especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald

Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas

grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe

relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe

gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees

assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito

por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula

uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou

postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a

toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)

Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos

pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe

restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma

divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo

com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e

quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos

que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos

de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa

desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a

adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo

ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse

40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo

45

conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que

podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees

gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou

ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente

Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos

semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as

propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo

condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer

quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos

semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos

parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo

das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as

constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e

consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros

de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los

1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento

2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de

estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo

3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-

modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo

4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo

5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo

6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos

como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros

A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a

apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo

tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar

principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria

essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os

mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs

46

251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A

seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades

2511 Orientaccedilatildeo espacial

Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de

movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -

e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD

2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica

do Sul

(20)

Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]

Macaco vir beber I PRES

lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo

indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao

mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada

(21)

a fin Buake a ba

3Ssg RES vir de Buake RES chegar

lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo

Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao

encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]

Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No

primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do

baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida

47

2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado

Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de

outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do

kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213

apud AIKHENVALD op cit p23)

(22)

lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo

Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma

funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de

mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo

apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma

outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em

casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord

(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma

adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico

Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS

ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois

processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite

portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como

afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do

qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo

ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise

como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte

de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma

mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial

Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses

verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A

kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai

quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir

48

autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e

temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do

aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre

CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais

processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees

Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe

apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)

(23)

ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]

1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS

lsquoEu me tornei grandersquo

Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo

ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro

verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando

empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de

ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de

seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos

semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um

novo significado

2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo

Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute

negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos

em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma

modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo

morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer

sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a

41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)

49

seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD

opcit p 24)

(24)

eli ja acha bai Singapore

3Ssg PER receber ir Cingapura

lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo

2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou

adjunto

Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em

papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas

instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que

passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees

semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como

verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em

saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud

AIKHENVALD opcit p 26)

(25)

Kofi Bi bai di buku da di muyeacute

Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher

lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo

O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo

primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo

(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e

beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo

quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica

entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego

em CS como a do exemplo (25)

43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca

50

Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de

um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud

KROEGER 2004 239)

(26)

Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i

Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip

lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo

Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os

argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos

verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos

As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser

analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o

padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os

verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()

Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004

239)

Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em

posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em

posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O

objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o

objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo

serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por

exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo

representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees

metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS

Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como

coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O

principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena

44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo

51

representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a

natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome

nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)

(27)

Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg

lsquoAya me deu o livrorsquo

A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em

CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar

sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode

ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e

aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON

opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo

acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos

integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns

casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio

ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item

lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em

sincroniardquo47

O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento

mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um

momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2

Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de

coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a

outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo

jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em

serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para

46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas

52

verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential

combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48

Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico

de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)

(28)

Abo lori tudik korsquoa paun

avocirc pegar faca cortar patildeo

lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de

ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)

tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada

sem conectivo com sujeito vazio

(29)

fa-li lali kp-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF

lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo

Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um

uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o

sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas

construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject

construction- ESC)

Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo

apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em

estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis

visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo

48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum

53

instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem

como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento

A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como

as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou

coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos

que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo

semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise

reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como

uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo

2 515 Comparativos e superlativos

Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo

ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de

construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006

101)

(30)

kuma frsquoyer ma ni

tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg

lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo

Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial

comparativa

(31)

n si Kofi kpa tra Kuakou

1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o

outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute

algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo

50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria

54

como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em

segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados

2516 Construccedilotildees que indicam maneira

Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado

pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in

AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em

que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira

como a outra accedilatildeo se realizou51

(32)

ti [gi-e yaa-a -goe ]

1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT

lsquoEu chegarei atrasadorsquo

252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes

Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico

da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um

evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como

pressuposto a accedilatildeo de cozinhar

(33)

Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu

Ama POT-cozinhar coisa comer

lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo

51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo

55

Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois

do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido

pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo

2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito

O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo

serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o

efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos

em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-

function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)

(34)

n=babas weli n=mot do

3sg=bater porco 3sg=morrer REAL

lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo

Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra

indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou

52 Liacutengua austroneacutesia

56

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o

tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito

de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas

propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de

variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas

construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer

paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees

Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de

compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa

caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo

homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo

evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de

identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais

Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo

com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto

mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um

ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo

57

CAPIacuteTULO 3

PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS

Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as

construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo

dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois

entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que

traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em

coacutedigo

O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de

perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas

relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave

elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970

nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente

como um movimento mundial

O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os

estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano

precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos

gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de

que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas

propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos

pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos

teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta

Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto

heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)

teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais

(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987

2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas

comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira

(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos

portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo

(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se

uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico

58

(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre

domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes

inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia

Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem

estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas

estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como

manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na

Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a

organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em

diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)

Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da

Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave

proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a

Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria

maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as

propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as

quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva

desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens

lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de

nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo

aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o

significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca

mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf

LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele

Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a

elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item

lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee

a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como

a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os

moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de

ambas

59

31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)

Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso

e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que

descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute

simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o

fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e

no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)

formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas

simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica

ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma

determinada liacutengua (LANGACKER 1987)

Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave

conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer

tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto

experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva

compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada

pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica

dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa

interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo

discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as

estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da

transmissatildeo da informaccedilatildeo

A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica

Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a

caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que

estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na

elaboraccedilatildeo dos enunciados

53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria

60

311 Nomes e verbos

Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam

em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos

dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que

natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente

idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo

necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria

Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por

Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA

1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de

saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da

dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria

categoria

As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade

identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos

mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas

propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os

elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a

estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a

natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as

dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se

extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os

membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de

significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e

sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em

consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a

natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas

margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e

intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees

necessaacuterias e suficientes

Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e

verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto

fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em

54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa

61

termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos

fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades

de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo

que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo

prototiacutepico

Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a

existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para

nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes

Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos

I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material

II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual

III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo

IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa

nenhuma localizaccedilatildeo particular

V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos

conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento

E para verbos o autor destaca

I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de

mudanccedila e transferecircncia de energia

II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem

sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal

III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada

uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes

IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem

conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem

Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo

resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam

tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo

linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e

categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo

das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas

62

por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de

influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)

Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos

de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos

o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo

Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos

discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato

entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de

dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato

fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que

pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55

(LANGACKER 2008 103)

No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila

a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o

objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia

prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida

Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute

proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais

proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se

um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma

accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa

transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um

terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim

sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo

substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que

os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa

Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento

e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)

Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de

energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras

55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo

63

[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia

de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de

energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo

intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o

sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento

autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o

que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos

chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute

um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA

SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)

O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado

modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia

momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a

interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse

modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem

em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)

No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os

participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo

cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por

expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos

nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos

centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que

representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez

que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a

uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como

participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante

Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical

e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e

complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia

complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os

dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico

56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo

64

contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto

a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura

Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas

linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou

mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do

falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual

direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes

de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado

As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que

concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo

uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam

prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se

desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles

haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um

nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente

possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser

relevante para nossa pesquisa

312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual

Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por

uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo

significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais

ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende

do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre

leacutexico e gramaacutetica

Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo

claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do

leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e

podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro

mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no

estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar

processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura

semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica

65

Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que

uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma

comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo

expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma

comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o

lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas

partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber

dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo

palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo

auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo

(estaacute falando) entre outros

Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o

processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para

que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma

expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de

complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas

caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo

eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de

detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes

A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de

experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um

conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58

(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais

de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria

o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem

traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a

que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo

formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos

protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor

(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo

satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um

57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo

66

nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e

probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os

protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)

Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja

na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e

dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais

Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e

conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito

no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva

consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e

devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma

representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais

De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-

se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro

deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso

deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de

construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma

expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas

depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59

(LANGACKER 1993a)

E ainda

Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo

inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade

eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro

ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva

tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)

Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a

sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na

59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo

67

situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez

refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o

outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do

proacuteprio discurso

Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das

diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de

um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)

identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que

decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as

classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)

313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)

Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais

relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se

estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu

significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais

de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia

entre os seus elementos conceituais

As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo

apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado

da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como

exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base

mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma

condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um

processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e

reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento

Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se

desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de

energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a

categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a

impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva

Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado

natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo

68

bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como

um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades

cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background

memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER

1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo

linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais

capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos

mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos

cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa

percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas

por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do

primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o

que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua

compreensatildeo o que eacute menos relevante etc

Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia

conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois

elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos

saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em

um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas

gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas

figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata

Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e

fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o

espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)

Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente

moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor

particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61

61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo

69

O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel

relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou

orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62

Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as

noccedilotildees de marido e esposa

(LANGACKER 2003 252)

A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma

base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e

esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao

poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino

A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o

elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais

como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre

homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o

nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto

de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo

de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros

A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de

retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia

desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor

tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a

possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que

demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada

proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees

particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados

62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo

70

conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo

planos

Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma

determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver

essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com

o qual a cena eacute representada

Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em

que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja

representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido

amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento

preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas

dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current

discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as

informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor

formando a base do discurso produzido

No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para

elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia

que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa

capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa

forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo

numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra

absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O

escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou

escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo

imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e

o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a

propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato

Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em

sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo

em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que

nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez

examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento

cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou

71

seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo

escopo maacuteximo

Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)

interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo

temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de

sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas

gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o

trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees

314 O determinante do profile

A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de

seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo

a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas

esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa

forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os

profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao

profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um

termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a

mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo

designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome

ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo

O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da

construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave

qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da

GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela

natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de

seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo

correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de

classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as

estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e

consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute

apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos

72

Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de

nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse

equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma

parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo

Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser

classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha

cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar

analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet

tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o

trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como

trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do

closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina

um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um

de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile

correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um

deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial

Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser

identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao

da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o

profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por

Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um

verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de

remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o

processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim

um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que

apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos

constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar

carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente

Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam

usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC

denominados esquemas construcionais

64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo

73

Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de

semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas

Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e

avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)

315 Autonomia e dependecircncia

Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de

correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui

esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados

Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um

detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a

schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse

termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration

site (e-site)

Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente

conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de

correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados

como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo

considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a

caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical

verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute

-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que

o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado

O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da

organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por

termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato

indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em

suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de

dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a

estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute

65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo

74

dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o

componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no

ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de

autonomiadependecircncia desses elementos componentes

A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser

compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e

seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente

sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria

construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo

isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe

de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional

316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado

Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo

eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica

Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute

identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas

componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas

componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical

mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos

constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico

representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano

corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha

A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC

uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um

agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto

de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que

iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo

se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a

sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC

considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno

75

(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por

instacircncias simboacutelicas

Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que

estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees

transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos

elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos

alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo

componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)

(a) The package [that I was expecting] arrived

(b) The package arrived [that I was expecting]

Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo

conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de

organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do

exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que

ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos

constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a

sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a

significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas

gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual

que expressam

317 Verbos complexos

Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta

complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A

estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma

oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que

restam a ser preenchidos

De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui

no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em

liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos

76

resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o

autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo

necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto

ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do

tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)

A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma

uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas

indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto

por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos

por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores

de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo

podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que

representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam

como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas

O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo

funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o

que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos

complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em

construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do

inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que

demonstra as relaccedilotildees de seu profile

(LANGACKER 2003 270) Figura 2

GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)

aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de

77

um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena

enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A

Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com

a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser

de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade

transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for

mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e

influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do

tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do

recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)

Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no

domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente

admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja

transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no

caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da

liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso

pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER

2003 271)

No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo

agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o

beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de

transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)

Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave

demonstrada na figura 2 acima

No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos

son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e

78

envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas

representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes

mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma

sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a

compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua

representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como

verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do

beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor

prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais

representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a

representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do

marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente

(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual

Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres

que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do

mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada

por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos

que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo

em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente

experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas

conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees

linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia

dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal

elaborado de uma determinada cena

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

10) fa li tanni man ni kuajo

Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso

79

fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais

que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento

descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por

transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos

fa (pegar) e man (dar)

O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute

tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena

O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo

e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato

de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel

numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com

essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a

perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo

fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode

imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos

Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos

semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores

que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte

semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em

construccedilotildees seriais passa a verbo funcional

Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de

seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais

possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas

formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento

dessa estrutura

318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais

A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas

um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos

semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos

constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a

ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e

80

qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente

relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que

antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da

Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um

moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua

significaccedilatildeo

O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos

a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um

evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente

de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos

culmine em um evento maior e principal

Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de

alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente

associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma

concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash

AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28

in AIKHENVALD 2006)

A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos

semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente

pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no

que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou

subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma

mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-

pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em

estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no

significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado

da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem

Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos

semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais

66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo

81

deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa

forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de

conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens

lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela

acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da

construccedilatildeo

Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial

como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de

eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma

funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do

evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo

como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou

discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e

uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim

concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo

de interdependecircncia estabelecida entre os verbos

Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o

ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de

um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado

denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto

de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo

verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma

consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo

primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)

Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que

nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores

prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo

67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo

82

Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de

autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68

Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar

e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena

representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees

seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em

termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como

representativos tambeacutem dessas construccedilotildees

A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados

estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus

participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os

componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de

acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena

de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a

abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o

barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma

mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu

interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada

atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem

mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo

para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo

conceitual

Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo

fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a

conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as

liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos

seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser

realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de

evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento

em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)

68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to

clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual

autonomy and dependencerdquo

83

Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi

discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser

comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado

por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que

devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo

Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de

Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica

Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica

Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo

teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites

estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas

naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem

processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao

leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral

32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias

denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da

liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como

pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de

forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da

maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos

anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria

A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel

central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma

minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A

natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas

formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG

2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a

69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos

84

gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser

compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas

e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge

espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras

semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave

gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)

sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees

satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee

assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da

liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange

ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico

A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre

construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de

uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute

de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que

natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as

unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e

sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a

diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade

Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos

construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais

transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por

exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e

a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em

complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares

de significado e forma

A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia

lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma

hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma

construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da

70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical

constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538

85

construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)

sobre o verbo slice

a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)

b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-

movimento)

c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)

d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o

eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)

e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)

A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice

a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao

contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp

instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a

determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da

estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de

Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo

preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e

que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido

central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais

como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de

estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre

outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente

pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees

Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma

gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado

projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando

entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma

determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos

e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto

quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base

86

adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em

outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem

como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico

Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma

abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se

atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal

abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as

construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de

mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical

se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque

potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta

ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e

escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado

na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de

um item lexical em seu sentido de base

Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que

Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de

linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)

deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das

palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que

(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes

significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro

de maneira clara71

A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de

motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as

provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas

71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item

87

321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos

Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas

tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da

motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo

maximizado princiacutepio da maacutexima economia

Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute

motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de

forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas

sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder

expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir

de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de

construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel

Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as

construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees

(GOLDBERG 1995 67)

322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila

Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana

uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos

capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas

sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o

compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o

que eacute novo

Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo

de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem

entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e

um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que

jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo

nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela

gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou

alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute

conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada

88

categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como

um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)

No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que

representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a

Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a

gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma

similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras

- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode

ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica

3221 Polissemia

Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado

particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima

extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas

entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As

informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo

Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs

1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo

2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo

As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que

preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus

participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo

sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A

existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1

3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)

Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de

outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre

73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995

89

construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir

um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes

Constr Movimento Causado

SEM Causa-Movimento lt

PRED lt

SINT V

causa tema alvo

gt

gt

SUJ OBJ OBL

Lscausa

Constr Intransitiva de Movimento

SEM Movimento lt tema alvo gt

PRED lt gt

SINT V SUJ OBL

3223 Instanciaccedilatildeo (Li)

Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou

uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a

autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo

instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica

associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de

construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo

Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo

75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo

90

Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da

semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa

consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em

que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa

forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na

construccedilatildeo que a originou

(GOLDBERG 1995 80)

Resultativa

Li Ls

drive

3224 Metaacutefora

Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de

um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave

construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a

autora cita

a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo

b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo

O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido

de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)

apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de

movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado

como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off

the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo

metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o

sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)

Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo

possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas

91

semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes

entre as liacutenguas

Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute

a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens

construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como

forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e

processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas

empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)

323 Verbos e construccedilotildees

A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute

carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem

Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees

sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio

sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais

Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que

consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda

construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do

falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais

(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em

construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos

componentes

No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena

por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas

em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-

se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de

apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical

Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de

primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o

compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa

atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade

76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo

92

cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker

(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e

TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam

diferentes aspectos

HIPOTENUSA TRIAcircNGULO

De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens

verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na

medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos

aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os

itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam

papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que

neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao

evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma

construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um

significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional

propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical

instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e

protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido

O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas

concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre

outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a

um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo

regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de

princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir

a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos

semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que

realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o

papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse

verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser

instanciado como exemplo do papel de agente

93

b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um

correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma

similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a

elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria

Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa

estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo

bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus

integrantes

Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir

com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item

CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um

chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o

recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva

Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)

Joatildeo chuta a bola para o Pedro

O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela

construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel

de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o

verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados

como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de

recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite

essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da

informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de

chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam

por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs

Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando

incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel

de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)

He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo

94

A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi

empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico

Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo

manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na

cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a

introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados

diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto

natildeo nos parece ter sido salientado pela autora

O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado

do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do

verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma

construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa

construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo

profunda entre esse item e a construccedilatildeo

Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica

de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo

compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo

visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento

Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo

menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute

corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo

324 Limites entre leacutexico e sintaxe

Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia

pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de

uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a

gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos

significados mas que seja apenas um de seus componentes

A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum

significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se

postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo

sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute

entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a

95

proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de

uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a

compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada

predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente

idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada

virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um

organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez

tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua

menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o

sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se

produz

Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria

regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e

consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos

herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum

elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura

originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original

(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente

Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o

conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa

circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a

construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas

em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A

capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato

cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa

capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana

constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental

A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite

visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que

estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo

sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele

contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da

gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao

significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado

96

e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e

desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo

verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo

Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como

um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou

de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica

primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o

interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do

verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na

estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses

casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena

principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo

ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como

essencial

A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de

mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee

para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se

compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado

Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter

funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo

seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o

caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura

que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do

leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico

97

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas

teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que

nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram

utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os

enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a

Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua

natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute

precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera

assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e

significado

Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo

observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o

entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes

analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais

construccedilotildees

98

CAPIacuteTULO 4

DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS

Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais

concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila

entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute

certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc

(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se

firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam

exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas

propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar

apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos

os exemplos abaixo77

(1)

S V1 O V2 O

sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(2)

S V1 V2 O

fa nu13nu kun wun $ a wun i

Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo

Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores

reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se

assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees

77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros

99

Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma

construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de

seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi

reconhecida mas que se distingue pouco do ponto

de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito

relativamente mais proacutexima formalmente da

justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de

outras liacutenguas79

Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais

nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais

construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua

semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf

CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas

dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf

CREISSELS amp KOUADIO opcit)

bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila

de entonaccedilatildeo

bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a

sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa

bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80

bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)

mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a

construccedilatildeo

Vejamos um exemplo

(3)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ssg pegar frango mostrar 1Osg

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS

amp KOUADIO 1977)

100

Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp

Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso

apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca

gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto

imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave

classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o

significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo

pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir

(4)

ā su fā wɔ swӑ n kle mī

2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg

lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo

Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno

do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise

como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria

literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute

mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento

interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)

Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma

ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de

introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute

inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com

o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista

morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se

dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo

enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de

81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82

101

uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro

termo da seacuterie82

Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade

simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe

formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por

dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e

semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees

seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo

Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a

proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois

grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem

a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject

Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos

a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc

Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico

da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)

41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso

sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de

coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon

(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal

tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois

grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam

conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar

uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum

82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo

102

dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas

da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado

principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo

Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se

apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem

sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que

esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por

essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais

(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos

semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia

dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir

caracteriacutesticas de verbos funcionais83

411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas

Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para

a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio

b) introduzir o papel de instrumento

c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento

d) Indicar uma comparaccedilatildeo

e) Indicar a origem do movimento ou percurso

Analisaremos a seguir cada um dos itens citados

a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio

Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais

assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo Vejamos84

(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su

Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa

103

Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez

funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido

por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo

fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental

ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena

principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo

proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos

levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os

verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2

sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo

verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977

421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o

sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie

verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85

Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome

sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo

caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente

Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo

diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na

coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em

que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo

Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-

baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2

natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um

formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no

corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo

que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos

semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo

85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo

104

metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser

empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)

(6)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em

liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas

como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da

construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais

como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis

semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa

funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na

relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio

proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima

No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um

sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno

Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice

aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele

eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo

Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de

beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir

com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele

ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material

no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio

Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees

indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu

ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a

seguir

105

(7)

i mamamama nnnn----ni mi swa kun

3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF

lsquoEle deu uma casa para mimrsquo

O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu

uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em

relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro

apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)

A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado

de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman

(8)

ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute

3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo

ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em

posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como

ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo

inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o

seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado

central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando

compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de

uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de

verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena

88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo

106

principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os

exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas

Exemplo (6)

yo man

SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem

FAZER DAR

Exemplo (8)

fa man

SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem

PEGAR DAR

Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma

Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a

descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez

man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro

lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que

V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo

aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)

na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada

construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em

seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a

outra

Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma

construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a

preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma

construccedilatildeo serial

A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica

apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1

mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo

107

(9)

i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi

3Ssg pegar manga oferecer 1Osg

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante

os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo

em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se

reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos

dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A

diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man

natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante

beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse

participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de

ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas

por Silva (1999)

b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento

O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o

instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De

acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie

verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)

atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente

um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele

veio com o inhamerdquo89

89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo

108

(10)

lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo

conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se

manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por

trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo

mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido

mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima

extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da

cena descrita carrega traz consigo o inhame

Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo

serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como

operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre

outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa

tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto

nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de

deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo

verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o

inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o

participante tem a posse de algo eacute o verbo fa

O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por

seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas

propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu

estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute

possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como

preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe

de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo

estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de

verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute

preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que

ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li

Il prendre-ACC igname venir-ACC

109

adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da

classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]

O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo

(11)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)

[S V1 O1 V2 O2]

Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta

caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de

PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de

um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero

poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de

um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo

em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois

dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos

salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a

preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos

como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir

de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo

Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o

uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O

morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema

nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo

12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois

termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode

ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor

90 Corpus 4

110

de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em

algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos

a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)

(12)

ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ

3Ss cortar -PERF patildeo COM faca

lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo

(13)

ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī

3Ss ECOM fruta vir-PERF

lsquoEle trouxe frutasrsquo

O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre

dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No

entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria

possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado

pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo

pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena

descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo

dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio

de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A

escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante

c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento

Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma

construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir

111

(14)

e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin

1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho

lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo

(15)

e su wawawawandindindindi babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo

A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria

de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na

estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso

do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e

o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)

apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a

construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo

facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das

marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo

d) Indicativas de comparaccedilatildeo

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre

dois termos

(16)

n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92

91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor

112

(17)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo

entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode

ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um

mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do

sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do

segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)

(18)

n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi

1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi

lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo

A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila

Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez

que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos

comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente

estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a

pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres

com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O

exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da

semana

(19)

igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo

93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo

113

A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo

em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]

e) Origem do movimento ou percurso

As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino

de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo

(20)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten

ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo

uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um

locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo

principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem

conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin

funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega

propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos

anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por

outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez

tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo

(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]

Consideraccedilotildees finais

Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve

a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1

114

(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente

essa base

As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se

ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do

sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral

natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como

no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo

Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na

construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo

propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum

estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida

sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as

prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute

entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens

que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas

pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo

possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo

412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas

Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para

representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir

(21)

sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica

115

([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma

uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim

como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem

estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as

construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a

ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os

verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores

prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um

ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um

resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva

implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio

visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como

(22)

e kan be bawle

3Spl falar 3Opl baulecirc

lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo

Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por

si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que

sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado

que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa

construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees

No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle

introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode

ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para

mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em

questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo

combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura

argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da

94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos

116

construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim

considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se

relacionam na construccedilatildeo

A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido

introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no

exemplo (23) a seguir

(23)

y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila

lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila

lafl kun ba sono matar crianccedila

a crianccedila dormersquo

A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior

e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta

o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD

V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo

discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto

anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2

sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da

estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo

portanto a sua ordem prototiacutepica

No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc

formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento

(24)

i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo

3Ssg sair-PERF irpartir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo

117

Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico

durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada

apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma

forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a

construccedilatildeo

Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos

e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um

local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de

deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima

portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos

verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute

aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo

acontece no exemplo (25) a seguir

(25)

i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho

a tutututu a tttt

3Ss RES arrancar RES cair

O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo

retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da

oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo

repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por

V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a

queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos

na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser

95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

118

arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas

a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos

A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo

serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo

(26)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo

Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o

locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu

no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete

wlɔ)

(27)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96

A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado

SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ

kpɛn

Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando

nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A

inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de

algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra

96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

119

A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de

forma geral representada por

[SN V1 V2 (SN) (LOC)]

Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que

as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees

assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos

descritos neste capiacutetulo

42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO

Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais

dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute

diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si

pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute

atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)

Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em

baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a

denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora

(LARSON 2005 61)

(a) to-li oflɛ di-li

3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL

lsquoShe bought papaya and ate itrsquo

lsquoElea comprou papaia e comeursquo

(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF

lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo

lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo

97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO

120

(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi

Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so

lsquoThe girls have told me the newsrsquo

lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo

(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi

Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so

lsquoAya gave me the bookrsquo

lsquoAya me deu o livrorsquo

Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries

verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para

o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por

justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees

seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como

caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu

1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o

sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua

interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)

2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como

defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais

verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo

seriam comumente empregados em seacuteries verbais

3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e

acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)

4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em

uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada

padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer

apenas uma vez

5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e

pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele

99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO

121

A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o

argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se

assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais

sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as

diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico

evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se

assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um

uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados

A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado

decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf

LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a

introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que

envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em

significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os

verbos temos

(28) (32 p99)

lsquoEle comprou papaia e comeursquo

Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado

(29) (3106 p99)

to-li oflɛ kpeacutekun di-li

3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF

lsquoEle comprou papaia E comeursquo

A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe

porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois

eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que

ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples

o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas

to li oflɛ di li

3Ss comprar PERF papaia comer PERF

122

propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos

o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute

facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e

a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter

Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o

verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma

conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado

(30) (34 p99)

fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo

Agora com a conjunccedilatildeo

(31) (3108 p100)

fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon

3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET

lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo

Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas

natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a

sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila

sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas

sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A

possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as

construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na

estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel

sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o

evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em

outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu

conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos

numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a

faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo

sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a

123

faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um

agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o

gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o

processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo

natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa

diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo

dos enunciados

Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees

sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade

maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao

redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado

segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece

efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo

podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101

O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo

deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras

caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de

marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos

considerar o exemplo a seguir

(32) (3118 p105)

Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi

Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg

lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo

De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa

introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson

admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado

inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de

100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo

124

uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o

resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)

A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha

sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo

se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo

natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado

ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas

propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como

fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser

interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo

A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees

comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o

verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de

sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar

por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que

indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria

em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua

que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes

nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das

sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)

admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da

construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam

parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees

seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma

propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como

serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo

que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees

Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu

como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a

diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da

conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica

102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo

125

S V1 O1 V2 O2

FA (PEGAR) NOME VERBO NOME

O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos

verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo

semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa

introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em

O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel

semacircntico e natildeo sintaacutetico

Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)

(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em

ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre

parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja

modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)

por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima

apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando

isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se

estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o

mesmo conteuacutedo informacional de antes

A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas

construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses

casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo

acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no

significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser

uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo

(33)

ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi

3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

126

(34)

Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ

Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL

lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo

Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser

interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto

coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo

43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS

Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em

posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que

envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do

baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e

apresenta o seguinte exemplo

(35) (37 p73)

Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi

Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo

O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico

verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees

funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute

utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta

O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da

marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de

ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas

seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas

como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode

127

levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno

em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte

construccedilatildeo

(36) (332 p73)

Aya fa-li fluwa-lsquon

Aya pegar-PERF livro-DET

lsquoAya pegou o livrorsquo

Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de

argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo

pleno A autora conclui entatildeo que

Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo

na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um

conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila

simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1

natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos

sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc

natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta

ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)

A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo

serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o

livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute

duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo

A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se

afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo

103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo

128

coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora

natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo

sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o

antigo uso

Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais

sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em

favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o

nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas

caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba

todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001

422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os

verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da

combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto

como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas

Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem

morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou

plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias

sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou

subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam

como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma

flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve

entre as propriedades do sistema linguiacutestico

Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou

plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade

funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias

sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos

(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos

subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre

muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas

apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma

106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo

129

flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas

problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)

Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas

transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais

desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em

construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais

abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa

flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado

tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da

construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer

denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades

associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que

natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida

Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a

sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um

evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto

concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo

Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do

verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio

Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia

de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute

possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de

um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo

ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse

novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia

desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF

107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo

130

1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT

2005 88)

Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da

Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees

seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees

simples

(37)

o tou enuma

3Ss pegar dinheiro

lsquoEla pega dinheirorsquo

Agora em construccedilotildees seriais

(38)

o tou inya diredirediredire

3Ss pegar arroz cozinhar

lsquoEla cozinha arrozrsquo

(39)

bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba

2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar

lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)

Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples

natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais

sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo

de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em

construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria

linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum

momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo

108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo

131

44 MARCAS ASPECTUAIS

Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a

categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida

em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que

essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza

simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas

complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre

elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de

um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute

portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia

um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica

independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma

As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem

respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao

momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de

presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees

semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo

instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA

COSTA 2002 19)

Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma

accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa

accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a

definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa

Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a

formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a

constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto

natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com

qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo

temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a

132

diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e

situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109

Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira

como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo

temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em

evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo

referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar

proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute

nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)

como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos

distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e

tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma

exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no

entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato

de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em

relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma

mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o

PROGRESSIVO e o ESTATIVO

Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da

Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes

(40)

Kwasi da h re-di-di

Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer

lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo

109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo

133

A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao

valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na

maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a

ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia

entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham

rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a

primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um

subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as

marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude

entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de

aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto

RESULTATIVO para o segundo verbo

45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO

Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais

Li(Ni) PERFECTIVO

A RESULTATIVO

Su PROGRESSIVO

Oslash IMPERFECTIVO

Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes

maneiras

1) Junto apenas do primeiro verbo

2) Junto apenas do segundo verbo

3) Junto do primeiro OU do segundo verbo

4) Junto de ambos os verbos

Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos

verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que

haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de

exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar

nos exemplos do corpus abaixo citados

110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes

134

Junto de ambos os verbos

(41)

fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί

3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os

lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo

(42)

Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET

lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo

(43)

kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do segundo verbo

(44)

fafafafa tanni n totototo ----lililili blo

3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc

lsquoEle jogou o pano laacutersquo

(45)

n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili

1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF

lsquoEu escondi o patildeorsquo

135

(46)

kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Junto apenas do primeiro verbo

(47)

i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n

3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET

lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo

(48)

kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi

3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os

lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc

obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No

progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas

do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111

O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial

(49)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo

136

(50)

Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(51)

mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi

1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo

Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo

quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo

verbo da construccedilatildeo

(52)

ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa

3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar

lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo

O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar

acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os

(53)

Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee

lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo

137

(54)

i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair

lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema

zero

(55)

sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi

ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os

lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo

(56)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em

construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os

tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou

posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas

possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro

Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2

IMPERFECTIVO X X

PERFECTIVO X X

RESULTATIVO X

PROGRESSIVO X X (verbo fin)

112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros

138

46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO

Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em

construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA

pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os

casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como

representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente

ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja

feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a

constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os

verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de

forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo

de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia

de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um

iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado

A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc

(57)

didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(58)

Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee

lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

(59)

Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun

3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC

lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo

139

(60)

a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi

3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os

lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo

Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao

morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois

do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o

que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)

Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de

imperfectivo eacute um morfema zero

No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a

V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e

seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com

uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a

O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em

V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal

A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo

man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura

[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em

seguida na serial

(61)

mi si su ma n-an mi livro kun

1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

140

(62)

mi si su fa man livro kun man mi

1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os

lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo

Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro

verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as

estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo

No presente e no passado

[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]

[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]

No futuro

[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]

47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO

Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a

possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute

possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e

utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo

(63)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]

No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular

em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1

(64)

kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi

3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo

141

(65)

didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi

3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os

lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo

(66)

yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(67)

Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi

Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee

lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo

48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO

Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em

sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1

eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser

representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por

um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3

Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos

[S V1 O1 V2 O2]

Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1

funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de

objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na

estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos

itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais

Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento

principal da construccedilatildeo

Numa estrutura como

142

(68)

yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os

sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse

lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo

natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu

conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma

preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige

argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal

de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem

inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa

estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]

Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e

consequentemente predicador de argumentos

(69)

ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a

propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo

semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo

mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo

lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando

que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de

143

argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa

construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]

Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo

estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a

presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel

representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra

que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute

manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento

essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que

sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo

Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila

serial

(70)

fa nu13nu kun wun( a wun i

3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em

sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar

que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo

posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a

sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de

gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez

que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa

natildeo eacute o predicador do argumento interno

Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto

113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice

pronominal para retomar o objeto direto

144

(71)

fa waka$ ma ku $n fa te li nu n

3Ss pegar aacutervore

filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro

lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo

No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da

estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial

Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora

na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de

V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse

referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do

enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de

Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento

interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2

A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais

mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura

de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees

[SN V1 SN(obj) V2 V3]

[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]

[SN V1 V2 SN(obj)]

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de

construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com

base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse

tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos

exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas

comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de

propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades

145

CAPIacuteTULO 5

DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES

Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que

compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da

Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG

1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um

uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo

de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)

Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios

dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees

conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou

concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro

modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo

quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos

conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser

uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma

categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como

um evento115

Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao

domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita

uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a

estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que

consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo

De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica

a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os

tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o

alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante

secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais

115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo

146

chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a

entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da

atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de

perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)

Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees

(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das

construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem

teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas

e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos

que as aproximam

No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos

demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em

seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal

por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees

sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada

construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a

possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede

semacircntica potencial dos itens verbais

Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e

assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no

processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam

conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com

o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a

proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que

tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento

51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS

Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um

verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de

Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas

116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo

147

511 Introdutoras de beneficiaacuterio

Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo

(72)

ɔ fa akɔ kle mi

3Ss pegar frango mostrar 1Os

agente tema recipiente

lsquoEle mostra o frango para mimrsquo

kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim

fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo

O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo

descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia

secundaacuteria

O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de

um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento

(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema

eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua

esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento

que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente

mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que

ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum

traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma

vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena

Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute

de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento

trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o

148

caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento

determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema

coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle

O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais

prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma

relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute

efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de

colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar

algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua

posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar

pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim

demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento

interno

Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de

estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos

dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na

serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo

V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse

verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a

ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de

tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua

estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da

construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel

sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado

Caso semelhante observamos no exemplo seguinte

149

(73)

i fa mango cɛ mi

3Ss pegar manga oferecer 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle oferece manga para mimrsquo

Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e

secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ

lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos

limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical

acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno

conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e

conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo

objetiva do evento

No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo

introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma

de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais

evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional

(74)

fa nu13nu kun wun$ a wun i

3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso

agente tema

lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo

LIMPAR

nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo

150

PEGAR

fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo

O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando

assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu

conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo

(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X

causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que

pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da

proacutepria construccedilatildeo

Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados

(75)

ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute

3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)

que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com

o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)

como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita

por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves

demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o

caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item

escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o

verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que

um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No

entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado

151

a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a

algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa

No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas

aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo

(76)

i ni fa i kondro fa kt Oslash su

POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo

Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o

evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja

o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo

discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o

preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um

morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito

O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre

seus participantes

trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash

O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida

para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento

requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que

aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa

perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor

Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem

como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas

propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo

satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se

152

daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de

uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes

da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se

compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo

devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que

estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees

satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir

eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o

constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o

exemplo 78

(77)

ɔ yo-li swa nga man-ni mi

3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

Agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle fez esta casa para mimrsquo

(78)

ɔ fa -li swa nga man-ni mi

3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os

agente tema beneficiaacuterio

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o

evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de

um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical

semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas

que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo

Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem

em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em

118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)

153

marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo

de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado

pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso

explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119

O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da

construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente

(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio

FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo

DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo

O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na

construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por

esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile

fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem

A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi

determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo

sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia

preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que

construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o

leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um

campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher

uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado

correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para

os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE

2006 26)

Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que

podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)

119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)

154

Semacircntica

Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

Sujeito Obj1 Obj2

yyyyooooman lsquofazerdarrsquo

lsquoelersquo

swa nga lsquoesta casarsquo

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle fez esta casa para mimlsquo

Semacircntica Sintaacutetica

CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA

CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio

PRED V1V2

faman man man man lsquopegardarrsquo

Sujeito

lsquoelersquo

Obj1

swa nga

lsquoesta casarsquo

Obj2

mi lsquo1Osrsquo

lsquoEle deu esta casa para mimrsquo

As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo

apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse

esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute

dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de

introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso

temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como

secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos

155

nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man

lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo

funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna

necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo

serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo

Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas

propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por

adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao

que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma

construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo

constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim

adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma

mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa

possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas

propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos

Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa

Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo

receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que

todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de

situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia

apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na

medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento

descrito

A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena

descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira

veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda

por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do

verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu

uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno

beneficiaacuterio

156

Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de

construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de

construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um

dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo

de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os

verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na

construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange

3 construccedilotildees analisadas

Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do

tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da

cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o

verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o

mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela

construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees

semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas

Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las

bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees

representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o

sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade

157

constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal

combinaccedilatildeo

Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc

(79)

fa li13 tanni man ni kuajo

3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo

lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo

Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e

ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo

anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes

do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute

representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia

de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man

lsquodarrsquo

O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio

tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O

outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e

eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse

tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por

equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte

podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais

relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o

verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena

No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto

em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de

que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma

construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor

apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua

thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a

120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo

158

funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de

beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo

512 Introdutoras de instrumento

A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para

uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da

construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo

incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que

eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma

preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria

uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo

corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado

abaixo

(80)

be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun

3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET

lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo

Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um

agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre

um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal

(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante

secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma

construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y

se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo

necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou

159

objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a

caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam

Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de

que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja

introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo

de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela

composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome

O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode

revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se

interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a

representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e

ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca

para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra

apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse

movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa

perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca

Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a

funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para

chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado

Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas

coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo

de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham

percorrido esse caminho

Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em

sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse

movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona

diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um

item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute

o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que

por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido

pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de

160

extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma

das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham

como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo

A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem

nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de

beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades

verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando

observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo

verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121

(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e

de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo

na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o

sintagma nominal laliɛ n

Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos

verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento

descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente

Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se

adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia

No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca

representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ

lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos

descritos por esses verbos eacute

fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n

kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun

A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor

ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles

121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010

161

estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa

posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun

nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se

entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e

esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal

representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que

representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que

em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela

construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira

funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais

A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um

esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por

meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso

vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf

CROFT 1991 185)

Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos

Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo

Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo

Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo

162

Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na

descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel

sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades

verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do

resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-

PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado

A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas

sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute

verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui

manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo

sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos

mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto

denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos

o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute

por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que

por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma

uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de

um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave

estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto

se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas

naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto

por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo

da construccedilatildeo serial

163

Construccedilatildeo resultativa transitiva

Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute

predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com

papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na

construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade

visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo

mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca

aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada

A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees

natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz

em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental

que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a

semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo

estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos

diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias

construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da

economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e

harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa

integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial

adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo

122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo

164

semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da

construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos

constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa

combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da

construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido

resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja

ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo

V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de

V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item

lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees

dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas

estabelecidas previamente na construccedilatildeo

513 Comparaccedilatildeo

Observemos o exemplo a seguir

(81)

igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ

3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os

lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo

Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo

Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo

A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da

relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da

construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema

relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto

natildeo prototiacutepico o item lexical de base

A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma

comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu

165

proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade

do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura

parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente

determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo

em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo

imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que

tange a sua especificaccedilatildeo formal interna

Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5

categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais

estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda

para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas

categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos

proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala

organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem

PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE

Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se

gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se

considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma

categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave

categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas

ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a

proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a

categoria QUALIDADE eacute o de modificador

A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia

simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de

estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e

formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se

organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua

No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico

capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar

relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a

166

comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma

mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e

por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo

traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento

concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz

mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos

sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo

previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que

preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva

desse falante

Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo

Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra

lsquoEle fala mais comigorsquo

Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ

lsquodo que (fala) com vocecircrsquo

Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que

estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o

inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam

como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela

construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo

semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias

que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos

semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso

essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a

habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua

A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante

tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo

em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute

depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da

construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se

relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de

167

comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber

que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os

termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que

o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a

comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc

(82)

igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman

3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no

dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura

sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e

em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema

relacional de funccedilatildeo comparativa

O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que

contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que

esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse

gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente

determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A

construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que

antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o

que sucede tra

Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do

ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial

comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de

sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o

termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o

OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A

informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores

conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias

168

necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A

depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente

por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra

(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos

semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica

Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que

estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade

O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar

ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os

elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos

argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre

participante focal e secundaacuterio temos

Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman

Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem

Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor

eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como

marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman

lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma

condiccedilatildeo no dia anterior

Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas

produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades

discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os

falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem

relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas

estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado

formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de

Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um

169

uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de

um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo

(83)

n tra Kwakou afwɛ nsjɛ

1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis

lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo

A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra

que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade

traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional

Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco

Trajetor n Marco Kwakou

Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que

aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na

comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo

dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o

elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos

semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o

sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas

posiccedilotildees

A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute

diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da

construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em

evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da

construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um

verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas

construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -

representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o

170

evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que

esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a

estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)

Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo

(84)

didididi juma n tratratratra mi

3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas

que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui

observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre

nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o

pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute

ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma

construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em

baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade

simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute

depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse

enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente

Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de

instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os

segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de

trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade

abstrata o proacuteprio trabalho

A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma

atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa

escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-

se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o

pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real

mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si

171

operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual

se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a

seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o

exemplo 89123

Tia˃Tkb

di juma n tra mi

lsquoEle trabalha mais do que eursquo

Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos

123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ

172

M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo

igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman

lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo

No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois

referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome

sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a

performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por

sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a

dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em

baulecirc

(85)

n si Kofi kpa tra Kwakow

1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou

lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo

O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo

posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)

Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia

instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem

recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada

173

numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos

depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas

estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se

estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em

relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na

estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124

exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de

comparaccedilatildeo e superioridade

514 Indicativas de modo

Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento

ocorreu por meio de construccedilotildees seriais

(86)

e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa

1Spl PROG correr chegar vir

lsquoNoacutes chegamos correndorsquo

Trajetor Noacutes marco natildeo tem

No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado

movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute

designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute

participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um

processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)

mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha

necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode

ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria

124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo

174

referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem

representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa

uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)

Vejamos sua representaccedilatildeo

Sem MOVER tema objetivo

PRED

Sint V Suj Verbo

susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa

correr(ndo) 1Spl chegar

Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire

funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a

circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas

permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo

e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito

por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o

falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees

sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila

515 Indicativas dos participantes de um evento

(87)

Be di be kpɛ mi

3Spl comer 3Spl cortar 1Os

lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)

Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo

A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas

analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento

e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o

participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento

175

de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante

secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece

uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de

apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo

metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido

cortado do evento representado

A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a

elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o

que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou

perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees

analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria

semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado

O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes

de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica

apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem

de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma

forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico

A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado

Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao

falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse

participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica

da construccedilatildeo

A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um

determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos

elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento

que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem

efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado

compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse

exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo

apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos

constituintes da construccedilatildeo

Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e

marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente

176

di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao

observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e

mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como

trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre

esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta

num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e

marco mi

A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em

que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado

analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser

inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma

variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou

experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a

natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e

qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo

herdadas pelas extensotildeesrdquo126

O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada

extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando

essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)

125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo

177

lsquoEles comem sem mimrsquo

A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2

para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos

constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo

pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado

seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e

realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento

52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS

A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica

implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se

encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave

178

combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo

a seguir

(88)

i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo

3Ss sair-PERF ir mercado

lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo

Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo

Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico

e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos

argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve

conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico

verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel

de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de

Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema

designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas

∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo

O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do

movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e

diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de

um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses

verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada

um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria

construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a

construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na

estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move

127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo

179

empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum

lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos

verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade

construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens

verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si

uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria

construccedilatildeo

Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de

construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e

semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das

especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128

(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo

especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento

indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre

ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)

128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo

180

Movimento causado

Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBJ OBL

H129 subparte

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

PRED ˂ ˃

Sin V SUJ OBL

A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos

exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo

Intransitiva de movimento

Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃

fite+k ˂ i gwabo ˃

Sin V S LOC ir 3Ss mercado

Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um

determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a

construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma

129 H= heranccedila

181

construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as

estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees

Vejamos o exemplo abaixo

(89)

n tutututu tratratratra -li nyaman su

1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima

lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo

Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo

No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado

central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no

final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos

demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo

eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2

A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o

termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo

de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila

Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas

um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante

focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual

correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no

entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que

seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os

compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos

analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No

caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo

enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre

em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud

182

Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao

menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions

ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel

participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os

papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)

A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura

serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema

Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a

estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A

atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos

interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu

sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos

O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees

seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao

valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A

ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma

vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto

determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas

construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que

demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical

Observemos o exemplo a seguir131

(90)

ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su

3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre

lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132

Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo

130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur

183

Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo

(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na

construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do

conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos

semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo

de que o salto foi sobre por cima de algo133

Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui

descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo

como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos

Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas

que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em

ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se

trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos

mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos

permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de

sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB

LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia

de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular

enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a

finalizaccedilatildeo desse evento

As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo

com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira

133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar

184

ou

Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da

construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento

exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por

meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com

185

Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B

entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o

fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando

observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se

configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute

explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento

deslocado) e o alvo

(91)

i kle mon

wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt

POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair

lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo

Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute

Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui

empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo

(91a)

a tutututu a tttt

3Ssg RES arrancarpartir RES cair

lsquoO chapeacuteu caiursquo

O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de

focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de

CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica

composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras

construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis

134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico

186

A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado

sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma

causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou

marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante

focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A

noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois

elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que

indica a finalizaccedilatildeo do processo

A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo

participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como

uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua

organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos

os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam

sintaticamente como um uacutenico predicado

O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo

resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo

natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa

lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo

de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da

proacutepria construccedilatildeo serial

Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser

acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como

observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que

ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo

(91b)

a tutututu a tttt ace

3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo

lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo

A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse

processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila

temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que

187

realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma

mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir

expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos

predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio

(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na

medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado

Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz

com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante

causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como

indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante

do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos

tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado

ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais

na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca

entre os mesmos

Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por

meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO

opcit p264-265)

(92)

a liɛ+ n ti be-wa

alimento DET ser cozinhar

lsquoO alimento estaacute cozidorsquo

Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura

diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo

que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee

em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador

assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada

A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes

comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem

188

Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente

pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com

incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como

Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃

tutututu tttt ˂ ˃

Sin V Suj Suj

cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo

Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de

paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A

noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash

que incidi sobre o proacuteprio sujeito

CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o

processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a

partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees

Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade

entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as

demais construccedilotildees da liacutengua

Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de

um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis

semacircnticos

A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi

determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os

verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para

compor seu significado

189

190

CONCLUSAtildeO

Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees

seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas

mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que

fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as

coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em

baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva

teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de

Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual

A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos

revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que

tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de

uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas

Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como

Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo

de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos

consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando

que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em

outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor

nem a uma nem a outra estrutura

Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute

ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas

principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um

inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas

construccedilotildees

Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma

diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por

Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de

que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo

para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente

Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as

construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem

tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos

191

(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no

modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos

adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)

pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem

que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais

nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em

baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e

semacircnticas de cada uma delas

No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica

Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da

anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham

pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro

deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que

expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo

semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber

que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou

como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte

especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi

primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc

Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a

concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto

designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos

(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos

linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede

de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se

como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para

ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo

discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os

interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas

No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a

perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008

2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em

baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo

192

constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio

conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais

proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como

verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de

nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e

secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do

significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas

Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos

verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi

salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo

pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo

gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo

visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo

pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar

Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo

multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do

marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida

comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo

para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da

cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o

que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo

Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo

funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno

mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional

Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas

acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os

itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees

No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee

que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura

que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que

toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a

ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida

nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem

193

como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo

satildeo unidades estanques

Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo

devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel

descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um

conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da

construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver

duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc

que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma

procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de

estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da

organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem

como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise

Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em

outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que

continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um

pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um

incentivo a outras abordagens

194

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203

ANEXO

Trecho de uma das narrativas do corpus

blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo

Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo

Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo

Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo

yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo

Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo

I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo

204

yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo

Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo

wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo

i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo

mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo

yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo

laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo

yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo

  • Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
  • Agradecimentos
  • RESUMO
  • ABSTRACT
  • SUMAacuteRIO
  • Abreviaturas
  • INTRODUCcedilAtildeO
  • CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
  • 11FONOLOGIA
  • 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
  • 13 O GEcircNERO
  • 14 O NUacuteMERO
  • 15 CLASSES DE PALAVRAS
  • 151Pronomes
  • 511 Pronomes pessoaispossessivos
  • 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
  • 152 Verbos
  • 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
  • 1522Futuro
  • 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
  • 153 Adjetivos
  • 1531 Adjetivos indefinidos
  • 154 Numeral
  • 155 Palavras de sentido adverbial
  • 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
  • 16 SINTAXE
  • 161 Frase simples
  • 162 Frase complexa
  • 1621 Coordenaccedilatildeo
  • 1622 Subordinaccedilatildeo
  • 17 Interrogativas
  • 18 Negaccedilatildeo
  • CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
  • 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
  • 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
  • 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
  • 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
  • 243 Propriedades prosoacutedicas
  • 244 TempoAspectoModo
  • 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
  • 246 Argumentos compartilhados
  • 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
  • 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 2511 Orientaccedilatildeo espacial
  • 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
  • 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
  • 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
  • 2 515 Comparativos e superlativos
  • 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
  • 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
  • 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
  • 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
  • 311 Nomes e verbos
  • 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
  • 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
  • 314 O determinante do profile
  • 315 Autonomia e dependecircncia
  • 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
  • 317 Verbos complexos
  • 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
  • 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
  • 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
  • 3221 Polissemia
  • 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
  • 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
  • 3224 Metaacutefora
  • 323 Verbos e construccedilotildees
  • 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
  • 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
  • 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
  • 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
  • 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
  • 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
  • 44 MARCAS ASPECTUAIS
  • 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
  • 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
  • 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
  • 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
  • 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
  • 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
  • 512 Introdutoras de instrumento
  • 513 Comparaccedilatildeo
  • 514 Indicativas de modo
  • 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
  • CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
  • CONCLUSAtildeO
  • REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
  • ANEXO
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