Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM –...
Transcript of Descrição e análise de construções seriais em baulê · CONT – continuativo DEM –...
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E
LINGUIacuteSTICA
DAYANE CRISTINA PAL
Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais
em baulecirc
Satildeo Paulo 2010
Exemplar revisado
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E
LINGUIacuteSTICA
Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
Dayane Cristina Pal
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Semioacutetica e
Linguiacutestica Geral do Departamento de Linguiacutestica da Faculdade de Filosofia
Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Letras
Orientador Profa Dra Margarida Maria Taddoni Petter
Exemplar revisado
Satildeo Paulo 2010
A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade
Agradecimentos
Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida
Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo
das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em
Paris
Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem
eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em
me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc
A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de
Linguiacutestica
Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros
diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris
A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o
conhecimento
Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas
A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade
pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria
acadecircmica desde o mestrado
Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida
RESUMO
Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que
subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees
simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de
orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a
Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)
A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com
construccedilotildees coordenadas sem conectivo
O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e
de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc
Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries
verbais liacutenguas africanas
ABSTRACT
This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial
constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by
Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major
semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their
syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization
based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive
Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions
(Goldberg 1995)
Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to
coordinate constructions without connective for being similar in structure
emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in
coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally
differentiates them
The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers
of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule
KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs
linguistic
SUMAacuteRIO
ABREVIATURAS
INTRODUCcedilAtildeO
CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1
11 FONOLOGIA 2
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4
13 O GEcircNERO 6
14 O NUacuteMERO 6
15 CLASSES DE PALAVRAS 6
151 Pronomes 7
1511 Pronomes pessoaispossessivos 8
1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9
152 Verbos 10
1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10
1522 Futuro 11
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11
153 Adjetivos 12
1531 Adjetivos indefinidos 12
154 Numeral 13
155 Palavras de sentido adverbial 14
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15
16 SINTAXE 15
161 Frase simples 15
162 Frase complexa 16
1621 Coordenaccedilatildeo 16
1622 Subordinaccedilatildeo 16
17 INTERROGATIVAS 17
18 NEGACcedilAtildeO 18
CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19
22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33
243 Propriedades prosoacutedicas 34
244 TempoAspectoModo 36
245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38
246 Argumentos compartilhados 41
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43
251 Construccedilotildees seriais 46
2511 Orientaccedilatildeo espacial 46
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto 49
2515 Comparativos e superlativos 53
2516 Construccedilotildees que indicam modo 54
2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54
2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57
31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59
311 Nomes e verbos 60
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64
313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67
314 Determinante do Profile 71
315 Autonomia e dependecircncia 73
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74
317 Verbos complexos 75
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87
3221 Polissemia 88
3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88
3223 Instanciaccedilatildeo 89
3224 Metaacutefora 90
323 Verbos e construccedilotildees 91
324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97
CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101
411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102
412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126
44 MARCAS ASPECTUAIS 131
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144
CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146
511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147
512 Introdutoras de instrumento 158
513 Comparaccedilatildeo 164
514 Indicativas de modo 173
515 Indicativas dos participantes de um evento 174
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188
CONCLUSAtildeO 190
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194
ANEXO 203
i
Abreviaturas
ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo
ADJINDEF ndash adjetivo indefinido
ADV ndash adveacuterbio
APRES ndash apresentativo
ASP ndash aspecto
CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado
COMPL ndash completivo
CONJ ndash conjunccedilatildeo
CONT ndash continuativo
DEM ndash demonstrativo
DET ndash determinante
DET-PL ndash determinante plural
ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo
EST ndash estativo
EXPL ndash expletivo
FUT ndash futuro
HAB ndash habitual
IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )
INDEF ndash indefinido
INF ndash infinitivo
INTER ndash interrogativo
LOC ndash locativo
M ndash masculino
MORF ndash morfema
NEG ndash negaccedilatildeo
O ndash objeto
OD ndash objeto direto
OI ndash objeto indireto
PASS ndash passado
PASREM ndash passado remoto
PER ndash person lsquopessoarsquo
PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)
ii
PL ndash plural
POSS ndash possessivo
POT ndash potencial
Prep ndash preposiccedilatildeo
PRES ndash presente
PROG ndash progressivo
REAL ndash realista
RED ndash reduplicado
REDUP ndash reduplicado
REFL ndash reflexivo
REL ndash morfema relativo
REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo
RES ndash aspecto resultativo
RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo
S ndash sujeito
Sg ndash singular
SN ndash sintagma nominal
TEMP ndash tempo
V ndash verbo
INTRODUCcedilAtildeO
O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de
leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005
na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs
brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo
Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como
ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava
propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da
teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo
apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries
verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que
um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro
Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do
continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs
mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento
e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo
Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto
de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de
cada liacutengua
Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de
serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas
agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de
Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais
em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um
olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que
tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos
Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos
brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)
e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees
seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade
de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o
portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel
semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as
propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)
elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em
dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo
dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados
de nosso corpus do baulecirc
No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais
teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica
Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos
Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas
insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a
sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na
elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem
passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer
outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-
se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de
suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem
conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura
conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc
Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente
fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon
(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente
semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma
caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo
5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees
Coleta de dados
O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira
1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da
histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria
pesquisadora
2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e
cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo
realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um
filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns
triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos
que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era
transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em
diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas
3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo
colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a
partir de um tema de interesse do proacuteprio falante
4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os
trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses
dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio
As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados
foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos
os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila
1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na
pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal
referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa
1
CAPIacuteTULO 1
A LIacuteNGUA BAULEcirc
Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por
aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do
continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia
em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que
estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma
aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais
repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas
estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e
superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma
classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do
Marfim
Niger-Congo
Atlantic-Congo
Volta-Congo
Kwa
Nyo
Tano
Central
Bia
Northern
Baouleacute
1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl
2
Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma
breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo
realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)
11FONOLOGIA
O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e
21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras
em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo
haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a
oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos
de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)
Orais e nasais
fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo
fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo
fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo
kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo
Surda e sonora
bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo
3
di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo
jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo
Pontos distintos de articulaccedilatildeo
fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo
Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e
dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma
propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos
semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute
determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)
sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo
alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo
No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo
realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo
indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos
(Kouadio amp Kouame 2004 14)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame
lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)
ɔ fa a duo
3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)
4
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio
amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica
Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa
do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem
alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees
foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um
exemplo
VOGAIS
API Ortografia baulecirc Exemplos
A a ta lsquoplantarrsquo
E e be lsquocozinharrsquo
ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo
I I ti lsquocabeccedilarostorsquo
O o bo lsquofundorsquo
ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo
U u fu lsquosubirrsquo
I in fin lsquovir dersquo
Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo
ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo
ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo
U un wun lsquover incharrsquo
CONSOANTES
API Ortografia baulecirc Exemplos
b b ba lsquocrianccedilarsquo
c c cɛn lsquoengordarrsquo
5
d d dɔn lsquohorarsquo
f f fu lsquosubirrsquo
ɡ g gali lsquomandiocarsquo
gb gb gba lsquoarmadilharsquo
ɉ j jɔ lsquoredersquo
k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo
kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo
l l la lsquodeitar dormirrsquo
m m damun lsquojogorsquo
n n nnun lsquocincorsquo
ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo
p p panndu lsquogarrafarsquo
r r rɛrɛ lsquoescalarsquo
s s se lsquodizerrsquo
t t tu lsquodesenterrarrsquo
v v vi lsquorim lomborsquo
j y yi lsquoesposarsquo
z z nza lsquoinhamersquo
13 O GEcircNERO
Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a
distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea
como observamos a seguir
bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo
yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo
6
14 O NUacuteMERO
Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun
Sran mun
Ser humano PL
lsquoOs seres humanosrsquo
15 CLASSES DE PALAVRAS
As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que
constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas
(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de
nomes verbos adjetivos e adveacuterbios
No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os
distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados
devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha
significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor
definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os
pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que
acompanham os lexemas nominais Exemplos4
di
Comer
lsquoComarsquo
alwa ɔ
cachorro pred
lsquoEacute um cachorrorsquo
bia kun
cadeira INDEF
lsquoUma cadeirarsquo
4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora
7
ɔ fa- li wa n man-ni mi
3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o filho delersquo
151Pronomes
Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes
pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte
nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que
determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5
bja nga
cadeira DEM
lsquoEsta cadeirarsquo
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ
branco vila INDEF dentro LOC
lsquoNuma vilahelliprsquo
511 Pronomes pessoaispossessivos
A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto
SUJEITO Singular Plural
1a pessoa n e
2a pessoa a amu
3a pessoa ɔ be
5 Exemplos de nosso corpus
8
COMPLEMENTO Singular Plural
1a pessoa mi e
2a pessoa wɔ amu
3a pessoa i be
Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em
construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ
(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por
pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do
referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso
facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004
22)
Min si liɛ
1Ss pai MORF
lsquoMeu pai (a mim)rsquo
Be nianman bian6 liɛ mun
3Opl irmatildeo homem MORF PL
lsquoOs irmatildeos delesrsquo
Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal
complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta
adicionar o morfema mun
POSSESSIVO Singular Plural
1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo
2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo
3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo
6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua
9
1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga
mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome
que determinam7
Gbo nga
Poccedilo DEM
lsquoEste poccedilorsquo
sran nga mun
Ser humano DEM PL
lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo
A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun
lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be fa be un
3Spl parecer 3Opl corpo
lsquoEles se parecemrsquo
Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado
utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be wan Kofi ba-li
3Spl dizer Kofi vir-PERF
lsquoDizem que o Kofi veiorsquo
7 Exemplos de nosso corpus
10
152 Verbos
A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e
dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin
lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros
1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)
verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o
imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man
colocado apoacutes o(s) verbo(s)
Exemplos
tra li a ce kl ltri
Ele s sentar PERF solo escrever carta
lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo
a ba ma
3Ss RES chegar NEG
lsquoEle natildeo chegoursquo
ba su wa kɔ lafi
crianccedila PROG FUT ir dormir
lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo
yɛ ɔ fa flwa nga
entatildeo 3Ss pegar livro DEM
lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo
ɔ tɛ lafi
3Ss CONT dormir
lsquoEle continua a dormirrsquo
11
1522Futuro
A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome
sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro
proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa
Vejamos alguns exemplos
laflɛ kun ba yɛ wa lafi
sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir
lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo
ɔ su wa sɔ televizion n
3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET
lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos
realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz
em muitas repeticcedilotildees
wo l titi waka ma wie
3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF
lsquoEle colhia umas frutasrsquo
153 Adjetivos
O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que
determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o
adjetivo
Sran dan
Ser humano grande
lsquoUm homem grandersquo
8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo
12
Bla kpɛnngbɛn mun be si able
Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)
lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10
1531 Adjetivos indefinidos
a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)
algum(ns) certo (s) Exemplo
sran vie mun be bali wa
ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC
lsquoAlguns homens vieram aquirsquo
b) fi algum Exemplos
like fi n kɔ a lika fi
coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum
lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo
c) kwlaangba tudo todos
Ba sɔrsquon si sa kwlaa
Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo
lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo
d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo
lsquouma aacutervorersquo
10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc
wa ka ku n
aacutervore uma
13
e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo
Like uflɛ
coisa outra
lsquooutra coisarsquo
f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo
like kunngba
coisa mesmo
lsquoa mesma coisarsquo
g) sɔ lsquotal dessa formarsquo
talua sɔrsquo n tirsquo A kpa
menina tal DET ser NEG bom
lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo
154 Numeral
Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a
centena 200
1 kun k 11 blu nin ku
2 nnyɔn 20 ablaɔn
3 nsan 30 ablasan
4 nnan 40 ablanan
5 nnun 50 ablenunn
6 nsiɛn 60 ablesiɛn
7 nso 70 ableso
8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ
14
9 ngwlan 90 ablangwlan
10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn
155 Palavras de sentido adverbial
Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe
unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente
nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos
tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e
adjetival
Nian kpa
Olhar bom
lsquoOlhe bemrsquo
Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado
como adjetivo e adveacuterbio
i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ
3Ssg sair 3CLpl olho grande grande
lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo
Kuasi klo Amlan ngboko
Kuasi amar Amlam Muito
lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo
O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12
K a gu li l fu li e ku n
Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo
lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo
11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus
15
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de
adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute
contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo
bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo
16 SINTAXE
161 Frase simples
As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema
Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos
le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs
lsquoEle tem trecircs cestasrsquo
Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs
lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo
Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute
invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo
ɔ yo li swa nga man ni mi
3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
162 Frase complexa
1621 Coordenaccedilatildeo
A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes
morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns
exemplos
16
ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver
lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo
Y sie-li l y bo i komin ekun
Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv
lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo
K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba
Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir
lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo
1622 Subordinaccedilatildeo
O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para
expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i
nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ
sa) Exemplos ilustrativos
K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla
Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo
lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo
i ti kɛ nɛ yɛ
3Ss ser como animal ADV
lsquoEle eacute como um animalrsquo
ti k kkba umuan y u i
3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo
17
A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo
Exemplo
e wo Paris tra Lion
1Spl ir Paris ultrapassar Lion
lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo
17 Interrogativas
Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin
lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo
nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ
O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred
lsquoO que ele fez para mimrsquo
a fa mannin wan
2Ss pegar dar-PERF INTER
lsquoA quem vocecirc deu isso
ɔ duman suan13 sɛ
3Ss chamar INTER
lsquoComo vocecirc se chamarsquo
18 Negaccedilatildeo
O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a
marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o
morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos
13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo
18
Mrsquoa fa man mrsquoa fia man
1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG
lsquoEu natildeo o escondirsquo
kɛ ba lafili man
quando crianccedila dormir-PERF-NEG
lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo
Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se
acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos
mi si su man ma n mi livru kun
POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF
lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo
Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo
man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo
ɔ tran ma n lɔ ku n
3Ssg morar NEG LOC NEG
lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15
ɔ nian wɔ ma n Buake
3Ssg NEG ir NEG Buake
lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo
14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397
19
CAPIacuteTULO 2
L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no
que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades
definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de
anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das
liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos
parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades
sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme
Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do
tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo
Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais
construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas
Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp
DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais
que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute
nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em
estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute
considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu
trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de
um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua
Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de
combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem
nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele
atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma
sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo
acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial
20
Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for
um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um
complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar
fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos
satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse
caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas
subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16
(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)
Em combinaccedilatildeo acidental
Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou
adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado
simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados
sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas
satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto
na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)
Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os
componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute
hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na
seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que
estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou
Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica
da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e
tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo
A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de
uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser
expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o
16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo
21
apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o
essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora
eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo
significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao
verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)
Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada
muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar
a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das
liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento
seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos
desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item
lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo
absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada
construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos
estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido
aprofundadas pelo autor
A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com
Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os
estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas
pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa
transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as
construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou
mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)
(1) fmm me ne pocircnko no
Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o
lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo
18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)
22
(2)
fmm me no
Ele emprestar-PASS me o
lsquoEle o emprestou a mimrsquo
(3)
de no fmm me
3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)
lsquoele o emprestou a mimrsquo
Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua
natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples
admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A
produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome
objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em
que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que
compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que
restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de
novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais
Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas
propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos
em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais
como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental
por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se
realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que
observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os
verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de
identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da
combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as
caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de
verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da
sentenccedila nem portam marcas gramaticais
23
Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que
em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de
Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens
lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem
de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em
momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo
apresentando propostas diferentes
O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas
distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las
como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir
de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas
estabelecidas na construccedilatildeo
Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991
Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como
resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a
sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um
fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um
continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi
2005)
Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados
associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas
chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute
Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais
para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees
seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees
sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos
os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo
de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)
Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees
seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente
21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo
24
pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os
argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar
mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma
recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma
anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez
que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande
variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia
demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o
surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso
linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um
processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel
A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos
nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos
falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo
Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento
ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo
semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as
construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades
semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que
tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal
na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A
nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a
possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente
A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de
Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da
inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo
Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo
satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada
construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do
significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a
proacutepria construccedilatildeo
25
22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica
da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade
cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia
tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema
cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral
Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de
outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma
habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a
concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes
de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa
tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano
culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de
tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico
Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo
linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo
principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia
Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo
denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre
construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade
para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos
africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor
rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que
testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as
ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que
essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor
eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente
compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa
construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de
que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar
a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns
22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo
26
povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos
desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e
consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo
produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se
certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em
outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por
exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord
(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua
depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees
comunicativas elas servemrdquo23
Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais
uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura
sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES
SERIAIS
Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de
propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do
fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que
pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de
1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual
tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de
anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de
1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos
tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as
proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa
abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para
todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)
No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas
contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que
23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname
27
dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como
o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser
analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e
quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns
exemplos
(4)
Olu mu iweacute wa
Olu pegar livro vir
lsquoOlu trouxe o livrorsquo
(5)
Olu gun iyan je
Olu pounded yam ate
lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo
Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo
de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e
construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries
verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o
autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de
natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo
tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao
contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26
Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na
tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf
JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o
desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa
entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas
e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la
da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais
25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos
28
Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas
abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse
pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito
de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas
caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as
diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)
O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a
tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades
especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para
a construccedilatildeo eacute
Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem
juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo
subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais
descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees
simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo
simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS
podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada
componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos
individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27
(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)
Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma
variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea
Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e
coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua
anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua
de base
Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma
maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como
o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de
subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares
27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo
29
modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas
inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)
A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois
apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase
inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do
Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute
que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais
comuns em liacutenguas analiacuteticas
Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-
congolecircs
Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)
(6)
a fa i swa n a kle mi
3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os
lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)
Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)
ti-wa -ra ete re a
3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o
lsquoEle destruiu o pratorsquo
No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em
seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle
lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo
sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado
28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo
30
por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute
mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas
da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada
O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na
elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de
serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee
apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no
capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula
completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse
satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o
dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de
complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se
parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas
mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo
O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num
uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos
assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por
meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo
podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a
adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um
evento
Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos
descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem
expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal
associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades
verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que
sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico
lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da
construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do
segundo verbo
29 Verbos esvaziados de sentido
31
Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma
compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se
complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS
para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem
na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas
regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das
construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas
coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia
ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como
uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa
classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de
liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo
esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon
(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a
elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes
grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores
contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem
que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e
Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e
chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas
seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a
despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado
simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia
sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra
32
oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se
observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da
Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)
(8)
nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana
1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP
lsquoEle viu que eu atravesseirsquo
Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final
da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais
ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de
cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS
o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS
aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de
subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute
subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte
Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud
AIKHENVALD 2006)
(9)
a mtto cw katto rwo t
1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei
lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo
Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o
elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas
verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de
estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos
componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da
composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a
30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda
33
CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas
gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso
acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees
seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de
forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais
independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas
marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do
perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo
de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus
componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel
constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir
uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas
multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa
dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de
gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que
adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a
compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto
que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido
Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas
a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a
distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse
conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por
essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores
Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que
determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de
compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de
integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente
possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja
do uso que o falante faz dele
34
243 Propriedades prosoacutedicas
Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma
oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de
entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras
oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa
pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os
autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo
concisa sobre ela
Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua
escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite
maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de
fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de
organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais
Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a
complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os
interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que
pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura
gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa
de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no
discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade
entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou
informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no
discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda
na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os
limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma
oraccedilatildeo de um uacutenico verbo
A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a
caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se
sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie
verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees
seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo
35
prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que
uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da
capacidade fiacutesica humana
Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula
a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala
tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se
houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade
entonacional
A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos
formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente
uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de
uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades
cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a
tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma
mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma
abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica
(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels
() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre
construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um
predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees
em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)
Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia
verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba
todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas
europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de
seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo
inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000
240)
32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo
36
244 TempoAspectoModo
Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de
tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes
conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser
feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre
elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e
que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila
entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a
concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema
indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de
aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33
(Ameka 2003)
(10)
Kwasi da h re di di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e
o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores
aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a
concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se
harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do
aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento
Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo
por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades
discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos
maiores perfectivo e imperfectivo
Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir
uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam
33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana
37
compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum
contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)
Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006
9)
(11)
cu a ni ak n- ni
Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB
lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)
Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e
ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir
(12)
cua ci ak oŋgu i
cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg
lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo
Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra
accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo
apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute
de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao
segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo
que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de
agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do
exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo
parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo
coordenada
Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc
(13)
Be sin-ni l be wo-li
38
3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF
lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo
Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que
representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem
pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido
junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar
essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados
No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos
verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees
coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em
elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos
que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do
falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente
a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento
como em construccedilotildees seriais
245 Composiccedilatildeo dos argumentos
Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento
Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de
argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico
argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item
lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da
natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)
Ambos podem pertencer agrave CS como um todo
Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a
caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou
subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as
caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos
34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo
39
por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em
outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio
de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando
usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)
Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da
valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos
requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois
resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o
seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)
(14)
o ti ri nwo keacute a hu o kpo
Ele bater TEMPO homem REL soco
lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)
(15)
lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)
Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e
o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o
mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando
entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o
verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e
interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se
sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A
estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo
o ti gbu ru nwo keacute a hu
Ele bater matar TEMPO homem REL
40
transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos
que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um
argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma
serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos
compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo
caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a
apresentada acima como uma CS
O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso
(16)
i kle mo n wla i ti kle n a tu a t
3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES
cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo
Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle
arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo
ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da
CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando
concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS
O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento
interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia
desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos
transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc
Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da
combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de
que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua
valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante
de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto
de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS
41
246 Argumentos compartilhados
A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma
propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que
quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam
consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como
prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos
ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo
satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs
Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo
componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO
sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de
um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode
ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade
indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute
denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38
(AIKHENVALD 2006 16)
(17)
Tali mi-tit tenten Kevin
Tali PER-socar chorarREDUP Kevin
lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo
Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza
uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro
verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse
primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo
elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2
37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu
42
Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico
entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)
que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo
impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir
como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada
proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo
como elemento de fundo ou apoio agrave cena
Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em
geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical
seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit
p16)
(18)
na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak
3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM
lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo
O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e
tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares
em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que
eacute menos especiacutefica
A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute
sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim
Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e
construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a
diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito
evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto
de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute
bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)
39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo
43
Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito
satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na
literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo
transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2
nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees
consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito
de V1 eacute equivalente ao objeto de V2
Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do
goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud
AIKHENVALD 2006 102)
(19)
kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()
antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta
lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo
Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees
temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou
de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo
progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o
primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima
Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees
(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os
recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica
demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a
identificaccedilatildeo de uma CS
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees
seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com
suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash
construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a
relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na
44
construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico
evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo
harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus
componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo
pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado
grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem
representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico
verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica
especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald
Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas
grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe
relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe
gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees
assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito
por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula
uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou
postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a
toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)
Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos
pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe
restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma
divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo
com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e
quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos
que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos
de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa
desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a
adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo
ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse
40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo
45
conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que
podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees
gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou
ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente
Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos
semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as
propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo
condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer
quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos
semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos
parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo
das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as
constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e
consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros
de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los
1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento
2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de
estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo
3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-
modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo
4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo
5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo
6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos
como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros
A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a
apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo
tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar
principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria
essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os
mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs
46
251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A
seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades
2511 Orientaccedilatildeo espacial
Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de
movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -
e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD
2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica
do Sul
(20)
Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]
Macaco vir beber I PRES
lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo
indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao
mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada
(21)
a fin Buake a ba
3Ssg RES vir de Buake RES chegar
lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo
Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao
encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]
Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No
primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do
baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida
47
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de
outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do
kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213
apud AIKHENVALD op cit p23)
(22)
lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo
Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma
funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de
mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo
apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma
outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em
casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord
(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma
adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico
Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS
ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois
processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite
portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como
afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do
qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo
ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise
como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte
de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma
mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial
Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses
verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A
kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai
quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir
48
autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e
temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do
aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre
CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais
processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees
Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe
apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)
(23)
ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]
1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS
lsquoEu me tornei grandersquo
Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo
ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro
verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando
empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de
ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de
seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos
semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um
novo significado
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute
negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos
em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma
modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo
morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer
sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a
41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)
49
seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD
opcit p 24)
(24)
eli ja acha bai Singapore
3Ssg PER receber ir Cingapura
lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto
Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em
papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas
instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que
passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees
semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como
verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em
saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud
AIKHENVALD opcit p 26)
(25)
Kofi Bi bai di buku da di muyeacute
Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher
lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo
O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo
primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo
(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e
beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo
quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica
entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego
em CS como a do exemplo (25)
43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca
50
Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de
um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud
KROEGER 2004 239)
(26)
Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i
Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip
lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo
Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os
argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos
verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos
As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser
analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o
padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os
verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()
Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004
239)
Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em
posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em
posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O
objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o
objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo
serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por
exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo
representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees
metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS
Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como
coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O
principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena
44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo
51
representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a
natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome
nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)
(27)
Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg
lsquoAya me deu o livrorsquo
A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em
CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar
sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode
ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e
aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON
opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo
acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos
integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns
casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio
ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item
lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em
sincroniardquo47
O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento
mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um
momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2
Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de
coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a
outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo
jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em
serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para
46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas
52
verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential
combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48
Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico
de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)
(28)
Abo lori tudik korsquoa paun
avocirc pegar faca cortar patildeo
lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de
ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)
tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada
sem conectivo com sujeito vazio
(29)
fa-li lali kp-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF
lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um
uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o
sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas
construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject
construction- ESC)
Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo
apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em
estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis
visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum
53
instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem
como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento
A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como
as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou
coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos
que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo
semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise
reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como
uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo
2 515 Comparativos e superlativos
Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo
ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de
construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006
101)
(30)
kuma frsquoyer ma ni
tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg
lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo
Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial
comparativa
(31)
n si Kofi kpa tra Kuakou
1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o
outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute
algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo
50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria
54
como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em
segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados
2516 Construccedilotildees que indicam maneira
Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado
pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in
AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em
que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira
como a outra accedilatildeo se realizou51
(32)
ti [gi-e yaa-a -goe ]
1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT
lsquoEu chegarei atrasadorsquo
252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico
da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um
evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como
pressuposto a accedilatildeo de cozinhar
(33)
Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu
Ama POT-cozinhar coisa comer
lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo
51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo
55
Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois
do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido
pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo
2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo
serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o
efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos
em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-
function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)
(34)
n=babas weli n=mot do
3sg=bater porco 3sg=morrer REAL
lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo
Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra
indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou
52 Liacutengua austroneacutesia
56
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o
tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito
de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas
propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de
variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas
construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer
paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees
Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de
compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa
caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo
homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo
evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de
identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais
Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo
com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto
mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um
ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo
57
CAPIacuteTULO 3
PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as
construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo
dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois
entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que
traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em
coacutedigo
O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de
perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas
relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave
elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970
nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente
como um movimento mundial
O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os
estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano
precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos
gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de
que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas
propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos
pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos
teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta
Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto
heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)
teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais
(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987
2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas
comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira
(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos
portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo
(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se
uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico
58
(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre
domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes
inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia
Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem
estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas
estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como
manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na
Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a
organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em
diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)
Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da
Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave
proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a
Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria
maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as
propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as
quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva
desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens
lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de
nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo
aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o
significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca
mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf
LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele
Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a
elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item
lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee
a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como
a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os
moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de
ambas
59
31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso
e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que
descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute
simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o
fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e
no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)
formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas
simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica
ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma
determinada liacutengua (LANGACKER 1987)
Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave
conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer
tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto
experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva
compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada
pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica
dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa
interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo
discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as
estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da
transmissatildeo da informaccedilatildeo
A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica
Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a
caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que
estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na
elaboraccedilatildeo dos enunciados
53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria
60
311 Nomes e verbos
Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam
em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos
dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que
natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente
idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo
necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria
Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por
Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA
1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de
saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da
dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria
categoria
As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade
identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos
mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas
propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os
elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a
estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a
natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as
dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se
extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os
membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de
significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e
sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em
consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a
natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas
margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e
intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees
necessaacuterias e suficientes
Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e
verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto
fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em
54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa
61
termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos
fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades
de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo
que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo
prototiacutepico
Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a
existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para
nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes
Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos
I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material
II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual
III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo
IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa
nenhuma localizaccedilatildeo particular
V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos
conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento
E para verbos o autor destaca
I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de
mudanccedila e transferecircncia de energia
II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem
sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal
III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada
uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes
IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem
conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem
Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo
resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam
tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo
linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e
categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo
das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas
62
por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de
influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)
Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos
de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos
o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo
Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos
discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato
entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de
dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato
fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que
pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55
(LANGACKER 2008 103)
No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila
a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o
objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia
prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida
Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute
proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais
proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se
um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma
accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa
transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um
terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim
sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo
substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que
os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa
Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento
e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)
Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de
energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras
55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo
63
[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia
de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de
energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo
intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o
sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento
autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o
que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos
chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute
um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA
SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)
O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado
modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia
momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a
interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse
modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem
em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)
No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os
participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo
cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por
expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos
nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos
centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que
representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez
que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a
uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como
participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante
Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical
e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e
complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia
complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os
dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico
56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo
64
contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto
a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura
Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas
linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou
mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do
falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual
direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes
de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado
As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que
concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo
uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam
prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se
desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles
haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um
nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente
possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser
relevante para nossa pesquisa
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por
uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo
significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais
ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende
do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre
leacutexico e gramaacutetica
Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo
claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do
leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e
podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro
mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no
estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar
processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura
semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica
65
Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que
uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma
comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo
expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma
comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o
lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas
partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber
dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo
palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo
auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo
(estaacute falando) entre outros
Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o
processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para
que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma
expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de
complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas
caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo
eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de
detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes
A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de
experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um
conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58
(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais
de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria
o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem
traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a
que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo
formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos
protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor
(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo
satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um
57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo
66
nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e
probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os
protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)
Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja
na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e
dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais
Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e
conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito
no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva
consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e
devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma
representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais
De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-
se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro
deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso
deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de
construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma
expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas
depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59
(LANGACKER 1993a)
E ainda
Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo
inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade
eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro
ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva
tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)
Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a
sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na
59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo
67
situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez
refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o
outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do
proacuteprio discurso
Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das
diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de
um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)
identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que
decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as
classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)
313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais
relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se
estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu
significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais
de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia
entre os seus elementos conceituais
As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo
apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado
da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como
exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base
mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma
condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um
processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e
reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento
Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se
desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de
energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a
categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a
impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva
Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado
natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo
68
bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como
um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades
cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background
memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER
1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo
linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais
capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos
mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos
cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa
percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas
por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do
primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o
que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua
compreensatildeo o que eacute menos relevante etc
Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia
conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois
elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos
saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em
um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas
gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas
figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata
Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e
fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o
espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)
Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente
moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor
particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61
61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo
69
O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel
relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou
orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62
Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as
noccedilotildees de marido e esposa
(LANGACKER 2003 252)
A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma
base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e
esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao
poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino
A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o
elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais
como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre
homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o
nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto
de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo
de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros
A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de
retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia
desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor
tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a
possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que
demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada
proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees
particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados
62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo
70
conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo
planos
Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma
determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver
essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com
o qual a cena eacute representada
Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em
que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja
representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido
amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento
preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas
dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current
discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as
informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor
formando a base do discurso produzido
No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para
elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia
que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa
capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa
forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo
numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra
absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O
escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou
escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo
imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e
o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a
propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato
Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em
sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo
em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que
nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez
examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento
cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou
71
seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo
escopo maacuteximo
Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)
interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo
temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de
sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas
gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o
trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees
314 O determinante do profile
A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de
seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo
a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas
esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa
forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os
profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao
profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um
termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a
mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo
designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome
ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo
O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da
construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave
qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da
GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela
natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de
seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo
correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de
classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as
estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e
consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute
apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos
72
Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de
nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse
equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma
parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo
Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser
classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha
cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar
analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet
tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o
trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como
trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do
closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina
um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um
de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile
correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um
deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial
Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser
identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao
da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o
profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por
Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um
verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de
remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o
processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim
um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que
apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos
constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar
carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente
Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam
usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC
denominados esquemas construcionais
64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo
73
Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de
semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas
Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)
315 Autonomia e dependecircncia
Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de
correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui
esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados
Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um
detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a
schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse
termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration
site (e-site)
Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente
conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de
correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados
como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo
considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a
caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical
verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute
-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que
o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado
O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da
organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por
termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato
indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em
suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de
dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a
estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute
65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo
74
dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o
componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no
ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de
autonomiadependecircncia desses elementos componentes
A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser
compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e
seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente
sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria
construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo
isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe
de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo
eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica
Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute
identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas
componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas
componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical
mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos
constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico
representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano
corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha
A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC
uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um
agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto
de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que
iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo
se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a
sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC
considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno
75
(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por
instacircncias simboacutelicas
Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que
estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees
transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos
elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos
alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo
componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)
(a) The package [that I was expecting] arrived
(b) The package arrived [that I was expecting]
Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo
conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de
organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do
exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que
ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos
constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a
sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a
significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas
gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual
que expressam
317 Verbos complexos
Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta
complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A
estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma
oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que
restam a ser preenchidos
De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui
no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em
liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos
76
resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o
autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo
necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto
ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do
tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)
A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma
uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas
indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto
por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos
por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores
de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo
podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que
representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam
como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas
O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo
funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o
que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos
complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em
construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do
inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que
demonstra as relaccedilotildees de seu profile
(LANGACKER 2003 270) Figura 2
GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)
aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de
77
um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena
enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A
Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com
a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser
de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade
transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for
mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e
influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do
tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do
recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)
Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no
domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente
admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja
transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no
caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da
liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso
pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER
2003 271)
No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo
agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o
beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de
transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)
Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave
demonstrada na figura 2 acima
No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos
son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e
78
envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas
representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes
mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma
sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a
compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua
representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como
verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do
beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor
prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais
representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a
representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do
marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente
(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual
Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres
que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do
mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada
por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos
que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo
em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente
experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas
conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees
linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia
dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal
elaborado de uma determinada cena
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
10) fa li tanni man ni kuajo
Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso
79
fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais
que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento
descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por
transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos
fa (pegar) e man (dar)
O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute
tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena
O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo
e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato
de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel
numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com
essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a
perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo
fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode
imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos
Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos
semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores
que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte
semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em
construccedilotildees seriais passa a verbo funcional
Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de
seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais
possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas
formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento
dessa estrutura
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas
um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos
semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos
constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a
ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e
80
qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente
relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que
antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da
Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua
significaccedilatildeo
O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos
a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um
evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente
de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos
culmine em um evento maior e principal
Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de
alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente
associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma
concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash
AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28
in AIKHENVALD 2006)
A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos
semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente
pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no
que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou
subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma
mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em
estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no
significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado
da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem
Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos
semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais
66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo
81
deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa
forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de
conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens
lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela
acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da
construccedilatildeo
Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial
como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de
eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma
funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do
evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo
como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou
discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e
uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim
concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo
de interdependecircncia estabelecida entre os verbos
Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o
ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de
um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado
denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto
de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo
verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma
consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo
primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)
Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que
nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores
prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo
67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo
82
Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de
autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68
Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar
e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena
representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees
seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em
termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como
representativos tambeacutem dessas construccedilotildees
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados
estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus
participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os
componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de
acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena
de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a
abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o
barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma
mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu
interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada
atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem
mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo
para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo
conceitual
Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo
fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a
conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as
liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos
seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser
realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de
evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento
em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)
68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to
clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual
autonomy and dependencerdquo
83
Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi
discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser
comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado
por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que
devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo
Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de
Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica
Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica
Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo
teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites
estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas
naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem
processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao
leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias
denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da
liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como
pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de
forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da
maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos
anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria
A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel
central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma
minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A
natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas
formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG
2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a
69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos
84
gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser
compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas
e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge
espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras
semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave
gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)
sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees
satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee
assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da
liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange
ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico
A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre
construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de
uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute
de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que
natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as
unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e
sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a
diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade
Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos
construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais
transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por
exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e
a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em
complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares
de significado e forma
A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia
lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma
hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma
construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da
70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538
85
construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)
sobre o verbo slice
a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)
b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-
movimento)
c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)
d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o
eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)
e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)
A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice
a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao
contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp
instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a
determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da
estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de
Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo
preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e
que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido
central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais
como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de
estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre
outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente
pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees
Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma
gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado
projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando
entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma
determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos
e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto
quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base
86
adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em
outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem
como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico
Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma
abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se
atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal
abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as
construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de
mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical
se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque
potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta
ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e
escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado
na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de
um item lexical em seu sentido de base
Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que
Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de
linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)
deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das
palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que
(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes
significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro
de maneira clara71
A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de
motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as
provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas
71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item
87
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas
tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da
motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo
maximizado princiacutepio da maacutexima economia
Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute
motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de
forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas
sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder
expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir
de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de
construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel
Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as
construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees
(GOLDBERG 1995 67)
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana
uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos
capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas
sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o
compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o
que eacute novo
Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo
de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem
entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e
um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que
jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo
nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela
gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou
alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute
conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada
88
categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como
um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)
No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que
representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a
Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a
gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma
similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras
- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode
ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica
3221 Polissemia
Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado
particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima
extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas
entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As
informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo
Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs
1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo
2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo
As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que
preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus
participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo
sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A
existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1
3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de
outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre
73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995
89
construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir
um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes
Constr Movimento Causado
SEM Causa-Movimento lt
PRED lt
SINT V
causa tema alvo
gt
gt
SUJ OBJ OBL
Lscausa
Constr Intransitiva de Movimento
SEM Movimento lt tema alvo gt
PRED lt gt
SINT V SUJ OBL
3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou
uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a
autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo
instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica
associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de
construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo
Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo
75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo
90
Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da
semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa
consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em
que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa
forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na
construccedilatildeo que a originou
(GOLDBERG 1995 80)
Resultativa
Li Ls
drive
3224 Metaacutefora
Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de
um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave
construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a
autora cita
a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo
b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo
O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido
de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)
apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de
movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado
como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off
the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo
metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o
sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)
Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo
possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas
91
semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes
entre as liacutenguas
Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute
a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens
construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como
forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e
processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas
empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)
323 Verbos e construccedilotildees
A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute
carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem
Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees
sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio
sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais
Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que
consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda
construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do
falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais
(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em
construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos
componentes
No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena
por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas
em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-
se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de
apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical
Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de
primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o
compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa
atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade
76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo
92
cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker
(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e
TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam
diferentes aspectos
HIPOTENUSA TRIAcircNGULO
De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens
verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na
medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos
aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os
itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam
papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que
neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao
evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma
construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um
significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional
propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical
instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e
protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido
O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas
concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre
outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a
um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo
regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de
princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir
a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos
semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que
realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o
papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse
verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser
instanciado como exemplo do papel de agente
93
b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um
correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma
similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a
elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria
Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa
estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo
bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus
integrantes
Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir
com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item
CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um
chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o
recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva
Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)
Joatildeo chuta a bola para o Pedro
O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela
construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel
de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o
verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados
como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de
recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite
essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da
informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de
chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam
por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs
Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando
incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel
de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)
He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo
94
A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi
empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico
Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo
manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na
cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a
introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados
diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto
natildeo nos parece ter sido salientado pela autora
O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado
do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do
verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma
construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa
construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo
profunda entre esse item e a construccedilatildeo
Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica
de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo
compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo
visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento
Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo
menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute
corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo
324 Limites entre leacutexico e sintaxe
Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia
pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de
uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a
gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos
significados mas que seja apenas um de seus componentes
A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum
significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se
postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo
sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute
entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a
95
proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de
uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a
compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada
predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente
idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada
virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um
organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez
tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua
menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o
sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se
produz
Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria
regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e
consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos
herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum
elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura
originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original
(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente
Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o
conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa
circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a
construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas
em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A
capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato
cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa
capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana
constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental
A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite
visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que
estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo
sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele
contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da
gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao
significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado
96
e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e
desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo
verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo
Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como
um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou
de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica
primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o
interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do
verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na
estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses
casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena
principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo
ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como
essencial
A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de
mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee
para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se
compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado
Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter
funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo
seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o
caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura
que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do
leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico
97
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas
teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que
nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram
utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os
enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a
Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua
natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute
precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera
assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e
significado
Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo
observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o
entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes
analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais
construccedilotildees
98
CAPIacuteTULO 4
DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais
concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila
entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute
certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc
(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se
firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam
exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas
propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar
apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos
os exemplos abaixo77
(1)
S V1 O V2 O
sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(2)
S V1 V2 O
fa nu13nu kun wun $ a wun i
Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo
Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores
reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se
assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees
77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros
99
Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma
construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de
seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi
reconhecida mas que se distingue pouco do ponto
de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito
relativamente mais proacutexima formalmente da
justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de
outras liacutenguas79
Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais
nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais
construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua
semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf
CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas
dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf
CREISSELS amp KOUADIO opcit)
bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila
de entonaccedilatildeo
bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a
sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa
bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80
bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)
mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a
construccedilatildeo
Vejamos um exemplo
(3)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ssg pegar frango mostrar 1Osg
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS
amp KOUADIO 1977)
100
Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp
Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso
apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca
gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto
imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave
classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o
significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo
pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir
(4)
ā su fā wɔ swӑ n kle mī
2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg
lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo
Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno
do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise
como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute
mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento
interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)
Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma
ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de
introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute
inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com
o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista
morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se
dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo
enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de
81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82
101
uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro
termo da seacuterie82
Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade
simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe
formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por
dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e
semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees
seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo
Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a
proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois
grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem
a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject
Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos
a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc
Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico
da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso
sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de
coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon
(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal
tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois
grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam
conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar
uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum
82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo
102
dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas
da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado
principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo
Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se
apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem
sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que
esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por
essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais
(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos
semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia
dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir
caracteriacutesticas de verbos funcionais83
411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para
a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio
b) introduzir o papel de instrumento
c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento
d) Indicar uma comparaccedilatildeo
e) Indicar a origem do movimento ou percurso
Analisaremos a seguir cada um dos itens citados
a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio
Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais
assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo Vejamos84
(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su
Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa
103
Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez
funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido
por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo
fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental
ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena
principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo
proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos
levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os
verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2
sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo
verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977
421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o
sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie
verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85
Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome
sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo
caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente
Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo
diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na
coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em
que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo
Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-
baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2
natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um
formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no
corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo
que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos
semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo
85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo
104
metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser
empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)
(6)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em
liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas
como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da
construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais
como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis
semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa
funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na
relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio
proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima
No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um
sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno
Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice
aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele
eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo
Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de
beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir
com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele
ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material
no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio
Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees
indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu
ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a
seguir
105
(7)
i mamamama nnnn----ni mi swa kun
3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF
lsquoEle deu uma casa para mimrsquo
O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu
uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em
relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro
apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)
A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado
de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman
(8)
ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute
3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo
ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em
posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como
ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo
inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o
seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado
central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando
compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de
uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de
verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena
88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo
106
principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os
exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas
Exemplo (6)
yo man
SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem
FAZER DAR
Exemplo (8)
fa man
SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem
PEGAR DAR
Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma
Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a
descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez
man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro
lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que
V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo
aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)
na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada
construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em
seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a
outra
Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma
construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a
preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma
construccedilatildeo serial
A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica
apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1
mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo
107
(9)
i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi
3Ssg pegar manga oferecer 1Osg
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante
os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo
em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se
reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos
dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A
diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man
natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante
beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse
participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de
ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas
por Silva (1999)
b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento
O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o
instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De
acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie
verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)
atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente
um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele
veio com o inhamerdquo89
89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo
108
(10)
lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo
conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se
manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por
trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo
mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido
mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima
extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da
cena descrita carrega traz consigo o inhame
Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo
serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como
operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre
outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa
tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto
nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de
deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo
verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o
inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o
participante tem a posse de algo eacute o verbo fa
O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por
seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas
propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu
estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute
possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como
preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe
de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo
estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de
verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute
preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que
ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li
Il prendre-ACC igname venir-ACC
109
adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da
classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]
O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo
(11)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)
[S V1 O1 V2 O2]
Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta
caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de
PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de
um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero
poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de
um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo
em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois
dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos
salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a
preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos
como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir
de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo
Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o
uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O
morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema
nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo
12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois
termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode
ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor
90 Corpus 4
110
de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em
algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos
a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)
(12)
ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ
3Ss cortar -PERF patildeo COM faca
lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo
(13)
ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī
3Ss ECOM fruta vir-PERF
lsquoEle trouxe frutasrsquo
O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre
dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No
entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria
possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado
pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo
pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena
descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo
dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio
de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A
escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante
c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento
Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma
construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir
111
(14)
e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin
1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho
lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo
(15)
e su wawawawandindindindi babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo
A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria
de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na
estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso
do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e
o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)
apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a
construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo
facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das
marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo
d) Indicativas de comparaccedilatildeo
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre
dois termos
(16)
n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92
91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor
112
(17)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo
entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode
ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um
mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do
sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do
segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)
(18)
n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi
1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi
lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo
A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila
Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez
que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos
comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente
estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a
pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres
com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O
exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da
semana
(19)
igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo
93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo
113
A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo
em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]
e) Origem do movimento ou percurso
As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino
de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo
(20)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten
ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo
uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um
locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo
principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem
conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin
funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega
propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos
anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por
outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez
tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo
(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]
Consideraccedilotildees finais
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve
a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1
114
(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente
essa base
As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se
ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do
sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral
natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como
no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo
Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na
construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo
propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum
estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida
sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as
prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute
entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens
que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas
pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo
possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo
412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para
representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir
(21)
sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica
115
([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma
uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim
como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem
estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as
construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a
ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os
verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores
prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um
ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um
resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva
implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio
visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como
(22)
e kan be bawle
3Spl falar 3Opl baulecirc
lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo
Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por
si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que
sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado
que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa
construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees
No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle
introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode
ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para
mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em
questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo
combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura
argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da
94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos
116
construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim
considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se
relacionam na construccedilatildeo
A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido
introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no
exemplo (23) a seguir
(23)
y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila
lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila
lafl kun ba sono matar crianccedila
a crianccedila dormersquo
A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior
e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta
o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD
V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo
discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto
anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2
sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da
estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo
portanto a sua ordem prototiacutepica
No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc
formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento
(24)
i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo
3Ssg sair-PERF irpartir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo
117
Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico
durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada
apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma
forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a
construccedilatildeo
Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos
e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um
local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de
deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima
portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos
verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute
aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo
acontece no exemplo (25) a seguir
(25)
i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho
a tutututu a tttt
3Ss RES arrancar RES cair
O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo
retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da
oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo
repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por
V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a
queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos
na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser
95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
118
arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas
a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos
A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo
serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo
(26)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo
Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o
locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu
no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete
wlɔ)
(27)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96
A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado
SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ
kpɛn
Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando
nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A
inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de
algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra
96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
119
A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de
forma geral representada por
[SN V1 V2 (SN) (LOC)]
Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que
as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees
assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos
descritos neste capiacutetulo
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais
dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute
diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si
pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute
atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)
Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em
baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a
denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora
(LARSON 2005 61)
(a) to-li oflɛ di-li
3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL
lsquoShe bought papaya and ate itrsquo
lsquoElea comprou papaia e comeursquo
(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF
lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo
lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo
97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO
120
(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi
Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so
lsquoThe girls have told me the newsrsquo
lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo
(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so
lsquoAya gave me the bookrsquo
lsquoAya me deu o livrorsquo
Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries
verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para
o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por
justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees
seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como
caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu
1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o
sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua
interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)
2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como
defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais
verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo
seriam comumente empregados em seacuteries verbais
3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e
acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)
4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em
uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada
padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer
apenas uma vez
5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e
pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele
99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO
121
A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o
argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se
assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais
sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as
diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico
evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se
assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um
uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados
A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado
decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf
LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a
introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que
envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em
significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os
verbos temos
(28) (32 p99)
lsquoEle comprou papaia e comeursquo
Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado
(29) (3106 p99)
to-li oflɛ kpeacutekun di-li
3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF
lsquoEle comprou papaia E comeursquo
A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe
porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois
eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que
ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples
o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas
to li oflɛ di li
3Ss comprar PERF papaia comer PERF
122
propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos
o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute
facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e
a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter
Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o
verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado
(30) (34 p99)
fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo
Agora com a conjunccedilatildeo
(31) (3108 p100)
fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo
Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas
natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a
sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila
sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas
sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A
possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as
construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na
estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel
sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o
evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em
outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu
conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos
numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a
faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo
sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a
123
faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um
agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o
gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o
processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo
natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa
diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo
dos enunciados
Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees
sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade
maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao
redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado
segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece
efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo
podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101
O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo
deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras
caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de
marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos
considerar o exemplo a seguir
(32) (3118 p105)
Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi
Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg
lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo
De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa
introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson
admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado
inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de
100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo
124
uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o
resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)
A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha
sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo
se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado
ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas
propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como
fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser
interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo
A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees
comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o
verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de
sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar
por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que
indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria
em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua
que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes
nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das
sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)
admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da
construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam
parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees
seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma
propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como
serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo
que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees
Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu
como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a
diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da
conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica
102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo
125
S V1 O1 V2 O2
FA (PEGAR) NOME VERBO NOME
O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos
verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo
semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa
introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em
O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel
semacircntico e natildeo sintaacutetico
Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)
(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em
ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre
parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja
modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)
por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima
apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando
isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se
estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o
mesmo conteuacutedo informacional de antes
A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas
construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses
casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo
acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no
significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser
uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo
(33)
ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi
3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
126
(34)
Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ
Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL
lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo
Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser
interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto
coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em
posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que
envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do
baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e
apresenta o seguinte exemplo
(35) (37 p73)
Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi
Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo
O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico
verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees
funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute
utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta
O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da
marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de
ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas
seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas
como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode
127
levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno
em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte
construccedilatildeo
(36) (332 p73)
Aya fa-li fluwa-lsquon
Aya pegar-PERF livro-DET
lsquoAya pegou o livrorsquo
Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de
argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo
pleno A autora conclui entatildeo que
Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo
na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um
conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila
simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1
natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos
sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc
natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta
ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)
A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo
serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o
livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute
duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo
A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se
afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo
103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo
128
coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora
natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo
sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o
antigo uso
Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais
sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em
favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o
nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas
caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba
todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001
422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os
verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da
combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto
como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas
Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem
morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou
plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias
sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou
subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam
como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma
flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve
entre as propriedades do sistema linguiacutestico
Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou
plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade
funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias
sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos
(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos
subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre
muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas
apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma
106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo
129
flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas
problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)
Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas
transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais
desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em
construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais
abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa
flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado
tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da
construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer
denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades
associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que
natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida
Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a
sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um
evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto
concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo
Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do
verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio
Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia
de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute
possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de
um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo
ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse
novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia
desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF
107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo
130
1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT
2005 88)
Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da
Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees
seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees
simples
(37)
o tou enuma
3Ss pegar dinheiro
lsquoEla pega dinheirorsquo
Agora em construccedilotildees seriais
(38)
o tou inya diredirediredire
3Ss pegar arroz cozinhar
lsquoEla cozinha arrozrsquo
(39)
bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba
2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar
lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)
Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples
natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais
sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo
de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em
construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria
linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum
momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo
108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo
131
44 MARCAS ASPECTUAIS
Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a
categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida
em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que
essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza
simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas
complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre
elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de
um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute
portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia
um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica
independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma
As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem
respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao
momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de
presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees
semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo
instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA
COSTA 2002 19)
Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma
accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa
accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a
definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa
Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a
formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a
constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto
natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com
qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo
temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a
132
diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e
situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109
Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira
como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo
temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em
evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo
referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar
proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute
nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)
como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos
distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e
tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma
exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no
entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato
de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em
relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma
mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o
PROGRESSIVO e o ESTATIVO
Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da
Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes
(40)
Kwasi da h re-di-di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo
133
A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao
valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na
maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a
ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia
entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham
rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a
primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um
subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as
marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude
entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de
aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto
RESULTATIVO para o segundo verbo
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais
Li(Ni) PERFECTIVO
A RESULTATIVO
Su PROGRESSIVO
Oslash IMPERFECTIVO
Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes
maneiras
1) Junto apenas do primeiro verbo
2) Junto apenas do segundo verbo
3) Junto do primeiro OU do segundo verbo
4) Junto de ambos os verbos
Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos
verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que
haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de
exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar
nos exemplos do corpus abaixo citados
110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes
134
Junto de ambos os verbos
(41)
fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί
3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo
(42)
Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET
lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo
(43)
kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do segundo verbo
(44)
fafafafa tanni n totototo ----lililili blo
3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc
lsquoEle jogou o pano laacutersquo
(45)
n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili
1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF
lsquoEu escondi o patildeorsquo
135
(46)
kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do primeiro verbo
(47)
i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n
3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET
lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo
(48)
kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc
obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No
progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas
do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111
O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial
(49)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo
136
(50)
Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(51)
mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi
1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo
quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo
verbo da construccedilatildeo
(52)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar
acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os
(53)
Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee
lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo
137
(54)
i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema
zero
(55)
sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(56)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em
construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os
tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou
posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas
possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro
Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2
IMPERFECTIVO X X
PERFECTIVO X X
RESULTATIVO X
PROGRESSIVO X X (verbo fin)
112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
138
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em
construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA
pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os
casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como
representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente
ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja
feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a
constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os
verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de
forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo
de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia
de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um
iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado
A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc
(57)
didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(58)
Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee
lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(59)
Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun
3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC
lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo
139
(60)
a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi
3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os
lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo
Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao
morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois
do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o
que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)
Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de
imperfectivo eacute um morfema zero
No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a
V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e
seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com
uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a
O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em
V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal
A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo
man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura
[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em
seguida na serial
(61)
mi si su ma n-an mi livro kun
1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
140
(62)
mi si su fa man livro kun man mi
1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro
verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as
estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo
No presente e no passado
[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]
[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]
No futuro
[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a
possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute
possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e
utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo
(63)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]
No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular
em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1
(64)
kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
141
(65)
didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(66)
yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(67)
Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em
sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1
eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser
representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por
um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3
Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos
[S V1 O1 V2 O2]
Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1
funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de
objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na
estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos
itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais
Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento
principal da construccedilatildeo
Numa estrutura como
142
(68)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os
sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse
lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo
natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu
conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma
preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige
argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal
de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem
inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa
estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]
Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e
consequentemente predicador de argumentos
(69)
ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a
propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo
semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo
mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo
lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando
que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de
143
argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa
construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]
Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo
estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a
presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel
representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra
que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute
manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento
essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que
sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo
Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila
serial
(70)
fa nu13nu kun wun( a wun i
3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em
sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar
que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo
posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a
sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez
que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa
natildeo eacute o predicador do argumento interno
Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto
113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice
pronominal para retomar o objeto direto
144
(71)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore
filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo
No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da
estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial
Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora
na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de
V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse
referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do
enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de
Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento
interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2
A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais
mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura
de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees
[SN V1 SN(obj) V2 V3]
[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]
[SN V1 V2 SN(obj)]
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de
construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com
base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse
tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos
exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas
comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de
propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades
145
CAPIacuteTULO 5
DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que
compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da
Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG
1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um
uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo
de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)
Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios
dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees
conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou
concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro
modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo
quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos
conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser
uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma
categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como
um evento115
Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao
domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita
uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a
estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que
consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo
De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica
a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os
tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o
alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante
secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais
115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo
146
chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a
entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da
atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de
perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)
Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees
(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das
construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem
teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas
e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos
que as aproximam
No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos
demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em
seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal
por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a
possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede
semacircntica potencial dos itens verbais
Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e
assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no
processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam
conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com
o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a
proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que
tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um
verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de
Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas
116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo
147
511 Introdutoras de beneficiaacuterio
Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo
(72)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ss pegar frango mostrar 1Os
agente tema recipiente
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim
fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo
O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo
descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia
secundaacuteria
O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de
um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento
(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema
eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua
esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento
que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente
mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que
ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum
traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma
vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena
Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute
de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento
trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o
148
caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento
determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema
coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle
O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais
prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma
relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute
efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de
colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar
algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua
posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar
pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim
demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento
interno
Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de
estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos
dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na
serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo
V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse
verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a
ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de
tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua
estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da
construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel
sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado
Caso semelhante observamos no exemplo seguinte
149
(73)
i fa mango cɛ mi
3Ss pegar manga oferecer 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e
secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ
lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos
limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical
acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno
conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e
conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo
objetiva do evento
No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo
introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma
de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais
evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional
(74)
fa nu13nu kun wun$ a wun i
3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
agente tema
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
LIMPAR
nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo
150
PEGAR
fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando
assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu
conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo
(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X
causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que
pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da
proacutepria construccedilatildeo
Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados
(75)
ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute
3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)
que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com
o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)
como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita
por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves
demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o
caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item
escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o
verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que
um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No
entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado
151
a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a
algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa
No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas
aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo
(76)
i ni fa i kondro fa kt Oslash su
POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o
evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja
o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo
discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o
preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um
morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito
O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre
seus participantes
trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida
para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento
requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que
aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa
perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor
Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem
como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas
propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo
satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se
152
daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de
uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes
da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se
compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo
devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que
estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees
satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir
eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o
constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o
exemplo 78
(77)
ɔ yo-li swa nga man-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(78)
ɔ fa -li swa nga man-ni mi
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o
evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de
um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical
semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas
que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo
Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem
em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em
118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)
153
marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo
de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado
pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso
explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119
O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da
construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente
(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio
FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo
DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo
O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na
construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por
esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile
fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem
A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi
determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo
sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia
preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que
construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o
leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um
campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher
uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado
correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para
os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE
2006 26)
Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que
podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)
119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)
154
Semacircntica
Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
Sujeito Obj1 Obj2
yyyyooooman lsquofazerdarrsquo
lsquoelersquo
swa nga lsquoesta casarsquo
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle fez esta casa para mimlsquo
Semacircntica Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
faman man man man lsquopegardarrsquo
Sujeito
lsquoelersquo
Obj1
swa nga
lsquoesta casarsquo
Obj2
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo
apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse
esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute
dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de
introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso
temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como
secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos
155
nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man
lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo
funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna
necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo
serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo
Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas
propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por
adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao
que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma
construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo
constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim
adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma
mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa
possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas
propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos
Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa
Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo
receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que
todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de
situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia
apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na
medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento
descrito
A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena
descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira
veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda
por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do
verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu
uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno
beneficiaacuterio
156
Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de
construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de
construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um
dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo
de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os
verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na
construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange
3 construccedilotildees analisadas
Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do
tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da
cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o
verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o
mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela
construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees
semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas
Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las
bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees
representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o
sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade
157
constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal
combinaccedilatildeo
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
(79)
fa li13 tanni man ni kuajo
3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo
anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes
do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute
representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia
de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo
O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio
tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O
outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e
eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse
tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por
equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte
podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais
relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o
verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena
No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto
em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de
que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma
construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor
apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua
thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a
120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo
158
funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de
beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo
512 Introdutoras de instrumento
A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para
uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da
construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo
incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que
eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma
preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria
uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo
corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado
abaixo
(80)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um
agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre
um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal
(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante
secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma
construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y
se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo
necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou
159
objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a
caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam
Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de
que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja
introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo
de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela
composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome
O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode
revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se
interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a
representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e
ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca
para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra
apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse
movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa
perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca
Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a
funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para
chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado
Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas
coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo
de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham
percorrido esse caminho
Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em
sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse
movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona
diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um
item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute
o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que
por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido
pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de
160
extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma
das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham
como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo
A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem
nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de
beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades
verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando
observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo
verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121
(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e
de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o
sintagma nominal laliɛ n
Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos
verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento
descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente
Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se
adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia
No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca
representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ
lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos
descritos por esses verbos eacute
fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n
kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun
A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor
ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles
121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010
161
estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa
posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun
nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se
entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e
esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal
representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que
representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que
em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela
construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira
funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais
A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um
esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por
meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso
vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf
CROFT 1991 185)
Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos
Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo
Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo
162
Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na
descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel
sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades
verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do
resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-
PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado
A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas
sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute
verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui
manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos
mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto
denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos
o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute
por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que
por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma
uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de
um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave
estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto
se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas
naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto
por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo
da construccedilatildeo serial
163
Construccedilatildeo resultativa transitiva
Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute
predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com
papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na
construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade
visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo
mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca
aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada
A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees
natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz
em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental
que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a
semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo
estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos
diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias
construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da
economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e
harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa
integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial
adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo
122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo
164
semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da
construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos
constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa
combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da
construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido
resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja
ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo
V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de
V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item
lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees
dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas
estabelecidas previamente na construccedilatildeo
513 Comparaccedilatildeo
Observemos o exemplo a seguir
(81)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo
Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo
A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da
relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da
construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema
relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto
natildeo prototiacutepico o item lexical de base
A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma
comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu
165
proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade
do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura
parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente
determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo
em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo
imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que
tange a sua especificaccedilatildeo formal interna
Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5
categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais
estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda
para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas
categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos
proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala
organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem
PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE
Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se
gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se
considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma
categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave
categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas
ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a
proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a
categoria QUALIDADE eacute o de modificador
A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia
simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de
estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e
formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se
organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua
No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico
capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar
relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a
166
comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma
mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e
por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo
traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento
concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz
mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos
sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo
previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que
preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva
desse falante
Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo
Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra
lsquoEle fala mais comigorsquo
Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ
lsquodo que (fala) com vocecircrsquo
Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que
estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o
inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam
como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela
construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo
semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias
que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos
semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso
essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a
habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua
A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante
tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo
em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute
depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da
construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se
relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de
167
comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber
que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os
termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que
o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a
comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc
(82)
igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no
dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura
sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e
em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema
relacional de funccedilatildeo comparativa
O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que
esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse
gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente
determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A
construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que
antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o
que sucede tra
Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do
ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial
comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de
sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o
termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o
OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A
informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores
conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias
168
necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A
depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente
por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra
(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos
semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica
Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que
estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade
O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar
ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os
elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos
argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre
participante focal e secundaacuterio temos
Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman
Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem
Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor
eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como
marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman
lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma
condiccedilatildeo no dia anterior
Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas
produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades
discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os
falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem
relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas
estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado
formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de
Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um
169
uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de
um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo
(83)
n tra Kwakou afwɛ nsjɛ
1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis
lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo
A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra
que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade
traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional
Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco
Trajetor n Marco Kwakou
Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que
aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na
comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo
dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o
elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos
semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o
sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas
posiccedilotildees
A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute
diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da
construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em
evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da
construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um
verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas
construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -
representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o
170
evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que
esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a
estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)
Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo
(84)
didididi juma n tratratratra mi
3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas
que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui
observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre
nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o
pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute
ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma
construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em
baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade
simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute
depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse
enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente
Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de
instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os
segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de
trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade
abstrata o proacuteprio trabalho
A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma
atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa
escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-
se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o
pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real
mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si
171
operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual
se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a
seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o
exemplo 89123
Tia˃Tkb
di juma n tra mi
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos
123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
172
M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo
igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois
referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome
sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a
performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por
sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a
dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em
baulecirc
(85)
n si Kofi kpa tra Kwakow
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo
posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)
Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia
instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem
recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada
173
numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos
depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas
estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se
estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em
relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na
estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124
exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e superioridade
514 Indicativas de modo
Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento
ocorreu por meio de construccedilotildees seriais
(86)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
Trajetor Noacutes marco natildeo tem
No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado
movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute
designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute
participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um
processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)
mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha
necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode
ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria
124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo
174
referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem
representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa
uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)
Vejamos sua representaccedilatildeo
Sem MOVER tema objetivo
PRED
Sint V Suj Verbo
susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa
correr(ndo) 1Spl chegar
Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire
funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a
circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas
permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo
e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito
por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o
falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila
515 Indicativas dos participantes de um evento
(87)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo
A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas
analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento
e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o
participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento
175
de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante
secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece
uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de
apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo
metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido
cortado do evento representado
A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a
elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o
que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou
perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees
analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria
semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado
O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes
de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica
apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem
de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma
forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico
A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado
Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao
falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse
participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica
da construccedilatildeo
A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um
determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos
elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento
que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem
efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado
compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse
exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo
apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos
constituintes da construccedilatildeo
Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e
marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente
176
di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao
observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e
mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como
trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre
esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta
num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e
marco mi
A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em
que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado
analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser
inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma
variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou
experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a
natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e
qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo
herdadas pelas extensotildeesrdquo126
O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada
extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando
essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)
125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo
177
lsquoEles comem sem mimrsquo
A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2
para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos
constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo
pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado
seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e
realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica
implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se
encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave
178
combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo
a seguir
(88)
i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo
3Ss sair-PERF ir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo
Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo
Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico
e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos
argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve
conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico
verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel
de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de
Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema
designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas
∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo
O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do
movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e
diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de
um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses
verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada
um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria
construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a
construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na
estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move
127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo
179
empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum
lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos
verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade
construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens
verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si
uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria
construccedilatildeo
Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de
construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e
semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das
especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128
(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo
especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento
indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre
ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)
128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo
180
Movimento causado
Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBJ OBL
H129 subparte
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBL
A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos
exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
fite+k ˂ i gwabo ˃
Sin V S LOC ir 3Ss mercado
Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um
determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a
construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma
129 H= heranccedila
181
construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as
estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees
Vejamos o exemplo abaixo
(89)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo
Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo
No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado
central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no
final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos
demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo
eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2
A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o
termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo
de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila
Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas
um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante
focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual
correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no
entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que
seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os
compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos
analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No
caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo
enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre
em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud
182
Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao
menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions
ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel
participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os
papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)
A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura
serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema
Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a
estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A
atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos
interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu
sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos
O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees
seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao
valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A
ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma
vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto
determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas
construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que
demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical
Observemos o exemplo a seguir131
(90)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132
Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo
130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
183
Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo
(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na
construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do
conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos
semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo
de que o salto foi sobre por cima de algo133
Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui
descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo
como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos
Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas
que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em
ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se
trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos
mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos
permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de
sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB
LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia
de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular
enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a
finalizaccedilatildeo desse evento
As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo
com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira
133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar
184
ou
Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da
construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento
exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por
meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com
185
Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B
entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o
fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando
observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se
configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute
explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento
deslocado) e o alvo
(91)
i kle mon
wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute
Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui
empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo
(91a)
a tutututu a tttt
3Ssg RES arrancarpartir RES cair
lsquoO chapeacuteu caiursquo
O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de
focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de
CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica
composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras
construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis
134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico
186
A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado
sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma
causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou
marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante
focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A
noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois
elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que
indica a finalizaccedilatildeo do processo
A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo
participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como
uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua
organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos
os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam
sintaticamente como um uacutenico predicado
O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo
resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo
natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa
lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo
de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da
proacutepria construccedilatildeo serial
Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser
acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como
observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que
ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo
(91b)
a tutututu a tttt ace
3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo
lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo
A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse
processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila
temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que
187
realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma
mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir
expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos
predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio
(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na
medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado
Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz
com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante
causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como
indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante
do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos
tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado
ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais
na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca
entre os mesmos
Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por
meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO
opcit p264-265)
(92)
a liɛ+ n ti be-wa
alimento DET ser cozinhar
lsquoO alimento estaacute cozidorsquo
Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura
diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo
que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee
em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador
assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada
A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes
comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem
188
Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente
pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com
incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como
Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃
tutututu tttt ˂ ˃
Sin V Suj Suj
cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo
Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de
paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A
noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash
que incidi sobre o proacuteprio sujeito
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o
processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a
partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees
Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade
entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as
demais construccedilotildees da liacutengua
Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de
um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos
A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi
determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os
verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para
compor seu significado
189
190
CONCLUSAtildeO
Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees
seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas
mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que
fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as
coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em
baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva
teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual
A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos
revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que
tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de
uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas
Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como
Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo
de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos
consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando
que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em
outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor
nem a uma nem a outra estrutura
Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute
ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas
principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um
inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas
construccedilotildees
Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma
diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por
Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de
que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo
para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente
Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as
construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem
tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos
191
(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no
modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos
adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)
pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem
que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais
nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em
baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas de cada uma delas
No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da
anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham
pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro
deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que
expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo
semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber
que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou
como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte
especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi
primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc
Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a
concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto
designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos
(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos
linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede
de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se
como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para
ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo
discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os
interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas
No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a
perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008
2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em
baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo
192
constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio
conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais
proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como
verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de
nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e
secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do
significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas
Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos
verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi
salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo
pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo
gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo
visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo
pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar
Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo
multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do
marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida
comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo
para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da
cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o
que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo
Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo
funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno
mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional
Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas
acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os
itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees
No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee
que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura
que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que
toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a
ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida
nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem
193
como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo
satildeo unidades estanques
Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo
devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel
descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um
conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da
construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver
duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc
que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma
procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de
estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem
como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise
Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em
outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que
continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um
pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um
incentivo a outras abordagens
194
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis
Norwegian University of Science and Technology (NTNU)
AIKHENVALD A DIXON RMW (eds) Serial verbs constructions A cross-
linguistic tipology New York Oxford University Press 2006
AMEKA Felix Multiverb constructions in a West African areal typological
perspective Leiden University (sd)
_____________ Ewe serial verb constructions in their grammatical context New
York Oxford University Press 2006
BOHOUSSOU AMANI Lrsquoeacutenonceacute complexe du nagravenaacutefwecirc Muenchen Lincoccedilm 2008
BOLE-RICHARD Reacutemy Probleacutematique des seacuteries verbales avec application au gen
Afrique et Langage n10 2ordm semestre 1978
BORBA Francisco S Dicionaacuterio de usos do portuguecircs Satildeo Paulo Aacutetica 2002
BROCCIAS Cristiano Cognitive approaches to grammar
BRUCE J Serialization from syntax to lexicon Studies in language 1219-49 1988
CASTILHO Ataliba T de 1997 ldquoA gramaticalizaccedilatildeordquo In Estudos Linguumliacutesticos e
Literaacuterios 1997 n 19 p 25-64
________________Introduccedilatildeo ao estudo do aspecto verbal na liacutengua portuguesa
Mariacutelia USP 1966
________________ Nova Gramaacutetica do Portuguecircs Brasileiro 1ed Satildeo Paulo
Contexto 2010 p396-397
____________________ Para uma sintaxe da repeticcedilatildeo Liacutengua falada e
gramaticalizaccedilatildeo Liacutengua e Literatura Satildeo Paulo Humanitas 1977 n23 p293-330
195
_______________ Aspecto verbal no portuguecircs falado In ABAURRE Maria
Bernadete M RODRIGUES Acircngela CS(Orgs)Gramaacutetica do portuguecircs falado Satildeo
Paulo Editora Unicamp 2002 p 83-116 vVIII
CHAFE W (Ed) The Pear stories Cognitive cultural and linguistic aspects of
narrative production Norwoor New Jersey ABLEX Publishing Corporation
1980vIII
_________ Discourse consciousness and time The flow and displacement of
conscious experience in speaking and writingChicago The University of Chicago
Press 1994 p1-160
CHOI Seongsook Serial verbs and the empty category In Beermann Dorothee
Hellan Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
CHOMSKY N Aspects of the theory of syntax Cambridge The MIT Press 1965
__________ Syntactic structures Cambridge The MIT Press 1957
CREISSELS Denis 2000 Typology In HEINE Bernd NURSE Derek (eds) African
languages an introduction Cambridge Cambridge University Press p 231-258
_____________ Schemes de preacutedication verbale In Description des langues
neacutegro-africaines et theacuteorie syntaxique Grenoble Ellug 1991
CREISSELS D KOUADIO N Description phonologique et grammaticale drsquoum
parler baoule Institut de Linguistique Appliqueacutee Universiteacute Nationale de Cocircte-
drsquoIvoire 1977
CROFT W Intonation units and grammatical structure Linguistics An
interdisciplinary journal of the language sciences BerlynNew York 1995 v33-5
p839-882
196
DELPLANQUE Alain Le mythe des ldquoseries verbalesrdquo Revue de linguistique Paris
n11-12 p231-249
ETHNOLOGUE Site httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci
FAUCONNIER G TURNER M Conceptual integration networks Cognitive Science
22 1998 (2) 133-187
FILLMORE C KAY P OrsquoCONNOR M Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538 1988
FIORIN JOSEacute L PETTER MARGARIDA MT (orgs) Aacutefrica no Brasil A formaccedilatildeo da
liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto 2008
Geeraerts D Cuyckens H (Eds) 2007 The Oxford Handbook of Cognitive
Linguistics OxfordNew York Oxford University Press
GIVOacuteN T Prototypes between Plato and Wittgenstein In Graig (ed) Noun classes
and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Co 1986
GIVOacuteN T Serial verbs and the mental reality of lsquoeventrsquo grammatical vs cognitive
packaging In HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C (Eds) Approaches to
grammaticalization Focus on theoretical and methodological issues Vol I
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1991
GOLDBERG Adele E Constructions A Construction Grammar Approach to
Argument Structure Chicago and London University of Chicago Press 1995
________________ ldquoConstructions A New Theoretical Approach to Languagerdquo
Trends in Cognitive Science 7 5219-224 2003c (reprinted in Journal of Foreign
Languages China 2004)
______ Noun classes and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins
Publishing 1986
197
HAGEMEIJER T Underspecification in serial verb construction IN RIEMSDIJK H
VAN HULST H VAN DER KOSTER J (eds) Studies in generative Grammar 2001
_____________ Serial Verb Constructions in Satildeo-Tomense Lisboa 2000
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica Descritiva) Universidade de Letras de Lisboa
HASPELMATH Martin Coordinating constructions an overview In HASPELMATH
Martin (dir) Coordinating Constructions AmsterdamPhiladelphie John Benjamins
2004 p3-39
HELLAN L BEERMANN D ANDENES E Two types of Serial Verb Construction in
Akan Norwegian University of Science and Technology (NTNU) 2003
HEINE B ULRIKE C HUumlNNEMEYER F Grammaticalization A conceptual
framework Chicago The University of Chicago Press 1991
HILFERTY J Cognitive linguistics an introductory sketch Universitat de Barcelona
(sd)
HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C Gramaticalization Cambridge University
Press 1977
HOUAISS Antonio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Versatildeo online
KEWITZ Verena Gramaticalizaccedilatildeo e semanticizaccedilatildeo das preposiccedilotildees A e PARA no
Portuguecircs Brasileiro (seacuteculos XIX e XX) Satildeo Paulo 2007 211 f Tese (Doutorado em
Letras) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
KOCH IV MARCUSCHI LA Referenciaccedilatildeo In Jubran amp Koch (orgs) Gramaacutetica
do Portuguecircs Culto Falado no Brasil Vol I Construccedilatildeo do Texto Falado Campinas
Ed da Unicamp 2006
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Les seacuteries verbales em baouleacute questions de
morphosyntaxe et de seacutemantique Studies in African Linguistica v29n1 spring 2000
198
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Kouame Kouakou Parlons Baouleacute Langue et
culture de La Cocircte drsquoIvoire Paris LrsquoHarmattan 2004
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN Dictionnaire Baouleacute-
franccedilais Abidjan Nouvelles editions Ivoiriennes 2003
LAKOFF G Categories an essay in Cognitive Linguistics Linguistics in the
morning calm Selected Papers from SICOL-1981 Seoul Hanshin Publishing Co
1982 p139-209
_______________ Women fire and dangerous things what categories reveal about
the mind Chicago University of Chicago Press 1987
LAKOFF G JOHNSON M Metaphors we live by Chicago and London The
University of Chicago Press 1980
LAMBRECHT K Information structure and sentence form Cambridge Cambridge
University Press 1994
LANGACKER RW Foundations of Cognitive Grammar Volume I Theoretical
Prerequisites Stanford California Stanford University Press 1987
_________________ Universals of construal Proceedings of the Annual Meeting of
the Berkeley Linguistics Society p447-463 1993a
______________ Discourse in Cognitive Grammar Cognitive Linguistics San
Diego n12 p143-188 2001
______________ Concept image and symbol the cognitive basis of grammar 2ed
Berlim Mouton the Gruyter 2002
_____________ Orientation Cognitive Grammar A Basic Introduction New
York Oxford University Press 2008
______________ Constructional integration Grammaticization and Serial verbs
constructions Langage and linguistics n42 p251-278 2003
199
______________ Cognitive Grammar In GEERAERTZ D CUYCKENS H (Eds)
The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics New York Oxford University Press
2007
LARSON Martha Baule SVCs Two distinct varieties of missing objects Fraunhofer
IMK Sankt Augustin Germany Legon-Trondheim Linguistics Project Annual
Colloquium University of Ghana Legon 4-6 December 2002
______________ The empty object construction and related phenomena
Dissertation presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University
2005
LAW PAUL VEENSTRA Paul On the structure of serial verb constructions
Linguistics Analysis 22 p185-217 1992
LAWAL S ADENIKE The Yoruba serial verb construction A complex or simple
sentence In Mufwene SS Moshi L (eds) Topics in African Linguistics
Amsterdam John Benjamim P Company v100 p79-103 1993
LECLERC J ltltCocircte drsquoIvoiregtgt dans Lrsquoameacutenagement linguistique dans le monde
Quebec TLFQ Universiteacute Laval 01 juillet 2007
[httpwwwtlfqulavalcaaxleuropedanemarkhtm] (05 mai 2008)
LEHMANN Christian 1995 Thoughts on Grammaticalization Muumlnchen Newcastle
Lincon Europa
LEITE Marcelo Andrade Resultatividade um estudo das construccedilotildees resultativas
em portuguecircs Rio de Janeiro 2006 205 f Tese (Doutorado em Lingua Portuguesa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
LORD Carol Causative cconstructions in Yoruba Studies in African Linguistics
Supplement 5195-204
200
_____________ Historical change in serial verb constructions
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1993
MIRANDA NEUSA SALIM SALOMAtildeO MMM (orgs)Construccedilotildees do portuguecircs do
Brasil Da gramaacutetica ao discursoBelo Horizonte UFMG 2009
NOYAU COLETTE TAKASSI ISSA Cateacutegorisation et recateacutegorisation les
constructions verbales seacuterielles et leur dynamique dans deux familles de langues du
Togo In LAZARD GILBERT MOYSE-FAURIE CLAIRE (eds) Linguistique Typologique
Lille Presses du septentrion 2005 p207-240
OSAM EK Aspects of Akan Grammar A functional perspective PhD Thesis
University of Oregon 1994
PAL Dayane Cristina Construccedilotildees seriais em portuguecircs brasileiro estudo com
dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSP Dissertaccedilatildeo
(Mestrado em Semioacutetica e Linguumliacutestica Geral) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
QUINT N Coordination et parataxe en capverdien moderne (dialecte santiagais ou
badiais) In CARON B (ed) Subordination deacutependance et parataxe dans les langues
africaines Louvain Paris Peeters 2008 p 29-48
PAWLEY Andrew amp LANE JONATHAN From event sequence to grammar Serial
verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology
and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998
ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)
Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et
eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003
______________ Words and their meanings principles of variation and
stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards
201
a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106
Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92
RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da
coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004
_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no
portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP
SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva
sociocognitiva 2006
_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre
sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74
SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in
sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing
Company 1987
SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um
novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de
Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm
_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-
versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a
Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic
Publishers 1977
TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford
Clerendon Press 1995
TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive
semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)
202
_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring
Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a
_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in
Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System
of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning
Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar
httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf
VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York
Cornell University Press 1967
WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do
portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP
WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues
africaines Paris Karthala 2004
WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee
HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)
The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8
Berlin New York Mouton de Gruyter 1996
WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE
DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004
203
ANEXO
Trecho de uma das narrativas do corpus
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo
Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo
Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo
Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo
yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo
Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo
I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo
204
yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo
Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo
wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo
i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo
mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo
yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo
laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo
yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo
- Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
- Agradecimentos
- RESUMO
- ABSTRACT
- SUMAacuteRIO
- Abreviaturas
- INTRODUCcedilAtildeO
- CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
- 11FONOLOGIA
- 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
- 13 O GEcircNERO
- 14 O NUacuteMERO
- 15 CLASSES DE PALAVRAS
- 151Pronomes
- 511 Pronomes pessoaispossessivos
- 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
- 152 Verbos
- 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
- 1522Futuro
- 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
- 153 Adjetivos
- 1531 Adjetivos indefinidos
- 154 Numeral
- 155 Palavras de sentido adverbial
- 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
- 16 SINTAXE
- 161 Frase simples
- 162 Frase complexa
- 1621 Coordenaccedilatildeo
- 1622 Subordinaccedilatildeo
- 17 Interrogativas
- 18 Negaccedilatildeo
- CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
- 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
- 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
- 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
- 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
- 243 Propriedades prosoacutedicas
- 244 TempoAspectoModo
- 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
- 246 Argumentos compartilhados
- 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
- 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 2511 Orientaccedilatildeo espacial
- 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
- 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
- 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
- 2 515 Comparativos e superlativos
- 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
- 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
- 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
- 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
- 311 Nomes e verbos
- 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
- 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
- 314 O determinante do profile
- 315 Autonomia e dependecircncia
- 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
- 317 Verbos complexos
- 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
- 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
- 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
- 3221 Polissemia
- 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
- 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
- 3224 Metaacutefora
- 323 Verbos e construccedilotildees
- 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
- 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
- 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
- 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 44 MARCAS ASPECTUAIS
- 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
- 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
- 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
- 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
- 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
- 512 Introdutoras de instrumento
- 513 Comparaccedilatildeo
- 514 Indicativas de modo
- 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CONCLUSAtildeO
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
- ANEXO
-
UNIVERSIDADE DE SAtildeO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA LETRAS E CIEcircNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LINGUIacuteSTICA PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM SEMIOacuteTICA E
LINGUIacuteSTICA
Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
Dayane Cristina Pal
Tese apresentada ao Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Semioacutetica e
Linguiacutestica Geral do Departamento de Linguiacutestica da Faculdade de Filosofia
Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo Paulo para a
obtenccedilatildeo do tiacutetulo de doutora em Letras
Orientador Profa Dra Margarida Maria Taddoni Petter
Exemplar revisado
Satildeo Paulo 2010
A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade
Agradecimentos
Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida
Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo
das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em
Paris
Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem
eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em
me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc
A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de
Linguiacutestica
Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros
diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris
A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o
conhecimento
Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas
A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade
pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria
acadecircmica desde o mestrado
Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida
RESUMO
Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que
subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees
simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de
orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a
Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)
A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com
construccedilotildees coordenadas sem conectivo
O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e
de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc
Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries
verbais liacutenguas africanas
ABSTRACT
This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial
constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by
Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major
semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their
syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization
based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive
Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions
(Goldberg 1995)
Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to
coordinate constructions without connective for being similar in structure
emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in
coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally
differentiates them
The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers
of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule
KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs
linguistic
SUMAacuteRIO
ABREVIATURAS
INTRODUCcedilAtildeO
CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1
11 FONOLOGIA 2
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4
13 O GEcircNERO 6
14 O NUacuteMERO 6
15 CLASSES DE PALAVRAS 6
151 Pronomes 7
1511 Pronomes pessoaispossessivos 8
1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9
152 Verbos 10
1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10
1522 Futuro 11
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11
153 Adjetivos 12
1531 Adjetivos indefinidos 12
154 Numeral 13
155 Palavras de sentido adverbial 14
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15
16 SINTAXE 15
161 Frase simples 15
162 Frase complexa 16
1621 Coordenaccedilatildeo 16
1622 Subordinaccedilatildeo 16
17 INTERROGATIVAS 17
18 NEGACcedilAtildeO 18
CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19
22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33
243 Propriedades prosoacutedicas 34
244 TempoAspectoModo 36
245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38
246 Argumentos compartilhados 41
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43
251 Construccedilotildees seriais 46
2511 Orientaccedilatildeo espacial 46
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto 49
2515 Comparativos e superlativos 53
2516 Construccedilotildees que indicam modo 54
2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54
2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57
31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59
311 Nomes e verbos 60
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64
313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67
314 Determinante do Profile 71
315 Autonomia e dependecircncia 73
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74
317 Verbos complexos 75
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87
3221 Polissemia 88
3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88
3223 Instanciaccedilatildeo 89
3224 Metaacutefora 90
323 Verbos e construccedilotildees 91
324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97
CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101
411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102
412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126
44 MARCAS ASPECTUAIS 131
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144
CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146
511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147
512 Introdutoras de instrumento 158
513 Comparaccedilatildeo 164
514 Indicativas de modo 173
515 Indicativas dos participantes de um evento 174
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188
CONCLUSAtildeO 190
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194
ANEXO 203
i
Abreviaturas
ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo
ADJINDEF ndash adjetivo indefinido
ADV ndash adveacuterbio
APRES ndash apresentativo
ASP ndash aspecto
CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado
COMPL ndash completivo
CONJ ndash conjunccedilatildeo
CONT ndash continuativo
DEM ndash demonstrativo
DET ndash determinante
DET-PL ndash determinante plural
ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo
EST ndash estativo
EXPL ndash expletivo
FUT ndash futuro
HAB ndash habitual
IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )
INDEF ndash indefinido
INF ndash infinitivo
INTER ndash interrogativo
LOC ndash locativo
M ndash masculino
MORF ndash morfema
NEG ndash negaccedilatildeo
O ndash objeto
OD ndash objeto direto
OI ndash objeto indireto
PASS ndash passado
PASREM ndash passado remoto
PER ndash person lsquopessoarsquo
PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)
ii
PL ndash plural
POSS ndash possessivo
POT ndash potencial
Prep ndash preposiccedilatildeo
PRES ndash presente
PROG ndash progressivo
REAL ndash realista
RED ndash reduplicado
REDUP ndash reduplicado
REFL ndash reflexivo
REL ndash morfema relativo
REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo
RES ndash aspecto resultativo
RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo
S ndash sujeito
Sg ndash singular
SN ndash sintagma nominal
TEMP ndash tempo
V ndash verbo
INTRODUCcedilAtildeO
O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de
leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005
na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs
brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo
Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como
ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava
propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da
teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo
apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries
verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que
um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro
Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do
continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs
mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento
e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo
Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto
de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de
cada liacutengua
Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de
serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas
agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de
Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais
em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um
olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que
tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos
Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos
brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)
e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees
seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade
de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o
portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel
semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as
propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)
elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em
dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo
dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados
de nosso corpus do baulecirc
No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais
teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica
Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos
Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas
insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a
sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na
elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem
passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer
outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-
se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de
suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem
conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura
conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc
Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente
fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon
(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente
semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma
caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo
5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees
Coleta de dados
O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira
1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da
histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria
pesquisadora
2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e
cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo
realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um
filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns
triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos
que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era
transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em
diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas
3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo
colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a
partir de um tema de interesse do proacuteprio falante
4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os
trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses
dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio
As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados
foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos
os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila
1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na
pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal
referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa
1
CAPIacuteTULO 1
A LIacuteNGUA BAULEcirc
Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por
aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do
continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia
em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que
estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma
aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais
repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas
estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e
superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma
classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do
Marfim
Niger-Congo
Atlantic-Congo
Volta-Congo
Kwa
Nyo
Tano
Central
Bia
Northern
Baouleacute
1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl
2
Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma
breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo
realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)
11FONOLOGIA
O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e
21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras
em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo
haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a
oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos
de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)
Orais e nasais
fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo
fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo
fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo
kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo
Surda e sonora
bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo
3
di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo
jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo
Pontos distintos de articulaccedilatildeo
fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo
Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e
dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma
propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos
semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute
determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)
sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo
alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo
No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo
realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo
indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos
(Kouadio amp Kouame 2004 14)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame
lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)
ɔ fa a duo
3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)
4
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio
amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica
Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa
do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem
alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees
foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um
exemplo
VOGAIS
API Ortografia baulecirc Exemplos
A a ta lsquoplantarrsquo
E e be lsquocozinharrsquo
ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo
I I ti lsquocabeccedilarostorsquo
O o bo lsquofundorsquo
ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo
U u fu lsquosubirrsquo
I in fin lsquovir dersquo
Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo
ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo
ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo
U un wun lsquover incharrsquo
CONSOANTES
API Ortografia baulecirc Exemplos
b b ba lsquocrianccedilarsquo
c c cɛn lsquoengordarrsquo
5
d d dɔn lsquohorarsquo
f f fu lsquosubirrsquo
ɡ g gali lsquomandiocarsquo
gb gb gba lsquoarmadilharsquo
ɉ j jɔ lsquoredersquo
k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo
kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo
l l la lsquodeitar dormirrsquo
m m damun lsquojogorsquo
n n nnun lsquocincorsquo
ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo
p p panndu lsquogarrafarsquo
r r rɛrɛ lsquoescalarsquo
s s se lsquodizerrsquo
t t tu lsquodesenterrarrsquo
v v vi lsquorim lomborsquo
j y yi lsquoesposarsquo
z z nza lsquoinhamersquo
13 O GEcircNERO
Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a
distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea
como observamos a seguir
bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo
yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo
6
14 O NUacuteMERO
Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun
Sran mun
Ser humano PL
lsquoOs seres humanosrsquo
15 CLASSES DE PALAVRAS
As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que
constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas
(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de
nomes verbos adjetivos e adveacuterbios
No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os
distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados
devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha
significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor
definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os
pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que
acompanham os lexemas nominais Exemplos4
di
Comer
lsquoComarsquo
alwa ɔ
cachorro pred
lsquoEacute um cachorrorsquo
bia kun
cadeira INDEF
lsquoUma cadeirarsquo
4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora
7
ɔ fa- li wa n man-ni mi
3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o filho delersquo
151Pronomes
Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes
pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte
nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que
determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5
bja nga
cadeira DEM
lsquoEsta cadeirarsquo
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ
branco vila INDEF dentro LOC
lsquoNuma vilahelliprsquo
511 Pronomes pessoaispossessivos
A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto
SUJEITO Singular Plural
1a pessoa n e
2a pessoa a amu
3a pessoa ɔ be
5 Exemplos de nosso corpus
8
COMPLEMENTO Singular Plural
1a pessoa mi e
2a pessoa wɔ amu
3a pessoa i be
Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em
construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ
(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por
pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do
referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso
facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004
22)
Min si liɛ
1Ss pai MORF
lsquoMeu pai (a mim)rsquo
Be nianman bian6 liɛ mun
3Opl irmatildeo homem MORF PL
lsquoOs irmatildeos delesrsquo
Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal
complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta
adicionar o morfema mun
POSSESSIVO Singular Plural
1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo
2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo
3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo
6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua
9
1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga
mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome
que determinam7
Gbo nga
Poccedilo DEM
lsquoEste poccedilorsquo
sran nga mun
Ser humano DEM PL
lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo
A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun
lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be fa be un
3Spl parecer 3Opl corpo
lsquoEles se parecemrsquo
Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado
utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be wan Kofi ba-li
3Spl dizer Kofi vir-PERF
lsquoDizem que o Kofi veiorsquo
7 Exemplos de nosso corpus
10
152 Verbos
A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e
dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin
lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros
1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)
verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o
imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man
colocado apoacutes o(s) verbo(s)
Exemplos
tra li a ce kl ltri
Ele s sentar PERF solo escrever carta
lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo
a ba ma
3Ss RES chegar NEG
lsquoEle natildeo chegoursquo
ba su wa kɔ lafi
crianccedila PROG FUT ir dormir
lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo
yɛ ɔ fa flwa nga
entatildeo 3Ss pegar livro DEM
lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo
ɔ tɛ lafi
3Ss CONT dormir
lsquoEle continua a dormirrsquo
11
1522Futuro
A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome
sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro
proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa
Vejamos alguns exemplos
laflɛ kun ba yɛ wa lafi
sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir
lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo
ɔ su wa sɔ televizion n
3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET
lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos
realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz
em muitas repeticcedilotildees
wo l titi waka ma wie
3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF
lsquoEle colhia umas frutasrsquo
153 Adjetivos
O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que
determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o
adjetivo
Sran dan
Ser humano grande
lsquoUm homem grandersquo
8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo
12
Bla kpɛnngbɛn mun be si able
Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)
lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10
1531 Adjetivos indefinidos
a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)
algum(ns) certo (s) Exemplo
sran vie mun be bali wa
ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC
lsquoAlguns homens vieram aquirsquo
b) fi algum Exemplos
like fi n kɔ a lika fi
coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum
lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo
c) kwlaangba tudo todos
Ba sɔrsquon si sa kwlaa
Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo
lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo
d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo
lsquouma aacutervorersquo
10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc
wa ka ku n
aacutervore uma
13
e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo
Like uflɛ
coisa outra
lsquooutra coisarsquo
f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo
like kunngba
coisa mesmo
lsquoa mesma coisarsquo
g) sɔ lsquotal dessa formarsquo
talua sɔrsquo n tirsquo A kpa
menina tal DET ser NEG bom
lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo
154 Numeral
Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a
centena 200
1 kun k 11 blu nin ku
2 nnyɔn 20 ablaɔn
3 nsan 30 ablasan
4 nnan 40 ablanan
5 nnun 50 ablenunn
6 nsiɛn 60 ablesiɛn
7 nso 70 ableso
8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ
14
9 ngwlan 90 ablangwlan
10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn
155 Palavras de sentido adverbial
Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe
unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente
nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos
tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e
adjetival
Nian kpa
Olhar bom
lsquoOlhe bemrsquo
Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado
como adjetivo e adveacuterbio
i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ
3Ssg sair 3CLpl olho grande grande
lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo
Kuasi klo Amlan ngboko
Kuasi amar Amlam Muito
lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo
O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12
K a gu li l fu li e ku n
Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo
lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo
11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus
15
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de
adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute
contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo
bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo
16 SINTAXE
161 Frase simples
As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema
Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos
le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs
lsquoEle tem trecircs cestasrsquo
Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs
lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo
Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute
invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo
ɔ yo li swa nga man ni mi
3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
162 Frase complexa
1621 Coordenaccedilatildeo
A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes
morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns
exemplos
16
ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver
lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo
Y sie-li l y bo i komin ekun
Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv
lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo
K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba
Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir
lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo
1622 Subordinaccedilatildeo
O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para
expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i
nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ
sa) Exemplos ilustrativos
K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla
Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo
lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo
i ti kɛ nɛ yɛ
3Ss ser como animal ADV
lsquoEle eacute como um animalrsquo
ti k kkba umuan y u i
3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo
17
A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo
Exemplo
e wo Paris tra Lion
1Spl ir Paris ultrapassar Lion
lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo
17 Interrogativas
Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin
lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo
nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ
O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred
lsquoO que ele fez para mimrsquo
a fa mannin wan
2Ss pegar dar-PERF INTER
lsquoA quem vocecirc deu isso
ɔ duman suan13 sɛ
3Ss chamar INTER
lsquoComo vocecirc se chamarsquo
18 Negaccedilatildeo
O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a
marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o
morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos
13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo
18
Mrsquoa fa man mrsquoa fia man
1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG
lsquoEu natildeo o escondirsquo
kɛ ba lafili man
quando crianccedila dormir-PERF-NEG
lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo
Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se
acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos
mi si su man ma n mi livru kun
POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF
lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo
Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo
man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo
ɔ tran ma n lɔ ku n
3Ssg morar NEG LOC NEG
lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15
ɔ nian wɔ ma n Buake
3Ssg NEG ir NEG Buake
lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo
14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397
19
CAPIacuteTULO 2
L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no
que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades
definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de
anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das
liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos
parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades
sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme
Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do
tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo
Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais
construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas
Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp
DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais
que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute
nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em
estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute
considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu
trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de
um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua
Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de
combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem
nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele
atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma
sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo
acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial
20
Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for
um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um
complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar
fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos
satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse
caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas
subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16
(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)
Em combinaccedilatildeo acidental
Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou
adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado
simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados
sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas
satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto
na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)
Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os
componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute
hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na
seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que
estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou
Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica
da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e
tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo
A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de
uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser
expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o
16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo
21
apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o
essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora
eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo
significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao
verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)
Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada
muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar
a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das
liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento
seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos
desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item
lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo
absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada
construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos
estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido
aprofundadas pelo autor
A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com
Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os
estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas
pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa
transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as
construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou
mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)
(1) fmm me ne pocircnko no
Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o
lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo
18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)
22
(2)
fmm me no
Ele emprestar-PASS me o
lsquoEle o emprestou a mimrsquo
(3)
de no fmm me
3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)
lsquoele o emprestou a mimrsquo
Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua
natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples
admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A
produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome
objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em
que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que
compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que
restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de
novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais
Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas
propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos
em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais
como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental
por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se
realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que
observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os
verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de
identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da
combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as
caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de
verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da
sentenccedila nem portam marcas gramaticais
23
Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que
em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de
Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens
lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem
de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em
momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo
apresentando propostas diferentes
O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas
distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las
como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir
de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas
estabelecidas na construccedilatildeo
Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991
Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como
resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a
sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um
fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um
continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi
2005)
Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados
associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas
chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute
Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais
para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees
seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees
sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos
os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo
de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)
Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees
seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente
21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo
24
pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os
argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar
mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma
recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma
anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez
que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande
variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia
demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o
surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso
linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um
processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel
A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos
nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos
falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo
Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento
ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo
semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as
construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades
semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que
tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal
na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A
nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a
possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente
A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de
Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da
inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo
Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo
satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada
construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do
significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a
proacutepria construccedilatildeo
25
22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica
da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade
cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia
tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema
cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral
Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de
outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma
habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a
concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes
de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa
tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano
culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de
tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico
Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo
linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo
principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia
Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo
denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre
construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade
para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos
africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor
rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que
testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as
ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que
essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor
eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente
compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa
construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de
que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar
a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns
22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo
26
povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos
desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e
consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo
produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se
certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em
outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por
exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord
(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua
depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees
comunicativas elas servemrdquo23
Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais
uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura
sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES
SERIAIS
Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de
propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do
fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que
pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de
1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual
tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de
anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de
1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos
tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as
proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa
abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para
todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)
No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas
contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que
23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname
27
dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como
o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser
analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e
quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns
exemplos
(4)
Olu mu iweacute wa
Olu pegar livro vir
lsquoOlu trouxe o livrorsquo
(5)
Olu gun iyan je
Olu pounded yam ate
lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo
Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo
de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e
construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries
verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o
autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de
natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo
tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao
contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26
Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na
tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf
JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o
desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa
entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas
e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la
da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais
25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos
28
Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas
abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse
pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito
de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas
caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as
diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)
O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a
tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades
especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para
a construccedilatildeo eacute
Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem
juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo
subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais
descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees
simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo
simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS
podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada
componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos
individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27
(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)
Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma
variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea
Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e
coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua
anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua
de base
Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma
maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como
o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de
subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares
27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo
29
modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas
inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)
A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois
apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase
inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do
Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute
que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais
comuns em liacutenguas analiacuteticas
Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-
congolecircs
Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)
(6)
a fa i swa n a kle mi
3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os
lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)
Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)
ti-wa -ra ete re a
3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o
lsquoEle destruiu o pratorsquo
No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em
seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle
lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo
sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado
28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo
30
por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute
mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas
da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada
O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na
elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de
serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee
apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no
capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula
completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse
satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o
dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de
complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se
parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas
mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo
O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num
uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos
assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por
meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo
podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a
adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um
evento
Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos
descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem
expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal
associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades
verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que
sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico
lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da
construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do
segundo verbo
29 Verbos esvaziados de sentido
31
Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma
compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se
complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS
para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem
na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas
regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das
construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas
coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia
ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como
uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa
classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de
liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo
esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon
(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a
elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes
grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores
contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem
que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e
Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e
chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas
seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a
despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado
simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia
sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra
32
oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se
observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da
Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)
(8)
nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana
1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP
lsquoEle viu que eu atravesseirsquo
Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final
da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais
ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de
cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS
o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS
aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de
subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute
subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte
Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud
AIKHENVALD 2006)
(9)
a mtto cw katto rwo t
1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei
lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo
Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o
elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas
verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de
estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos
componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da
composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a
30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda
33
CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas
gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso
acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees
seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de
forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais
independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas
marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do
perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo
de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus
componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel
constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir
uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas
multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa
dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de
gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que
adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a
compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto
que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido
Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas
a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a
distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse
conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por
essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores
Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que
determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de
compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de
integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente
possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja
do uso que o falante faz dele
34
243 Propriedades prosoacutedicas
Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma
oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de
entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras
oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa
pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os
autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo
concisa sobre ela
Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua
escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite
maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de
fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de
organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais
Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a
complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os
interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que
pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura
gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa
de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no
discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade
entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou
informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no
discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda
na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os
limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma
oraccedilatildeo de um uacutenico verbo
A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a
caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se
sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie
verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees
seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo
35
prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que
uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da
capacidade fiacutesica humana
Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula
a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala
tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se
houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade
entonacional
A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos
formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente
uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de
uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades
cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a
tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma
mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma
abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica
(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels
() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre
construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um
predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees
em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)
Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia
verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba
todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas
europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de
seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo
inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000
240)
32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo
36
244 TempoAspectoModo
Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de
tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes
conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser
feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre
elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e
que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila
entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a
concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema
indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de
aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33
(Ameka 2003)
(10)
Kwasi da h re di di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e
o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores
aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a
concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se
harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do
aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento
Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo
por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades
discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos
maiores perfectivo e imperfectivo
Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir
uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam
33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana
37
compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum
contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)
Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006
9)
(11)
cu a ni ak n- ni
Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB
lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)
Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e
ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir
(12)
cua ci ak oŋgu i
cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg
lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo
Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra
accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo
apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute
de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao
segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo
que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de
agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do
exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo
parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo
coordenada
Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc
(13)
Be sin-ni l be wo-li
38
3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF
lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo
Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que
representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem
pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido
junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar
essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados
No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos
verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees
coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em
elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos
que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do
falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente
a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento
como em construccedilotildees seriais
245 Composiccedilatildeo dos argumentos
Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento
Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de
argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico
argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item
lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da
natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)
Ambos podem pertencer agrave CS como um todo
Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a
caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou
subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as
caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos
34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo
39
por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em
outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio
de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando
usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)
Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da
valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos
requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois
resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o
seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)
(14)
o ti ri nwo keacute a hu o kpo
Ele bater TEMPO homem REL soco
lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)
(15)
lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)
Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e
o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o
mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando
entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o
verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e
interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se
sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A
estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo
o ti gbu ru nwo keacute a hu
Ele bater matar TEMPO homem REL
40
transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos
que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um
argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma
serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos
compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo
caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a
apresentada acima como uma CS
O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso
(16)
i kle mo n wla i ti kle n a tu a t
3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES
cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo
Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle
arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo
ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da
CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando
concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS
O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento
interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia
desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos
transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc
Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da
combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de
que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua
valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante
de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto
de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS
41
246 Argumentos compartilhados
A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma
propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que
quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam
consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como
prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos
ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo
satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs
Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo
componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO
sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de
um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode
ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade
indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute
denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38
(AIKHENVALD 2006 16)
(17)
Tali mi-tit tenten Kevin
Tali PER-socar chorarREDUP Kevin
lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo
Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza
uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro
verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse
primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo
elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2
37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu
42
Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico
entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)
que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo
impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir
como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada
proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo
como elemento de fundo ou apoio agrave cena
Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em
geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical
seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit
p16)
(18)
na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak
3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM
lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo
O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e
tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares
em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que
eacute menos especiacutefica
A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute
sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim
Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e
construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a
diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito
evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto
de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute
bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)
39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo
43
Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito
satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na
literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo
transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2
nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees
consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito
de V1 eacute equivalente ao objeto de V2
Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do
goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud
AIKHENVALD 2006 102)
(19)
kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()
antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta
lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo
Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees
temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou
de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo
progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o
primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima
Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees
(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os
recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica
demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a
identificaccedilatildeo de uma CS
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees
seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com
suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash
construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a
relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na
44
construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico
evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo
harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus
componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo
pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado
grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem
representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico
verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica
especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald
Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas
grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe
relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe
gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees
assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito
por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula
uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou
postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a
toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)
Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos
pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe
restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma
divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo
com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e
quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos
que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos
de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa
desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a
adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo
ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse
40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo
45
conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que
podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees
gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou
ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente
Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos
semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as
propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo
condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer
quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos
semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos
parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo
das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as
constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e
consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros
de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los
1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento
2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de
estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo
3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-
modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo
4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo
5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo
6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos
como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros
A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a
apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo
tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar
principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria
essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os
mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs
46
251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A
seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades
2511 Orientaccedilatildeo espacial
Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de
movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -
e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD
2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica
do Sul
(20)
Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]
Macaco vir beber I PRES
lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo
indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao
mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada
(21)
a fin Buake a ba
3Ssg RES vir de Buake RES chegar
lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo
Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao
encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]
Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No
primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do
baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida
47
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de
outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do
kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213
apud AIKHENVALD op cit p23)
(22)
lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo
Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma
funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de
mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo
apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma
outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em
casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord
(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma
adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico
Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS
ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois
processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite
portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como
afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do
qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo
ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise
como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte
de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma
mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial
Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses
verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A
kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai
quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir
48
autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e
temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do
aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre
CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais
processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees
Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe
apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)
(23)
ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]
1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS
lsquoEu me tornei grandersquo
Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo
ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro
verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando
empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de
ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de
seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos
semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um
novo significado
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute
negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos
em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma
modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo
morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer
sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a
41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)
49
seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD
opcit p 24)
(24)
eli ja acha bai Singapore
3Ssg PER receber ir Cingapura
lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto
Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em
papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas
instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que
passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees
semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como
verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em
saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud
AIKHENVALD opcit p 26)
(25)
Kofi Bi bai di buku da di muyeacute
Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher
lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo
O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo
primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo
(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e
beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo
quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica
entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego
em CS como a do exemplo (25)
43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca
50
Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de
um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud
KROEGER 2004 239)
(26)
Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i
Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip
lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo
Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os
argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos
verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos
As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser
analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o
padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os
verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()
Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004
239)
Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em
posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em
posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O
objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o
objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo
serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por
exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo
representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees
metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS
Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como
coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O
principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena
44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo
51
representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a
natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome
nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)
(27)
Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg
lsquoAya me deu o livrorsquo
A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em
CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar
sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode
ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e
aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON
opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo
acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos
integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns
casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio
ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item
lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em
sincroniardquo47
O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento
mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um
momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2
Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de
coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a
outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo
jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em
serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para
46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas
52
verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential
combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48
Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico
de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)
(28)
Abo lori tudik korsquoa paun
avocirc pegar faca cortar patildeo
lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de
ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)
tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada
sem conectivo com sujeito vazio
(29)
fa-li lali kp-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF
lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um
uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o
sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas
construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject
construction- ESC)
Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo
apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em
estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis
visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum
53
instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem
como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento
A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como
as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou
coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos
que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo
semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise
reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como
uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo
2 515 Comparativos e superlativos
Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo
ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de
construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006
101)
(30)
kuma frsquoyer ma ni
tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg
lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo
Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial
comparativa
(31)
n si Kofi kpa tra Kuakou
1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o
outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute
algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo
50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria
54
como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em
segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados
2516 Construccedilotildees que indicam maneira
Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado
pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in
AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em
que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira
como a outra accedilatildeo se realizou51
(32)
ti [gi-e yaa-a -goe ]
1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT
lsquoEu chegarei atrasadorsquo
252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico
da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um
evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como
pressuposto a accedilatildeo de cozinhar
(33)
Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu
Ama POT-cozinhar coisa comer
lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo
51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo
55
Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois
do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido
pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo
2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo
serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o
efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos
em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-
function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)
(34)
n=babas weli n=mot do
3sg=bater porco 3sg=morrer REAL
lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo
Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra
indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou
52 Liacutengua austroneacutesia
56
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o
tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito
de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas
propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de
variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas
construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer
paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees
Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de
compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa
caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo
homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo
evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de
identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais
Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo
com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto
mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um
ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo
57
CAPIacuteTULO 3
PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as
construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo
dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois
entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que
traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em
coacutedigo
O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de
perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas
relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave
elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970
nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente
como um movimento mundial
O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os
estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano
precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos
gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de
que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas
propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos
pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos
teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta
Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto
heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)
teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais
(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987
2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas
comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira
(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos
portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo
(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se
uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico
58
(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre
domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes
inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia
Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem
estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas
estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como
manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na
Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a
organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em
diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)
Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da
Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave
proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a
Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria
maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as
propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as
quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva
desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens
lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de
nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo
aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o
significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca
mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf
LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele
Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a
elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item
lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee
a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como
a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os
moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de
ambas
59
31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso
e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que
descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute
simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o
fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e
no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)
formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas
simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica
ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma
determinada liacutengua (LANGACKER 1987)
Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave
conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer
tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto
experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva
compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada
pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica
dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa
interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo
discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as
estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da
transmissatildeo da informaccedilatildeo
A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica
Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a
caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que
estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na
elaboraccedilatildeo dos enunciados
53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria
60
311 Nomes e verbos
Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam
em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos
dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que
natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente
idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo
necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria
Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por
Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA
1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de
saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da
dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria
categoria
As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade
identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos
mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas
propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os
elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a
estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a
natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as
dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se
extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os
membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de
significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e
sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em
consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a
natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas
margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e
intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees
necessaacuterias e suficientes
Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e
verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto
fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em
54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa
61
termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos
fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades
de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo
que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo
prototiacutepico
Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a
existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para
nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes
Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos
I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material
II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual
III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo
IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa
nenhuma localizaccedilatildeo particular
V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos
conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento
E para verbos o autor destaca
I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de
mudanccedila e transferecircncia de energia
II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem
sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal
III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada
uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes
IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem
conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem
Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo
resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam
tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo
linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e
categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo
das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas
62
por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de
influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)
Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos
de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos
o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo
Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos
discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato
entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de
dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato
fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que
pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55
(LANGACKER 2008 103)
No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila
a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o
objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia
prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida
Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute
proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais
proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se
um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma
accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa
transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um
terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim
sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo
substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que
os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa
Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento
e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)
Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de
energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras
55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo
63
[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia
de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de
energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo
intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o
sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento
autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o
que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos
chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute
um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA
SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)
O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado
modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia
momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a
interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse
modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem
em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)
No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os
participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo
cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por
expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos
nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos
centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que
representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez
que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a
uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como
participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante
Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical
e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e
complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia
complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os
dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico
56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo
64
contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto
a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura
Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas
linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou
mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do
falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual
direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes
de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado
As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que
concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo
uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam
prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se
desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles
haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um
nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente
possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser
relevante para nossa pesquisa
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por
uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo
significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais
ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende
do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre
leacutexico e gramaacutetica
Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo
claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do
leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e
podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro
mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no
estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar
processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura
semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica
65
Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que
uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma
comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo
expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma
comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o
lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas
partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber
dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo
palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo
auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo
(estaacute falando) entre outros
Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o
processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para
que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma
expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de
complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas
caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo
eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de
detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes
A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de
experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um
conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58
(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais
de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria
o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem
traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a
que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo
formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos
protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor
(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo
satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um
57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo
66
nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e
probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os
protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)
Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja
na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e
dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais
Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e
conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito
no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva
consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e
devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma
representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais
De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-
se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro
deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso
deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de
construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma
expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas
depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59
(LANGACKER 1993a)
E ainda
Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo
inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade
eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro
ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva
tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)
Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a
sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na
59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo
67
situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez
refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o
outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do
proacuteprio discurso
Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das
diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de
um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)
identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que
decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as
classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)
313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais
relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se
estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu
significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais
de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia
entre os seus elementos conceituais
As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo
apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado
da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como
exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base
mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma
condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um
processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e
reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento
Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se
desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de
energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a
categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a
impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva
Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado
natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo
68
bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como
um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades
cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background
memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER
1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo
linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais
capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos
mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos
cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa
percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas
por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do
primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o
que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua
compreensatildeo o que eacute menos relevante etc
Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia
conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois
elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos
saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em
um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas
gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas
figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata
Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e
fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o
espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)
Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente
moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor
particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61
61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo
69
O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel
relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou
orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62
Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as
noccedilotildees de marido e esposa
(LANGACKER 2003 252)
A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma
base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e
esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao
poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino
A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o
elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais
como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre
homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o
nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto
de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo
de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros
A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de
retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia
desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor
tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a
possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que
demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada
proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees
particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados
62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo
70
conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo
planos
Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma
determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver
essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com
o qual a cena eacute representada
Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em
que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja
representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido
amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento
preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas
dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current
discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as
informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor
formando a base do discurso produzido
No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para
elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia
que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa
capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa
forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo
numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra
absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O
escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou
escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo
imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e
o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a
propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato
Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em
sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo
em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que
nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez
examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento
cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou
71
seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo
escopo maacuteximo
Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)
interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo
temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de
sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas
gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o
trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees
314 O determinante do profile
A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de
seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo
a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas
esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa
forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os
profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao
profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um
termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a
mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo
designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome
ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo
O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da
construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave
qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da
GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela
natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de
seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo
correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de
classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as
estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e
consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute
apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos
72
Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de
nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse
equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma
parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo
Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser
classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha
cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar
analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet
tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o
trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como
trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do
closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina
um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um
de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile
correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um
deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial
Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser
identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao
da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o
profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por
Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um
verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de
remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o
processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim
um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que
apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos
constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar
carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente
Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam
usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC
denominados esquemas construcionais
64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo
73
Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de
semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas
Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)
315 Autonomia e dependecircncia
Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de
correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui
esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados
Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um
detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a
schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse
termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration
site (e-site)
Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente
conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de
correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados
como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo
considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a
caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical
verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute
-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que
o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado
O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da
organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por
termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato
indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em
suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de
dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a
estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute
65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo
74
dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o
componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no
ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de
autonomiadependecircncia desses elementos componentes
A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser
compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e
seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente
sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria
construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo
isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe
de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo
eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica
Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute
identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas
componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas
componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical
mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos
constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico
representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano
corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha
A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC
uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um
agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto
de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que
iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo
se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a
sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC
considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno
75
(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por
instacircncias simboacutelicas
Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que
estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees
transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos
elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos
alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo
componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)
(a) The package [that I was expecting] arrived
(b) The package arrived [that I was expecting]
Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo
conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de
organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do
exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que
ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos
constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a
sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a
significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas
gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual
que expressam
317 Verbos complexos
Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta
complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A
estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma
oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que
restam a ser preenchidos
De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui
no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em
liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos
76
resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o
autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo
necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto
ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do
tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)
A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma
uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas
indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto
por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos
por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores
de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo
podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que
representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam
como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas
O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo
funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o
que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos
complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em
construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do
inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que
demonstra as relaccedilotildees de seu profile
(LANGACKER 2003 270) Figura 2
GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)
aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de
77
um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena
enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A
Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com
a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser
de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade
transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for
mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e
influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do
tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do
recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)
Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no
domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente
admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja
transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no
caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da
liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso
pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER
2003 271)
No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo
agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o
beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de
transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)
Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave
demonstrada na figura 2 acima
No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos
son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e
78
envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas
representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes
mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma
sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a
compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua
representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como
verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do
beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor
prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais
representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a
representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do
marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente
(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual
Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres
que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do
mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada
por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos
que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo
em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente
experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas
conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees
linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia
dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal
elaborado de uma determinada cena
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
10) fa li tanni man ni kuajo
Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso
79
fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais
que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento
descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por
transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos
fa (pegar) e man (dar)
O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute
tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena
O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo
e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato
de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel
numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com
essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a
perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo
fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode
imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos
Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos
semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores
que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte
semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em
construccedilotildees seriais passa a verbo funcional
Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de
seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais
possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas
formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento
dessa estrutura
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas
um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos
semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos
constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a
ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e
80
qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente
relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que
antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da
Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua
significaccedilatildeo
O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos
a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um
evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente
de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos
culmine em um evento maior e principal
Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de
alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente
associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma
concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash
AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28
in AIKHENVALD 2006)
A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos
semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente
pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no
que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou
subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma
mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em
estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no
significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado
da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem
Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos
semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais
66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo
81
deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa
forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de
conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens
lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela
acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da
construccedilatildeo
Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial
como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de
eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma
funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do
evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo
como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou
discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e
uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim
concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo
de interdependecircncia estabelecida entre os verbos
Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o
ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de
um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado
denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto
de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo
verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma
consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo
primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)
Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que
nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores
prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo
67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo
82
Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de
autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68
Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar
e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena
representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees
seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em
termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como
representativos tambeacutem dessas construccedilotildees
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados
estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus
participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os
componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de
acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena
de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a
abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o
barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma
mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu
interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada
atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem
mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo
para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo
conceitual
Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo
fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a
conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as
liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos
seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser
realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de
evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento
em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)
68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to
clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual
autonomy and dependencerdquo
83
Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi
discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser
comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado
por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que
devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo
Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de
Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica
Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica
Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo
teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites
estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas
naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem
processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao
leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias
denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da
liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como
pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de
forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da
maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos
anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria
A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel
central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma
minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A
natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas
formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG
2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a
69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos
84
gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser
compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas
e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge
espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras
semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave
gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)
sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees
satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee
assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da
liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange
ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico
A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre
construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de
uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute
de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que
natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as
unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e
sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a
diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade
Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos
construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais
transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por
exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e
a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em
complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares
de significado e forma
A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia
lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma
hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma
construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da
70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538
85
construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)
sobre o verbo slice
a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)
b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-
movimento)
c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)
d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o
eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)
e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)
A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice
a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao
contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp
instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a
determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da
estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de
Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo
preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e
que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido
central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais
como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de
estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre
outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente
pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees
Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma
gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado
projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando
entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma
determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos
e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto
quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base
86
adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em
outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem
como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico
Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma
abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se
atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal
abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as
construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de
mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical
se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque
potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta
ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e
escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado
na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de
um item lexical em seu sentido de base
Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que
Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de
linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)
deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das
palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que
(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes
significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro
de maneira clara71
A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de
motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as
provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas
71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item
87
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas
tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da
motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo
maximizado princiacutepio da maacutexima economia
Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute
motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de
forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas
sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder
expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir
de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de
construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel
Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as
construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees
(GOLDBERG 1995 67)
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana
uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos
capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas
sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o
compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o
que eacute novo
Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo
de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem
entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e
um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que
jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo
nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela
gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou
alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute
conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada
88
categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como
um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)
No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que
representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a
Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a
gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma
similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras
- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode
ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica
3221 Polissemia
Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado
particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima
extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas
entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As
informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo
Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs
1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo
2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo
As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que
preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus
participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo
sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A
existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1
3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de
outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre
73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995
89
construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir
um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes
Constr Movimento Causado
SEM Causa-Movimento lt
PRED lt
SINT V
causa tema alvo
gt
gt
SUJ OBJ OBL
Lscausa
Constr Intransitiva de Movimento
SEM Movimento lt tema alvo gt
PRED lt gt
SINT V SUJ OBL
3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou
uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a
autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo
instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica
associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de
construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo
Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo
75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo
90
Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da
semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa
consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em
que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa
forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na
construccedilatildeo que a originou
(GOLDBERG 1995 80)
Resultativa
Li Ls
drive
3224 Metaacutefora
Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de
um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave
construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a
autora cita
a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo
b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo
O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido
de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)
apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de
movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado
como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off
the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo
metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o
sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)
Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo
possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas
91
semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes
entre as liacutenguas
Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute
a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens
construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como
forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e
processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas
empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)
323 Verbos e construccedilotildees
A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute
carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem
Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees
sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio
sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais
Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que
consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda
construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do
falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais
(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em
construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos
componentes
No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena
por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas
em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-
se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de
apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical
Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de
primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o
compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa
atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade
76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo
92
cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker
(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e
TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam
diferentes aspectos
HIPOTENUSA TRIAcircNGULO
De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens
verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na
medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos
aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os
itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam
papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que
neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao
evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma
construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um
significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional
propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical
instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e
protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido
O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas
concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre
outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a
um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo
regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de
princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir
a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos
semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que
realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o
papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse
verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser
instanciado como exemplo do papel de agente
93
b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um
correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma
similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a
elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria
Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa
estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo
bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus
integrantes
Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir
com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item
CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um
chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o
recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva
Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)
Joatildeo chuta a bola para o Pedro
O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela
construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel
de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o
verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados
como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de
recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite
essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da
informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de
chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam
por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs
Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando
incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel
de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)
He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo
94
A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi
empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico
Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo
manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na
cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a
introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados
diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto
natildeo nos parece ter sido salientado pela autora
O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado
do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do
verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma
construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa
construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo
profunda entre esse item e a construccedilatildeo
Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica
de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo
compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo
visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento
Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo
menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute
corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo
324 Limites entre leacutexico e sintaxe
Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia
pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de
uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a
gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos
significados mas que seja apenas um de seus componentes
A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum
significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se
postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo
sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute
entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a
95
proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de
uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a
compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada
predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente
idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada
virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um
organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez
tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua
menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o
sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se
produz
Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria
regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e
consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos
herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum
elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura
originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original
(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente
Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o
conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa
circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a
construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas
em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A
capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato
cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa
capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana
constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental
A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite
visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que
estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo
sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele
contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da
gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao
significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado
96
e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e
desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo
verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo
Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como
um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou
de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica
primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o
interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do
verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na
estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses
casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena
principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo
ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como
essencial
A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de
mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee
para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se
compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado
Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter
funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo
seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o
caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura
que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do
leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico
97
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas
teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que
nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram
utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os
enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a
Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua
natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute
precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera
assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e
significado
Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo
observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o
entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes
analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais
construccedilotildees
98
CAPIacuteTULO 4
DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais
concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila
entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute
certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc
(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se
firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam
exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas
propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar
apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos
os exemplos abaixo77
(1)
S V1 O V2 O
sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(2)
S V1 V2 O
fa nu13nu kun wun $ a wun i
Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo
Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores
reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se
assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees
77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros
99
Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma
construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de
seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi
reconhecida mas que se distingue pouco do ponto
de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito
relativamente mais proacutexima formalmente da
justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de
outras liacutenguas79
Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais
nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais
construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua
semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf
CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas
dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf
CREISSELS amp KOUADIO opcit)
bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila
de entonaccedilatildeo
bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a
sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa
bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80
bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)
mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a
construccedilatildeo
Vejamos um exemplo
(3)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ssg pegar frango mostrar 1Osg
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS
amp KOUADIO 1977)
100
Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp
Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso
apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca
gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto
imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave
classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o
significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo
pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir
(4)
ā su fā wɔ swӑ n kle mī
2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg
lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo
Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno
do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise
como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute
mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento
interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)
Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma
ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de
introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute
inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com
o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista
morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se
dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo
enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de
81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82
101
uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro
termo da seacuterie82
Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade
simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe
formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por
dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e
semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees
seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo
Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a
proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois
grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem
a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject
Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos
a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc
Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico
da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso
sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de
coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon
(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal
tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois
grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam
conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar
uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum
82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo
102
dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas
da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado
principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo
Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se
apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem
sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que
esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por
essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais
(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos
semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia
dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir
caracteriacutesticas de verbos funcionais83
411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para
a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio
b) introduzir o papel de instrumento
c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento
d) Indicar uma comparaccedilatildeo
e) Indicar a origem do movimento ou percurso
Analisaremos a seguir cada um dos itens citados
a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio
Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais
assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo Vejamos84
(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su
Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa
103
Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez
funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido
por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo
fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental
ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena
principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo
proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos
levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os
verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2
sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo
verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977
421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o
sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie
verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85
Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome
sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo
caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente
Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo
diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na
coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em
que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo
Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-
baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2
natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um
formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no
corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo
que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos
semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo
85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo
104
metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser
empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)
(6)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em
liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas
como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da
construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais
como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis
semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa
funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na
relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio
proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima
No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um
sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno
Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice
aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele
eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo
Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de
beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir
com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele
ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material
no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio
Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees
indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu
ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a
seguir
105
(7)
i mamamama nnnn----ni mi swa kun
3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF
lsquoEle deu uma casa para mimrsquo
O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu
uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em
relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro
apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)
A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado
de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman
(8)
ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute
3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo
ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em
posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como
ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo
inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o
seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado
central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando
compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de
uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de
verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena
88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo
106
principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os
exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas
Exemplo (6)
yo man
SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem
FAZER DAR
Exemplo (8)
fa man
SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem
PEGAR DAR
Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma
Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a
descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez
man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro
lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que
V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo
aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)
na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada
construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em
seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a
outra
Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma
construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a
preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma
construccedilatildeo serial
A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica
apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1
mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo
107
(9)
i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi
3Ssg pegar manga oferecer 1Osg
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante
os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo
em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se
reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos
dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A
diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man
natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante
beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse
participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de
ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas
por Silva (1999)
b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento
O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o
instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De
acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie
verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)
atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente
um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele
veio com o inhamerdquo89
89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo
108
(10)
lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo
conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se
manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por
trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo
mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido
mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima
extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da
cena descrita carrega traz consigo o inhame
Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo
serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como
operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre
outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa
tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto
nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de
deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo
verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o
inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o
participante tem a posse de algo eacute o verbo fa
O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por
seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas
propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu
estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute
possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como
preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe
de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo
estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de
verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute
preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que
ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li
Il prendre-ACC igname venir-ACC
109
adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da
classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]
O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo
(11)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)
[S V1 O1 V2 O2]
Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta
caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de
PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de
um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero
poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de
um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo
em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois
dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos
salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a
preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos
como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir
de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo
Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o
uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O
morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema
nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo
12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois
termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode
ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor
90 Corpus 4
110
de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em
algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos
a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)
(12)
ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ
3Ss cortar -PERF patildeo COM faca
lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo
(13)
ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī
3Ss ECOM fruta vir-PERF
lsquoEle trouxe frutasrsquo
O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre
dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No
entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria
possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado
pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo
pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena
descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo
dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio
de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A
escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante
c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento
Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma
construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir
111
(14)
e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin
1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho
lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo
(15)
e su wawawawandindindindi babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo
A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria
de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na
estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso
do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e
o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)
apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a
construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo
facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das
marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo
d) Indicativas de comparaccedilatildeo
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre
dois termos
(16)
n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92
91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor
112
(17)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo
entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode
ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um
mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do
sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do
segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)
(18)
n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi
1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi
lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo
A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila
Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez
que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos
comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente
estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a
pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres
com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O
exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da
semana
(19)
igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo
93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo
113
A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo
em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]
e) Origem do movimento ou percurso
As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino
de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo
(20)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten
ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo
uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um
locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo
principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem
conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin
funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega
propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos
anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por
outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez
tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo
(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]
Consideraccedilotildees finais
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve
a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1
114
(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente
essa base
As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se
ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do
sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral
natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como
no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo
Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na
construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo
propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum
estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida
sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as
prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute
entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens
que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas
pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo
possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo
412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para
representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir
(21)
sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica
115
([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma
uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim
como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem
estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as
construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a
ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os
verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores
prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um
ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um
resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva
implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio
visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como
(22)
e kan be bawle
3Spl falar 3Opl baulecirc
lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo
Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por
si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que
sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado
que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa
construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees
No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle
introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode
ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para
mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em
questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo
combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura
argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da
94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos
116
construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim
considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se
relacionam na construccedilatildeo
A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido
introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no
exemplo (23) a seguir
(23)
y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila
lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila
lafl kun ba sono matar crianccedila
a crianccedila dormersquo
A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior
e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta
o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD
V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo
discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto
anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2
sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da
estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo
portanto a sua ordem prototiacutepica
No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc
formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento
(24)
i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo
3Ssg sair-PERF irpartir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo
117
Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico
durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada
apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma
forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a
construccedilatildeo
Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos
e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um
local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de
deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima
portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos
verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute
aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo
acontece no exemplo (25) a seguir
(25)
i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho
a tutututu a tttt
3Ss RES arrancar RES cair
O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo
retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da
oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo
repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por
V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a
queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos
na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser
95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
118
arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas
a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos
A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo
serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo
(26)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo
Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o
locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu
no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete
wlɔ)
(27)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96
A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado
SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ
kpɛn
Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando
nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A
inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de
algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra
96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
119
A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de
forma geral representada por
[SN V1 V2 (SN) (LOC)]
Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que
as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees
assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos
descritos neste capiacutetulo
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais
dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute
diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si
pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute
atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)
Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em
baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a
denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora
(LARSON 2005 61)
(a) to-li oflɛ di-li
3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL
lsquoShe bought papaya and ate itrsquo
lsquoElea comprou papaia e comeursquo
(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF
lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo
lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo
97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO
120
(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi
Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so
lsquoThe girls have told me the newsrsquo
lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo
(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so
lsquoAya gave me the bookrsquo
lsquoAya me deu o livrorsquo
Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries
verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para
o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por
justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees
seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como
caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu
1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o
sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua
interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)
2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como
defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais
verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo
seriam comumente empregados em seacuteries verbais
3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e
acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)
4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em
uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada
padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer
apenas uma vez
5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e
pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele
99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO
121
A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o
argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se
assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais
sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as
diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico
evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se
assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um
uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados
A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado
decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf
LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a
introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que
envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em
significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os
verbos temos
(28) (32 p99)
lsquoEle comprou papaia e comeursquo
Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado
(29) (3106 p99)
to-li oflɛ kpeacutekun di-li
3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF
lsquoEle comprou papaia E comeursquo
A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe
porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois
eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que
ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples
o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas
to li oflɛ di li
3Ss comprar PERF papaia comer PERF
122
propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos
o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute
facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e
a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter
Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o
verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado
(30) (34 p99)
fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo
Agora com a conjunccedilatildeo
(31) (3108 p100)
fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo
Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas
natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a
sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila
sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas
sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A
possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as
construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na
estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel
sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o
evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em
outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu
conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos
numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a
faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo
sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a
123
faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um
agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o
gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o
processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo
natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa
diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo
dos enunciados
Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees
sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade
maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao
redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado
segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece
efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo
podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101
O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo
deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras
caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de
marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos
considerar o exemplo a seguir
(32) (3118 p105)
Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi
Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg
lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo
De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa
introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson
admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado
inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de
100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo
124
uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o
resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)
A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha
sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo
se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado
ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas
propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como
fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser
interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo
A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees
comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o
verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de
sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar
por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que
indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria
em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua
que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes
nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das
sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)
admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da
construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam
parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees
seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma
propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como
serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo
que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees
Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu
como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a
diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da
conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica
102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo
125
S V1 O1 V2 O2
FA (PEGAR) NOME VERBO NOME
O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos
verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo
semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa
introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em
O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel
semacircntico e natildeo sintaacutetico
Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)
(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em
ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre
parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja
modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)
por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima
apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando
isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se
estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o
mesmo conteuacutedo informacional de antes
A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas
construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses
casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo
acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no
significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser
uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo
(33)
ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi
3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
126
(34)
Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ
Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL
lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo
Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser
interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto
coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em
posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que
envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do
baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e
apresenta o seguinte exemplo
(35) (37 p73)
Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi
Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo
O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico
verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees
funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute
utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta
O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da
marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de
ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas
seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas
como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode
127
levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno
em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte
construccedilatildeo
(36) (332 p73)
Aya fa-li fluwa-lsquon
Aya pegar-PERF livro-DET
lsquoAya pegou o livrorsquo
Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de
argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo
pleno A autora conclui entatildeo que
Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo
na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um
conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila
simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1
natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos
sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc
natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta
ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)
A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo
serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o
livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute
duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo
A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se
afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo
103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo
128
coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora
natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo
sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o
antigo uso
Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais
sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em
favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o
nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas
caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba
todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001
422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os
verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da
combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto
como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas
Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem
morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou
plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias
sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou
subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam
como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma
flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve
entre as propriedades do sistema linguiacutestico
Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou
plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade
funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias
sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos
(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos
subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre
muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas
apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma
106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo
129
flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas
problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)
Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas
transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais
desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em
construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais
abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa
flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado
tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da
construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer
denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades
associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que
natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida
Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a
sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um
evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto
concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo
Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do
verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio
Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia
de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute
possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de
um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo
ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse
novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia
desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF
107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo
130
1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT
2005 88)
Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da
Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees
seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees
simples
(37)
o tou enuma
3Ss pegar dinheiro
lsquoEla pega dinheirorsquo
Agora em construccedilotildees seriais
(38)
o tou inya diredirediredire
3Ss pegar arroz cozinhar
lsquoEla cozinha arrozrsquo
(39)
bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba
2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar
lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)
Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples
natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais
sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo
de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em
construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria
linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum
momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo
108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo
131
44 MARCAS ASPECTUAIS
Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a
categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida
em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que
essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza
simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas
complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre
elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de
um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute
portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia
um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica
independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma
As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem
respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao
momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de
presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees
semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo
instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA
COSTA 2002 19)
Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma
accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa
accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a
definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa
Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a
formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a
constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto
natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com
qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo
temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a
132
diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e
situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109
Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira
como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo
temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em
evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo
referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar
proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute
nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)
como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos
distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e
tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma
exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no
entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato
de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em
relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma
mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o
PROGRESSIVO e o ESTATIVO
Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da
Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes
(40)
Kwasi da h re-di-di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo
133
A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao
valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na
maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a
ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia
entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham
rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a
primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um
subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as
marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude
entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de
aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto
RESULTATIVO para o segundo verbo
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais
Li(Ni) PERFECTIVO
A RESULTATIVO
Su PROGRESSIVO
Oslash IMPERFECTIVO
Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes
maneiras
1) Junto apenas do primeiro verbo
2) Junto apenas do segundo verbo
3) Junto do primeiro OU do segundo verbo
4) Junto de ambos os verbos
Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos
verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que
haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de
exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar
nos exemplos do corpus abaixo citados
110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes
134
Junto de ambos os verbos
(41)
fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί
3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo
(42)
Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET
lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo
(43)
kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do segundo verbo
(44)
fafafafa tanni n totototo ----lililili blo
3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc
lsquoEle jogou o pano laacutersquo
(45)
n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili
1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF
lsquoEu escondi o patildeorsquo
135
(46)
kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do primeiro verbo
(47)
i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n
3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET
lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo
(48)
kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc
obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No
progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas
do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111
O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial
(49)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo
136
(50)
Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(51)
mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi
1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo
quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo
verbo da construccedilatildeo
(52)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar
acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os
(53)
Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee
lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo
137
(54)
i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema
zero
(55)
sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(56)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em
construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os
tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou
posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas
possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro
Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2
IMPERFECTIVO X X
PERFECTIVO X X
RESULTATIVO X
PROGRESSIVO X X (verbo fin)
112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
138
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em
construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA
pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os
casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como
representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente
ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja
feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a
constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os
verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de
forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo
de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia
de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um
iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado
A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc
(57)
didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(58)
Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee
lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(59)
Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun
3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC
lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo
139
(60)
a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi
3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os
lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo
Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao
morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois
do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o
que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)
Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de
imperfectivo eacute um morfema zero
No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a
V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e
seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com
uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a
O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em
V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal
A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo
man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura
[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em
seguida na serial
(61)
mi si su ma n-an mi livro kun
1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
140
(62)
mi si su fa man livro kun man mi
1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro
verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as
estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo
No presente e no passado
[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]
[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]
No futuro
[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a
possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute
possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e
utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo
(63)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]
No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular
em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1
(64)
kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
141
(65)
didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(66)
yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(67)
Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em
sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1
eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser
representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por
um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3
Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos
[S V1 O1 V2 O2]
Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1
funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de
objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na
estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos
itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais
Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento
principal da construccedilatildeo
Numa estrutura como
142
(68)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os
sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse
lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo
natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu
conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma
preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige
argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal
de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem
inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa
estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]
Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e
consequentemente predicador de argumentos
(69)
ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a
propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo
semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo
mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo
lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando
que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de
143
argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa
construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]
Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo
estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a
presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel
representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra
que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute
manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento
essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que
sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo
Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila
serial
(70)
fa nu13nu kun wun( a wun i
3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em
sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar
que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo
posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a
sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez
que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa
natildeo eacute o predicador do argumento interno
Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto
113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice
pronominal para retomar o objeto direto
144
(71)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore
filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo
No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da
estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial
Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora
na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de
V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse
referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do
enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de
Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento
interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2
A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais
mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura
de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees
[SN V1 SN(obj) V2 V3]
[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]
[SN V1 V2 SN(obj)]
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de
construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com
base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse
tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos
exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas
comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de
propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades
145
CAPIacuteTULO 5
DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que
compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da
Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG
1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um
uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo
de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)
Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios
dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees
conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou
concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro
modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo
quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos
conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser
uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma
categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como
um evento115
Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao
domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita
uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a
estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que
consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo
De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica
a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os
tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o
alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante
secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais
115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo
146
chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a
entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da
atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de
perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)
Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees
(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das
construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem
teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas
e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos
que as aproximam
No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos
demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em
seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal
por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a
possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede
semacircntica potencial dos itens verbais
Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e
assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no
processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam
conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com
o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a
proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que
tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um
verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de
Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas
116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo
147
511 Introdutoras de beneficiaacuterio
Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo
(72)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ss pegar frango mostrar 1Os
agente tema recipiente
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim
fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo
O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo
descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia
secundaacuteria
O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de
um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento
(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema
eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua
esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento
que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente
mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que
ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum
traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma
vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena
Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute
de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento
trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o
148
caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento
determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema
coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle
O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais
prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma
relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute
efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de
colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar
algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua
posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar
pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim
demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento
interno
Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de
estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos
dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na
serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo
V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse
verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a
ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de
tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua
estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da
construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel
sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado
Caso semelhante observamos no exemplo seguinte
149
(73)
i fa mango cɛ mi
3Ss pegar manga oferecer 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e
secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ
lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos
limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical
acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno
conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e
conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo
objetiva do evento
No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo
introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma
de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais
evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional
(74)
fa nu13nu kun wun$ a wun i
3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
agente tema
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
LIMPAR
nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo
150
PEGAR
fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando
assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu
conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo
(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X
causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que
pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da
proacutepria construccedilatildeo
Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados
(75)
ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute
3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)
que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com
o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)
como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita
por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves
demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o
caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item
escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o
verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que
um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No
entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado
151
a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a
algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa
No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas
aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo
(76)
i ni fa i kondro fa kt Oslash su
POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o
evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja
o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo
discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o
preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um
morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito
O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre
seus participantes
trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida
para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento
requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que
aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa
perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor
Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem
como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas
propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo
satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se
152
daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de
uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes
da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se
compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo
devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que
estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees
satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir
eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o
constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o
exemplo 78
(77)
ɔ yo-li swa nga man-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(78)
ɔ fa -li swa nga man-ni mi
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o
evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de
um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical
semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas
que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo
Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem
em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em
118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)
153
marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo
de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado
pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso
explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119
O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da
construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente
(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio
FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo
DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo
O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na
construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por
esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile
fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem
A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi
determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo
sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia
preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que
construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o
leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um
campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher
uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado
correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para
os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE
2006 26)
Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que
podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)
119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)
154
Semacircntica
Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
Sujeito Obj1 Obj2
yyyyooooman lsquofazerdarrsquo
lsquoelersquo
swa nga lsquoesta casarsquo
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle fez esta casa para mimlsquo
Semacircntica Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
faman man man man lsquopegardarrsquo
Sujeito
lsquoelersquo
Obj1
swa nga
lsquoesta casarsquo
Obj2
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo
apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse
esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute
dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de
introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso
temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como
secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos
155
nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man
lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo
funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna
necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo
serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo
Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas
propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por
adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao
que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma
construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo
constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim
adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma
mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa
possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas
propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos
Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa
Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo
receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que
todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de
situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia
apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na
medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento
descrito
A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena
descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira
veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda
por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do
verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu
uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno
beneficiaacuterio
156
Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de
construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de
construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um
dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo
de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os
verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na
construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange
3 construccedilotildees analisadas
Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do
tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da
cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o
verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o
mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela
construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees
semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas
Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las
bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees
representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o
sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade
157
constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal
combinaccedilatildeo
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
(79)
fa li13 tanni man ni kuajo
3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo
anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes
do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute
representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia
de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo
O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio
tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O
outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e
eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse
tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por
equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte
podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais
relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o
verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena
No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto
em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de
que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma
construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor
apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua
thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a
120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo
158
funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de
beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo
512 Introdutoras de instrumento
A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para
uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da
construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo
incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que
eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma
preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria
uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo
corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado
abaixo
(80)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um
agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre
um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal
(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante
secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma
construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y
se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo
necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou
159
objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a
caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam
Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de
que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja
introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo
de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela
composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome
O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode
revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se
interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a
representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e
ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca
para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra
apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse
movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa
perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca
Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a
funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para
chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado
Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas
coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo
de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham
percorrido esse caminho
Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em
sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse
movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona
diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um
item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute
o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que
por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido
pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de
160
extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma
das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham
como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo
A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem
nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de
beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades
verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando
observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo
verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121
(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e
de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o
sintagma nominal laliɛ n
Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos
verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento
descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente
Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se
adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia
No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca
representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ
lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos
descritos por esses verbos eacute
fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n
kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun
A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor
ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles
121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010
161
estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa
posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun
nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se
entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e
esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal
representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que
representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que
em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela
construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira
funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais
A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um
esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por
meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso
vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf
CROFT 1991 185)
Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos
Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo
Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo
162
Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na
descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel
sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades
verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do
resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-
PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado
A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas
sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute
verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui
manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos
mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto
denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos
o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute
por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que
por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma
uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de
um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave
estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto
se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas
naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto
por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo
da construccedilatildeo serial
163
Construccedilatildeo resultativa transitiva
Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute
predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com
papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na
construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade
visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo
mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca
aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada
A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees
natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz
em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental
que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a
semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo
estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos
diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias
construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da
economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e
harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa
integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial
adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo
122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo
164
semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da
construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos
constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa
combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da
construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido
resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja
ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo
V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de
V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item
lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees
dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas
estabelecidas previamente na construccedilatildeo
513 Comparaccedilatildeo
Observemos o exemplo a seguir
(81)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo
Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo
A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da
relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da
construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema
relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto
natildeo prototiacutepico o item lexical de base
A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma
comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu
165
proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade
do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura
parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente
determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo
em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo
imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que
tange a sua especificaccedilatildeo formal interna
Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5
categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais
estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda
para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas
categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos
proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala
organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem
PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE
Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se
gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se
considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma
categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave
categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas
ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a
proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a
categoria QUALIDADE eacute o de modificador
A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia
simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de
estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e
formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se
organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua
No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico
capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar
relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a
166
comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma
mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e
por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo
traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento
concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz
mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos
sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo
previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que
preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva
desse falante
Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo
Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra
lsquoEle fala mais comigorsquo
Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ
lsquodo que (fala) com vocecircrsquo
Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que
estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o
inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam
como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela
construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo
semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias
que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos
semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso
essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a
habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua
A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante
tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo
em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute
depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da
construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se
relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de
167
comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber
que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os
termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que
o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a
comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc
(82)
igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no
dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura
sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e
em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema
relacional de funccedilatildeo comparativa
O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que
esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse
gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente
determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A
construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que
antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o
que sucede tra
Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do
ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial
comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de
sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o
termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o
OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A
informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores
conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias
168
necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A
depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente
por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra
(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos
semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica
Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que
estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade
O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar
ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os
elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos
argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre
participante focal e secundaacuterio temos
Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman
Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem
Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor
eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como
marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman
lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma
condiccedilatildeo no dia anterior
Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas
produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades
discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os
falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem
relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas
estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado
formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de
Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um
169
uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de
um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo
(83)
n tra Kwakou afwɛ nsjɛ
1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis
lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo
A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra
que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade
traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional
Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco
Trajetor n Marco Kwakou
Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que
aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na
comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo
dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o
elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos
semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o
sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas
posiccedilotildees
A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute
diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da
construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em
evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da
construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um
verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas
construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -
representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o
170
evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que
esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a
estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)
Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo
(84)
didididi juma n tratratratra mi
3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas
que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui
observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre
nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o
pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute
ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma
construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em
baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade
simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute
depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse
enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente
Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de
instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os
segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de
trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade
abstrata o proacuteprio trabalho
A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma
atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa
escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-
se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o
pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real
mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si
171
operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual
se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a
seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o
exemplo 89123
Tia˃Tkb
di juma n tra mi
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos
123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
172
M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo
igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois
referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome
sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a
performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por
sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a
dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em
baulecirc
(85)
n si Kofi kpa tra Kwakow
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo
posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)
Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia
instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem
recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada
173
numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos
depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas
estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se
estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em
relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na
estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124
exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e superioridade
514 Indicativas de modo
Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento
ocorreu por meio de construccedilotildees seriais
(86)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
Trajetor Noacutes marco natildeo tem
No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado
movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute
designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute
participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um
processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)
mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha
necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode
ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria
124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo
174
referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem
representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa
uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)
Vejamos sua representaccedilatildeo
Sem MOVER tema objetivo
PRED
Sint V Suj Verbo
susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa
correr(ndo) 1Spl chegar
Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire
funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a
circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas
permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo
e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito
por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o
falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila
515 Indicativas dos participantes de um evento
(87)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo
A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas
analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento
e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o
participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento
175
de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante
secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece
uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de
apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo
metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido
cortado do evento representado
A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a
elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o
que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou
perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees
analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria
semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado
O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes
de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica
apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem
de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma
forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico
A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado
Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao
falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse
participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica
da construccedilatildeo
A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um
determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos
elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento
que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem
efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado
compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse
exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo
apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos
constituintes da construccedilatildeo
Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e
marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente
176
di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao
observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e
mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como
trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre
esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta
num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e
marco mi
A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em
que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado
analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser
inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma
variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou
experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a
natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e
qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo
herdadas pelas extensotildeesrdquo126
O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada
extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando
essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)
125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo
177
lsquoEles comem sem mimrsquo
A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2
para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos
constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo
pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado
seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e
realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica
implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se
encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave
178
combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo
a seguir
(88)
i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo
3Ss sair-PERF ir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo
Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo
Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico
e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos
argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve
conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico
verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel
de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de
Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema
designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas
∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo
O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do
movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e
diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de
um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses
verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada
um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria
construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a
construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na
estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move
127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo
179
empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum
lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos
verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade
construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens
verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si
uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria
construccedilatildeo
Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de
construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e
semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das
especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128
(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo
especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento
indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre
ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)
128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo
180
Movimento causado
Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBJ OBL
H129 subparte
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBL
A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos
exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
fite+k ˂ i gwabo ˃
Sin V S LOC ir 3Ss mercado
Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um
determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a
construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma
129 H= heranccedila
181
construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as
estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees
Vejamos o exemplo abaixo
(89)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo
Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo
No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado
central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no
final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos
demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo
eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2
A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o
termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo
de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila
Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas
um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante
focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual
correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no
entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que
seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os
compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos
analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No
caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo
enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre
em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud
182
Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao
menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions
ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel
participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os
papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)
A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura
serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema
Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a
estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A
atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos
interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu
sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos
O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees
seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao
valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A
ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma
vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto
determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas
construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que
demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical
Observemos o exemplo a seguir131
(90)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132
Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo
130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
183
Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo
(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na
construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do
conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos
semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo
de que o salto foi sobre por cima de algo133
Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui
descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo
como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos
Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas
que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em
ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se
trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos
mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos
permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de
sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB
LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia
de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular
enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a
finalizaccedilatildeo desse evento
As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo
com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira
133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar
184
ou
Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da
construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento
exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por
meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com
185
Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B
entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o
fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando
observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se
configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute
explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento
deslocado) e o alvo
(91)
i kle mon
wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute
Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui
empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo
(91a)
a tutututu a tttt
3Ssg RES arrancarpartir RES cair
lsquoO chapeacuteu caiursquo
O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de
focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de
CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica
composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras
construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis
134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico
186
A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado
sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma
causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou
marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante
focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A
noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois
elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que
indica a finalizaccedilatildeo do processo
A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo
participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como
uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua
organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos
os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam
sintaticamente como um uacutenico predicado
O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo
resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo
natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa
lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo
de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da
proacutepria construccedilatildeo serial
Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser
acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como
observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que
ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo
(91b)
a tutututu a tttt ace
3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo
lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo
A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse
processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila
temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que
187
realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma
mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir
expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos
predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio
(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na
medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado
Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz
com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante
causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como
indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante
do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos
tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado
ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais
na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca
entre os mesmos
Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por
meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO
opcit p264-265)
(92)
a liɛ+ n ti be-wa
alimento DET ser cozinhar
lsquoO alimento estaacute cozidorsquo
Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura
diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo
que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee
em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador
assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada
A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes
comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem
188
Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente
pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com
incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como
Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃
tutututu tttt ˂ ˃
Sin V Suj Suj
cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo
Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de
paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A
noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash
que incidi sobre o proacuteprio sujeito
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o
processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a
partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees
Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade
entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as
demais construccedilotildees da liacutengua
Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de
um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos
A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi
determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os
verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para
compor seu significado
189
190
CONCLUSAtildeO
Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees
seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas
mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que
fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as
coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em
baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva
teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual
A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos
revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que
tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de
uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas
Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como
Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo
de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos
consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando
que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em
outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor
nem a uma nem a outra estrutura
Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute
ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas
principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um
inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas
construccedilotildees
Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma
diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por
Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de
que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo
para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente
Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as
construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem
tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos
191
(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no
modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos
adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)
pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem
que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais
nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em
baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas de cada uma delas
No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da
anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham
pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro
deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que
expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo
semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber
que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou
como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte
especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi
primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc
Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a
concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto
designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos
(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos
linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede
de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se
como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para
ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo
discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os
interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas
No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a
perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008
2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em
baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo
192
constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio
conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais
proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como
verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de
nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e
secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do
significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas
Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos
verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi
salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo
pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo
gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo
visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo
pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar
Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo
multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do
marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida
comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo
para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da
cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o
que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo
Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo
funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno
mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional
Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas
acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os
itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees
No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee
que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura
que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que
toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a
ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida
nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem
193
como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo
satildeo unidades estanques
Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo
devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel
descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um
conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da
construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver
duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc
que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma
procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de
estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem
como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise
Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em
outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que
continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um
pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um
incentivo a outras abordagens
194
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis
Norwegian University of Science and Technology (NTNU)
AIKHENVALD A DIXON RMW (eds) Serial verbs constructions A cross-
linguistic tipology New York Oxford University Press 2006
AMEKA Felix Multiverb constructions in a West African areal typological
perspective Leiden University (sd)
_____________ Ewe serial verb constructions in their grammatical context New
York Oxford University Press 2006
BOHOUSSOU AMANI Lrsquoeacutenonceacute complexe du nagravenaacutefwecirc Muenchen Lincoccedilm 2008
BOLE-RICHARD Reacutemy Probleacutematique des seacuteries verbales avec application au gen
Afrique et Langage n10 2ordm semestre 1978
BORBA Francisco S Dicionaacuterio de usos do portuguecircs Satildeo Paulo Aacutetica 2002
BROCCIAS Cristiano Cognitive approaches to grammar
BRUCE J Serialization from syntax to lexicon Studies in language 1219-49 1988
CASTILHO Ataliba T de 1997 ldquoA gramaticalizaccedilatildeordquo In Estudos Linguumliacutesticos e
Literaacuterios 1997 n 19 p 25-64
________________Introduccedilatildeo ao estudo do aspecto verbal na liacutengua portuguesa
Mariacutelia USP 1966
________________ Nova Gramaacutetica do Portuguecircs Brasileiro 1ed Satildeo Paulo
Contexto 2010 p396-397
____________________ Para uma sintaxe da repeticcedilatildeo Liacutengua falada e
gramaticalizaccedilatildeo Liacutengua e Literatura Satildeo Paulo Humanitas 1977 n23 p293-330
195
_______________ Aspecto verbal no portuguecircs falado In ABAURRE Maria
Bernadete M RODRIGUES Acircngela CS(Orgs)Gramaacutetica do portuguecircs falado Satildeo
Paulo Editora Unicamp 2002 p 83-116 vVIII
CHAFE W (Ed) The Pear stories Cognitive cultural and linguistic aspects of
narrative production Norwoor New Jersey ABLEX Publishing Corporation
1980vIII
_________ Discourse consciousness and time The flow and displacement of
conscious experience in speaking and writingChicago The University of Chicago
Press 1994 p1-160
CHOI Seongsook Serial verbs and the empty category In Beermann Dorothee
Hellan Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
CHOMSKY N Aspects of the theory of syntax Cambridge The MIT Press 1965
__________ Syntactic structures Cambridge The MIT Press 1957
CREISSELS Denis 2000 Typology In HEINE Bernd NURSE Derek (eds) African
languages an introduction Cambridge Cambridge University Press p 231-258
_____________ Schemes de preacutedication verbale In Description des langues
neacutegro-africaines et theacuteorie syntaxique Grenoble Ellug 1991
CREISSELS D KOUADIO N Description phonologique et grammaticale drsquoum
parler baoule Institut de Linguistique Appliqueacutee Universiteacute Nationale de Cocircte-
drsquoIvoire 1977
CROFT W Intonation units and grammatical structure Linguistics An
interdisciplinary journal of the language sciences BerlynNew York 1995 v33-5
p839-882
196
DELPLANQUE Alain Le mythe des ldquoseries verbalesrdquo Revue de linguistique Paris
n11-12 p231-249
ETHNOLOGUE Site httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci
FAUCONNIER G TURNER M Conceptual integration networks Cognitive Science
22 1998 (2) 133-187
FILLMORE C KAY P OrsquoCONNOR M Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538 1988
FIORIN JOSEacute L PETTER MARGARIDA MT (orgs) Aacutefrica no Brasil A formaccedilatildeo da
liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto 2008
Geeraerts D Cuyckens H (Eds) 2007 The Oxford Handbook of Cognitive
Linguistics OxfordNew York Oxford University Press
GIVOacuteN T Prototypes between Plato and Wittgenstein In Graig (ed) Noun classes
and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Co 1986
GIVOacuteN T Serial verbs and the mental reality of lsquoeventrsquo grammatical vs cognitive
packaging In HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C (Eds) Approaches to
grammaticalization Focus on theoretical and methodological issues Vol I
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1991
GOLDBERG Adele E Constructions A Construction Grammar Approach to
Argument Structure Chicago and London University of Chicago Press 1995
________________ ldquoConstructions A New Theoretical Approach to Languagerdquo
Trends in Cognitive Science 7 5219-224 2003c (reprinted in Journal of Foreign
Languages China 2004)
______ Noun classes and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins
Publishing 1986
197
HAGEMEIJER T Underspecification in serial verb construction IN RIEMSDIJK H
VAN HULST H VAN DER KOSTER J (eds) Studies in generative Grammar 2001
_____________ Serial Verb Constructions in Satildeo-Tomense Lisboa 2000
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica Descritiva) Universidade de Letras de Lisboa
HASPELMATH Martin Coordinating constructions an overview In HASPELMATH
Martin (dir) Coordinating Constructions AmsterdamPhiladelphie John Benjamins
2004 p3-39
HELLAN L BEERMANN D ANDENES E Two types of Serial Verb Construction in
Akan Norwegian University of Science and Technology (NTNU) 2003
HEINE B ULRIKE C HUumlNNEMEYER F Grammaticalization A conceptual
framework Chicago The University of Chicago Press 1991
HILFERTY J Cognitive linguistics an introductory sketch Universitat de Barcelona
(sd)
HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C Gramaticalization Cambridge University
Press 1977
HOUAISS Antonio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Versatildeo online
KEWITZ Verena Gramaticalizaccedilatildeo e semanticizaccedilatildeo das preposiccedilotildees A e PARA no
Portuguecircs Brasileiro (seacuteculos XIX e XX) Satildeo Paulo 2007 211 f Tese (Doutorado em
Letras) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
KOCH IV MARCUSCHI LA Referenciaccedilatildeo In Jubran amp Koch (orgs) Gramaacutetica
do Portuguecircs Culto Falado no Brasil Vol I Construccedilatildeo do Texto Falado Campinas
Ed da Unicamp 2006
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Les seacuteries verbales em baouleacute questions de
morphosyntaxe et de seacutemantique Studies in African Linguistica v29n1 spring 2000
198
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Kouame Kouakou Parlons Baouleacute Langue et
culture de La Cocircte drsquoIvoire Paris LrsquoHarmattan 2004
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN Dictionnaire Baouleacute-
franccedilais Abidjan Nouvelles editions Ivoiriennes 2003
LAKOFF G Categories an essay in Cognitive Linguistics Linguistics in the
morning calm Selected Papers from SICOL-1981 Seoul Hanshin Publishing Co
1982 p139-209
_______________ Women fire and dangerous things what categories reveal about
the mind Chicago University of Chicago Press 1987
LAKOFF G JOHNSON M Metaphors we live by Chicago and London The
University of Chicago Press 1980
LAMBRECHT K Information structure and sentence form Cambridge Cambridge
University Press 1994
LANGACKER RW Foundations of Cognitive Grammar Volume I Theoretical
Prerequisites Stanford California Stanford University Press 1987
_________________ Universals of construal Proceedings of the Annual Meeting of
the Berkeley Linguistics Society p447-463 1993a
______________ Discourse in Cognitive Grammar Cognitive Linguistics San
Diego n12 p143-188 2001
______________ Concept image and symbol the cognitive basis of grammar 2ed
Berlim Mouton the Gruyter 2002
_____________ Orientation Cognitive Grammar A Basic Introduction New
York Oxford University Press 2008
______________ Constructional integration Grammaticization and Serial verbs
constructions Langage and linguistics n42 p251-278 2003
199
______________ Cognitive Grammar In GEERAERTZ D CUYCKENS H (Eds)
The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics New York Oxford University Press
2007
LARSON Martha Baule SVCs Two distinct varieties of missing objects Fraunhofer
IMK Sankt Augustin Germany Legon-Trondheim Linguistics Project Annual
Colloquium University of Ghana Legon 4-6 December 2002
______________ The empty object construction and related phenomena
Dissertation presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University
2005
LAW PAUL VEENSTRA Paul On the structure of serial verb constructions
Linguistics Analysis 22 p185-217 1992
LAWAL S ADENIKE The Yoruba serial verb construction A complex or simple
sentence In Mufwene SS Moshi L (eds) Topics in African Linguistics
Amsterdam John Benjamim P Company v100 p79-103 1993
LECLERC J ltltCocircte drsquoIvoiregtgt dans Lrsquoameacutenagement linguistique dans le monde
Quebec TLFQ Universiteacute Laval 01 juillet 2007
[httpwwwtlfqulavalcaaxleuropedanemarkhtm] (05 mai 2008)
LEHMANN Christian 1995 Thoughts on Grammaticalization Muumlnchen Newcastle
Lincon Europa
LEITE Marcelo Andrade Resultatividade um estudo das construccedilotildees resultativas
em portuguecircs Rio de Janeiro 2006 205 f Tese (Doutorado em Lingua Portuguesa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
LORD Carol Causative cconstructions in Yoruba Studies in African Linguistics
Supplement 5195-204
200
_____________ Historical change in serial verb constructions
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1993
MIRANDA NEUSA SALIM SALOMAtildeO MMM (orgs)Construccedilotildees do portuguecircs do
Brasil Da gramaacutetica ao discursoBelo Horizonte UFMG 2009
NOYAU COLETTE TAKASSI ISSA Cateacutegorisation et recateacutegorisation les
constructions verbales seacuterielles et leur dynamique dans deux familles de langues du
Togo In LAZARD GILBERT MOYSE-FAURIE CLAIRE (eds) Linguistique Typologique
Lille Presses du septentrion 2005 p207-240
OSAM EK Aspects of Akan Grammar A functional perspective PhD Thesis
University of Oregon 1994
PAL Dayane Cristina Construccedilotildees seriais em portuguecircs brasileiro estudo com
dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSP Dissertaccedilatildeo
(Mestrado em Semioacutetica e Linguumliacutestica Geral) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
QUINT N Coordination et parataxe en capverdien moderne (dialecte santiagais ou
badiais) In CARON B (ed) Subordination deacutependance et parataxe dans les langues
africaines Louvain Paris Peeters 2008 p 29-48
PAWLEY Andrew amp LANE JONATHAN From event sequence to grammar Serial
verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology
and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998
ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)
Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et
eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003
______________ Words and their meanings principles of variation and
stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards
201
a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106
Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92
RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da
coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004
_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no
portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP
SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva
sociocognitiva 2006
_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre
sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74
SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in
sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing
Company 1987
SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um
novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de
Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm
_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-
versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a
Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic
Publishers 1977
TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford
Clerendon Press 1995
TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive
semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)
202
_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring
Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a
_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in
Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System
of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning
Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar
httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf
VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York
Cornell University Press 1967
WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do
portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP
WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues
africaines Paris Karthala 2004
WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee
HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)
The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8
Berlin New York Mouton de Gruyter 1996
WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE
DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004
203
ANEXO
Trecho de uma das narrativas do corpus
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo
Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo
Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo
Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo
yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo
Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo
I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo
204
yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo
Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo
wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo
i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo
mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo
yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo
laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo
yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo
- Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
- Agradecimentos
- RESUMO
- ABSTRACT
- SUMAacuteRIO
- Abreviaturas
- INTRODUCcedilAtildeO
- CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
- 11FONOLOGIA
- 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
- 13 O GEcircNERO
- 14 O NUacuteMERO
- 15 CLASSES DE PALAVRAS
- 151Pronomes
- 511 Pronomes pessoaispossessivos
- 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
- 152 Verbos
- 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
- 1522Futuro
- 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
- 153 Adjetivos
- 1531 Adjetivos indefinidos
- 154 Numeral
- 155 Palavras de sentido adverbial
- 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
- 16 SINTAXE
- 161 Frase simples
- 162 Frase complexa
- 1621 Coordenaccedilatildeo
- 1622 Subordinaccedilatildeo
- 17 Interrogativas
- 18 Negaccedilatildeo
- CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
- 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
- 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
- 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
- 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
- 243 Propriedades prosoacutedicas
- 244 TempoAspectoModo
- 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
- 246 Argumentos compartilhados
- 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
- 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 2511 Orientaccedilatildeo espacial
- 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
- 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
- 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
- 2 515 Comparativos e superlativos
- 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
- 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
- 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
- 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
- 311 Nomes e verbos
- 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
- 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
- 314 O determinante do profile
- 315 Autonomia e dependecircncia
- 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
- 317 Verbos complexos
- 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
- 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
- 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
- 3221 Polissemia
- 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
- 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
- 3224 Metaacutefora
- 323 Verbos e construccedilotildees
- 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
- 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
- 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
- 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 44 MARCAS ASPECTUAIS
- 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
- 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
- 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
- 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
- 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
- 512 Introdutoras de instrumento
- 513 Comparaccedilatildeo
- 514 Indicativas de modo
- 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CONCLUSAtildeO
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
- ANEXO
-
A todos os africanos que lutam para manter viva sua identidade
Agradecimentos
Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida
Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo
das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em
Paris
Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem
eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em
me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc
A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de
Linguiacutestica
Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros
diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris
A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o
conhecimento
Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas
A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade
pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria
acadecircmica desde o mestrado
Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida
RESUMO
Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que
subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees
simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de
orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a
Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)
A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com
construccedilotildees coordenadas sem conectivo
O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e
de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc
Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries
verbais liacutenguas africanas
ABSTRACT
This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial
constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by
Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major
semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their
syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization
based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive
Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions
(Goldberg 1995)
Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to
coordinate constructions without connective for being similar in structure
emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in
coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally
differentiates them
The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers
of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule
KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs
linguistic
SUMAacuteRIO
ABREVIATURAS
INTRODUCcedilAtildeO
CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1
11 FONOLOGIA 2
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4
13 O GEcircNERO 6
14 O NUacuteMERO 6
15 CLASSES DE PALAVRAS 6
151 Pronomes 7
1511 Pronomes pessoaispossessivos 8
1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9
152 Verbos 10
1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10
1522 Futuro 11
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11
153 Adjetivos 12
1531 Adjetivos indefinidos 12
154 Numeral 13
155 Palavras de sentido adverbial 14
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15
16 SINTAXE 15
161 Frase simples 15
162 Frase complexa 16
1621 Coordenaccedilatildeo 16
1622 Subordinaccedilatildeo 16
17 INTERROGATIVAS 17
18 NEGACcedilAtildeO 18
CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19
22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33
243 Propriedades prosoacutedicas 34
244 TempoAspectoModo 36
245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38
246 Argumentos compartilhados 41
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43
251 Construccedilotildees seriais 46
2511 Orientaccedilatildeo espacial 46
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto 49
2515 Comparativos e superlativos 53
2516 Construccedilotildees que indicam modo 54
2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54
2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57
31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59
311 Nomes e verbos 60
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64
313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67
314 Determinante do Profile 71
315 Autonomia e dependecircncia 73
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74
317 Verbos complexos 75
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87
3221 Polissemia 88
3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88
3223 Instanciaccedilatildeo 89
3224 Metaacutefora 90
323 Verbos e construccedilotildees 91
324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97
CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101
411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102
412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126
44 MARCAS ASPECTUAIS 131
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144
CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146
511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147
512 Introdutoras de instrumento 158
513 Comparaccedilatildeo 164
514 Indicativas de modo 173
515 Indicativas dos participantes de um evento 174
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188
CONCLUSAtildeO 190
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194
ANEXO 203
i
Abreviaturas
ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo
ADJINDEF ndash adjetivo indefinido
ADV ndash adveacuterbio
APRES ndash apresentativo
ASP ndash aspecto
CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado
COMPL ndash completivo
CONJ ndash conjunccedilatildeo
CONT ndash continuativo
DEM ndash demonstrativo
DET ndash determinante
DET-PL ndash determinante plural
ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo
EST ndash estativo
EXPL ndash expletivo
FUT ndash futuro
HAB ndash habitual
IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )
INDEF ndash indefinido
INF ndash infinitivo
INTER ndash interrogativo
LOC ndash locativo
M ndash masculino
MORF ndash morfema
NEG ndash negaccedilatildeo
O ndash objeto
OD ndash objeto direto
OI ndash objeto indireto
PASS ndash passado
PASREM ndash passado remoto
PER ndash person lsquopessoarsquo
PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)
ii
PL ndash plural
POSS ndash possessivo
POT ndash potencial
Prep ndash preposiccedilatildeo
PRES ndash presente
PROG ndash progressivo
REAL ndash realista
RED ndash reduplicado
REDUP ndash reduplicado
REFL ndash reflexivo
REL ndash morfema relativo
REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo
RES ndash aspecto resultativo
RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo
S ndash sujeito
Sg ndash singular
SN ndash sintagma nominal
TEMP ndash tempo
V ndash verbo
INTRODUCcedilAtildeO
O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de
leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005
na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs
brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo
Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como
ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava
propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da
teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo
apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries
verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que
um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro
Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do
continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs
mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento
e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo
Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto
de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de
cada liacutengua
Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de
serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas
agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de
Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais
em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um
olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que
tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos
Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos
brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)
e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees
seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade
de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o
portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel
semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as
propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)
elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em
dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo
dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados
de nosso corpus do baulecirc
No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais
teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica
Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos
Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas
insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a
sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na
elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem
passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer
outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-
se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de
suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem
conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura
conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc
Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente
fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon
(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente
semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma
caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo
5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees
Coleta de dados
O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira
1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da
histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria
pesquisadora
2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e
cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo
realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um
filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns
triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos
que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era
transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em
diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas
3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo
colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a
partir de um tema de interesse do proacuteprio falante
4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os
trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses
dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio
As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados
foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos
os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila
1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na
pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal
referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa
1
CAPIacuteTULO 1
A LIacuteNGUA BAULEcirc
Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por
aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do
continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia
em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que
estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma
aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais
repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas
estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e
superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma
classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do
Marfim
Niger-Congo
Atlantic-Congo
Volta-Congo
Kwa
Nyo
Tano
Central
Bia
Northern
Baouleacute
1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl
2
Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma
breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo
realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)
11FONOLOGIA
O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e
21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras
em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo
haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a
oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos
de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)
Orais e nasais
fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo
fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo
fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo
kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo
Surda e sonora
bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo
3
di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo
jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo
Pontos distintos de articulaccedilatildeo
fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo
Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e
dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma
propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos
semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute
determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)
sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo
alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo
No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo
realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo
indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos
(Kouadio amp Kouame 2004 14)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame
lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)
ɔ fa a duo
3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)
4
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio
amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica
Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa
do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem
alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees
foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um
exemplo
VOGAIS
API Ortografia baulecirc Exemplos
A a ta lsquoplantarrsquo
E e be lsquocozinharrsquo
ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo
I I ti lsquocabeccedilarostorsquo
O o bo lsquofundorsquo
ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo
U u fu lsquosubirrsquo
I in fin lsquovir dersquo
Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo
ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo
ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo
U un wun lsquover incharrsquo
CONSOANTES
API Ortografia baulecirc Exemplos
b b ba lsquocrianccedilarsquo
c c cɛn lsquoengordarrsquo
5
d d dɔn lsquohorarsquo
f f fu lsquosubirrsquo
ɡ g gali lsquomandiocarsquo
gb gb gba lsquoarmadilharsquo
ɉ j jɔ lsquoredersquo
k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo
kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo
l l la lsquodeitar dormirrsquo
m m damun lsquojogorsquo
n n nnun lsquocincorsquo
ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo
p p panndu lsquogarrafarsquo
r r rɛrɛ lsquoescalarsquo
s s se lsquodizerrsquo
t t tu lsquodesenterrarrsquo
v v vi lsquorim lomborsquo
j y yi lsquoesposarsquo
z z nza lsquoinhamersquo
13 O GEcircNERO
Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a
distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea
como observamos a seguir
bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo
yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo
6
14 O NUacuteMERO
Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun
Sran mun
Ser humano PL
lsquoOs seres humanosrsquo
15 CLASSES DE PALAVRAS
As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que
constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas
(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de
nomes verbos adjetivos e adveacuterbios
No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os
distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados
devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha
significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor
definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os
pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que
acompanham os lexemas nominais Exemplos4
di
Comer
lsquoComarsquo
alwa ɔ
cachorro pred
lsquoEacute um cachorrorsquo
bia kun
cadeira INDEF
lsquoUma cadeirarsquo
4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora
7
ɔ fa- li wa n man-ni mi
3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o filho delersquo
151Pronomes
Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes
pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte
nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que
determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5
bja nga
cadeira DEM
lsquoEsta cadeirarsquo
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ
branco vila INDEF dentro LOC
lsquoNuma vilahelliprsquo
511 Pronomes pessoaispossessivos
A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto
SUJEITO Singular Plural
1a pessoa n e
2a pessoa a amu
3a pessoa ɔ be
5 Exemplos de nosso corpus
8
COMPLEMENTO Singular Plural
1a pessoa mi e
2a pessoa wɔ amu
3a pessoa i be
Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em
construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ
(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por
pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do
referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso
facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004
22)
Min si liɛ
1Ss pai MORF
lsquoMeu pai (a mim)rsquo
Be nianman bian6 liɛ mun
3Opl irmatildeo homem MORF PL
lsquoOs irmatildeos delesrsquo
Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal
complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta
adicionar o morfema mun
POSSESSIVO Singular Plural
1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo
2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo
3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo
6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua
9
1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga
mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome
que determinam7
Gbo nga
Poccedilo DEM
lsquoEste poccedilorsquo
sran nga mun
Ser humano DEM PL
lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo
A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun
lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be fa be un
3Spl parecer 3Opl corpo
lsquoEles se parecemrsquo
Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado
utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be wan Kofi ba-li
3Spl dizer Kofi vir-PERF
lsquoDizem que o Kofi veiorsquo
7 Exemplos de nosso corpus
10
152 Verbos
A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e
dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin
lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros
1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)
verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o
imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man
colocado apoacutes o(s) verbo(s)
Exemplos
tra li a ce kl ltri
Ele s sentar PERF solo escrever carta
lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo
a ba ma
3Ss RES chegar NEG
lsquoEle natildeo chegoursquo
ba su wa kɔ lafi
crianccedila PROG FUT ir dormir
lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo
yɛ ɔ fa flwa nga
entatildeo 3Ss pegar livro DEM
lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo
ɔ tɛ lafi
3Ss CONT dormir
lsquoEle continua a dormirrsquo
11
1522Futuro
A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome
sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro
proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa
Vejamos alguns exemplos
laflɛ kun ba yɛ wa lafi
sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir
lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo
ɔ su wa sɔ televizion n
3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET
lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos
realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz
em muitas repeticcedilotildees
wo l titi waka ma wie
3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF
lsquoEle colhia umas frutasrsquo
153 Adjetivos
O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que
determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o
adjetivo
Sran dan
Ser humano grande
lsquoUm homem grandersquo
8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo
12
Bla kpɛnngbɛn mun be si able
Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)
lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10
1531 Adjetivos indefinidos
a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)
algum(ns) certo (s) Exemplo
sran vie mun be bali wa
ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC
lsquoAlguns homens vieram aquirsquo
b) fi algum Exemplos
like fi n kɔ a lika fi
coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum
lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo
c) kwlaangba tudo todos
Ba sɔrsquon si sa kwlaa
Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo
lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo
d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo
lsquouma aacutervorersquo
10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc
wa ka ku n
aacutervore uma
13
e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo
Like uflɛ
coisa outra
lsquooutra coisarsquo
f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo
like kunngba
coisa mesmo
lsquoa mesma coisarsquo
g) sɔ lsquotal dessa formarsquo
talua sɔrsquo n tirsquo A kpa
menina tal DET ser NEG bom
lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo
154 Numeral
Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a
centena 200
1 kun k 11 blu nin ku
2 nnyɔn 20 ablaɔn
3 nsan 30 ablasan
4 nnan 40 ablanan
5 nnun 50 ablenunn
6 nsiɛn 60 ablesiɛn
7 nso 70 ableso
8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ
14
9 ngwlan 90 ablangwlan
10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn
155 Palavras de sentido adverbial
Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe
unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente
nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos
tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e
adjetival
Nian kpa
Olhar bom
lsquoOlhe bemrsquo
Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado
como adjetivo e adveacuterbio
i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ
3Ssg sair 3CLpl olho grande grande
lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo
Kuasi klo Amlan ngboko
Kuasi amar Amlam Muito
lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo
O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12
K a gu li l fu li e ku n
Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo
lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo
11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus
15
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de
adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute
contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo
bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo
16 SINTAXE
161 Frase simples
As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema
Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos
le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs
lsquoEle tem trecircs cestasrsquo
Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs
lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo
Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute
invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo
ɔ yo li swa nga man ni mi
3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
162 Frase complexa
1621 Coordenaccedilatildeo
A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes
morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns
exemplos
16
ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver
lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo
Y sie-li l y bo i komin ekun
Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv
lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo
K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba
Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir
lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo
1622 Subordinaccedilatildeo
O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para
expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i
nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ
sa) Exemplos ilustrativos
K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla
Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo
lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo
i ti kɛ nɛ yɛ
3Ss ser como animal ADV
lsquoEle eacute como um animalrsquo
ti k kkba umuan y u i
3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo
17
A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo
Exemplo
e wo Paris tra Lion
1Spl ir Paris ultrapassar Lion
lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo
17 Interrogativas
Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin
lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo
nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ
O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred
lsquoO que ele fez para mimrsquo
a fa mannin wan
2Ss pegar dar-PERF INTER
lsquoA quem vocecirc deu isso
ɔ duman suan13 sɛ
3Ss chamar INTER
lsquoComo vocecirc se chamarsquo
18 Negaccedilatildeo
O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a
marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o
morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos
13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo
18
Mrsquoa fa man mrsquoa fia man
1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG
lsquoEu natildeo o escondirsquo
kɛ ba lafili man
quando crianccedila dormir-PERF-NEG
lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo
Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se
acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos
mi si su man ma n mi livru kun
POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF
lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo
Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo
man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo
ɔ tran ma n lɔ ku n
3Ssg morar NEG LOC NEG
lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15
ɔ nian wɔ ma n Buake
3Ssg NEG ir NEG Buake
lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo
14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397
19
CAPIacuteTULO 2
L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no
que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades
definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de
anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das
liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos
parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades
sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme
Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do
tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo
Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais
construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas
Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp
DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais
que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute
nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em
estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute
considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu
trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de
um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua
Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de
combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem
nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele
atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma
sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo
acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial
20
Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for
um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um
complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar
fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos
satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse
caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas
subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16
(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)
Em combinaccedilatildeo acidental
Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou
adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado
simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados
sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas
satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto
na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)
Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os
componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute
hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na
seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que
estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou
Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica
da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e
tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo
A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de
uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser
expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o
16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo
21
apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o
essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora
eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo
significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao
verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)
Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada
muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar
a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das
liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento
seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos
desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item
lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo
absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada
construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos
estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido
aprofundadas pelo autor
A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com
Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os
estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas
pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa
transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as
construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou
mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)
(1) fmm me ne pocircnko no
Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o
lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo
18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)
22
(2)
fmm me no
Ele emprestar-PASS me o
lsquoEle o emprestou a mimrsquo
(3)
de no fmm me
3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)
lsquoele o emprestou a mimrsquo
Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua
natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples
admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A
produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome
objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em
que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que
compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que
restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de
novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais
Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas
propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos
em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais
como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental
por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se
realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que
observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os
verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de
identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da
combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as
caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de
verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da
sentenccedila nem portam marcas gramaticais
23
Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que
em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de
Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens
lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem
de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em
momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo
apresentando propostas diferentes
O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas
distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las
como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir
de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas
estabelecidas na construccedilatildeo
Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991
Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como
resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a
sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um
fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um
continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi
2005)
Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados
associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas
chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute
Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais
para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees
seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees
sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos
os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo
de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)
Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees
seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente
21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo
24
pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os
argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar
mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma
recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma
anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez
que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande
variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia
demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o
surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso
linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um
processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel
A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos
nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos
falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo
Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento
ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo
semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as
construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades
semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que
tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal
na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A
nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a
possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente
A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de
Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da
inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo
Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo
satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada
construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do
significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a
proacutepria construccedilatildeo
25
22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica
da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade
cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia
tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema
cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral
Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de
outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma
habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a
concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes
de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa
tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano
culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de
tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico
Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo
linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo
principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia
Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo
denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre
construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade
para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos
africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor
rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que
testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as
ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que
essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor
eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente
compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa
construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de
que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar
a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns
22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo
26
povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos
desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e
consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo
produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se
certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em
outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por
exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord
(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua
depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees
comunicativas elas servemrdquo23
Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais
uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura
sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES
SERIAIS
Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de
propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do
fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que
pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de
1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual
tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de
anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de
1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos
tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as
proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa
abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para
todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)
No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas
contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que
23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname
27
dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como
o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser
analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e
quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns
exemplos
(4)
Olu mu iweacute wa
Olu pegar livro vir
lsquoOlu trouxe o livrorsquo
(5)
Olu gun iyan je
Olu pounded yam ate
lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo
Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo
de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e
construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries
verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o
autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de
natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo
tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao
contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26
Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na
tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf
JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o
desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa
entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas
e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la
da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais
25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos
28
Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas
abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse
pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito
de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas
caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as
diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)
O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a
tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades
especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para
a construccedilatildeo eacute
Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem
juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo
subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais
descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees
simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo
simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS
podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada
componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos
individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27
(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)
Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma
variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea
Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e
coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua
anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua
de base
Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma
maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como
o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de
subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares
27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo
29
modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas
inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)
A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois
apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase
inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do
Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute
que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais
comuns em liacutenguas analiacuteticas
Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-
congolecircs
Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)
(6)
a fa i swa n a kle mi
3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os
lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)
Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)
ti-wa -ra ete re a
3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o
lsquoEle destruiu o pratorsquo
No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em
seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle
lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo
sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado
28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo
30
por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute
mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas
da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada
O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na
elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de
serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee
apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no
capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula
completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse
satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o
dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de
complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se
parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas
mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo
O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num
uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos
assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por
meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo
podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a
adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um
evento
Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos
descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem
expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal
associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades
verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que
sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico
lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da
construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do
segundo verbo
29 Verbos esvaziados de sentido
31
Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma
compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se
complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS
para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem
na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas
regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das
construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas
coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia
ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como
uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa
classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de
liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo
esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon
(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a
elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes
grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores
contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem
que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e
Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e
chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas
seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a
despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado
simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia
sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra
32
oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se
observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da
Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)
(8)
nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana
1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP
lsquoEle viu que eu atravesseirsquo
Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final
da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais
ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de
cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS
o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS
aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de
subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute
subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte
Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud
AIKHENVALD 2006)
(9)
a mtto cw katto rwo t
1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei
lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo
Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o
elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas
verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de
estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos
componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da
composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a
30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda
33
CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas
gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso
acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees
seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de
forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais
independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas
marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do
perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo
de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus
componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel
constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir
uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas
multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa
dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de
gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que
adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a
compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto
que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido
Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas
a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a
distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse
conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por
essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores
Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que
determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de
compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de
integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente
possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja
do uso que o falante faz dele
34
243 Propriedades prosoacutedicas
Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma
oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de
entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras
oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa
pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os
autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo
concisa sobre ela
Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua
escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite
maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de
fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de
organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais
Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a
complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os
interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que
pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura
gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa
de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no
discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade
entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou
informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no
discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda
na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os
limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma
oraccedilatildeo de um uacutenico verbo
A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a
caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se
sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie
verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees
seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo
35
prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que
uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da
capacidade fiacutesica humana
Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula
a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala
tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se
houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade
entonacional
A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos
formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente
uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de
uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades
cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a
tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma
mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma
abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica
(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels
() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre
construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um
predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees
em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)
Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia
verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba
todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas
europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de
seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo
inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000
240)
32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo
36
244 TempoAspectoModo
Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de
tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes
conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser
feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre
elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e
que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila
entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a
concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema
indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de
aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33
(Ameka 2003)
(10)
Kwasi da h re di di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e
o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores
aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a
concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se
harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do
aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento
Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo
por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades
discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos
maiores perfectivo e imperfectivo
Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir
uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam
33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana
37
compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum
contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)
Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006
9)
(11)
cu a ni ak n- ni
Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB
lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)
Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e
ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir
(12)
cua ci ak oŋgu i
cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg
lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo
Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra
accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo
apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute
de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao
segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo
que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de
agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do
exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo
parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo
coordenada
Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc
(13)
Be sin-ni l be wo-li
38
3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF
lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo
Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que
representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem
pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido
junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar
essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados
No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos
verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees
coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em
elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos
que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do
falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente
a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento
como em construccedilotildees seriais
245 Composiccedilatildeo dos argumentos
Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento
Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de
argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico
argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item
lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da
natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)
Ambos podem pertencer agrave CS como um todo
Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a
caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou
subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as
caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos
34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo
39
por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em
outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio
de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando
usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)
Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da
valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos
requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois
resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o
seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)
(14)
o ti ri nwo keacute a hu o kpo
Ele bater TEMPO homem REL soco
lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)
(15)
lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)
Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e
o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o
mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando
entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o
verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e
interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se
sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A
estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo
o ti gbu ru nwo keacute a hu
Ele bater matar TEMPO homem REL
40
transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos
que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um
argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma
serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos
compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo
caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a
apresentada acima como uma CS
O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso
(16)
i kle mo n wla i ti kle n a tu a t
3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES
cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo
Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle
arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo
ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da
CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando
concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS
O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento
interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia
desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos
transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc
Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da
combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de
que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua
valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante
de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto
de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS
41
246 Argumentos compartilhados
A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma
propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que
quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam
consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como
prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos
ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo
satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs
Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo
componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO
sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de
um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode
ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade
indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute
denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38
(AIKHENVALD 2006 16)
(17)
Tali mi-tit tenten Kevin
Tali PER-socar chorarREDUP Kevin
lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo
Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza
uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro
verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse
primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo
elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2
37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu
42
Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico
entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)
que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo
impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir
como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada
proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo
como elemento de fundo ou apoio agrave cena
Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em
geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical
seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit
p16)
(18)
na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak
3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM
lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo
O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e
tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares
em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que
eacute menos especiacutefica
A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute
sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim
Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e
construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a
diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito
evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto
de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute
bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)
39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo
43
Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito
satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na
literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo
transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2
nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees
consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito
de V1 eacute equivalente ao objeto de V2
Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do
goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud
AIKHENVALD 2006 102)
(19)
kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()
antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta
lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo
Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees
temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou
de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo
progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o
primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima
Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees
(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os
recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica
demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a
identificaccedilatildeo de uma CS
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees
seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com
suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash
construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a
relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na
44
construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico
evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo
harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus
componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo
pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado
grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem
representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico
verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica
especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald
Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas
grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe
relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe
gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees
assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito
por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula
uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou
postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a
toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)
Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos
pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe
restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma
divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo
com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e
quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos
que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos
de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa
desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a
adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo
ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse
40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo
45
conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que
podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees
gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou
ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente
Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos
semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as
propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo
condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer
quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos
semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos
parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo
das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as
constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e
consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros
de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los
1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento
2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de
estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo
3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-
modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo
4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo
5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo
6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos
como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros
A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a
apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo
tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar
principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria
essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os
mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs
46
251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A
seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades
2511 Orientaccedilatildeo espacial
Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de
movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -
e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD
2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica
do Sul
(20)
Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]
Macaco vir beber I PRES
lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo
indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao
mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada
(21)
a fin Buake a ba
3Ssg RES vir de Buake RES chegar
lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo
Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao
encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]
Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No
primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do
baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida
47
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de
outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do
kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213
apud AIKHENVALD op cit p23)
(22)
lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo
Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma
funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de
mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo
apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma
outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em
casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord
(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma
adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico
Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS
ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois
processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite
portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como
afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do
qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo
ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise
como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte
de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma
mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial
Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses
verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A
kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai
quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir
48
autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e
temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do
aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre
CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais
processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees
Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe
apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)
(23)
ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]
1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS
lsquoEu me tornei grandersquo
Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo
ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro
verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando
empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de
ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de
seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos
semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um
novo significado
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute
negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos
em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma
modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo
morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer
sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a
41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)
49
seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD
opcit p 24)
(24)
eli ja acha bai Singapore
3Ssg PER receber ir Cingapura
lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto
Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em
papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas
instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que
passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees
semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como
verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em
saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud
AIKHENVALD opcit p 26)
(25)
Kofi Bi bai di buku da di muyeacute
Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher
lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo
O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo
primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo
(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e
beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo
quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica
entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego
em CS como a do exemplo (25)
43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca
50
Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de
um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud
KROEGER 2004 239)
(26)
Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i
Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip
lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo
Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os
argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos
verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos
As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser
analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o
padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os
verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()
Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004
239)
Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em
posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em
posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O
objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o
objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo
serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por
exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo
representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees
metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS
Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como
coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O
principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena
44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo
51
representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a
natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome
nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)
(27)
Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg
lsquoAya me deu o livrorsquo
A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em
CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar
sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode
ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e
aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON
opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo
acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos
integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns
casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio
ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item
lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em
sincroniardquo47
O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento
mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um
momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2
Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de
coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a
outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo
jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em
serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para
46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas
52
verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential
combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48
Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico
de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)
(28)
Abo lori tudik korsquoa paun
avocirc pegar faca cortar patildeo
lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de
ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)
tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada
sem conectivo com sujeito vazio
(29)
fa-li lali kp-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF
lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um
uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o
sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas
construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject
construction- ESC)
Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo
apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em
estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis
visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum
53
instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem
como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento
A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como
as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou
coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos
que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo
semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise
reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como
uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo
2 515 Comparativos e superlativos
Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo
ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de
construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006
101)
(30)
kuma frsquoyer ma ni
tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg
lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo
Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial
comparativa
(31)
n si Kofi kpa tra Kuakou
1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o
outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute
algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo
50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria
54
como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em
segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados
2516 Construccedilotildees que indicam maneira
Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado
pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in
AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em
que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira
como a outra accedilatildeo se realizou51
(32)
ti [gi-e yaa-a -goe ]
1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT
lsquoEu chegarei atrasadorsquo
252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico
da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um
evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como
pressuposto a accedilatildeo de cozinhar
(33)
Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu
Ama POT-cozinhar coisa comer
lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo
51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo
55
Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois
do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido
pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo
2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo
serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o
efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos
em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-
function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)
(34)
n=babas weli n=mot do
3sg=bater porco 3sg=morrer REAL
lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo
Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra
indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou
52 Liacutengua austroneacutesia
56
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o
tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito
de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas
propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de
variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas
construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer
paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees
Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de
compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa
caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo
homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo
evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de
identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais
Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo
com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto
mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um
ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo
57
CAPIacuteTULO 3
PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as
construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo
dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois
entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que
traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em
coacutedigo
O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de
perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas
relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave
elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970
nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente
como um movimento mundial
O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os
estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano
precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos
gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de
que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas
propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos
pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos
teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta
Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto
heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)
teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais
(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987
2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas
comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira
(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos
portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo
(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se
uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico
58
(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre
domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes
inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia
Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem
estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas
estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como
manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na
Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a
organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em
diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)
Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da
Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave
proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a
Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria
maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as
propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as
quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva
desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens
lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de
nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo
aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o
significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca
mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf
LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele
Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a
elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item
lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee
a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como
a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os
moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de
ambas
59
31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso
e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que
descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute
simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o
fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e
no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)
formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas
simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica
ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma
determinada liacutengua (LANGACKER 1987)
Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave
conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer
tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto
experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva
compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada
pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica
dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa
interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo
discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as
estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da
transmissatildeo da informaccedilatildeo
A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica
Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a
caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que
estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na
elaboraccedilatildeo dos enunciados
53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria
60
311 Nomes e verbos
Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam
em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos
dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que
natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente
idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo
necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria
Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por
Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA
1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de
saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da
dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria
categoria
As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade
identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos
mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas
propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os
elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a
estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a
natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as
dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se
extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os
membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de
significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e
sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em
consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a
natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas
margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e
intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees
necessaacuterias e suficientes
Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e
verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto
fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em
54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa
61
termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos
fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades
de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo
que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo
prototiacutepico
Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a
existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para
nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes
Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos
I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material
II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual
III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo
IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa
nenhuma localizaccedilatildeo particular
V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos
conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento
E para verbos o autor destaca
I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de
mudanccedila e transferecircncia de energia
II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem
sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal
III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada
uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes
IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem
conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem
Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo
resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam
tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo
linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e
categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo
das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas
62
por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de
influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)
Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos
de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos
o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo
Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos
discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato
entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de
dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato
fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que
pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55
(LANGACKER 2008 103)
No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila
a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o
objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia
prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida
Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute
proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais
proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se
um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma
accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa
transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um
terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim
sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo
substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que
os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa
Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento
e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)
Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de
energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras
55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo
63
[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia
de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de
energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo
intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o
sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento
autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o
que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos
chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute
um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA
SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)
O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado
modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia
momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a
interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse
modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem
em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)
No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os
participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo
cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por
expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos
nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos
centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que
representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez
que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a
uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como
participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante
Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical
e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e
complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia
complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os
dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico
56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo
64
contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto
a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura
Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas
linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou
mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do
falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual
direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes
de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado
As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que
concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo
uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam
prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se
desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles
haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um
nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente
possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser
relevante para nossa pesquisa
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por
uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo
significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais
ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende
do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre
leacutexico e gramaacutetica
Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo
claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do
leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e
podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro
mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no
estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar
processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura
semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica
65
Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que
uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma
comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo
expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma
comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o
lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas
partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber
dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo
palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo
auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo
(estaacute falando) entre outros
Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o
processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para
que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma
expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de
complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas
caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo
eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de
detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes
A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de
experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um
conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58
(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais
de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria
o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem
traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a
que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo
formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos
protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor
(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo
satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um
57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo
66
nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e
probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os
protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)
Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja
na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e
dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais
Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e
conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito
no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva
consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e
devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma
representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais
De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-
se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro
deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso
deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de
construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma
expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas
depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59
(LANGACKER 1993a)
E ainda
Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo
inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade
eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro
ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva
tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)
Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a
sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na
59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo
67
situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez
refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o
outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do
proacuteprio discurso
Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das
diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de
um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)
identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que
decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as
classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)
313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais
relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se
estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu
significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais
de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia
entre os seus elementos conceituais
As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo
apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado
da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como
exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base
mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma
condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um
processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e
reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento
Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se
desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de
energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a
categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a
impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva
Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado
natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo
68
bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como
um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades
cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background
memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER
1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo
linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais
capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos
mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos
cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa
percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas
por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do
primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o
que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua
compreensatildeo o que eacute menos relevante etc
Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia
conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois
elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos
saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em
um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas
gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas
figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata
Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e
fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o
espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)
Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente
moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor
particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61
61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo
69
O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel
relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou
orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62
Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as
noccedilotildees de marido e esposa
(LANGACKER 2003 252)
A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma
base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e
esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao
poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino
A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o
elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais
como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre
homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o
nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto
de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo
de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros
A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de
retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia
desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor
tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a
possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que
demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada
proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees
particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados
62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo
70
conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo
planos
Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma
determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver
essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com
o qual a cena eacute representada
Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em
que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja
representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido
amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento
preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas
dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current
discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as
informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor
formando a base do discurso produzido
No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para
elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia
que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa
capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa
forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo
numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra
absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O
escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou
escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo
imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e
o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a
propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato
Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em
sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo
em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que
nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez
examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento
cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou
71
seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo
escopo maacuteximo
Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)
interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo
temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de
sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas
gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o
trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees
314 O determinante do profile
A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de
seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo
a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas
esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa
forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os
profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao
profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um
termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a
mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo
designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome
ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo
O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da
construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave
qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da
GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela
natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de
seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo
correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de
classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as
estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e
consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute
apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos
72
Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de
nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse
equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma
parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo
Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser
classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha
cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar
analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet
tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o
trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como
trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do
closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina
um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um
de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile
correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um
deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial
Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser
identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao
da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o
profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por
Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um
verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de
remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o
processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim
um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que
apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos
constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar
carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente
Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam
usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC
denominados esquemas construcionais
64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo
73
Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de
semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas
Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)
315 Autonomia e dependecircncia
Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de
correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui
esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados
Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um
detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a
schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse
termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration
site (e-site)
Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente
conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de
correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados
como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo
considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a
caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical
verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute
-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que
o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado
O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da
organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por
termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato
indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em
suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de
dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a
estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute
65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo
74
dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o
componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no
ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de
autonomiadependecircncia desses elementos componentes
A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser
compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e
seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente
sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria
construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo
isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe
de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo
eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica
Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute
identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas
componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas
componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical
mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos
constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico
representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano
corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha
A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC
uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um
agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto
de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que
iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo
se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a
sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC
considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno
75
(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por
instacircncias simboacutelicas
Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que
estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees
transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos
elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos
alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo
componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)
(a) The package [that I was expecting] arrived
(b) The package arrived [that I was expecting]
Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo
conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de
organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do
exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que
ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos
constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a
sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a
significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas
gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual
que expressam
317 Verbos complexos
Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta
complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A
estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma
oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que
restam a ser preenchidos
De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui
no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em
liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos
76
resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o
autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo
necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto
ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do
tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)
A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma
uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas
indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto
por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos
por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores
de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo
podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que
representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam
como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas
O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo
funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o
que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos
complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em
construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do
inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que
demonstra as relaccedilotildees de seu profile
(LANGACKER 2003 270) Figura 2
GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)
aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de
77
um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena
enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A
Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com
a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser
de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade
transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for
mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e
influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do
tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do
recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)
Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no
domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente
admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja
transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no
caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da
liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso
pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER
2003 271)
No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo
agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o
beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de
transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)
Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave
demonstrada na figura 2 acima
No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos
son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e
78
envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas
representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes
mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma
sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a
compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua
representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como
verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do
beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor
prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais
representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a
representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do
marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente
(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual
Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres
que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do
mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada
por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos
que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo
em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente
experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas
conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees
linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia
dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal
elaborado de uma determinada cena
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
10) fa li tanni man ni kuajo
Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso
79
fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais
que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento
descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por
transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos
fa (pegar) e man (dar)
O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute
tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena
O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo
e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato
de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel
numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com
essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a
perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo
fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode
imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos
Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos
semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores
que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte
semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em
construccedilotildees seriais passa a verbo funcional
Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de
seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais
possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas
formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento
dessa estrutura
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas
um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos
semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos
constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a
ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e
80
qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente
relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que
antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da
Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua
significaccedilatildeo
O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos
a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um
evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente
de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos
culmine em um evento maior e principal
Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de
alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente
associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma
concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash
AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28
in AIKHENVALD 2006)
A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos
semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente
pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no
que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou
subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma
mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em
estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no
significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado
da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem
Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos
semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais
66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo
81
deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa
forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de
conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens
lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela
acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da
construccedilatildeo
Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial
como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de
eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma
funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do
evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo
como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou
discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e
uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim
concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo
de interdependecircncia estabelecida entre os verbos
Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o
ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de
um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado
denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto
de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo
verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma
consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo
primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)
Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que
nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores
prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo
67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo
82
Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de
autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68
Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar
e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena
representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees
seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em
termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como
representativos tambeacutem dessas construccedilotildees
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados
estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus
participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os
componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de
acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena
de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a
abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o
barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma
mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu
interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada
atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem
mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo
para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo
conceitual
Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo
fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a
conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as
liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos
seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser
realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de
evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento
em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)
68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to
clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual
autonomy and dependencerdquo
83
Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi
discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser
comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado
por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que
devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo
Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de
Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica
Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica
Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo
teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites
estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas
naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem
processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao
leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias
denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da
liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como
pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de
forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da
maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos
anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria
A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel
central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma
minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A
natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas
formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG
2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a
69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos
84
gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser
compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas
e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge
espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras
semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave
gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)
sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees
satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee
assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da
liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange
ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico
A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre
construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de
uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute
de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que
natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as
unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e
sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a
diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade
Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos
construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais
transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por
exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e
a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em
complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares
de significado e forma
A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia
lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma
hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma
construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da
70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538
85
construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)
sobre o verbo slice
a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)
b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-
movimento)
c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)
d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o
eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)
e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)
A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice
a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao
contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp
instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a
determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da
estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de
Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo
preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e
que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido
central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais
como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de
estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre
outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente
pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees
Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma
gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado
projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando
entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma
determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos
e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto
quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base
86
adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em
outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem
como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico
Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma
abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se
atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal
abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as
construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de
mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical
se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque
potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta
ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e
escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado
na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de
um item lexical em seu sentido de base
Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que
Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de
linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)
deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das
palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que
(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes
significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro
de maneira clara71
A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de
motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as
provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas
71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item
87
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas
tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da
motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo
maximizado princiacutepio da maacutexima economia
Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute
motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de
forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas
sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder
expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir
de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de
construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel
Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as
construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees
(GOLDBERG 1995 67)
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana
uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos
capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas
sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o
compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o
que eacute novo
Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo
de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem
entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e
um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que
jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo
nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela
gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou
alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute
conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada
88
categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como
um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)
No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que
representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a
Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a
gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma
similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras
- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode
ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica
3221 Polissemia
Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado
particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima
extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas
entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As
informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo
Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs
1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo
2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo
As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que
preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus
participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo
sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A
existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1
3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de
outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre
73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995
89
construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir
um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes
Constr Movimento Causado
SEM Causa-Movimento lt
PRED lt
SINT V
causa tema alvo
gt
gt
SUJ OBJ OBL
Lscausa
Constr Intransitiva de Movimento
SEM Movimento lt tema alvo gt
PRED lt gt
SINT V SUJ OBL
3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou
uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a
autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo
instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica
associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de
construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo
Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo
75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo
90
Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da
semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa
consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em
que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa
forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na
construccedilatildeo que a originou
(GOLDBERG 1995 80)
Resultativa
Li Ls
drive
3224 Metaacutefora
Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de
um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave
construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a
autora cita
a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo
b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo
O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido
de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)
apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de
movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado
como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off
the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo
metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o
sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)
Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo
possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas
91
semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes
entre as liacutenguas
Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute
a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens
construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como
forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e
processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas
empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)
323 Verbos e construccedilotildees
A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute
carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem
Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees
sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio
sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais
Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que
consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda
construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do
falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais
(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em
construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos
componentes
No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena
por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas
em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-
se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de
apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical
Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de
primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o
compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa
atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade
76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo
92
cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker
(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e
TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam
diferentes aspectos
HIPOTENUSA TRIAcircNGULO
De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens
verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na
medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos
aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os
itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam
papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que
neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao
evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma
construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um
significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional
propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical
instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e
protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido
O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas
concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre
outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a
um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo
regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de
princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir
a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos
semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que
realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o
papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse
verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser
instanciado como exemplo do papel de agente
93
b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um
correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma
similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a
elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria
Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa
estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo
bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus
integrantes
Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir
com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item
CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um
chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o
recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva
Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)
Joatildeo chuta a bola para o Pedro
O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela
construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel
de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o
verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados
como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de
recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite
essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da
informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de
chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam
por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs
Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando
incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel
de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)
He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo
94
A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi
empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico
Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo
manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na
cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a
introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados
diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto
natildeo nos parece ter sido salientado pela autora
O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado
do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do
verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma
construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa
construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo
profunda entre esse item e a construccedilatildeo
Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica
de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo
compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo
visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento
Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo
menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute
corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo
324 Limites entre leacutexico e sintaxe
Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia
pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de
uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a
gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos
significados mas que seja apenas um de seus componentes
A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum
significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se
postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo
sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute
entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a
95
proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de
uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a
compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada
predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente
idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada
virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um
organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez
tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua
menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o
sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se
produz
Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria
regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e
consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos
herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum
elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura
originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original
(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente
Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o
conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa
circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a
construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas
em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A
capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato
cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa
capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana
constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental
A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite
visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que
estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo
sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele
contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da
gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao
significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado
96
e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e
desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo
verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo
Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como
um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou
de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica
primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o
interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do
verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na
estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses
casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena
principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo
ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como
essencial
A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de
mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee
para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se
compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado
Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter
funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo
seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o
caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura
que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do
leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico
97
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas
teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que
nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram
utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os
enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a
Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua
natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute
precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera
assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e
significado
Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo
observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o
entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes
analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais
construccedilotildees
98
CAPIacuteTULO 4
DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais
concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila
entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute
certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc
(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se
firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam
exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas
propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar
apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos
os exemplos abaixo77
(1)
S V1 O V2 O
sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(2)
S V1 V2 O
fa nu13nu kun wun $ a wun i
Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo
Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores
reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se
assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees
77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros
99
Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma
construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de
seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi
reconhecida mas que se distingue pouco do ponto
de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito
relativamente mais proacutexima formalmente da
justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de
outras liacutenguas79
Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais
nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais
construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua
semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf
CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas
dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf
CREISSELS amp KOUADIO opcit)
bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila
de entonaccedilatildeo
bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a
sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa
bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80
bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)
mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a
construccedilatildeo
Vejamos um exemplo
(3)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ssg pegar frango mostrar 1Osg
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS
amp KOUADIO 1977)
100
Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp
Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso
apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca
gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto
imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave
classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o
significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo
pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir
(4)
ā su fā wɔ swӑ n kle mī
2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg
lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo
Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno
do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise
como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute
mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento
interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)
Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma
ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de
introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute
inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com
o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista
morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se
dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo
enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de
81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82
101
uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro
termo da seacuterie82
Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade
simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe
formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por
dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e
semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees
seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo
Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a
proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois
grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem
a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject
Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos
a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc
Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico
da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso
sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de
coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon
(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal
tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois
grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam
conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar
uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum
82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo
102
dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas
da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado
principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo
Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se
apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem
sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que
esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por
essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais
(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos
semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia
dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir
caracteriacutesticas de verbos funcionais83
411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para
a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio
b) introduzir o papel de instrumento
c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento
d) Indicar uma comparaccedilatildeo
e) Indicar a origem do movimento ou percurso
Analisaremos a seguir cada um dos itens citados
a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio
Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais
assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo Vejamos84
(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su
Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa
103
Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez
funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido
por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo
fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental
ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena
principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo
proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos
levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os
verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2
sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo
verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977
421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o
sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie
verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85
Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome
sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo
caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente
Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo
diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na
coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em
que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo
Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-
baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2
natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um
formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no
corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo
que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos
semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo
85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo
104
metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser
empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)
(6)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em
liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas
como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da
construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais
como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis
semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa
funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na
relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio
proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima
No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um
sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno
Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice
aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele
eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo
Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de
beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir
com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele
ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material
no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio
Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees
indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu
ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a
seguir
105
(7)
i mamamama nnnn----ni mi swa kun
3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF
lsquoEle deu uma casa para mimrsquo
O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu
uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em
relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro
apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)
A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado
de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman
(8)
ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute
3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo
ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em
posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como
ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo
inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o
seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado
central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando
compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de
uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de
verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena
88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo
106
principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os
exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas
Exemplo (6)
yo man
SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem
FAZER DAR
Exemplo (8)
fa man
SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem
PEGAR DAR
Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma
Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a
descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez
man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro
lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que
V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo
aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)
na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada
construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em
seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a
outra
Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma
construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a
preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma
construccedilatildeo serial
A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica
apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1
mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo
107
(9)
i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi
3Ssg pegar manga oferecer 1Osg
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante
os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo
em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se
reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos
dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A
diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man
natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante
beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse
participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de
ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas
por Silva (1999)
b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento
O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o
instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De
acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie
verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)
atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente
um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele
veio com o inhamerdquo89
89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo
108
(10)
lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo
conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se
manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por
trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo
mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido
mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima
extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da
cena descrita carrega traz consigo o inhame
Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo
serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como
operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre
outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa
tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto
nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de
deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo
verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o
inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o
participante tem a posse de algo eacute o verbo fa
O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por
seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas
propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu
estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute
possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como
preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe
de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo
estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de
verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute
preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que
ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li
Il prendre-ACC igname venir-ACC
109
adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da
classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]
O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo
(11)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)
[S V1 O1 V2 O2]
Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta
caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de
PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de
um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero
poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de
um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo
em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois
dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos
salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a
preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos
como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir
de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo
Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o
uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O
morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema
nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo
12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois
termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode
ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor
90 Corpus 4
110
de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em
algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos
a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)
(12)
ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ
3Ss cortar -PERF patildeo COM faca
lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo
(13)
ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī
3Ss ECOM fruta vir-PERF
lsquoEle trouxe frutasrsquo
O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre
dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No
entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria
possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado
pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo
pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena
descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo
dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio
de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A
escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante
c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento
Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma
construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir
111
(14)
e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin
1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho
lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo
(15)
e su wawawawandindindindi babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo
A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria
de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na
estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso
do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e
o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)
apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a
construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo
facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das
marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo
d) Indicativas de comparaccedilatildeo
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre
dois termos
(16)
n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92
91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor
112
(17)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo
entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode
ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um
mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do
sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do
segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)
(18)
n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi
1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi
lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo
A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila
Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez
que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos
comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente
estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a
pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres
com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O
exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da
semana
(19)
igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo
93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo
113
A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo
em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]
e) Origem do movimento ou percurso
As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino
de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo
(20)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten
ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo
uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um
locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo
principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem
conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin
funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega
propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos
anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por
outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez
tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo
(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]
Consideraccedilotildees finais
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve
a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1
114
(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente
essa base
As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se
ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do
sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral
natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como
no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo
Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na
construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo
propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum
estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida
sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as
prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute
entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens
que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas
pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo
possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo
412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para
representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir
(21)
sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica
115
([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma
uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim
como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem
estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as
construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a
ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os
verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores
prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um
ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um
resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva
implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio
visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como
(22)
e kan be bawle
3Spl falar 3Opl baulecirc
lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo
Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por
si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que
sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado
que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa
construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees
No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle
introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode
ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para
mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em
questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo
combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura
argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da
94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos
116
construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim
considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se
relacionam na construccedilatildeo
A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido
introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no
exemplo (23) a seguir
(23)
y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila
lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila
lafl kun ba sono matar crianccedila
a crianccedila dormersquo
A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior
e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta
o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD
V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo
discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto
anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2
sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da
estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo
portanto a sua ordem prototiacutepica
No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc
formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento
(24)
i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo
3Ssg sair-PERF irpartir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo
117
Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico
durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada
apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma
forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a
construccedilatildeo
Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos
e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um
local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de
deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima
portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos
verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute
aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo
acontece no exemplo (25) a seguir
(25)
i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho
a tutututu a tttt
3Ss RES arrancar RES cair
O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo
retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da
oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo
repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por
V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a
queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos
na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser
95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
118
arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas
a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos
A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo
serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo
(26)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo
Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o
locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu
no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete
wlɔ)
(27)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96
A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado
SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ
kpɛn
Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando
nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A
inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de
algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra
96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
119
A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de
forma geral representada por
[SN V1 V2 (SN) (LOC)]
Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que
as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees
assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos
descritos neste capiacutetulo
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais
dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute
diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si
pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute
atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)
Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em
baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a
denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora
(LARSON 2005 61)
(a) to-li oflɛ di-li
3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL
lsquoShe bought papaya and ate itrsquo
lsquoElea comprou papaia e comeursquo
(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF
lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo
lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo
97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO
120
(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi
Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so
lsquoThe girls have told me the newsrsquo
lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo
(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so
lsquoAya gave me the bookrsquo
lsquoAya me deu o livrorsquo
Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries
verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para
o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por
justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees
seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como
caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu
1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o
sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua
interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)
2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como
defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais
verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo
seriam comumente empregados em seacuteries verbais
3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e
acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)
4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em
uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada
padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer
apenas uma vez
5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e
pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele
99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO
121
A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o
argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se
assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais
sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as
diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico
evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se
assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um
uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados
A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado
decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf
LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a
introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que
envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em
significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os
verbos temos
(28) (32 p99)
lsquoEle comprou papaia e comeursquo
Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado
(29) (3106 p99)
to-li oflɛ kpeacutekun di-li
3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF
lsquoEle comprou papaia E comeursquo
A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe
porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois
eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que
ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples
o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas
to li oflɛ di li
3Ss comprar PERF papaia comer PERF
122
propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos
o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute
facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e
a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter
Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o
verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado
(30) (34 p99)
fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo
Agora com a conjunccedilatildeo
(31) (3108 p100)
fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo
Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas
natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a
sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila
sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas
sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A
possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as
construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na
estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel
sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o
evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em
outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu
conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos
numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a
faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo
sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a
123
faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um
agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o
gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o
processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo
natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa
diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo
dos enunciados
Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees
sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade
maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao
redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado
segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece
efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo
podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101
O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo
deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras
caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de
marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos
considerar o exemplo a seguir
(32) (3118 p105)
Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi
Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg
lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo
De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa
introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson
admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado
inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de
100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo
124
uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o
resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)
A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha
sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo
se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado
ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas
propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como
fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser
interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo
A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees
comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o
verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de
sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar
por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que
indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria
em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua
que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes
nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das
sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)
admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da
construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam
parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees
seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma
propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como
serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo
que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees
Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu
como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a
diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da
conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica
102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo
125
S V1 O1 V2 O2
FA (PEGAR) NOME VERBO NOME
O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos
verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo
semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa
introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em
O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel
semacircntico e natildeo sintaacutetico
Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)
(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em
ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre
parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja
modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)
por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima
apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando
isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se
estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o
mesmo conteuacutedo informacional de antes
A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas
construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses
casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo
acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no
significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser
uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo
(33)
ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi
3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
126
(34)
Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ
Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL
lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo
Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser
interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto
coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em
posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que
envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do
baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e
apresenta o seguinte exemplo
(35) (37 p73)
Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi
Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo
O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico
verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees
funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute
utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta
O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da
marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de
ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas
seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas
como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode
127
levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno
em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte
construccedilatildeo
(36) (332 p73)
Aya fa-li fluwa-lsquon
Aya pegar-PERF livro-DET
lsquoAya pegou o livrorsquo
Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de
argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo
pleno A autora conclui entatildeo que
Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo
na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um
conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila
simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1
natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos
sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc
natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta
ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)
A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo
serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o
livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute
duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo
A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se
afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo
103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo
128
coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora
natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo
sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o
antigo uso
Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais
sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em
favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o
nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas
caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba
todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001
422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os
verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da
combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto
como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas
Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem
morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou
plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias
sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou
subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam
como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma
flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve
entre as propriedades do sistema linguiacutestico
Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou
plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade
funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias
sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos
(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos
subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre
muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas
apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma
106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo
129
flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas
problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)
Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas
transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais
desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em
construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais
abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa
flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado
tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da
construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer
denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades
associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que
natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida
Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a
sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um
evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto
concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo
Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do
verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio
Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia
de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute
possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de
um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo
ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse
novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia
desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF
107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo
130
1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT
2005 88)
Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da
Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees
seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees
simples
(37)
o tou enuma
3Ss pegar dinheiro
lsquoEla pega dinheirorsquo
Agora em construccedilotildees seriais
(38)
o tou inya diredirediredire
3Ss pegar arroz cozinhar
lsquoEla cozinha arrozrsquo
(39)
bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba
2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar
lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)
Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples
natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais
sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo
de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em
construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria
linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum
momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo
108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo
131
44 MARCAS ASPECTUAIS
Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a
categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida
em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que
essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza
simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas
complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre
elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de
um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute
portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia
um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica
independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma
As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem
respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao
momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de
presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees
semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo
instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA
COSTA 2002 19)
Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma
accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa
accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a
definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa
Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a
formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a
constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto
natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com
qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo
temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a
132
diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e
situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109
Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira
como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo
temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em
evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo
referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar
proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute
nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)
como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos
distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e
tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma
exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no
entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato
de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em
relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma
mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o
PROGRESSIVO e o ESTATIVO
Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da
Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes
(40)
Kwasi da h re-di-di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo
133
A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao
valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na
maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a
ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia
entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham
rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a
primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um
subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as
marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude
entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de
aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto
RESULTATIVO para o segundo verbo
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais
Li(Ni) PERFECTIVO
A RESULTATIVO
Su PROGRESSIVO
Oslash IMPERFECTIVO
Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes
maneiras
1) Junto apenas do primeiro verbo
2) Junto apenas do segundo verbo
3) Junto do primeiro OU do segundo verbo
4) Junto de ambos os verbos
Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos
verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que
haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de
exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar
nos exemplos do corpus abaixo citados
110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes
134
Junto de ambos os verbos
(41)
fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί
3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo
(42)
Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET
lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo
(43)
kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do segundo verbo
(44)
fafafafa tanni n totototo ----lililili blo
3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc
lsquoEle jogou o pano laacutersquo
(45)
n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili
1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF
lsquoEu escondi o patildeorsquo
135
(46)
kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do primeiro verbo
(47)
i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n
3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET
lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo
(48)
kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc
obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No
progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas
do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111
O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial
(49)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo
136
(50)
Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(51)
mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi
1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo
quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo
verbo da construccedilatildeo
(52)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar
acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os
(53)
Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee
lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo
137
(54)
i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema
zero
(55)
sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(56)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em
construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os
tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou
posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas
possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro
Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2
IMPERFECTIVO X X
PERFECTIVO X X
RESULTATIVO X
PROGRESSIVO X X (verbo fin)
112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
138
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em
construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA
pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os
casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como
representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente
ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja
feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a
constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os
verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de
forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo
de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia
de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um
iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado
A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc
(57)
didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(58)
Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee
lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(59)
Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun
3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC
lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo
139
(60)
a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi
3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os
lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo
Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao
morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois
do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o
que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)
Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de
imperfectivo eacute um morfema zero
No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a
V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e
seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com
uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a
O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em
V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal
A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo
man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura
[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em
seguida na serial
(61)
mi si su ma n-an mi livro kun
1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
140
(62)
mi si su fa man livro kun man mi
1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro
verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as
estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo
No presente e no passado
[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]
[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]
No futuro
[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a
possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute
possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e
utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo
(63)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]
No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular
em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1
(64)
kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
141
(65)
didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(66)
yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(67)
Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em
sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1
eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser
representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por
um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3
Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos
[S V1 O1 V2 O2]
Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1
funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de
objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na
estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos
itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais
Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento
principal da construccedilatildeo
Numa estrutura como
142
(68)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os
sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse
lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo
natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu
conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma
preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige
argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal
de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem
inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa
estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]
Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e
consequentemente predicador de argumentos
(69)
ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a
propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo
semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo
mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo
lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando
que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de
143
argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa
construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]
Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo
estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a
presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel
representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra
que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute
manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento
essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que
sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo
Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila
serial
(70)
fa nu13nu kun wun( a wun i
3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em
sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar
que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo
posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a
sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez
que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa
natildeo eacute o predicador do argumento interno
Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto
113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice
pronominal para retomar o objeto direto
144
(71)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore
filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo
No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da
estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial
Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora
na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de
V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse
referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do
enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de
Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento
interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2
A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais
mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura
de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees
[SN V1 SN(obj) V2 V3]
[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]
[SN V1 V2 SN(obj)]
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de
construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com
base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse
tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos
exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas
comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de
propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades
145
CAPIacuteTULO 5
DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que
compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da
Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG
1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um
uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo
de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)
Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios
dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees
conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou
concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro
modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo
quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos
conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser
uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma
categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como
um evento115
Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao
domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita
uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a
estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que
consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo
De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica
a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os
tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o
alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante
secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais
115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo
146
chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a
entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da
atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de
perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)
Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees
(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das
construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem
teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas
e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos
que as aproximam
No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos
demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em
seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal
por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a
possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede
semacircntica potencial dos itens verbais
Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e
assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no
processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam
conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com
o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a
proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que
tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um
verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de
Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas
116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo
147
511 Introdutoras de beneficiaacuterio
Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo
(72)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ss pegar frango mostrar 1Os
agente tema recipiente
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim
fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo
O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo
descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia
secundaacuteria
O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de
um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento
(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema
eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua
esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento
que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente
mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que
ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum
traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma
vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena
Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute
de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento
trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o
148
caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento
determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema
coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle
O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais
prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma
relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute
efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de
colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar
algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua
posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar
pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim
demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento
interno
Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de
estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos
dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na
serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo
V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse
verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a
ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de
tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua
estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da
construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel
sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado
Caso semelhante observamos no exemplo seguinte
149
(73)
i fa mango cɛ mi
3Ss pegar manga oferecer 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e
secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ
lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos
limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical
acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno
conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e
conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo
objetiva do evento
No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo
introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma
de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais
evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional
(74)
fa nu13nu kun wun$ a wun i
3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
agente tema
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
LIMPAR
nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo
150
PEGAR
fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando
assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu
conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo
(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X
causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que
pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da
proacutepria construccedilatildeo
Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados
(75)
ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute
3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)
que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com
o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)
como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita
por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves
demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o
caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item
escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o
verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que
um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No
entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado
151
a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a
algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa
No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas
aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo
(76)
i ni fa i kondro fa kt Oslash su
POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o
evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja
o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo
discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o
preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um
morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito
O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre
seus participantes
trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida
para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento
requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que
aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa
perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor
Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem
como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas
propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo
satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se
152
daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de
uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes
da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se
compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo
devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que
estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees
satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir
eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o
constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o
exemplo 78
(77)
ɔ yo-li swa nga man-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(78)
ɔ fa -li swa nga man-ni mi
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o
evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de
um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical
semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas
que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo
Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem
em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em
118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)
153
marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo
de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado
pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso
explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119
O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da
construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente
(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio
FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo
DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo
O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na
construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por
esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile
fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem
A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi
determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo
sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia
preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que
construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o
leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um
campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher
uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado
correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para
os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE
2006 26)
Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que
podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)
119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)
154
Semacircntica
Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
Sujeito Obj1 Obj2
yyyyooooman lsquofazerdarrsquo
lsquoelersquo
swa nga lsquoesta casarsquo
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle fez esta casa para mimlsquo
Semacircntica Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
faman man man man lsquopegardarrsquo
Sujeito
lsquoelersquo
Obj1
swa nga
lsquoesta casarsquo
Obj2
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo
apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse
esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute
dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de
introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso
temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como
secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos
155
nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man
lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo
funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna
necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo
serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo
Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas
propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por
adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao
que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma
construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo
constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim
adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma
mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa
possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas
propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos
Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa
Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo
receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que
todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de
situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia
apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na
medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento
descrito
A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena
descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira
veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda
por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do
verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu
uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno
beneficiaacuterio
156
Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de
construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de
construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um
dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo
de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os
verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na
construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange
3 construccedilotildees analisadas
Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do
tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da
cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o
verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o
mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela
construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees
semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas
Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las
bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees
representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o
sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade
157
constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal
combinaccedilatildeo
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
(79)
fa li13 tanni man ni kuajo
3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo
anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes
do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute
representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia
de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo
O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio
tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O
outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e
eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse
tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por
equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte
podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais
relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o
verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena
No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto
em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de
que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma
construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor
apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua
thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a
120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo
158
funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de
beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo
512 Introdutoras de instrumento
A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para
uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da
construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo
incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que
eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma
preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria
uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo
corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado
abaixo
(80)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um
agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre
um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal
(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante
secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma
construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y
se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo
necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou
159
objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a
caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam
Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de
que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja
introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo
de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela
composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome
O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode
revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se
interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a
representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e
ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca
para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra
apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse
movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa
perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca
Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a
funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para
chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado
Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas
coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo
de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham
percorrido esse caminho
Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em
sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse
movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona
diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um
item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute
o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que
por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido
pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de
160
extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma
das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham
como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo
A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem
nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de
beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades
verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando
observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo
verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121
(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e
de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o
sintagma nominal laliɛ n
Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos
verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento
descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente
Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se
adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia
No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca
representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ
lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos
descritos por esses verbos eacute
fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n
kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun
A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor
ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles
121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010
161
estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa
posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun
nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se
entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e
esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal
representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que
representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que
em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela
construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira
funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais
A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um
esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por
meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso
vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf
CROFT 1991 185)
Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos
Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo
Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo
162
Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na
descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel
sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades
verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do
resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-
PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado
A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas
sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute
verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui
manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos
mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto
denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos
o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute
por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que
por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma
uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de
um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave
estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto
se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas
naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto
por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo
da construccedilatildeo serial
163
Construccedilatildeo resultativa transitiva
Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute
predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com
papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na
construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade
visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo
mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca
aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada
A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees
natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz
em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental
que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a
semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo
estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos
diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias
construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da
economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e
harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa
integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial
adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo
122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo
164
semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da
construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos
constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa
combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da
construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido
resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja
ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo
V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de
V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item
lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees
dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas
estabelecidas previamente na construccedilatildeo
513 Comparaccedilatildeo
Observemos o exemplo a seguir
(81)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo
Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo
A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da
relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da
construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema
relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto
natildeo prototiacutepico o item lexical de base
A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma
comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu
165
proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade
do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura
parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente
determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo
em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo
imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que
tange a sua especificaccedilatildeo formal interna
Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5
categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais
estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda
para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas
categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos
proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala
organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem
PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE
Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se
gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se
considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma
categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave
categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas
ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a
proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a
categoria QUALIDADE eacute o de modificador
A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia
simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de
estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e
formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se
organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua
No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico
capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar
relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a
166
comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma
mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e
por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo
traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento
concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz
mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos
sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo
previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que
preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva
desse falante
Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo
Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra
lsquoEle fala mais comigorsquo
Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ
lsquodo que (fala) com vocecircrsquo
Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que
estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o
inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam
como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela
construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo
semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias
que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos
semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso
essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a
habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua
A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante
tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo
em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute
depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da
construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se
relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de
167
comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber
que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os
termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que
o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a
comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc
(82)
igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no
dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura
sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e
em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema
relacional de funccedilatildeo comparativa
O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que
esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse
gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente
determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A
construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que
antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o
que sucede tra
Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do
ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial
comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de
sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o
termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o
OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A
informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores
conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias
168
necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A
depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente
por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra
(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos
semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica
Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que
estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade
O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar
ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os
elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos
argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre
participante focal e secundaacuterio temos
Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman
Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem
Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor
eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como
marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman
lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma
condiccedilatildeo no dia anterior
Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas
produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades
discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os
falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem
relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas
estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado
formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de
Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um
169
uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de
um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo
(83)
n tra Kwakou afwɛ nsjɛ
1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis
lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo
A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra
que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade
traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional
Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco
Trajetor n Marco Kwakou
Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que
aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na
comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo
dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o
elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos
semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o
sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas
posiccedilotildees
A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute
diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da
construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em
evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da
construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um
verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas
construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -
representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o
170
evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que
esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a
estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)
Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo
(84)
didididi juma n tratratratra mi
3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas
que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui
observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre
nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o
pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute
ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma
construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em
baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade
simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute
depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse
enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente
Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de
instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os
segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de
trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade
abstrata o proacuteprio trabalho
A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma
atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa
escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-
se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o
pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real
mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si
171
operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual
se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a
seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o
exemplo 89123
Tia˃Tkb
di juma n tra mi
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos
123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
172
M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo
igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois
referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome
sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a
performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por
sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a
dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em
baulecirc
(85)
n si Kofi kpa tra Kwakow
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo
posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)
Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia
instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem
recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada
173
numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos
depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas
estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se
estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em
relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na
estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124
exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e superioridade
514 Indicativas de modo
Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento
ocorreu por meio de construccedilotildees seriais
(86)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
Trajetor Noacutes marco natildeo tem
No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado
movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute
designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute
participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um
processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)
mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha
necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode
ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria
124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo
174
referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem
representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa
uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)
Vejamos sua representaccedilatildeo
Sem MOVER tema objetivo
PRED
Sint V Suj Verbo
susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa
correr(ndo) 1Spl chegar
Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire
funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a
circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas
permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo
e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito
por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o
falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila
515 Indicativas dos participantes de um evento
(87)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo
A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas
analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento
e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o
participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento
175
de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante
secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece
uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de
apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo
metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido
cortado do evento representado
A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a
elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o
que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou
perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees
analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria
semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado
O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes
de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica
apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem
de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma
forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico
A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado
Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao
falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse
participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica
da construccedilatildeo
A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um
determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos
elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento
que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem
efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado
compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse
exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo
apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos
constituintes da construccedilatildeo
Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e
marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente
176
di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao
observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e
mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como
trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre
esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta
num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e
marco mi
A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em
que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado
analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser
inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma
variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou
experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a
natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e
qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo
herdadas pelas extensotildeesrdquo126
O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada
extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando
essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)
125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo
177
lsquoEles comem sem mimrsquo
A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2
para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos
constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo
pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado
seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e
realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica
implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se
encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave
178
combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo
a seguir
(88)
i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo
3Ss sair-PERF ir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo
Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo
Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico
e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos
argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve
conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico
verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel
de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de
Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema
designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas
∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo
O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do
movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e
diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de
um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses
verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada
um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria
construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a
construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na
estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move
127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo
179
empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum
lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos
verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade
construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens
verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si
uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria
construccedilatildeo
Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de
construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e
semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das
especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128
(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo
especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento
indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre
ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)
128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo
180
Movimento causado
Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBJ OBL
H129 subparte
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBL
A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos
exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
fite+k ˂ i gwabo ˃
Sin V S LOC ir 3Ss mercado
Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um
determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a
construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma
129 H= heranccedila
181
construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as
estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees
Vejamos o exemplo abaixo
(89)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo
Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo
No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado
central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no
final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos
demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo
eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2
A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o
termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo
de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila
Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas
um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante
focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual
correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no
entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que
seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os
compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos
analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No
caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo
enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre
em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud
182
Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao
menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions
ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel
participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os
papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)
A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura
serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema
Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a
estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A
atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos
interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu
sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos
O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees
seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao
valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A
ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma
vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto
determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas
construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que
demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical
Observemos o exemplo a seguir131
(90)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132
Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo
130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
183
Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo
(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na
construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do
conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos
semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo
de que o salto foi sobre por cima de algo133
Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui
descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo
como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos
Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas
que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em
ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se
trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos
mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos
permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de
sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB
LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia
de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular
enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a
finalizaccedilatildeo desse evento
As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo
com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira
133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar
184
ou
Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da
construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento
exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por
meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com
185
Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B
entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o
fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando
observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se
configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute
explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento
deslocado) e o alvo
(91)
i kle mon
wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute
Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui
empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo
(91a)
a tutututu a tttt
3Ssg RES arrancarpartir RES cair
lsquoO chapeacuteu caiursquo
O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de
focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de
CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica
composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras
construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis
134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico
186
A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado
sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma
causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou
marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante
focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A
noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois
elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que
indica a finalizaccedilatildeo do processo
A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo
participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como
uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua
organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos
os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam
sintaticamente como um uacutenico predicado
O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo
resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo
natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa
lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo
de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da
proacutepria construccedilatildeo serial
Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser
acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como
observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que
ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo
(91b)
a tutututu a tttt ace
3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo
lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo
A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse
processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila
temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que
187
realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma
mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir
expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos
predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio
(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na
medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado
Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz
com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante
causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como
indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante
do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos
tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado
ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais
na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca
entre os mesmos
Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por
meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO
opcit p264-265)
(92)
a liɛ+ n ti be-wa
alimento DET ser cozinhar
lsquoO alimento estaacute cozidorsquo
Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura
diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo
que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee
em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador
assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada
A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes
comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem
188
Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente
pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com
incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como
Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃
tutututu tttt ˂ ˃
Sin V Suj Suj
cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo
Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de
paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A
noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash
que incidi sobre o proacuteprio sujeito
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o
processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a
partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees
Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade
entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as
demais construccedilotildees da liacutengua
Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de
um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos
A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi
determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os
verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para
compor seu significado
189
190
CONCLUSAtildeO
Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees
seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas
mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que
fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as
coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em
baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva
teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual
A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos
revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que
tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de
uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas
Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como
Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo
de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos
consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando
que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em
outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor
nem a uma nem a outra estrutura
Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute
ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas
principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um
inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas
construccedilotildees
Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma
diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por
Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de
que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo
para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente
Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as
construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem
tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos
191
(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no
modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos
adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)
pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem
que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais
nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em
baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas de cada uma delas
No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da
anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham
pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro
deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que
expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo
semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber
que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou
como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte
especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi
primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc
Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a
concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto
designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos
(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos
linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede
de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se
como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para
ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo
discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os
interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas
No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a
perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008
2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em
baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo
192
constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio
conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais
proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como
verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de
nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e
secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do
significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas
Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos
verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi
salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo
pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo
gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo
visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo
pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar
Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo
multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do
marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida
comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo
para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da
cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o
que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo
Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo
funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno
mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional
Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas
acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os
itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees
No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee
que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura
que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que
toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a
ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida
nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem
193
como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo
satildeo unidades estanques
Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo
devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel
descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um
conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da
construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver
duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc
que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma
procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de
estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem
como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise
Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em
outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que
continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um
pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um
incentivo a outras abordagens
194
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis
Norwegian University of Science and Technology (NTNU)
AIKHENVALD A DIXON RMW (eds) Serial verbs constructions A cross-
linguistic tipology New York Oxford University Press 2006
AMEKA Felix Multiverb constructions in a West African areal typological
perspective Leiden University (sd)
_____________ Ewe serial verb constructions in their grammatical context New
York Oxford University Press 2006
BOHOUSSOU AMANI Lrsquoeacutenonceacute complexe du nagravenaacutefwecirc Muenchen Lincoccedilm 2008
BOLE-RICHARD Reacutemy Probleacutematique des seacuteries verbales avec application au gen
Afrique et Langage n10 2ordm semestre 1978
BORBA Francisco S Dicionaacuterio de usos do portuguecircs Satildeo Paulo Aacutetica 2002
BROCCIAS Cristiano Cognitive approaches to grammar
BRUCE J Serialization from syntax to lexicon Studies in language 1219-49 1988
CASTILHO Ataliba T de 1997 ldquoA gramaticalizaccedilatildeordquo In Estudos Linguumliacutesticos e
Literaacuterios 1997 n 19 p 25-64
________________Introduccedilatildeo ao estudo do aspecto verbal na liacutengua portuguesa
Mariacutelia USP 1966
________________ Nova Gramaacutetica do Portuguecircs Brasileiro 1ed Satildeo Paulo
Contexto 2010 p396-397
____________________ Para uma sintaxe da repeticcedilatildeo Liacutengua falada e
gramaticalizaccedilatildeo Liacutengua e Literatura Satildeo Paulo Humanitas 1977 n23 p293-330
195
_______________ Aspecto verbal no portuguecircs falado In ABAURRE Maria
Bernadete M RODRIGUES Acircngela CS(Orgs)Gramaacutetica do portuguecircs falado Satildeo
Paulo Editora Unicamp 2002 p 83-116 vVIII
CHAFE W (Ed) The Pear stories Cognitive cultural and linguistic aspects of
narrative production Norwoor New Jersey ABLEX Publishing Corporation
1980vIII
_________ Discourse consciousness and time The flow and displacement of
conscious experience in speaking and writingChicago The University of Chicago
Press 1994 p1-160
CHOI Seongsook Serial verbs and the empty category In Beermann Dorothee
Hellan Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
CHOMSKY N Aspects of the theory of syntax Cambridge The MIT Press 1965
__________ Syntactic structures Cambridge The MIT Press 1957
CREISSELS Denis 2000 Typology In HEINE Bernd NURSE Derek (eds) African
languages an introduction Cambridge Cambridge University Press p 231-258
_____________ Schemes de preacutedication verbale In Description des langues
neacutegro-africaines et theacuteorie syntaxique Grenoble Ellug 1991
CREISSELS D KOUADIO N Description phonologique et grammaticale drsquoum
parler baoule Institut de Linguistique Appliqueacutee Universiteacute Nationale de Cocircte-
drsquoIvoire 1977
CROFT W Intonation units and grammatical structure Linguistics An
interdisciplinary journal of the language sciences BerlynNew York 1995 v33-5
p839-882
196
DELPLANQUE Alain Le mythe des ldquoseries verbalesrdquo Revue de linguistique Paris
n11-12 p231-249
ETHNOLOGUE Site httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci
FAUCONNIER G TURNER M Conceptual integration networks Cognitive Science
22 1998 (2) 133-187
FILLMORE C KAY P OrsquoCONNOR M Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538 1988
FIORIN JOSEacute L PETTER MARGARIDA MT (orgs) Aacutefrica no Brasil A formaccedilatildeo da
liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto 2008
Geeraerts D Cuyckens H (Eds) 2007 The Oxford Handbook of Cognitive
Linguistics OxfordNew York Oxford University Press
GIVOacuteN T Prototypes between Plato and Wittgenstein In Graig (ed) Noun classes
and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Co 1986
GIVOacuteN T Serial verbs and the mental reality of lsquoeventrsquo grammatical vs cognitive
packaging In HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C (Eds) Approaches to
grammaticalization Focus on theoretical and methodological issues Vol I
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1991
GOLDBERG Adele E Constructions A Construction Grammar Approach to
Argument Structure Chicago and London University of Chicago Press 1995
________________ ldquoConstructions A New Theoretical Approach to Languagerdquo
Trends in Cognitive Science 7 5219-224 2003c (reprinted in Journal of Foreign
Languages China 2004)
______ Noun classes and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins
Publishing 1986
197
HAGEMEIJER T Underspecification in serial verb construction IN RIEMSDIJK H
VAN HULST H VAN DER KOSTER J (eds) Studies in generative Grammar 2001
_____________ Serial Verb Constructions in Satildeo-Tomense Lisboa 2000
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica Descritiva) Universidade de Letras de Lisboa
HASPELMATH Martin Coordinating constructions an overview In HASPELMATH
Martin (dir) Coordinating Constructions AmsterdamPhiladelphie John Benjamins
2004 p3-39
HELLAN L BEERMANN D ANDENES E Two types of Serial Verb Construction in
Akan Norwegian University of Science and Technology (NTNU) 2003
HEINE B ULRIKE C HUumlNNEMEYER F Grammaticalization A conceptual
framework Chicago The University of Chicago Press 1991
HILFERTY J Cognitive linguistics an introductory sketch Universitat de Barcelona
(sd)
HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C Gramaticalization Cambridge University
Press 1977
HOUAISS Antonio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Versatildeo online
KEWITZ Verena Gramaticalizaccedilatildeo e semanticizaccedilatildeo das preposiccedilotildees A e PARA no
Portuguecircs Brasileiro (seacuteculos XIX e XX) Satildeo Paulo 2007 211 f Tese (Doutorado em
Letras) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
KOCH IV MARCUSCHI LA Referenciaccedilatildeo In Jubran amp Koch (orgs) Gramaacutetica
do Portuguecircs Culto Falado no Brasil Vol I Construccedilatildeo do Texto Falado Campinas
Ed da Unicamp 2006
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Les seacuteries verbales em baouleacute questions de
morphosyntaxe et de seacutemantique Studies in African Linguistica v29n1 spring 2000
198
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Kouame Kouakou Parlons Baouleacute Langue et
culture de La Cocircte drsquoIvoire Paris LrsquoHarmattan 2004
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN Dictionnaire Baouleacute-
franccedilais Abidjan Nouvelles editions Ivoiriennes 2003
LAKOFF G Categories an essay in Cognitive Linguistics Linguistics in the
morning calm Selected Papers from SICOL-1981 Seoul Hanshin Publishing Co
1982 p139-209
_______________ Women fire and dangerous things what categories reveal about
the mind Chicago University of Chicago Press 1987
LAKOFF G JOHNSON M Metaphors we live by Chicago and London The
University of Chicago Press 1980
LAMBRECHT K Information structure and sentence form Cambridge Cambridge
University Press 1994
LANGACKER RW Foundations of Cognitive Grammar Volume I Theoretical
Prerequisites Stanford California Stanford University Press 1987
_________________ Universals of construal Proceedings of the Annual Meeting of
the Berkeley Linguistics Society p447-463 1993a
______________ Discourse in Cognitive Grammar Cognitive Linguistics San
Diego n12 p143-188 2001
______________ Concept image and symbol the cognitive basis of grammar 2ed
Berlim Mouton the Gruyter 2002
_____________ Orientation Cognitive Grammar A Basic Introduction New
York Oxford University Press 2008
______________ Constructional integration Grammaticization and Serial verbs
constructions Langage and linguistics n42 p251-278 2003
199
______________ Cognitive Grammar In GEERAERTZ D CUYCKENS H (Eds)
The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics New York Oxford University Press
2007
LARSON Martha Baule SVCs Two distinct varieties of missing objects Fraunhofer
IMK Sankt Augustin Germany Legon-Trondheim Linguistics Project Annual
Colloquium University of Ghana Legon 4-6 December 2002
______________ The empty object construction and related phenomena
Dissertation presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University
2005
LAW PAUL VEENSTRA Paul On the structure of serial verb constructions
Linguistics Analysis 22 p185-217 1992
LAWAL S ADENIKE The Yoruba serial verb construction A complex or simple
sentence In Mufwene SS Moshi L (eds) Topics in African Linguistics
Amsterdam John Benjamim P Company v100 p79-103 1993
LECLERC J ltltCocircte drsquoIvoiregtgt dans Lrsquoameacutenagement linguistique dans le monde
Quebec TLFQ Universiteacute Laval 01 juillet 2007
[httpwwwtlfqulavalcaaxleuropedanemarkhtm] (05 mai 2008)
LEHMANN Christian 1995 Thoughts on Grammaticalization Muumlnchen Newcastle
Lincon Europa
LEITE Marcelo Andrade Resultatividade um estudo das construccedilotildees resultativas
em portuguecircs Rio de Janeiro 2006 205 f Tese (Doutorado em Lingua Portuguesa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
LORD Carol Causative cconstructions in Yoruba Studies in African Linguistics
Supplement 5195-204
200
_____________ Historical change in serial verb constructions
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1993
MIRANDA NEUSA SALIM SALOMAtildeO MMM (orgs)Construccedilotildees do portuguecircs do
Brasil Da gramaacutetica ao discursoBelo Horizonte UFMG 2009
NOYAU COLETTE TAKASSI ISSA Cateacutegorisation et recateacutegorisation les
constructions verbales seacuterielles et leur dynamique dans deux familles de langues du
Togo In LAZARD GILBERT MOYSE-FAURIE CLAIRE (eds) Linguistique Typologique
Lille Presses du septentrion 2005 p207-240
OSAM EK Aspects of Akan Grammar A functional perspective PhD Thesis
University of Oregon 1994
PAL Dayane Cristina Construccedilotildees seriais em portuguecircs brasileiro estudo com
dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSP Dissertaccedilatildeo
(Mestrado em Semioacutetica e Linguumliacutestica Geral) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
QUINT N Coordination et parataxe en capverdien moderne (dialecte santiagais ou
badiais) In CARON B (ed) Subordination deacutependance et parataxe dans les langues
africaines Louvain Paris Peeters 2008 p 29-48
PAWLEY Andrew amp LANE JONATHAN From event sequence to grammar Serial
verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology
and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998
ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)
Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et
eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003
______________ Words and their meanings principles of variation and
stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards
201
a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106
Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92
RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da
coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004
_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no
portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP
SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva
sociocognitiva 2006
_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre
sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74
SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in
sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing
Company 1987
SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um
novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de
Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm
_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-
versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a
Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic
Publishers 1977
TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford
Clerendon Press 1995
TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive
semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)
202
_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring
Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a
_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in
Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System
of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning
Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar
httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf
VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York
Cornell University Press 1967
WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do
portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP
WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues
africaines Paris Karthala 2004
WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee
HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)
The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8
Berlin New York Mouton de Gruyter 1996
WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE
DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004
203
ANEXO
Trecho de uma das narrativas do corpus
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo
Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo
Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo
Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo
yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo
Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo
I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo
204
yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo
Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo
wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo
i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo
mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo
yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo
laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo
yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo
- Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
- Agradecimentos
- RESUMO
- ABSTRACT
- SUMAacuteRIO
- Abreviaturas
- INTRODUCcedilAtildeO
- CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
- 11FONOLOGIA
- 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
- 13 O GEcircNERO
- 14 O NUacuteMERO
- 15 CLASSES DE PALAVRAS
- 151Pronomes
- 511 Pronomes pessoaispossessivos
- 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
- 152 Verbos
- 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
- 1522Futuro
- 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
- 153 Adjetivos
- 1531 Adjetivos indefinidos
- 154 Numeral
- 155 Palavras de sentido adverbial
- 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
- 16 SINTAXE
- 161 Frase simples
- 162 Frase complexa
- 1621 Coordenaccedilatildeo
- 1622 Subordinaccedilatildeo
- 17 Interrogativas
- 18 Negaccedilatildeo
- CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
- 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
- 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
- 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
- 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
- 243 Propriedades prosoacutedicas
- 244 TempoAspectoModo
- 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
- 246 Argumentos compartilhados
- 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
- 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 2511 Orientaccedilatildeo espacial
- 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
- 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
- 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
- 2 515 Comparativos e superlativos
- 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
- 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
- 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
- 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
- 311 Nomes e verbos
- 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
- 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
- 314 O determinante do profile
- 315 Autonomia e dependecircncia
- 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
- 317 Verbos complexos
- 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
- 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
- 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
- 3221 Polissemia
- 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
- 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
- 3224 Metaacutefora
- 323 Verbos e construccedilotildees
- 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
- 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
- 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
- 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 44 MARCAS ASPECTUAIS
- 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
- 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
- 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
- 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
- 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
- 512 Introdutoras de instrumento
- 513 Comparaccedilatildeo
- 514 Indicativas de modo
- 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CONCLUSAtildeO
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
- ANEXO
-
Agradecimentos
Agradeccedilo agrave Capes pela bolsa concedida
Ao pessoal do LLACAN CNRS pela orientaccedilatildeo acadecircmica pelo incentivo ao estudo
das liacutenguas africanas e pela generosidade no acolhimento durante minha estada em
Paris
Aos meus colaboradores falantes de baulecirc Leacutea Koffi Theacuteodore Michel Maurice Sem
eles esta pesquisa natildeo teria se realizado Agradeccedilo pela dedicaccedilatildeo e pela prontidatildeo em
me ajudar com as duacutevidas sobre o baulecirc
A Eacuterica Ben-Hur e Robson pelo eficiente atendimento no Departamento de
Linguiacutestica
Ao professor Emilio Bonvini pelas conversas sobre liacutenguas africanas e sobre outros
diversos assuntos Pela receptividade durante meu estaacutegio em Paris
A todos os professores do Departamento de Linguiacutestica por compartilharem o
conhecimento
Aos membros do GELA pelas discussotildees africanistas
A minha orientadora Margarida Petter pela orientaccedilatildeo acadecircmica pela generosidade
pela compreensatildeo e por todo o incentivo que me deu durante minha trajetoacuteria
acadecircmica desde o mestrado
Aos meus pais por tudo o que representam em minha vida
RESUMO
Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que
subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees
simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de
orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a
Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)
A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com
construccedilotildees coordenadas sem conectivo
O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e
de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc
Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries
verbais liacutenguas africanas
ABSTRACT
This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial
constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by
Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major
semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their
syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization
based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive
Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions
(Goldberg 1995)
Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to
coordinate constructions without connective for being similar in structure
emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in
coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally
differentiates them
The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers
of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule
KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs
linguistic
SUMAacuteRIO
ABREVIATURAS
INTRODUCcedilAtildeO
CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1
11 FONOLOGIA 2
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4
13 O GEcircNERO 6
14 O NUacuteMERO 6
15 CLASSES DE PALAVRAS 6
151 Pronomes 7
1511 Pronomes pessoaispossessivos 8
1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9
152 Verbos 10
1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10
1522 Futuro 11
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11
153 Adjetivos 12
1531 Adjetivos indefinidos 12
154 Numeral 13
155 Palavras de sentido adverbial 14
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15
16 SINTAXE 15
161 Frase simples 15
162 Frase complexa 16
1621 Coordenaccedilatildeo 16
1622 Subordinaccedilatildeo 16
17 INTERROGATIVAS 17
18 NEGACcedilAtildeO 18
CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19
22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33
243 Propriedades prosoacutedicas 34
244 TempoAspectoModo 36
245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38
246 Argumentos compartilhados 41
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43
251 Construccedilotildees seriais 46
2511 Orientaccedilatildeo espacial 46
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto 49
2515 Comparativos e superlativos 53
2516 Construccedilotildees que indicam modo 54
2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54
2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57
31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59
311 Nomes e verbos 60
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64
313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67
314 Determinante do Profile 71
315 Autonomia e dependecircncia 73
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74
317 Verbos complexos 75
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87
3221 Polissemia 88
3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88
3223 Instanciaccedilatildeo 89
3224 Metaacutefora 90
323 Verbos e construccedilotildees 91
324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97
CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101
411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102
412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126
44 MARCAS ASPECTUAIS 131
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144
CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146
511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147
512 Introdutoras de instrumento 158
513 Comparaccedilatildeo 164
514 Indicativas de modo 173
515 Indicativas dos participantes de um evento 174
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188
CONCLUSAtildeO 190
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194
ANEXO 203
i
Abreviaturas
ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo
ADJINDEF ndash adjetivo indefinido
ADV ndash adveacuterbio
APRES ndash apresentativo
ASP ndash aspecto
CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado
COMPL ndash completivo
CONJ ndash conjunccedilatildeo
CONT ndash continuativo
DEM ndash demonstrativo
DET ndash determinante
DET-PL ndash determinante plural
ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo
EST ndash estativo
EXPL ndash expletivo
FUT ndash futuro
HAB ndash habitual
IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )
INDEF ndash indefinido
INF ndash infinitivo
INTER ndash interrogativo
LOC ndash locativo
M ndash masculino
MORF ndash morfema
NEG ndash negaccedilatildeo
O ndash objeto
OD ndash objeto direto
OI ndash objeto indireto
PASS ndash passado
PASREM ndash passado remoto
PER ndash person lsquopessoarsquo
PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)
ii
PL ndash plural
POSS ndash possessivo
POT ndash potencial
Prep ndash preposiccedilatildeo
PRES ndash presente
PROG ndash progressivo
REAL ndash realista
RED ndash reduplicado
REDUP ndash reduplicado
REFL ndash reflexivo
REL ndash morfema relativo
REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo
RES ndash aspecto resultativo
RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo
S ndash sujeito
Sg ndash singular
SN ndash sintagma nominal
TEMP ndash tempo
V ndash verbo
INTRODUCcedilAtildeO
O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de
leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005
na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs
brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo
Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como
ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava
propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da
teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo
apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries
verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que
um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro
Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do
continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs
mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento
e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo
Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto
de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de
cada liacutengua
Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de
serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas
agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de
Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais
em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um
olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que
tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos
Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos
brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)
e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees
seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade
de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o
portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel
semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as
propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)
elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em
dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo
dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados
de nosso corpus do baulecirc
No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais
teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica
Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos
Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas
insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a
sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na
elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem
passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer
outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-
se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de
suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem
conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura
conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc
Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente
fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon
(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente
semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma
caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo
5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees
Coleta de dados
O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira
1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da
histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria
pesquisadora
2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e
cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo
realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um
filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns
triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos
que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era
transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em
diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas
3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo
colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a
partir de um tema de interesse do proacuteprio falante
4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os
trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses
dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio
As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados
foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos
os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila
1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na
pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal
referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa
1
CAPIacuteTULO 1
A LIacuteNGUA BAULEcirc
Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por
aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do
continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia
em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que
estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma
aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais
repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas
estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e
superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma
classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do
Marfim
Niger-Congo
Atlantic-Congo
Volta-Congo
Kwa
Nyo
Tano
Central
Bia
Northern
Baouleacute
1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl
2
Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma
breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo
realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)
11FONOLOGIA
O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e
21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras
em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo
haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a
oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos
de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)
Orais e nasais
fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo
fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo
fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo
kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo
Surda e sonora
bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo
3
di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo
jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo
Pontos distintos de articulaccedilatildeo
fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo
Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e
dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma
propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos
semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute
determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)
sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo
alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo
No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo
realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo
indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos
(Kouadio amp Kouame 2004 14)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame
lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)
ɔ fa a duo
3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)
4
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio
amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica
Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa
do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem
alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees
foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um
exemplo
VOGAIS
API Ortografia baulecirc Exemplos
A a ta lsquoplantarrsquo
E e be lsquocozinharrsquo
ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo
I I ti lsquocabeccedilarostorsquo
O o bo lsquofundorsquo
ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo
U u fu lsquosubirrsquo
I in fin lsquovir dersquo
Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo
ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo
ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo
U un wun lsquover incharrsquo
CONSOANTES
API Ortografia baulecirc Exemplos
b b ba lsquocrianccedilarsquo
c c cɛn lsquoengordarrsquo
5
d d dɔn lsquohorarsquo
f f fu lsquosubirrsquo
ɡ g gali lsquomandiocarsquo
gb gb gba lsquoarmadilharsquo
ɉ j jɔ lsquoredersquo
k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo
kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo
l l la lsquodeitar dormirrsquo
m m damun lsquojogorsquo
n n nnun lsquocincorsquo
ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo
p p panndu lsquogarrafarsquo
r r rɛrɛ lsquoescalarsquo
s s se lsquodizerrsquo
t t tu lsquodesenterrarrsquo
v v vi lsquorim lomborsquo
j y yi lsquoesposarsquo
z z nza lsquoinhamersquo
13 O GEcircNERO
Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a
distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea
como observamos a seguir
bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo
yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo
6
14 O NUacuteMERO
Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun
Sran mun
Ser humano PL
lsquoOs seres humanosrsquo
15 CLASSES DE PALAVRAS
As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que
constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas
(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de
nomes verbos adjetivos e adveacuterbios
No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os
distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados
devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha
significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor
definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os
pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que
acompanham os lexemas nominais Exemplos4
di
Comer
lsquoComarsquo
alwa ɔ
cachorro pred
lsquoEacute um cachorrorsquo
bia kun
cadeira INDEF
lsquoUma cadeirarsquo
4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora
7
ɔ fa- li wa n man-ni mi
3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o filho delersquo
151Pronomes
Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes
pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte
nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que
determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5
bja nga
cadeira DEM
lsquoEsta cadeirarsquo
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ
branco vila INDEF dentro LOC
lsquoNuma vilahelliprsquo
511 Pronomes pessoaispossessivos
A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto
SUJEITO Singular Plural
1a pessoa n e
2a pessoa a amu
3a pessoa ɔ be
5 Exemplos de nosso corpus
8
COMPLEMENTO Singular Plural
1a pessoa mi e
2a pessoa wɔ amu
3a pessoa i be
Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em
construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ
(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por
pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do
referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso
facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004
22)
Min si liɛ
1Ss pai MORF
lsquoMeu pai (a mim)rsquo
Be nianman bian6 liɛ mun
3Opl irmatildeo homem MORF PL
lsquoOs irmatildeos delesrsquo
Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal
complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta
adicionar o morfema mun
POSSESSIVO Singular Plural
1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo
2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo
3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo
6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua
9
1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga
mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome
que determinam7
Gbo nga
Poccedilo DEM
lsquoEste poccedilorsquo
sran nga mun
Ser humano DEM PL
lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo
A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun
lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be fa be un
3Spl parecer 3Opl corpo
lsquoEles se parecemrsquo
Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado
utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be wan Kofi ba-li
3Spl dizer Kofi vir-PERF
lsquoDizem que o Kofi veiorsquo
7 Exemplos de nosso corpus
10
152 Verbos
A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e
dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin
lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros
1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)
verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o
imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man
colocado apoacutes o(s) verbo(s)
Exemplos
tra li a ce kl ltri
Ele s sentar PERF solo escrever carta
lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo
a ba ma
3Ss RES chegar NEG
lsquoEle natildeo chegoursquo
ba su wa kɔ lafi
crianccedila PROG FUT ir dormir
lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo
yɛ ɔ fa flwa nga
entatildeo 3Ss pegar livro DEM
lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo
ɔ tɛ lafi
3Ss CONT dormir
lsquoEle continua a dormirrsquo
11
1522Futuro
A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome
sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro
proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa
Vejamos alguns exemplos
laflɛ kun ba yɛ wa lafi
sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir
lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo
ɔ su wa sɔ televizion n
3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET
lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos
realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz
em muitas repeticcedilotildees
wo l titi waka ma wie
3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF
lsquoEle colhia umas frutasrsquo
153 Adjetivos
O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que
determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o
adjetivo
Sran dan
Ser humano grande
lsquoUm homem grandersquo
8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo
12
Bla kpɛnngbɛn mun be si able
Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)
lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10
1531 Adjetivos indefinidos
a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)
algum(ns) certo (s) Exemplo
sran vie mun be bali wa
ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC
lsquoAlguns homens vieram aquirsquo
b) fi algum Exemplos
like fi n kɔ a lika fi
coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum
lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo
c) kwlaangba tudo todos
Ba sɔrsquon si sa kwlaa
Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo
lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo
d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo
lsquouma aacutervorersquo
10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc
wa ka ku n
aacutervore uma
13
e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo
Like uflɛ
coisa outra
lsquooutra coisarsquo
f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo
like kunngba
coisa mesmo
lsquoa mesma coisarsquo
g) sɔ lsquotal dessa formarsquo
talua sɔrsquo n tirsquo A kpa
menina tal DET ser NEG bom
lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo
154 Numeral
Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a
centena 200
1 kun k 11 blu nin ku
2 nnyɔn 20 ablaɔn
3 nsan 30 ablasan
4 nnan 40 ablanan
5 nnun 50 ablenunn
6 nsiɛn 60 ablesiɛn
7 nso 70 ableso
8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ
14
9 ngwlan 90 ablangwlan
10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn
155 Palavras de sentido adverbial
Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe
unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente
nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos
tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e
adjetival
Nian kpa
Olhar bom
lsquoOlhe bemrsquo
Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado
como adjetivo e adveacuterbio
i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ
3Ssg sair 3CLpl olho grande grande
lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo
Kuasi klo Amlan ngboko
Kuasi amar Amlam Muito
lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo
O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12
K a gu li l fu li e ku n
Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo
lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo
11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus
15
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de
adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute
contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo
bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo
16 SINTAXE
161 Frase simples
As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema
Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos
le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs
lsquoEle tem trecircs cestasrsquo
Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs
lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo
Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute
invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo
ɔ yo li swa nga man ni mi
3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
162 Frase complexa
1621 Coordenaccedilatildeo
A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes
morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns
exemplos
16
ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver
lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo
Y sie-li l y bo i komin ekun
Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv
lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo
K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba
Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir
lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo
1622 Subordinaccedilatildeo
O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para
expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i
nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ
sa) Exemplos ilustrativos
K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla
Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo
lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo
i ti kɛ nɛ yɛ
3Ss ser como animal ADV
lsquoEle eacute como um animalrsquo
ti k kkba umuan y u i
3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo
17
A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo
Exemplo
e wo Paris tra Lion
1Spl ir Paris ultrapassar Lion
lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo
17 Interrogativas
Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin
lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo
nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ
O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred
lsquoO que ele fez para mimrsquo
a fa mannin wan
2Ss pegar dar-PERF INTER
lsquoA quem vocecirc deu isso
ɔ duman suan13 sɛ
3Ss chamar INTER
lsquoComo vocecirc se chamarsquo
18 Negaccedilatildeo
O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a
marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o
morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos
13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo
18
Mrsquoa fa man mrsquoa fia man
1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG
lsquoEu natildeo o escondirsquo
kɛ ba lafili man
quando crianccedila dormir-PERF-NEG
lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo
Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se
acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos
mi si su man ma n mi livru kun
POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF
lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo
Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo
man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo
ɔ tran ma n lɔ ku n
3Ssg morar NEG LOC NEG
lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15
ɔ nian wɔ ma n Buake
3Ssg NEG ir NEG Buake
lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo
14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397
19
CAPIacuteTULO 2
L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no
que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades
definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de
anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das
liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos
parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades
sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme
Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do
tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo
Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais
construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas
Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp
DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais
que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute
nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em
estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute
considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu
trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de
um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua
Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de
combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem
nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele
atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma
sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo
acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial
20
Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for
um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um
complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar
fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos
satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse
caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas
subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16
(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)
Em combinaccedilatildeo acidental
Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou
adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado
simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados
sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas
satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto
na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)
Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os
componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute
hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na
seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que
estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou
Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica
da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e
tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo
A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de
uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser
expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o
16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo
21
apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o
essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora
eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo
significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao
verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)
Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada
muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar
a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das
liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento
seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos
desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item
lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo
absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada
construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos
estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido
aprofundadas pelo autor
A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com
Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os
estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas
pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa
transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as
construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou
mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)
(1) fmm me ne pocircnko no
Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o
lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo
18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)
22
(2)
fmm me no
Ele emprestar-PASS me o
lsquoEle o emprestou a mimrsquo
(3)
de no fmm me
3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)
lsquoele o emprestou a mimrsquo
Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua
natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples
admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A
produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome
objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em
que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que
compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que
restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de
novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais
Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas
propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos
em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais
como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental
por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se
realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que
observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os
verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de
identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da
combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as
caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de
verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da
sentenccedila nem portam marcas gramaticais
23
Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que
em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de
Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens
lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem
de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em
momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo
apresentando propostas diferentes
O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas
distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las
como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir
de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas
estabelecidas na construccedilatildeo
Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991
Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como
resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a
sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um
fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um
continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi
2005)
Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados
associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas
chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute
Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais
para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees
seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees
sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos
os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo
de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)
Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees
seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente
21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo
24
pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os
argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar
mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma
recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma
anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez
que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande
variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia
demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o
surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso
linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um
processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel
A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos
nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos
falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo
Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento
ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo
semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as
construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades
semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que
tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal
na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A
nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a
possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente
A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de
Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da
inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo
Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo
satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada
construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do
significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a
proacutepria construccedilatildeo
25
22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica
da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade
cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia
tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema
cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral
Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de
outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma
habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a
concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes
de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa
tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano
culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de
tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico
Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo
linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo
principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia
Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo
denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre
construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade
para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos
africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor
rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que
testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as
ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que
essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor
eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente
compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa
construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de
que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar
a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns
22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo
26
povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos
desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e
consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo
produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se
certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em
outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por
exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord
(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua
depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees
comunicativas elas servemrdquo23
Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais
uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura
sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES
SERIAIS
Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de
propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do
fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que
pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de
1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual
tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de
anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de
1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos
tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as
proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa
abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para
todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)
No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas
contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que
23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname
27
dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como
o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser
analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e
quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns
exemplos
(4)
Olu mu iweacute wa
Olu pegar livro vir
lsquoOlu trouxe o livrorsquo
(5)
Olu gun iyan je
Olu pounded yam ate
lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo
Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo
de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e
construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries
verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o
autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de
natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo
tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao
contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26
Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na
tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf
JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o
desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa
entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas
e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la
da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais
25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos
28
Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas
abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse
pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito
de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas
caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as
diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)
O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a
tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades
especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para
a construccedilatildeo eacute
Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem
juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo
subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais
descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees
simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo
simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS
podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada
componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos
individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27
(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)
Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma
variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea
Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e
coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua
anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua
de base
Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma
maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como
o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de
subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares
27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo
29
modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas
inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)
A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois
apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase
inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do
Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute
que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais
comuns em liacutenguas analiacuteticas
Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-
congolecircs
Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)
(6)
a fa i swa n a kle mi
3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os
lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)
Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)
ti-wa -ra ete re a
3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o
lsquoEle destruiu o pratorsquo
No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em
seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle
lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo
sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado
28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo
30
por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute
mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas
da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada
O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na
elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de
serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee
apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no
capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula
completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse
satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o
dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de
complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se
parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas
mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo
O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num
uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos
assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por
meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo
podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a
adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um
evento
Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos
descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem
expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal
associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades
verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que
sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico
lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da
construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do
segundo verbo
29 Verbos esvaziados de sentido
31
Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma
compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se
complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS
para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem
na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas
regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das
construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas
coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia
ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como
uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa
classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de
liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo
esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon
(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a
elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes
grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores
contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem
que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e
Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e
chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas
seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a
despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado
simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia
sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra
32
oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se
observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da
Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)
(8)
nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana
1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP
lsquoEle viu que eu atravesseirsquo
Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final
da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais
ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de
cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS
o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS
aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de
subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute
subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte
Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud
AIKHENVALD 2006)
(9)
a mtto cw katto rwo t
1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei
lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo
Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o
elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas
verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de
estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos
componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da
composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a
30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda
33
CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas
gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso
acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees
seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de
forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais
independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas
marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do
perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo
de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus
componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel
constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir
uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas
multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa
dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de
gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que
adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a
compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto
que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido
Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas
a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a
distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse
conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por
essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores
Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que
determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de
compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de
integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente
possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja
do uso que o falante faz dele
34
243 Propriedades prosoacutedicas
Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma
oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de
entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras
oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa
pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os
autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo
concisa sobre ela
Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua
escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite
maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de
fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de
organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais
Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a
complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os
interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que
pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura
gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa
de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no
discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade
entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou
informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no
discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda
na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os
limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma
oraccedilatildeo de um uacutenico verbo
A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a
caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se
sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie
verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees
seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo
35
prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que
uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da
capacidade fiacutesica humana
Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula
a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala
tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se
houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade
entonacional
A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos
formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente
uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de
uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades
cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a
tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma
mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma
abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica
(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels
() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre
construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um
predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees
em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)
Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia
verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba
todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas
europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de
seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo
inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000
240)
32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo
36
244 TempoAspectoModo
Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de
tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes
conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser
feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre
elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e
que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila
entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a
concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema
indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de
aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33
(Ameka 2003)
(10)
Kwasi da h re di di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e
o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores
aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a
concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se
harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do
aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento
Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo
por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades
discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos
maiores perfectivo e imperfectivo
Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir
uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam
33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana
37
compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum
contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)
Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006
9)
(11)
cu a ni ak n- ni
Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB
lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)
Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e
ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir
(12)
cua ci ak oŋgu i
cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg
lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo
Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra
accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo
apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute
de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao
segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo
que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de
agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do
exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo
parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo
coordenada
Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc
(13)
Be sin-ni l be wo-li
38
3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF
lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo
Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que
representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem
pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido
junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar
essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados
No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos
verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees
coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em
elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos
que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do
falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente
a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento
como em construccedilotildees seriais
245 Composiccedilatildeo dos argumentos
Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento
Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de
argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico
argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item
lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da
natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)
Ambos podem pertencer agrave CS como um todo
Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a
caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou
subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as
caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos
34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo
39
por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em
outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio
de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando
usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)
Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da
valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos
requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois
resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o
seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)
(14)
o ti ri nwo keacute a hu o kpo
Ele bater TEMPO homem REL soco
lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)
(15)
lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)
Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e
o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o
mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando
entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o
verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e
interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se
sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A
estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo
o ti gbu ru nwo keacute a hu
Ele bater matar TEMPO homem REL
40
transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos
que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um
argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma
serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos
compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo
caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a
apresentada acima como uma CS
O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso
(16)
i kle mo n wla i ti kle n a tu a t
3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES
cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo
Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle
arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo
ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da
CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando
concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS
O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento
interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia
desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos
transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc
Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da
combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de
que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua
valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante
de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto
de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS
41
246 Argumentos compartilhados
A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma
propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que
quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam
consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como
prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos
ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo
satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs
Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo
componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO
sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de
um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode
ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade
indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute
denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38
(AIKHENVALD 2006 16)
(17)
Tali mi-tit tenten Kevin
Tali PER-socar chorarREDUP Kevin
lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo
Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza
uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro
verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse
primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo
elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2
37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu
42
Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico
entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)
que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo
impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir
como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada
proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo
como elemento de fundo ou apoio agrave cena
Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em
geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical
seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit
p16)
(18)
na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak
3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM
lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo
O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e
tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares
em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que
eacute menos especiacutefica
A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute
sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim
Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e
construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a
diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito
evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto
de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute
bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)
39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo
43
Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito
satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na
literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo
transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2
nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees
consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito
de V1 eacute equivalente ao objeto de V2
Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do
goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud
AIKHENVALD 2006 102)
(19)
kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()
antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta
lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo
Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees
temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou
de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo
progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o
primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima
Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees
(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os
recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica
demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a
identificaccedilatildeo de uma CS
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees
seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com
suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash
construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a
relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na
44
construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico
evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo
harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus
componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo
pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado
grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem
representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico
verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica
especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald
Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas
grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe
relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe
gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees
assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito
por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula
uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou
postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a
toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)
Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos
pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe
restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma
divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo
com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e
quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos
que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos
de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa
desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a
adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo
ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse
40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo
45
conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que
podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees
gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou
ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente
Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos
semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as
propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo
condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer
quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos
semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos
parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo
das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as
constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e
consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros
de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los
1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento
2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de
estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo
3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-
modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo
4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo
5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo
6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos
como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros
A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a
apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo
tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar
principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria
essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os
mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs
46
251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A
seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades
2511 Orientaccedilatildeo espacial
Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de
movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -
e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD
2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica
do Sul
(20)
Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]
Macaco vir beber I PRES
lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo
indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao
mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada
(21)
a fin Buake a ba
3Ssg RES vir de Buake RES chegar
lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo
Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao
encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]
Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No
primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do
baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida
47
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de
outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do
kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213
apud AIKHENVALD op cit p23)
(22)
lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo
Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma
funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de
mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo
apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma
outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em
casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord
(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma
adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico
Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS
ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois
processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite
portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como
afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do
qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo
ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise
como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte
de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma
mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial
Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses
verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A
kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai
quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir
48
autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e
temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do
aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre
CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais
processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees
Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe
apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)
(23)
ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]
1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS
lsquoEu me tornei grandersquo
Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo
ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro
verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando
empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de
ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de
seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos
semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um
novo significado
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute
negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos
em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma
modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo
morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer
sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a
41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)
49
seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD
opcit p 24)
(24)
eli ja acha bai Singapore
3Ssg PER receber ir Cingapura
lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto
Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em
papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas
instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que
passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees
semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como
verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em
saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud
AIKHENVALD opcit p 26)
(25)
Kofi Bi bai di buku da di muyeacute
Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher
lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo
O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo
primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo
(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e
beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo
quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica
entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego
em CS como a do exemplo (25)
43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca
50
Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de
um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud
KROEGER 2004 239)
(26)
Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i
Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip
lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo
Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os
argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos
verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos
As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser
analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o
padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os
verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()
Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004
239)
Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em
posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em
posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O
objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o
objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo
serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por
exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo
representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees
metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS
Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como
coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O
principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena
44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo
51
representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a
natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome
nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)
(27)
Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg
lsquoAya me deu o livrorsquo
A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em
CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar
sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode
ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e
aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON
opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo
acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos
integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns
casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio
ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item
lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em
sincroniardquo47
O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento
mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um
momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2
Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de
coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a
outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo
jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em
serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para
46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas
52
verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential
combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48
Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico
de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)
(28)
Abo lori tudik korsquoa paun
avocirc pegar faca cortar patildeo
lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de
ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)
tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada
sem conectivo com sujeito vazio
(29)
fa-li lali kp-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF
lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um
uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o
sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas
construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject
construction- ESC)
Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo
apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em
estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis
visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum
53
instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem
como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento
A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como
as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou
coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos
que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo
semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise
reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como
uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo
2 515 Comparativos e superlativos
Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo
ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de
construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006
101)
(30)
kuma frsquoyer ma ni
tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg
lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo
Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial
comparativa
(31)
n si Kofi kpa tra Kuakou
1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o
outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute
algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo
50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria
54
como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em
segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados
2516 Construccedilotildees que indicam maneira
Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado
pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in
AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em
que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira
como a outra accedilatildeo se realizou51
(32)
ti [gi-e yaa-a -goe ]
1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT
lsquoEu chegarei atrasadorsquo
252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico
da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um
evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como
pressuposto a accedilatildeo de cozinhar
(33)
Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu
Ama POT-cozinhar coisa comer
lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo
51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo
55
Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois
do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido
pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo
2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo
serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o
efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos
em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-
function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)
(34)
n=babas weli n=mot do
3sg=bater porco 3sg=morrer REAL
lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo
Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra
indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou
52 Liacutengua austroneacutesia
56
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o
tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito
de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas
propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de
variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas
construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer
paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees
Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de
compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa
caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo
homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo
evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de
identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais
Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo
com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto
mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um
ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo
57
CAPIacuteTULO 3
PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as
construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo
dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois
entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que
traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em
coacutedigo
O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de
perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas
relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave
elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970
nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente
como um movimento mundial
O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os
estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano
precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos
gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de
que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas
propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos
pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos
teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta
Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto
heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)
teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais
(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987
2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas
comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira
(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos
portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo
(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se
uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico
58
(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre
domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes
inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia
Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem
estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas
estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como
manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na
Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a
organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em
diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)
Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da
Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave
proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a
Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria
maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as
propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as
quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva
desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens
lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de
nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo
aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o
significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca
mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf
LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele
Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a
elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item
lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee
a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como
a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os
moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de
ambas
59
31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso
e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que
descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute
simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o
fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e
no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)
formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas
simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica
ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma
determinada liacutengua (LANGACKER 1987)
Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave
conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer
tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto
experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva
compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada
pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica
dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa
interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo
discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as
estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da
transmissatildeo da informaccedilatildeo
A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica
Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a
caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que
estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na
elaboraccedilatildeo dos enunciados
53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria
60
311 Nomes e verbos
Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam
em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos
dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que
natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente
idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo
necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria
Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por
Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA
1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de
saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da
dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria
categoria
As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade
identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos
mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas
propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os
elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a
estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a
natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as
dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se
extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os
membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de
significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e
sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em
consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a
natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas
margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e
intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees
necessaacuterias e suficientes
Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e
verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto
fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em
54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa
61
termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos
fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades
de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo
que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo
prototiacutepico
Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a
existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para
nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes
Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos
I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material
II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual
III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo
IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa
nenhuma localizaccedilatildeo particular
V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos
conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento
E para verbos o autor destaca
I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de
mudanccedila e transferecircncia de energia
II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem
sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal
III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada
uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes
IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem
conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem
Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo
resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam
tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo
linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e
categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo
das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas
62
por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de
influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)
Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos
de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos
o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo
Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos
discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato
entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de
dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato
fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que
pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55
(LANGACKER 2008 103)
No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila
a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o
objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia
prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida
Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute
proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais
proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se
um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma
accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa
transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um
terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim
sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo
substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que
os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa
Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento
e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)
Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de
energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras
55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo
63
[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia
de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de
energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo
intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o
sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento
autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o
que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos
chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute
um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA
SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)
O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado
modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia
momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a
interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse
modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem
em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)
No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os
participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo
cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por
expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos
nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos
centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que
representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez
que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a
uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como
participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante
Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical
e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e
complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia
complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os
dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico
56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo
64
contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto
a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura
Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas
linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou
mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do
falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual
direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes
de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado
As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que
concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo
uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam
prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se
desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles
haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um
nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente
possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser
relevante para nossa pesquisa
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por
uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo
significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais
ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende
do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre
leacutexico e gramaacutetica
Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo
claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do
leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e
podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro
mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no
estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar
processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura
semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica
65
Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que
uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma
comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo
expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma
comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o
lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas
partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber
dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo
palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo
auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo
(estaacute falando) entre outros
Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o
processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para
que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma
expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de
complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas
caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo
eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de
detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes
A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de
experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um
conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58
(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais
de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria
o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem
traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a
que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo
formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos
protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor
(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo
satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um
57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo
66
nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e
probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os
protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)
Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja
na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e
dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais
Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e
conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito
no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva
consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e
devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma
representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais
De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-
se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro
deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso
deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de
construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma
expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas
depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59
(LANGACKER 1993a)
E ainda
Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo
inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade
eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro
ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva
tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)
Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a
sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na
59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo
67
situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez
refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o
outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do
proacuteprio discurso
Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das
diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de
um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)
identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que
decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as
classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)
313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais
relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se
estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu
significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais
de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia
entre os seus elementos conceituais
As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo
apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado
da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como
exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base
mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma
condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um
processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e
reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento
Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se
desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de
energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a
categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a
impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva
Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado
natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo
68
bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como
um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades
cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background
memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER
1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo
linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais
capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos
mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos
cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa
percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas
por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do
primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o
que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua
compreensatildeo o que eacute menos relevante etc
Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia
conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois
elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos
saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em
um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas
gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas
figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata
Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e
fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o
espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)
Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente
moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor
particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61
61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo
69
O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel
relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou
orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62
Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as
noccedilotildees de marido e esposa
(LANGACKER 2003 252)
A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma
base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e
esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao
poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino
A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o
elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais
como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre
homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o
nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto
de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo
de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros
A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de
retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia
desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor
tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a
possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que
demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada
proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees
particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados
62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo
70
conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo
planos
Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma
determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver
essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com
o qual a cena eacute representada
Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em
que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja
representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido
amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento
preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas
dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current
discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as
informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor
formando a base do discurso produzido
No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para
elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia
que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa
capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa
forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo
numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra
absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O
escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou
escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo
imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e
o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a
propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato
Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em
sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo
em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que
nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez
examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento
cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou
71
seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo
escopo maacuteximo
Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)
interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo
temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de
sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas
gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o
trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees
314 O determinante do profile
A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de
seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo
a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas
esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa
forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os
profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao
profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um
termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a
mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo
designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome
ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo
O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da
construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave
qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da
GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela
natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de
seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo
correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de
classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as
estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e
consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute
apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos
72
Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de
nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse
equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma
parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo
Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser
classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha
cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar
analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet
tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o
trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como
trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do
closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina
um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um
de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile
correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um
deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial
Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser
identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao
da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o
profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por
Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um
verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de
remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o
processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim
um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que
apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos
constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar
carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente
Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam
usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC
denominados esquemas construcionais
64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo
73
Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de
semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas
Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)
315 Autonomia e dependecircncia
Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de
correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui
esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados
Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um
detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a
schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse
termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration
site (e-site)
Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente
conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de
correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados
como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo
considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a
caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical
verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute
-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que
o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado
O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da
organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por
termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato
indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em
suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de
dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a
estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute
65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo
74
dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o
componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no
ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de
autonomiadependecircncia desses elementos componentes
A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser
compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e
seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente
sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria
construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo
isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe
de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo
eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica
Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute
identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas
componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas
componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical
mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos
constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico
representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano
corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha
A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC
uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um
agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto
de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que
iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo
se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a
sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC
considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno
75
(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por
instacircncias simboacutelicas
Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que
estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees
transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos
elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos
alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo
componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)
(a) The package [that I was expecting] arrived
(b) The package arrived [that I was expecting]
Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo
conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de
organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do
exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que
ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos
constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a
sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a
significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas
gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual
que expressam
317 Verbos complexos
Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta
complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A
estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma
oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que
restam a ser preenchidos
De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui
no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em
liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos
76
resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o
autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo
necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto
ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do
tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)
A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma
uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas
indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto
por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos
por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores
de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo
podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que
representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam
como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas
O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo
funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o
que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos
complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em
construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do
inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que
demonstra as relaccedilotildees de seu profile
(LANGACKER 2003 270) Figura 2
GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)
aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de
77
um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena
enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A
Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com
a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser
de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade
transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for
mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e
influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do
tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do
recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)
Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no
domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente
admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja
transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no
caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da
liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso
pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER
2003 271)
No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo
agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o
beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de
transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)
Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave
demonstrada na figura 2 acima
No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos
son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e
78
envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas
representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes
mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma
sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a
compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua
representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como
verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do
beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor
prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais
representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a
representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do
marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente
(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual
Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres
que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do
mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada
por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos
que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo
em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente
experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas
conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees
linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia
dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal
elaborado de uma determinada cena
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
10) fa li tanni man ni kuajo
Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso
79
fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais
que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento
descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por
transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos
fa (pegar) e man (dar)
O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute
tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena
O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo
e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato
de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel
numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com
essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a
perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo
fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode
imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos
Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos
semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores
que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte
semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em
construccedilotildees seriais passa a verbo funcional
Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de
seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais
possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas
formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento
dessa estrutura
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas
um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos
semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos
constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a
ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e
80
qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente
relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que
antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da
Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua
significaccedilatildeo
O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos
a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um
evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente
de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos
culmine em um evento maior e principal
Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de
alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente
associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma
concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash
AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28
in AIKHENVALD 2006)
A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos
semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente
pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no
que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou
subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma
mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em
estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no
significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado
da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem
Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos
semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais
66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo
81
deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa
forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de
conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens
lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela
acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da
construccedilatildeo
Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial
como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de
eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma
funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do
evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo
como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou
discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e
uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim
concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo
de interdependecircncia estabelecida entre os verbos
Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o
ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de
um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado
denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto
de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo
verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma
consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo
primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)
Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que
nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores
prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo
67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo
82
Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de
autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68
Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar
e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena
representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees
seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em
termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como
representativos tambeacutem dessas construccedilotildees
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados
estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus
participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os
componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de
acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena
de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a
abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o
barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma
mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu
interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada
atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem
mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo
para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo
conceitual
Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo
fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a
conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as
liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos
seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser
realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de
evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento
em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)
68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to
clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual
autonomy and dependencerdquo
83
Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi
discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser
comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado
por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que
devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo
Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de
Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica
Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica
Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo
teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites
estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas
naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem
processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao
leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias
denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da
liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como
pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de
forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da
maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos
anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria
A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel
central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma
minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A
natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas
formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG
2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a
69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos
84
gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser
compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas
e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge
espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras
semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave
gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)
sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees
satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee
assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da
liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange
ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico
A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre
construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de
uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute
de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que
natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as
unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e
sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a
diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade
Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos
construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais
transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por
exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e
a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em
complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares
de significado e forma
A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia
lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma
hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma
construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da
70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538
85
construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)
sobre o verbo slice
a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)
b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-
movimento)
c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)
d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o
eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)
e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)
A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice
a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao
contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp
instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a
determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da
estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de
Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo
preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e
que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido
central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais
como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de
estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre
outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente
pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees
Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma
gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado
projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando
entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma
determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos
e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto
quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base
86
adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em
outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem
como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico
Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma
abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se
atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal
abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as
construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de
mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical
se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque
potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta
ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e
escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado
na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de
um item lexical em seu sentido de base
Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que
Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de
linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)
deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das
palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que
(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes
significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro
de maneira clara71
A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de
motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as
provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas
71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item
87
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas
tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da
motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo
maximizado princiacutepio da maacutexima economia
Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute
motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de
forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas
sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder
expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir
de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de
construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel
Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as
construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees
(GOLDBERG 1995 67)
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana
uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos
capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas
sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o
compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o
que eacute novo
Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo
de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem
entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e
um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que
jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo
nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela
gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou
alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute
conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada
88
categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como
um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)
No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que
representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a
Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a
gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma
similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras
- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode
ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica
3221 Polissemia
Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado
particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima
extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas
entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As
informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo
Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs
1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo
2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo
As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que
preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus
participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo
sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A
existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1
3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de
outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre
73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995
89
construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir
um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes
Constr Movimento Causado
SEM Causa-Movimento lt
PRED lt
SINT V
causa tema alvo
gt
gt
SUJ OBJ OBL
Lscausa
Constr Intransitiva de Movimento
SEM Movimento lt tema alvo gt
PRED lt gt
SINT V SUJ OBL
3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou
uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a
autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo
instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica
associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de
construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo
Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo
75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo
90
Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da
semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa
consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em
que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa
forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na
construccedilatildeo que a originou
(GOLDBERG 1995 80)
Resultativa
Li Ls
drive
3224 Metaacutefora
Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de
um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave
construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a
autora cita
a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo
b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo
O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido
de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)
apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de
movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado
como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off
the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo
metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o
sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)
Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo
possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas
91
semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes
entre as liacutenguas
Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute
a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens
construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como
forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e
processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas
empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)
323 Verbos e construccedilotildees
A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute
carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem
Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees
sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio
sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais
Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que
consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda
construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do
falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais
(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em
construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos
componentes
No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena
por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas
em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-
se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de
apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical
Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de
primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o
compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa
atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade
76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo
92
cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker
(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e
TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam
diferentes aspectos
HIPOTENUSA TRIAcircNGULO
De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens
verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na
medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos
aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os
itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam
papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que
neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao
evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma
construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um
significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional
propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical
instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e
protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido
O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas
concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre
outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a
um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo
regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de
princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir
a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos
semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que
realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o
papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse
verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser
instanciado como exemplo do papel de agente
93
b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um
correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma
similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a
elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria
Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa
estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo
bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus
integrantes
Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir
com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item
CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um
chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o
recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva
Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)
Joatildeo chuta a bola para o Pedro
O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela
construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel
de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o
verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados
como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de
recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite
essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da
informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de
chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam
por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs
Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando
incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel
de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)
He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo
94
A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi
empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico
Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo
manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na
cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a
introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados
diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto
natildeo nos parece ter sido salientado pela autora
O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado
do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do
verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma
construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa
construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo
profunda entre esse item e a construccedilatildeo
Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica
de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo
compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo
visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento
Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo
menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute
corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo
324 Limites entre leacutexico e sintaxe
Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia
pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de
uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a
gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos
significados mas que seja apenas um de seus componentes
A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum
significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se
postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo
sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute
entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a
95
proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de
uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a
compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada
predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente
idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada
virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um
organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez
tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua
menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o
sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se
produz
Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria
regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e
consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos
herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum
elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura
originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original
(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente
Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o
conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa
circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a
construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas
em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A
capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato
cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa
capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana
constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental
A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite
visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que
estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo
sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele
contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da
gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao
significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado
96
e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e
desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo
verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo
Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como
um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou
de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica
primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o
interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do
verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na
estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses
casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena
principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo
ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como
essencial
A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de
mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee
para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se
compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado
Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter
funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo
seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o
caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura
que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do
leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico
97
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas
teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que
nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram
utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os
enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a
Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua
natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute
precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera
assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e
significado
Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo
observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o
entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes
analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais
construccedilotildees
98
CAPIacuteTULO 4
DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais
concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila
entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute
certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc
(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se
firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam
exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas
propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar
apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos
os exemplos abaixo77
(1)
S V1 O V2 O
sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(2)
S V1 V2 O
fa nu13nu kun wun $ a wun i
Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo
Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores
reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se
assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees
77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros
99
Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma
construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de
seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi
reconhecida mas que se distingue pouco do ponto
de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito
relativamente mais proacutexima formalmente da
justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de
outras liacutenguas79
Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais
nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais
construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua
semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf
CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas
dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf
CREISSELS amp KOUADIO opcit)
bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila
de entonaccedilatildeo
bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a
sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa
bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80
bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)
mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a
construccedilatildeo
Vejamos um exemplo
(3)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ssg pegar frango mostrar 1Osg
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS
amp KOUADIO 1977)
100
Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp
Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso
apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca
gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto
imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave
classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o
significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo
pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir
(4)
ā su fā wɔ swӑ n kle mī
2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg
lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo
Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno
do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise
como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute
mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento
interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)
Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma
ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de
introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute
inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com
o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista
morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se
dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo
enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de
81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82
101
uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro
termo da seacuterie82
Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade
simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe
formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por
dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e
semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees
seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo
Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a
proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois
grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem
a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject
Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos
a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc
Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico
da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso
sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de
coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon
(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal
tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois
grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam
conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar
uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum
82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo
102
dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas
da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado
principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo
Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se
apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem
sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que
esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por
essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais
(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos
semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia
dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir
caracteriacutesticas de verbos funcionais83
411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para
a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio
b) introduzir o papel de instrumento
c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento
d) Indicar uma comparaccedilatildeo
e) Indicar a origem do movimento ou percurso
Analisaremos a seguir cada um dos itens citados
a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio
Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais
assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo Vejamos84
(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su
Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa
103
Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez
funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido
por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo
fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental
ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena
principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo
proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos
levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os
verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2
sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo
verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977
421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o
sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie
verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85
Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome
sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo
caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente
Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo
diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na
coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em
que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo
Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-
baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2
natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um
formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no
corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo
que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos
semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo
85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo
104
metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser
empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)
(6)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em
liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas
como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da
construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais
como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis
semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa
funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na
relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio
proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima
No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um
sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno
Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice
aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele
eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo
Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de
beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir
com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele
ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material
no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio
Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees
indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu
ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a
seguir
105
(7)
i mamamama nnnn----ni mi swa kun
3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF
lsquoEle deu uma casa para mimrsquo
O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu
uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em
relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro
apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)
A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado
de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman
(8)
ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute
3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo
ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em
posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como
ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo
inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o
seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado
central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando
compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de
uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de
verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena
88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo
106
principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os
exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas
Exemplo (6)
yo man
SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem
FAZER DAR
Exemplo (8)
fa man
SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem
PEGAR DAR
Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma
Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a
descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez
man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro
lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que
V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo
aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)
na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada
construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em
seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a
outra
Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma
construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a
preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma
construccedilatildeo serial
A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica
apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1
mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo
107
(9)
i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi
3Ssg pegar manga oferecer 1Osg
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante
os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo
em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se
reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos
dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A
diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man
natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante
beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse
participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de
ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas
por Silva (1999)
b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento
O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o
instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De
acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie
verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)
atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente
um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele
veio com o inhamerdquo89
89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo
108
(10)
lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo
conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se
manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por
trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo
mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido
mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima
extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da
cena descrita carrega traz consigo o inhame
Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo
serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como
operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre
outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa
tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto
nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de
deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo
verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o
inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o
participante tem a posse de algo eacute o verbo fa
O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por
seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas
propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu
estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute
possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como
preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe
de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo
estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de
verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute
preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que
ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li
Il prendre-ACC igname venir-ACC
109
adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da
classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]
O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo
(11)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)
[S V1 O1 V2 O2]
Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta
caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de
PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de
um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero
poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de
um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo
em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois
dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos
salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a
preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos
como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir
de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo
Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o
uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O
morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema
nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo
12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois
termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode
ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor
90 Corpus 4
110
de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em
algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos
a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)
(12)
ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ
3Ss cortar -PERF patildeo COM faca
lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo
(13)
ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī
3Ss ECOM fruta vir-PERF
lsquoEle trouxe frutasrsquo
O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre
dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No
entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria
possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado
pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo
pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena
descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo
dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio
de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A
escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante
c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento
Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma
construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir
111
(14)
e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin
1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho
lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo
(15)
e su wawawawandindindindi babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo
A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria
de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na
estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso
do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e
o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)
apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a
construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo
facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das
marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo
d) Indicativas de comparaccedilatildeo
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre
dois termos
(16)
n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92
91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor
112
(17)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo
entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode
ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um
mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do
sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do
segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)
(18)
n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi
1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi
lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo
A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila
Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez
que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos
comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente
estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a
pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres
com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O
exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da
semana
(19)
igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo
93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo
113
A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo
em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]
e) Origem do movimento ou percurso
As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino
de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo
(20)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten
ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo
uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um
locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo
principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem
conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin
funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega
propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos
anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por
outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez
tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo
(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]
Consideraccedilotildees finais
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve
a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1
114
(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente
essa base
As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se
ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do
sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral
natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como
no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo
Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na
construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo
propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum
estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida
sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as
prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute
entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens
que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas
pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo
possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo
412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para
representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir
(21)
sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica
115
([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma
uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim
como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem
estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as
construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a
ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os
verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores
prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um
ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um
resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva
implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio
visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como
(22)
e kan be bawle
3Spl falar 3Opl baulecirc
lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo
Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por
si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que
sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado
que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa
construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees
No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle
introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode
ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para
mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em
questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo
combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura
argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da
94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos
116
construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim
considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se
relacionam na construccedilatildeo
A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido
introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no
exemplo (23) a seguir
(23)
y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila
lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila
lafl kun ba sono matar crianccedila
a crianccedila dormersquo
A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior
e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta
o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD
V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo
discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto
anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2
sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da
estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo
portanto a sua ordem prototiacutepica
No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc
formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento
(24)
i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo
3Ssg sair-PERF irpartir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo
117
Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico
durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada
apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma
forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a
construccedilatildeo
Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos
e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um
local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de
deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima
portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos
verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute
aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo
acontece no exemplo (25) a seguir
(25)
i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho
a tutututu a tttt
3Ss RES arrancar RES cair
O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo
retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da
oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo
repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por
V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a
queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos
na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser
95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
118
arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas
a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos
A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo
serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo
(26)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo
Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o
locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu
no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete
wlɔ)
(27)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96
A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado
SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ
kpɛn
Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando
nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A
inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de
algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra
96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
119
A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de
forma geral representada por
[SN V1 V2 (SN) (LOC)]
Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que
as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees
assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos
descritos neste capiacutetulo
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais
dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute
diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si
pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute
atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)
Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em
baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a
denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora
(LARSON 2005 61)
(a) to-li oflɛ di-li
3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL
lsquoShe bought papaya and ate itrsquo
lsquoElea comprou papaia e comeursquo
(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF
lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo
lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo
97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO
120
(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi
Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so
lsquoThe girls have told me the newsrsquo
lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo
(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so
lsquoAya gave me the bookrsquo
lsquoAya me deu o livrorsquo
Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries
verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para
o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por
justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees
seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como
caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu
1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o
sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua
interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)
2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como
defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais
verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo
seriam comumente empregados em seacuteries verbais
3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e
acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)
4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em
uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada
padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer
apenas uma vez
5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e
pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele
99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO
121
A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o
argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se
assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais
sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as
diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico
evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se
assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um
uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados
A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado
decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf
LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a
introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que
envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em
significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os
verbos temos
(28) (32 p99)
lsquoEle comprou papaia e comeursquo
Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado
(29) (3106 p99)
to-li oflɛ kpeacutekun di-li
3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF
lsquoEle comprou papaia E comeursquo
A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe
porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois
eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que
ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples
o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas
to li oflɛ di li
3Ss comprar PERF papaia comer PERF
122
propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos
o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute
facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e
a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter
Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o
verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado
(30) (34 p99)
fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo
Agora com a conjunccedilatildeo
(31) (3108 p100)
fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo
Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas
natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a
sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila
sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas
sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A
possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as
construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na
estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel
sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o
evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em
outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu
conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos
numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a
faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo
sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a
123
faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um
agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o
gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o
processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo
natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa
diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo
dos enunciados
Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees
sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade
maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao
redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado
segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece
efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo
podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101
O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo
deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras
caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de
marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos
considerar o exemplo a seguir
(32) (3118 p105)
Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi
Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg
lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo
De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa
introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson
admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado
inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de
100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo
124
uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o
resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)
A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha
sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo
se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado
ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas
propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como
fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser
interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo
A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees
comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o
verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de
sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar
por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que
indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria
em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua
que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes
nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das
sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)
admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da
construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam
parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees
seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma
propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como
serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo
que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees
Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu
como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a
diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da
conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica
102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo
125
S V1 O1 V2 O2
FA (PEGAR) NOME VERBO NOME
O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos
verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo
semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa
introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em
O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel
semacircntico e natildeo sintaacutetico
Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)
(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em
ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre
parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja
modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)
por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima
apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando
isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se
estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o
mesmo conteuacutedo informacional de antes
A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas
construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses
casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo
acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no
significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser
uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo
(33)
ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi
3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
126
(34)
Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ
Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL
lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo
Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser
interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto
coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em
posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que
envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do
baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e
apresenta o seguinte exemplo
(35) (37 p73)
Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi
Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo
O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico
verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees
funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute
utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta
O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da
marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de
ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas
seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas
como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode
127
levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno
em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte
construccedilatildeo
(36) (332 p73)
Aya fa-li fluwa-lsquon
Aya pegar-PERF livro-DET
lsquoAya pegou o livrorsquo
Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de
argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo
pleno A autora conclui entatildeo que
Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo
na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um
conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila
simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1
natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos
sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc
natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta
ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)
A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo
serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o
livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute
duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo
A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se
afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo
103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo
128
coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora
natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo
sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o
antigo uso
Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais
sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em
favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o
nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas
caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba
todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001
422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os
verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da
combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto
como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas
Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem
morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou
plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias
sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou
subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam
como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma
flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve
entre as propriedades do sistema linguiacutestico
Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou
plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade
funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias
sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos
(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos
subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre
muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas
apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma
106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo
129
flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas
problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)
Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas
transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais
desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em
construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais
abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa
flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado
tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da
construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer
denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades
associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que
natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida
Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a
sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um
evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto
concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo
Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do
verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio
Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia
de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute
possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de
um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo
ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse
novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia
desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF
107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo
130
1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT
2005 88)
Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da
Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees
seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees
simples
(37)
o tou enuma
3Ss pegar dinheiro
lsquoEla pega dinheirorsquo
Agora em construccedilotildees seriais
(38)
o tou inya diredirediredire
3Ss pegar arroz cozinhar
lsquoEla cozinha arrozrsquo
(39)
bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba
2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar
lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)
Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples
natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais
sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo
de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em
construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria
linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum
momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo
108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo
131
44 MARCAS ASPECTUAIS
Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a
categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida
em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que
essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza
simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas
complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre
elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de
um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute
portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia
um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica
independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma
As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem
respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao
momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de
presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees
semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo
instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA
COSTA 2002 19)
Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma
accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa
accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a
definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa
Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a
formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a
constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto
natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com
qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo
temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a
132
diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e
situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109
Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira
como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo
temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em
evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo
referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar
proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute
nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)
como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos
distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e
tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma
exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no
entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato
de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em
relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma
mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o
PROGRESSIVO e o ESTATIVO
Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da
Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes
(40)
Kwasi da h re-di-di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo
133
A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao
valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na
maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a
ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia
entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham
rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a
primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um
subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as
marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude
entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de
aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto
RESULTATIVO para o segundo verbo
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais
Li(Ni) PERFECTIVO
A RESULTATIVO
Su PROGRESSIVO
Oslash IMPERFECTIVO
Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes
maneiras
1) Junto apenas do primeiro verbo
2) Junto apenas do segundo verbo
3) Junto do primeiro OU do segundo verbo
4) Junto de ambos os verbos
Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos
verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que
haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de
exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar
nos exemplos do corpus abaixo citados
110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes
134
Junto de ambos os verbos
(41)
fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί
3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo
(42)
Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET
lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo
(43)
kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do segundo verbo
(44)
fafafafa tanni n totototo ----lililili blo
3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc
lsquoEle jogou o pano laacutersquo
(45)
n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili
1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF
lsquoEu escondi o patildeorsquo
135
(46)
kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do primeiro verbo
(47)
i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n
3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET
lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo
(48)
kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc
obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No
progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas
do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111
O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial
(49)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo
136
(50)
Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(51)
mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi
1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo
quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo
verbo da construccedilatildeo
(52)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar
acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os
(53)
Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee
lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo
137
(54)
i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema
zero
(55)
sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(56)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em
construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os
tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou
posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas
possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro
Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2
IMPERFECTIVO X X
PERFECTIVO X X
RESULTATIVO X
PROGRESSIVO X X (verbo fin)
112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
138
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em
construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA
pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os
casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como
representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente
ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja
feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a
constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os
verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de
forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo
de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia
de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um
iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado
A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc
(57)
didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(58)
Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee
lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(59)
Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun
3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC
lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo
139
(60)
a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi
3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os
lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo
Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao
morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois
do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o
que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)
Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de
imperfectivo eacute um morfema zero
No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a
V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e
seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com
uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a
O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em
V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal
A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo
man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura
[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em
seguida na serial
(61)
mi si su ma n-an mi livro kun
1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
140
(62)
mi si su fa man livro kun man mi
1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro
verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as
estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo
No presente e no passado
[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]
[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]
No futuro
[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a
possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute
possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e
utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo
(63)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]
No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular
em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1
(64)
kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
141
(65)
didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(66)
yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(67)
Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em
sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1
eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser
representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por
um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3
Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos
[S V1 O1 V2 O2]
Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1
funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de
objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na
estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos
itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais
Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento
principal da construccedilatildeo
Numa estrutura como
142
(68)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os
sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse
lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo
natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu
conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma
preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige
argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal
de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem
inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa
estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]
Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e
consequentemente predicador de argumentos
(69)
ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a
propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo
semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo
mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo
lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando
que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de
143
argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa
construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]
Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo
estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a
presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel
representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra
que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute
manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento
essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que
sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo
Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila
serial
(70)
fa nu13nu kun wun( a wun i
3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em
sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar
que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo
posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a
sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez
que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa
natildeo eacute o predicador do argumento interno
Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto
113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice
pronominal para retomar o objeto direto
144
(71)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore
filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo
No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da
estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial
Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora
na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de
V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse
referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do
enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de
Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento
interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2
A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais
mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura
de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees
[SN V1 SN(obj) V2 V3]
[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]
[SN V1 V2 SN(obj)]
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de
construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com
base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse
tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos
exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas
comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de
propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades
145
CAPIacuteTULO 5
DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que
compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da
Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG
1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um
uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo
de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)
Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios
dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees
conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou
concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro
modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo
quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos
conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser
uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma
categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como
um evento115
Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao
domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita
uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a
estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que
consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo
De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica
a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os
tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o
alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante
secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais
115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo
146
chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a
entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da
atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de
perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)
Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees
(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das
construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem
teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas
e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos
que as aproximam
No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos
demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em
seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal
por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a
possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede
semacircntica potencial dos itens verbais
Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e
assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no
processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam
conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com
o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a
proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que
tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um
verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de
Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas
116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo
147
511 Introdutoras de beneficiaacuterio
Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo
(72)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ss pegar frango mostrar 1Os
agente tema recipiente
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim
fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo
O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo
descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia
secundaacuteria
O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de
um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento
(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema
eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua
esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento
que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente
mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que
ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum
traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma
vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena
Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute
de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento
trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o
148
caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento
determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema
coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle
O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais
prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma
relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute
efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de
colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar
algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua
posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar
pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim
demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento
interno
Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de
estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos
dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na
serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo
V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse
verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a
ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de
tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua
estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da
construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel
sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado
Caso semelhante observamos no exemplo seguinte
149
(73)
i fa mango cɛ mi
3Ss pegar manga oferecer 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e
secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ
lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos
limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical
acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno
conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e
conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo
objetiva do evento
No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo
introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma
de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais
evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional
(74)
fa nu13nu kun wun$ a wun i
3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
agente tema
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
LIMPAR
nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo
150
PEGAR
fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando
assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu
conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo
(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X
causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que
pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da
proacutepria construccedilatildeo
Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados
(75)
ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute
3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)
que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com
o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)
como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita
por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves
demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o
caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item
escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o
verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que
um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No
entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado
151
a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a
algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa
No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas
aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo
(76)
i ni fa i kondro fa kt Oslash su
POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o
evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja
o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo
discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o
preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um
morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito
O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre
seus participantes
trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida
para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento
requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que
aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa
perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor
Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem
como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas
propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo
satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se
152
daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de
uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes
da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se
compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo
devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que
estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees
satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir
eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o
constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o
exemplo 78
(77)
ɔ yo-li swa nga man-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(78)
ɔ fa -li swa nga man-ni mi
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o
evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de
um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical
semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas
que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo
Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem
em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em
118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)
153
marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo
de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado
pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso
explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119
O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da
construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente
(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio
FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo
DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo
O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na
construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por
esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile
fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem
A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi
determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo
sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia
preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que
construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o
leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um
campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher
uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado
correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para
os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE
2006 26)
Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que
podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)
119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)
154
Semacircntica
Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
Sujeito Obj1 Obj2
yyyyooooman lsquofazerdarrsquo
lsquoelersquo
swa nga lsquoesta casarsquo
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle fez esta casa para mimlsquo
Semacircntica Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
faman man man man lsquopegardarrsquo
Sujeito
lsquoelersquo
Obj1
swa nga
lsquoesta casarsquo
Obj2
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo
apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse
esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute
dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de
introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso
temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como
secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos
155
nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man
lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo
funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna
necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo
serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo
Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas
propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por
adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao
que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma
construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo
constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim
adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma
mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa
possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas
propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos
Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa
Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo
receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que
todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de
situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia
apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na
medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento
descrito
A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena
descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira
veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda
por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do
verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu
uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno
beneficiaacuterio
156
Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de
construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de
construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um
dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo
de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os
verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na
construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange
3 construccedilotildees analisadas
Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do
tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da
cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o
verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o
mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela
construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees
semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas
Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las
bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees
representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o
sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade
157
constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal
combinaccedilatildeo
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
(79)
fa li13 tanni man ni kuajo
3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo
anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes
do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute
representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia
de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo
O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio
tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O
outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e
eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse
tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por
equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte
podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais
relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o
verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena
No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto
em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de
que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma
construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor
apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua
thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a
120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo
158
funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de
beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo
512 Introdutoras de instrumento
A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para
uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da
construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo
incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que
eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma
preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria
uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo
corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado
abaixo
(80)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um
agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre
um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal
(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante
secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma
construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y
se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo
necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou
159
objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a
caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam
Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de
que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja
introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo
de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela
composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome
O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode
revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se
interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a
representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e
ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca
para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra
apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse
movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa
perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca
Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a
funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para
chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado
Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas
coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo
de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham
percorrido esse caminho
Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em
sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse
movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona
diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um
item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute
o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que
por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido
pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de
160
extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma
das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham
como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo
A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem
nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de
beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades
verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando
observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo
verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121
(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e
de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o
sintagma nominal laliɛ n
Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos
verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento
descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente
Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se
adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia
No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca
representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ
lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos
descritos por esses verbos eacute
fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n
kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun
A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor
ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles
121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010
161
estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa
posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun
nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se
entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e
esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal
representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que
representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que
em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela
construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira
funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais
A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um
esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por
meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso
vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf
CROFT 1991 185)
Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos
Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo
Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo
162
Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na
descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel
sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades
verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do
resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-
PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado
A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas
sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute
verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui
manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos
mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto
denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos
o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute
por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que
por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma
uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de
um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave
estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto
se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas
naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto
por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo
da construccedilatildeo serial
163
Construccedilatildeo resultativa transitiva
Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute
predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com
papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na
construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade
visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo
mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca
aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada
A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees
natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz
em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental
que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a
semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo
estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos
diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias
construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da
economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e
harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa
integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial
adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo
122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo
164
semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da
construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos
constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa
combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da
construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido
resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja
ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo
V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de
V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item
lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees
dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas
estabelecidas previamente na construccedilatildeo
513 Comparaccedilatildeo
Observemos o exemplo a seguir
(81)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo
Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo
A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da
relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da
construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema
relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto
natildeo prototiacutepico o item lexical de base
A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma
comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu
165
proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade
do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura
parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente
determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo
em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo
imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que
tange a sua especificaccedilatildeo formal interna
Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5
categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais
estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda
para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas
categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos
proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala
organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem
PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE
Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se
gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se
considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma
categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave
categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas
ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a
proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a
categoria QUALIDADE eacute o de modificador
A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia
simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de
estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e
formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se
organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua
No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico
capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar
relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a
166
comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma
mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e
por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo
traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento
concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz
mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos
sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo
previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que
preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva
desse falante
Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo
Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra
lsquoEle fala mais comigorsquo
Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ
lsquodo que (fala) com vocecircrsquo
Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que
estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o
inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam
como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela
construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo
semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias
que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos
semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso
essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a
habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua
A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante
tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo
em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute
depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da
construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se
relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de
167
comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber
que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os
termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que
o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a
comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc
(82)
igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no
dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura
sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e
em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema
relacional de funccedilatildeo comparativa
O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que
esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse
gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente
determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A
construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que
antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o
que sucede tra
Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do
ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial
comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de
sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o
termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o
OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A
informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores
conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias
168
necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A
depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente
por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra
(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos
semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica
Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que
estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade
O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar
ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os
elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos
argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre
participante focal e secundaacuterio temos
Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman
Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem
Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor
eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como
marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman
lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma
condiccedilatildeo no dia anterior
Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas
produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades
discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os
falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem
relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas
estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado
formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de
Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um
169
uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de
um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo
(83)
n tra Kwakou afwɛ nsjɛ
1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis
lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo
A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra
que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade
traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional
Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco
Trajetor n Marco Kwakou
Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que
aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na
comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo
dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o
elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos
semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o
sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas
posiccedilotildees
A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute
diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da
construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em
evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da
construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um
verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas
construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -
representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o
170
evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que
esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a
estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)
Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo
(84)
didididi juma n tratratratra mi
3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas
que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui
observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre
nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o
pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute
ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma
construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em
baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade
simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute
depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse
enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente
Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de
instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os
segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de
trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade
abstrata o proacuteprio trabalho
A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma
atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa
escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-
se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o
pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real
mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si
171
operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual
se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a
seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o
exemplo 89123
Tia˃Tkb
di juma n tra mi
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos
123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
172
M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo
igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois
referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome
sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a
performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por
sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a
dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em
baulecirc
(85)
n si Kofi kpa tra Kwakow
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo
posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)
Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia
instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem
recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada
173
numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos
depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas
estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se
estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em
relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na
estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124
exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e superioridade
514 Indicativas de modo
Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento
ocorreu por meio de construccedilotildees seriais
(86)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
Trajetor Noacutes marco natildeo tem
No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado
movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute
designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute
participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um
processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)
mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha
necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode
ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria
124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo
174
referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem
representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa
uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)
Vejamos sua representaccedilatildeo
Sem MOVER tema objetivo
PRED
Sint V Suj Verbo
susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa
correr(ndo) 1Spl chegar
Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire
funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a
circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas
permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo
e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito
por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o
falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila
515 Indicativas dos participantes de um evento
(87)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo
A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas
analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento
e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o
participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento
175
de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante
secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece
uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de
apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo
metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido
cortado do evento representado
A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a
elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o
que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou
perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees
analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria
semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado
O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes
de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica
apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem
de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma
forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico
A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado
Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao
falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse
participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica
da construccedilatildeo
A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um
determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos
elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento
que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem
efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado
compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse
exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo
apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos
constituintes da construccedilatildeo
Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e
marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente
176
di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao
observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e
mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como
trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre
esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta
num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e
marco mi
A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em
que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado
analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser
inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma
variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou
experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a
natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e
qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo
herdadas pelas extensotildeesrdquo126
O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada
extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando
essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)
125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo
177
lsquoEles comem sem mimrsquo
A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2
para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos
constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo
pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado
seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e
realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica
implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se
encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave
178
combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo
a seguir
(88)
i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo
3Ss sair-PERF ir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo
Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo
Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico
e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos
argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve
conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico
verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel
de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de
Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema
designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas
∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo
O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do
movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e
diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de
um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses
verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada
um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria
construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a
construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na
estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move
127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo
179
empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum
lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos
verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade
construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens
verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si
uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria
construccedilatildeo
Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de
construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e
semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das
especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128
(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo
especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento
indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre
ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)
128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo
180
Movimento causado
Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBJ OBL
H129 subparte
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBL
A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos
exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
fite+k ˂ i gwabo ˃
Sin V S LOC ir 3Ss mercado
Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um
determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a
construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma
129 H= heranccedila
181
construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as
estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees
Vejamos o exemplo abaixo
(89)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo
Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo
No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado
central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no
final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos
demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo
eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2
A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o
termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo
de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila
Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas
um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante
focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual
correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no
entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que
seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os
compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos
analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No
caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo
enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre
em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud
182
Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao
menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions
ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel
participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os
papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)
A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura
serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema
Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a
estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A
atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos
interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu
sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos
O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees
seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao
valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A
ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma
vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto
determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas
construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que
demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical
Observemos o exemplo a seguir131
(90)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132
Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo
130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
183
Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo
(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na
construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do
conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos
semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo
de que o salto foi sobre por cima de algo133
Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui
descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo
como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos
Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas
que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em
ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se
trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos
mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos
permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de
sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB
LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia
de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular
enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a
finalizaccedilatildeo desse evento
As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo
com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira
133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar
184
ou
Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da
construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento
exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por
meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com
185
Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B
entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o
fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando
observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se
configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute
explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento
deslocado) e o alvo
(91)
i kle mon
wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute
Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui
empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo
(91a)
a tutututu a tttt
3Ssg RES arrancarpartir RES cair
lsquoO chapeacuteu caiursquo
O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de
focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de
CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica
composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras
construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis
134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico
186
A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado
sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma
causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou
marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante
focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A
noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois
elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que
indica a finalizaccedilatildeo do processo
A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo
participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como
uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua
organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos
os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam
sintaticamente como um uacutenico predicado
O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo
resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo
natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa
lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo
de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da
proacutepria construccedilatildeo serial
Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser
acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como
observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que
ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo
(91b)
a tutututu a tttt ace
3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo
lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo
A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse
processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila
temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que
187
realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma
mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir
expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos
predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio
(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na
medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado
Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz
com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante
causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como
indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante
do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos
tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado
ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais
na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca
entre os mesmos
Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por
meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO
opcit p264-265)
(92)
a liɛ+ n ti be-wa
alimento DET ser cozinhar
lsquoO alimento estaacute cozidorsquo
Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura
diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo
que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee
em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador
assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada
A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes
comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem
188
Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente
pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com
incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como
Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃
tutututu tttt ˂ ˃
Sin V Suj Suj
cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo
Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de
paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A
noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash
que incidi sobre o proacuteprio sujeito
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o
processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a
partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees
Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade
entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as
demais construccedilotildees da liacutengua
Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de
um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos
A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi
determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os
verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para
compor seu significado
189
190
CONCLUSAtildeO
Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees
seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas
mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que
fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as
coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em
baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva
teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual
A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos
revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que
tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de
uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas
Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como
Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo
de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos
consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando
que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em
outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor
nem a uma nem a outra estrutura
Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute
ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas
principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um
inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas
construccedilotildees
Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma
diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por
Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de
que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo
para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente
Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as
construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem
tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos
191
(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no
modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos
adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)
pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem
que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais
nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em
baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas de cada uma delas
No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da
anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham
pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro
deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que
expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo
semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber
que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou
como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte
especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi
primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc
Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a
concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto
designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos
(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos
linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede
de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se
como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para
ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo
discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os
interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas
No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a
perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008
2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em
baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo
192
constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio
conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais
proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como
verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de
nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e
secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do
significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas
Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos
verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi
salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo
pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo
gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo
visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo
pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar
Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo
multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do
marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida
comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo
para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da
cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o
que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo
Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo
funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno
mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional
Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas
acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os
itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees
No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee
que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura
que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que
toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a
ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida
nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem
193
como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo
satildeo unidades estanques
Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo
devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel
descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um
conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da
construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver
duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc
que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma
procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de
estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem
como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise
Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em
outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que
continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um
pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um
incentivo a outras abordagens
194
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis
Norwegian University of Science and Technology (NTNU)
AIKHENVALD A DIXON RMW (eds) Serial verbs constructions A cross-
linguistic tipology New York Oxford University Press 2006
AMEKA Felix Multiverb constructions in a West African areal typological
perspective Leiden University (sd)
_____________ Ewe serial verb constructions in their grammatical context New
York Oxford University Press 2006
BOHOUSSOU AMANI Lrsquoeacutenonceacute complexe du nagravenaacutefwecirc Muenchen Lincoccedilm 2008
BOLE-RICHARD Reacutemy Probleacutematique des seacuteries verbales avec application au gen
Afrique et Langage n10 2ordm semestre 1978
BORBA Francisco S Dicionaacuterio de usos do portuguecircs Satildeo Paulo Aacutetica 2002
BROCCIAS Cristiano Cognitive approaches to grammar
BRUCE J Serialization from syntax to lexicon Studies in language 1219-49 1988
CASTILHO Ataliba T de 1997 ldquoA gramaticalizaccedilatildeordquo In Estudos Linguumliacutesticos e
Literaacuterios 1997 n 19 p 25-64
________________Introduccedilatildeo ao estudo do aspecto verbal na liacutengua portuguesa
Mariacutelia USP 1966
________________ Nova Gramaacutetica do Portuguecircs Brasileiro 1ed Satildeo Paulo
Contexto 2010 p396-397
____________________ Para uma sintaxe da repeticcedilatildeo Liacutengua falada e
gramaticalizaccedilatildeo Liacutengua e Literatura Satildeo Paulo Humanitas 1977 n23 p293-330
195
_______________ Aspecto verbal no portuguecircs falado In ABAURRE Maria
Bernadete M RODRIGUES Acircngela CS(Orgs)Gramaacutetica do portuguecircs falado Satildeo
Paulo Editora Unicamp 2002 p 83-116 vVIII
CHAFE W (Ed) The Pear stories Cognitive cultural and linguistic aspects of
narrative production Norwoor New Jersey ABLEX Publishing Corporation
1980vIII
_________ Discourse consciousness and time The flow and displacement of
conscious experience in speaking and writingChicago The University of Chicago
Press 1994 p1-160
CHOI Seongsook Serial verbs and the empty category In Beermann Dorothee
Hellan Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
CHOMSKY N Aspects of the theory of syntax Cambridge The MIT Press 1965
__________ Syntactic structures Cambridge The MIT Press 1957
CREISSELS Denis 2000 Typology In HEINE Bernd NURSE Derek (eds) African
languages an introduction Cambridge Cambridge University Press p 231-258
_____________ Schemes de preacutedication verbale In Description des langues
neacutegro-africaines et theacuteorie syntaxique Grenoble Ellug 1991
CREISSELS D KOUADIO N Description phonologique et grammaticale drsquoum
parler baoule Institut de Linguistique Appliqueacutee Universiteacute Nationale de Cocircte-
drsquoIvoire 1977
CROFT W Intonation units and grammatical structure Linguistics An
interdisciplinary journal of the language sciences BerlynNew York 1995 v33-5
p839-882
196
DELPLANQUE Alain Le mythe des ldquoseries verbalesrdquo Revue de linguistique Paris
n11-12 p231-249
ETHNOLOGUE Site httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci
FAUCONNIER G TURNER M Conceptual integration networks Cognitive Science
22 1998 (2) 133-187
FILLMORE C KAY P OrsquoCONNOR M Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538 1988
FIORIN JOSEacute L PETTER MARGARIDA MT (orgs) Aacutefrica no Brasil A formaccedilatildeo da
liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto 2008
Geeraerts D Cuyckens H (Eds) 2007 The Oxford Handbook of Cognitive
Linguistics OxfordNew York Oxford University Press
GIVOacuteN T Prototypes between Plato and Wittgenstein In Graig (ed) Noun classes
and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Co 1986
GIVOacuteN T Serial verbs and the mental reality of lsquoeventrsquo grammatical vs cognitive
packaging In HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C (Eds) Approaches to
grammaticalization Focus on theoretical and methodological issues Vol I
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1991
GOLDBERG Adele E Constructions A Construction Grammar Approach to
Argument Structure Chicago and London University of Chicago Press 1995
________________ ldquoConstructions A New Theoretical Approach to Languagerdquo
Trends in Cognitive Science 7 5219-224 2003c (reprinted in Journal of Foreign
Languages China 2004)
______ Noun classes and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins
Publishing 1986
197
HAGEMEIJER T Underspecification in serial verb construction IN RIEMSDIJK H
VAN HULST H VAN DER KOSTER J (eds) Studies in generative Grammar 2001
_____________ Serial Verb Constructions in Satildeo-Tomense Lisboa 2000
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica Descritiva) Universidade de Letras de Lisboa
HASPELMATH Martin Coordinating constructions an overview In HASPELMATH
Martin (dir) Coordinating Constructions AmsterdamPhiladelphie John Benjamins
2004 p3-39
HELLAN L BEERMANN D ANDENES E Two types of Serial Verb Construction in
Akan Norwegian University of Science and Technology (NTNU) 2003
HEINE B ULRIKE C HUumlNNEMEYER F Grammaticalization A conceptual
framework Chicago The University of Chicago Press 1991
HILFERTY J Cognitive linguistics an introductory sketch Universitat de Barcelona
(sd)
HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C Gramaticalization Cambridge University
Press 1977
HOUAISS Antonio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Versatildeo online
KEWITZ Verena Gramaticalizaccedilatildeo e semanticizaccedilatildeo das preposiccedilotildees A e PARA no
Portuguecircs Brasileiro (seacuteculos XIX e XX) Satildeo Paulo 2007 211 f Tese (Doutorado em
Letras) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
KOCH IV MARCUSCHI LA Referenciaccedilatildeo In Jubran amp Koch (orgs) Gramaacutetica
do Portuguecircs Culto Falado no Brasil Vol I Construccedilatildeo do Texto Falado Campinas
Ed da Unicamp 2006
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Les seacuteries verbales em baouleacute questions de
morphosyntaxe et de seacutemantique Studies in African Linguistica v29n1 spring 2000
198
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Kouame Kouakou Parlons Baouleacute Langue et
culture de La Cocircte drsquoIvoire Paris LrsquoHarmattan 2004
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN Dictionnaire Baouleacute-
franccedilais Abidjan Nouvelles editions Ivoiriennes 2003
LAKOFF G Categories an essay in Cognitive Linguistics Linguistics in the
morning calm Selected Papers from SICOL-1981 Seoul Hanshin Publishing Co
1982 p139-209
_______________ Women fire and dangerous things what categories reveal about
the mind Chicago University of Chicago Press 1987
LAKOFF G JOHNSON M Metaphors we live by Chicago and London The
University of Chicago Press 1980
LAMBRECHT K Information structure and sentence form Cambridge Cambridge
University Press 1994
LANGACKER RW Foundations of Cognitive Grammar Volume I Theoretical
Prerequisites Stanford California Stanford University Press 1987
_________________ Universals of construal Proceedings of the Annual Meeting of
the Berkeley Linguistics Society p447-463 1993a
______________ Discourse in Cognitive Grammar Cognitive Linguistics San
Diego n12 p143-188 2001
______________ Concept image and symbol the cognitive basis of grammar 2ed
Berlim Mouton the Gruyter 2002
_____________ Orientation Cognitive Grammar A Basic Introduction New
York Oxford University Press 2008
______________ Constructional integration Grammaticization and Serial verbs
constructions Langage and linguistics n42 p251-278 2003
199
______________ Cognitive Grammar In GEERAERTZ D CUYCKENS H (Eds)
The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics New York Oxford University Press
2007
LARSON Martha Baule SVCs Two distinct varieties of missing objects Fraunhofer
IMK Sankt Augustin Germany Legon-Trondheim Linguistics Project Annual
Colloquium University of Ghana Legon 4-6 December 2002
______________ The empty object construction and related phenomena
Dissertation presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University
2005
LAW PAUL VEENSTRA Paul On the structure of serial verb constructions
Linguistics Analysis 22 p185-217 1992
LAWAL S ADENIKE The Yoruba serial verb construction A complex or simple
sentence In Mufwene SS Moshi L (eds) Topics in African Linguistics
Amsterdam John Benjamim P Company v100 p79-103 1993
LECLERC J ltltCocircte drsquoIvoiregtgt dans Lrsquoameacutenagement linguistique dans le monde
Quebec TLFQ Universiteacute Laval 01 juillet 2007
[httpwwwtlfqulavalcaaxleuropedanemarkhtm] (05 mai 2008)
LEHMANN Christian 1995 Thoughts on Grammaticalization Muumlnchen Newcastle
Lincon Europa
LEITE Marcelo Andrade Resultatividade um estudo das construccedilotildees resultativas
em portuguecircs Rio de Janeiro 2006 205 f Tese (Doutorado em Lingua Portuguesa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
LORD Carol Causative cconstructions in Yoruba Studies in African Linguistics
Supplement 5195-204
200
_____________ Historical change in serial verb constructions
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1993
MIRANDA NEUSA SALIM SALOMAtildeO MMM (orgs)Construccedilotildees do portuguecircs do
Brasil Da gramaacutetica ao discursoBelo Horizonte UFMG 2009
NOYAU COLETTE TAKASSI ISSA Cateacutegorisation et recateacutegorisation les
constructions verbales seacuterielles et leur dynamique dans deux familles de langues du
Togo In LAZARD GILBERT MOYSE-FAURIE CLAIRE (eds) Linguistique Typologique
Lille Presses du septentrion 2005 p207-240
OSAM EK Aspects of Akan Grammar A functional perspective PhD Thesis
University of Oregon 1994
PAL Dayane Cristina Construccedilotildees seriais em portuguecircs brasileiro estudo com
dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSP Dissertaccedilatildeo
(Mestrado em Semioacutetica e Linguumliacutestica Geral) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
QUINT N Coordination et parataxe en capverdien moderne (dialecte santiagais ou
badiais) In CARON B (ed) Subordination deacutependance et parataxe dans les langues
africaines Louvain Paris Peeters 2008 p 29-48
PAWLEY Andrew amp LANE JONATHAN From event sequence to grammar Serial
verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology
and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998
ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)
Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et
eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003
______________ Words and their meanings principles of variation and
stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards
201
a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106
Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92
RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da
coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004
_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no
portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP
SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva
sociocognitiva 2006
_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre
sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74
SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in
sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing
Company 1987
SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um
novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de
Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm
_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-
versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a
Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic
Publishers 1977
TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford
Clerendon Press 1995
TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive
semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)
202
_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring
Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a
_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in
Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System
of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning
Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar
httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf
VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York
Cornell University Press 1967
WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do
portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP
WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues
africaines Paris Karthala 2004
WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee
HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)
The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8
Berlin New York Mouton de Gruyter 1996
WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE
DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004
203
ANEXO
Trecho de uma das narrativas do corpus
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo
Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo
Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo
Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo
yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo
Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo
I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo
204
yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo
Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo
wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo
i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo
mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo
yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo
laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo
yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo
- Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
- Agradecimentos
- RESUMO
- ABSTRACT
- SUMAacuteRIO
- Abreviaturas
- INTRODUCcedilAtildeO
- CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
- 11FONOLOGIA
- 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
- 13 O GEcircNERO
- 14 O NUacuteMERO
- 15 CLASSES DE PALAVRAS
- 151Pronomes
- 511 Pronomes pessoaispossessivos
- 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
- 152 Verbos
- 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
- 1522Futuro
- 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
- 153 Adjetivos
- 1531 Adjetivos indefinidos
- 154 Numeral
- 155 Palavras de sentido adverbial
- 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
- 16 SINTAXE
- 161 Frase simples
- 162 Frase complexa
- 1621 Coordenaccedilatildeo
- 1622 Subordinaccedilatildeo
- 17 Interrogativas
- 18 Negaccedilatildeo
- CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
- 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
- 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
- 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
- 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
- 243 Propriedades prosoacutedicas
- 244 TempoAspectoModo
- 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
- 246 Argumentos compartilhados
- 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
- 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 2511 Orientaccedilatildeo espacial
- 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
- 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
- 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
- 2 515 Comparativos e superlativos
- 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
- 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
- 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
- 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
- 311 Nomes e verbos
- 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
- 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
- 314 O determinante do profile
- 315 Autonomia e dependecircncia
- 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
- 317 Verbos complexos
- 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
- 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
- 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
- 3221 Polissemia
- 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
- 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
- 3224 Metaacutefora
- 323 Verbos e construccedilotildees
- 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
- 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
- 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
- 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 44 MARCAS ASPECTUAIS
- 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
- 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
- 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
- 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
- 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
- 512 Introdutoras de instrumento
- 513 Comparaccedilatildeo
- 514 Indicativas de modo
- 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CONCLUSAtildeO
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
- ANEXO
-
RESUMO
Esta tese tem por objetivo (i) fazer uma anaacutelise de construccedilotildees seriais em baulecirc
classificando-as segundo a tipologia elaborada por Aikhenvald amp Dixon (2006) que
subdivide construccedilotildees seriais em dois grandes grupos semacircnticos - construccedilotildees
simeacutetricas e construccedilotildees assimeacutetricas - de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas e (ii) interpretar tais construccedilotildees sob a perspectiva de duas teorias de
orientaccedilatildeo cognitivista a saber a Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008) e a
Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995)
A anaacutelise buscou ainda comparar as construccedilotildees seriais em baulecirc com
construccedilotildees coordenadas sem conectivo
O corpus constitui-se da gravaccedilatildeo de narrativas contadas por falantes de baulecirc e
de frases elaboradas em portuguecircs e francecircs e traduzidas para o baulecirc
Palavras-chave baulecirc gramaacutetica de construccedilatildeo gramaacutetica cognitiva seacuteries
verbais liacutenguas africanas
ABSTRACT
This thesis has the objective (i) to present a descriptive analysis of serial
constructions in Baule classifying them according to the typology elaborated by
Aikhenvald amp Dixon (2006) which subdivides serial constructions in two major
semantic groups ndash symmetrical and asymmetrical constructions ndash pursuant to their
syntactic and semantic properties and (ii) to analyze its conceptual organization
based on the perspective of two theories of cognitivist orientation namely Cognitive
Grammar (Langacker 1997 2008 2010) and the Grammar of Constructions
(Goldberg 1995)
Furthermore the analyzes sought to compare the serial constructions in Baule to
coordinate constructions without connective for being similar in structure
emphasizing that in serialization occurs the description of a single event and in
coordination it is possible to represent two or more events what fundamentally
differentiates them
The corpora is constituted by the recording of narratives related by native speakers
of Baule and by sentences elaborated in Portuguese and French translated to Baule
KEYWORDS baulecirc construction grammar cognitive grammar serial verbs
linguistic
SUMAacuteRIO
ABREVIATURAS
INTRODUCcedilAtildeO
CAPIacuteTULO 1 ndash APRESENTACcedilAtildeO DA LIacuteNGUA BAULEcirc 1
11 FONOLOGIA 2
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc 4
13 O GEcircNERO 6
14 O NUacuteMERO 6
15 CLASSES DE PALAVRAS 6
151 Pronomes 7
1511 Pronomes pessoaispossessivos 8
1512 Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido 9
152 Verbos 10
1521Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo 10
1522 Futuro 11
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos 11
153 Adjetivos 12
1531 Adjetivos indefinidos 12
154 Numeral 13
155 Palavras de sentido adverbial 14
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo 15
16 SINTAXE 15
161 Frase simples 15
162 Frase complexa 16
1621 Coordenaccedilatildeo 16
1622 Subordinaccedilatildeo 16
17 INTERROGATIVAS 17
18 NEGACcedilAtildeO 18
CAPIacuteTULO 2 ndash L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 19
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS 19
22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 25
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 26
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS 31
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico 31
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo 33
243 Propriedades prosoacutedicas 34
244 TempoAspectoModo 36
245 Composiccedilatildeo dos argumentos 38
246 Argumentos compartilhados 41
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA 43
251 Construccedilotildees seriais 46
2511 Orientaccedilatildeo espacial 46
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado 47
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo 48
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto 49
2515 Comparativos e superlativos 53
2516 Construccedilotildees que indicam modo 54
2 52 Construccedilotildees seriais simeacutetricas 54
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes 54
2522 Construccedilotildees de causa-efeito 55
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 56
CAPIacuteTULO 3 ndash PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS 57
31 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC) 59
311 Nomes e verbos 60
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual 64
313 Trajetor e Marco (Trajector e landmark) 67
314 Determinante do Profile 71
315 Autonomia e dependecircncia 73
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado 74
317 Verbos complexos 75
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais 79
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 83
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos 87
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila 87
3221 Polissemia 88
3222 Relaccedilatildeo entre subpartes 88
3223 Instanciaccedilatildeo 89
3224 Metaacutefora 90
323 Verbos e construccedilotildees 91
324 Limites entre leacutexico e sintaxe 94
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 97
CAPIacuteTULO 4 ndash DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS 98
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc 101
411Construccedilotildees seriais assimeacutetricas 102
412Construccedilotildees seriais simeacutetricas 114
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO 119
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS 126
44 MARCAS ASPECTUAIS 131
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO 133
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO 138
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO 140
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO 141
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 144
CAPITULO 5 - DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES 145
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS 146
511 Introdutoras de beneficiaacuterio 147
512 Introdutoras de instrumento 158
513 Comparaccedilatildeo 164
514 Indicativas de modo 173
515 Indicativas dos participantes de um evento 174
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS 177
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS 188
CONCLUSAtildeO 190
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS 194
ANEXO 203
i
Abreviaturas
ACC ndash accompli lsquoperfeitorsquo
ADJINDEF ndash adjetivo indefinido
ADV ndash adveacuterbio
APRES ndash apresentativo
ASP ndash aspecto
CAUS-SUBORD ndash causativo - subordinado
COMPL ndash completivo
CONJ ndash conjunccedilatildeo
CONT ndash continuativo
DEM ndash demonstrativo
DET ndash determinante
DET-PL ndash determinante plural
ESC ndash empty subject construction lsquoconstruccedilotildees de sujeito vaziorsquo
EST ndash estativo
EXPL ndash expletivo
FUT ndash futuro
HAB ndash habitual
IMP ndash aspecto imperfectivo (oslash )
INDEF ndash indefinido
INF ndash infinitivo
INTER ndash interrogativo
LOC ndash locativo
M ndash masculino
MORF ndash morfema
NEG ndash negaccedilatildeo
O ndash objeto
OD ndash objeto direto
OI ndash objeto indireto
PASS ndash passado
PASREM ndash passado remoto
PER ndash person lsquopessoarsquo
PERF ndash aspecto perfectivo ( -li -ni)
ii
PL ndash plural
POSS ndash possessivo
POT ndash potencial
Prep ndash preposiccedilatildeo
PRES ndash presente
PROG ndash progressivo
REAL ndash realista
RED ndash reduplicado
REDUP ndash reduplicado
REFL ndash reflexivo
REL ndash morfema relativo
REMPASTREP ndash remote past reported lsquopassado remoto reportadorsquo
RES ndash aspecto resultativo
RSC ndash resumed subject construction lsquoconstruccedilatildeo de sujeito recuperadorsquo
S ndash sujeito
Sg ndash singular
SN ndash sintagma nominal
TEMP ndash tempo
V ndash verbo
INTRODUCcedilAtildeO
O propoacutesito de analisar construccedilotildees seriais em baulecirc despontou durante o periacuteodo de
leituras realizadas para a confecccedilatildeo de nossa dissertaccedilatildeo de mestrado defendida em 2005
na Universidade de Satildeo Paulo (USP) sob o tiacutetulo ldquoConstruccedilotildees seriais em portuguecircs
brasileiro estudo com dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSPrdquo
Nessa pesquisa desenvolvemos um estudo sobre construccedilotildees com o verbo pegar tais como
ldquoDaiacute ele pegou e foi embora sem se despedirrdquo nas quais esse verbo natildeo apresentava
propriedades tiacutepicas de verbo pleno nem de verbo auxiliar Recorrendo aos pressupostos da
teoria da gramaticalizaccedilatildeo verificamos que o verbo PEGAR nessas estruturas natildeo
apresentava caracteriacutesticas sintaacuteticas de verbo pleno ou auxiliar mas sim propriedades
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas semelhantes agraves que caracterizam tipicamente as seacuteries
verbais Verificamos entatildeo que se tratava de um processo de mudanccedila linguiacutestica em que
um novo uso do verbo estava sendo incorporado ao portuguecircs brasileiro
Construccedilotildees seriais satildeo bastante difundidas em liacutenguas africanas da regiatildeo oeste do
continente principalmente em liacutenguas do grupo cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa no chinecircs
mandarim e na maioria das liacutenguas crioulas Conceitualmente descrevem um uacutenico evento
e suas propriedades entonacionais satildeo semelhantes agraves de uma sentenccedila de um uacutenico verbo
Todavia apesar de haver grande variaccedilatildeo na maneira como elas se constroem esse conjunto
de propriedades orienta a sua identificaccedilatildeo a partir de sua adequaccedilatildeo agraves especificidades de
cada liacutengua
Em nossa pesquisa de doutorado propusemo-nos a observar o processo de
serializaccedilatildeo verbal em baulecirc e a descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas
agrave luz de teorias da Linguiacutestica Cognitiva a saber a Gramaacutetica Cognitiva e a Gramaacutetica de
Construccedilotildees As principais razotildees para essa escolha foram analisar as construccedilotildees seriais
em baulecirc e contribuir para o conhecimento geral dessas estruturas utilizando para isso um
olhar analiacutetico que natildeo se limitasse a observar apenas o seu aspecto estrutural mas que
tentasse compreendecirc-las tambeacutem como um produto resultante de processos cognitivos
Esta tese foi estruturada da seguinte maneira no capiacutetulo 1 apresentaremos
brevemente uma descriccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base em Kouadio amp Creissels (1977)
e Kouadio amp Kouame (2004) No capiacutetulo 2 discutiremos a literatura sobre construccedilotildees
seriais principalmente em liacutenguas africanas Discorreremos tambeacutem sobre a produtividade
de verbos com significado de PEGAR (investigado em nossa pesquisa de mestrado sobre o
portuguecircs) e DAR (comumente empregado nessas estruturas como introdutor do papel
semacircntico de beneficiaacuterio) em liacutenguas seriais prototiacutepicas Na tentativa de sistematizar as
propriedades semacircnticas e sintaacuteticas de construccedilotildees seriais Aikhenvald amp Dixon (2006)
elaboraram uma tipologia com dados de diferentes liacutenguas e dividiram essas estruturas em
dois grandes grupos construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas Faremos a exposiccedilatildeo
dessa tipologia que tambeacutem seraacute utilizada em nossa anaacutelise para a classificaccedilatildeo dos dados
de nosso corpus do baulecirc
No capiacutetulo 3 discorreremos sobre os pressupostos das teorias da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees que serviratildeo de suporte para a anaacutelise Tais
teorias como veremos integram um conjunto maior de teorias denominado Linguiacutestica
Cognitiva Essa nova abordagem que comeccedilou a se desenvolver na deacutecada de 70 nos
Estados Unidos a partir de divergecircncias epistemoloacutegicas entre os estudiosos gerativistas
insere a investigaccedilatildeo linguiacutestica numa perspectiva de anaacutelise que abrange natildeo apenas a
sintaxe e suas propriedades formais mas tambeacutem os processos cognitivos implicados na
elaboraccedilatildeo dos enunciados Com essa nova abordagem a capacidade humana da linguagem
passou a ser entendida como resultante de mecanismos cognitivos relacionados a qualquer
outra habilidade humana e natildeo como um moacutedulo agrave parte A escolha dessas teorias justifica-
se ainda pelo fato de que as construccedilotildees seriais se analisadas apenas sob a perspectiva de
suas propriedades formais podem ser comparadas a construccedilotildees coordenadas sem
conectivo Julgamos assim determinante expandir nossa pesquisa agrave anaacutelise da estrutura
conceitual dessas construccedilotildees em baulecirc
Finalmente o capiacutetulo 4 traz a anaacutelise das construccedilotildees em baulecirc Primeiramente
fizemos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica de acordo com o que propotildeem Aikhenvald amp Dixon
(2006) Para uma melhor compreensatildeo do tema discutiremos tambeacutem a questatildeo da aparente
semelhanccedila entre os processos de serializaccedilatildeo e coordenaccedilatildeo Apresentaremos tambeacutem uma
caracterizaccedilatildeo das propriedades das construccedilotildees seriais em baulecirc e para fechar no capiacutetulo
5 faremos a anaacutelise dos dados agrave luz das teorias da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees
Coleta de dados
O corpus desta pesquisa estaacute organizado da seguinte maneira
1 Corpus 1 narrativa de uma histoacuteria em quadrinhos sem legendas A sequecircncia da
histoacuteria escolhida a gravaccedilatildeo e a transcriccedilatildeo dos dados foram realizados pela proacutepria
pesquisadora
2 Corpus 2 duas narrativas coletadas pelo Departamento de Linguiacutestica da USP e
cedidas para esta pesquisa Aqui foi utilizado o filme ldquoThe pear filmrdquo uma produccedilatildeo
realizada por Chafe (1980) para a coleta de narrativas em diferentes liacutenguas Trata-se de um
filme sem falas composto por uma sequecircncia de eventos agraves vezes simultacircneos alguns
triviais e outros natildeo alguns bastante codificaacuteveis e outros natildeo com personagens e objetos
que participavam dos eventos de diversas maneiras (cf CHAFE 1980) O objetivo era
transpor a histoacuteria representada de forma natildeo verbal para uma representaccedilatildeo verbal em
diversas liacutenguas para que fossem analisadas e comparadas
3 Corpus 3 frases elaboradas pela pesquisadora e traduzidas para o baulecirc pelo
colaborador1 As demais gravaccedilotildees do corpus satildeo compostas de narrativas livres contadas a
partir de um tema de interesse do proacuteprio falante
4 Corpus 4 dados disponibilizados na literatura sobre o baulecirc tais como os
trabalhos de Creissels amp Kouadio (1977) Kouadio (2000) e Larson (2002 2005)Esses
dados foram utilizados em caraacuteter secundaacuterio
As variantes de baulecirc analisadas satildeo da regiatildeo de Toumodi e Bouake Os dados
foram transcritos foneticamente e traduzidos em parceria com os colaboradores Todos
os colaboradores satildeo estudantes de poacutes-graduaccedilatildeo residentes no Brasil e na Franccedila
1 Utilizaremos o termo ldquocolaboradorrdquo para designar os falantes de baulecirc que nos auxiliaram na
pesquisa Contamos com a ajuda de trecircs colaboradores e uma colaboradora que foi a nossa principal
referecircncia para as duacutevidas e os esclarecimentos sobre a liacutengua durante a pesquisa
1
CAPIacuteTULO 1
A LIacuteNGUA BAULEcirc
Baulecirc eacute uma liacutengua cuaacute da famiacutelia nigero-congolesa falada por
aproximadamente 2 milhotildees de pessoas na Costa do Marfim na regiatildeo noroeste do
continente africano O paiacutes foi colonizado pela Franccedila e conquistou sua independecircncia
em agosto de 1960 atualmente tem como liacutengua oficial o francecircs de acordo com o que
estabelece a Constituiccedilatildeo Marfinense A populaccedilatildeo marfinense soma
aproximadamente 17 milhotildees de pessoas e o paiacutes tem cerca de 60 liacutenguas nacionais
repartidas em quatro troncos linguiacutesticos (gur mandeacute cru e cuaacute) Entre essas liacutenguas
estatildeo o diulaacute1 e o baulecirc contudo eacute o francecircs a liacutengua do ensino fundamental meacutedio e
superior das instacircncias puacuteblicas poliacuteticas e da miacutedia A seguir apresentamos uma
classificaccedilatildeo2 do baulecirc dentro da famiacutelia nigero-congolesa e um mapa3 da Costa do
Marfim
Niger-Congo
Atlantic-Congo
Volta-Congo
Kwa
Nyo
Tano
Central
Bia
Northern
Baouleacute
1 O diulaacute eacute falado por 7 milhotildees de pessoas aproximadamente de acordo com dados estimados em 1998 pelo Instituto Nacional de Estatiacutestica da Costa do Marfim Eacute considerada a segunda liacutengua do paiacutes e a liacutengua de excelecircncia das transaccedilotildees comerciais 2 httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci 3 wwwbernardinicombrnovomapasimagesmapa_costa_marfimjpgampimgrefurl
2
Com o objetivo de familiarizar o leitor com a liacutengua nesta seccedilatildeo faremos uma
breve apresentaccedilatildeo da gramaacutetica do baulecirc com base principalmente na descriccedilatildeo
realizada por Kouadio amp Creissels (1977) e Kouadio amp Kouame (2004)
11FONOLOGIA
O baulecirc possui 7 vogais orais ( i eeee ɛ a ɔ oooo u) 5 vogais nasais (i ɛ a ɔ u) e
21 consoantes (b c d f g Gb ɟ k kp l m n ɲ p r s t v w j z) As palavras
em geral satildeo monossiacutelabas dissiacutelabas ou trissiacutelabas e todas terminam em vogais Natildeo
haacute palavra que termine em consoante A seguir pares miacutenimos que evidenciam a
oposiccedilatildeo entre vogal oral e nasal (p33) consoante surda e sonora (p15) e alguns pontos
de articulaccedilatildeo (p15) (Creissels Kouadio 1977)
Orais e nasais
fɛ lsquoficar cansadorsquo fɛn lsquoembranquecerrsquo
fi lsquovomitarrsquo fin lsquovir (de)rsquo
fia lsquoesconderrsquo fian lsquorasparrsquo
kuku lsquorecolherrsquo kunkun lsquocassar as moscasrsquo
Surda e sonora
bla lsquomulherrsquo pla lsquoviveiro de plantasrsquo
3
di lsquocomerrsquo ti lsquoouvirrsquo
jecirc lsquosolitaacuteriorsquo ce lsquodiquersquo
Pontos distintos de articulaccedilatildeo
fɛ lsquoagradaacutevelrsquo cɛ lsquodurar lsquo kpɛ lsquocortarrsquo kɛ lsquopronomersquo
Baulecirc eacute uma liacutengua tonal que comporta trecircs tons pontuais alto baixo e meacutedio e
dois modulados baixo-alto e alto-baixo No sistema nominal o tom fonoloacutegico eacute uma
propriedade inerente agraves unidades lexicais e a sua variaccedilatildeo distingue dois termos
semanticamente Por outro lado a funccedilatildeo gramatical no sistema nominal natildeo eacute
determinada pela tom Exemplos (Kouadio amp Kouame 2004 14)
sa lsquomatildeorsquo sa lsquoassim dessa formarsquo
alua lsquocachorrorsquo alua lsquoantiacutelope realrsquo
No sistema verbal o tom eacute determinado pela estrutura silaacutebica do radical e natildeo
realiza distinccedilatildeo lexical Pode desempenhar funccedilatildeo gramatical para indicar o modo
indicativo o modo intencional o injuntivo o perfectivo e a negaccedilatildeo Exemplos
(Kouadio amp Kouame 2004 14)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame
lsquoEle pega o inhamersquo (indicativo)
ɔ fa duo
3Ss pegar inhame lsquoEle vai pegar o inhamersquo (intencional)
ɔ fa a duo
3Ss pegar inhame lsquoEle pegou o inhamersquo (perfectivo)
4
12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc Atualmente existe uma proposta de ortografia do baulecirc elaborada por Kouadio
amp Kouame (2004) de acordo com princiacutepios convencionais do Instituto de Linguiacutestica
Aplicada (ILA) que tem como objetivo uniformizar a ortografia das liacutenguas da Costa
do Marfim Essa convenccedilatildeo ortograacutefica optou por marcar apenas os tons que tivessem
alguma relevacircncia gramatical deixando as demais marcaccedilotildees para as transcriccedilotildees
foneacuteticas A seguir tabela com a notaccedilatildeo foneacutetica a correspondecircncia ortograacutefica e um
exemplo
VOGAIS
API Ortografia baulecirc Exemplos
A a ta lsquoplantarrsquo
E e be lsquocozinharrsquo
ɛ ɛ tɛ lsquomalrsquo
I I ti lsquocabeccedilarostorsquo
O o bo lsquofundorsquo
ɔ ɔ kɔ lsquoirrsquo
U u fu lsquosubirrsquo
I in fin lsquovir dersquo
Atilde an bakan lsquocrianccedilarsquo
ɛ ɛn fɛn lsquoesvaziarrsquo
ɔ ɔn tɔn lsquocozinhar fazer cozinharrsquo
U un wun lsquover incharrsquo
CONSOANTES
API Ortografia baulecirc Exemplos
b b ba lsquocrianccedilarsquo
c c cɛn lsquoengordarrsquo
5
d d dɔn lsquohorarsquo
f f fu lsquosubirrsquo
ɡ g gali lsquomandiocarsquo
gb gb gba lsquoarmadilharsquo
ɉ j jɔ lsquoredersquo
k k kalɛ lsquocreacuteditorsquo
kp kp kpɛ lsquo cortar interromperrsquo
l l la lsquodeitar dormirrsquo
m m damun lsquojogorsquo
n n nnun lsquocincorsquo
ɲ ny nyin lsquocrescer fecharrsquo
p p panndu lsquogarrafarsquo
r r rɛrɛ lsquoescalarsquo
s s se lsquodizerrsquo
t t tu lsquodesenterrarrsquo
v v vi lsquorim lomborsquo
j y yi lsquoesposarsquo
z z nza lsquoinhamersquo
13 O GEcircNERO
Natildeo existe a oposiccedilatildeo de gecircnero masculino e feminino Quando necessaacuterio a
distinccedilatildeo para os seres animados eacute feita pela realizaccedilatildeo dos conceitos de macho-fecircmea
como observamos a seguir
bla lsquomulher menina fecircmearsquo akɔ bla lsquogalinharsquo
yasua lsquohomem menino machorsquo akɔ yasua lsquogalorsquo
6
14 O NUacuteMERO
Para formar o plural adiciona-se junto ao nome o morfema mun
Sran mun
Ser humano PL
lsquoOs seres humanosrsquo
15 CLASSES DE PALAVRAS
As unidades significativas do baulecirc podem ser divididas em dois grupos as que
constituem uma classe de nuacutemero fixo e com propriedades combinatoacuterias especiacuteficas
(morfemas e pronomes) e as de nuacutemero variaacutevel que desempenham as funccedilotildees de
nomes verbos adjetivos e adveacuterbios
No que se refere a nomes e verbos eacute possiacutevel estabelecer criteacuterios que os
distingam verbos podem constituir um enunciado (valor imperativo) nomes isolados
devem vir acompanhados de um morfema predicativo (ɔ) para que o enunciado tenha
significado apenas os nomes podem se combinar aos morfemas que indicam valor
definidoindefinido e plural apenas verbos se combinam aos morfemas aspectuais os
pronomes pessoais que acompanham o lexema verbal tecircm formas diferentes dos que
acompanham os lexemas nominais Exemplos4
di
Comer
lsquoComarsquo
alwa ɔ
cachorro pred
lsquoEacute um cachorrorsquo
bia kun
cadeira INDEF
lsquoUma cadeirarsquo
4 Os exemplos a seguir compotildeem o corpus de dados coletados pela pesquisadora
7
ɔ fa- li wa n man-ni mi
3Ss pegar-PERF filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o filho delersquo
151Pronomes
Constituem uma categoria natildeo homogecircnea e com exceccedilatildeo dos pronomes
pessoais se caracterizam por estarem aptos a assumir a funccedilatildeo de um constituinte
nominal natildeo serem seguidos de determinantes e poderem acompanhar o nome que
determinam (cf Creissels Kouadio 1977 173) Exemplos5
bja nga
cadeira DEM
lsquoEsta cadeirarsquo
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ
branco vila INDEF dentro LOC
lsquoNuma vilahelliprsquo
511 Pronomes pessoaispossessivos
A seguir quadro com pronomes pessoais em funccedilatildeo de sujeito e de objeto
SUJEITO Singular Plural
1a pessoa n e
2a pessoa a amu
3a pessoa ɔ be
5 Exemplos de nosso corpus
8
COMPLEMENTO Singular Plural
1a pessoa mi e
2a pessoa wɔ amu
3a pessoa i be
Os pronomes pessoais de complemento tambeacutem satildeo empregados em
construccedilotildees possessivas como amu anglo (2Poss lsquoluarsquo lsquovossa luarsquo) ou be klɔ
(3POSS lsquoaldeiarsquo lsquoaldeia delesrsquo) Kouadio define que tal construccedilatildeo eacute formada por
pronome pessoal + X onde X eacute o objeto possuiacutedo ou o que estaacute na esfera pessoal do
referente do pronome pessoal (cf KOUADIO amp KOUAME 2004) O morfema liɛ de uso
facultativo reforccedila a construccedilatildeo possessiva Exemplo (cf KOUADIO amp KOUAME 2004
22)
Min si liɛ
1Ss pai MORF
lsquoMeu pai (a mim)rsquo
Be nianman bian6 liɛ mun
3Opl irmatildeo homem MORF PL
lsquoOs irmatildeos delesrsquo
Para formar o pronome possessivo basta juntar o pronome pessoal
complemento e o morfema liɛ Para formar o plural das formas seguintes basta
adicionar o morfema mun
POSSESSIVO Singular Plural
1a pessoa mi liɛ lsquomeuminha e liɛ lsquonossoarsquo
2a pessoa wɔ liɛ lsquoteutuarsquo amu liɛ lsquovossoarsquo
3a pessoa i liɛ lsquoseusuarsquo be liɛ lsquodelearsquo
6 Este termo tambeacutem eacute usado para indicar um elemento do sexo masculino assim como yasua
9
1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
Comumente a forma nga eacute usada para indicar o demonstrativo singular e nga
mun para indicar o plural Ambas as formas devem ficar em posiccedilatildeo posterior ao nome
que determinam7
Gbo nga
Poccedilo DEM
lsquoEste poccedilorsquo
sran nga mun
Ser humano DEM PL
lsquoEstes seres humanosestas pessoasrsquo
A indicaccedilatildeo de um evento reflexivo eacute feita pela introduccedilatildeo do nome wunun
lsquocorporsquo como se observa a seguir (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be fa be un
3Spl parecer 3Opl corpo
lsquoEles se parecemrsquo
Para exprimir um evento que apresente sujeito indefinido ou indeterminado
utilizam-se os pronomes be (plural) ou a (singular) (KOUADIO amp KOUAME 2004 24)
Be wan Kofi ba-li
3Spl dizer Kofi vir-PERF
lsquoDizem que o Kofi veiorsquo
7 Exemplos de nosso corpus
10
152 Verbos
A maioria dos verbos em baulecirc apresenta-se sob a forma de monossiacutelabos e
dissiacutelabos (nuacutemero mais restrito) Alguns exemplos di lsquocomerrsquo si lsquoconhecerrsquo mlin
lsquoperderrsquo sin lsquopassarrsquo kun lsquomatarrsquo wandi lsquocorrerrsquo jaso lsquolevantarrsquo entre outros
1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
A marcaccedilatildeo aspectual eacute realizada por meio de morfemas acoplados ao(s)
verbo(s) indicando o perfectivo (-li -ni) o resultativo (a-) o progressivo (su) o
imperfectivo (zero) e o continuativo (tе ) A negaccedilatildeo eacute expressa pelo morfema man
colocado apoacutes o(s) verbo(s)
Exemplos
tra li a ce kl ltri
Ele s sentar PERF solo escrever carta
lsquoEle se sentou para escrever uma cartaEle escreveu uma cartarsquo
a ba ma
3Ss RES chegar NEG
lsquoEle natildeo chegoursquo
ba su wa kɔ lafi
crianccedila PROG FUT ir dormir
lsquoA crianccedila estaacute indo dormirrsquo
yɛ ɔ fa flwa nga
entatildeo 3Ss pegar livro DEM
lsquoEntatildeo ela pega este livrorsquo
ɔ tɛ lafi
3Ss CONT dormir
lsquoEle continua a dormirrsquo
11
1522Futuro
A expressatildeo do tempo futuro eacute feita pelo tom alto aplicado sobre o pronome
sujeito ou pelo acreacutescimo do auxiliar wa lsquoir antes do verbo Para exprimir o futuro
proacuteximo emprega-se o morfema aspectual de progressivo e o auxiliar de futuro wa
Vejamos alguns exemplos
laflɛ kun ba yɛ wa lafi
sono matar crianccedila entatildeo FUT dormir
lsquoA crianccedila tem sono entatildeo ela vai dormir (dormiraacute)rsquo
ɔ su wa sɔ televizion n
3Ss PROG FUT ver televisatildeo DET
lsquoEle vai aumentar a televisatildeorsquo8
1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
Eacute comum a reduplicaccedilatildeo de verbos para expressar a existecircncia de muitos sujeitos
realizando a mesma accedilatildeo ou para indicar uma accedilatildeo que se repete se prolonga ou se faz
em muitas repeticcedilotildees
wo l titi waka ma wie
3sg estar loc colher aacutervore filho ADJINDEF
lsquoEle colhia umas frutasrsquo
153 Adjetivos
O adjetivo qualificativo posiciona-se imediatamente apoacutes a palavra que
determina Se houver artigo ou marca de plural eles devem ser colocados apoacutes o
adjetivo
Sran dan
Ser humano grande
lsquoUm homem grandersquo
8 Kouadio amp Kouame 2004 31 9 Trata-se do verbo ti (colher) A sua repeticcedilatildeo indica o aspecto iterativo
12
Bla kpɛnngbɛn mun be si able
Mulher velha PL elas danccedilar (locverb)
lsquoAs mulheres velhas danccedilaramrsquo10
1531 Adjetivos indefinidos
a) wie vie bie (singular) e wie mun vie mun bie mun (plural)
algum(ns) certo (s) Exemplo
sran vie mun be bali wa
ser humano alguns 3Spl ir-PERF LOC
lsquoAlguns homens vieram aquirsquo
b) fi algum Exemplos
like fi n kɔ a lika fi
coisa algum 1Ssg ir NEG lugar nenhum
lsquoalguma coisarsquo lsquoEu natildeo vou a nennum lugarrsquo
c) kwlaangba tudo todos
Ba sɔrsquon si sa kwlaa
Crianccedila DEM-DET saber coisa tudo
lsquoEsta crianccedila sabe de muita coisarsquo
d) kun lsquoum um e outro cada umrsquo
lsquouma aacutervorersquo
10 Este exemplo foi retirado de (Kouadio amp Kouame 2004 36) A traduccedilatildeo emprega o verbo no perfectivo no entanto natildeo haacute nenhuma marca para esse aspecto na frase em baulecirc
wa ka ku n
aacutervore uma
13
e) uflɛ lsquooutro(a)rsquo
Like uflɛ
coisa outra
lsquooutra coisarsquo
f) kunngba lsquomesmo parecidorsquo
like kunngba
coisa mesmo
lsquoa mesma coisarsquo
g) sɔ lsquotal dessa formarsquo
talua sɔrsquo n tirsquo A kpa
menina tal DET ser NEG bom
lsquoTal menina natildeo eacute boarsquo
154 Numeral
Apresentaremos uma listagem com numerais de 1 a 11 e dezenas ateacute 100 e a
centena 200
1 kun k 11 blu nin ku
2 nnyɔn 20 ablaɔn
3 nsan 30 ablasan
4 nnan 40 ablanan
5 nnun 50 ablenunn
6 nsiɛn 60 ablesiɛn
7 nso 70 ableso
8 mɔcuɛ 80 ablauncuɛ
14
9 ngwlan 90 ablangwlan
10 blu 100 ya 200 ya nnyɔn
155 Palavras de sentido adverbial
Em baulecirc natildeo haacute propriamente uma classe de palavras que desempenhe
unicamente a funccedilatildeo de adveacuterbio mas sim palavras de outras classes especialmente
nomes e adjetivos que adquirem caraacuteter adverbial em determinados contextos Podemos
tomar como exemplo o lexema kpa que pode ser empregado em sentido adverbial e
adjetival
Nian kpa
Olhar bom
lsquoOlhe bemrsquo
Da mesma maneira o lexema gbɔlɔ11 lsquoexcessivo grandersquo pode ser empregado
como adjetivo e adveacuterbio
i fite ni ima gbɔlɔ gbɔlɔ
3Ssg sair 3CLpl olho grande grande
lsquoEle sai com seus olhos grandesrsquo
Kuasi klo Amlan ngboko
Kuasi amar Amlam Muito
lsquoKuasi ama muito Amlanrsquo
O exemplo seguinte traz um lexema de sentido adverbial de quantidade12
K a gu li l fu li e ku n
Depois 3Ss RES amontoar PERF Loc 3Ssg Subir PERF de novo
lsquoDepois de ter amontoado pela primeira vez ele subiu de novo na aacutervorersquo
11 Kouadio amp Kouame (2004 44) cita o mesmo adjetivo como ngboko 12 Esses exemplos fazem parte de nosso corpus
15
156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
Nomes indicativos de partes do corpo em baulecirc podem adquirir o sentido de
adveacuterbios de lugar como por exemplo sin lsquocostasatraacutesrsquo nyrun lsquorosto na frente Haacute
contudo outros que tecircm a funccedilatildeo uacutenica de locativos Satildeo eles su lsquosobrersquo nun lsquodentrorsquo
bo lsquosob na presenccedilarsquo wun lsquoperto de ao redor contra na casa dersquo lele lsquoateacutersquo
16 SINTAXE
161 Frase simples
As frases simples em baulecirc seguem em geral o esquema
Sujeito+Verbo+Objeto no qual o objeto indireto antecede o objeto direto Exemplos
le kkba nsan 3Ss ter cesta trecircs
lsquoEle tem trecircs cestasrsquo
Kpkun man ni be waka mma nsan Em seguida 3Ss dar PERF 3Opl aacutervore filho trecircs
lsquoEm seguida ele deu trecircs frutas para elesrsquo
Em construccedilotildees seriais no entanto a ordem dos complementos verbais eacute
invertida primeiro objeto direto em seguida objeto indireto Exemplo
ɔ yo li swa nga man ni mi
3Ss fazer PERF Casa DET dar PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
162 Frase complexa
1621 Coordenaccedilatildeo
A coordenccedilatildeo de proposiccedilotildees em baulecirc eacute realizada por meio dos seguintes
morfemas yɛ nan lsquoersquo anzɛ kusukusuman kanzu lsquooursquo sangɛ lsquomasrsquo Alguns
exemplos
16
ti k avocat sang naan avocat a wun 3Ss ser como abacate mas natildeo abacate 2Ss RES ver
lsquoEle parece com abacate mas natildeo eacute abacate viursquo
Y sie-li l y bo i komin ekun
Conj 3Ss guardar-PERF APRES conj 3Ss amarrar 3Os pescoccedilo adv
lsquoE ele a guardou e amarrou o lenccedilo no pescoccedilo delersquo
K k fa-li kɔkɔ bakan kun kusuman fin l su ba
Qdo 3Ss ir 3s pegar-PERF adv menina DET tambeacutem 3Ss vir LOC PROG vir
lsquoQuando ele estava indo realmente uma menina vinha do outro ladorsquo
1622 Subordinaccedilatildeo
O recurso da subordinaccedilatildeo por meio de morfemas pode ser empregado para
expressar um objetivo (man nan) causa (nan kɛ mɔ) condiccedilatildeo (sɛ) tempo (kɛ i
nun mɔ ka nan kpo kpe) maneira (kɛ yɛ) concessatildeo (kanzɛ) comparaccedilatildeo (kɛ
sa) Exemplos ilustrativos
K aso-li kplkpl i a wun kwlakwla
Qdo 3Ss levantar-PERF 3Ss limpar 3Os peacute corpo todo
lsquoQuando ele se levantou limpou todo o seu peacutersquo
i ti kɛ nɛ yɛ
3Ss ser como animal ADV
lsquoEle eacute como um animalrsquo
ti k kkba umuan y u i
3Ss ser como cesta inteira REL 3Ssg satisfazer 3Os PRED lsquoEacute como se fosse a cesta inteira que era suficiente para elersquo
17
A comparaccedilatildeo de superioridade em geral eacute expressa pelo verbo tra lsquoultrapassarrsquo
Exemplo
e wo Paris tra Lion
1Spl ir Paris ultrapassar Lion
lsquoEu vou mais a Paris que a Lionrsquo
17 Interrogativas
Alguns termos podem expressar a interrogaccedilatildeo wan lsquoquemrsquo beninonin
lsquoqualrsquo nzunzukɔɛ lsquoo quersquo sɛ lsquocomorsquo
nzu yɛ ɔ yo-li man-ni mi ɔ
O que 3Ss fazer-PERF dar-PERF 1Os Pred
lsquoO que ele fez para mimrsquo
a fa mannin wan
2Ss pegar dar-PERF INTER
lsquoA quem vocecirc deu isso
ɔ duman suan13 sɛ
3Ss chamar INTER
lsquoComo vocecirc se chamarsquo
18 Negaccedilatildeo
O morfema man lsquonatildeorsquo eacute a principal marca de negaccedilatildeo em baulecirc deve vir apoacutes a
marca aspectual Se a marca aspectual anteceder o verbo como no caso do resultativo o
morfema de negaccedilatildeo vem acoplado ao verbo Exemplos
13 Trata-se de uma locuccedilatildeo verbal que significa lsquocharmar-sersquo
18
Mrsquoa fa man mrsquoa fia man
1Ssg RES pegar-NEG 1Ssg-RES esconder-NEG
lsquoEu natildeo o escondirsquo
kɛ ba lafili man
quando crianccedila dormir-PERF-NEG
lsquoQuando a crianccedila natildeo dormiursquo
Para exprimir a certeza de que um evento natildeo iraacute acontecer no futuro deve-se
acrescentar o morfema su14 antes do verbo e o morfema man apoacutes o verbo Vejamos
mi si su man ma n mi livru kun
POSS pai NEG dar NEG 1Osg livro INDEF
lsquoMeu pai (certamente) natildeo me daraacute um livrorsquo
Outras marcas de negaccedilatildeo man+kun lsquonatildeo maisrsquo nin+ana+man lsquoainda natildeorsquo
man + bɔbɔ lsquonem mesmorsquo
ɔ tran ma n lɔ ku n
3Ssg morar NEG LOC NEG
lsquoEle natildeo mora mais laacutersquo 15
ɔ nian wɔ ma n Buake
3Ssg NEG ir NEG Buake
lsquoEle ainda natildeo foi a Buakersquo
14 Neste caso o morfema su natildeo indica o progressivo e portanto a junccedilatildeo com o morfema de negaccedilatildeo natildeo expressa a negaccedilatildeo desse aspecto 15 Creissels ampKouadio 1977 397
19
CAPIacuteTULO 2
L ITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
A literatura sobre construccedilotildees seriais (CS) eacute abrangente poreacutem insuficiente no
que diz respeito a traccedilar um inventaacuterio claro e conciso sobre suas propriedades
definidoras Inuacutemeros trabalhos foram realizados sobre o tema tendo como corpus de
anaacutelise liacutenguas de origens distintas principalmente da Oceania e da Aacutefrica aleacutem das
liacutenguas crioulas mas ainda assim devido agrave acentuada heterogeneidade de exemplos
parece natildeo ser possiacutevel afirmar que seja um tipo de construccedilatildeo com propriedades
sintaacuteticas e semacircnticas formadoras de uma categoria uniforme
Neste capiacutetulo reunimos uma seleccedilatildeo de textos que orientaraacute a compreensatildeo do
tema por meio do percurso que realizaram a maioria dos pesquisadores ateacute entatildeo
Inicialmente traccedilamos um panorama diacrocircnico de estudos variados sobre tais
construccedilotildees incluindo os mais recentes com anaacutelises de diversas liacutenguas
Apresentaremos por uacuteltimo uma nova tipologia de classificaccedilatildeo (AIKHENVALD amp
DIXON 2006) para construccedilotildees seriais pautada em criteacuterios semacircnticos e funcionais
que divide as CS em dois grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Essa tipologia iraacute
nortear a descriccedilatildeo desenvolvida nesta pesquisa
21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
Construccedilotildees seriais foram identificadas pioneiramente por Christaller (1875) em
estudo sobre o twi liacutengua benue-cuaacute falada em Gana Togo e Nigeacuteria Christaller eacute
considerado um dos precursores dos estudos de liacutenguas africanas principalmente por seu
trabalho de descriccedilatildeo da liacutengua twi bem como pela traduccedilatildeo da biacuteblia a elaboraccedilatildeo de
um dicionaacuterio e a coleta de proveacuterbios nessa liacutengua
Um dos pontos de destaque em sua pesquisa estaacute em ter identificado um tipo de
combinaccedilatildeo verbal que apresentava o mesmo sujeito para mais de um verbo sem
nenhum conectivo entre eles Outro ponto meritoacuterio eacute a distinccedilatildeo semacircntica que ele
atribui a dois tipos de combinaccedilotildees possiacuteveis para as partes coordenadas de uma
sentenccedila formada por um uacutenico verbo a saber ldquocombinaccedilatildeo essencialrdquo e ldquocombinaccedilatildeo
acidentalrdquo (SEBBA 1987 5) Em combinaccedilatildeo essencial
20
Um verbo eacute o principal o outro eacute o auxiliar preenchendo como for
um adveacuterbio de tempo ou modo (hellip) ou formando ou introduzindo um
complemento (hellip) ou adjunto (hellip) ou o segundo verbo eacute suplementar
fazendo parte de uma frase verbal As accedilotildees expressas por ambos os verbos
satildeo simultacircneas e numa relaccedilatildeo ou conexatildeo inseparaacutevel ou interna Nesse
caso o auxiliar ou verbo suplementar eacute coordenado apenas na forma mas
subordinado no sentido se for precedido ou sucedido pelo verbo principal16
(CHRISTALLER apud SEBBA 1987 5-6)
Em combinaccedilatildeo acidental
Dois ou mais predicados (verbos com ou sem complementos ou
adjuntos) expressando diferentes e sucessivas accedilotildees ou um estado
simultacircneo a outro estado ou accedilatildeo com o mesmo sujeito satildeo apenas ligados
sem conjunccedilatildeo ou sem repetir o sujeito Nesse caso duas (ou mais) sentenccedilas
satildeo contraiacutedas em uma e os verbos satildeo coordenados tanto no sentido quanto
na forma17 (CHRISTALLER apud SEBBA 1987 6)
Essa distinccedilatildeo marca a primeira tentativa de firmar as relaccedilotildees entre os
componentes de uma construccedilatildeo multiverbal e suas funccedilotildees semacircnticas cumprindo ateacute
hoje papel importante para os estudos sobre o tema Mais adiante neste capiacutetulo na
seccedilatildeo em que apresentaremos o trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) veremos que
estes estabelecem uma dicotomia semelhante agrave que Christaller pioneiramente elaborou
Tambeacutem se sobressai a pesquisa de Westermann (1907 1930) sobre a gramaacutetica
da liacutengua ewe Esse autor observou o mesmo processo de combinaccedilatildeo verbal em ewe e
tentou oferecer uma explicaccedilatildeo de cunho ldquocognitivordquo para a construccedilatildeo
A explicaccedilatildeo para isso eacute que o povo eve descreve todo detalhe de
uma accedilatildeo ou acontecimento do iniacutecio ao fim e cada detalhe tem de ser
expresso por um verbo especial eles dissecam todo acontecimento e o
16 ldquoOne verb is the principal and another is an auxiliary verb supplying as it were an adverb of time or manner [hellip] or forming or introducing a complement [hellip] or adjunct [hellip] or the second verb is supplemental forming part of a verbal phrase The actions expressed by both verbs are simultaneous and in an internal or inseparable relation or connection In this case the auxiliary or supplemental verb is coordinate only in form but subordinate in sense whether it be preceding or succeeding the principal verb raquo 17 ldquoTwo or more predicates (verbs with or without complements or adjuncts) expressing different successive actions or a state simultaneous with another state or action but having the same subject are merely joined together without conjunction and without repeating the subject In this case two (or more) sentences are thrown or contracted into one and the verbs are coordinate in sense as well as in form raquo
21
apresentam em muitas partes considerando que em inglecircs noacutes pegamos o
essencial de um evento e expressamos isso por meio de um verbo embora
eventos subordinados natildeo sejam considerados ou sejam expressos pelo
significado de uma preposiccedilatildeo adveacuterbio conjunccedilatildeo ou um prefixo ligado ao
verbo18 (WESTERMANN apud SEBBA 1987 7)
Westerman ensaia uma justificativa imprecisa e pouco fundamentada baseada
muito mais em sua percepccedilatildeo que em conceitos propriamente linguiacutesticos Ao comparar
a liacutengua ewe com o inglecircs aponta que pode haver diferenccedilas entre as tipologias das
liacutenguas de maneira geral e que esse fato incidiria na maneira como um mesmo evento
seria traduzido em diferentes idiomas Aleacutem disso o autor observa que alguns verbos
desempenham funccedilotildees que natildeo satildeo propriamente as que correspondem a esse item
lexical demonstrando que os limites definidores de um item lexical natildeo satildeo
absolutamente precisos e variam consoante sua posiccedilatildeo e funccedilatildeo em uma determinada
construccedilatildeo19 As intuiccedilotildees de Westerman coincidem com o rumo que tomaram muitos
estudos posteriores (BOLE-RICHARD 1978 LORD 1993) apesar de natildeo terem sido
aprofundadas pelo autor
A introduccedilatildeo do termo lsquoseacuteries verbaisrsquo cabe a Balmer e Grant (1929) mas eacute com
Stewart (1963 apud SEBBA 1987) que ele ganha forccedila e comeccedilam propriamente os
estudos sobre o que passou a ser denominado processo de ldquoserializaccedilatildeo verbalrdquo Suas
pesquisas analisam exclusivamente o twi por meio do paradigma da teoria gerativa
transformacional20 O principal ponto da anaacutelise de Stewart estaacute em explicar as
construccedilotildees seriais em termos de transformaccedilotildees obrigatoacuterias que combinam duas ou
mais sentenccedilas Vejamos um exemplo (STEWART apud SEBBA 1987 7)
(1) fmm me ne pocircnko no
Ele emprestar-PASS me seu cavalo DET-o
lsquoele emprestou o seu cavalo a mimrsquo
18 ldquoThe explanation of this is that the Ewe people describe every detail of an action or happening from beginning to end and each detail has to be expressed by a special verb they dissect every happening and present it in its several parts whereas in English we seize on the leading event and express it by a verb while subordinate events are either not considered or are rendered by means of a preposition adverb conjunction or a prefix on the verbrdquo 19 Vale notar que essa perspectiva coincide com o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees (Goldberg 1995) como veremos no capiacutetulo 3 desta tese 20 Outros autores desenvolveram estudos sobre construccedilotildees seriais em liacutenguas africanas sob a perspectiva da teoria gerativa transformacional entre eles podemos citar Stahlke (1970) Semacircntica Gerativa Bamgbose (1974) Chomsky 1965 Schachter (1974) Standard theory (CHOMSKY 1965) e Williams (1976)
22
(2)
fmm me no
Ele emprestar-PASS me o
lsquoEle o emprestou a mimrsquo
(3)
de no fmm me
3Ss pegar o emprestar-PASS 3s (construccedilatildeo serial)
lsquoele o emprestou a mimrsquo
Em consequecircncia de restriccedilotildees lexicais alguns verbos bitransitivos dessa liacutengua
natildeo admitem o uso de pronomes em funccedilatildeo de objeto direto nas oraccedilotildees simples
admitem apenas o item lexical como se observa nos exemplos (1) e (2) apresentados A
produccedilatildeo de um enunciado com o verbo fm lsquoemprestarrsquo por exemplo e um pronome
objeto direto exigiria uma construccedilatildeo sintaacutetica multiverbal como a do exemplo 3 em
que o pronome objeto direto fosse compartilhado por ambos os verbos que
compusessem a construccedilatildeo Por meio de exemplos como esse Stewart demonstra que
restriccedilotildees morfoloacutegicas dessa liacutengua teriam motivado a mudanccedila e o surgimento de
novas estruturas sintaacuteticas como as construccedilotildees seriais
Em transformaccedilotildees como as dos exemplos citados os verbos natildeo perdem suas
propriedades mas passam a atuar em novas construccedilotildees sintaacuteticas Contudo haacute casos
em que esses itens passam a desempenhar diferentes funccedilotildees sintaacutetico-semacircnticas tais
como a de preposiccedilatildeo (introduzindo um beneficiaacuterio ou indicando caso instrumental
por exemplo) adveacuterbios (muito comum para indicar a maneira como um evento se
realizou) entre outras tambeacutem formando uma nova construccedilatildeo sintaacutetica Foi o que
observou Ansre em estudo sobre a liacutengua eve e tambeacutem sobre o twi denominando-os
verbids De acordo com Sebba (1987) o ponto principal da anaacutelise de Ansre foi o de
identificar que construccedilotildees seriais natildeo poderiam ser analisadas em termos da
combinaccedilatildeo de duas sentenccedilas nos casos em que um dos verbos tivesse as
caracteriacutesticas do que ele denominou verbids pois estes natildeo preenchem a funccedilatildeo de
verbo e consequentemente natildeo compartilham argumentos com o outro verbo da
sentenccedila nem portam marcas gramaticais
23
Bole-Richard (1978) tambeacutem se debruccedilou sobre a classificaccedilatildeo de verbos que
em construccedilotildees seriais natildeo preenchem propriamente essa funccedilatildeo e diferentemente de
Ansre ainda os classificou como verbos O autor argumenta que o fato de esses itens
lexicais nessas construccedilotildees adquirirem outra funccedilatildeo natildeo eacute suficiente para que deixem
de ser verbos visto que continuam a desempenhar tal funccedilatildeo em outras construccedilotildees Em
momento posterior outros autores (LORD 1993 SEBBA 1987) discutiram essa questatildeo
apresentando propostas diferentes
O caminho da pesquisa sobre construccedilotildees seriais abrange perspectivas teoacutericas
distintas Autores que optaram por uma abordagem formal passaram a consideraacute-las
como uma estrutura frasal e natildeo mais como um fenocircmeno transformacional e a partir
de Williams (1976) incluiacuteram nas pesquisas a observaccedilatildeo das relaccedilotildees temaacuteticas
estabelecidas na construccedilatildeo
Sob uma perspectiva funcionalista como a da gramaticalizaccedilatildeo (Heine 1991
Hopper amp Traugott 1993) construccedilotildees seriais foram analisadas muitas vezes como
resultantes de mudanccedila motivada por processos metafoacutericos e metoniacutemicos Devido a
sua heterogeneidade e variabilidade tais construccedilotildees satildeo consideradas como um
fenocircmeno difiacutecil de ser isolado e que pode ser mais bem compreendido como um
continuum que como uma categoria de construccedilatildeo homogecircnea (cf Noyau amp Tayassi
2005)
Haacute um percurso consideraacutevel de formas aparentes significados
associados e propriedades sintaacuteticas entre essas estruturas que as pessoas
chamam de seacuteries verbais do Oeste africano agrave China e agrave Papua Nova Guineacute
Mas noacutes natildeo precisamos cruzar continentes ou mesmo fronteiras ddialetais
para achar variaccedilatildeo Em uma mesma liacutengua como eve algumas construccedilotildees
seriais contecircm longas sequecircncias de sentenccedilas verbais nomeando accedilotildees
sucessivas e outras construccedilotildees seriais contecircm verbos-morfemas defectivos
os verbirds de Ansre com capacidade sintaacutetica enfraquecida tendo a funccedilatildeo
de modificador adverbial21 (LORD 1993 2)
Numa perspectiva diacrocircnica o emprego de certos verbos em construccedilotildees
seriais desempenhando outra funccedilatildeo sintaacutetica que natildeo a de um verbo propriamente
21 ldquoThere is a considerable range of surface forms associated meanings and syntatic properties among those structures people have called ldquoserial verbsrdquo from West Africa to China to Papua New Guine But we do not need to cross continents or even dialect boundaries to find variation Within a single language such as Ewe some serial constructions contain long strings of verb phrases naming successive actions and other serial constructions contain defective verblike morphemersquos Ansrersquos laquo verbids raquo with impaired syntactic capacity having the function of adverbial modifiers raquo
24
pode ser tambeacutem analisado pela identificaccedilatildeo da relaccedilatildeo semacircntica instituiacuteda entre os
argumentos da construccedilatildeo Consoante Lord (1993) esse novo uso pode acarretar
mudanccedilas tipoloacutegicas agraves estruturas de sentenccedila da liacutengua bem como uma
recategorizaccedilatildeo do leacutexico No que tange especificamente agraves liacutenguas africanas uma
anaacutelise diacrocircnica soacute eacute possiacutevel por meio da comparaccedilatildeo entre liacutenguas afins uma vez
que a maioria natildeo tem registro escrito Por sua vez se atentarmos para a grande
variaccedilatildeo dessas construccedilotildees ateacute mesmo em uma mesma liacutengua essa metodologia
demandaraacute atenccedilatildeo Estudos como esse contribuiacuteram para identificar o que motivaria o
surgimento de uma construccedilatildeo serial e indicaram que haacute forte relaccedilatildeo entre o uso
linguiacutestico e as estruturas lexicais e gramaticais mas que o ponto de partida de um
processo de mudanccedila natildeo eacute facilmente identificaacutevel
A aplicaccedilatildeo de verbos designadores de processos accedilotildees e estados em contextos
nos quais adquirem funccedilatildeo distinta em decorrecircncia da inovaccedilatildeo promovida pelos
falantes da liacutengua indica que esse verbo estaacute em meio a um processo de ressignificaccedilatildeo
Na literatura sobre gramaticalizaccedilatildeo eacute comum denominar esse processo de apagamento
ou desemanticizaccedilatildeo o que implica considerar que os verbos perdem conteuacutedo
semacircntico Seria apropriado ter em conta nesses casos ndash nos quais se incluem as
construccedilotildees seriais ndash que esse item lexical passa tambeacutem a adquirir novas propriedades
semacircnticas sintaacuteticas e funcionais que atribuem a ele outro estatuto na liacutengua No que
tange agraves construccedilotildees seriais eacute possiacutevel que o verbo que assumiu caraacuteter menos verbal
na construccedilatildeo continue a ser empregado em outras sentenccedilas como verbo pleno A
nova utilizaccedilatildeo desse item lexical portanto natildeo inviabiliza seu uso anterior e indica a
possibilidade de desempenhar diferentes funccedilotildees sincronicamente
A esse propoacutesito podemos lembrar aqui a perspectiva da Gramaacutetica de
Construccedilotildees para a qual a atribuiccedilatildeo de um significado a uma construccedilatildeo resulta da
inter-relaccedilatildeo entre os termos componentes e o sentido baacutesico da proacutepria construccedilatildeo
Dessa forma sob essa abordagem os verbos integrantes de uma construccedilatildeo serial natildeo
satildeo interpretados como itens polissecircmicos que adquirem novo sentido em cada
construccedilatildeo sintaacutetica ao contraacuterio o que propotildee essa abordagem eacute que a arquitetura do
significado seja vinculada agrave interaccedilatildeo entre o que requer o verbo e o que requer a
proacutepria construccedilatildeo
25
22 O ldquo MITO rdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Construccedilotildees seriais atualmente satildeo consideradas como uma estrateacutegia sintaacutetica
da qual se valem muitas liacutenguas e que natildeo representa nenhuma sorte de habilidade
cognitiva peculiar No entanto houve no passado uma visatildeo equivocada que concebia
tais construccedilotildees como um mecanismo resultante de algum tipo de falha do sistema
cognitivo caracteriacutestico principalmente de liacutenguas de tradiccedilatildeo oral
Vale aqui um parecircntese a palavra eacute um dos traccedilos que distingue o homem de
outros animais e a rigor a capacidade da linguagem estaacute caracterizada como uma
habilidade cognitiva inerente a todo e qualquer ser humano O que fundamenta a
concepccedilatildeo de que alguns povos especialmente os de tradiccedilatildeo oral natildeo sejam capazes
de produzir determinados enunciados eacute a praacutetica de comparaacute-los a liacutenguas de longa
tradiccedilatildeo escrita Essa superapreciaccedilatildeo da linguagem escrita potildee em segundo plano
culturas baseadas na oralidade e perpetua uma hierarquia que privilegia as liacutenguas de
tradiccedilatildeo escrita muitas vezes com mais destaque no cenaacuterio poliacutetico e econocircmico
Ao longo do seacuteculo 18 e iniacutecio do 19 algumas das pesquisas de investigaccedilatildeo
linguiacutestica na Aacutefrica foram realizadas por missionaacuterios que tinham como objetivo
principal a catequizaccedilatildeo e divulgaccedilatildeo da Biacuteblia
Alain Delplanque (1998) em seu artigo Le mythe des lsquoseacuteries verbalesrsquo
denunciou essa variedade de preconceito linguiacutestico que permeava os estudos sobre
construccedilotildees seriais e as classificava como o resultado de uma provaacutevel incapacidade
para coordenar os pensamentos e uma forma particular de inteligecircncia tiacutepica de povos
africanos ou ldquoprimitivosrdquo Delplanque sem se referir particularmente a nenhum autor
rebate esse tipo de comentaacuterio afirmando que ldquoNatildeo se trata de uma sequecircncia que
testemunha natildeo sei qual incapacidade - tipicamente africana ndash ligando solidamente as
ideias entres elasrdquo22 (DELPLANQUE 1998 232) O autor contesta o argumento de que
essas construccedilotildees refletiriam uma inteligecircncia especial com tendecircncia a decompor
eventos complexos em processos menores para que fossem mais facilmente
compreendidos Bonvini (1992) tambeacutem visita o tema e questiona o fato de essa
construccedilatildeo ter sido considerada exoacutetica por muitos pesquisadores bem como a pecha de
que se trata de uma representaccedilatildeo sintaacutetica tradutora de uma estrutura cognitiva peculiar
a povos africanos Por traacutes de classificaccedilotildees como essas permeava a ideia de que alguns
22 ldquoIl ne srsquoagit pas drsquoune ribambelle qui teacutemoignerait de je ne sais quelle incapaciteacute ndash lsquotypiquement africainersquo ndash agrave relier solidement les ideacutees entre ellesrdquo
26
povos aqueles com uma organizaccedilatildeo social e com haacutebitos culturais diferentes dos
desenvolvidos pelas sociedades ocidentais natildeo tinham grande potencial cognitivo e
consequentemente suas liacutenguas refletiam em seu sistema essa ldquoincapacidaderdquo
produzindo enunciados com estruturas como as construccedilotildees seriais Trata-se
certamente de um recurso sintaacutetico desenvolvido para expressar conteuacutedos que em
outras liacutenguas satildeo expressos de outra maneira por um item lexical ou um morfema por
exemplo sendo portanto concernente agrave tipologia das liacutenguas Como afirma Lord
(1993 238) ldquoO conjunto de relaccedilotildees expressas por uma seacuterie verbal numa dada liacutengua
depende de quais outras estruturas satildeo viaacuteveis na liacutengua e a quais funccedilotildees
comunicativas elas servemrdquo23
Estudos como o de Delplanque (1998) situam as construccedilotildees seriais como mais
uma possibilidade de expressatildeo do sintagma verbal entendido como uma estrutura
sintaacutetica universal necessaacuteria para a veiculaccedilatildeo do pensamento humano
23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeES
SERIAIS
Nas deacutecadas de 1980 e 1990 a atenccedilatildeo voltou-se para a investigaccedilatildeo de
propriedades sintaacuteticas por meio de estudos que focalizavam apenas a descriccedilatildeo do
fenocircmeno em uma liacutengua em particular sem se voltar para uma anaacutelise comparativa que
pudesse ser um contraponto para a pesquisa Mais precisamente no final da deacutecada de
1980 Sebba (1987) realiza estudo detalhado com dados do crioulo surinamecircs24 no qual
tambeacutem apresenta uma compilaccedilatildeo de outros trabalhos sobre o tema numa tentativa de
anaacutelise que pudesse ser aplicada cross-linguistically A partir da metade da deacutecada de
1990 a perspectiva amplia-se ainda mais e volta-se para a identificaccedilatildeo de traccedilos
tipoloacutegicos correlatos entre as liacutenguas bem como de propriedades correlatas entre as
proacuteprias construccedilotildees seriais (LAWAL 1993 LARSON 1995 AGBEDOR 1994) Essa
abordagem resulta da percepccedilatildeo de que natildeo era possiacutevel assumir generalizaccedilotildees para
todas as liacutenguas e que havia grande variedade de construccedilotildees seriais (cf LORD 1993)
No artigo de Lawal (1993) sobre o iorubaacute foram identificadas sentenccedilas
contendo um ou mais verbos sem marca de coordenaccedilatildeo ou subordinaccedilatildeo e que
23 ldquoThe set of relationships expressible with serial verb constructions in a given langague depends on what other kinds of structures are viable in the language and what communicative functions they serverdquo 24 Liacutengua falada no Suriname
27
dispunham em geral da seguinte estrutura [S V O V (O)] Por meio de exemplos como
o que seraacute apresentado a seguir Lawal indaga se construccedilotildees seriais devem ser
analisadas como sentenccedilas simples formadas por um uacutenico verbo ou complexas e
quais criteacuterios sintaacuteticos determinariam a opccedilatildeo por uma ou outra classificaccedilatildeo Alguns
exemplos
(4)
Olu mu iweacute wa
Olu pegar livro vir
lsquoOlu trouxe o livrorsquo
(5)
Olu gun iyan je
Olu pounded yam ate
lsquoOlu made and ate pounded yamrsquo
Por meio de testes sintaacuteticos como omissatildeo de sujeito correferencial inserccedilatildeo
de adveacuterbio anteposiccedilatildeo de adveacuterbios e focalizaccedilatildeo aplicados em estruturas seriais e
construccedilotildees causativas25 - pois tecircm a mesma estrutura sintaacutetica de algumas seacuteries
verbais - e tambeacutem em construccedilotildees que portavam marcas abertas de coordenaccedilatildeo o
autor buscou identificar se se tratava de construccedilotildees simples ou complexas Apesar de
natildeo esgotar a questatildeo os dados mostraram que construccedilotildees seriais em iorubaacute natildeo
tinham a estrutura de sentenccedilas complexas e natildeo se comportavam como tal ao
contraacuterio eram sentenccedilas simples que continham verbos complexos26
Outros autores tambeacutem investigaram a estrutura de construccedilotildees seriais na
tentativa de determinar se seriam casos de subordinaccedilatildeo coordenaccedilatildeo ou adjunccedilatildeo (cf
JOHNSON 1991 LARSON 2002 2005 HELLAN BEERMANN amp ANDENES 2003) mas o
desafio que ainda se manteacutem estaacute em estabelecer a partir de uma anaacutelise comparativa
entre as liacutenguas seriais um inventaacuterio amplo de suas propriedades sintaacuteticas semacircnticas
e prosoacutedicas que possa contribuir para sua caracterizaccedilatildeo bem como para distingui-la
da maneira mais precisa possiacutevel de outras construccedilotildees multiverbais
25 No capiacutetulo da anaacutelise dos dados apresentaremos exemplos de estruturas causativas seriais em baulecirc 26 Tambeacutem veremos na anaacutelise do baulecirc uma proposta que classifica os verbos seriais como verbos complexos
28
Mais recentemente com a ampliaccedilatildeo dos modelos linguiacutesticos e as novas
abordagens que natildeo desprivilegiam os niacuteveis discursivos da liacutengua haacute maior interesse
pela semacircntica e pragmaacutetica de construccedilotildees seriais Permanece no entanto o propoacutesito
de firmar uma definiccedilatildeo mais exata sobre tais construccedilotildees bem como suas
caracteriacutesticas funcionais sintaacuteticas e semacircnticas para estabelecer paracircmetros que as
diferenciem de outras construccedilotildees multiverbais (cf LARSON 2005 AMEKA 2006)
O trabalho de Aikhenvald amp Dixon (2006) oferece uma discussatildeo sobre a
tipologia de construccedilotildees seriais suas propriedades gerais e algumas propriedades
especiacuteficas restritas a determinadas liacutenguas A definiccedilatildeo apresentada pelos autores para
a construccedilatildeo eacute
Uma construccedilatildeo serial (CS) eacute uma sequecircncia de verbos que agem
juntos num uacutenico predicado sem nenhuma marca aberta de coordenaccedilatildeo
subordinaccedilatildeo ou dependecircncia sintaacutetica de qualquer tipo Construccedilotildees seriais
descrevem o que eacute conceitualizado como um uacutenico evento Elas satildeo oraccedilotildees
simples suas propriedades entonacionais satildeo as mesmas de uma oraccedilatildeo
simples e elas tecircm apenas um valor temporal aspectual e de polaridade CS
podem tambeacutem compartilhar o nuacutecleo e outros argumentos Cada
componente de uma CS deve ser capaz de atuar sozinho Na CS os verbos
individuais podem ter os mesmos ou diferentes valores de transitividade27
(AIKHENVALD amp DIXON 2006 1)
Essas construccedilotildees satildeo entendidas como uma teacutecnica gramatical que abrange uma
variedade de significados e funccedilotildees sem constituir categoria gramatical homogecircnea
Ademais possuem similaridades semacircnticas com as estruturas subordinadas e
coordenadas em liacutenguas natildeo seriais o que por vezes causa certa dificuldade em sua
anaacutelise ou resulta em traduccedilotildees um pouco diferentes do enunciado produzido na liacutengua
de base
Como Matisoff (196971) coloca CS servem para fornecer de uma
maneira uniforme um tipo de informaccedilatildeo que na gramaacutetica de liacutenguas como
o inglecircs eacute controlado por um diferente conjunto de artifiacutecios de
subordinaccedilatildeo infinitivos complementares complementos -ing auxiliares
27 ldquoA serial verb construction (SVC) is a sequence of verbs which act together as a single predicate without any overt marker of coordination subordination or syntactic dependency of any other sort Serial verb constructions describe what is conceptualized as a single event They are monoclausal their intonational properties are the same as those of a monoverbal clause and they have just one tense aspect and polarity value SVCs may also share core and other arguments Each component of an SVC must be able to occur on its own Within an SVC the individual verbs may have same or different transitivity valuesrdquo
29
modais adveacuterbios frases preposicionais ou mesmo oraccedilotildees subordinadas
inteiras28 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 3)
A distribuiccedilatildeo geograacutefica dessas construccedilotildees acontece de maneira desigual pois
apesar de serem encontradas em provavelmente 13 das liacutenguas do mundo satildeo quase
inexistentes na Europa na Aacutesia Central ou do Norte e pouco frequentes na Ameacuterica do
Norte e na Austraacutelia (AIKHENVALD amp DIXON 2006 339) Outro fator a acrescentar eacute
que a tipologia das liacutenguas parece natildeo restringir a existecircncia de CS todavia satildeo mais
comuns em liacutenguas analiacuteticas
Vejamos alguns exemplos dessas construccedilotildees em duas liacutenguas do nigero-
congolecircs
Baulecirc (cuaacute nigero-congolecircs CREISSELS 2000 240)
(6)
a fa i swa n a kle mi
3Ss RES-pegar 3Os casa DET RES-mostrar 1Os
lsquoEle mostrou sua casa para mimrsquo (pegar-mostrar)
Ibo (iboide benue-congo nigero-congolecircs LORD 1975 27) (7)
ti-wa -ra ete re a
3S bater-quebrarabrir-TEMP prato o
lsquoEle destruiu o pratorsquo
No exemplo do baulecirc o verbo fa lsquopegarrsquo natildeo eacute interpretado isoladamente e em
seu sentido prototiacutepico de segurar prender mas sim em composiccedilatildeo com o verbo kle
lsquomostrarrsquo Natildeo haacute conectivos entre os verbos e os elementos compartilhados por eles satildeo
sujeito e marca aspectual Sintaticamente o argumento interno de V1 eacute compartilhado
28 ldquoAs Matisoff (196971) puts it SVCs lsquoserve to provide in a uniform way the sort of information that in the surface grammar of languages like English is handled by a formally disparate array of subordinating devices complementary infinitives -ing complements modal auxiliaries adverbs prepositional phrases even whole subordinate clausesrsquordquo
30
por V2 semanticamente poreacutem o V1 natildeo carrega seu sentido prototiacutepico Sua funccedilatildeo eacute
mais pragmaacutetica que sintaacutetica mas ele ainda obedece a algumas regras morfossintaacuteticas
da liacutengua como se observa na marca aspectual a ele acoplada
O significado do verbo fa lsquopegarrsquo no exemplo 6 adquire caraacuteter secundaacuterio na
elaboraccedilatildeo da cena em relaccedilatildeo ao verbo kle lsquomostrarrsquo Em se tratando de um caso de
serializaccedilatildeo sabe-se que natildeo haacute eventos coordenados nem subordinados o que potildee
apenas um nuacutecleo verbal em primeiro plano Dessa forma como veremos adiante no
capiacutetulo da anaacutelise a atenccedilatildeo direcionada ao verbo em posiccedilatildeo nuclear natildeo anula
completamente o significado do verbo perifeacuterico Verbos utilizados em casos como esse
satildeo classificados por Sebba (1996 176) como dummy verbs29 Na construccedilatildeo acima o
dummy verb (fa- lsquopegarrsquo) eacute seguido por um sintagma nominal cuja funccedilatildeo eacute de
complemento direto do verbo nuacutecleo (kle) A classificaccedilatildeo de Sebba poreacutem mostra-se
parcialmente satisfatoacuteria visto que considera exclusivamente as propriedades sintaacuteticas
mas natildeo atenta ao conteuacutedo pragmaacutetico atribuiacutedo pelo verbo agrave construccedilatildeo
O exemplo 7 do ibo traz uma construccedilatildeo em que os verbos se acoplam num
uacutenico lexema para formar um soacute predicado O objeto direto se posiciona apoacutes os verbos
assim como a marca temporal que tem escopo sobre todos eles A accedilatildeo eacute descrita por
meio da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do segundo verbo que natildeo
podem ser analisados separadamente Em casos como esse fica mais evidente a
adequaccedilatildeo dos verbos componentes agrave construccedilatildeo serial e a representaccedilatildeo de apenas um
evento
Comparando-se os exemplos (6) e (7) depreendemos um traccedilo comum ambos
descrevem um uacutenico evento Essas representaccedilotildees no entanto apesar de virem
expressas em construccedilotildees que permitem a introduccedilatildeo de mais de um lexema verbal
associam a um desses lexemas um valor mais gramatical restringindo suas propriedades
verbais No caso do baulecirc o item em posiccedilatildeo inicial tem funccedilatildeo mais pragmaacutetica que
sintaacutetica mas no caso do ibo os verbos estatildeo aglutinados de forma a compor um uacutenico
lexema indicando maior coesatildeo semacircntica entre eles O significado completo da
construccedilatildeo eacute depreendido pois da composiccedilatildeo de traccedilos semacircnticos do primeiro e do
segundo verbo
29 Verbos esvaziados de sentido
31
Partindo da premissa de que a liacutengua natildeo pode ser compreendida de forma
compartimentada mas sim em todos os seus niacuteveis que se inter-relacionam e se
complementam natildeo poderiacuteamos nos valer somente das propriedades formais de CS
para analisaacute-las O que tentaremos demonstrar ao longo deste trabalho eacute que interferem
na estrutura gramatical fatores semacircnticos e pragmaacuteticos e consequentemente suas
regras e restriccedilotildees acabam intermediadas por esses niacuteveis No caso especiacutefico das
construccedilotildees seriais essa perspectiva pode contribuir para a distinccedilatildeo entre estruturas
coordenadas e seriais Dessa forma o exemplo do baulecirc citado anteriormente poderia
ser analisado se fossem observadas exclusivamente as suas propriedades formais como
uma construccedilatildeo coordenada sem conectivo contudo o elemento que impossibilita essa
classificaccedilatildeo estaacute no niacutevel semacircntico pois seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa e mostraria a outra pessoa
24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
Nesta seccedilatildeo elencaremos um conjunto de propriedades identificadas em CS de
liacutenguas com tipologias variadas por diversos pesquisadores que apesar de natildeo
esgotarem o tema traccedilam um panorama abrangente que contribui para a identificaccedilatildeo e
classificaccedilatildeo dessas construccedilotildees As pesquisas organizadas por Aikhenvald amp Dixon
(2006) tecircm por principal meacuterito a sistematizaccedilatildeo dos resultados dos trabalhos e a
elaboraccedilatildeo de uma classificaccedilatildeo semacircntico-funcional de CS englobando dois grandes
grupos e suas subdivisotildees Ao elencar propriedades semacircnticas e sintaacuteticas os autores
contribuiacuteram para distingui-las de outras construccedilotildees Devemos ter em conta poreacutem
que desde os primeiros estudos sobre o tema pesquisadores como Christaller e
Westermann indicavam haver diferenccedilas estruturais e semacircnticas entre as construccedilotildees e
chegaram a esboccedilar definiccedilotildees para elas conforme apresentamos anteriormente mas
seus estudos natildeo atingiram o ponto de organizaacute-las de forma metoacutedica
241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
Uma das caracteriacutesticas mais peculiares a essas construccedilotildees eacute a de que a
despeito de serem compostas por mais de um verbo funcionam como um predicado
simples de um uacutenico verbo Por essa razatildeo natildeo admitem marcas de dependecircncia
sintaacutetica entre eles Construccedilotildees seriais podem todavia estar subordinadas a outra
32
oraccedilatildeo contanto que a relaccedilatildeo entre seus componentes mantenha-se inalterada como se
observa no exemplo a seguir do tariana liacutengua aruak falada na regiatildeo noroeste da
Amazocircnia (AIKHENVALD 2006 5)
(8)
nhuta nu-thaketa -ka di-ka-pidana
1sg+pegar 1sg-cruzar+CAUS-SUBORD 3sgnf-ver-REMPASTREP
lsquoEle viu que eu atravesseirsquo
Nesse exemplo haacute apenas um morfema de subordinaccedilatildeo (-ka) inserido no final
da construccedilatildeo serial indicando que a oraccedilatildeo subordinada eacute a que conteacutem verbos seriais
ou seja a primeira oraccedilatildeo do periacuteodo Notamos que na CS o sujeito eacute repetido antes de
cada verbo e a oraccedilatildeo a que a CS estaacute subordinada tem sujeito diferente daquele da CS
o que tambeacutem indica tratar-se de uma oraccedilatildeo distinta As marcas gramaticais da CS
aparecem apenas uma vez associadas ao segundo verbo da construccedilatildeo O morfema de
subordinaccedilatildeo indica que toda a CS e natildeo apenas um dos verbos que a compotildeem estaacute
subordinada agrave oraccedilatildeo seguinte
Observemos agora o exemplo da liacutengua lango30 (NOONAN 1992 212 5 apud
AIKHENVALD 2006)
(9)
a mtto cw katto rwo t
1sg+querer+PROG engordar+INF exceder+INF rei
lsquoEu quero engordar mais que o reirsquo
Nessa construccedilatildeo serial de funccedilatildeo comparativa o verbo ka tto lsquoexcederrsquo eacute o
elemento que imprime o valor de comparaccedilatildeo agrave construccedilatildeo Em liacutenguas africanas
verbos que significam ultrapassar ou exceder comumente compotildeem esse tipo de
estrutura traccedilo indicativo de certa similaridade entre as liacutenguas na escolha dos termos
componentes de uma CS e de que essa escolha natildeo eacute aleatoacuteria ou seja depende da
composiccedilatildeo semacircntica do item lexical No exemplo (9) ambos os verbos que formam a
30 Liacutengua nilo-saariana falada em Uganda
33
CS estatildeo no infinitivo denotando a existecircncia de concordacircncia entre as marcas
gramaticais propriedade peculiar de CS No que tange a esse traccedilo eacute preciso
acrescentar que a concordacircncia pode ser uma qualidade distintiva entre construccedilotildees
seriais e outras construccedilotildees multiverbais como as coordenadas sem conectivo que de
forma contraacuteria permitem a cada um de seus componentes portar marcas gramaticais
independentes Como veremos adiante em construccedilotildees seriais eacute aceitaacutevel que algumas
marcas tenham valores similares ndash como portar morfema do aspecto resultativo e do
perfectivo ndash poreacutem jamais divergentes
242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
Este criteacuterio natildeo difere muito do anterior e define uma CS como uma construccedilatildeo
de oraccedilatildeo uacutenica (monoclausal) que natildeo permite dependecircncia sintaacutetica entre seus
componentes Os autores apresentam os criteacuterios separadamente mas seria possiacutevel
constituiacute-los numa uacutenica propriedade Num primeiro momento poderiacuteamos distinguir
uma CS de uma construccedilatildeo coordenada subordinada ou de outras estruturas
multiverbais no entanto essa distinccedilatildeo natildeo eacute facilmente depreendida Atribui-se a essa
dificuldade o fato de que alguns termos componentes de CS estejam em processo de
gramaticalizaccedilatildeo e preservem ainda certas propriedades verbais ao mesmo tempo que
adquirem um valor funcional Assim a sua classificaccedilatildeo e consequentemente a
compreensatildeo de seu significado por vezes eacute divergente entre os proacuteprios falantes visto
que o item em questatildeo ainda natildeo adquiriu um estatuto gramatical definido
Alguns autores afirmam (cf WATTERS 2004 219-20) que em liacutenguas africanas
a presenccedila de um elemento conectivo ndash o tom por vezes ou uma conjunccedilatildeo ndash ajuda a
distinguir uma construccedilatildeo coordenada de uma CS No entanto a presenccedila desse
conectivo por si soacute jaacute elimina a possibilidade de que essa construccedilatildeo seja uma CS Por
essa razatildeo natildeo nos parece pertinente essa observaccedilatildeo dos autores
Se considerarmos poreacutem que os itens numa construccedilatildeo serial se adaptam ao que
determina a semacircntica da proacutepria construccedilatildeo teremos um caminho mais favoraacutevel de
compreensatildeo do significado desses itens nesses contextos Natildeo se trata assim de
integrar o item lexical a uma categoria de limites riacutegidos o que natildeo eacute absolutamente
possiacutevel mas de interpretaacute-lo a partir de seu proacuteprio comportamento linguiacutestico ou seja
do uso que o falante faz dele
34
243 Propriedades prosoacutedicas
Na maioria das liacutenguas CS tecircm as mesmas propriedades entonacionais de uma
oraccedilatildeo simples (monoclausal) natildeo admitem pausas entre os verbos nem queda de
entonaccedilatildeo como confirmam os autores a seguir ldquoEm muitas liacutenguas fronteiras
oracionais satildeo indicadas pela quebra na entonaccedilatildeo nenhum tipo de quebra ou pausa
pode ocorrer entre os componentes de uma CSrdquo31 (AIKHENVALD amp DIXON 2006 7) Os
autores natildeo se detecircm muito sobre essa propriedade apresentando apenas uma definiccedilatildeo
concisa sobre ela
Unidades gramaticais possuem estruturas internas que se organizam e em liacutengua
escrita obedecem a uma gramaacutetica sintaacutetica e discursiva o que determina um limite
maacuteximo de encaixamento correspondente a uma sentenccedila Nesse sentido de
fechamento e de possuir uma propriedade que determine um limite maacuteximo de
organizaccedilatildeo as sentenccedilas gramaticais podem se assemelhar agraves unidades entonacionais
Chafe (1994) define que os limites de uma construccedilatildeo gramatical revelam a
complexidade de sua organizaccedilatildeo informacional uma vez que para esse autor os
interlocutores apresentam em seu discurso uma informaccedilatildeo relevante por vez o que
pode ser compreendido como uma informaccedilatildeo relevante lsquoencaixadarsquo em cada estrutura
gramatical Dessa forma se se compreende uma construccedilatildeo serial como representativa
de um uacutenico evento e se esse evento (ou cena) eacute a informaccedilatildeo mais importante no
discurso entatildeo na prosoacutedia essa construccedilatildeo deve estar encaixada em uma uacutenica unidade
entonacional entendida aqui como a unidade em que se estruturam as ideias ou
informaccedilotildees e por meio da qual os falantes organizam e representam a informaccedilatildeo no
discurso Essas unidades podem ser identificadas na fala principalmente por uma queda
na curva entonacional e pela pausa no que se refere ao nosso objeto de estudo os
limites entonacionais de uma construccedilatildeo serial satildeo semelhantes aos limites de uma
oraccedilatildeo de um uacutenico verbo
A partir da constataccedilatildeo de que o elemento prosoacutedico eacute relevante para a
caracterizaccedilatildeo desse tipo de construccedilatildeo gramatical podemos supor que tambeacutem se
sobressaia na determinaccedilatildeo da quantidade de lexemas verbais que compotildeem a seacuterie
verbal Em geral as liacutenguas natildeo utilizam mais de dois ou trecircs verbos em construccedilotildees
seriais o que pode estar relacionado a restriccedilotildees de ordem prosoacutedica Isso pois a 31 ldquoIn many languages clause boundaries are indicated by an intonation break no such break or pause markers can occur between the componentes of an SVC rdquo
35
prosoacutedia compreende tambeacutem fatores fiacutesicos como a respiraccedilatildeo necessaacuteria para que
uma sentenccedila seja proferida o que associa a unidade entonacional agraves limitaccedilotildees da
capacidade fiacutesica humana
Como afirma Givoacuten (1991) natildeo se pode ser taxativo na afirmaccedilatildeo de que eacute nula
a ocorrecircncia de pausas entre os elementos de uma construccedilatildeo serial uma vez que na fala
tal precisatildeo natildeo eacute possiacutevel de acontecer O que se pode depreender disso eacute que se
houver alguma pausa ela seraacute mais suave e natildeo determinaraacute a fronteira da unidade
entonacional
A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial resulta portanto da anaacutelise de traccedilos
formais e semacircnticos e de como essa construccedilatildeo pode ser representada conceitualmente
uma vez que entendemos a liacutengua como o resultado da projeccedilatildeo que o falante faz de
uma determinada cena do mundo real ou natildeo e que portanto agrega capacidades
cognitivas de representaccedilatildeo conceitual expressas fonologicamente de acordo com a
tipologia de cada liacutengua Os seres humanos tecircm a habilidade de projetar e construir uma
mesma situaccedilatildeo de maneiras bastante diferentes essa projeccedilatildeo ocorre de forma
abrangente e natural nas liacutenguas e eacute relativa a qualquer construccedilatildeo linguiacutestica
(Langacker 2003) Como bem afirma Creissels
() na maioria das vezes natildeo haacute distinccedilotildees oacutebvias entre
construccedilotildees seriais e sequecircncias de verbos nas quais cada verbo constitui um
predicado diferente em particular construccedilotildees consecutivas (ie construccedilotildees
em que duas ou mais oraccedilotildees sucessivas representam eventos sucessivos)
Infelizmente em muitas descriccedilotildees de liacutenguas africanas qualquer sequecircncia
verbal mais ou menos exoacutetica (ie qualquer sequecircncia verbal que natildeo exiba
todas as caracteriacutesticas de uma sequecircncia verbal encontrada em liacutenguas
europeias) eacute vagamente denominada seacuterie verbal Na Aacutefrica casos certos de
seacuteries verbais satildeo encontrados nas liacutenguas cuaacute (ex eve) e benue-congo
inicialmente classificadas como cuaacute oriental (exiorubaacute)32 (CREISSELS 2000
240)
32 ldquo(hellip) there is most of the time no obvious distinction between serial verbs and verb sequences in which each verb constitutes a distinct predicate in particular consecutive constructions (ie constructions in which two or more successive clauses represent successive events) Unfortunately in many descriptions of African languages any more or less ldquoexoticrdquo verb sequences (ie any sequence of verbs that does not exhibit every characteristic of the sequence of verbs found in European languages) is loosely termed lsquoserial verbsrsquo In Africa uncontroversial cases of serial verbs are found mainly in Kwa languages (eg Ewe) and in Benue-Congo languages previously classified as Eastern Kwa (eg Yoruba)rdquo
36
244 TempoAspectoModo
Em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao valor das marcas de
tempo modo e aspecto acopladas aos verbos As condicionantes mais recorrentes
conforme o que jaacute foi apresentado concernem agrave maneira de marcaacute-los que pode ser
feita em ambos os verbos ou em apenas um deles desde que haja concordacircncia entre
elas Todavia essa condiccedilatildeo natildeo determina que sejam empregadas as mesmas formas e
que tenham rigorosamente o mesmo valor trata-se sim de considerar a semelhanccedila
entre os seus traccedilos semacircnticos a fim de que se obtenha quando necessaacuterio a
concordacircncia por aproximaccedilatildeo Natildeo seria possiacutevel por exemplo um morfema
indicativo de aspecto habitual para o primeiro verbo e um morfema indicativo de
aspecto resultativo para o segundo verbo de CS Vejamos um exemplo do acan33
(Ameka 2003)
(10)
Kwasi da h re di di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG RED comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
No enunciado (10) o primeiro verbo traz consigo o morfema de valor estativo e
o segundo de valor progressivo A observaccedilatildeo desse exemplo nos mostra que os valores
aspectuais apesar de distintos natildeo satildeo antagocircnicos mas similares possibilitando a
concordacircncia entre seus traccedilos semacircnticos O valor de estativo do primeiro verbo se
harmoniza com o valor de progressivo do segundo verbo pois a rigor satildeo subtipos do
aspecto imperfectivo uma vez que ambos descrevem a cena em seu desenvolvimento
Dessa forma a concordacircncia entre as marcas aspectuais ocorre por aproximaccedilatildeo e natildeo
por equivalecircncia absoluta jaacute que a categoria aspectual natildeo eacute constituiacuteda por entidades
discretas mas sim por uma seacuterie de subtipos que se encaixam em dois gecircneros opostos
maiores perfectivo e imperfectivo
Esse criteacuterio gramatical mostra-se como um dos mais apropriados para distinguir
uma CS de outro tipo de construccedilatildeo Considerando que seus verbos componentes devam
33 Liacutengua nigero-congolesa de Gana
37
compartilhar os mesmos valores de tempo aspecto e modo entendemos que nenhum
contraste entre essas marcas verbais seja possiacutevel (cf AIKHENVALD amp DIXON 2006)
Abaixo dados do anhi-sanvi (VAN LEYNSEELE 1975 apud AIKHENVALD amp DIXON 2006
9)
(11)
cu a ni ak n- ni
Cachorro NEGagarrar+HAB frango NEGcomer+HAB
lsquoO cachorro natildeo come galinharsquo (litagarra-come)
Nesse exemplo as marcas de aspecto e de negaccedilatildeo satildeo agregadas ao primeiro e
ao segundo verbo Comparemos com o exemplo a seguir
(12)
cua ci ak oŋgu i
cachorro agarrar+HAB frango ele+NEG+matar+HAB 3Osg
lsquoO cachorro agarra o frango e natildeo o matarsquo
Aqui temos a representaccedilatildeo de uma accedilatildeo (agarrar) e da natildeo realizaccedilatildeo de outra
accedilatildeo (matar) Dessa forma identifica-se que o morfema de negaccedilatildeo pode ter escopo
apenas sobre o evento representado pelo verbo ao qual estaacute acoplado essa variaccedilatildeo estaacute
de acordo com a tipologia de cada liacutengua Em (12) a negaccedilatildeo (ŋ) vem acoplada ao
segundo verbo e tem escopo apenas sobre ele demonstrando que a descriccedilatildeo da accedilatildeo
que neste caso natildeo se realiza (ele natildeo matou o frango) natildeo invalida a accedilatildeo anterior de
agarrar o frango A configuraccedilatildeo dos pronomes tambeacutem difere da configuraccedilatildeo do
exemplo (11) em que natildeo haacute repeticcedilatildeo junto ao segundo verbo A marca de negaccedilatildeo
parece entatildeo ter comportamentos distintos em uma construccedilatildeo serial e em uma oraccedilatildeo
coordenada
Vejamos o seguinte exemplo de nosso corpus do baulecirc
(13)
Be sin-ni l be wo-li
38
3pl passar-PERF ali 3pl ir-PERF
lsquoEles passaram ali e foram emborarsquo
Temos nesse exemplo duas construccedilotildees coordenadas sem conectivos que
representam portanto dois eventos diferentes As marcas gramaticais aparecem
pospostas ao primeiro e ao segundo verbo e o pronome sujeito tambeacutem vem repetido
junto aos verbos Apesar de natildeo haver conectivos entre eles natildeo eacute possiacutevel classificar
essa construccedilatildeo como serial uma vez que haacute dois eventos consecutivos coordenados
No niacutevel sintaacutetico a repeticcedilatildeo das marcas gramaticais e do pronome sujeito junto aos
verbos parece ser um indicativo de que a construccedilatildeo eacute formada por oraccedilotildees
coordenadas Um de nossos colaboradores no momento da traduccedilatildeo natildeo hesitou em
elaborar duas oraccedilotildees e afirmar que se tratava de uma sequecircncia de accedilotildees Entendemos
que a escolha por uma ou outra estrutura sintaacutetica resultou entatildeo da elaboraccedilatildeo do
falante sobre a cena A diferenccedila entre elas estaacute na escolha por construir sintaticamente
a cena como eventos sequenciais tal qual nas oraccedilotildees coordenadas ou um uacutenico evento
como em construccedilotildees seriais
245 Composiccedilatildeo dos argumentos
Prototipicamente os verbos em CS compartilham ao menos um argumento
Aikhenvald amp Dixon (opcit) distinguem argumentos principais (core arguments) de
argumentos perifeacutericos (peripheral arguments) e definem os primeiros como ldquoo baacutesico
argumentos do verbo conceitualmente necessaacuterios como especificado no item
lexicalrdquo34 e os segundos ldquoobliacutequos ou adjuntos os quais satildeo menos dependentes da
natureza do verbo e podem ser opcionalmente incluiacutedosrdquo35 (AIKHENVALD 2006 12)
Ambos podem pertencer agrave CS como um todo
Essa propriedade poreacutem natildeo se restringe agraves CS e portanto natildeo eacute a
caracteriacutestica que as distingue de outras construccedilotildees Estruturas coordenadas ou
subordinadas tambeacutem tecircm argumentos compartilhados pelos verbos o que natildeo as
caracteriza contudo de imediato como construccedilotildees seriais Os argumentos requeridos
34 ldquoThe basic conceptually necessary arguments of a verb as specified in its lexical entryrdquo 35 ldquoObliques or adjuncts which are less dependent on the nature of the verb and may be optionally includedrdquo
39
por um verbo em uma CS podem diferir daqueles requeridos pelo mesmo verbo em
outro tipo de construccedilatildeo ldquoOs argumentos de uma CSC natildeo satildeo um simples somatoacuterio
de argumentos de seus componentes aleacutem disso um verbo que eacute transitivo quando
usado sozinho pode tornar-se menos transitivo numa SVCrdquo36(AIKHENVALD 2006 13)
Essa mudanccedila na valecircncia de um dos verbos na CS pode existir por influecircncia da
valecircncia do verbo ao qual ele estaacute combinado o que indica que o nuacutemero de argumentos
requeridos na construccedilatildeo serial natildeo eacute o mesmo dos verbos em construccedilotildees simples pois
resulta da combinaccedilatildeo e adequaccedilatildeo de ambos agrave construccedilatildeo A autora nos apresenta o
seguinte exemplo do ibo (LORD 1975 28 33-4 apud AIKHENVALD 2006 13)
(14)
o ti ri nwo keacute a hu o kpo
Ele bater TEMPO homem REL soco
lsquoEle bate naquele homemrsquo(lit Ele bate um soco naquele homem)
(15)
lsquoEle bate naquele homem ateacute a mortersquo (lit bater-matar)
Em ibo o verbo ti lsquobaterrsquo requer dois argumentos internos nwo keacute lsquohomemrsquo e
o kpo lsquosocorsquo No exemplo (15) por sua vez que representa uma estrutura serial o
mesmo verbo requer apenas um argumento interno ndash nwo keacute lsquohomemrsquo indicando
entatildeo a mudanccedila de valecircncia Nesse caso por se tratar de uma construccedilatildeo serial o
verbo gbu lsquomatarrsquo que tambeacutem compotildee a seacuterie compartilha os argumentos externo e
interno com o verbo ti lsquobaterrsquo bem como a marca temporal Os verbos comportam-se
sintaticamente como se fossem um uacutenico verbo que significasse ldquobater ateacute a morterdquo A
estrutura argumental da CS resulta entatildeo de uma reestruturaccedilatildeo dos valores de 36 ldquoThe arguments of an CSC are not a simple sum of arguments of its components moreover a verb which is transitive when used on its own may become less transitive in an SVCrdquo
o ti gbu ru nwo keacute a hu
Ele bater matar TEMPO homem REL
40
transitividade dos verbos que a compotildeem o que implica a quantidade de argumentos
que iratildeo compartilhar Contudo o fato de esses verbos compartilharem ao menos um
argumento ndash o sujeito por exemplo ndash natildeo caracteriza por si soacute a construccedilatildeo como uma
serializaccedilatildeo A mudanccedila de valecircncia de um verbo e o fato de esses verbos
compartilharem natildeo apenas o argumento externo mas tambeacutem o interno satildeo
caracteriacutesticas que analisadas em conjunto podem delinear uma construccedilatildeo como a
apresentada acima como uma CS
O exemplo a seguir de nosso corpus do baulecirc tambeacutem ilustra esse caso
(16)
i kle mo n wla i ti kle n a tu a t
3Osg chapeacuteu REL colocar 3Osg cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES
cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila caiursquo
Consideremos como CS o trecho a tu a t com traduccedilatildeo literal ldquoEle
arrancou-caiurdquo Do trecho anterior depreende-se o sintagma nominal i kle lsquoseu chapeacuteursquo
ao qual se refere o pronome de terceira pessoa do singular - - na funccedilatildeo de sujeito da
CS As marcas aspectuais se repetem e satildeo idecircnticas para os dois verbos indicando
concordacircncia um dos traccedilos que caracterizam uma CS
O verbo tu lsquoarrancarrsquo eacute transitivo e numa oraccedilatildeo simples pediria argumento
interno na CS em combinaccedilatildeo como verbo t lsquocairrsquo intransitivo adquire a valecircncia
desse verbo Como demonstramos aqui verbos transitivos parecem se tornar menos
transitivos quando compotildeem uma CS conforme demonstra esse exemplo do baulecirc
Pelo que foi apresentado a estrutura argumental de uma CS parece proceder da
combinaccedilatildeo da valecircncia dos verbos componentes tendo como caracteriacutestica o fato de
que verbos intransitivos mantecircm-se inalterados diante dos transitivos e ldquoimpotildeemrdquo sua
valecircncia agrave construccedilatildeo O sujeito e as marcas gramaticais podem ou natildeo se repetir diante
de cada verbo da seacuterie O somatoacuterio de caracteriacutesticas como essas compotildee um conjunto
de propriedades que auxiliam na identificaccedilatildeo de uma CS
41
246 Argumentos compartilhados
A classificaccedilatildeo de uma CS natildeo se daacute por meio da identificaccedilatildeo de apenas uma
propriedade sintaacutetica ou semacircntica mas sim por um conjunto de propriedades que
quando integradas caracterizam essa construccedilatildeo Ainda assim tais propriedades variam
consideravelmente entre as liacutenguas e mesmo aquelas propriedades tidas como
prototiacutepicas podem natildeo ser identificadas em algumas liacutenguas Compartilhar argumentos
ou um uacutenico argumento que desempenhe papeacuteis sintaacuteticos diferentes para cada verbo
satildeo traccedilos caracteriacutesticos de CSs
Podemos identificar em algumas liacutenguas seriais que um mesmo termo
componente pode ter funccedilotildees distintas em relaccedilatildeo a um e a outro verbo em uma CS ldquoO
sujeito de um componente de uma CS pode ser idecircntico a um constituinte natildeo-sujeito de
um outro componente CS em que o objeto de V1 eacute o mesmo que o sujeito de V2 pode
ser entendidos como switch-functionrdquo37 (AIKHENVALD 2006 14) Essa propriedade
indica uma profunda coesatildeo sintaacutetico-semacircntica entre os elementos da CS e eacute
denominada na literatura switch-function Vejamos um exemplo do Mwotlap38
(AIKHENVALD 2006 16)
(17)
Tali mi-tit tenten Kevin
Tali PER-socar chorarREDUP Kevin
lsquoTali fez Kevin chorar batendo nelersquo
Esse eacute um exemplo de CS de causa-efeito Nela temos um elemento que realiza
uma accedilatildeo que tem efeito sobre outro elemento sintaticamente o objeto do primeiro
verbo (tit lsquosocarrsquo) sob o qual recai o efeito da accedilatildeo desempenhada pelo sujeito desse
primeiro verbo eacute por sua vez o sujeito do segundo verbo (ten lsquochorarrsquo) um mesmo
elemento desempenha a funccedilatildeo de sujeito para o V1 e de objeto para o V2
37 laquo The subject of one component of an SVC can be identical to a non-subject constituent of the other component SVCs where the object of V1 is the same as the subject of V2 will be referred to as switch-function SVCsraquo 38 Liacutengua austroneacutesia falada em Vanuatu
42
Para que esse tipo de sequecircncia se realize eacute necessaacuterio um ordenamento icocircnico
entre os verbos (o verbo que expressa a causa precede o verbo que expressa o resultado)
que possibilite a sua interpretaccedilatildeo como uma uacutenica cena O fato de haver duas accedilotildees natildeo
impede essa interpretaccedilatildeo justamente por serem integradas e por uma accedilatildeo soacute existir
como resultante da outra Esse tipo de representaccedilatildeo sintaacutetica possibilita que seja dada
proeminecircncia ao resultado da primeira accedilatildeo que por sua vez se posiciona nessa relaccedilatildeo
como elemento de fundo ou apoio agrave cena
Outro tipo de switch-function eacute observado em CSs de semacircntica causativa Em
geral satildeo construccedilotildees formadas por um verbo causativo e por um verbo lexical
seguindo uma ordem icocircnica na maioria dos casos Exemplo (AIKHENVALD opcit
p16)
(18)
na-bu-wulwulwulwul----caycaycaycay----prapraprapra-kiak
3Osg-3Ssg-estar amedrontado-tentar fazer-vir-PASREM
lsquoEles tentaram amedrontaacute-lo enquanto ele vinharsquo
O sujeito de wul lsquoestar amedrontadorsquo eacute idecircntico ao objeto de cay lsquotentar fazerrsquo e
tambeacutem eacute sujeito de pra lsquovirrsquo Construccedilotildees causativas e de causa-efeito satildeo similares
em termos semacircnticos e a primeira contempla algumas das propriedades da uacuteltima que
eacute menos especiacutefica
A ordem dos componentes de uma construccedilatildeo serial causativa natildeo eacute
sempre icocircnica enquanto na serializaccedilatildeo de causa-efeito tende a ser assim
Haacute alguma sobreposiccedilatildeo semacircntica entre verbos seriais causativos e
construccedilotildees seriais de causa-efeito Aleacutem disso em muitas liacutenguas a
diferenccedila entre construccedilotildees seriais causativas e de causa-efeito natildeo eacute muito
evidente Haacute sempre algumas diferenccedilas sintaacuteticas entre as duas e o conjunto
de verbos de causa em construccedilotildees seriais causativas switch-function eacute
bastante abrangente39 (AIKHENVALD opcit p16 nota 8)
39 ldquoThe order of components in causative SVCs is not always iconic while in cause-effect serialization it tends to be so There is some semantic overlap between causative serial verb constructions and cause-effect serial verb constructions In addition in a number of languages the difference between causative SVCs and cause-effect SVCs is not at all clear-cut There are often hardly any syntactic differences between the two and the set of verbs of causation in causative switch-function SVCs is quite largerdquo
43
Outro dois tipos de construccedilatildeo serial switch-function similares agraves de causa-efeito
satildeo as que indicam experiecircncias simultacircneas e consecutivas - ambos os casos raros na
literatura No primeiro (experiecircncia simultacircnea) a construccedilatildeo eacute formada de um verbo
transitivo seguido de um intransitivo em que objeto de V1 eacute idecircntico ao sujeito de V2
nesse caso natildeo haacute nenhuma relaccedilatildeo imediata de causa-efeito Nas construccedilotildees
consecutivas temos um verbo intransitivo seguido por um transitivo em que o sujeito
de V1 eacute equivalente ao objeto de V2
Haacute ainda CSs interpretadas como oraccedilotildees complemento Temos o exemplo do
goemai liacutengua chaacutedica do oeste falada na aacuterea central da Nigeacuteria (HELLWIG apud
AIKHENVALD 2006 102)
(19)
kafin goe na mat tu bi n-srsquoet ()
antes 2sgM ver mulher(sg) matar(sg) coisa LOC-floresta
lsquoAntes vocecirc viu a mulher (e ela) matou algo na floresta (hellip)rsquo
Nessa liacutengua construccedilotildees seriais satildeo tambeacutem usadas para codificar relaccedilotildees
temporais entre subeventos sendo possiacutevel que a CS receba interpretaccedilatildeo sequencial ou
de simultaneidade No uacuteltimo caso o falante pode se valer de uma construccedilatildeo
progressiva quando o primeiro verbo for um verbo estativo e de uma CS caso o
primeiro verbo seja um verbo de percepccedilatildeo como no exemplo 15 acima
Cada uma dessas formas de manifestar a troca-compartilhamento de funccedilotildees
(switch function) em uma CS ocorreraacute numa liacutengua de acordo com sua tipologia e os
recursos disponiacuteveis para que o falante elabore seu enunciado Natildeo obstante fica
demonstrado que a relaccedilatildeo entre os argumentos e os verbos pode dar pistas para a
identificaccedilatildeo de uma CS
25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
Nesta seccedilatildeo vamos discorrer sobre a proposta de tipologia para construccedilotildees
seriais elaborada por Aikhenvald (2006) que classifica tais construccedilotildees de acordo com
suas caracteriacutesticas semacircnticas A autora distribui as CSs em dois grandes grupos ndash
construccedilotildees seriais simeacutetricas e assimeacutetricas ndash e adota como criteacuterios de classificaccedilatildeo a
relaccedilatildeo semacircntica entre os verbos e as propriedades funcionais adquiridas por eles na
44
construccedilatildeo Construccedilotildees em que os verbos representam conjuntamente um uacutenico
evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar uma composiccedilatildeo
harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum dos seus
componentes determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas da construccedilatildeo
pertencem ao grupo das construccedilotildees seriais simeacutetricas O segundo grupo eacute denominado
grupo das construccedilotildees seriais assimeacutetricas Nesse grupo as construccedilotildees tambeacutem
representam um uacutenico evento poreacutem essa representaccedilatildeo eacute feita por meio de um uacutenico
verbo O outro(s) verbo(s) desempenha (m) funccedilatildeo gramatical discursiva ou semacircntica
especiacutefica naquela CS como por exemplo o valor aspectual Segundo Aikhenvald
Em termos de composiccedilatildeo construccedilotildees seriais se dividem em duas
grandes classes () Elas podem consistir de um verbo de uma classe
relativamente grande aberta ou ateacute irrestrita e de outro verbo de uma classe
gramatical e semanticamente restrita (ou fechada) Essas satildeo as construccedilotildees
assimeacutetricas () Construccedilotildees assimeacutetricas denotam um uacutenico evento descrito
por um verbo de uma classe natildeo restrita O verbo de classe fechada estipula
uma especificaccedilatildeo modIficadora eacute sempre um verbo de movimento ou
postura expressando direccedilatildeo ou levando o significado de tempo e aspecto a
toda a construccedilatildeo40 (AIKHENVALD 2006 21)
Natildeo nos parece muito esclarecedora a diferenciaccedilatildeo estabelecida entre verbos
pertencentes a uma classe irrestrita (unrestricted class) e os que pertencem a uma classe
restrita fechada (closed class) Poderiacuteamos interpretar essa classificaccedilatildeo como uma
divisatildeo semacircntica que indicaria quais os verbos mais adequados e propensos de acordo
com seus traccedilos semacircnticos a atribuir um valor gramatical agrave construccedilatildeo (closed class) e
quais aqueles que tecircm menos propensatildeo a isso (unrestricted class) Em geral os verbos
que a autora classifica como os de classe fechada satildeo aqueles que resultam de processos
de gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical adquire propriedades gramaticais e passa
desempenhar uma funccedilatildeo gramatical na CS Podemos interpretar tal processo como a
adequaccedilatildeo de propriedades semacircnticas em um novo contexto sintaacutetico em que natildeo
ocorre puramente um esvaziamento semacircntico do item lexical e sim a adequaccedilatildeo desse
40 ldquoIn terms of their composition serial verbs constructions fall into two broad classes (hellip) They may consist of one verb from a relatively large open or otherwise unrestricted class and another from a semantically or grammatically restricted (or closed) class These are Asymmetrical serial constructions (hellip) Asymmetrical SVCs denote a single event described by the verb from a non-restricted class The verb from a closed class provides a modificational specification it is often a motion or posture verb expressing direction or imparting a tense-aspect meaning to the whole constructionrdquo
45
conteuacutedo em um novo contexto Satildeo essas propriedades adquiridas pelos verbos que
podem distinguir a serializaccedilatildeo entre as liacutenguas ademais a expansatildeo das funccedilotildees
gramaticais de um item lexical pode fazer emergir novas categorias gramaticais ou
ampliar as possibilidades funcionais de uma categoria jaacute existente
Partindo dessa classificaccedilatildeo a autora propotildee que eacute possiacutevel verificar os tipos
semacircnticos de verbos que ocorrem preferencialmente nas CS assimeacutetricas pois satildeo as
propriedades gramaticais semacircnticas e discursivas desses itens lexicais que daratildeo
condiccedilotildees para que eles exerccedilam novas funccedilotildees Essa nova tipologia permite estabelecer
quais os tipos de CS assimeacutetricas mais recorrentes e para cada tipo indica os grupos
semacircnticos dos verbos mais propensos a constituiacute-las Tal maneira de classificaccedilatildeo nos
parece eficiente jaacute que determina partir de campos semacircnticos com base na constituiccedilatildeo
das proacuteprias CS para entatildeo verificar dentro desses limites os verbos que as
constituem No entanto haacute sempre a possibilidade de criaccedilatildeo de novos gecircneros e
consequentemente ampliaccedilatildeo desse inventaacuterio de verbos Abaixo seguem a os gecircneros
de CS e os verbos mais propensos a constituiacute-los
1ndash Direccedilatildeo e orientaccedilatildeo verbos de movimento
2 ndash Aspecto extensatildeo e mudanccedila de estado verbos de movimento postura mudanccedila de
estado como lsquocompletarrsquo lsquoterminarrsquo lsquocomeccedilarrsquo lsquopegarrsquo
3 ndash Modo verbos com significados de lsquoquererrsquo lsquoser capaz dersquo e alguns verbos natildeo-
modais como lsquoreceberrsquo lsquotocarrsquo
4 ndash Ampliaccedilatildeo da valecircncia e acreacutescimo de argumento lsquodarrsquo lsquopegarrsquo lsquofazerrsquo
5 ndash Grau comparativo e superlativo verbos como lsquoirrsquo lsquoexcederrsquo lsquoultrapassarrsquo
6 ndash Reduccedilatildeo da valecircncia esse tipo de construccedilatildeo tem valor negativo e emprega verbos
como lsquotocarrsquo lsquoderrubarrsquo entre outros
A autora acrescenta que liacutenguas com limitado uso da serializaccedilatildeo tendem a
apresentar os tipos 1 e 2 e por vezes o 3 e liacutenguas que fazem amplo uso da serializaccedilatildeo
tendem a utilizar esse recurso tambeacutem como uma estrateacutegia linguiacutestica complementar
principalmente com verbos de elocuccedilatildeo no entanto a autora natildeo esclarece o que seria
essa estrateacutegia e diz apenas que sua classificaccedilatildeo natildeo abrange todos os tipos apenas os
mais usuais uma vez que como jaacute dissemos eacute comum a criaccedilatildeo de novos tipos de CSs
46
251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Construccedilotildees assimeacutetricas podem ter diferentes manifestaccedilotildees semacircnticas A
seguir apresentamos uma anaacutelise de cada uma de suas possibilidades
2511 Orientaccedilatildeo espacial
Muito comum entre as liacutenguas seriais satildeo compostas por um verbo de
movimento ou que indique direccedilatildeoposiccedilatildeo - em geral o primeiro verbo da sequecircncia -
e outro(s) verbo(s) que se refere(m) ao evento representado Kilian-Hatz (AIKHENVALD
2006 114) identificou esse tipo de CS em khwe liacutengua koisan central falada na Aacutefrica
do Sul
(20)
Djiri [ya kxrsquoaa a teacute]
Macaco vir beber I PRES
lsquoEnquanto vem o macaco bebersquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) identificaram em baulecirc casos em que um verbo
indicativo de origem combinado a um verbo de movimento pudesse expressar ao
mesmo tempo a origem e as circunstacircncias de chegada
(21)
a fin Buake a ba
3Ssg RES vir de Buake RES chegar
lsquoEle acabou de chegar de Buakersquo
Esse exemplo se encaixa na classificaccedilatildeo de Aikhenvald e eacute semelhante ao
encontrado em kwhe Possuem a seguinte estrutura sintaacutetica [S + V1 + (LOC) + V2]
Ambos apresentam uma orientaccedilatildeo (de sentido) em relaccedilatildeo ao evento principal No
primeiro caso eacute o momento em que se deu o evento principal (beber) e no caso do
baulecirc eacute a orientaccedilatildeo do lugar de partida
47
2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
Haacute liacutenguas que natildeo possuem morfemas temporais eou aspectuais e fazem uso de
outros recursos para expressaacute-los Entre esses recursos estatildeo as CSs Exemplo do
kristang liacutengua crioula malaio-portuguesa demonstra esse uso (BAXTER 1998 213
apud AIKHENVALD op cit p23)
(22)
lsquoQuando eu cheguei laacute ele tinha idorsquo
Casos semelhantes a esse satildeo descritos como resultantes de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo em que um item lexical eacute reanalisado e passa a desempenhar uma
funccedilatildeo mais gramatical como a de marcador aspectual por exemplo Esse processo de
mudanccedila linguiacutestica tambeacutem demonstra que os falantes tendem a empregar verbos natildeo
apenas para representar eventos mas tambeacutem quando necessaacuterio para cumprir alguma
outra funccedilatildeo como a de uma preposiccedilatildeo um adveacuterbio uma conjunccedilatildeo entre outras Em
casos de reanaacutelise um item lexical natildeo laquoperderaquo conteuacutedo semacircntico como afirma Lord
(1993) pois natildeo ocorre puramente um esvaziamento semacircntico mas promove uma
adequaccedilatildeo de suas propriedades semacircnticas a um novo contexto sintaacutetico
Devemos considerar tambeacutem que verbos que adquirem outras funccedilotildees em CS
ainda continuam ser empregados como verbos plenos em outras construccedilotildees pois
processos de gramaticalizaccedilatildeo natildeo satildeo compostos de etapas estanques o que admite
portanto a manifestaccedilatildeo de um mesmo item lexical em construccedilotildees diversas Como
afirma Castilho (1997 53) a reanaacutelise de um item lexical eacute um ldquoprocesso por meio do
qual os falantes mudam sua percepccedilatildeo de como os constituintes de sua liacutengua estatildeo
ordenados no eixo sintagmaacuteticordquo Houpper amp Traugott (199340) entendem a reanaacutelise
como um processo que pode resultar em gramaticalizaccedilatildeo e a definem como uma sorte
de mudanccedila na estrutura de uma expressatildeo natildeo necessariamente envolvida com uma
mudanccedila intriacutenseca de sua manifestaccedilatildeo superficial
Aikhenvald (2006) natildeo adentra na discussatildeo sobre a recategorizaccedilatildeo desses
verbos em CS e sobre o fato de indicarem um processo de mudanccedila linguiacutestica A
kora yo ja chegaacute nali eli ja kaba bai
quando 1sg PER chegar LOC 3sg PER terminar ir
48
autora limita-se a descrevecirc-los e a apontar uma aproximaccedilatildeo entre expressatildeo aspectual e
temporal em liacutenguas africanas pois algumas costumam indicar o tempo por meio do
aspecto A pertinecircncia de se tratar dos processos de gramaticalizaccedilatildeo em estudos sobre
CS estaacute no fato de que os itens constituintes de CS muitas vezes resultam de tais
processos e podem contribuir para identificaccedilatildeo dessas construccedilotildees
Sobre CS que indicam mudanccedila de estado segue um exemplo do khwe
apresentado por Kilian-Hatz (opcit p119)
(23)
ti [ ci |eacuteu-a-xu-a-ti ]
1sg chegar sergrande-II-COMPL-II-PAS
lsquoEu me tornei grandersquo
Segundo a autora apenas um verbo nessa liacutengua eacute uma instacircncia do tipo
ldquomudanccedila de estadordquo ldquo() o verbo cii lsquochegarrsquo pode tambeacutem ser usado como primeiro
verbo em seacuteries com significado de lsquotornar-sersquo ()rdquo 41 (opcit p119) Quando
empregado em CS esse verbo aparece na posiccedilatildeo V1 e adquire o significado de
ldquotransformar-serdquo indicando o mecanismo de reanaacutelise e uma consequente adequaccedilatildeo de
seu conteuacutedo semacircntico de origem ao novo contexto Nota-se que V1 e V2 tecircm traccedilos
semacircnticos que combinados e reinterpretados metonimicamente42 resultam em um
novo significado
2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
Conceitos como obrigaccedilatildeo probabilidade pretensatildeo habilidade tentativa e ateacute
negaccedilatildeo podem ser expressos por um dos verbos que compotildeem uma CS Tais conceitos
em liacutenguas natildeo seriais satildeo expressos por lexemas e afixos e promovem uma
modificaccedilatildeo semacircntica aos verbos com os quais estatildeo relacionados em uma construccedilatildeo
morfoloacutegica ou sintaacutetica Satildeo denominados verbos modais e natildeo podem ocorrer
sozinhos mas sempre acompanhando outro verbo modificado por eles O exemplo a
41 ldquo() the verb cii lsquoarriversquo may also be used as first verb in a series with the mening lsquobecomersquo ()rdquo 42 Para maiores detalhes sobre gramaticalizaccedilatildeo e os processos cognitivos que a caracterizam ver Heine et al (1991)
49
seguir eacute novamente do crioulo papia kristang43 (BAXTER 1988 213 apud AIKHENVALD
opcit p 24)
(24)
eli ja acha bai Singapore
3Ssg PER receber ir Cingapura
lsquoEle tem de ir a Cingapurarsquo
2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ou
adjunto
Muito comum em liacutenguas do oeste da Aacutefrica mas tambeacutem identificadas em
papua e liacutenguas austroneacutesias esse tipo de CS indica relaccedilotildees causativas benefactivas
instrumentais comitativas e associativas Em geral haacute alguns verbos na liacutengua que
passam a ser utilizados nas construccedilotildees seriais especificamente para cumprir as relaccedilotildees
semacircnticas acima citadas todavia podem continuar a ser empregados tambeacutem como
verbos plenos em construccedilotildees natildeo seriais A seguir exemplo de CS usada em
saramacan para indicar a introduccedilatildeo de um beneficiaacuterio (BYRNE 1990 152 apud
AIKHENVALD opcit p 26)
(25)
Kofi Bi bai di buku da di muyeacute
Kofi TEMP comprar DET livro dar DET mulher
lsquoKofi comprou o livro para a mulherrsquo
O segundo verbo da CS eacute o que introduz o beneficiaacuterio da accedilatildeo expressa pelo
primeiro verbo Traccedilos semacircnticos do verbo da lsquodarrsquo - tais como indicar um processo
(+teacutelico+dinacircmico-durativo) envolvendo os papeacuteis semacircnticos de agente tema e
beneficiaacuterio - possibilitam que ele seja empregado nessa funccedilatildeo O fato de esse verbo
quando empregado em construccedilotildees de um uacutenico verbo envolver na relaccedilatildeo semacircntica
entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio propiciou o seu emprego
em CS como a do exemplo (25)
43 Crioulo de base portuguesa falado em Malaca
50
Outro exemplo de CS em que um dos verbos eacute empregado para a introduccedilatildeo de
um beneficiaacuterio vem da liacutengua jeh44 do Vietnatilde (GRADIN 1976 COHEN 1976 apud
KROEGER 2004 239)
(26)
Baă tǝnoh doh bălen tǝdrong i
Pai explicar dar 3Opl assunto estehellip
lsquoO pai explicou este assunto a elesrsquo
Nota-se que no caso acima a ordem dos verbos da CS eacute sequencial e os
argumentos externo e interno satildeo posicionados respectivamente antes e depois dos
verbos Vejamos o que afirma Kroeger sobre sequecircncia de verbos
As construccedilotildees seriais que temos analisado ateacute aqui podem ser
analisadas como uma sequecircncia de Vs E como jaacute observamos esse eacute o
padratildeo mais comum De qualquer forma haacute algumas liacutenguas em que os
verbos se agrupam com todos os SNs objeto tambeacutem os seguindo ()
Liacutenguas desse tipo envolvem um tipo de estrutura diferente45 (Kroeger 2004
239)
Fica mais evidente que natildeo se trata de duas accedilotildees sucessivas e que o verbo em
posiccedilatildeo natildeo inicial na CS introduz um beneficiaacuterio (ou receptor) pois o termo em
posiccedilatildeo inicial natildeo eacute um verbo que representa uma atividade fiacutesica e sim mental O
objeto de V1 natildeo eacute algo material palpaacutevel que possa ser interpretado tambeacutem como o
objeto de V2 Eacute possiacutevel no entanto por extensatildeo metafoacuterica formar uma sentenccedila natildeo
serial em que o argumento interno do verbo DAR natildeo seja algo concreto (como por
exemplo em ldquodar uma ajudardquo ldquodar uma forccedilardquo etc) poreacutem esses casos natildeo
representam o uso mais prototiacutepico do verbo de onde proveem essas extensotildees
metafoacutericas entre elas as demonstradas na CS
Construccedilotildees semelhantes do baulecirc foram analisadas por Larson (2005) como
coordenadas de sujeito vazio sem conectivo (empty subject construction-ESC) O
principal argumento da autora em favor dessa classificaccedilatildeo eacute o de que a cena
44 Liacutengua austro-asiaacutetica 45 ldquoThe SVCs we have considered so far can be analyzed as a sequence of Vrsquos And as we have noted this is the most common pattern However there are some languages in which all the verbs cluster together with all the object NPs either following (hellip) the verbs Languages of this type involve a different kind of structurerdquo
51
representada apreende duas accedilotildees consecutivas realizadas por um uacutenico sujeito e que a
natildeo expressatildeo desse sujeito diante do segundo verbo representa um caso de pronome
nulo A seguir exemplo da autora (LARSON 2005 60)
(27)
Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya pegar-COMPL livrorsquoDET dar-COMPL 1Osg
lsquoAya me deu o livrorsquo
A autora tambeacutem acrescenta que o verbo fa lsquopegarrsquo comumente empregado em
CSs de diversas liacutenguas eacute um verbo completo e natildeo defectivo pois pode formar
sentenccedilas simples e acoplar marcas morfoloacutegicas como a de aspecto ldquoPorque fa pode
ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo ESC) e pode carregar a morfologia de tempo e
aspecto pode-se concluir que se trata de um verbo completo em baulecircrdquo46 (LARSON
opcit p 73) Esse argumento contudo natildeo eacute capaz de demonstrar que a construccedilatildeo
acima seja uma coordenaccedilatildeo uma vez que como jaacute demonstrado neste trabalho verbos
integrantes de uma CS podem integrar tambeacutem sentenccedilas de um uacutenico verbo Em alguns
casos eacute possiacutevel que se trate de um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo em estaacutegio
ainda natildeo muito avanccedilado e por isso sejam possiacuteveis construccedilotildees com o mesmo item
lexical exercendo funccedilotildees distintas o que Robert denomina ldquogramaticalizaccedilatildeo em
sincroniardquo47
O verbo inicial da seacuterie fa lsquopegarrsquo natildeo representa a cena principal do evento
mas expotildee uma minuacutecia da cena Em sentido amplo V1 coloca em evidecircncia um
momento preambular que em geral jaacute estaacute pressuposto no ato representado por V2
Contudo sentenccedilas como a do exemplo (27) tangenciam tanto a classificaccedilatildeo de
coordenada sem conectivo quanto a de construccedilatildeo serial por se assemelharem a uma e a
outra Desde Christaller (1875 apud SEBBA 1984) essa dificuldade para a classificaccedilatildeo
jaacute vinha sendo identificada no entanto o autor ainda natildeo falava propriamente em
serializaccedilatildeo mas apontava a existecircncia de duas possibilidades de combinaccedilatildeo para
46 ldquoBecause fa can occur in a simple (non ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full-fledged verb in Baulerdquo 47 Para maiores detalhes ver Robert (2006) que apresenta casos semelhantes em liacutenguas africanas
52
verbos que compartilham o mesmo sujeito em uma construccedilatildeo a saber ldquoessential
combinationrdquo e ldquoaccidental combinationrdquo48
Aikhenvald apresenta exemplo de CS com verbo introdutor do papel semacircntico
de instrumento da liacutengua tetun dili49 (p26)
(28)
Abo lori tudik korsquoa paun
avocirc pegar faca cortar patildeo
lsquoO avocirc usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Satildeo muito usuais em construccedilotildees com papel instrumental verbos com sentido de
ldquopegarrdquo e ldquosegurarrdquo (cf AIKHENVALD opcit SEBBA 1987) Larson (opcit p60)
tambeacutem analisa exemplo semelhante do baulecirc classificando-o como uma coordenada
sem conectivo com sujeito vazio
(29)
fa-li lali kp-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-COMPL faca cortar-COMPL patildeo-DEF
lsquoElea usou uma faca para cortar o patildeorsquo
Larson classifica exemplos como o (29) como construccedilotildees coordenadas de um
uacutenico sujeito denominando-as Resumed Subject Construction (RSC) pois podem ter o
sujeito de V1 retomado de forma natildeo obrigatoacuteria em V2 por um pronome Essas
construccedilotildees satildeo uma variaccedilatildeo das construccedilotildees de sujeito vazio (empty subject
construction- ESC)
Sebba (1984) jaacute apontara que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo instrumental natildeo
apresentam nem estrutura de oraccedilotildees coordenadas nem de oraccedilotildees subordinadas Em
estudo sobre a sintaxe das CS o autor determinou que construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
satildeo as mais comuns em liacutenguas seriais mas nem por isso satildeo facilmente classificaacuteveis
visto que satildeo depreendidas em diferentes contextos Construccedilotildees com verbo ldquopegarrdquo
48 Aprofundaremos a discussatildeo na seccedilatildeo que abordaraacute a anaacutelise de nosso corpus do baulecirc 49 Crioulo do Timor Leste baseado no tetum
53
instrumental satildeo classificadas por ele como um tipo de serializaccedilatildeo coordenada que tem
como V2 um verbo denotador de uma accedilatildeo realizada por algum instrumento
A atribuiccedilatildeo de papeacuteis semacircnticos feita por meio de verbos em estruturas como
as apresentadas natildeo facilita a sua classificaccedilatildeo como construccedilotildees seriais ou
coordenadas O que eacute mais facilmente identificaacutevel nessas estruturas eacute que os verbos
que atribuem o papel semacircntico a um argumento jaacute carregam em sua composiccedilatildeo
semacircntica de base os traccedilos que possibilitam essa nova funccedilatildeo A imprecisatildeo da anaacutelise
reside no niacutevel mais aparente da sentenccedila uma vez que nesse niacutevel ela se mostra como
uma sentenccedila hiacutebrida entre a serializaccedilatildeo e a coordenaccedilatildeo
2 515 Comparativos e superlativos
Esse tipo de construccedilatildeo serial em geral envolve verbos como ldquoexcederrdquo
ldquoultrapassarrdquo e algumas vezes pode resultar em morfemas gramaticalizados de
construccedilotildees seriais A seguir exemplo do goemai50 (HELLWIG in AIKHENVALD 2006
101)
(30)
kuma frsquoyer ma ni
tambeacutem tornar-segrande(sg) ultrapassar 3sg
lsquoE (elea) cresceu mais do que elearsquo
Em nosso corpus do baulecirc tambeacutem identificamos uma construccedilatildeo serial
comparativa
(31)
n si Kofi kpa tra Kuakou
1sS conhecer Kofi bem ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
Em casos como esses um dos verbos tem seu sentido lexical preservado e o
outro indica a comparaccedilatildeo A ordem dos verbos dependeraacute da morfologia da liacutengua Haacute
algumas que permitem que o verbo indicador da comparaccedilatildeo venha na primeira posiccedilatildeo
50 Liacutengua chaacutedica falada na Nigeacuteria
54
como eacute o caso de khwe liacutengua coissam da Aacutefrica do Sul e outras que o fazem em
segunda posiccedilatildeo como nos exemplos apresentados
2516 Construccedilotildees que indicam maneira
Nesse tipo de CS um dos verbos indica a maneira como o evento representado
pelo outro verbo se realizou Em kwhe satildeo muito comuns (KILIAN -HATZ in
AIKHENVALD 2006 113) ldquoEsse tipo focaliza a simultaneidade de eventos uacutenicos em
que o primeiro verbo pode tambeacutem ser interpretado como o que descreve a maneira
como a outra accedilatildeo se realizou51
(32)
ti [gi-e yaa-a -goe ]
1Ssg seratrasado-II vir-I-FUT
lsquoEu chegarei atrasadorsquo
252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
Muitas vezes os verbos integrantes de CS representam um ordenamento icocircnico
da sequecircncia temporal de determinados subventos que por sua vez compotildeem um
evento maior Vejamos um exemplo do eve (p 28) em que a accedilatildeo de comer traz como
pressuposto a accedilatildeo de cozinhar
(33)
Aacutema acirc-ɖa nuacute ɖu
Ama POT-cozinhar coisa comer
lsquoAma vai cozinhar e comerrsquo
51 ldquoThis type focuses on the simultaneity of the single events where the first verb may also be interpreted as describing the way the other action is performed raquo
55
Nesse caso a traduccedilatildeo acaba por explicitar a accedilatildeo pressuposta em comer pois
do contraacuterio a noccedilatildeo natildeo ficaria subentendida Interfere aiacute um dado depreendido
pragmaticamente e que parece se perder no percurso da traduccedilatildeo
2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
O ordenamento icocircnico eacute uma das caracteriacutesticas principais de uma construccedilatildeo
serial simeacutetrica Em CS de causa-efeito o verbo de causa precede o verbo que indica o
efeito ou o resultado Em geral os verbos compartilham o mesmo sujeito mas haacute casos
em que o objeto do primeiro verbo eacute idecircntico ao sujeito do segundo verbo (switch-
function) Vejamos o exemplo do taba52( AIKHENVALD opcit p2)
(34)
n=babas weli n=mot do
3sg=bater porco 3sg=morrer REAL
lsquoEle bateu no porco ateacute a mortersquo
Esse evento permite duas interpretaccedilotildees uma indicando causa-efeito outra
indicando a maneira pela qual a accedilatildeo se realizou
52 Liacutengua austroneacutesia
56
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS Aikhenvald amp Dixon reuniram de forma sistemaacutetica diversos trabalhos sobre o
tema construccedilotildees seriais depreendidos de liacutenguas tipologicamente variadas no intuito
de elaborar uma proposta de classificaccedilatildeo para as CSs que considerasse suas
propriedades sintaacuteticas semacircnticas e funcionais e identificasse seus paracircmetros de
variaccedilatildeo Dessa forma foi possiacutevel verificar a grande heterogeneidade dessas
construccedilotildees entre as liacutenguas fato justificador da dificuldade de se estabelecer
paracircmetros de classificaccedilatildeo abrangedores dessas diferentes manifestaccedilotildees
Sintaticamente a propriedade que se demonstrou quase unacircnime entre as liacutenguas eacute a de
compartilhar ao menos um argumento em geral o argumento externo Aleacutem dessa
caracteriacutestica a ausecircncia de conectivos tambeacutem se constituiu como um traccedilo
homogecircneo Em termos semacircnticos a descriccedilatildeo de um uacutenico evento ou de um mesmo
evento representado em subpartes pareceu ser o elemento norteador no percurso de
identificaccedilatildeo e distinccedilatildeo entre uma construccedilatildeo serial e outras construccedilotildees multiverbais
Contudo a divisatildeo das construccedilotildees seriais em dois grupos formados de acordo
com a maneira como se compotildeem os verbos e a funccedilatildeo que adquirem nesse contexto
mostrou-se particularmente eficaz pois estabeleceu uma distinccedilatildeo fundamental e um
ponto de partida para a anaacutelise dos subtipos dessa construccedilatildeo
57
CAPIacuteTULO 3
PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
Neste capiacutetulo apresentaremos o filtro teoacuterico adotado para analisar as
construccedilotildees seriais do baulecirc Optamos por duas teorias que privilegiam a observaccedilatildeo
dos processos cognitivos que sustentam a elaboraccedilatildeo dos enunciados linguiacutesticos pois
entendemos que as liacutenguas satildeo o produto de nossas habilidades cognitivas que
traduzem nossos sentidos e nossas percepccedilotildees sobre o mundo transformando-as em
coacutedigo
O termo Linguiacutestica Cognitiva eacute usado para designar um conjunto de
perspectivas teoacutericas que observa as liacutenguas natildeo apenas a partir de suas estruturas mas
relacionando a capacidade mental dos seres humanos e o mundo ao seu redor agrave
elaboraccedilatildeo desses enunciados Essa abordagem teve origem no final da deacutecada de 1970
nos Estados Unidos irradiando-se por diversos paiacuteses e constituindo-se atualmente
como um movimento mundial
O primeiro passo para a emergecircncia da Linguiacutestica Cognitiva deu-se entre os
estudiosos de semacircntica gerativa como bem afirma George Lakoff linguista americano
precursor e grande expoente dessa teoria O mote da divergecircncia entre os teoacutericos
gerativistas mais dedicados ao campo da sintaxe e os semanticistas incidiu no fato de
que as liacutenguas se fazem tambeacutem de expressotildees idiomaacuteticas que natildeo se encaixavam nas
propostas formalistas da teoria gerativa o que resvalava a pouca dedicaccedilatildeo dos
pesquisadores agraves questotildees de sentido Tais limitaccedilotildees resultaram em posicionamentos
teoacutericos discordantes e levaram os membros dissidentes a uma trajetoacuteria sem volta
Nesse percurso procedimentos analiacuteticos diferentes deram origem a um conjunto
heterogecircneo de teorias a saber teoria dos protoacutetipos (LAKOFF 1982 GIVOacuteN 1986)
teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980) teoria dos espaccedilos mentais
(FAUCONNIER E TURNER 1998) teoria da gramaacutetica cognitiva (LANGACKER 1987
2008) entre outros que no entanto se encontram fundamentadas em algumas premissas
comuns Salomatildeo (2006) as resume da seguinte maneira
(i) A cogniccedilatildeo linguiacutestica eacute contiacutenua aos demais sistemas cognitivos
portanto a linguagem natildeo eacute um sistema cognitivo autocircnomo
(ii) A gramaacutetica eacute uma grande rede de construccedilotildees portanto postula-se
uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico calcada no uso linguiacutestico
58
(iii) Todo processo de significaccedilatildeo procede pela projeccedilatildeo entre
domiacutenios cognitivos portanto a semacircntica cognitivista tem um vieacutes
inferencialista que a diferencia do referencialismo da ortodoxia
Um dos pontos basilares da Linguiacutestica Cognitiva eacute a noccedilatildeo de que a linguagem
estaacute em conexatildeo com o conhecimento humano de mundo e a de que o estudo de suas
estruturas natildeo deve ser realizado como se estas fossem entidades autocircnomas mas como
manifestaccedilotildees de capacidades cognitivas gerais dos seres humanos De forma geral na
Linguiacutestica Cognitiva estaacute o pressuposto de que as formas gramaticais simbolizam a
organizaccedilatildeo de estados mentais dos falantes expressos por meio de proposiccedilotildees e em
diversas situaccedilotildees discursivas (cf LANGACKER 1987)
Acrescentamos a isso a afirmativa de que algumas postulaccedilotildees orientadoras da
Linguiacutestica Cognitiva sejam referentes agrave simbolizaccedilatildeo e ao uso de termos linguiacutesticos agrave
proacutepria cogniccedilatildeo e agrave naturalidade da liacutengua A abrangecircncia de vertentes que compotildeem a
Linguiacutestica Cognitiva nos submete entatildeo a uma escolha que condiz agrave nossa proacutepria
maneira de observar e entender as liacutenguas Nesta pesquisa nos limitaremos a abordar as
propostas elaboradas por Ronald Langacker (1987 2008) e Adele Goldberg (1995) as
quais seratildeo utilizadas em nossa anaacutelise de forma complementar A Gramaacutetica Cognitiva
desenvolvida por Langacker tem como propoacutesito a compreensatildeo do significado de itens
lexicais e de construccedilotildees gramaticais para a anaacutelise da representaccedilatildeo linguiacutestica de
nosso pensamento Nessa abordagem estaacute inserida a noccedilatildeo de que os seres humanos satildeo
aptos a construir conceitualmente uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e que o
significado natildeo eacute apenas uma questatildeo referente ao conteuacutedo conceitual que ele evoca
mas depende igualmente da estruturaccedilatildeo (construal) imposta a esse conteuacutedo (cf
LANGACKER 1987) e a Gramaacutetica de Construccedilotildees elaborada principalmente por Adele
Goldberg (1995) postula que natildeo haacute limites riacutegidos entre leacutexico e sintaxe e que a
elaboraccedilatildeo do significado resulta de uma polissemia construcional ou seja o item
lexical natildeo eacute entendido como central na estrutura e a relaccedilatildeo entre o leacutexico que compotildee
a construccedilatildeo e a estrutura semacircntico-argumental da proacutepria construccedilatildeo eacute projetada como
a desencadeadora desse novo sentido Eacute abolida assim a hierarquizaccedilatildeo entre os
moacutedulos linguiacutesticos na composiccedilatildeo do enunciado Passemos agrave caracterizaccedilatildeo de
ambas
59
31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
Essa teoria pressupotildee tambeacutem uma relaccedilatildeo intriacutenseca entre gramaacutetica e discurso
e tem como comprometimento principal oferecer um conjunto de constructos53 que
descrevam explicitamente as estruturas linguiacutesticas Para isso postula que a gramaacutetica eacute
simboacutelica - pois expressa um conteuacutedo conceitual - e composta de dois poacutelos - o
fonoloacutegico e o semacircntico Inclui-se no poacutelo semacircntico o significado das expressotildees e
no fonoloacutegico sons gestos e ateacute representaccedilotildees ortograacuteficas (cf LANGACKER 2008)
formando estruturas simboacutelicas simples que se combinam para dar origem a estruturas
simboacutelicas complexas que por sua vez originam estruturas de complexidade simboacutelica
ainda maior Ademais a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo mas como um indicativo de como se organiza o significado em uma
determinada liacutengua (LANGACKER 1987)
Para a GC o significado eacute uma noccedilatildeo fundamental intimamente relacionada agrave
conceitualizaccedilatildeo entendida em termos gerais como a capacidade de cingir qualquer
tipo de experiecircncia mental (cf LANGACKER 2007 431) constituindo-se como o aspecto
experimental (empiacuterico) de nossa interaccedilatildeo com o mundo Dessa perspectiva
compreendemos que a representaccedilatildeo linguiacutestica de eventos em um enunciado eacute moldada
pela tipologia da liacutengua pelos esquemas conceituais que estatildeo por traacutes da gramaacutetica
dessa liacutengua e pela interaccedilatildeo dinacircmica estabelecida entre os interlocutores (essa
interaccedilatildeo faz parte tambeacutem do processo de conceitualizaccedilatildeo) Em uma situaccedilatildeo
discursiva estatildeo pressupostas as hipoacuteteses e as certezas que o falante assume sobre as
estrateacutegias e ldquocrenccedilasrdquo de seu interlocutor as quais tecircm incidecircncia sobre a eficiecircncia da
transmissatildeo da informaccedilatildeo
A determinaccedilatildeo do que eacute cognitivo na Linguiacutestica Cognitiva e na Gramaacutetica
Cognitiva estaacute relacionada a uma perspectiva funcionalista da liacutengua em que a
caracteriacutestica comunicativainterativa da linguagem natildeo eacute posta de lado dado que
estamos o tempo todo ldquonegociandordquo com nosso interlocutor e tambeacutem conosco na
elaboraccedilatildeo dos enunciados
53 A definiccedilatildeo de ldquoconstructosrdquo dada pelo dicionaacuterio Houaiss eacute de que se trata de construccedilotildees puramente mentais criadas de elementos mais simples que passam a ser parte de uma teoria
60
311 Nomes e verbos
Tal como as categorias lexicais as categorias gramaticais tambeacutem se estruturam
em termos de protoacutetipos ou seja a partir de exemplares tiacutepicos ou mais representativos
dessas unidades A noccedilatildeo de protoacutetipos no entanto gera certa polecircmica uma vez que
natildeo haacute propriamente uma categoria que seja preenchida por elementos absolutamente
idecircnticos A prototipicidade eacute depreendida entatildeo pelas similaridades e natildeo
necessariamente por caracteriacutesticas comuns entre os membros de uma mesma categoria
Duas propriedades centrais definidoras de um protoacutetipo foram identificadas por
Geeraerts (cf sobretudo GEERAERTS 1989 e GEERAERTS GRONDELAERS amp BAKEMA
1994 apud SOARES DA SILVA54 sd) natildeo-igualdade que demonstra os graus de
saliecircncia dos membros de uma mesma categoria e a natildeo-discriccedilatildeo indicativa da
dificuldade de demarcaccedilatildeo de limites e a flexibilidade dos membros e da proacutepria
categoria
As respectivas caracteriacutesticas ou efeitos de prototipicidade
identificadas nos vaacuterios estudos psicoloacutegicos e linguiacutesticos dos protoacutetipos
mas natildeo sistematizadas entende-as Geeraerts como manifestaccedilotildees de duas
propriedades fundamentais da categorizaccedilatildeo a natildeo-igualdade entre os
elementos de uma categoria isto eacute os seus diferentes graus de saliecircncia e a
estrutura interna da categoria sob a forma de um centro e uma periferia e a
natildeo-discriccedilatildeo ou seja a flexibilidade desses elementos e dessa categoria e as
dificuldades de demarcaccedilatildeo daiacute resultantes A natildeo-igualdade manifesta-se
extensionalmente nos diferentes graus de representatividade entre os
membros de uma categoria e intensionalmente no agrupamento de
significados (diferentes ou subconjuntos de um mesmo significado) por (e
sob a forma de) parecenccedilas-de-famiacutelia (do tipo AB BC CD DE) e em
consequentes sobreposiccedilotildees ou imbricaccedilotildees (overlap overlapping) E a
natildeo-discriccedilatildeo tem tambeacutem dois efeitos extensionalmente as flutuaccedilotildees nas
margens de uma categoria sinal de ausecircncia de limites precisos e
intensionalmente a impossibilidade de definiccedilotildees em termos de condiccedilotildees
necessaacuterias e suficientes
Langacker considera a existecircncia de duas classes gramaticais universais nome e
verbo Nomes denotam esquematicamente uma lsquocoisarsquo e prototipicamente um objeto
fiacutesico verbos por sua vez denotam em termos esquemaacuteticos um processo e em
54 Professor da Universidade Catoacutelica Portuguesa
61
termos de protoacutetipos uma interaccedilatildeo energeacutetica ou transferecircncia de energia entre corpos
fiacutesicos que conduz a uma mudanccedila Esses modelos natildeo esgotam todas as possibilidades
de representaccedilatildeo conceitual mas satildeo paracircmetros de categorizaccedilatildeo todo nome ou verbo
que natildeo se encaixar nesses modelos seraacute interpretado como desvio do modelo
prototiacutepico
Tais categorias satildeo descritas por meio de arqueacutetipos elementares e pressupotildeem a
existecircncia de certas habilidades cognitivas baacutesicas a saber agrupar e reificar (para
nomes) perceber relaccedilotildees e seguir (tracking) relaccedilotildees (para verbos) Para nomes
Langacker (2008 104) destaca os seguintes arqueacutetipos
I um objeto fiacutesico eacute composto de substacircncia material
II pensamos num objeto como ocupando originalmente um espaccedilo no qual
III limitado por fronteiras e tem sua proacutepria localizaccedilatildeo
IV por outro lado um objeto pode persistir no espaccedilo indefinidamente e natildeo ocupa
nenhuma localizaccedilatildeo particular
V um objeto eacute conceitualmente autocircnomo no sentido de que podemos
conceitualizaacute-lo independentemente dos participantes de qualquer evento
E para verbos o autor destaca
I uma interaccedilatildeo energeacutetica natildeo eacute por si soacute material ao contraacuterio consiste de
mudanccedila e transferecircncia de energia
II um evento reside originariamente no tempo eacute circundado temporalmente e tem
sua proacutepria localizaccedilatildeo temporal
III por contraste a localizaccedilatildeo de um evento no espaccedilo eacute mais difusa e derivada
uma vez que depende da localizaccedilatildeo de seus participantes
IV um evento eacute conceitualmente dependente natildeo pode ser conceitualizado sem
conceitualizar os participantes que nele interagem e o constituem
Por ser a linguagem apenas uma parte da cogniccedilatildeo humana sua organizaccedilatildeo
resulta de um conjunto de fenocircmenos cognitivos independentes que se manifestam
tambeacutem em outras capacidades humanas mas que satildeo determinantes na expressatildeo
linguiacutestica Alguns desses fenocircmenos satildeo associaccedilatildeo automatizaccedilatildeo esquematizaccedilatildeo e
categorizaccedilatildeo atuantes na composiccedilatildeo simboacutelica do leacutexico bem como na organizaccedilatildeo
das estruturas complexas da gramaacutetica De maneira geral as associaccedilotildees satildeo realizadas
62
por meio do estabelecimento de conexotildees psicoloacutegicas que tecircm o potencial de
influenciar processamentos subsequentes (cf LANGACKER 2008 16)
Consoante Langacker construccedilotildees gramaticais satildeo conceitualizadas em termos
de dois modelos cognitivos representativos do modo fundamental pelo qual enxergamos
o mundo os quais o autor nomeou de ldquomodelo da bola de bilharrdquo e ldquomodelo do palcordquo
Pensamos em nosso mundo como sendo povoado por objetos fiacutesicos
discretos Esses objetos satildeo capazes de se mover pelo espaccedilo e fazer contato
entre si O movimento eacute guiado por energia que alguns objetos tiram de
dentro de si e outros recebem de fora Quando o movimento resulta contato
fiacutesico forte a energia eacute transmitida do movedor ao objeto impactado que
pode assim ser colocado em movimento para participar de outras interaccedilotildees55
(LANGACKER 2008 103)
No ldquomodelo da bola de bilharrdquo descrito acima o sujeito eacute o termo que encabeccedila
a cadeia de accedilatildeo e daacute iniacutecio agrave transmissatildeo de energia prototipicamente eacute um agente o
objeto direto eacute a cauda da cadeia de accedilatildeo e o elemento que fecha o fluxo de energia
prototipicamente eacute um paciente ou um objeto que assimila a energia transmitida
Qualquer outro elemento que componha a construccedilatildeo sintaacutetica nesse modelo natildeo teraacute
proeminecircncia sobre esses dois termos o sujeito eacute o primeiro elemento mais
proeminente e o objeto o segundo mais proeminente Nesse modelo conceitualiza-se
um conteuacutedo verbal que designe interaccedilatildeo energeacutetica e possa ser representado por uma
accedilatildeo em cadeia em que um objeto impotildee uma forccedila a um outro objeto resultando numa
transferecircncia de energia por sua vez esse segundo objeto pode impor sua forccedila a um
terceiro objeto que tambeacutem poderaacute fazecirc-lo sobre um quarto objeto e assim
sucessivamente Os elementos centrais que compotildeem esse modelo satildeo espaccedilo tempo
substacircncia material e energia e satildeo concebidos como constituintes de um mundo em que
os objetos se movem no espaccedilo fazem contato com outros e interagem de forma ativa
Esse modelo pressupotildee entre seus participantes um que esteja na cabeccedila do movimento
e outro que esteja na ponta do movimento (cf LANGACKER 2008)
Haacute tambeacutem outras estruturas transitivas que tambeacutem representam um fluxo de
energia e satildeo representadas conceitualmente de outras maneiras
55 ldquoWe think of our world as being populated by discrete physical objects These objects are capable of moving about through space and making contact with one another Motion is driven by energy which some objects draw from internal resources and others receive from the exterior When motion results in forceful physical contact energy is transmitted from the mover to the impacted object which may thereby be set in motion to participate in further interactionsrdquo
63
[] se a oraccedilatildeo transitiva apresenta a energia necessaacuteria para a cadeia
de acccedilatildeo vinda de uma origem externa e constroacutei o iniciador do fluxo de
energia como sujeito e o ponto final desse fluxo como objecto na oraccedilatildeo
intransitiva fonte e alvo de energia convergem num uacutenico participante mdash o
sujeito E uma terceira alternativa consiste em conceber o evento
autonomamente isto eacute sem qualquer referecircncia agrave energia que o produziu eacute o
que Langacker designa por absolute construal como por exemplo nos
chamados verbos inacusativos ou ergativos (isto eacute verbos cujo sujeito eacute
um objecto directo subjacente O Joatildeo chegoucaiu) (cf SOARES DA
SILVA httpwwwfacfilucpptlingcognithtm)
O segundo modelo baacutesico pertence ao das experiecircncias perceptivas e eacute chamado
modelo do palco (stage model) idealiza ldquoum aspecto fundamental de nossa experiecircncia
momento-a-momento a observaccedilatildeo de eventos externos cada um abrangendo a
interaccedilatildeo dos participantes no cenaacuteriordquo56 (LANGACKER 2003 284) Pressupotildee-se nesse
modelo a projeccedilatildeo visual de um observador de uma cena cujos participantes se movem
em um determinado espaccedilo comparado nesse modelo a um palco de teatro (setting)
No ldquomodelo do palcordquo a cena eacute vista como um cenaacuterio em que atuam os
participantes de uma cadeia de accedilotildees de onde se estabelece a distinccedilatildeo
cenaacuterioparticipante na qual o cenaacuterio pode ser expresso linguisticamente por
expressotildees adverbiais de lugar e tempo e o(s) participante(s) por complementos
nominais ligados ao verbo Nessa composiccedilatildeo os participantes atuam como elementos
centrais e o cenaacuterio como elemento perifeacuterico no entanto nem os elementos que
representam os participantes nem os que representam o cenaacuterio satildeo imutaacuteveis uma vez
que sua posiccedilatildeo na construccedilatildeo gramatical vai depender do recorte dado pelo falante a
uma determinada cena Dessa forma um adveacuterbio de lugar pode por vezes atuar como
participante e por sua vez um nominal pode tambeacutem natildeo atuar como participante
Talmy (2003 21) define liacutengua como a composiccedilatildeo de dois subsistemas lexical
e gramatical com funccedilotildees semacircnticas distintas poreacutem indispensaacuteveis e
complementares que por meio de sentenccedilas evocam no interlocutor uma experiecircncia
complexa particular denominada por ele ldquorepresentaccedilatildeo cognitivardquo Para esse autor os
dois subsistemas tecircm a funccedilatildeo de expressar diferentes partes dessa experiecircncia O leacutexico
56 ldquo(hellip) a fundamental aspect of our moment-to-moment experience the observation of external events each comprising the interactions of participants within a settingrdquo
64
contribui com seus elementos para expressar o conteuacutedo dessa representaccedilatildeo enquanto
a gramaacutetica determinaraacute a maioria de sua estrutura
Em Talmy tambeacutem estaacute a noccedilatildeo de que as experiecircncias humanas satildeo traduzidas
linguisticamente por meio do estabelecimento de uma relaccedilatildeo entre elementos focais ou
mais proeminentes e menos focais ou menos proeminentes segundo a elaboraccedilatildeo do
falante Essa seleccedilatildeo eacute determinada pelo mecanismo da atenccedilatildeo a partir do qual
direcionamos nossa concentraccedilatildeo mental de forma mais acentuada para algumas partes
de um evento e deixamos outras em segundo plano na elaboraccedilatildeo do significado
As duas maiores categorias gramaticais nomes e verbos diferem entre si no que
concerne agrave sua caracterizaccedilatildeo conceitual Se por um lado nomes tecircm como protoacutetipo
uma substacircncia material delimitada em termos espaciais verbos se caracterizam
prototipicamente pela interaccedilatildeo entre os participantes do evento que representam que se
desenvolve num intervalo de tempo Apesar de suas qualidades antagocircnicas entre eles
haacute muito em comum como se pode observar em estruturas que tecircm um verbo ou um
nome como elemento central como oraccedilotildees finitas e nominais que respectivamente
possuem traccedilos semelhantes Contudo natildeo adentraremos nesse tema por natildeo ser
relevante para nossa pesquisa
312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
Estruturas simboacutelicas base da gramaacutetica de qualquer liacutengua satildeo constituiacutedas por
uma estrutura semacircntica e outra fonoloacutegica O polo semacircntico eacute designado pelo
significado das expressotildees e o polo fonoloacutegico caracteriza-se por sons gestos e sinais
ortograacuteficos O grau de complexidade dessas estruturas simboacutelicas eacute variaacutevel e depende
do seu niacutevel de organizaccedilatildeo o que leva agrave concepccedilatildeo de que natildeo haacute limites claros entre
leacutexico e gramaacutetica
Processos cognitivos identificados na formaccedilatildeo de estruturas linguiacutesticas satildeo
claramente identificados tambeacutem em outras habilidades humanas Na formaccedilatildeo do
leacutexico alguns mecanismos independentes da capacidade linguiacutestica satildeo ativados e
podem ser observados em sua organizaccedilatildeo Langacker (2008) enumera quatro
mecanismos apontando como mais baacutesico a associaccedilatildeo que consiste no
estabelecimento de associaccedilotildees psicoloacutegicas que tenham potencial de influenciar
processos subsequentes O autor cita como exemplo a associaccedilatildeo entre estrutura
semacircntica e fonoloacutegica que define uma estrutura simboacutelica
65
Outro mecanismo envolvido eacute a automatizaccedilatildeo observada no momento em que
uma estrutura simboacutelica passa a ser empregada naturalmente pelos membros de uma
comunidade linguiacutestica ateacute se estabelecer como uma unidade ldquoItens lexicais satildeo
expressotildees que alcanccedilaram o status de unidade para membros representativos de uma
comunidade de falardquo57 (LANGACKER 2008 17) Como exemplo o autor cita do inglecircs o
lexema dollarless analisaacutevel como uma unidade e passiacutevel de ser decomposto em duas
partes menores mas que por sua vez tambeacutem atingiram o status de unidade a saber
dollar e less Eacute possiacutevel aqui traccedilar um paralelo com o portuguecircs e tomar como exemplo
palavras que constituem uma unidade fonoloacutegica tais como expressotildees com verbo
auxiliar+principal em que os dois se amalgamam ldquopoacute+dizecircrdquo (pode dizer) ldquotaacute+falandordquo
(estaacute falando) entre outros
Tambeacutem auxilia na elaboraccedilatildeo conceitual a esquematizaccedilatildeo entendida como o
processo pelo qual se consegue extrair o que eacute inerente a uma seacuterie de experiecircncias para
que seja representado por meio de um esquema conceitual altamente abstrato Uma
expressatildeo pode ser altamente esquemaacutetica ou especiacutefica em decorrecircncia do grau de
complexidade simboacutelica que ela manifesta e da precisatildeo com que detalha suas
caracteriacutesticas Por exemplo na sequecircncia caneta de prataminuscaneta a primeira expressatildeo
eacute mais especiacutefica e mais elaborada que a segunda pois oferece um maior grau de
detalhamento sobre suas caracteriacutesticas inerentes
A categorizaccedilatildeo eacute descrita por Langacker (2008) como a interpretaccedilatildeo de
experiecircncias a partir de estruturas previamente existentes ldquoUma categoria eacute um
conjunto de elementos considerados equivalentes para alguns propoacutesitosrdquo58
(LANGACKER 2008 17) Categorizar equivale a identificar traccedilos comuns e essenciais
de diversos elementos para que possam ser inseridos em um mesmo grupo ou categoria
o que faz com que estes natildeo possam ser subcategorizados e assim tenham tambeacutem
traccedilos particulares que natildeo sejam compartilhados pelos outros membros da categoria a
que pertencem Essa perspectiva de que as categorias linguiacutesticas e cognitivas satildeo
formadas por traccedilos e natildeo formam categorias discretas eacute tambeacutem a da teoria dos
protoacutetipos que tem como maiores expoentes Givoacuten (1986) Lakoff (1982) e Taylor
(1995) Como jaacute foi observado a teoria dos protoacutetipos entende que as categorias natildeo
satildeo definidas em termos de uma propriedade ldquomas satildeo formadas nas intersecccedilotildees de um
57 ldquoLexical items are expressions that have achieved the status of units for representative members of a speech communityrdquo 58 ldquoA category is a set of elements judged equivalent for some purposerdquo
66
nuacutemero de traccedilos ou propriedades tiacutepicas que tendem a coincidir estatiacutestica e
probabilisticamente Os elementos de um dado conjunto satildeo os mais tiacutepicos ndash os
protoacutetiposrdquo (KEWITZ 2007 83)
Os mecanismos cognitivos mencionados em todos os processos linguiacutesticos seja
na formaccedilatildeo do leacutexico seja na composiccedilatildeo de estruturas mais complexas ou simples e
dos constructos empregados para representar conceitualmente as noccedilotildees gramaticais
Dessa forma a gramaacutetica eacute outrossim descrita por meio de construccedilotildees simboacutelicas e
conceituais que compotildeem categorias natildeo discretas e formam conforme o que foi dito
no paraacutegrafo anterior um continuum com os itens lexicais A partir dessa perspectiva
consequentemente entendemos que todas as formas gramaticais tecircm significado e
devem ser entendidas natildeo como um moacutedulo autocircnomo e completo mas como uma
representaccedilatildeo formal de conceitos abstratos especificados pelos itens lexicais
De qualquer maneira a significatividade da gramaacutetica apenas torna-
se aparente com um olhar apropriado sobre a semacircntica linguiacutestica Primeiro
deve ser uma semacircntica conceptualista (TALMY 2000a 2005b) Aleacutem disso
deve acomodar totalmente nossa manifesta e multifacetada habilidade de
construir a mesma situaccedilatildeo de diferentes maneiras O significado de uma
expressatildeo natildeo diz respeito apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas
depende igualmente do construal que ela impotildee a esse conteuacutedo59
(LANGACKER 1993a)
E ainda
Uma dimensatildeo do construal eacute o grau de especificidade (ou de modo
inverso esquematicidade) escolhido para caracterizar uma dada entidade
eg a decisatildeo de descrever uma certa criatura como um animal um cachorro
ou um beagle Inuacutemeros aspectos do construal pertencem agrave perspectiva
tomada em uma cena60 (LANGACKER 2003 2)
Nessa concepccedilatildeo realizar uma descriccedilatildeo de uma liacutengua natildeo eacute apenas descrever a
sua forma mas descrever explicitamente as estruturas conceituais envolvidas na
59 ldquoHowever the meaningfulness of grammar only becomes apparent with an appropriate view of linguistic semantics First it has to be a conceptualist semantics (TALMY 2000a 2000b) Moreover it has to fully accommodate our manifest and multifaceted ability to construe the same situation in many different ways An expressionrsquos meaning is not just a matter of the conceptual content it evokes but is equally dependent on the construal it imposes on that contentrdquo 60 ldquoOne dimension of construal is the degree of specificity (or conversely schematicity) chosen for the characterization of a given entity eg the decision to describe a certain creature as an animal a dog or a beagle Numerous aspects of construal pertain to the perspective taken on a scenerdquo
67
situaccedilatildeo comunicativa e que estatildeo por traacutes das expressotildees gramaticais que por sua vez
refletem entre outras coisas a apreensatildeo dos interlocutores sobre si mesmos sobre o
outro sobre sua interaccedilatildeo na fala sobre o contexto e ateacute sobre o desenvolvimento do
proacuteprio discurso
Pode-se dizer que a GC pretende ser um modelo universal que decirc conta das
diversas liacutenguas naturais e que consiga a) apresentar uma caracterizaccedilatildeo expliacutecita de
um conjunto de estruturas linguiacutesticas obtidas a partir de pesquisas empiacutericas b)
identificar quais satildeo as estruturas prototiacutepicas e c) adotar uma abordagem funcional que
decirc conta de explicar as estruturas depreendidas empiricamente incluindo as
classificadas como prototiacutepicas (cf LANGACKER 2007 453-454)
313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
Os modelos de constructos que a GC se propotildee a delimitar devem refletir tais
relaccedilotildees e se compor de modo a demonstrar esquematicamente os niacuteveis em que se
estrutura a construccedilatildeo de um enunciado e consequentemente a elaboraccedilatildeo de seu
significado Essa elaboraccedilatildeo se daacute em termos formais a partir de relaccedilotildees gramaticais
de autonomia e dependecircncia que por sua vez satildeo obtidas a partir da correspondecircncia
entre os seus elementos conceituais
As duas categorias principais na gramaacutetica nome e verbo satildeo determinadas natildeo
apenas a partir de seu conteuacutedo conceitual mas tambeacutem do profile ou o perfil delineado
da situaccedilatildeo que estabelecem Langacker exemplifica essa distinccedilatildeo dando como
exemplos os lexemas do inglecircs admirer e admire que tecircm o mesmo conteuacutedo de base
mas impotildeem profiles diferentes O primeiro categorizado como nome caracteriza uma
condiccedilatildeo de um ser humano e o segundo categorizado como verbo caracteriza um
processo A noccedilatildeo de ldquocondiccedilatildeordquo pode ser relacionada agrave noccedilatildeo de agrupamento e
reificaccedilatildeo e natildeo envolve noccedilotildees temporais de desenvolvimento ou aprofundamento
Contrariamente na categoria verbo em geral haacute a noccedilatildeo de movimento de algo que se
desenvolve por um periacuteodo de tempo de alto grau de temporalidade e de transmissatildeo de
energia Dessa forma termos com um mesmo conteuacutedo de base podem pertencer a
categorias gramaticais distintas e assim evocar diferentes profiles indicando entatildeo a
impossibilidade de se depreender o significado de um termo de forma objetiva
Na perspectiva da GC o significado de uma forma gramatical estaacute relacionado
natildeo apenas ao conteuacutedo conceitual que ela evoca mas tambeacutem ao seu construal noccedilatildeo
68
bastante difundida e relevante na literatura da Linguiacutestica Cognitiva entendida como
um fenocircmeno multifacetado cujas vaacuterias dimensotildees refletem algumas habilidades
cognitivas baacutesicas tais como especificidade perspectiva proeminecircncia e background
memoacuteria atenccedilatildeo planejamento julgamento esteacutetico entre outras (cf LANGACKER
1997) Aleacutem dessas habilidades cognitivas estatildeo envolvidas num ato de produccedilatildeo
linguiacutestica capacidades imaginativas reveladoras do potencial criativo humano Tais
capacidades satildeo expressas por meio de processos metafoacutericos blending espaccedilos
mentais evocaccedilatildeo de entidades fictiacutecias entre outros
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena como vimos eacute permeada por processos
cognitivos imageacuteticos por natureza que determinaratildeo a sua organizaccedilatildeo Nossa
percepccedilatildeo principalmente a visatildeo dividiraacute a cena representada em partes constituiacutedas
por pano de fundo e primeiro plano Nessa divisatildeo os elementos constitutivos do
primeiro plano ficaratildeo em proeminecircncia em relaccedilatildeo ao pano de fundo determinando o
que estaacute sendo focalizado na cena o que natildeo estaacute o que eacute mais relevante para sua
compreensatildeo o que eacute menos relevante etc
Langacker (2003) destaca que para a gramaacutetica eacute crucial o grau de proeminecircncia
conferido aos participantes de um evento ou de uma cena expresso por meio de dois
elementos denominados trajetor (elemento mais saliente) e marco (elemento menos
saliente) A conceitualizaccedilatildeo que envolve a relaccedilatildeo entre esses elementos projetada em
um construal eacute denominada profile e eacute fundamental para a escolha das formas
gramaticais que representaram linguisticamente o evento Por meio de esquemas
figurativos eacute possiacutevel depreender essa relaccedilatildeo abstrata
Podemos aqui traccedilar um paralelo com Talmy (2003a) sobre a noccedilatildeo de figura e
fundo (figureground) primordiais para o entendimento de como a liacutengua estrutura o
espaccedilo Vejamos as definiccedilotildees do autor (TALMY 2003a 184 apud KEWITZ 2007 87)
Uma figura eacute uma entidade em movimento ou conceitualmente
moviacutevel cujo lugar caminho ou orientaccedilatildeo satildeo concebidos como o valor
particular variaacutevel no qual estaacute a questatildeo relevante61
61 ldquoThe figure is a moving or conceptually movable entity whose site path or orientation is conceived as variable the particular value of which is the relevant issuerdquo
69
O fundo eacute uma entidade de referecircncia com uma posiccedilatildeo imutaacutevel
relativa ao enquadramento de referecircncia com respeito ao lugar caminho ou
orientaccedilatildeo caracterizados pela figura62
Vejamos a seguir um esquema conceitual demonstrativo da relaccedilatildeo entre as
noccedilotildees de marido e esposa
(LANGACKER 2003 252)
A figura (a) a base masculinofeminino As figuras (b) e (c) adotam essa mesma
base e estabelecem em relaccedilatildeo a ela a representaccedilatildeo conceitual dos papeacuteis de marido e
esposa numa situaccedilatildeo de matrimocircnio No papel de marido eacute atribuiacuteda proeminecircncia ao
poacutelo masculino da base e no papel de esposa a proeminecircncia eacute dada ao poacutelo feminino
A representaccedilatildeo (b) que conceitualiza o nome marido potildee em evidecircncia o
elemento masculino da relaccedilatildeo composto de um conjunto de traccedilos prototiacutepicos tais
como ldquoser humanordquo ldquomasculinordquo ldquoparte masculina de uma relaccedilatildeo de matrimocircnio entre
homemmulherrdquo entre outros Analogamente na representaccedilatildeo (c) que conceitualiza o
nome esposa a proeminecircncia foi dada ao elemento feminino formado por um conjunto
de traccedilos prototiacutepicos como ldquoser humanordquo ldquofemininordquo ldquoparte feminina de uma relaccedilatildeo
de matrimocircnio entre homemmulherrdquo entre outros
A construccedilatildeo de um conteuacutedo reflete a habilidade que os seres humanos tecircm de
retratar uma mesma situaccedilatildeo de diversas maneiras e diz respeito ao grau de minuacutecia
desejado por quem elabora a construccedilatildeo bem como ao conhecimento que o interlocutor
tem da cena e tudo que ela envolve Relacionada a essa habilidade estaacute tambeacutem a
possibilidade de focalizar um ou outro elemento que consideremos relevante o que
demonstra a maneira como elaboramos a estrutura informacional de uma determinada
proposiccedilatildeo63 Por meio das construccedilotildees linguiacutesticas somos capazes de acessar porccedilotildees
particulares de nosso sistema conceitual e dessa forma selecionamos determinados
62 ldquoThe ground is a reference entity one that has a stationary setting relative to a reference frame with respect to which the Figurersquos site path or orientation is characterizedrdquo 63 Sobre isso ver tambeacutem Talmy (2000a) no capiacutetulo ldquoWindowing of attentionrdquo
70
conteuacutedos e os organizamos de modo a colocaacute-los numa relaccedilatildeo de primeiro e segundo
planos
Em relaccedilatildeo agrave especificidade os falantes podem optar por caracterizar uma
determinada cena com mais ou menos detalhamento Quanto mais detalhamento tiver
essa escolha ou seja quanto mais especiacutefica ela for maior seraacute o grau de precisatildeo com
o qual a cena eacute representada
Em termos gerais segundo Langacker eacute possiacutevel pensar que toda situaccedilatildeo em
que uma concepccedilatildeo precede ou fornece condiccedilotildees para que outra se sobressaia seja
representativa da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos Por conseguinte num sentido
amplo dizemos que todo enunciado linguiacutestico pressupotildee algum tipo de conhecimento
preacutevio ou de fundo para que seja compreendido Uma das manifestaccedilotildees discursivas
dessa relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos eacute o que o autor denomina CDS (current
discourse space) entendido como o espaccedilo mental no qual se encerram todas as
informaccedilotildees que satildeo pressupostamente compartilhadas pelo falante e seu interlocutor
formando a base do discurso produzido
No que se refere agrave capacidade de focalizar porccedilotildees de conteuacutedo conceitual para
elaborar enunciados linguiacutesticos estaacute incluiacuteda a propriedade de escopo ou a incidecircncia
que uma construccedilatildeo tem no domiacutenio conceitual acessado O escopo ancora-se em nossa
capacidade cognitiva de apreender mentalmente um limitado conteuacutedo por vez Dessa
forma direcionamos nossa atenccedilatildeo para a porccedilatildeo relevante agrave expressatildeo da informaccedilatildeo
numa determinada estrutura linguiacutestica No entanto esse direcionamento natildeo se mostra
absolutamente objetivo e engloba noccedilotildees da relaccedilatildeo de primeiro e segundo planos O
escopo de expressotildees linguiacutesticas compreende um grau maacuteximo de abrangecircncia ou
escopo maacuteximo e o grau diretamente relevante para o significado pretendido ou escopo
imediato Para exemplificar tomemos o termo BOCA Seu escopo maacuteximo eacute CORPO e
o escopo imediato eacute CABECcedilA Essa seleccedilatildeo evidencia uma dimensatildeo hieraacuterquica e a
propriedade de o escopo maacuteximo cingir o termo focalizado como escopo imediato
Verbos tambeacutem possuem a propriedade de focalizar um conteuacutedo conceitual em
sua maacutexima e miacutenima dimensatildeo Se observarmos um verbo processual por exemplo
em seu caraacuteter infinitivo teremos apenas a dimensatildeo de maacuteximo escopo uma vez que
nenhuma parte especiacutefica de seu conteuacutedo estaraacute focalizada Se por sua vez
examinarmos um verbo em uma estrutura indicativa de accedilatildeo em desenvolvimento
cantando por exemplo teremos o escopo maacuteximo englobando o escopo miacutenimo ou
71
seja a porccedilatildeo focalizada na construccedilatildeo V+ndo estaacute contida no limite dimensionado pelo
escopo maacuteximo
Uma cena pode ser apresentada a partir da perspectiva do falante ou do(s) seu(s)
interlocutor(es) e reflete a projeccedilatildeo do olhar do falante sobre algo Como exemplo
temos ldquoO menino estaacute indo para a casa de sua irmatilde O menino estaacute voltando da casa de
sua irmatilderdquo Nessas construccedilotildees o ponto de vista do falante determina as formas
gramaticais empregadas suas relaccedilotildees de profile a especificaccedilatildeo de qual termo eacute o
trajetor e qual eacute o marco entre outras noccedilotildees
314 O determinante do profile
A construccedilatildeo conceitual de uma cena estaacute submetida ao profile que cada um de
seus elementos constitutivos estabelece entre si Esses elementos se organizam de modo
a relacionar suas subestruturas esquemaacuteticas agrave projeccedilatildeo de outras estruturas
esquemaacuteticas e assim sucessivamente ateacute que a cena toda seja conceitualizada Dessa
forma em geral haacute um elemento que determina o profile ao qual estaratildeo submetidos os
profiles dos outros elementos Por definiccedilatildeo o determinante do profile corresponde ao
profile da estrutura constitutiva correspondente ao profile da construccedilatildeo Assim um
termo constituinte seraacute considerado determinante se a relaccedilatildeo traccedilada por ele for a
mesma relaccedilatildeo traccedilada pela construccedilatildeo A expressatildeo ldquoescova de denterdquo por exemplo
designa um tipo de escova e natildeo um tipo de dente Assim o determinante eacute o nome
ldquoescovardquo que corresponde ao profile designado pela expressatildeo
O termo ao qual se atribui a classificaccedilatildeo de determinante do profile da
construccedilatildeo eacute denominado HEAD (nuacutecleo) e equivale agrave mesma categoria gramatical agrave
qual pertence a proacutepria construccedilatildeo Essa equivalecircncia leva a um dos preceitos baacutesicos da
GC a saber de que a categoria gramatical de uma expressatildeo eacute determinada pela
natureza de seu profile Contudo nem toda construccedilatildeo eacute formada de modo a ter um de
seus termos constituintes como determinante Nesse grupo de construccedilotildees que natildeo
correspondem ao protoacutetipo de ter um determinante do profile haacute trecircs tipos de
classificaccedilatildeo correspondentes fundidos e ldquoexocentricityrdquo No primeiro caso as
estruturas constituintes de uma construccedilatildeo tecircm profiles correspondentes e
consequentemente ambos equivalem ao profile da construccedilatildeo Nesses casos natildeo haacute
apenas um termo com o profile semelhante ao da construccedilatildeo mas ambos os termos
72
Haacute construccedilotildees em que o profile da estrutura combinada natildeo corresponde ao de
nenhum dos termos que a compotildeem mas sim agrave composiccedilatildeo associada de ambos Esse
equiliacutebrio deve-se ao fato de que cada um dos profiles componentes conceitualiza uma
parte da estrutura componiacutevel e apenas coletivamente eles funcionam como um todo
Langacker (2008) considera que nenhum dos profiles componentes possa ser
classificado como determinante Como exemplo cita um enunciado como ldquoMinha
cacircmera estaacute no andar de cima no quarto no closet na gavetardquo64 e para simplificar
analisa apenas a parte referente a ldquoin the closet on the shelfrdquo Nesse trecho no closet
tem como profile uma relaccedilatildeo espacial de inclusatildeo e na gaveta uma relaccedilatildeo em que o
trajetor faz contato com a superfiacutecie superior de uma prateleira Ambos tecircm como
trajetor minha cacircmera e estabelecem em relaccedilatildeo a ele diferentes marcos o interior do
closet e a superfiacutecie da prateleira Consequentemente o enunciado completo determina
um alinhamento complexo entre o trajetor e os diversos marcos designados por cada um
de seus termos constituintes Nenhum desses termos portanto designa o profile
correspondente de forma absoluta ao profile da construccedilatildeo mas ao contraacuterio cada um
deles eacute responsaacutevel por uma parte do profile observado na estrutura componencial
Outro tipo de situaccedilatildeo eacute aquela em que o determinante do profile natildeo pode ser
identificado porque nenhuma das estruturas componentes tem profile correspondente ao
da estrutura componencial Essa modalidade eacute chamada exocecircntrica uma vez que o
profile central eacute indicado por um referente externo Podemos citar o exemplo dado por
Langacker (2008) do termo pickpocket do inglecircs Essa estrutura eacute formada por um
verbo e um nome que perfilam respectivamente nessa construccedilatildeo especiacutefica o ato de
remover (to pick) algo de um lugar (pocket) No entanto pickpocket natildeo designa o
processo determinado pelo verbo que o compotildee tampouco designa um local mas sim
um agente a pessoa que ldquopegardquo bolsas carteiras Langacker (2008 197) afirma que
apesar de o profile desse tipo de construccedilatildeo natildeo corresponder ao de nenhum dos termos
constituintes ele eacute derivado de domiacutenios cognitivos (nesse caso a praacutetica de pegar
carteiras) natildeo evocados por nenhum dos constituintes isoladamente
Na medida em que as conceitualizaccedilotildees e relaccedilotildees entre profiles se tornam
usuais elas formam padrotildees gramaticais regulares Esses padrotildees satildeo para a GC
denominados esquemas construcionais
64 ldquoMy camera is upstairs in the bedroom in the closet on the shelfrdquo
73
Um conjunto simboacutelico esquemaacutetico representando algum tipo de
semelhanccedila eacute observaacutevel atraveacutes de expressotildees simbolicamente complexas
Esquemas construcionais servem como modelos para a construccedilatildeo e
avaliaccedilatildeo para novas expressotildees65 (LANGACKER 2003 257)
315 Autonomia e dependecircncia
Estruturas simboacutelicas se constituem de elementos interligados por relaccedilotildees de
correspondecircncia e categorizaccedilatildeo Em tais relaccedilotildees usualmente um dos termos possui
esquemas subestruturais que caracterizam um outro termo em detalhes mais refinados
Citamos como exemplo a expressatildeo ldquovestido amarelordquo em que amarelo especifica um
detalhe sobre o termo vestido ou a construccedilatildeo jar lid do inglecircs em que ldquolid evokes a
schematic container specified in finer detail by jarrdquo (Langacker 2008 198) A esse
termo esquemaacutetico elaborado por um outro termo componente denomina-se elaboration
site (e-site)
Vale observar que a correspondecircncia entre os termos pertence ao referente
conceitual enquanto a elaboraccedilatildeo eacute uma questatildeo de caracterizaccedilatildeo A noccedilatildeo de
correspondecircncia estaacute atrelada ao alinhamento estabelecido pelos termos caracterizados
como trajector e marco e a que entidade(s) eles se referem Por sua vez um termo
considerado como e-site traz agrave construccedilatildeo uma determinada informaccedilatildeo que refinaraacute a
caracterizaccedilatildeo de outro termo Em uma estrutura como ldquocantourdquo na qual haacute um radical
verbal (cant-) seguido de um sufixo (-ou) o componente que funciona como e-site eacute
-ou pois ele acrescenta ao radical cant- uma informaccedilatildeo que o modifica indicando que
o processo evidenciado em seu significado aconteceu no passado
O conceito de elaboraccedilatildeo eacute portanto fundamental para o entendimento da
organizaccedilatildeo linguiacutestica pois atesta que determinadas construccedilotildees satildeo formadas por
termos que em sua natureza se apoiam em outro para a composiccedilatildeo do significado fato
indicativo de que alguns termos satildeo mais autocircnomos e outros mais dependentes em
suas relaccedilotildees Morfemas sufixais de verbos no portuguecircs satildeo exemplos de itens de
dependecircncia forte numa construccedilatildeo linguiacutestica Podemos citar tambeacutem do baulecirc a
estrutura kkba nun lsquocesta dentrorsquo na qual a estrutura componencial nun lsquodentrorsquo eacute
65 ldquoSchematic symbolic assemblies representing whatever commonality is observable across a set of symbolically complex expressions Constructional schemas serve as templates for the construction and evaluation of novel expressionsrdquo
74
dependente em relaccedilatildeo agrave estrutura kkba lsquocestarsquo mais autocircnoma Desse modo o
componente nun lsquodentrorsquo especifica a localizaccedilatildeo de um determinado trajetor no
ambiente representado por kkba lsquocestarsquo estabelecendo o alinhamento conceitual de
autonomiadependecircncia desses elementos componentes
A concepccedilatildeo do alinhamento de autonomia e dependecircncia deve ser
compreendida sempre em contextos de construccedilotildees simboacutelicas e da relaccedilatildeo entre essas e
seus componentes Dessa forma nenhum constituinte da construccedilatildeo seraacute proeminente
sobre o outro o que define uma situaccedilatildeo de complementaridade entre eles e a proacutepria
construccedilatildeo que jaacute carrega significado e natildeo de proeminecircncia para um ou outro termo
isoladamente Entendidos sob essa perspectiva temos que esse alinhamento natildeo existe
de forma absoluta e sim numa situaccedilatildeo relacional
316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
Para a GC a maneira como se constituem os componentes de um enunciado natildeo
eacute fixa e imutaacutevel mas sim flexiacutevel adaptaacutevel e natildeo essencial agrave descriccedilatildeo sintaacutetica
Tradicionalmente para a sintaxe o mecanismo da organizaccedilatildeo de constituintes eacute
identificado por meio de agrupamentos simboacutelicos observados em estruturas
componiacuteveis que num determinado niacutevel da organizaccedilatildeo frasal passam a ser estruturas
componentes Essa propriedade no entanto natildeo eacute exclusiva da organizaccedilatildeo gramatical
mas facilmente identificada em outras aacutereas da cogniccedilatildeo humana tal como podemos
constatar na maneira como organizamos numa escala de agrupamento hieraacuterquico
representativo de contiguidade dos termos as partes do corpo humano
corpogtpernagtcoxagtpeacutegtdedosgtunha
A estruturaccedilatildeo por constituintes identificada na gramaacutetica representa para a GC
uma situaccedilatildeo especial em que um agrupamento semacircntico eacute expresso por um
agrupamento fonoloacutegico especiacutefico (cf Langacker 2008 207) Natildeo se trata portanto
de um tipo de estruturaccedilatildeo de constituintes desprovidos de conteuacutedo conceitual e que
iratildeo compor sempre o mesmo organismo sintaacutetico De forma antagocircnica a estruturaccedilatildeo
se daacute a partir desse conteuacutedo conceitual uma vez que a expressatildeo fonoloacutegica eacute apenas a
sua representaccedilatildeo material O caraacuteter de natildeo essencialidade adveacutem do fato de que a GC
considera a hierarquia de constituinte como emergente de outro fenocircmeno
75
(agrupamento) e como apenas mais uma configuraccedilatildeo passiacutevel de ser assumida por
instacircncias simboacutelicas
Formas sintaacuteticas natildeo derivam de uma estrutura profunda ao contraacuterio do que
estabelece a gramaacutetica gerativa uma vez que na GC natildeo se admitem operaccedilotildees
transformacionais que gerem estruturas sintaacuteticas Construccedilotildees com os mesmos
elementos componentes dispostos em ordens diferentes evidenciam caminhos
alternativos de representaccedilatildeo desses elementos que resultaratildeo no mesmo conteuacutedo
componencial Langacker nos oferece o seguinte exemplo (2008 212)
(a) The package [that I was expecting] arrived
(b) The package arrived [that I was expecting]
Enunciados como esses satildeo analisados pela GC como representantes do mesmo
conteuacutedo semacircntico e gramatical uma vez que a diferenccedila reside apenas no modo de
organizaccedilatildeo de seus termos constituintes A sentenccedila relativa pode ser compreendida do
exemplo (b) estabelece correspondecircncia com o trajetor (the package) o que permite que
ele seja compreendido como seu objeto apesar da ordem natildeo prototiacutepica dos
constituintes Essa capacidade de relacionar os termos componentes demonstra que a
sua constituiccedilatildeo hieraacuterquica natildeo pode ser considerada um fator essencial para a
significaccedilatildeo do enunciado completo o que leva a outro preceito basilar da GC formas
gramaticais podem ser compreendidas apenas na relaccedilatildeo com a organizaccedilatildeo conceitual
que expressam
317 Verbos complexos
Partiremos da premissa ampla de que verbos perfilam processos satildeo de alta
complexidade simboacutelica e nos permitem descrever eventos e situaccedilotildees diversas A
estrutura interna do verbo eacute tambeacutem responsaacutevel pela organizaccedilatildeo gramatical de uma
oraccedilatildeo uma vez que ele vai determinar os argumentos e pelos espaccedilos sintaacuteticos que
restam a ser preenchidos
De acordo com Langacker (2008) numa estrutura oracional o verbo contribui
no miacutenimo com a determinaccedilatildeo do construal e com o alinhamento trajetor-marco Em
liacutenguas em que o constituinte verbal agrega muitas informaccedilotildees morfoloacutegicas menos
76
resta a ser acrescido por meio de outros termos natildeo verbais Para ilustrar esse fato o
autor acrescenta por exemplo que verbos que incorporam a noccedilatildeo de marco natildeo
necessitam de um termo nominal separado para isso Eacute possiacutevel tambeacutem codificar junto
ao verbo noccedilotildees de nuacutemero e gecircnero e do alinhamento trajetor-marco indicativos do
tipo de frase (passiva ativa meacutedia etc)
A concepccedilatildeo do significado do verbo vem muitas vezes associada agrave ideia de uma
uacutenica palavra mesmo que a ela sejam acopladas diferentes marcas morfoloacutegicas
indicativas de valores diversos que poderiam ser expressos em um contexto distinto
por outro termo Haacute tambeacutem liacutenguas que expressam eventos e situaccedilotildees ou processos
por meio de muacuteltiplos verbos em geral dispostos em sequecircncia que satildeo designadores
de um uacutenico evento como eacute o caso das construccedilotildees seriais Esses itens lexicais natildeo
podem ser analisados como constituintes de uma oraccedilatildeo complexa na medida em que
representam apenas um evento ou subpartes dele e por conseguinte natildeo se caracterizam
como verbos de oraccedilotildees coordenadas ou subordinadas
O verbo DAR eacute comumente empregado em construccedilotildees seriais como verbo
funcional promovendo a ligaccedilatildeo entre o termo ao qual eacute atribuiacutedo o papel de marco e o
que recebe papel semacircntico de tema Elaborar o esquema conceitual de verbos
complexos eacute uma maneira de lidar com casos de sobreposiccedilatildeo conceitual em
construccedilotildees gramaticais Langacker (2003) executa uma anaacutelise do verbo GIVE (do
inglecircs) tomado inicialmente em seu valor prototiacutepico e estabelece um esquema que
demonstra as relaccedilotildees de seu profile
(LANGACKER 2003 270) Figura 2
GIVE eacute um verbo transitivo que pressupotildee prototipicamente um agente (A)
aplicando determinada forccedila sobre um tema (T) que se moveraacute num domiacutenio (D) de
77
um recipiente (R) A eacute classificado como trajetor pois eacute a figura proeminente na cena
enquanto R eacute marco por representar o elemento sobre o qual incide o movimento de A
Os domiacutenios envolvidos no profile desse verbo podem ser interpretados de acordo com
a construccedilatildeo gramatical em que esse verbo eacute empregado A forccedila empregada pode ser
de natureza fiacutesica ou abstrata e em relaccedilatildeo a ela o tema pode ser a proacutepria entidade
transferida quando a forccedila for apenas abstrata ou o proacuteprio agente quando a forccedila for
mesmo fiacutesica O domiacutenio do recipiente eacute delimitado pela sua esfera de acesso controle e
influecircncia As setas duplas indicam causaccedilatildeo e a seta simples indica o movimento do
tema em direccedilatildeo ao domiacutenio do recipiente A seta pontilhada indica o acesso do
recipiente ao tema (LANGACKER 2003 270)
Se considerarmos seu uso canocircnico o verbo GIVE admite um tema originaacuterio no
domiacutenio do agente e transferido para o recipiente poreacutem esse verbo frequentemente
admite outros profiles e eacute possiacutevel entatildeo uma construccedilatildeo em que o tema natildeo seja
transferido pelo agente mas sim induzido por ele (agente) ao domiacutenio do recipiente (no
caso em que DAR eacute verbo funcional) Langacker (2003) daacute como exemplo dados da
liacutengua thai em que o verbo GIVE eacute empregado como verbo pleno e serial Nesse caso
pode envolver tanto um recipiente quanto um beneficiaacuterio Vejamos (LANGACKER
2003 271)
No primeiro exemplo (a) GIVE envolve um tema (book) que eacute transferido pelo
agente (I) a um beneficiaacuterio (child) Neste caso o agente (A) eacute o trajetor e o
beneficiaacuterio(R) o marco O tema (book) eacute o elemento envolvido no processo de
transferecircncia evocado pelo verbo GIVE e entraraacute no domiacutenio do beneficiaacuterio (child)
Em termos esquemaacuteticos essa sentenccedila teria uma representaccedilatildeo semelhante agrave
demonstrada na figura 2 acima
No segundo exemplo (b) temos uma construccedilatildeo serial formada pelos verbos
son (enviar) e hai (darGIVE) Ambos indicam a transferecircncia de um objeto e
78
envolvem portanto transmissatildeo de energia haacute tambeacutem similitudes em suas
representaccedilotildees conceituais o que equivale a dizer que evocam profiles semelhantes
mas natildeo equivalentes acarretando na composiccedilatildeo da construccedilatildeo serial a partir de uma
sobreposiccedilatildeo de traccedilos conceituais Por essas ldquoafinidadesrdquo esses verbos satildeo aptos a
compor a seacuterie de modo a combinar e sobrepor seus traccedilos semacircnticos e tambeacutem sua
representaccedilatildeo conceitual Na seacuterie verbal do exemplo (b) o verbo son funciona como
verbo principal do evento e o verbo hai eacute verbo funcional introdutor do
beneficiaacuteriorecipiente podendo ser analisado portanto como elemento de valor
prepositivo Em outras palavras partindo da concepccedilatildeo de que construccedilotildees seriais
representam um uacutenico evento e no caso do exemplo do thai tem em son a
representaccedilatildeo central do evento o que daacute a esse verbo a escolha do trajetor (I) e do
marco o verbo hai atua na seacuterie verbal como introdutor e focalizador do recipiente
(marco) devido a sua composiccedilatildeo semacircntica e conceitual
Modelos conceituais foram concebidos a partir do princiacutepio de que somos seres
que armazenam experiecircncia nos movemos sentimos e manipulamos objetos fiacutesicos do
mundo real A maneira pela qual os integrantes desses modelos se relacionam eacute dada
por relaccedilotildees temaacuteticas traduzidas linguisticamente em papeacuteis temaacuteticos arquetiacutepicos
que constituem um dos elementos que nos permitem conceitualizar as cenas do mundo
em que vivemos Tais papeacuteis podem ser resumidos em agente paciente
experienciador motivador e instrumento Esses papeacuteis natildeo satildeo os uacutenicos a atuar nas
conceitualizaccedilotildees mas satildeo invocados como parte do significado das expressotildees
linguiacutesticas e estabelecem as relaccedilotildees entre os participantes da cena A proeminecircncia
dada a um ou outro participante vai depender do profile estabelecido no construal
elaborado de uma determinada cena
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
10) fa li tanni man ni kuajo
Ele pegar-perf tecido ele dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajo Ele pegou o tecido e deu a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni como se observa no exemplo (10) Nesse enunciado o sujeito (trajetor) eacute expresso
79
fonologicamente antes do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais
que apesar de terem formas diferentes carregam o mesmo valor aspectual O evento
descrito eacute representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por
transferecircncia de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos
fa (pegar) e man (dar)
O termo que se apresenta como (marco) beneficiaacuterio da accedilatildeo eacute Kuajo que eacute
tambeacutem um dos complementos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena
O outro complemento eacute o lexema TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo
e eacute introduzido pelo verbo PEGAR Por conseguinte podemos considerar que pelo fato
de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais relevante da cena descrita foi possiacutevel
numa das traduccedilotildees para o portuguecircs que se omitisse o verbo PEGAR - de acordo com
essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena No entanto essa opccedilatildeo acarreta a
perda de um valor discursivo representado no texto original em baulecirc pelo verbo
fa rsquopegarrsquo uma vez que aleacutem de ser um lexema introdutor do ldquotemardquo ele pode
imprimir um valor ilocucionaacuterio que pode ser depreendido de seus traccedilos semacircnticos
Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de que a combinaccedilatildeo dos traccedilos
semacircnticos dos lexemas constitutivos de uma construccedilatildeo serial pode resultar em valores
que satildeo compreendidos discursivamente pelo interlocutor Esse exemplo eacute em parte
semelhante ao exemplo da liacutengua thai em que o verbo de significado DAR em
construccedilotildees seriais passa a verbo funcional
Formas gramaticais e lexicais natildeo devem ser analisadas de modo a separaacute-las de
seu significado e sua composiccedilatildeo conceitual Formas lexicais e construccedilotildees gramaticais
possuem uma elaborada estrutura interna e o melhor caminho para a descriccedilatildeo dessas
formas e construccedilotildees eacute compreender em detalhes como se processa o funcionamento
dessa estrutura
318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
A literatura postula que em termos conceituais seacuteries verbais descrevem apenas
um evento e seus termos organizam-se por meio da combinaccedilatildeo de seus traccedilos
semacircnticos de forma a compor o evento Compreende-se entatildeo que os elementos
constitutivos de uma construccedilatildeo serial se configuram sintaticamente de maneira a
ldquotraduzirrdquo a organizaccedilatildeo conceitual da cena representada assim como ocorre com toda e
80
qualquer construccedilatildeo gramatical uma vez que formas gramaticais estatildeo diretamente
relacionadas agrave representaccedilatildeo conceitual e imageacutetica que elaboramos no momento que
antecede imediatamente a nossa produccedilatildeo linguiacutestica De acordo com a teoria da
Gramaacutetica Cognitiva a gramaacutetica natildeo eacute tida como uma parte central da liacutengua ou um
moacutedulo autocircnomo o que eacute central nas liacutenguas eacute a maneira como se estrutura a sua
significaccedilatildeo
O ordenamento dos verbos em uma construccedilatildeo serial obedece em alguns casos
a uma organizaccedilatildeo icocircnica e portanto natildeo aleatoacuteria O fato de descrever apenas um
evento natildeo exclui a possibilidade de que esse evento seja constituiacutedo conceitualmente
de outros eventos menores relacionados ou que a combinaccedilatildeo de pequenos eventos
culmine em um evento maior e principal
Construccedilotildees seriais devem relatar apenas eventos que sejam de
alguma maneira concebidos como particularmente mais comumente
associados a experiecircncias ou agravequeles eventos que culturalmente formam uma
concatenaccedilatildeo importante Esses eventos (chamados aqui de subeventos ndash
AA) satildeo concebidos como uma unidade de evento uacutenica66 (BRUCE 1988 28
in AIKHENVALD 2006)
A combinaccedilatildeo dos verbos em uma construccedilatildeo serial segue restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas e culturais uma vez que natildeo eacute possiacutevel combinar verbos com conteuacutedos
semacircnticos antagocircnicos ou fazer uma combinaccedilatildeo que natildeo seja aceita culturalmente
pela comunidade falante da liacutengua Acrescentamos ainda que construccedilotildees seriais no
que tange agrave sua forma apenas se assemelham a construccedilotildees coordenadas ou
subordinadas A diferenccedila principal que se estabelece entre estas e aquelas em uma
mesma liacutengua tambeacutem pode ser compreendida em termos de restriccedilotildees semacircntico-
pragmaacuteticas visto que natildeo eacute possiacutevel decompor a construccedilatildeo e organizaacute-la em
estruturas justapostas coordenadas ou subordinadas sem que isso acarrete mudanccedilas no
significado Consequentemente eacute necessaacuterio haver compatibilidade entre o significado
da construccedilatildeo e os itens lexicais que a preenchem
Se se entende que um item lexical eacute formado pela sobreposiccedilatildeo de traccedilos
semacircnticos e significativos pode-se compreender que a combinaccedilatildeo de itens lexicais
66 ldquoSerial verb constructions must relate only events which are somehow conceived as notably more commonly associated together in experience or those events which form a culturally important concatenation of events These events [called here ldquosubeventsrdquo mdash AA] are conceived of as a single unitary eventrdquo
81
deva ser realizada de modo a relacionar os traccedilos semacircnticos de cada um deles Dessa
forma sendo uma construccedilatildeo serial o resultado formal de uma maneira de
conceitualizar uma cena e em termos semacircntico-gramaticais a combinaccedilatildeo de itens
lexicais com o objetivo de representar um uacutenico evento depreendemos disso que ela
acontece apenas se for possiacutevel a inter-relaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos de cada verbo da
construccedilatildeo
Por outro lado eacute inadmissiacutevel conceber cada verbo de uma construccedilatildeo serial
como representativo de um evento em si pois isso resultaria numa justaposiccedilatildeo de
eventos Todavia pode haver casos em que o primeiro verbo da seacuterie desempenhe uma
funccedilatildeo gramatical ou discursiva e o segundo verbo carregue o conteuacutedo central do
evento em si Nesses casos tambeacutem natildeo eacute possiacutevel separaacute-los e classificar a construccedilatildeo
como constituiacuteda de oraccedilotildees justapostas ou subordinadas pois o papel gramatical ou
discursivo desempenhado pelo primeiro verbo compotildee a conceitualizaccedilatildeo da cena e
uma vez separados esses verbos resultaria numa outra representaccedilatildeo Assim
concluiacutemos que o significado em uma construccedilatildeo serial eacute construiacutedo a partir da relaccedilatildeo
de interdependecircncia estabelecida entre os verbos
Nas palavras de Lord (1974 196-7) em uma liacutengua serial como o
ioruba lsquotodos os verbos na construccedilatildeo se referem a subpartes ou aspectos de
um uacutenico e global eventorsquo E ainda num verbo serial lsquoa accedilatildeo ou o estado
denotados pelo segundo verbo da sentenccedila eacute em termos de mundo real fruto
de uma accedilatildeo denotada pela accedilatildeo do primeiro verbo da sentenccedila o segundo
verbo representa um estaacutegio posterior do desenvolvimento uma
consequecircncia o resultado objetivo ou o auge da accedilatildeo designada pelo
primeiro verbo67 (AIKHENVALD 2006)
Em termos gerais o significado eacute elaborado a partir de domiacutenios cognitivos que
nas palavras de Langacker (2007 282) ldquosatildeo chamados para sublinhar os valores
prototiacutepicos de certos construtos gramaticais pertencentes agrave estrutura da oraccedilatildeo
67ldquoIn Lord (1974 196-7)s words in a serializing language such as Yoruba the verbs in the construction all refer to sub-parts or aspects of a single overall event In addition in a serial verb the action or state denoted by the second verb phrase is in terms of the real world an outgrowth of the action denoted by the action of the first verb phrase the second verb phrase represents a further development a consequence result goal or culmination of the action named by the first verbrdquo
82
Igualmente significante para a gramaacutetica eacute a estrutura dos eventos () em termos de
autonomia e dependecircncia conceitualrdquo68
Em termos conceituais como vimos haacute dois modelos (modelo da bola de bilhar
e modelo do palco) que caracterizam as relaccedilotildees entre os participantes de uma cena
representada em uma oraccedilatildeo simples Tomando como base a noccedilatildeo de que construccedilotildees
seriais tecircm a estrutura de uma oraccedilatildeo simples como foi previamente demonstrado em
termos de restriccedilotildees prosoacutedicas por exemplo podemos adotar esses modelos como
representativos tambeacutem dessas construccedilotildees
A elaboraccedilatildeo conceitual de uma cena e sua projeccedilatildeo nos modelos supracitados
estaacute relacionada tambeacutem agrave relaccedilatildeo de autonomia ou dependecircncia entre os seus
participantes e eacute tambeacutem determinante na construccedilatildeo de uma estrutura oracional Os
componentes de um evento podem ser individualmente dependentes ou autocircnomos de
acordo com suas propriedades semacircnticas e gramaticais Citamos como exemplo a cena
de encher um balatildeo (LANGACKER 2003) Essa cena pode envolver inicialmente a
abertura do equipamento de pressatildeo a soltura da pressatildeo de ar para dentro do balatildeo o
barulho produzido por esse movimento o enchimento do balatildeo e finalmente uma
mudanccedila espacial no objeto balatildeo que passa a ter uma outra dimensatildeo depois que seu
interior foi preenchido por ar Podemos tambeacutem imaginar essa cena sem que seja dada
atenccedilatildeo ao som produzido ou de forma contraacuteria enfatizando o som produzido sem
mencionar a mudanccedila da dimensatildeo espacial ocorrida no balatildeo Esses subeventos entatildeo
para terem significado natildeo pressupotildeem a presenccedila de um ou de outro em sua concepccedilatildeo
conceitual
Analogamente aos papeacuteis temaacuteticos as noccedilotildees de autonomia e dependecircncia satildeo
fundamentais para a descriccedilatildeo conceitual das construccedilotildees seriais na medida em que a
conceitualizaccedilatildeo do evento que representam pode variar consideravelmente entre as
liacutenguas seriais e consequentemente as relaccedilotildees gramaticais entre os verbos
seriaiscomplexos tambeacutem A definiccedilatildeo da autonomia conceitual e das relaccedilotildees pode ser
realizada por dois caminhos a) refletir sobre a organizaccedilatildeo intriacutenseca de concepccedilotildees de
evento e b) ter uma base experimental para que se verifique se realmente o elemento
em questatildeo ocorre de forma independente (LANGACKER 2003 289)
68 ldquo(hellip) are claimed to underlie the prototypical values of certain grammatical constructs pertaining to
clause structure Grammatically significant as well is the structure of events (hellip) in terms of conceptual
autonomy and dependencerdquo
83
Acrescentamos uma paraacutefrase feita por Langacker (2003) que ilustra o que foi
discutido e auxilia na compreensatildeo das construccedilotildees seriais seacuteries verbais podem ser
comparadas conceitualmente a um aacutetomo compacto que ao mesmo tempo eacute formado
por microscoacutepicas partiacuteculas que individualmente tecircm suas propriedades mas que
devem estar juntas para que seja possiacutevel a existecircncia desse aacutetomo
Na seccedilatildeo seguinte apresentaremos os preceitos teoacutericos da Gramaacutetica de
Construccedilotildees que nos orientaraacute durante a anaacutelise dos dados bem como a Gramaacutetica
Cognitiva que acabamos de expor Em nosso ponto de vista tanto a Gramaacutetica
Cognitiva quanto a Gramaacutetica de Construccedilotildees oferecem uma metodologia e um corpo
teoacuterico que permitem uma anaacutelise ldquoholiacutesticardquo dos dados que natildeo introduzem limites
estanques entre leacutexico e sintaxe e que investigam a diversidade de fatos das liacutenguas
naturais em sua totalidade Aleacutem disso reservam agrave significaccedilatildeo uma abordagem
processual e tratam a composicionalidade como um mecanismo que natildeo se restringe ao
leacutexico mas que eacute inerente agraves construccedilotildees gramaticais em geral
32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias
denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da
liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos Essa teoria tem como
pressuposto que todas as estruturas sintaacuteticas satildeo construccedilotildees - unidades constituiacutedas de
forma e significado Essa compreensatildeo poreacutem natildeo eacute nova e tem sido o alicerce da
maioria dos estudos sobre gramaacutetica desde Aristoacuteteles O que se inova ao longo dos
anos eacute a significaccedilatildeo atribuiacuteda a esse conceito e o lugar que ele ocupa na nova teoria
A teoria da gramaacutetica transformacional de Chomsky (1957) atribuiacutea papel
central agraves construccedilotildees com regras e especificaccedilotildees derivadas de sua forma
minimizando o papel da semacircntica na constituiccedilatildeo das estruturas gramaticais A
natureza da linguagem para a gramaacutetica gerativa eacute depreendida de estruturas sintaacuteticas
formais independentemente de suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas (GOLDBERG
2003) Como contraponto a essa abordagem a Gramaacutetica de Construccedilotildees69 propotildee que a
69 A Gramaacutetica de Construccedilotildees integra um conjunto heterogecircneo de teorias linguiacutesticas denominado Linguiacutestica Cognitiva que tem como princiacutepio estudar as estruturas da liacutengua em articulaccedilatildeo aos processos cognitivos humanos
84
gramaacutetica de uma liacutengua resultante de diversos processos mentais natildeo deve ser
compreendida se forem consideradas perifeacutericas suas funccedilotildees semacircnticas e pragmaacuteticas
e que a sintaxe natildeo eacute o moacutedulo central da liacutengua A partir dessa perspectiva surge
espaccedilo para a anaacutelise de expressotildees idiossincraacuteticas que natildeo se encaixavam em regras
semacircnticas e gramaticais regulares e que por isso eram consideradas perifeacutericas agrave
gramaacutetica da liacutengua Nessa nova abordagem destaca-se o estudo de Fillmore (1988)
sobre expressotildees idiomaacuteticas do inglecircs no qual o autor observa que essas construccedilotildees
satildeo altamente estruturadas e que haacute certa regularidade em seu funcionamento70 Propotildee
assim haver uma interaccedilatildeo entre esse tipo de estrutura e as estruturas mais regulares da
liacutengua bem como postula que num plano geral elas formam um contiacutenuo no que tange
ao grau de regularidade e produtividade que se daacute em niacutevel formal ou semacircntico
A Gramaacutetica de Construccedilotildees entende que natildeo haacute limites riacutegidos entre
construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de
uma rede de traccedilos e links semacircnticos que as aproximam A hipoacutetese central da teoria eacute
de que a gramaacutetica de uma liacutengua eacute representada por meio dessa rede de traccedilos e que
natildeo haacute uma diferenccedila fundamental entre leacutexico e sintaxe na medida em que todas as
unidades linguiacutesticas satildeo constituiacutedas por propriedades fonoloacutegicas semacircnticas e
sintaacuteticas Por conseguinte esses moacutedulos natildeo satildeo vistos como independentes e a
diferenccedila entre eles se daacute apenas em termos de complexidade e esquematicidade
Podemos perceber esse continuum entre leacutexico e sintaxe quando visualisamos
construccedilotildees com alto grau de esquematicidade como as estruturas argumentais
transitivas por exemplo construccedilotildees menos esquemaacuteticas como um nome por
exemplo e assim sucessivamente identificando entre elas uma hierarquia esquemaacutetica e
a ausecircncia de limites claros Construccedilotildees gramaticais e lexicais diferem em
complexidade interna e na extensatildeo de sua forma mas ambas constituem-se como pares
de significado e forma
A construccedilatildeo do significado natildeo eacute mais entendida em termos de polissemia
lexical e sim de polissemia construcional uma vez que natildeo se circunscreve uma
hierarquia entre os moacutedulos da liacutengua natildeo haacute um item lexical central em uma
construccedilatildeo que seja responsaacutevel por projetar o significado e a estrutura argumental da
70 Ver Fillmore C Kay P OrsquoConnor M 1988 Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538
85
construccedilatildeo Tomemos para ilustrar um exemplo de Goldberg (1995 apud Broccias sd)
sobre o verbo slice
a He sliced the bread lsquoEle fatiou o patildeorsquo (transitivo)
b Pat sliced the carrots into the salad lsquoPat fatiou as cenouras na saladarsquo (causa-
movimento)
c Pat sliced Chris a piece of pie lsquoPat fatiou um pedaccedilo de tortarsquo (bitransitivo)
d Emeril sliced and diced his way to stardom lsquoEmeril trilhou seu caminho para o
eestrelatorsquo (construccedilatildeo do tipo way)
e Pat sliced the box open lsquo Pat abriu a caixa cortandorsquo (resultativo)
A Gramaacutetica de Construccedilotildees natildeo considera sentidos diferentes para o verbo slice
a partir das diferentes construccedilotildees sintaacuteticas em que esse verbo pode se apresentar Ao
contraacuterio postula que esse verbo tenha um significado de base (ldquocut with a sharp
instrumentrdquo lsquocortar com um instrumento afiadorsquo) que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Nessa concepccedilatildeo de gramaacutetica eacute inadequada a
determinaccedilatildeo de que o leacutexico eacute central para a sintaxe no sentido de ser o projetor da
estrutura argumental dessa construccedilatildeo Por outro lado o que se postula na Gramaacutetica de
Construccedilotildees eacute que a liacutengua possui um inventaacuterio estruturado de construccedilotildees natildeo
preenchidas lexicamente que podem gerar outras construccedilotildees de sentidos correlatos e
que formam o conhecimento do falante sobre as convenccedilotildees de sua liacutengua O sentido
central de cada construccedilatildeo estaacute associado agraves cenas relevantes agrave experiecircncia humana tais
como algueacutem transferindo algo a algueacutem algueacutem fazendo algo se mover ou mudar de
estado algueacutem experienciando algo algueacutem mudando de estado ou de lugar entre
outras cenas De acordo com essa teoria a projeccedilatildeo de cenas concebidas cognitivamente
pelos seres humanos realiza-se na liacutengua por meio de construccedilotildees
Eacute necessaacuterio fazer aqui uma observaccedilatildeo Itens lexicais satildeo constituiacutedos por uma
gama de traccedilos semacircnticos natildeo-discretos que caracterizam minuacutecias de seu significado
projetando-os como unidades simboacutelicas multifacetadas e natildeo nucleares Considerando
entatildeo que natildeo haacute fronteiras claramente definidoras de itens lexicais a sua adesatildeo a uma
determinada construccedilatildeo justifica-se pela identificaccedilatildeo de um ou mais traccedilos semacircnticos
e gramaticais com as propriedades da proacutepria construccedilatildeo O item lexical no entanto
quando preenche uma estrutura que natildeo eacute a que aporta o seu significado de base
86
adquire um novo significado podendo assim se encaixar num momento posterior em
outra construccedilatildeo e assim sucessivamente A adaptaccedilatildeo a uma nova construccedilatildeo natildeo tem
como pressuposto que o item lexical aporte seu significado mais prototiacutepico
Um das criacuteticas feitas pela Gramaacutetica de Construccedilotildees a respeito de uma
abordagem centrada totalmente no leacutexico eacute a de que dessa maneira haacute o risco de se
atribuir menos valor ao sentido intriacutenseco das construccedilotildees e mais valor ao leacutexico Tal
abordagem confere proeminecircncia ao leacutexico colocando em segundo plano as
construccedilotildees sintaacuteticas Contudo um enfoque que natildeo considere a propriedade de
mudanccedila de itens lexicais natildeo nos parece vantajoso Consideramos que um item lexical
se adapta a uma determinada construccedilatildeo natildeo porque adquire um novo valor mas porque
potildee em primeiro plano um dos traccedilos componentes que em uma construccedilatildeo distinta
ficasse em segundo plano Podemos tambeacutem utilizar a noccedilatildeo de escopo maacuteximo e
escopo imediato da GC para analisar tais casos considerando que o ldquonovordquo significado
na construccedilatildeo seja representativo do escopo imediato incutido no escopo maacuteximo de
um item lexical em seu sentido de base
Nesse sentido Broccias (sd) argumenta que
Natildeo haacute nenhuma forccedila que obrigue em um modelo cognitivo de
linguagem a assumir (a) que o significado das palavras (ou construccedilotildees)
deva ser reservado ao miacutenimo (ou vice-versa) (b) que o significado das
palavras possa claramente ser separado do significado da construccedilatildeo e (c) que
(supostamente) diferentes significados lexicais ou (supostamente) diferentes
significados construcionais para esse caso possam ser isolados um do outro
de maneira clara71
A Gramaacutetica de Construccedilotildees portanto estaacute centrada na anaacutelise da rede de
motivaccedilotildees e heranccedila72 que originam novas construccedilotildees e pretende estabelecer quais as
provaacuteveis classes de conexatildeo entre elas
71 ldquoThere is no compelling reason within a cognitive model of language to assume (a) that word meanings (vs constructions) should be kept at a minimum (or vice versa) (b) that word meanings can neatly be separated from constructional meanings and (c) that (allegedly) different lexical meanings or (allegedly) different constructional meanings for that matter can be isolated from one another in clear-cut fashionrdquo 72 Esse conceito seraacute aprofundado no proacuteximo item
87
321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
Alguns princiacutepios psicoloacutegicos jaacute integrados agraves abordagens funcionalistas
tambeacutem integram as concepccedilotildees da Gramaacutetica de Construccedilotildees Satildeo eles princiacutepio da
motivaccedilatildeo maximizada princiacutepio da natildeo sinoniacutemia princiacutepio do poder expressivo
maximizado princiacutepio da maacutexima economia
Pelo princiacutepio da motivaccedilatildeo maximizada entende-se que se uma construccedilatildeo A eacute
motivada por uma construccedilatildeo B a relaccedilatildeo entre elas eacute motivada semanticamente e de
forma maximizada A natildeo sinoniacutemia pressupotildee que duas construccedilotildees distintas
sintaticamente tambeacutem o satildeo pragmaacutetica e semanticamente Pelo princiacutepio do poder
expressivo maximizado postula-se que as construccedilotildees existem e satildeo produzidas a partir
de necessidades comunicativas O princiacutepio da economia pressupotildee que o nuacutemero de
construccedilotildees de uma liacutengua eacute minimizado tanto quanto for possiacutevel
Tais princiacutepios satildeo natildeo excludentes e capturam as generalizaccedilotildees entre as
construccedilotildees bem como permitem a existecircncia de irregularidades e de exceccedilotildees
(GOLDBERG 1995 67)
322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
Generalizaccedilotildees e simplificaccedilotildees satildeo funccedilotildees necessaacuterias agrave linguagem humana
uma vez que nossas capacidades cognitivas satildeo limitadas Dessa forma natildeo somos
capazes de dar nomes distintos a tudo o que conhecemos nem viver experiecircncias novas
sem relacionaacute-las a outras anteriores Relacionamo-nos com o mundo e o
compreendemos por meio de relaccedilotildees que estabelecemos entre o que jaacute conhecemos e o
que eacute novo
Uma nova informaccedilatildeo eacute mais facilmente assimilada se analisada como variaccedilatildeo
de outra informaccedilatildeo jaacute conhecida (cf GOLDBERG 1995) Os links que se estabelecem
entre tudo o que eacute novo e tudo o que jaacute eacute conhecido vatildeo formando redes semacircnticas e
um sistema que assimila o novo ao velho tanto quanto for possiacutevel Nesse sentido o que
jaacute estaacute incorporado ao sistema atua como motivaccedilatildeo para a compreensatildeo da informaccedilatildeo
nova que na verdade eacute apenas uma informaccedilatildeo desconhecida por aquele falante ou pela
gramaacutetica daquela liacutengua uma vez que tudo o que eacute novo eacute motivado por algo ou
alguma construccedilatildeo jaacute assimilada e possui algum link semacircntico com essa estrutura jaacute
conhecida Sobre isso Lakoff diz que ldquo() quanto mais as propriedades de uma dada
88
categoria satildeo redundantes mais ela eacute motivada e melhor se encaixa no sistema como
um todordquo73 (1987 apud GOLDBERG 1995 70)
No que tange agraves construccedilotildees entendidas como pares de forma e significado que
representam o conhecimento linguiacutestico podemos dizer que de acordo com a
Gramaacutetica de Construccedilotildees elas formam um inventaacuterio estruturado que constitui a
gramaacutetica da liacutengua Nesse inventaacuterio as construccedilotildees se relacionam por meio de uma
similaridade formal ou semacircntica - natildeo sendo portanto independentes umas das outras
- denominada nessa teoria de ligaccedilatildeo hereditaacuteria (inheritance links74) Essa heranccedila pode
ser de diversos tipos polissecircmica relaccedilatildeo entre subpartes de instanciaccedilatildeo e metafoacuterica
3221 Polissemia
Esse tipo de heranccedila apreende a relaccedilatildeo semacircntica entre um significado
particular de uma construccedilatildeo e qualquer extensatildeo desse significado Cada miacutenima
extensatildeo desse sentido central constitui uma nova construccedilatildeo e as relaccedilotildees semacircnticas
entre elas satildeo representadas por links denominados Lp (links de polissemia) As
informaccedilotildees sintaacuteticas tambeacutem satildeo herdadas do significado central da construccedilatildeo
Consideremos a construccedilatildeo central bitransitiva e uma de suas extensotildees no inglecircs
1) X faz Y receber Z Joe gave Sally the ball lsquoJoe deu a bola a Sallyrsquo
2) X pretende fazer Y receber Z Joe baked Bob a cake lsquoJoe fez um bolo para Bobrsquo
As construccedilotildees acima tecircm estruturas sintaacuteticas similares mas os itens que
preenchem as posiccedilotildees verbais atribuem papeacuteis semacircnticos distintos a seus
participantes No exemplo 1 Sally tem papel de recipiente de uma accedilatildeo executada pelo
sujeito Em 2 Bob eacute o termo que se beneficia de uma accedilatildeo realizada por um agente A
existecircncia da construccedilatildeo 2 eacute herdada da construccedilatildeo central representada no exemplo 1
3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
Nesse tipo de heranccedila encaixam-se construccedilotildees formadas de uma subparte de
outra construccedilatildeo jaacute existente Como exemplo Goldberg (1995) cita a relaccedilatildeo entre
73 ldquo(hellip) the more the properties of a given category are redundant the more it is motivated and the better it fits into the system as a wholerdquo 74 Para detalhes sobre os tipos de ligaccedilotildees hereditaacuterias ver Goldberg 1995
89
construccedilotildees intransitivas de movimento e construccedilotildees de movimento causado A seguir
um diagrama representativo dessa relaccedilatildeo entre subpartes
Constr Movimento Causado
SEM Causa-Movimento lt
PRED lt
SINT V
causa tema alvo
gt
gt
SUJ OBJ OBL
Lscausa
Constr Intransitiva de Movimento
SEM Movimento lt tema alvo gt
PRED lt gt
SINT V SUJ OBL
3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
Se uma construccedilatildeo constitui-se como um caso especial de outra construccedilatildeo ou
uma versatildeo mais completa diz-se que haacute um link de instanciaccedilatildeo entre elas Segundo a
autora ldquoitens lexicais particulares que ocorrem apenas em construccedilotildees particulares satildeo
instacircncias dessa construccedilatildeo uma vez que herdam lexicalmente a sintaxe e a semacircntica
associadas a essa construccedilatildeordquo75 (1995 79) O exemplo a seguir ilustra um caso de
construccedilotildees ligadas por links de instanciaccedilatildeo
Chris drove Pat crazy lsquoChris deixou Pat loucorsquo
75 ldquo(hellip) particular lexical items which only occur in a particular construction are instances of that construction since they lexically inherit the syntax and semantics associated with the constructionrdquo
90
Nesse exemplo a semacircntica do verbo drive eacute classificada como uma instacircncia da
semacircntica de CAUSAR-TORNAR proacutepria de construccedilotildees resultativas Nessa
consturccedilatildeo poreacutem temos tambeacutem uma relaccedilatildeo de heranccedila de subpartes na medida em
que a construccedilatildeo do verbo drive eacute uma subparte de uma construccedilatildeo resultativa Dessa
forma temos dois gecircneros de heranccedila prevalecendo na construccedilatildeo acima e na
construccedilatildeo que a originou
(GOLDBERG 1995 80)
Resultativa
Li Ls
drive
3224 Metaacutefora
Nesses casos incluem-se as construccedilotildees que se relacionam a outras por meio de
um mapeamento metafoacuterico A metaacutefora eacute entatildeo o mecanismo cognitivo que permite agrave
construccedilatildeo de origem ser mapeada na construccedilatildeo dela derivada Como exemplo a
autora cita
a) Pat hammered the metal flat lsquoPat achatou o metal com o martelorsquo
b) Pat threw the metal off the table lsquoPat jogou o metal para fora da mesarsquo
O exemplo (a) eacute analisado pela autora como uma extensatildeo metafoacuterica do sentido
de movimento veiculado pela construccedilatildeo de origem A construccedilatildeo derivada (a)
apresenta-se como uma estrutura de valor resultativo originada de uma construccedilatildeo de
movimento-causado O resultado da construccedilatildeo expresso pelo termo flat eacute interpretado
como o objetivo da construccedilatildeo ou do movimento realizado pelo agente assim como off
the table eacute o proacuteprio objetivo do movimento na construccedilatildeo (b) Dada a conexatildeo
metafoacuterica entre movimento e mudanccedila de estado construccedilotildees resultativas acarretam o
sentido de ldquoX causa Y tornar-se Zrdquo (cf Goldberg 1995 84)
Para finalizar acrescentamos que estudos comparativos entre liacutenguas satildeo
possiacuteveis por meio da Gramaacutetica de Construccedilotildees a partir da anaacutelise dos mapas
91
semacircnticos que subjazem essas construccedilotildees e quais construccedilotildees satildeo mais recorrentes
entre as liacutenguas
Uma forte questatildeo por traacutes de muitas pesquisas linguiacutesticas eacute qual eacute
a tipologia de possiacuteveis construccedilotildees e o que a restringe Abordagens
construcionistas sempre caem em explicaccedilotildees gramaticais-externas como
forccedilas funcionais universais princiacutepios icocircnicos e regras de aprendizagem e
processamento para explicar tais generalizaccedilotildees entre as liacutenguas
empiricamente observaacuteveis76 (GOLDBERG 2003 222)
323 Verbos e construccedilotildees
A abordagem da Gramaacutetica de Construccedilotildees postula que construccedilotildees sintaacuteticas jaacute
carregam significado em si independentemente dos itens lexicais que as constituem
Essa premissa natildeo visa no entanto anular o valor semacircntico do leacutexico nas construccedilotildees
sintaacuteticas mas aponta para um caminho de duas vias em que operam tanto o proacuteprio
sentido da construccedilatildeo quanto o sentido dos itens lexicais
Construccedilotildees sintaacuteticas satildeo constituiacutedas de outras construccedilotildees menores que
consequentemente jaacute trazem em si um significado uma vez que se entende que toda
construccedilatildeo seja uma instacircncia de forma e significado O conhecimento de mundo do
falante eacute necessaacuterio para que seja delimitado o conteuacutedo semacircntico dos itens lexicais
(construccedilotildees ou pares de forma e significado) que por sua vez se encaixam em
construccedilotildees sintaacuteticas que pressupotildeem uma relaccedilatildeo de significado entre os seus termos
componentes
No que tange aos verbos sob a perspectiva da Gramaacutetica de Construccedilotildees a cena
por eles descrita envolve papeacuteis participantes que determinam as entidades envolvidas
em sua rede semacircntica A estrutura interna dessa rede semacircntica portanto caracteriza-
se por uma complexidade definida principalmente por um conhecimento que serve de
apoio a um aspecto colocado em destaque para definir um determinado item lexical
Dessa maneira o significado de itens lexicais se forma numa relaccedilatildeo de projeccedilatildeo de
primeiro e segundo plano (ou figura e fundo) dos componentes semacircnticos que o
compotildeem As diferenccedilas portanto entre as projeccedilotildees refletem a distribuiccedilatildeo de nossa
atenccedilatildeo (cf Talmy 2000) a um aspecto especiacutefico bem como nossa capacidade
76 ldquoA driving question behind much of linguistic research is what is the typology of possible constructions and what constrains it Constructionist approaches often turn to grammar-external explanations such as universal functional pressures iconic principles and processing and learning constraints to explain such empirically observable cross-linguistic generalizationsrdquo
92
cognitiva de relacionar as informaccedilotildees de nosso conhecimento de mundo Langacker
(apud Goldberg 1995 26) nos daacute como exemplo os termos HIPOTENUSA e
TRIAcircNGULO correspondentes a uma mesma base semacircntica mas que designam
diferentes aspectos
HIPOTENUSA TRIAcircNGULO
De forma absoluta entatildeo ou isolados fora de uma construccedilatildeo sintaacutetica os itens
verbais revelam uma gama de aspectos que os compotildeem e a sua relaccedilatildeo de projeccedilatildeo Na
medida em que integram uma construccedilatildeo sintaacutetica estabelecem com ela a seleccedilatildeo dos
aspectos que seratildeo mais adequadamente encaixados ao seu significado Assim como os
itens lexicais as construccedilotildees sintaacuteticas de acordo com Goldberg (1995) determinam
papeacuteis construcionais que por sua vez acabam por selecionar os tipos de verbos que
neles iratildeo se encaixar e a maneira como o evento designado pelo verbo iraacute se adequar ao
evento designado pela construccedilatildeo Os diversos verbos aptos a integrar uma mesma
construccedilatildeo geram casos de polissemia construcional e levam ao reconhecimento de um
significado central para uma construccedilatildeo Aleacutem disso a polissemia construcional
propicia o reconhecimento de que a modificaccedilatildeo ocorre no processo gramatical
instanciado pela construccedilatildeo permitindo que outros itens lexicais nela se encaixem e
protagonizem o mesmo processo de mudanccedila de sentido
O significado central de uma construccedilatildeo designa cenas humanas baacutesicas
concretas como levar algo de um lugar a outro dar algo a algueacutem fazer algo entre
outras e natildeo requer habilidades cognitivas que relacionem de forma abstrata tais cenas a
um significado A inserccedilatildeo de um verbo numa construccedilatildeo demanda uma adequaccedilatildeo
regulada por princiacutepios que a tornem possiacutevel denominados por Goldberg (199551) de
princiacutepio de coerecircncia semacircntica e princiacutepio de correspondecircncia descritos a seguir
a) princiacutepio de coerecircncia semacircntica apenas papeacuteis compatiacuteveis em termos
semacircnticos podem ser fundidos O verbo BRIGAR pede um participante que
realize a accedilatildeo designada pelo verbo esse papel participante se funde com o
papel de agente de uma construccedilatildeo bitransitiva o que permite a inserccedilatildeo desse
verbo nesse tipo de construccedilatildeo Dessa forma o papel daquele que briga pode ser
instanciado como exemplo do papel de agente
93
b) princiacutepio da correspondecircncia cada papel designado lexicalmente deve obter um
correspondente na estrutura sintaacutetica que integrar Portanto eacute preciso haver uma
similitude entre o que designa o item lexical e a construccedilatildeo indicativo de que a
elaboraccedilatildeo do significado natildeo eacute aleatoacuteria
Esses princiacutepios satildeo indicativos de que a inserccedilatildeo de um item lexical numa
estrutura sintaacutetica pressupotildee um domiacutenio preacutevio da rede semacircntica do item em questatildeo
bem como dos papeacuteis semacircnticos que a construccedilatildeo atribui a cada um de seus
integrantes
Goldberg tambeacutem salienta que em alguns casos a construccedilatildeo pode contribuir
com a adjunccedilatildeo de um papel semacircntico natildeo requerido pelo verbo No caso do item
CHUTAR a autora aponta que os argumentos selecionados pelo verbo satildeo de um
chutador e algo que eacute chutado Nesse caso o termo que recebe o elemento chutado eacute o
recipiente e eacute determinado pela sintaxe da construccedilatildeo bitransitiva
Bitransitiva (agpacrec) + CHUTAR (chutadorchutado)
Joatildeo chuta a bola para o Pedro
O argumento chutador associa-se ao papel de agente determinado pela
construccedilatildeo por sua vez o elemento chutado eacute associado ao papel de paciente O papel
de recipiente eacute designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo e a sua combinaccedilatildeo com o
verbo que requer apenas um argumento interno propicia a elaboraccedilatildeo de enunciados
como o apresentado acima Eacute necessaacuterio observar nesse caso que apesar de o papel de
recipiente ser designado pela construccedilatildeo e natildeo pelo verbo em si esse verbo permite
essa associaccedilatildeo sem que seu conteuacutedo semacircntico seja modificado jaacute que o acreacutescimo da
informaccedilatildeo do destino do elemento afetado pela accedilatildeo do agente natildeo altera o ato de
chutar Haacute poreacutem verbos que da mesma forma permitem essa associaccedilatildeo mas acabam
por ter seu conteuacutedo modificado com eacute o caso do verbo sneeze do inglecircs
Prototipicamente esse verbo natildeo requer nenhum argumento interno mas quando
incluiacutedo numa construccedilatildeo de movimento causado pode receber um argumento no papel
de tema e um adjunto no papel de alvo como no exemplo (Goldberg 1995 55)
He sneezed the napkin off the table lsquoEle jogou o guardanapo para fora da mesarsquo
94
A estrutura acima mostra que por um mecanismo metafoacuterico o verbo foi
empregado num contexto semacircntico dessemelhante ao de seu conteuacutedo mais baacutesico
Diferentemente do que aconteceu no exemplo com o verbo CHUTAR pois ali o verbo
manteve seu valor semacircntico originaacuterio apesar da inclusatildeo de um novo participante na
cena descrita Dessa maneira nos contextos em que a construccedilatildeo contribui com a
introduccedilatildeo de um papel que natildeo corresponde aos papeacuteis participantes associados
diretamente ao verbo podemos ter ou natildeo mudanccedila no sentido desse verbo Esse aspecto
natildeo nos parece ter sido salientado pela autora
O significado de uma construccedilatildeo sintaacutetica eacute constante assim como o significado
do verbo A variaccedilatildeo estaacute sedimentada na relaccedilatildeo que se estabelece entre o sentido do
verbo e o da construccedilatildeo - R-relaccedilatildeo A autora ressalta que a semacircntica de uma
construccedilatildeo estaacute agregada a um frame semacircntico e que o verbo integrante dessa
construccedilatildeo deveraacute designar algum aspecto nela saliente indicando uma ligaccedilatildeo
profunda entre esse item e a construccedilatildeo
Para finalizar acrescentamos uma importante observaccedilatildeo sobre a caracteriacutestica
de compartilhar papeacuteis semacircnticos e de argumento Eacute condiccedilatildeo necessaacuteria que o verbo
compartilhe ao menos um papel participante com os papeacuteis de argumento da construccedilatildeo
visto que natildeo eacute permitido agrave construccedilatildeo contribuir com todos os papeacuteis de argumento
Essa condiccedilatildeo seraacute observada na anaacutelise das construccedilotildees seriais na medida em que pelo
menos um dos argumentos do verbo que designa propriamente o evento descrito deveraacute
corresponder a um dos papeacuteis semacircnticos designados pela construccedilatildeo
324 Limites entre leacutexico e sintaxe
Sob a abordagem dessa teoria natildeo haacute limites entre sintaxe leacutexico morfologia
pragmaacutetica e semacircntica Esses niacuteveis se inter-relacionam para compor o significado de
uma expressatildeo ou de um enunciado linguiacutestico Opondo-se a uma anaacutelise lexicalista a
gramaacutetica de construccedilotildees propotildee que o leacutexico natildeo esteja na base da elaboraccedilatildeo dos
significados mas que seja apenas um de seus componentes
A ideia de que as construccedilotildees sintaacuteticas jaacute sejam carregadas de algum
significado se apoia na concepccedilatildeo de economia linguiacutestica na medida em que natildeo se
postulam mais diversos sentidos a um uacutenico lexical mas atribui-se a um mecanismo
sintaacutetico o caraacuteter de estopim a uma rede de novos significados Assim essa questatildeo eacute
entendida como um caso de polissemia construcional resultante da relaccedilatildeo entre a
95
proacutepria construccedilatildeo e os seus termos componentes Nessa perspectiva o significado de
uma construccedilatildeo natildeo estaacute absolutamente nela nem nos itens lexicais isolados que a
compotildeem Nas palavras de Salomatildeo (VEREDAS p 68) ldquo() ao inveacutes de aplicar a cada
predicado uma regra que ampliaria a representaccedilatildeo lexical (de modo paradoxalmente
idiossincraacutetico e previsiacutevel) postula-se uma configuraccedilatildeo sintaacutetica que seraacute utilizada
virtualmente para qualquer predicado ()rdquo Podemos entatildeo comparar a liacutengua a um
organismo complexo constituiacutedo de diversos micro-organismos que por sua vez
tambeacutem se constituem de outros micro-organismos e assim sucessivamente ateacute a sua
menor unidade de forma e significado Nenhum desses micro-organismos traz em si o
sentido global do organismo pois somente de forma relacional eacute que o significado se
produz
Admite-se portanto que a polissemia seja resultante dessa relaccedilatildeo e estaria
regulada por mecanismos de motivaccedilatildeo e heranccedila cada nova construccedilatildeo (e
consequentemente cada novo sentido) ligar-se-ia a outra construccedilatildeo por meio de traccedilos
herdados de onde se depreende que se A motiva B invariavelmente B iraacute conter algum
elemento presente em A Nesse modelo nenhuma informaccedilatildeo contida na estrutura
originada (B) deveraacute ser conflitante com a informaccedilatildeo veiculada pela estrutura original
(A) mas (B) poderaacute ter alguma informaccedilatildeo independente
Por traacutes das concepccedilotildees dessa teoria estaacute tambeacutem a noccedilatildeo de que o
conhecimento linguiacutestico natildeo estaacute desvinculado do conhecimento de mundo Numa
circunstacircncia comunicativa existe um suporte cognitivo que orienta os interlocutores a
construir os seus enunciados instanciados por experiecircncias sensoacuterio-motoras registradas
em esquemas imageacuteticos que contribuem para a elaboraccedilatildeo das estruturas da liacutengua A
capacidade humana da linguagem estaacute caucada nos diversos mecanismos do aparato
cognitivo que nos permite experienciar o mundo e construir significado Essa
capacidade linguiacutestica natildeo se diferencia de nenhuma outra habilidade cognitiva humana
constituindo-se como uma parte integrante de nosso potencial de representaccedilatildeo mental
A anaacutelise de construccedilotildees seriais por meio desse suporte teoacuterico permite
visualizar tais construccedilotildees tambeacutem como estruturas dotadas de significado e que
estabelecem com seus itens componentes uma relaccedilatildeo que daraacute origem a um novo
sentido Considerando que nessas construccedilotildees alguns verbos podem minimizar naquele
contexto algumas de suas propriedades gramaticais e adquirir outras a abordagem da
gramaacutetica de construccedilotildees propicia uma anaacutelise desses termos relacionada diretamente ao
significado da estrutura que integram Dessa forma tais itens adquirem novo significado
96
e funccedilatildeo na relaccedilatildeo com a proacutepria construccedilatildeo e natildeo de forma independente e
desvinculada Natildeo satildeo atribuiacutedos portanto novos sentidos a esses verbos mas satildeo
verificados mecanismos sintaacuteticos que permitem tal adaptaccedilatildeo
Alguns verbos num mecanismo de serializaccedilatildeo mantecircm o seu significado como
um suporte para o entendimento da cena principal descrita Tecircm caraacuteter secundaacuterio ou
de fundo mas integram a cena como uma de suas etapas No entanto uma caracteriacutestica
primordial de construccedilotildees seriais eacute a de descrever um UacuteNICO evento o que leva o
interlocutor a direcionar a sua atenccedilatildeo para o verbo nuacutecleo da construccedilatildeo Eacute o caso do
verbo PEGAR ndash no baulecirc fa ndash que na maioria das vezes aparece em posiccedilatildeo inicial na
estrutura e indica metaforicamente o ato de pegar ou de tomar uma iniciativa Nesses
casos esse verbo natildeo deve ser analisado como um verbo pleno representativo da cena
principal e focalizado em primeiro plano mas sim como um verbo de apoio de fundo
ou segundo plano que representa um momento da cena que natildeo eacute descrito como
essencial
A leitura portanto que se faz da construccedilatildeo leva em conta o conhecimento de
mundo do falante associado ao seu conhecimento linguiacutestico aos recursos de que dispotildee
para elaborar um enunciado e ao entendimento de que o seu interlocutor se
compartilhar do mesmo coacutedigo iraacute depreender sentido do discurso por ele pronunciado
Ainda no que tange agraves construccedilotildees seriais observamos que o mesmo verbo pode ter
funccedilatildeo e significado diferentes dependendo da posiccedilatildeo que ocupar na estrutura Natildeo
seria plausiacutevel supor que tais verbos tivessem muacuteltiplos sentidos mas sim que o
caminho para a sua interpretaccedilatildeo seja dado parte por ele mesmo e parte pela estrutura
que integra Eacute portanto um percurso interpretativo complementar de dois rumos do
leacutexico para a sintaxe e da sintaxe para o leacutexico
97
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo trouxemos nossa leitura dos pontos basilares das perspectivas
teoacutericas adotadas nesta pesquisa visando apresentar ao leitor os pressupostos que
nortearatildeo a anaacutelise realizada neste trabalho As duas abordagens selecionadas foram
utilizadas de forma complementar na medida em que ambas procuram analisar os
enunciados linguiacutesticos sob um ponto de vista que dentro do que pressupotildee a
Linguiacutestica Cognitiva ou seja apoiando-se invariavelmente na premissa de que a liacutengua
natildeo eacute um moacutedulo cognitivo independente e o processo de significaccedilatildeo linguiacutestico eacute
precedido por mecanismos cognitivos daacute luz agraves construccedilotildees gramaticais e as considera
assim como considera todas as construccedilotildees linguiacutesticas pares simboacutelicos de forma e
significado
Dessa maneira pudemos ou ao menos tentamos em nossa investigaccedilatildeo
observar os dados tendo como filtro as premissas aqui discutidas para que o
entendimento do que satildeo construccedilotildees seriais recebesse a contribuiccedilatildeo de um vieacutes
analiacutetico que natildeo se limita a observar apenas as propriedades formais de tais
construccedilotildees
98
CAPIacuteTULO 4
DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
Um dos pontos da problemaacutetica que se instaura sobre construccedilotildees seriais
concerne agrave sua classificaccedilatildeo como coordenaccedilatildeo ou serializaccedilatildeo Devido agrave semelhanccedila
entre a estrutura sintaacutetica de uma construccedilatildeo coordenada e de construccedilatildeo uma serial haacute
certa discordacircncia na classificaccedilatildeo estabelecida por pesquisadores desse tema em baulecirc
(LARSON 2005 KOUADIO amp CREISSELS 1977 KOUADIO 2000) Nossa proposta se
firma sobre a hipoacutetese de que estruturas como as apresentadas logo abaixo sejam
exemplos de serializaccedilatildeo e sua anaacutelise deva estar pautada no conjunto de suas
propriedades semacircnticas e formais visto que uma anaacutelise que se limitasse a verificar
apenas o niacutevel estrutural resultaria em provaacuteveis conclusotildees contestaacuteveis Observemos
os exemplos abaixo77
(1)
S V1 O V2 O
sran kun kakakaka nnnn nawlɛ klklklklɛɛɛɛ mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(2)
S V1 V2 O
fa nu13nu kun wun $ a wun i
Ele pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpa uma (fruta) viursquo
Na descriccedilatildeo do baulecirc realizada por Creissels amp Kouadio (1977) os autores
reconhecem que nessa liacutengua talvez mais que em outras construccedilotildees seriais se
assemelham formalmente agrave justaposiccedilatildeo de proposiccedilotildees
77 Os exemplos a seguir fazem parte do corpus de anaacutelise e foram coletados transcritos e traduzidos pela pesquisadora 78 Esse eacute um termo geral empregado para designar genericamente tudo o que estiver relacionado agrave noccedilatildeo de corpo superfiacutecie de algo pele entre outros
99
Utilizamos o termo lsquoseacuterie verbalrsquo para uma
construccedilatildeo cujo funcionamento eacute idecircntico ao de
seacuteries verbais nas liacutenguas em que essa noccedilatildeo jaacute foi
reconhecida mas que se distingue pouco do ponto
de vista formal a seacuterie verbal do baulecirc eacute com efeito
relativamente mais proacutexima formalmente da
justaposiccedilatildeo de proposiccedilatildeo que a seacuterie verbal de
outras liacutenguas79
Essa foi a primeira descriccedilatildeo do baulecirc e no que se refere agraves construccedilotildees seriais
nessa liacutengua aponta para um problema acima de tudo delicado nessa liacutengua tais
construccedilotildees natildeo compotildeem uma categoria verdadeiramente homogecircnea e sua
semelhanccedila com sentenccedilas justapostas eacute maior do que na maioria das liacutenguas seriais (cf
CREISSELS amp KOUADIO 1977 417) Assim na tentativa de identificar as caracteriacutesticas
dessas construccedilotildees em baulecirc alguns criteacuterios foram estabelecidos pelos autores (cf
CREISSELS amp KOUADIO opcit)
bull satildeo radicais verbais sucessivos natildeo separados por uma conjunccedilatildeo ou mudanccedila
de entonaccedilatildeo
bull o sujeito deve obrigatoriamente ser expresso junto ao primeiro termo da seacuterie a
sua repeticcedilatildeo diante dos outros verbos eacute facultativa
bull cada termo da seacuterie pode vir seguido de sua proacutepria expansatildeo80
bull cada termo pode receber afixos de valores gramaticais (tempo modo aspecto)
mas as marcas devem ser as mesmas para cada um e devem afetar globalmente a
construccedilatildeo
Vejamos um exemplo
(3)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ssg pegar frango mostrar 1Osg
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
79 ldquoNous utilisons le terme lsquoseacuterie verbalersquo pour une construction qui fonctionnellement est tout agrave fait identique aux seacuteries verbales des langues dans lequelles cette notion a eacuteteacute jusqursquoici reconnue mais qui srsquoen distingue quelque peu du point de vue formel la seacuterie verbale du baouleacute est en effet relativement plus proche formellement de la justaposition de proposition que la seacuterie verbale drsquoautres languesrdquo 80 De acordo com esses autores expansatildeo eacute o constituinte sintaacutetico cuja funccedilatildeo estaacute diretamente ligada ao sentido do verbo e cuja localizaccedilatildeo relativa ao radical do verbo estaacute ligada a sua funccedilatildeo (cf CREISSELS
amp KOUADIO 1977)
100
Nesse exemplo depreendem-se muitas caracteriacutesticas elencadas por Creissels amp
Kouadio (1977) uma sequecircncia de verbos sem conectivos sujeito uacutenico expresso
apenas diante do primeiro verbo verbos seguidos de sua proacutepria expansatildeo marca
gramatical afetando a construccedilatildeo por completo (morfema zero indicativo de aspecto
imperfectivo) No entanto a observaccedilatildeo das propriedades formais pode levar agrave
classificaccedilatildeo do enunciado acima como uma coordenada sem conectivo com o
significado de ldquoEle pega o frango e mostra para mimrdquo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
estaacute seguido de sua expansatildeo e portanto apresenta propriedades morfoloacutegicas de verbo
pleno Comparemos o enunciado (3) acima com o enunciado (4)81 a seguir
(4)
ā su fā wɔ swӑ n kle mī
2Ssg PROG pegar dele casa DET mostrar 1Osg
lsquoVocecirc estaacute mostrando a casa dele para mimrsquo
Aqui o item lexical que deveria cumprir a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento interno
do verbo em primeira posiccedilatildeo (fa) tem caracteriacutesticas que inviabilizam a sua anaacutelise
como verbo pleno uma vez que seria inverossiacutemil pensar que algueacutem pegaria
literalmente uma casa em suas matildeos para mostrar para outra pessoa Dessa forma eacute
mais aceitaacutevel interpretar que o verbo kle lsquomostrarrsquo seja o predicador desse argumento
interno Corrobora essa anaacutelise Kouadio (2000 83)
Nessa seacuterie verbal fa funciona como uma
ferramenta gramatical cujo papel eacute simplesmente o de
introduzir o objeto de um predicado cujo sentido eacute
inteiramente dado por um outro item verbal (aqui man) com
o qual fa estaacute em combinaccedilatildeo apesar de do ponto de vista
morfoloacutegico fa restar plenamente como um verbo Pode-se
dizer que nas construccedilotildees desse tipo man tem por funccedilatildeo
enquanto segundo verbo da seacuterie introduzir o beneficiaacuterio de
81 Exemplo extraiacutedo de Kouadio 2000 82
101
uma accedilatildeo cujo objeto constitui sintaticamente o primeiro
termo da seacuterie82
Assim partindo da perspectiva de que toda construccedilatildeo linguiacutestica eacute uma unidade
simboacutelica formada de um poacutelo fonoloacutegico e outro semacircntico e que leacutexico e sintaxe
formam um continuum realizaremos a descriccedilatildeo de construccedilotildees seriais em baulecirc por
dois caminhos complementares a) descrever suas propriedades morfossintaacuteticas e
semacircnticas e b) realizar um mapeamento da representaccedilatildeo conceitual de construccedilotildees
seriais em baulecirc a partir das possibilidades formais de sua realizaccedilatildeo
Para a descriccedilatildeo das propriedades morfossintaacuteticas e semacircnticas utilizaremos a
proposta de Aikhenvald amp Dixon (2006) que subdivide as construccedilotildees seriais em dois
grandes grupos simeacutetricas e assimeacutetricas Durante esse percurso abordaremos tambeacutem
a proposta de Larson (2005) que classifica como coordenada do tipo Empty Subject
Constructions construccedilotildees em geral entendidas como seriais Dessa forma discutiremos
a semelhanccedila entre construccedilotildees seriais e algumas coordenadas sem conectivo em baulecirc
Para realizar o que estaacute proposto no item b acima nos guiaremos pelo subsiacutedio teoacuterico
da Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 1998 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (GOLDBERG 1995)
41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc Partimos da premissa de que construccedilotildees seriais natildeo constituem um recurso
sintaacutetico homogecircneo e suas propriedades formais podem ser semelhantes agraves de
coordenadas sem conectivo Adotaremos a proposta analiacutetica de Aikhenvald amp Dixon
(2006) que abrange suas propriedades semacircnticas e funcionais e consoante tal
tipologia (ver capiacutetulo 1) subdividiremos as construccedilotildees seriais em baulecirc em dois
grupos semacircnticos construccedilotildees simeacutetricas nas quais os verbos representam
conjuntamente um uacutenico evento seus traccedilos semacircnticos se inter-relacionam para formar
uma composiccedilatildeo harmoniosa obedecem a uma ordem icocircnica de organizaccedilatildeo e nenhum
82 ldquoDans cette seacuterie verbale fa fonctionne comme un outil grammatical dont le rocircle est simplement drsquointroduire lrsquoobjet drsquoun preacutedicat dont le sens est entiegraverement donneacute par lrsquoautre lexegraveme verbal (ici man) avec lequel fa est en combinaison bien que drsquoun point de vue morphologique fa reste ici pleinement um verbe On peut donc dire que dans les constructions de ce type man a pour fonction en tant que deuxiegraveme verbe drsquoune seacuterie verbale drsquointroduire le beacuteneacuteficiaire drsquoune action dont lrsquoobjet constitue syntaxiquement le premier terme de la seacuterie raquo
102
dos seus componentes isoladamente determina as propriedades semacircnticas ou sintaacuteticas
da construccedilatildeo e construccedilotildees assimeacutetricas em que um dos verbos aporta o significado
principal da construccedilatildeo e o outro verbo tem caraacuteter gramatical ou discursivo
Essa dicotomia enseja uma averiguaccedilatildeo do caraacuteter gramatical dos itens que se
apresentam como verbos em construccedilotildees seriais assimeacutetricas uma vez que eles nem
sempre mantecircm todos os atributos dessa categoria Adotaremos como pressuposto que
esses itens lexicais nessas construccedilotildees passam por processos de gramaticalizaccedilatildeo e por
essa razatildeo se apresentam ainda como portadores de determinadas propriedades verbais
(o que permite que sejam por vezes classificados como verbos) mas com conteuacutedos
semacircnticos que se acomodaram ao novo contexto de uso Dessa forma em decorrecircncia
dos traccedilos semacircnticos que compotildeem seu significado prototiacutepico podem adquirir
caracteriacutesticas de verbos funcionais83
411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
Em baulecirc construccedilotildees seriais assimeacutetricas satildeo empregadas para
a) introduzir o papel semacircntico de beneficiaacuterio
b) introduzir o papel de instrumento
c) indicar o modo de realizaccedilatildeo de um evento
d) Indicar uma comparaccedilatildeo
e) Indicar a origem do movimento ou percurso
Analisaremos a seguir cada um dos itens citados
a) Papel semacircntico de beneficiaacuterio
Os verbos que se manifestam com mais frequecircncia em construccedilotildees seriais
assimeacutetricas para expressar alguns dos valores relatados acima satildeo fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo Vejamos84
(5 ) i ni fafafafa i kondro fafafafa13 kkkktttt su
Poss matildee pegar poss cobertor pegar cobrir LOC (por cima)
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
83 Verbos funcionais satildeo aqueles que natildeo selecionam argumentos nem atribuem papeacuteis temaacuteticos transferindo essa funccedilatildeo para outros constituintes (cf Castilho 2010 396-397) 84 Exemplo retirado de nosso corpus de pesquisa
103
Nesse exemplo V1 eacute antecedido por um sintagma nominal que ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de sujeito desse verbo e seguido por um argumento interno V2 por sua vez
funcionando como um elo entre o sintagma nominal de valor instrumental introduzido
por V1 e o verbo em posiccedilatildeo V3 na construccedilatildeo De acordo com Kouadio (2000) o verbo
fa lsquopegarrsquo em baulecirc em posiccedilatildeo V1 numa construccedilatildeo serial exprime valor instrumental
ou comitativo podendo ser traduzido pela preposiccedilatildeo COM no portuguecircs A cena
principal descrita eacute representada pelo verbo em posiccedilatildeo de V3 kɛtɛ lsquocobrirrsquo
proeminente em termos semacircnticos em relaccedilatildeo ao V1 e V2 Os criteacuterios formais que nos
levam a analisar esse enunciado como uma construccedilatildeo serial satildeo principalmente os
verbos em sequecircncia - sendo V1 apenas como introdutor de argumento interno e V2
sem funccedilatildeo sintaacutetica aparente - e a ausecircncia de um pronome sujeito diante do segundo
verbo da construccedilatildeo Esse traccedilo jaacute fora identificado por Kouadio amp Creissels (1977
421) como indicativo de serializaccedilatildeo em baulecirc ldquoEacute aliaacutes essa possibilidade de natildeo ter o
sujeito expresso diante do segundo termo que distingue formalmente em baulecirc a seacuterie
verbal da justaposiccedilatildeo de duas proposiccedilotildeesrdquo85
Nessa definiccedilatildeo os autores estabelecem que a possibilidade de omitir o pronome
sujeito eventualmente diante do segundo verbo da construccedilatildeo seria um traccedilo
caracteriacutestico da serializaccedilatildeo e natildeo de uma coordenaccedilatildeo Em estudo mais recente
Kouadio (2000) reconsidera essa propriedade e demonstra que esse criteacuterio natildeo
diferencia uma construccedilatildeo serial de uma coordenada sem conectivo uma vez que na
coordenaccedilatildeo tambeacutem eacute possiacutevel omitir o sujeito diante do segundo verbo nos casos em
que o sujeito for o mesmo do primeiro verbo
Sebba (1987 167) analisou casos semelhantes aos do exemplo (5) em anhi-
baulecirc86 e classificou verbos como fa de dummy verbs justificando que ldquonesse caso fa-2
natildeo tem marcas de pessoa ou de tempo () seu comportamento eacute mais o de um
formativo gramatical que o de um verdadeiro verbordquo87 Pelos exemplos observados no
corpus no entanto verificou-se que numa construccedilatildeo serial ao adquirir outra funccedilatildeo
que natildeo propriamente a de verbo pleno o item lexical manteacutem determinados traccedilos
semacircnticos de seu significado original de verbo pleno e por meio de um processo
85 ldquoCrsquoest drsquoailleurs cette possibiliteacute de ne pas avoir du tout de sujet exprimeacute devant le deuxiegraveme terme qui distingue formellement en baouleacute la seacuterie verbale de la juxtaposition de deux propositionsrdquo 86 O autor considera anhi uma liacutengua variante do baulecirc 87 ldquoIn this case fa-2 does not take tense or person marking () its behaviour is that of a grammatical formative rather than a true verbrdquo
104
metafoacuterico adeacutequa-se ao novo contexto Todavia esses verbos continuam a ser
empregados como verbo pleno em construccedilotildees natildeo-seriais Observemos o exemplo (6)
(6)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
Construccedilotildees com o verbo dar em segunda posiccedilatildeo satildeo comumente atestadas em
liacutenguas seriais Nesses casos esse item lexical natildeo funciona como verbo pleno mas
como verbo funcional introduzindo o termo que recebe do verbo principal da
construccedilatildeo o papel semacircntico de beneficiaacuterio Traccedilos semacircnticos desse verbo ‒ tais
como indicar um processo (+teacutelico +dinacircmico -durativo) envolvendo os papeacuteis
semacircnticos de agente tema e beneficiaacuterio ‒ possibilitam que ele seja empregado nessa
funccedilatildeo O fato de esse verbo quando empregado em construccedilotildees simples envolver na
relaccedilatildeo semacircntica entre seus argumentos um participante de papel beneficiaacuterio
proporcionou o seu emprego em construccedilotildees seriais como a do exemplo acima
No exemplo (6) os verbos carregam as mesmas marcas de aspecto possuem um
sujeito em comum expresso apenas junto ao V1 e compartilham o argumento interno
Contudo apesar de o verbo em posiccedilatildeo V2 ter caracteriacutesticas de verbo (portar iacutendice
aspectual e ocupar posiccedilatildeo verbal) a leitura que se faz da construccedilatildeo nos mostra que ele
eacute um verbo funcional que liga os argumentos selecionados pelo verbo yo lsquofazerrsquo
Eacute necessaacuterio retomar aqui alguns traccedilos considerados prototiacutepicos ao papel de
beneficiaacuterio (SILVA 1999 APUD KEWITZ 2007) participante ativo que pode (i) interagir
com o objeto da transferecircncia (ii) reagir a esse objeto e (iii) exercer controle sobre ele
ou manipulaacute-lo No caso acima o item lexical man representa a transferecircncia material
no domiacutenio de controle de um objeto para um beneficiaacuterio
Baulecirc eacute uma liacutengua que natildeo faz uso de preposiccedilotildees em algumas construccedilotildees
indicando as relaccedilotildees entre os argumentos em sintagmas de um uacutenico verbo pelo seu
ordenamento em relaccedilatildeo ao verbo a saber [S V OI OD] como se observa no exemplo a
seguir
105
(7)
i mamamama nnnn----ni mi swa kun
3Ss dar-PERF 1Os casa INDEF
lsquoEle deu uma casa para mimrsquo
O fato de um verbo ser utilizado em construccedilotildees seriais natildeo impossibilita o seu
uso em construccedilotildees simples como atesta o exemplo (7) acima Particularmente em
relaccedilatildeo ao verbo man Kouadio (2000) nos faz notar que se torna cada vez mais raro
apesar de ainda possiacutevel o uso desse verbo em sentenccedilas com um soacute verbo (exemplo 7)
A construccedilatildeo mais comumente empregada contudo para que se obtenha o significado
de DAR eacute a construccedilatildeo serial faman
(8)
ɔ fafafafa li sua nga mamamamannnn niacute miacute
3S pegar PERF casa DEM dar PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nesse enunciado o verbo man lsquodarrsquo manteacutem-se como verbo pleno mesmo
ocupando a posiccedilatildeo de V2 na construccedilatildeo Em (8) o verbo funcional eacute fa lsquopegarrsquo em
posiccedilatildeo V1 A construccedilatildeo acima natildeo seria interpretada por um falante de baulecirc como
ldquoEle pegou e deu essa casa para mimrdquo88 O verbo fa lsquopegarrsquo quando estaacute em posiccedilatildeo
inicial numa construccedilatildeo serial se ajusta semanticamente agrave construccedilatildeo para compor o
seu significado global O verbo man por sua vez eacute o verbo que carrega o significado
central No entanto apesar de man preservar seu significado de verbo pleno quando
compuser a construccedilatildeo faman natildeo poderaacute manter a ordem canocircnica dos argumentos de
uma construccedilatildeo simples Fa em construccedilotildees desse tipo natildeo se encaixa na categoria de
verbo apesar de possuir algumas propriedades verbais Ele imprime ao agente da cena
88 Realizamos testes com nossa colaboradora principal e ela nos afirmou que essa interpretaccedilatildeo seria equivocada Para esse tema ver tambeacutem Kouadio 2000 82 que corrobora essa informaccedilatildeo
106
principal descrita um traccedilo de voliccedilatildeo identificado pragmaticamente Comparando os
exemplos 6 e 8 obtemos as seguintes estruturas
Exemplo (6)
yo man
SN V1 O1 V2 O2 fazer algo para algueacutem
FAZER DAR
Exemplo (8)
fa man
SN V1 O1 V2 O2 dar algo para algueacutem
PEGAR DAR
Numa primeira observaccedilatildeo a estrutura das construccedilotildees parece ser a mesma
Poreacutem no exemplo (6) V1 adquire proeminecircncia em relaccedilatildeo a V2 pois representa a
descriccedilatildeo da cena e man natildeo eacute propriamente um verbo pleno Em (8) por sua vez
man em posiccedilatildeo V2 eacute verbo e tem papel central no evento descrito fa (V1) por outro
lado perde algumas de suas propriedades verbais Os esquemas acima demonstram que
V1 e V2 podem ter pesos sintaacuteticos diferentes na construccedilatildeo uma vez que ambos satildeo
aptos a adquirir tanto papel central (verbo pleno) quanto secundaacuterio (verbo funcional)
na descriccedilatildeo da cena A combinaccedilatildeo dos itens lexicais (V1 e V2) numa determinada
construccedilatildeo jaacute carregada de sentido em sua estrutura argumental eacute que vai resultar em
seu significado total e determinar portanto qual posiccedilatildeo teraacute proeminecircncia sobre a
outra
Por esses exemplos procuramos demonstrar que os verbos que compotildeem uma
construccedilatildeo serial natildeo satildeo necessariamente verbos defectivos e continuam aptos a
preencher a funccedilatildeo de verbo pleno em construccedilotildees com um soacute verbo ou mesmo em uma
construccedilatildeo serial
A seguir outro exemplo que se encaixa na estrutura argumental e semacircntica
apresentada nos casos (6) e (8) Tambeacutem emprega o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1
mas utiliza o verbo cɛ lsquooferecerrsquo em posiccedilatildeo V2 para introduzir o beneficiaacuterio da accedilatildeo
107
(9)
i fafafafa mango ccccɛɛɛɛ mi
3Ssg pegar manga oferecer 1Osg
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Nas sentenccedilas (8) e (9) a organizaccedilatildeo conceitual da cena descrita eacute semelhante
os participantes estatildeo envolvidos em um processo denotado principalmente pelo verbo
em posiccedilatildeo V2 Um dos participantes inicia uma accedilatildeo sobre um objeto e essa accedilatildeo se
reflete em outro participante de alguma maneira As nuances entre os traccedilos semacircnticos
dos verbos man lsquodarrsquo e cɛ lsquooferecerrsquo natildeo tecircm influecircncia na definiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos atribuiacutedos aos participantes da cena nem na estrutura argumental A
diferenccedila se faz perceber no conteuacutedo informacional da sentenccedila enquanto o verbo man
natildeo pressupotildee (ou atribui menor valor) a possibilidade de recusa do participante
beneficiado em receber oobjeto o verbo cɛ atribui um traccedilo volicional mais ativo a esse
participante e evidencia essa possibilidade de recusa pois estaacute atrelado agrave ideia de
ldquoofertar disponibilizar presentearrdquo preenchendo melhor as caracteriacutesticas elencadas
por Silva (1999)
b) Introdutor de papel semacircntico de instrumento
O segundo tipo de construccedilatildeo assimeacutetrica identificado em baulecirc introduz o
instrumento de uma accedilatildeo e em geral eacute expresso tambeacutem pelo verbo fa lsquopegarrsquo De
acordo com Kouadio (2000 83) ldquoEacute o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 em uma seacuterie
verbal que permite a expressatildeo do instrumental ou do comitativo como o exemplo (32)
atesta Dwo nesse enunciado eacute sintaticamente uma expansatildeo de fa e semanticamente
um complemento de acompanhamento Esse enunciado pode aliaacutes ser traduzido por ele
veio com o inhamerdquo89
89 ldquoCrsquoest le verbe fa lsquoprendrersquo en position de V1 dans une seacuterie verbale qui permet drsquoexprimer lrsquoinstrumental ou le comitatif comme lrsquoexemple (3289) lrsquoatteste Dwo dans cet eacutenonceacute est syntaxiquement une expansion de fa et seacutemantiquement un compleacutement drsquoaccompagnement Cet eacutenonceacute peut drsquoailleurs ecirctre traduit par lsquoil est venu avec de lrsquoignamersquordquo
108
(10)
lsquoIl a apporteacute de lrsquoignamersquo lsquoele trouxe o inhamelsquo
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo se constitui propriamente como um verbo
conforme apontado tambeacutem nos exemplos (8) e (9) Suas caracteriacutesticas verbais se
manifestam sintaticamente pela posiccedilatildeo que ocupa na sentenccedila e morfologicamente por
trazer a marca aspectual No entanto no niacutevel semacircntico nem todos os seus traccedilos satildeo
mantidos na composiccedilatildeo do significado geral da construccedilatildeo O verbo fa em seu sentido
mais prototiacutepico remete a traccedilos de voliccedilatildeo e posse No caso do exemplo (10) acima
extraiacutedo de Kouadio (2000) por meio desse verbo depreende-se que o participante da
cena descrita carrega traz consigo o inhame
Em baulecirc natildeo eacute possiacutevel denotar a relaccedilatildeo de posse estabelecida pela construccedilatildeo
serial faba por meio de uma preposiccedilatildeo Preposiccedilotildees satildeo entendidas aqui como
operadores de predicaccedilatildeo que estabelecem relaccedilotildees espaciais temporais de posse entre
outras entre dois termos de uma sentenccedila (cf KEWITZ 2007) No exemplo (10) fa
tambeacutem estabelece uma relaccedilatildeo de posse entre o participante da cena descrita e o objeto
nela relacionado E essa propriedade de posse eacute verificada durante o processo de
deslocamento desse participante descrito na cena representado na construccedilatildeo pelo
verbo ba Esse processo poreacutem natildeo representa a cena completa que eacute vir e trazer o
inhame vir COM o inhame O elemento que introduz a informaccedilatildeo de que o
participante tem a posse de algo eacute o verbo fa
O verbo fa encontra-se num processo de mudanccedila linguiacutestica evidenciado por
seu emprego em construccedilotildees seriais e pelo fato de ainda manter determinadas
propriedades verbais Ele pode ser usado como verbo pleno em sentenccedilas simples e seu
estatuto morfoloacutegico em construccedilotildees seriais pode permanecer por ora difuso Natildeo eacute
possiacutevel poreacutem na construccedilatildeo analisada classificar fa nem como verbo nem como
preposiccedilatildeo mesmo que esse item lexical possua propriedades de uma e de outra classe
de palavra Se considerarmos esses itens lexicais como integrantes de categorias natildeo
estanques poderemos visualizar uma escala em que numa extremidade estaacute a classe de
verbos e na outra a de preposiccedilatildeo O intervalo entre essas classes de palavras seraacute
preenchido por cada verbo de uma construccedilatildeo serial de acordo com as propriedades que
ɔ ffffāāāā----li dwo babababa -li
Il prendre-ACC igname venir-ACC
109
adquire na estrutura Dessa forma teremos que ora V1 ou V2 estaraacute mais proacuteximo da
classe de verbos ora da classe de preposiccedilotildees [+V +Prep]
O exemplo a seguir90tambeacutem contribui para a discussatildeo
(11)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Em (11) temos a mesma estrutura sintaacutetica depreendida dos exemplos (8) e (9)
[S V1 O1 V2 O2]
Em posiccedilatildeo V1 novamente temos o verbo fa lsquopegarrsquo que apresenta
caracteriacutesticas verbais mas semanticamente natildeo pode ser interpretado com o sentido de
PEGAR Em Kouadio (2000 83) temos que a introduccedilatildeo de fa assinala a presenccedila de
um instrumental o qual o autor compara agrave preposiccedilatildeo AVEC do francecircs Considero
poreacutem que a cena acima pode tambeacutem ser classificada como representativa das fases de
um mesmo processo no caso o de cortar o patildeo Na escala [+V +Prep] o verbo
em posiccedilatildeo V1 parece estar num ponto equidistante das duas extremidades pois
dependendo da ecircnfase dada pelo falante a accedilatildeo de pegar a faca pode ser mais ou menos
salientada na cena de cortar o patildeo Dessa forma a comparaccedilatildeo de tal item lexical com a
preposiccedilatildeo AVEC (com) eacute possiacutevel mas natildeo eacute a uacutenica Consideramos que exemplos
como esse estejam num processo de gramaticalizaccedilatildeo em que natildeo seja possiacutevel definir
de forma absoluta a classe de palavra a que pertence fa lsquopegarrsquo
Eacute necessaacuterio poreacutem acrescentar que construccedilotildees seriais natildeo representam o
uacutenico recurso sintaacutetico em baulecirc para expressar o instrumental ou o comitativo O
morfema coordenativo ni tambeacutem pode ser empregado para introduzir um lexema
nominal com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento (conforme exemplo
12) Esse morfema tem por funccedilatildeo baacutesica exprimir relaccedilotildees de coordenaccedilatildeo entre dois
termos pronomes e nomes a coordenaccedilatildeo de adjetivos verbos ou proposiccedilotildees natildeo pode
ser feita ele Sua funccedilatildeo se expande poreacutem em determinados casos para a de introdutor
90 Corpus 4
110
de um nome com valor semacircntico de instrumento ou acompanhamento o que em
algumas liacutenguas pode ser realizado por meio de uma preposiccedilatildeo Vejamos os exemplos
a seguir (KOUADIO amp CREISSELS 1977 348 344)
(12)
ɔ kpkpkpkpɛɛɛɛ lsaquolsaquo lsaquolsaquo-li kpaun nininini laliɛ
3Ss cortar -PERF patildeo COM faca
lsquoEle cortou o patildeo com uma facarsquo
(13)
ɔ nnnnīīīī wākǎmǎ ba-lī
3Ss ECOM fruta vir-PERF
lsquoEle trouxe frutasrsquo
O enunciado (13) se interpretado literalmente estabelece a coordenaccedilatildeo entre
dois termos que preenchem a funccedilatildeo sintaacutetica de argumento externo do verbo No
entanto semanticamente por ser o segundo elemento um ser inanimado natildeo seria
possiacutevel exceto por extensatildeo metafoacuterica que ele protagonizasse o evento designado
pelo verbo ba lsquovirrsquo sem o auxiacutelio de um ser animado neste caso representado pelo
pronome sujeito de terceira pessoa do singular (ɔ) Dessa forma entende-se que a cena
descrita pela construccedilatildeo acima eacute de algueacutem que trouxe consigo frutas A expressatildeo
dos valores semacircnticos de instrumental e comitativo pode ser feita portanto por meio
de uma construccedilatildeo serial com o verbo fa ou por meio do morfema coordenativo ni A
escolha de um ou outro recurso eacute assim determinada pelo proacuteprio falante
c) Modo de realizaccedilatildeo de um evento
Para exprimir a maneira como o evento se realizou tambeacutem se utiliza uma
construccedilatildeo serial Vejamos os exemplos (14) e (15) a seguir
111
(14)
e nanananantintintinti -li e gbgbgbgbɛɛɛɛ-li atin
1Spl andar-PERF 1Spl atravessar-PERF caminho
lsquoNoacutes atravessamos a rua andandorsquo
(15)
e su wawawawandindindindi babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes estamos chegando correndorsquo
A estrutura sintaacutetica das construccedilotildees acima eacute [S V1 (S) V2 (X91)] A assimetria
de construccedilotildees seriais como essas estaacute no fato de que o termo em posiccedilatildeo V1 na
estrutura indica a maneira como ocorreu o evento em si representado por V2 No caso
do exemplo (14) V1 e V2 portam as marcas verbais de aspecto (idecircnticas em ambos) e
o pronome sujeito se repete antecedendo cada verbo Por sua vez no exemplo (15)
apenas o V1 porta a marca aspectual que no entanto tem escopo sobre toda a
construccedilatildeo assim como eacute apenas diante desse verbo (V1) que o sujeito eacute expresso Satildeo
facultativas a inclusatildeo de um pronome sujeito junto ao V2 (V3 etc) e a repeticcedilatildeo das
marcas verbais junto a todos os verbos da construccedilatildeo
d) Indicativas de comparaccedilatildeo
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas podem ainda expressar a comparaccedilatildeo entre
dois termos
(16)
n sisisisi Kofi kpa tratratratra Kwaku
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuaku
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakorsquo92
91 Utilizaremos X sempre que o espaccedilo puder preenchido tanto por argumento quanto por adjunto 92 A comparaccedilatildeo se faz entre Kofi e Kuaku qual deles o sujeito do enunciado conhece melhor
112
(17)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacuten miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Nos exemplos elencados a comparaccedilatildeo se estabelece entre O1 e O2 e a relaccedilatildeo
entre esses termos eacute feita pelo verbo tratratratra em posiccedilatildeo V2 O verbo em posiccedilatildeo V1 pode
ser tanto um verbo que represente um evento ativo (como no caso de falar) quanto um
mental (como em (16) com o verbo conhecer) Nesses casos natildeo ocorreu repeticcedilatildeo do
sujeito diante de V2 Contudo eacute possiacutevel que o sujeito venha repetido diante do
segundo verbo como vemos nos exemplos a seguir de Kouadio (2000)
(18)
n kkkkɔɔɔɔ Bwake n tratratratra Kofi
1Ss ir Buake 1Ss ultrapassar Kofi
lsquoEu vou mais a Buake que Kofirsquo
A repeticcedilatildeo do sujeito eacute facultativa e natildeo se sobrepotildee ao significado da sentenccedila
Contudo essa repeticcedilatildeo pode facilitar sua interpretaccedilatildeo e evitar ambiguidade uma vez
que reitera qual eacute o sujeito da construccedilatildeo e consequentemente quais os termos
comparados No exemplo (18) natildeo haacute ambiguidade pois a comparaccedilatildeo eacute claramente
estabelecida entre os termos animados da construccedilatildeo representados pelo pronome de 1a
pessoa e o nome Kofi Natildeo seria possiacutevel comparar termos que representassem seres
com traccedilos semacircnticos opostos e excludentes como um local e um ser animado O
exemplo a seguir ilustra um caso de comparaccedilatildeo de algo em relaccedilatildeo a dois dias da
semana
(19)
igrave wun93 tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss REFL ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje que ontemrsquo
93 Esse item lexical eacute usado como pronome reflexivo
113
A estrutura entatildeo da construccedilatildeo serial assimeacutetrica que estabelece comparaccedilatildeo
em baulecirc eacute [S V1 X (S) V2 X]
e) Origem do movimento ou percurso
As construccedilotildees seriais assimeacutetricas empregadas para indicar a origem e o destino
de um movimento ou percurso podem ser observadas pelo exemplo (20) abaixo
(20)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
Creissels amp Kouadio (opcit p423) justificam a combinaccedilatildeo dos verbos fiacuten
ba na construccedilatildeo serial no fato de o verbo ba natildeo poder ele mesmo ter como expansatildeo
uma expressatildeo que indique origem ao passo que fin eacute obrigatoriamente seguido de um
locativo O verbo fin desse modo acrescenta uma informaccedilatildeo que caracteriza a accedilatildeo
principal descrita ao designar o local de origem do movimento representado Por terem
conteuacutedos semacircnticos semelhantes mas estruturas argumentais diferentes o verbo fin
funciona na construccedilatildeo como o introdutor do locativo (origem) ao passo que ba carrega
propriamente o significado da construccedilatildeo (deslocamento) Assim como nos exemplos
anteriores um dos verbos conserva algumas de suas propriedades verbais e adquire por
outro lado um estatuto morfoloacutegico hiacutebrido O outro verbo da construccedilatildeo por sua vez
tem preservadas suas propriedades inerentes de verbo pleno A estrutura da construccedilatildeo
(20) eacute [S V1 LOC (S) V2]
Consideraccedilotildees finais
Construccedilotildees seriais assimeacutetricas representam um recurso sintaacutetico que envolve
a combinaccedilatildeo natildeo-aleatoacuteria de itens verbais em uma estrutura sintaacutetica do tipo [S V1
114
(O1) V2 (O2)] Essa estrutura pode variar sensivelmente mas manteraacute primordialmente
essa base
As marcas verbais poderatildeo ocorrer no primeiro eou no segundo verbo mas se
ocorrerem em ambos os verbos deveratildeo ser concordantes ou iguais A expressatildeo do
sujeito diante de apenas um verbo (V1) ou de todos os verbos eacute facultativa e em geral
natildeo altera o significado da construccedilatildeo pode contudo solucionar ambiguidades como
no caso das construccedilotildees indicativas de uma comparaccedilatildeo
Os verbos de uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo tecircm o mesmo estatuto na
construccedilatildeo Um dos verbos adquire propriedades semacircnticas e funcionais que natildeo satildeo
propriamente as de um verbo pleno Esse pode ser o resultado ou a indicaccedilatildeo de algum
estaacutegio do processo de gramaticalizaccedilatildeo no qual o item verbal ainda natildeo tem definida
sua nova categoria gramatical Por outro lado por suprir funccedilotildees outras que natildeo as
prototipicamente verbais pode passar a integrar uma nova classe morfoloacutegica que ateacute
entatildeo natildeo existia na liacutengua Dessa forma neste trabalho vamos admitir que um dos itens
que compotildeem uma construccedilatildeo serial assimeacutetrica adquire propriedades jaacute delimitadas
pela estrutura sintaacutetica da construccedilatildeo e que soacute iraacute integraacute-la se houver combinaccedilatildeo
possiacutevel entre suas propriedades lexicais e a construccedilatildeo
412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
Esse tipo de construccedilatildeo serial constitui-se de verbos que se combinam para
representar conjuntamente um uacutenico evento Consideremos o exemplo a seguir
(21)
sran kun kakakakannnn nanwlɛ klklklkle mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
Pela observaccedilatildeo da sentenccedila acima depreendemos a seguinte estrutura sintaacutetica
115
([SN]94 V1 [OD1] V2 OI2) Os verbos V1 e V2 tecircm o mesmo sujeito expresso uma
uacutenica vez diante do primeiro verbo A ordem dos argumentos na sentenccedila acima assim
como ocorreu com os exemplos de construccedilotildees assimeacutetricas eacute distinta da ordem
estabelecida em sentenccedilas com um soacute verbo Nas sentenccedilas multiverbais como as
construccedilotildees seriais a ordem eacute [S V1 OD V2 OI] nas sentenccedilas com um soacute verbo a
ordem eacute [S V OI OD] A marca aspectual de imperfectivo (Ǿ) eacute a mesma para ambos os
verbos O niacutevel semacircntico por sua vez mostra que V1 e V2 natildeo mantecircm seus valores
prototiacutepicos O verbo kan lsquofalarrsquo pede uma estrutura transitiva em que um agente (um
ser animado) exerce uma forccedila abstrata sobre si mesmo para produzirmanifestar um
resultado (a fala) por sua vez kle lsquomostrarrsquo tambeacutem em uma estrutura transitiva
implica a accedilatildeo de um agente que exerce uma forccedila sobre um tema que passa ao domiacutenio
visual de um beneficiaacuterio Em sintagmas verbais simples teriacuteamos estruturas como
(22)
e kan be bawle
3Spl falar 3Opl baulecirc
lsquoNoacutes falamos baulecirc para elesrsquo
Na construccedilatildeo serial do exemplo (21) nem um nem outro verbo representa por
si soacute o evento descrito (contar a verdade) kan e kle tecircm conteuacutedos semelhantes que
sobrepostos possibilitaram a composiccedilatildeo acima resultando num terceiro significado
que natildeo eacute propriamente nem apenas ldquofalarrdquo nem apenas ldquomostrarrdquo Assim essa
construccedilatildeo natildeo eacute composta de duas proposiccedilotildees
No niacutevel sintaacutetico observamos que kan introduz o objeto direto e o verbo kle
introduz o objeto indireto No entanto a interpretaccedilatildeo que se faz da sentenccedila natildeo pode
ser linear o que resultaria em ldquoOs seres humanos falam a verdade e mostram para
mimrdquo A interpretaccedilatildeo apresentada pelos falantes nativos que forneceram a sentenccedila em
questatildeo eacute ldquoOs seres humanos contam a verdade para mimrdquo o que indica uma relaccedilatildeo
combinatoacuteria entre os traccedilos semacircnticos dos verbos bem como de sua estrutura
argumental Essa combinaccedilatildeo portanto demonstra que a estrutura sintaacutetica da
94 Os colchetes indicam que o argumento eacute o mesmo para ambos os verbos
116
construccedilatildeo natildeo pode ser traduzida de forma linear numa leitura unidirecional mas sim
considerando o conteuacutedo lexical dos itens que a compotildeem e a maneira com que se
relacionam na construccedilatildeo
A posiccedilatildeo do objeto direto na construccedilatildeo serial pode variar quando tiver sido
introduzido na sentenccedila e anteceder a construccedilatildeo serial conforme observamos no
exemplo (23) a seguir
(23)
y k kakakaka nnnn s [] nd kkkkaaaa13nnnn klekleklekle ba entatildeo enquanto falar dem [hesitaccedilatildeo] histoacuteria falar mostrar crianccedila
lsquoentatildeo enquanto (ela) conta a histoacuteria agrave crianccedila
lafl kun ba sono matar crianccedila
a crianccedila dormersquo
A construccedilatildeo serial kan kle estaacute inserida em uma construccedilatildeo subordinada maior
e tem o primeiro verbo repetido apoacutes hesitaccedilatildeo do falante consequentemente apresenta
o objeto direto em posiccedilatildeo natildeo padratildeo convertendo-se na seguinte estrutura [(S)V1 OD
V1 V2 OI] A repeticcedilatildeo de V1 na estrutura serial eacute resultante de uma reelaboraccedilatildeo
discursiva do falante e indica que eacute possiacutevel nessa circunstacircncia que o objeto direto
anteceda V1 Contudo a condiccedilatildeo para isso parece ser a de que as posiccedilotildees V1 e V2
sejam ocupadas pelo mesmo verbo Vale acrescentar que tambeacutem nessa variaccedilatildeo da
estrutura padratildeo da construccedilatildeo o objeto direto antecede o objeto direto mantendo
portanto a sua ordem prototiacutepica
No enunciado seguinte temos outro tipo de construccedilatildeo simeacutetrica do baulecirc
formada pela combinaccedilatildeo de dois verbos de movimento
(24)
i fifififitetetete ----lililili kkkk gwabo
3Ssg sair-PERF irpartir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadorsquo
117
Os verbos fite e k tecircm conteuacutedo semacircntico semelhante (dinacircmico ateacutelico
durativo) e representam conjuntamente a cena descrita A marca aspectual vem acoplada
apenas diante do primeiro verbo mas tem escopo sobre toda a construccedilatildeo Da mesma
forma o sujeito eacute representado uma uacutenica vez diante do primeiro verbo encabeccedilando a
construccedilatildeo
Apesar da similaridade os verbos que compotildeem a construccedilatildeo natildeo satildeo idecircnticos
e possuem suas especificidades O verbo fite pressupotildee o deslocamento a partir de um
local de origem e o abandono desse local k por sua vez aleacutem da noccedilatildeo de
deslocamento pode tambeacutem indicar a chegada a um algum ponto A sequecircncia acima
portanto obedece a uma ordem icocircnica determinada pelo conteuacutedo semacircntico dos
verbos indicando que o posicionamento dos verbos em construccedilotildees simeacutetricas natildeo eacute
aleatoacuterio e dele depende a construccedilatildeo e a manutenccedilatildeo de seu significado O mesmo
acontece no exemplo (25) a seguir
(25)
i kle mon wla 95 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL Colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
A construccedilatildeo serial acima estaacute no seguinte trecho
a tutututu a tttt
3Ss RES arrancar RES cair
O morfema de terceira pessoa do singular ( ) que encabeccedila a construccedilatildeo
retoma todo o conteuacutedo anterior topicalizado Esse pronome representa o sujeito da
oraccedilatildeo que o antecede e concorda com ele em nuacutemero e pessoa Neste exemplo satildeo
repetidas as marcas aspectuais diante de cada verbo A cena descrita e representada por
V1 e V2 abrange o movimento de queda de um objeto (chapeacuteu) e a noccedilatildeo de que a
queda foi brusca que o objeto foi arrancado Por conseguinte o alinhamento dos verbos
na construccedilatildeo vai obedecer agrave ordem natural dos fatos representados primeiro ser
95 Este verbo pode significar lsquovestirrsquo e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
118
arrancado e como consequecircncia cair A descriccedilatildeo da cena natildeo se limita assim apenas
a um ou outro verbo mas ao entrelaccedilamento de traccedilos semacircnticos de ambos
A combinaccedilatildeo dos verbos tu lsquoarrancar partirrsquo e tra lsquochegarrsquo numa construccedilatildeo
serial simeacutetrica resulta no significado SALTAR como mostra o exemplo abaixo
(26)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss arrancarpartir ultrapassarPERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) da cordarsquo
Haacute ainda a possibilidade de combinaccedilatildeo dos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra com o
locativo su resultando no significado SALTAR de forma semelhante ao que ocorreu
no exemplo acima A seguir exemplo de Kouadio (2003 dicionaacuterio p459 verbete
wlɔ)
(27)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder Saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltar por cima do murorsquo96
A terceira possibilidade por meio da serializaccedilatildeo de exprimir o significado
SALTAR eacute pela combinaccedilatildeo de tu lsquoarrancar partirrsquo e kpɛn lsquochegar saltar viajarrsquo e wlɔ
kpɛn
Os verbos wlɔ e tu podem se combinar com os verbos tra e kpɛn resultando
nas seguintes possibilidades wlɔ kpɛn wlɔ tra su e tu kpɛn tu tra su A
inclusatildeo do locativo su torna mais precisa a informaccedilatildeo de que foi um salto por cima de
algo e eacute necessaacuteria sempre que os verbos wlɔ e tu se combinarem com tra
96 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
119
A estrutura depreendida das construccedilotildees simeacutetricas apresentadas pode ser de
forma geral representada por
[SN V1 V2 (SN) (LOC)]
Construccedilotildees seriais simeacutetricas satildeo menos numerosas nas liacutenguas e os verbos que
as compotildeem tendem a se lexicalizar ao contraacuterio do que ocorre com as construccedilotildees
assimeacutetricas que se gramaticalizam Essa tendecircncia se confirma pelos exemplos
descritos neste capiacutetulo
42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
Conforme apresentado na introduccedilatildeo deste capiacutetulo uma das principais
dificuldades na identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc e em outras liacutenguas eacute
diferenciaacute-la de uma coordenada sem conectivo A estrutura [S V1 O1 V2 O2] por si
pode representar tanto um caso de coordenaccedilatildeo quanto de serializaccedilatildeo como jaacute
atestaram diversos autores (SEBBA 1987 LARSON 2002 2005 entre outros)
Larson (2005) propotildee que construccedilotildees comumente analisadas como seriais em
baulecirc devam ser classificadas como casos de coordenaccedilatildeo sem conectivo dando a elas a
denominaccedilatildeo empty subject constructions97 (ESC) Vejamos alguns exemplos da autora
(LARSON 2005 61)
(a) to-li oflɛ di-li
3Ss buy-COMPL98 papaya ate-COMPL
lsquoShe bought papaya and ate itrsquo
lsquoElea comprou papaia e comeursquo
(b) fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss take-COMPL knife cut-COMPL bread-DEF
lsquoShe used a knife to cut the breadrsquo
lsquoElea usou a faca para cortar o patildeorsquo
97 Construccedilotildees de sujeito vazio 98 Trata-se de uma marca aspectual denominada pela autora de ldquocompletivordquo Na anaacutelise dos dados de nosso corpus empregaremos PERFECTIVO para o que Larson chamou de COMPLETIVO
120
(c) Talua mun b-lsquoa kan ndɛ-lsquon a kle mi
Girls DEF-PL 3ps-PERF say word-DEF PERF 99 show 1so
lsquoThe girls have told me the newsrsquo
lsquoAs meninas me contaram as novidadesrsquo
(d) Aya fa-li fluwa-lsquon man-ni mi
Aya take-COMPL book-DEF give-COMPL 1so
lsquoAya gave me the bookrsquo
lsquoAya me deu o livrorsquo
Para a autora tais construccedilotildees natildeo devem ser analisadas sob a rubrica de seacuteries
verbais mas de construccedilotildees coordenadas sem conectivos que admitem sujeito nulo para
o verbo em posiccedilatildeo V2 na seacuterie A autora definiu que esse tipo de coordenaccedilatildeo por
justaposiccedilatildeo (empty subject construction - ESC) diferencia-se tanto de construccedilotildees
seriais quanto de uma coordenada padratildeo (com conectivos entre as proposiccedilotildees) Como
caracteriacutesticas dessa construccedilatildeo Larson definiu
1) o argumento-objeto de V2 pode ser opcionalmente omitido (assim como o
sujeito) quando for o mesmo de V1 sem que a sentenccedila deixe duacutevidas em relaccedilatildeo agrave sua
interpretaccedilatildeo (ver exemplos a b e c)
2) alguns verbos em posiccedilatildeo V1 em seacuteries verbais podem ser analisados como
defectivos particularmente quando envolvem o verbo ldquopegarrdquo e ldquodarrdquo Em baulecirc tais
verbos podem ser empregados em sentenccedilas simples normalmente e portanto natildeo
seriam comumente empregados em seacuteries verbais
3) em ESC as marcas de tempomodoaspecto devem ser convergentes e
acopladas a cada verbo da seacuterie (exemplos a a d)
4) as negaccedilotildees devem obrigatoriamente ter escopo sobre todos os verbos em
uma ESC para negar apenas um dos verbos deve ser usada uma construccedilatildeo coordenada
padratildeo (com conectivo) Em ESCs somente no imperativo a negaccedilatildeo pode ocorrer
apenas uma vez
5) adveacuterbios devem vir no iniacutecio da sentenccedila seu escopo contudo eacute ambiacuteguo e
pode recair tanto sobre o evento em seu conjunto quanto apenas sobre parte dele
99 Para o que a autora chama de PERFECTIVO usaremos o termo RESULTATIVO pois haacute um termo especifico para o PERFECTIVO
121
A proposta de Larson (2005) para o baulecirc toma como ponto de partida o
argumento de Creissels amp Kouadio (1977) de que seacuteries verbais nessa liacutengua se
assemelham em sua estrutura a construccedilotildees coordenadas A interpretaccedilatildeo de tais
sentenccedilas como coordenadas deve refletir a justaposiccedilatildeo de dois eventos o que as
diferenciaria de uma seacuterie verbal que tem por definiccedilatildeo ser a representaccedilatildeo de um uacutenico
evento No entanto entre os exemplos de Larson haacute alguns que na estrutura se
assemelham a uma justaposiccedilatildeo de sentenccedilas mas que por sua vez representam um
uacutenico evento Eacute o que acontece com os exemplos b c e d supracitados
A autora determina que considerando a mudanccedila ou natildeo de significado
decorrente da introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo haacute dois tipos de ESC em baulecirc (cf
LARSON 2005 98) as que envolvem combinaccedilatildeo acidental de verbos e permitem a
introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo sem resultar em mudanccedila de significado e as que
envolvem uma combinaccedilatildeo essencial de verbos e natildeo permitem a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo entre os verbos sem acarretar mudanccedila de significado ou mesmo em
significado inaceitaacutevel Como exemplo de ESC com combinaccedilatildeo acidental entre os
verbos temos
(28) (32 p99)
lsquoEle comprou papaia e comeursquo
Se introduzirmos a conjunccedilatildeo kpekun o sentido natildeo seraacute alterado
(29) (3106 p99)
to-li oflɛ kpeacutekun di-li
3Ssg comprar-PERF papaia CONJ comer-PERF
lsquoEle comprou papaia E comeursquo
A opccedilatildeo do falante por usar ou natildeo a conjunccedilatildeo nos exemplos acima soacute existe
porque se trata de uma coordenaccedilatildeo Em ambos (28) e (29) representam-se dois
eventos consecutivos e independentes comprar papaia e comer papaia Os verbos que
ocupam posiccedilatildeo V1 e V2 preservam o mesmo conteuacutedo que tecircm em sentenccedilas simples
o que natildeo ocorre em construccedilotildees seriais em que um dos verbos perde algumas de suas
to li oflɛ di li
3Ss comprar PERF papaia comer PERF
122
propriedades verbais ou num caso de construccedilotildees simeacutetricas os verbos formam juntos
o significado da cena representada No caso acima analisado por Larson como ESC eacute
facultativo o emprego da conjunccedilatildeo visto que se trata de uma construccedilatildeo coordenada e
a ausecircncia ou natildeo do conectivo natildeo vai modificar esse caraacuteter
Em outro exemplo fornecido pela autora eacute analisada uma construccedilatildeo em que o
verbo fa lsquopegarrsquo tem valor instrumental Segundo a autora a introduccedilatildeo de uma
conjunccedilatildeo na construccedilatildeo anterior natildeo resulta em mudanccedila de significado
(30) (34 p99)
fa-li laliɛ kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla cortou o patildeo com uma facarsquo
Agora com a conjunccedilatildeo
(31) (3108 p100)
fa-li laliɛ n kpeacutekun kpɛ-li kpaun-lsquon
3Ss pegar-PERF faca DET CONJ cortar-PERF patildeo-DET
lsquoEla usou uma faca para cortar o patildeorsquorsquoEla pegou uma faca e cortou o patildeorsquo
Larson admite duas possibilidades de interpretaccedilatildeo para a construccedilatildeo (31) mas
natildeo para a construccedilatildeo (30) sem conjunccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo natildeo torna a
sentenccedila (31) agramatical poreacutem o seu significado passa a natildeo ser o mesmo da sentenccedila
sem a conjunccedilatildeo Dessa forma a conjunccedilatildeo transforma a sentenccedila serial em duas
sentenccedilas coordenadas e consequentemente altera tambeacutem seu significado A
possibilidade de uma nova interpretaccedilatildeo para a sentenccedila acima demonstra entatildeo que as
construccedilotildees (30) e (31) natildeo tecircm conteuacutedo semacircntico idecircntico tampouco satildeo idecircnticas na
estrutura sintaacutetica Haacute apenas uma semelhanccedila entre as construccedilotildees tanto no niacutevel
sintaacutetico como no semacircntico uma vez que a introduccedilatildeo da conjunccedilatildeo faz com que o
evento de cortar o patildeo com uma faca seja representado de forma distinta em uma e em
outra construccedilatildeo No caso em que haacute o conectivo ambos os verbos tecircm preservados seu
conteuacutedo semacircntico e suas marcas verbais funcionando portanto como verbos plenos
numa construccedilatildeo coordenada Nessa construccedilatildeo satildeo representados os atos de pegar a
faca e de cortar o patildeo e um natildeo se sobrepotildee ao outro de forma contraacuteria na construccedilatildeo
sem o conectivo eacute representado o ato de cortar o patildeo e o instrumento que permite isso a
123
faca Nesse caso esse nominal eacute apresentado como um objeto manipulado por um
agente para afetar outro participante da cena (o patildeo) Natildeo se coloca em evidecircncia o
gesto de tomar posse da faccedila mas sim o fato de que por meio dela seraacute realizado o
processo de cortar o patildeo A maneira pela qual o falante constroacutei a cena de cortar o patildeo
natildeo eacute a mesma em (30) e (31) e a conjunccedilatildeo kpekun eacute o elemento que faz emergir essa
diferenccedila O equiacutevoco estaacute em natildeo considerar a nuance de diferenccedila de interpretaccedilatildeo
dos enunciados
Vamos admitir aqui que o termo coordenaccedilatildeo ldquo() refere-se a construccedilotildees
sintaacuteticas em que duas ou mais unidades do mesmo tipo satildeo combinadas numa unidade
maior e continuam a ter as mesmas relaccedilotildees semacircnticas com os outros elementos ao
redorrdquo100 (MARTIN HASPELMATH 2004 apud QUINT 2008 31) Mas que por outro lado
segundo Creissels (1995 308) ldquoO termo de coordenaccedilatildeo de proposiccedilotildees parece
efetivamente cobrir uma variedade de tipos de integraccedilatildeo de estruturas fraacutesicas que natildeo
podem ser apreendidos por meio de uma definiccedilatildeo uacutenica positivamente formuladardquo101
O que aproxima as definiccedilotildees acima eacute o fato de que para haver coordenaccedilatildeo
deve haver no miacutenimo duas unidades do mesmo tipo combinadas Outras
caracteriacutesticas como a marcaccedilatildeo do sujeito diante dos verbos ou a concordacircncia de
marcas verbais por exemplo natildeo satildeo definidoras desse tipo de integraccedilatildeo frasal Vamos
considerar o exemplo a seguir
(32) (3118 p105)
Aya fa li fluwa n kpekun man ni mi
Aya pegar COMPL livro DEF e 3Ss dar COMPL 1Osg
lsquoAya pegou o livro e deu pra mimrsquo
De forma contraacuteria ao que havia afirmado para o exemplo em que o verbo fa
introduz um nominal de valor instrumental para o caso do exemplo acima Larson
admite que a inserccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo entre O1 e V2 acarretaria em significado
inaceitaacutevel e portanto o rotula de ESC de combinaccedilatildeo essencial ldquo() a inserccedilatildeo de
100 ldquo(hellip) refers to syntactic constructions in which two or more units of the same type are combined into a larger unit still have the same semantic relations with other surrounding elementsrdquo 101 ldquoLe terme de coordination de propositions semble effectivement recouvrir une varieteacute de types drsquointeacutegration de structures phrastiques qursquoil semble vain de vouloir appreacutehender agrave travers une deacutefinition unique positivement formuleacuteerdquo
124
uma conjunccedilatildeo aberta novamente causa mudanccedila de significado e de fato agora o
resultado eacute a inaceitabilidaderdquo102 (2005 105)
A alternativa correta eacute a de natildeo usar a conjunccedilatildeo para que a sentenccedila tenha
sentido A inaceitabilidade de uma conjunccedilatildeo em enunciados como esse indica que natildeo
se trata da integraccedilatildeo de duas unidades de mesmo tipo uma vez que o verbo fa lsquopegarrsquo
natildeo pode ser interpretado como verbo pleno e natildeo designa nenhum processo ou estado
ao contraacuterio do que acontece com o verbo kpe que manteve preservadas suas
propriedades de verbo pleno e representa o evento descrito na construccedilatildeo Assim como
fora apontado anteriormente neste capiacutetulo o enunciado acima natildeo pode ser
interpretado como ldquoEle pegou o livro e me deurdquo mas como ldquoEle deu o livro para mimrdquo
A autora em toda sua argumentaccedilatildeo procura mostrar ao leitor que construccedilotildees
comumente entendidas pelos estudiosos como seriais como as apresentadas com o
verbo fa entre outras deveriam ser classificadas como construccedilotildees coordenadas de
sujeito vazio (empty subject construction ndash ESC) Uma das razotildees que a levam a optar
por essa nova nomenclatura eacute a de que existiria para V2 um pronome objeto nulo que
indicaria que o objeto introduzido por V1 eacute tambeacutem objeto de V2 O mesmo ocorreria
em relaccedilatildeo agrave omissatildeo do pronome sujeito diante de V2 Dessa forma a autora pontua
que argumentos natildeo expressos em baulecirc em construccedilotildees ESC satildeo sempre pronomes
nulos (cf 2005 61) A base de sua argumentaccedilatildeo em favor da classificaccedilatildeo das
sentenccedilas como coordenadas estaacute apoiada no fato de os verbos (e as construccedilotildees)
admitirem pronomes nulos ou seja em uma caracteriacutestica da estrutura sintaacutetica da
construccedilatildeo A abordagem da autora natildeo leva em conta caracteriacutesticas que natildeo sejam
parte da estrutura formal da construccedilatildeo e dessa forma limita a definiccedilatildeo de construccedilotildees
seriais agraves suas propriedades segmentais Consequentemente deixa de lado uma
propriedade que pode ser decisiva no momento de classificar uma construccedilatildeo como
serial ou coordenada Essa propriedade eacute a de representar um uacutenico evento e eacute esse traccedilo
que a diferencia primordialmente de outras construccedilotildees
Em relaccedilatildeo aos exemplos apresentados aqui para ilustrar o que Larson definiu
como combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental tambeacutem natildeo me parece precisa a
diferenccedila entre as construccedilotildees (30) (acidental) e (31) (essencial) Sem a inclusatildeo da
conjunccedilatildeo essas construccedilotildees tecircm a mesma estrutura sintaacutetica
102 ldquo(hellip) insertion of an overt conjunction again causes significant change in fact this time the result is unacceptabilityrdquo
125
S V1 O1 V2 O2
FA (PEGAR) NOME VERBO NOME
O que as diferencia eacute a relaccedilatildeo semacircntica entre os argumentos internos dos
verbos pois se no primeiro caso (30) o verbo fa introduz um nominal que tem funccedilatildeo
semacircntica de instrumento e que atua sobre O2 no segundo caso (31) o verbo fa
introduz um nominal com papel semacircntico de tema que se relaciona com o nominal em
O2 de maneira a beneficiaacute-lo A diferenccedila entre as construccedilotildees se daacute portanto no niacutevel
semacircntico e natildeo sintaacutetico
Consideramos que tanto o exemplo (30) (cortar o patildeo com a faca) quanto o (32)
(dar o livro para mim) sejam casos de serializaccedilatildeo A introduccedilatildeo de uma conjunccedilatildeo em
ambas as construccedilotildees natildeo eacute permitida se se quiser manter as interpretaccedilotildees acima entre
parecircnteses Se em (30) eacute possiacutevel introduzir a conjunccedilatildeo isso natildeo eacute feito sem que haja
modificaccedilatildeo do conteuacutedo semacircntico da informaccedilatildeo veiculada pela sentenccedila Em (32)
por sua vez a inserccedilatildeo da conjunccedilatildeo natildeo eacute permitida pela construccedilatildeo A estrutura acima
apresentada [S V1 O1 V2 O2] parece natildeo permitir a presenccedila de um conectivo Quando
isso acontece a estrutura da construccedilatildeo se modifica assim como a relaccedilatildeo que se
estabelece entre os verbos e seus argumentos e consequentemente natildeo eacute veiculado o
mesmo conteuacutedo informacional de antes
A impossibilidade de inclusatildeo da conjunccedilatildeo sem prejuiacutezo do significado nas
construccedilotildees que a autora classifica de ESC de combinaccedilatildeo essencial indica que nesses
casos a coordenaccedilatildeo natildeo eacute efetivamente possiacutevel Nos casos de ESC de combinaccedilatildeo
acidental em que a conjunccedilatildeo foi permitida acarretando uma pequena modificaccedilatildeo no
significado ocorreu tambeacutem uma mudanccedila na estrutura da construccedilatildeo que deixou de ser
uma construccedilatildeo serial e passou a ser uma coordenaccedilatildeo
(33)
ɔ fa-li swa nga (fa) manfa) manfa) manfa) man-ni mi
3Ss pegar-PERF casa DEM (pegar) dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
126
(34)
Nzu yɛ ɔ (fafafafa ) ma) ma) ma) mannnn----ni mi ɔ
Inter Dem 3Ss (pegar) dar-PERF 1Os EXPL
lsquoO que foi que ele deu para mimrsquo
Nesses enunciados fa funciona como um dummy verb e natildeo pode ser
interpretado como um verbo com conteuacutedo semacircntico pleno Natildeo haacute portanto
coordenaccedilatildeo nesses enunciados e sim serializaccedilatildeo
43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
Larson argumenta que na literatura sobre construccedilotildees seriais o verbo em
posiccedilatildeo inicial eacute analisado como verbo defectivo especialmente nos casos que
envolvem o verbo ldquopegarrdquo nessa posiccedilatildeo (cf LARSON 2005 73) Para os exemplos do
baulecirc a autora comenta que fa (pegar) eacute um verbo ldquonormalrdquo e natildeo defectivo e
apresenta o seguinte exemplo
(35) (37 p73)
Aya fafafafa-li fluwa-lsquon manmanmanman-ni mi
Aya pegar-PERF livro DET dar-PERF 1Os lsquoAya deu o livro para mimrsquo
O verbo fa lsquopegarrsquo em baulecirc pode ser empregado em sentenccedilas de um uacutenico
verbo e em construccedilotildees seriais mas desempenha em cada uma dessas construccedilotildees
funccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas diferentes Se em sentenccedilas de um uacutenico verbo eacute
utilizado como verbo pleno nas construccedilotildees seriais isso natildeo ocorre de forma absoluta
O item lexical pode preservar certas propriedades verbais tal como a de ser portador da
marca aspectual mas natildeo manteacutem o mesmo conteuacutedo semacircntico A possibilidade de
ainda formar sentenccedilas simples leva a autora a afirmar que o verbo fa em sentenccedilas
seriais eacute tambeacutem um verbo pleno e portanto tais sentenccedilas deveriam ser classificadas
como coordenadas ldquoPorque fa pode ocorrer em sentenccedilas simples (natildeo-ESC) e pode
127
levar a morfologia aspectual e temporal podemos concluir entatildeo que eacute um verbo pleno
em baulecircrdquo103 (p73) Como exemplo de sentenccedila simples a autora apresenta a seguinte
construccedilatildeo
(36) (332 p73)
Aya fa-li fluwa-lsquon
Aya pegar-PERF livro-DET
lsquoAya pegou o livrorsquo
Nessa sentenccedila fa porta marcas verbais tem preenchidos os espaccedilos de
argumento interno e externo e em niacutevel semacircntico preserva seu significado de verbo
pleno A autora conclui entatildeo que
Em resumo ESC em baulecirc envolve duas oraccedilotildees Cada verbo
na ESC eacute um genuiacuteno verbo e pode ser mostrado para projetar um
conjunto completo de argumentos como aconteceria numa sentenccedila
simples Uma associaccedilatildeo relativa a objetos de V2 com objetos de V1
natildeo eacute uma caracteriacutestica indispensaacutevel de ESC em baulecirc Esses fatos
sugerem que uma hipoacutetese inicial apropriada eacute a de que ESC em baulecirc
natildeo estaacute relacionada agrave claacutessica serializaccedilatildeo mas agrave coordenaccedilatildeo aberta
ou parataacutexis104 (LARSON 2005 74-75)
A conclusatildeo da autora atenta apenas para o niacutevel segmental de uma construccedilatildeo
serial O fato de o exemplo (35) natildeo poder ser interpretado como ldquoPegou e deu o
livrordquo 105 como afirmam os proacuteprios falantes do baulecirc consultados indica que natildeo haacute
duas sentenccedilas coordenadas pois o verbo fa natildeo atua como verbo pleno na construccedilatildeo
A possibilidade de formar sentenccedilas simples natildeo eacute condiccedilatildeo suficiente para que se
afirme que construccedilotildees como a do exemplo (34) sejam um tipo de construccedilatildeo
103 ldquoBecause fa can occur in a simple (non-ESC) sentences and can bear full tenseaspect morphology it can be concluded that it is a full fledged verb in Baulerdquo 104 ldquoIn sum Baule ESC involves two clauses Each verb in the ESC is a genuine verb and can be shown to project a complete argument array just as it would in a simple sentence Referential coupling of objects of V2 with objects of V1 is not an essential characteristic of Baule ESC These facts suggest that the appropriate starting assumption is that Baule ESC is not related to classical serialization but is rather covert coordination or parataxisrdquo 105 Ver anaacutelise de construccedilotildees seriais assimeacutetricas no iniacutecio deste capiacutetulo
128
coordenada (empty subject construction ndash ESC) Para chegar a essa conclusatildeo a autora
natildeo considera a possibilidade de fa ser um verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo
sincrocircnica no qual o termo gramaticalizado recebe uma nova aplicaccedilatildeo mas preserva o
antigo uso
Hagemeijer (2001) propotildee que verbos em posiccedilatildeo V1 em construccedilotildees seriais
sejam classificados como semilexicais (semi-lexical heads) O principal argumento em
favor dessa classificaccedilatildeo eacute de que V1 herda parte de sua estrutura semacircntica de V2 o
nuacutecleo semacircntico da construccedilatildeo ldquoEm outras palavras V1 eacute natildeo especificado para certas
caracteriacutesticas semacircnticas mas crucialmente natildeo para as categoacutericas desde que receba
todos os nuacutecleos funcionais lexicalizados associados a verbosrdquo106 (HAGEMEIJER 2001
422) A identificaccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial fica mais evidente nos casos em que os
verbos ldquoperdemrdquo seu conteuacutedo semacircntico de verbo pleno e atuam por meio da
combinaccedilatildeo de alguns desses traccedilos semacircnticos para resultar num significado distinto
como ocorre nas construccedilotildees simeacutetricas
Em Robert (2003 9) temos exemplos de liacutenguas africanas que possuem
morfemas ndash chamados de marcadores transcategoriais (marqueurs transcateacutegoriels ou
plurifonctionnels) ndash que se apresentam sincronicamente em diferentes categorias
sintaacuteticas Trata-se por exemplo de lexemas usados em funccedilatildeo preposicional ou
subordinante ou mesmo de morfemas gramaticais que ora marcam um nome ora atuam
como introdutores de proposiccedilotildees Casos como esses satildeo representativos de uma
flexibilidade sintaacutetico-semacircntica intriacutenseca aos itens de uma liacutengua e que se inscreve
entre as propriedades do sistema linguiacutestico
Por definiccedilatildeo os morfemas transcategoriais (ou
plurifuncionais) tecircm com efeito como particularidade
funcionar em sincronia dentro de diferentes categorias
sintaacuteticas certas variaccedilotildees segundo as liacutenguas e os casos
(nomes verbos auxiliares preposiccedilotildees afixos
subordinantes particular conectores frasais ) mas sempre
muacuteltiplos Pelos seus diferentes empregos esses morfemas
apresentam entatildeo natildeo apenas uma polissemia mas uma
106 ldquoIn other words V1 is unspecified for certain semantic features but crucially not for categorial ones since it receives all the lexicalized functional nodes associated to verbsrdquo
129
flexibilidade sintaacutetica remarcaacutevel todas as duas
problemaacuteticas para a anaacutelise107 (ROBERT 2003 86)
Em nossa anaacutelise do baulecirc optamos por natildeo usar a designaccedilatildeo ldquomorfemas
transcategoriaisrdquo para os verbos que atuam tanto em construccedilotildees seriais
desempenhando funccedilatildeo outra que natildeo a de um verbo propriamente quanto em
construccedilotildees simples por ser muito especiacutefica e preferimos uma expressatildeo mais
abrangente ndash ldquotermos transcategoriaisrdquo ndash para indicar os itens que possuem essa
flexibilidade semacircntico-sintaacutetica No caso do baulecirc o fato de o verbo fa ser usado
tambeacutem em sentenccedilas simples natildeo eacute argumento aceitaacutevel em favor da classificaccedilatildeo da
construccedilatildeo (36) como uma coordenada Esse item seria um exemplo do que Hagemeijer
denominou de semilexicais comuns em construccedilotildees seriais e que possuem propriedades
associadas agraves de um verbo ao mesmo tempo que preenchem funccedilotildees semacircnticas que
natildeo satildeo atribuiacutedas a verbos estando portanto numa categoria gramatical hiacutebrida
Se consideramos entatildeo que fa natildeo eacute verbo pleno nessa construccedilatildeo anulamos a
sua classificaccedilatildeo de sentenccedila coordenada O verbo fa natildeo representa por si soacute um
evento mas funciona como um termo que veicula a noccedilatildeo de posse de um objeto
concreto necessaacuteria para a descriccedilatildeo do processo representado pelo verbo man lsquodarrsquo
Essa noccedilatildeo pode estar em um dos traccedilos semacircnticos que possibilitaram esse emprego do
verbo fa em construccedilotildees seriais introdutoras de um beneficiaacuterio
Durante um processo de mudanccedila de categoria sintaacutetica ocorre a transferecircncia
de propriedades esquemaacuteticas de um domiacutenio cognitivo a outro Essa transferecircncia eacute
possiacutevel pois o termo em questatildeo adquire a significaccedilatildeo do novo domiacutenio por meio de
um processo metafoacuterico Nessa passagem portanto certas propriedades de base satildeo
ldquoperdidasrdquo ou melhor natildeo satildeo mais focalizadas pelo item lexical ou morfema nesse
novo contexto de uso ldquoNo plano conceitual o modelo de transferecircncia por analogia
desenvolvido no quadro da teoria da metaacutefora (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF
107 ldquoPar deacutefinition les morphegravemes transcateacutegoriels (ou ldquoplurifonctionnelsrdquo) ont en effet pour particulariteacute de fonctionner en synchronie dans diffeacuterentes cateacutegories syntaxiques certes variables selon les langues et selon les cas (noms verbs auxiliaries preacutepositions affixes subordonnants particules connecteurs phrastiqueshellip) mais toujours multiples Au travers de leurs diffeacuterents emplois ces morphegravemes preacutesentent donc non seulement une polyseacutemie mais une flexibiliteacute syntaxique remarquables toutes deux probleacutematiques pour lrsquoanalyserdquo
130
1993) revela um mecanismo cognitivo geral ()rdquo108 (HEINE et alli 1991 apud ROBERT
2005 88)
Lord (1993130) apresenta exemplos do engeni liacutengua cuaacute falada no sudeste da
Nigeacuteria em que o verbo tou lsquopegarrsquo eacute utilizado como verbo pleno e em construccedilotildees
seriais adquirindo funccedilatildeo discursiva Vejamos inicialmente esse verbo em construccedilotildees
simples
(37)
o tou enuma
3Ss pegar dinheiro
lsquoEla pega dinheirorsquo
Agora em construccedilotildees seriais
(38)
o tou inya diredirediredire
3Ss pegar arroz cozinhar
lsquoEla cozinha arrozrsquo
(39)
bhu ta ni akie bhu totototo u gbau gbau gbau gba
2Ss ir CPL cidade 2Ss FUT-pegar contar
lsquoSe vocecirc for para a cidade vocecirc contaraacute para algueacutemrsquo (LORD 1993131)
Esses dados demonstram que a possibilidade de atuar em construccedilotildees simples
natildeo exclui a chance de esse verbo ser tambeacutem empregado em construccedilotildees seriais
sincronicamente Contudo haacute liacutenguas em que determinados verbos entre eles o verbo
de significado PEGAR que atuam em construccedilotildees seriais natildeo atuam mais em
construccedilotildees simples pois passaram por um processo de mudanccedila de categoria
linguiacutestica Essa evidecircncia no entanto eacute sincrocircnica e natildeo comprova que em algum
momento natildeo houve o uso simultacircneo de uma e outra construccedilatildeo
108 ldquoSur le plan conceptuel le modegravele de transfert par analogie deacuteveloppeacute dans le cadre de la theacuteorie de la meacutetaphore (LAKOFF amp JOHNSON 1980 LAKOFF 1993) reacutevegravele un meacutecanisme cognitif general(hellip)rdquo
131
44 MARCAS ASPECTUAIS
Em grande parte das liacutenguas africanas natildeo haacute marcas especiacuteficas para a
categoria gramatical TEMPO e a depreensatildeo dessa noccedilatildeo em um enunciado eacute inferida
em geral a partir das marcas de ASPECTO Apesar de serem categorias que
essencialmente tecircm valores distintos uma vez que a noccedilatildeo de aspecto eacute de natureza
simboacutelica e a de tempo eacute de natureza decircitica elas fazem parte de subsistemas
complementares pois ambas tecircm como referencial o tempo fiacutesico A diferenccedila entre
elas eacute de base semacircntica visto que o aspecto refere-se agrave constituiccedilatildeo temporal interna de
um evento enquanto o tempo tem como referecircncia um marco externo O tempo eacute
portanto uma categoria decircitica que retrata o momento do evento tendo como referecircncia
um outro momento o momento da fala e o aspecto por ser de natureza simboacutelica
independe de um referencial externo (cf CASTILHO 2002) Dessa forma
As noccedilotildees semacircnticas do acircmbito do Tempo dizem
respeito agrave localizaccedilatildeo do fato enunciado relativamente ao
momento da enunciaccedilatildeo satildeo em linhas gerais as noccedilotildees de
presente passado e futuro e suas subdivisotildees Jaacute as noccedilotildees
semacircnticas do acircmbito do Aspecto satildeo as noccedilotildees de duraccedilatildeo
instantaneidade comeccedilo desenvolvimento e fim (BORBA
COSTA 2002 19)
Nesse sentido assumimos que o aspecto expressa os graus de realizaccedilatildeo de uma
accedilatildeo e natildeo estaacute relacionado a quando ou como a accedilatildeo ACONTECEU mas a como essa
accedilatildeo ou situaccedilatildeo FOI VISTA e REPRESENTADA pelo falante Tomaremos a
definiccedilatildeo de Comrie (1976 5) para o aspecto como norteadora em nossa pesquisa
Como definiccedilatildeo geral para aspecto tomamos a
formulaccedilatildeo de que lsquoaspectos satildeo diferentes maneiras de ver a
constituiccedilatildeo temporal interna de uma situaccedilatildeorsquo (p3) Aspecto
natildeo se refere a relacionar o tempo de uma situaccedilatildeo com
qualquer outro momento mas sim com a constituiccedilatildeo
temporal interna de uma situaccedilatildeo poderiacuteamos dizer que a
132
diferenccedila estaacute em situaccedilatildeo-tempo interno (aspecto) e
situaccedilatildeo-tempo externo (tempo)109
Para esse autor a expressatildeo aspectual estaacute diretamente relacionada agrave maneira
como o falante ldquovecircrdquo uma determinada situaccedilatildeo no que concerne agrave sua constituiccedilatildeo
temporal interna que pode ser representada de forma completa fechada sem pocircr em
evidecircncia o seu desenvolvimento (aspecto perfectivo) ou ao contraacuterio fazendo
referecircncia a suas fases ao seu desenvolvimento (aspecto imperfectivo) e podendo dar
proeminecircncia ao momento inicial intermediaacuterio ou final desse desenvolvimento Eacute
nesse sentido que consideramos os valores aspectuais marcados nos exemplos (3) e (4)
como subtipos de um valor aspectual maior o imperfectivo e natildeo como aspectos
distintos Ameka (2003) atenta para a possibilidade de que as marcas aspectuais e
tambeacutem as modais sejam acopladas a cada verbo da seacuterie e que natildeo haja nenhuma
exigecircncia gramatical de que elas devam ter as mesmas formas e os mesmos valores no
entanto devem sim ter conteuacutedos semacircnticos semelhantes O autor atribui a isso o fato
de que nessas liacutenguas as categorias aspecto e modalidade sejam proeminentes em
relaccedilatildeo agrave categoria tempo e cita como exemplo a possibilidade de haver em uma
mesma seacuterie verbal o aspecto HABITUAL e o IMPERFECTIVO ou o
PROGRESSIVO e o ESTATIVO
Conforme vimos anteriormente haacute algumas liacutenguas do litoral da costa oeste da
Aacutefrica que permitem marcas aspectuais com valores diferentes
(40)
Kwasi da h re-di-di
Kuazi ESTdeitar laacute PROG-RED-comer
lsquoKuazi estaacute deitado laacute comendorsquo
109 ldquoAs the general definition of aspect we may take the formulation that lsquoaspects are different ways of viewing the internal temporal constituency of a situationrsquo (p3) Aspect is not concerned with relating the time of the situation to any other time-point but rather with the internal temporal constituency of the one situation one could state the difference as one between situation-internal time (aspect) and the situation-external time (tense)rdquo
133
A literatura demonstra que em construccedilotildees seriais natildeo haacute restriccedilatildeo em relaccedilatildeo ao
valor de tempo modo e aspecto expresso pelos verbos As distinccedilotildees se estabelecem na
maneira como cada liacutengua expressa esses valores por meio de morfemas ligados a
ambos os verbos ou a apenas um deles A exigecircncia uacutenica eacute de que exista concordacircncia
entre essas marcas o que natildeo significa que devam ser idecircnticas e que tenham
rigorosamente o mesmo significado mas que devam expressar o mesmo valor (se a
primeira indicar o perfectivo a segunda marca pode ser de resultativo pois eacute um
subtipo do perfectivo mas nunca de imperfectivo) De acordo com a literatura se as
marcas forem colocadas diante de cada verbo da construccedilatildeo deveraacute haver similitude
entre elas o que equivale a dizer que natildeo seria possiacutevel um morfema indicativo de
aspecto HABITUAL para o primeiro verbo e um morfema indicativo de aspecto
RESULTATIVO para o segundo verbo
45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
Em baulecirc como vimos temos os seguintes morfemas aspectuais
Li(Ni) PERFECTIVO
A RESULTATIVO
Su PROGRESSIVO
Oslash IMPERFECTIVO
Em construccedilotildees seriais esses morfemas podem vir expressos das seguintes
maneiras
1) Junto apenas do primeiro verbo
2) Junto apenas do segundo verbo
3) Junto do primeiro OU do segundo verbo
4) Junto de ambos os verbos
Nessas construccedilotildees o morfema aspectual pode estar ligado a apenas um dos
verbos ou a todos os verbos Nas construccedilotildees assimeacutetricas com verbo fa lsquopegarrsquo em que
haacute um nominal entre esse verbo e o verbo seguinte observou-se nuacutemero expressivo de
exemplos em que se marcou o aspecto em ambos os verbos110 Como se pode constatar
nos exemplos do corpus abaixo citados
110 Essa tendecircncia foi confirmada posteriormente por nossos informantes
134
Junto de ambos os verbos
(41)
fafafafa ----llllὶὶὶὶ ὶ wa n mamamamannnn----nnnnίίίί mί
3Ss pegar-PERF 3Os filho DET dar-PERF 1Os
lsquoEle me deu o seu (dele) filhorsquo
(42)
Be fafafafa ----llllὶὶὶὶ laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ----llllίίίί nnɛn nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar-PERF carne INDET
lsquoEles cortaram a carne com uma facarsquo
(43)
kakakakannnn----nininini na wlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do segundo verbo
(44)
fafafafa tanni n totototo ----lililili blo
3Ss pegar pano DET jogar-PERF loc
lsquoEle jogou o pano laacutersquo
(45)
n fafafafa kpaun n fiafiafiafia----lililili
1Ss pegar patildeo DET esconder-PERF
lsquoEu escondi o patildeorsquo
135
(46)
kakakaka nnnn nawlɛ klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer verdade mostrar-PERF 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Junto apenas do primeiro verbo
(47)
i fafafafa----lililili kue kpekpekpekpe kpaun n
3Ss pegar-PERF faca cortar patildeo DET
lsquoEle cortou o patildeo com a facarsquo
(48)
kakakaka nnnn----nnnniiii na wlɛ klekleklekle mi
3Ss dizer-PERF verdade mostrar 1Os
lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
Os morfemas aspectuais do progressivo (su) e do resultativo (a) em baulecirc
obedecem a algumas regras seja em construccedilotildees simeacutetricas ou em assimeacutetricas No
progressivo natildeo eacute aceitaacutevel que o morfema fique junto de ambos os verbos ou apenas
do segundo verbo O morfema deve estar acoplado apenas ao primeiro verbo da seacuterie111
O escopo recai sobre toda a construccedilatildeo serial
(49)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
111 Kouadio (1977 420) tambeacutem atesta esse fato ldquoLorsque le premier terme drsquoune seacuterie verbale est affecteacute du preacutefixe du progressif celui-ci nrsquoest pas repris devant les termes suivants ()rdquo
136
(50)
Ba bla n suicirc totototo traicirclɛ kun mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET PROG comprar roupa INDET dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(51)
mi sicurren su fa livru amp kuampn man mi
1POSS pai PROG pegar livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai deu um livro para mimrsquo
Creissels amp Kouadio (1977 424) apresentam uma exceccedilatildeo para o progressivo
quando vier junto ao verbo fin lsquovirrsquo a marca aspectual deveraacute estar preposta ao segundo
verbo da construccedilatildeo
(52)
ɔ ffffiacuteiacuteiacuteiacutennnn lɔ ɔ su babababa
3Ss vir de laacute 3Ss PROG virchegar
lsquoEle estaacute vindo de laacutersquo
O resultativo tambeacutem demonstra uma peculiaridade pois tem como regra estar
acoplado a ambos os verbos da construccedilatildeo precedendo-os
(53)
Ba bla n wa totototo traicirclɛ Kun wa fafafafa mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulher DET RES comprar roupa INDET RES pegar dar POSS matildee
lsquoA menina acabou de comprar um vestido para sua matildeersquo
137
(54)
i kle mon wla 112 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ss RES arrancar RES cair
lsquoo chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
O imperfectivo eacute representado pela ausecircncia de marcas aspectuais - ou morfema
zero
(55)
sran kun kakakakannnn nawlɛ klklklkleeee mi
ser humano DET-PL falar verdade mostrar 1Os
lsquoOs seres humanos me contam a verdadersquo
(56)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
A representaccedilatildeo aspectual em construccedilotildees seriais natildeo difere da representaccedilatildeo em
construccedilotildees simples os morfemas aspectuais utilizados satildeo os mesmos em ambos os
tipos de estrutura e o seu ordenamento no enunciado no que tange a ser anteposto ou
posposto ao verbo obedece agraves mesmas regras Para sintetizar considerando as diversas
possibilidades de marcar o aspecto podemos traccedilar o seguinte quadro
Apenas V1 Apenas V2 V1eV2 V1 ou V2
IMPERFECTIVO X X
PERFECTIVO X X
RESULTATIVO X
PROGRESSIVO X X (verbo fin)
112 Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros
138
46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
Em baulecirc o morfema sufixal man (variante an) indica a negaccedilatildeo em
construccedilotildees verbais A marca de negaccedilatildeo assim como ocorre com as marcas de TMA
pode estar acoplada a todos os verbos da seacuterie ou a apenas um deles tendo em ambos os
casos escopo sobre toda a construccedilatildeo Por serem concebidas conceitualmente como
representativas de um uacutenico evento ou de um conjunto de subeventos intrinsecamente
ligados que formam uma uacutenica cena construccedilotildees seriais impotildeem que a negaccedilatildeo seja
feita de forma global e natildeo separadamente a cada um dos eventos ou subeventos que a
constituem Mesmo nos casos em que os iacutendices de negaccedilatildeo sejam acoplados a todos os
verbos da construccedilatildeo esses verbos natildeo satildeo negados individualmente pois natildeo atuam de
forma independente na construccedilatildeo e sim em composiccedilatildeo constituindo a representaccedilatildeo
de um uacutenico evento Essa propriedade de ter escopo sobre toda a construccedilatildeo a diferencia
de uma coordenaccedilatildeo visto que neste caso em geral para cada oraccedilatildeo deve haver um
iacutendice de negaccedilatildeo e o seu escopo limita-se agrave oraccedilatildeo a que estiver acoplado
A seguir exemplos de negaccedilatildeo em construccedilotildees seriais do baulecirc
(57)
didididi1313----lililili man Ocircuman tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho ultrapassar-PERF 1Osrsquo
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(58)
Ba blarsquo n totototo man tralɛ kun mamamama nrsquonrsquonrsquonrsquoan i ma icircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET comprar NEG roupa INDET dar NEG POSS matildee
lsquoA menina natildeo estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
(59)
Brsquoa fafafafa man la liɛrsquon brsquoa kpkpkpkpɛɛɛɛ-ma n nnɛn nun
3Spl RES pegar NEG facarsquoDET 3Spl RES cortar NEG carne LOC
lsquoEles natildeo cortaram a carne com a facarsquo
139
(60)
a yyyyoooo man swa kun a mamamama nnnnrsquo a n mi
3Ss RES fazer NEG casa INDET RES darrsquo NEG 1Os
lsquoEle natildeo fez esta casa para mimrsquo
Como se observa no primeiro exemplo o sufixo de negaccedilatildeo aparece posposto ao
morfema aspectual que antecede o verbo e o argumento interno dos verbos vem depois
do sufixo No exemplo (60) o segundo verbo termina com uma consoante nasal final o
que condiciona o emprego de uma das variantes do morfema de negaccedilatildeo man (an)
Aqui o sufixo de negaccedilatildeo vem imediatamente apoacutes o verbo pois a marca de
imperfectivo eacute um morfema zero
No exemplo seguinte temos a negaccedilatildeo marcada mais de uma vez junto a V1 e a
V2 O primeiro verbo fa lsquopegarrsquo eacute antecedido pelo morfema de aspecto resultativo e
seguido imediatamente pela negaccedilatildeo man O segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo termina com
uma vogal aberta e propicia o emprego da variante a
O exemplo seguinte tambeacutem marca a negaccedilatildeo junto a V1 e V2 e apresenta em
V2 uma variante do sufixo man devido agrave terminaccedilatildeo do verbo em consoante nasal
A negativa no futuro em construccedilotildees simples e seriais requer aleacutem do sufixo
man o morfema prefixal su antecedendo o verbo em posiccedilatildeo V1 formando a estrutura
[su Vman] Vejamos um exemplo inicialmente em uma construccedilatildeo simples e em
seguida na serial
(61)
mi si su ma n-an mi livro kun
1Os pai NEG dar NEG 1Os livro INDET
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
140
(62)
mi si su fa man livro kun man mi
1Os pai NEG pegar NEG livro INDET dar 1Os
lsquoMeu pai natildeo vai me dar um livrorsquo
Na construccedilatildeo serial negativa no futuro os morfemas se ligam ao primeiro
verbo mas tecircm escopo sobre toda a construccedilatildeo O quadro a seguir representa as
estruturas seriais e a realizaccedilatildeo da negaccedilatildeo
No presente e no passado
[SN ASP-V1 NEG O1 ASP-V2 (NEG) O2]
[SN V1-ASP NEG O1 V2-ASP (NEG) O2]
No futuro
[SN NEG-ASP-V1-NEG O1 ASP-V2 O2]
47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
Uma das propriedades caracteriacutesticas de construccedilotildees seriais em baulecirc eacute a
possibilidade de marcar o sujeito apenas uma vez junto ao primeiro verbo da seacuterie Eacute
possiacutevel tambeacutem iniciar a construccedilatildeo por um sintagma nominal em funccedilatildeo de sujeito e
utilizar um iacutendice pronominal que o retome diante dos demais verbos da construccedilatildeo
(63)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore filho INDET 3Ss pegar jogar -PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo[do cesto]
No enunciado acima temos um iacutendice pronominal de terceira pessoa do singular
em funccedilatildeo de sujeito e preposto a V1
(64)
kakakaka nnnn----nnnniiii nawlɛ () klekleklekle ----lililili mi
3Ss dizer-PERF verdade 3Ss mostrar-PERF 1Os lsquoEle contou a verdade para mimrsquo
141
(65)
didididi1313----lililili man Ocircuman () tratratratra ----lililili mi
3Ss fazer-PERF NEG trabalho 3Ss ultrapassar-PERF 1Os
lsquoEle natildeo trabalhou mais do que eursquo
(66)
yoyoyoyo -li swa nga () mamamama nnnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM 3Ss dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(67)
Ba blarsquo n suicirc totototo traicirclɛ kun () mamamamannnn iicirc maicircnmi
Crianccedila mulherrsquoDET PROG comprar roupa INDET 3Ss dar POSS matildee
lsquoA menina estaacute comprando um vestido para sua matildeersquo
48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
Baulecirc natildeo possui a propriedade de transformar o objeto do primeiro verbo em
sujeito do segundo como ocorre em algumas liacutenguas seriais Em baulecirc o sujeito de V1
eacute tambeacutem o sujeito dos demais verbos da construccedilatildeo e pode como foi visto ser
representado por um iacutendice pronominal repetido junto aos verbos da construccedilatildeo ou por
um sintagma nominal para V1 e o iacutendice para V2 V3
Observando a estrutura baacutesica de construccedilotildees seriais em baulecirc temos
[S V1 O1 V2 O2]
Temos em geral uma estrutura em que o sintagma nominal subsequente a V1
funciona como objeto direto e o sintagma nominal que segue V2 exerce a funccedilatildeo de
objeto indireto Em construccedilotildees assimeacutetricas como foi visto um dos termos na
estrutura serial eacute funcional e o outro(s) lexical e o que determina essa distribuiccedilatildeo dos
itens eacute a construccedilatildeo em que eles se encaixam e suas propriedades semacircnticas e lexicais
Dessa forma tanto V1 quanto V2 (V3) satildeo aptos a cumprir o papel de elemento
principal da construccedilatildeo
Numa estrutura como
142
(68)
yoyoyoyo -li swa nga mamamamannnn-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
o elemento-chave para a representaccedilatildeo da cena eacute yoyoyoyo lsquofazerrsquo e portanto os
sintagmas nominais que o sucedem atuam como seus argumentos uma vez que esse
lexema tem preservadas suas propriedades verbais e sua estrutura argumental O mesmo
natildeo ocorre com man lsquodarrsquo que tem algumas de suas caracteriacutesticas verbais e seu
conteuacutedo semacircntico obscurecidos e portanto adquire o caraacuteter funcional de uma
preposiccedilatildeo Se man lsquodarrsquo entatildeo nessa construccedilatildeo eacute um verbo que natildeo exige
argumentos natildeo podemos considerar que exista um espaccedilo para um iacutendice pronominal
de objeto nulo para esse item A expressatildeo dos argumentos internos acontece na ordem
inversa da que ocorre em uma sentenccedila simples Podemos considerar entatildeo que nessa
estrutura serial temos a seguinte ordem de argumentos [SN V OD OI]
Por outro lado no exemplo a seguir man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de verbo e
consequentemente predicador de argumentos
(69)
ɔ fafafafa ----li sua nga mamamamannnn----niacute miacute
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Nessa estrutura fa lsquopegarrsquo eacute o elemento de caraacuteter hiacutebrido pois apresenta a
propriedade verbal de portar marca aspectual mas natildeo preserva todo o seu conteuacutedo
semacircntico Assim acaba preenchendo um espaccedilo na construccedilatildeo que seria de um verbo
mesmo natildeo sendo interpretado em niacutevel semacircntico como tal O verbo com conteuacutedo
lexical preservado e que representa a cena central descrita eacute man lsquodarrsquo Considerando
que o verbo fa natildeo eacute um verbo pleno nessa construccedilatildeo e portanto natildeo eacute predicador de
143
argumentos a representaccedilatildeo da ordem dos argumentos internos do verbo principal nessa
construccedilatildeo pode ser [S OD V OI]
Se definirmos que V1 eacute o introdutor do argumento interno em primeira posiccedilatildeo
estaremos atribuindo mais uma caracteriacutestica verbal a esse item e teremos de admitir a
presenccedila de um pronome objeto nulo apoacutes o verbo man lsquodarrsquo 113 Seria possiacutevel
representar a cena em questatildeo por meio de uma construccedilatildeo simples o que demonstra
que a opccedilatildeo pela construccedilatildeo serial traz algum conteuacutedo informacional que natildeo eacute
manifestado de outra maneira Dessa forma fa natildeo se constitui como um elemento
essencial agrave representaccedilatildeo da cena demonstrando uma caracteriacutestica discursiva e que
sugere a iminecircncia de uma accedilatildeo
Eacute possiacutevel ainda encontrar outra disposiccedilatildeo para os argumentos numa sentenccedila
serial
(70)
fa nu13nu kun wun( a wun i
3Ss pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
Nesse exemplo de construccedilatildeo assimeacutetrica temos os verbos dispostos em
sequecircncia e o argumento interno colocado apoacutes V2 Fica mais evidente aqui identificar
que o verbo fa em posiccedilatildeo V1 natildeo eacute predicador de argumento o que se confirma pelo
posicionamento do argumento interno na estrutura da frase imediatamente apoacutes toda a
sequecircncia de verbos (V1 e V2) Se pensarmos que se trata de um processo de
gramaticalizaccedilatildeo essa sequecircncia poderia ser considerada mais gramaticalizada uma vez
que foi tambeacutem alterada a estrutura prototiacutepica da construccedilatildeo de modo a indicar que fa
natildeo eacute o predicador do argumento interno
Haacute ainda uma outra possibilidade para a representaccedilatildeo do objeto
113 Em nenhuma das ocorrecircncias os falantes consideraram a possibilidade de se inserir esse iacutendice
pronominal para retomar o objeto direto
144
(71)
fa waka$ ma ku $n fa te li nu n
3Ss pegar aacutervore
filho INDET 3Ss pegar jogar PERF dentro
lsquoEntatildeo ele pegou uma fruta e colocou dentrorsquo
No caso acima o argumento interno do verbo te lsquojogarrsquo encontra-se antes da
estrutura serial junto ao primeiro fa na construccedilatildeo que antecede a serial
Sequencialmente logo apoacutes a repeticcedilatildeo do pronome sujeito temos novamente fa agora
na construccedilatildeo serial em posiccedilatildeo V1 seguido de te em posiccedilatildeo V2 A possibilidade de
V1 prescindir de um argumento interno ou mesmo de um iacutendice pronominal que fizesse
referecircncia ao SN nessa posiccedilatildeo sem que haja prejuiacutezo para o entendimento do
enunciado demonstra o caraacuteter de semilexicalidade (conforme a terminologia de
Hegemeijer) desse item Dessa forma o uacutenico elemento predicador de argumento
interno na estrutura eacute o verbo (te) em posiccedilatildeo V2
A expressatildeo do argumento interno entatildeo permite diferentes estruturas seriais
mas acata sempre a sequecircncia objeto direto-objeto indireto Assim a partir da estrutura
de base [SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)] podemos obter as variaccedilotildees
[SN V1 SN(obj) V2 V3]
[SN V1 SN(obj1) V2 SN(obj2)]
[SN V1 V2 SN(obj)]
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Apresentamos aqui uma descriccedilatildeo das principais propriedades sintaacuteticas de
construccedilotildees seriais em baulecirc Aleacutem disso realizamos tambeacutem uma classificaccedilatildeo com
base em uma tipologia elaborada a partir de propriedades sintaacuteticas e semacircnticas desse
tipo de construccedilatildeo Por meio dessa classificaccedilatildeo constatou-se a diversidade dos
exemplos de construccedilotildees seriais mas ao mesmo tempo delinearam-se caracteriacutesticas
comuns que possibilitaram a sua categorizaccedilatildeo em dois grandes grupos A partir de
propriedades comuns foi possiacutevel entatildeo verificar as suas especificidades
145
CAPIacuteTULO 5
DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
Analisaremos agora a relaccedilatildeo entre os domiacutenios conceituais dos verbos que
compotildeem uma construccedilatildeo serial em baulecirc considerando para isso pressupostos da
Gramaacutetica Cognitiva (LANGACKER 2008) e da Gramaacutetica de Construccedilotildees (GOLDBERG
1995) no intuito de confirmar a hipoacutetese de que construccedilotildees seriais representam um
uacutenico evento e se organizam sintaticamente como uma oraccedilatildeo simples Para a definiccedilatildeo
de eventos adotaremos o que diz Talmy (2000b 215)
Por meio do funcionamento dos genuiacutenos princiacutepios
dos processos cognitivos que podem ser designados seccedilotildees
conceituais () a mente humana pode em percepccedilatildeo ou
concepccedilatildeo estender o limite sobre uma porccedilatildeo que de outro
modo poderia ser um continuum tanto de espaccedilo e tempo
quanto de outro domiacutenio qualitativo e designar aos
conteuacutedos selecionados pelos limites a propriedade de ser
uma uacutenica entidade Entre as vaacuterias alternativas uma
categoria de tal entidade eacute percebida ou conceitualizada como
um evento115
Nessas construccedilotildees o domiacutenio conceitual de um dos verbos iraacute se sobrepor ao
domiacutenio do outro em geral o que for mais central para a representaccedilatildeo da cena descrita
uma vez que um dos verbos da construccedilatildeo adquire novas propriedades Dessa forma a
estrutura conceitual da construccedilatildeo seraacute aquela do verbo proeminente que
consequentemente coincidiraacute com o profile determinado pela construccedilatildeo
De acordo com Langacker (2003 252) eacute especialmente crucial para a gramaacutetica
a proeminecircncia adquirida por seus elementos em uma determinada construccedilatildeo Entre os
tipos de proeminecircncia possiacuteveis os que mais se destacam satildeo a relaccedilatildeo de profiling e o
alinhamento de trajetor (participante mais proeminente) e marco (participante
secundaacuterio) Toda expressatildeo carrega em si um conjunto de conteuacutedos conceituais
115 ldquoBy the operation of very general cognitive processes that can be termed conceptual partitioning (hellip) the human mind in perception or conception can extend a boundary around a portion of what would otherwise be a continuum whether of space time or other qualitative domain and ascribe to the excerpted contents within the boundary the property of being a single unit entity Among various alternatives one category of such an entity is perceived or conceptualized as an eventrdquo
146
chamado base sobre o qual se impotildee um profile ldquoO profile de uma expressatildeo eacute a
entidade construiacuteda como designadora (seu referente conceitual) e como tal eacute o foco da
atenccedilatildeo Expressotildees com a mesma base podem diferir em significado em virtude de
perfilarem suas diferentes facetasrdquo116 (LANGACKER ibidem)
Tomaremos como base tambeacutem alguns conceitos da Gramaacutetica de Construccedilotildees
(GOLDBERG 1995) para nortear a anaacutelise e a classificaccedilatildeo da estrutura argumental das
construccedilotildees seriais em baulecirc Como vimos anteriormente no capiacutetulo 3 essa abordagem
teoacuterica pressupotildee que natildeo haacute limites riacutegidos entre construccedilotildees morfoloacutegicas e sintaacuteticas
e que as relaccedilotildees entre elas satildeo feitas por meio de uma rede de traccedilos e links semacircnticos
que as aproximam
No que tange agraves construccedilotildees seriais em baulecirc por meio de tais pressupostos
demonstraremos que os itens que as compotildeem eram portadores de traccedilos semacircnticos em
seu significado de base que se adaptaram agrave construccedilatildeo Assim numa construccedilatildeo verbal
por exemplo o verbo tem um significado de base que se combina com construccedilotildees
sintaacuteticas diversas devido agraves possibilidades de interaccedilatildeo entre o sentido de cada
construccedilatildeo e o sentido baacutesico do verbo Essa combinaccedilatildeo no entanto natildeo exclui a
possibilidade de se criar um novo significado agrave construccedilatildeo de acordo com a rede
semacircntica potencial dos itens verbais
Para a anaacutelise manteremos a divisatildeo das construccedilotildees em simeacutetricas e
assimeacutetricas A partir disso veremos como se daacute o alinhamento de trajetor-marco no
processo configurado pelo profile Verificaremos entatildeo como se organizam
conceitualmente os verbos nas construccedilotildees classificadas estruturalmente de acordo com
o que determina Goldberg (1995) Entatildeo poderemos identificar como se daacute a
proeminecircncia de um domiacutenio conceitual sobre outro resultando na concepccedilatildeo de que
tais estruturas se projetam como estruturas simples e descrevem um uacutenico evento
51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
Nesta seccedilatildeo apresentaremos as construccedilotildees seriais em baulecirc formadas por um
verbo pleno e um verbo funcional classificadas de acordo com a tipologia de
Aikhenvald amp Dixon (2006) de assimeacutetricas
116 ldquoAn expressionrsquos profile is the entity it is construed as designating (its conceptual referent) and as such is a focus of attention Expressions with the same base can differ in meaning by virtue of profiling different facets of itrdquo
147
511 Introdutoras de beneficiaacuterio
Vamos tomar inicialmente as estruturas formadas com verbo fa lsquopegarrsquo
(72)
ɔ fa akɔ kle mi
3Ss pegar frango mostrar 1Os
agente tema recipiente
lsquoEle mostra o frango para mimrsquo
kle lsquomostrarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco mi lsquopara mim
fa lsquopegarrsquo Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco akɔ lsquofrangorsquo
O participante de maior proeminecircncia no evento eacute a entidade que estaacute sendo
descrita localizada ou avaliada O outro participante em geral eacute o de proeminecircncia
secundaacuteria
O evento descrito na construccedilatildeo acima designa um agente (A) que se apropria de
um tema (T) e o insere no domiacutenio perceptivo ndash o ato de ver ndash de um outro elemento
(R) A relaccedilatildeo perfilada eacute a de mostrar indicada pelo verbo kle Nessa relaccedilatildeo o tema
eacute a unidade transferida ao domiacutenio perceptivo do recipiente que se caracteriza como sua
esfera de controle acesso ou influecircncia No entanto na estrutura sintaacutetica o elemento
que introduz o tema natildeo eacute o verbo kle lsquomostrarrsquo designador do evento propriamente
mas o verbo fa lsquopegarrsquo sem participaccedilatildeo efetiva na cena Portanto temos um verbo que
ocupa um espaccedilo na estrutura sintaacutetica mas que natildeo imprime agrave cena descrita nenhum
traccedilo de seu conteuacutedo semacircntico que seja determinante para a sua representaccedilatildeo uma
vez que estaacute subentendido na composiccedilatildeo da cena
Dessa forma considerando a relaccedilatildeo do profile designado pela construccedilatildeo que eacute
de mostrar algo a algueacutem kle se sobrepotildee a fa e impotildee agrave construccedilatildeo o seu alinhamento
trajetormarco A diferenccedila que se estabelece entre esses verbos eacute que fa confere o
148
caraacuteter de marco ao tema enquanto kle confere esse papel ao recipiente O alinhamento
determinado pela construccedilatildeo confere o papel de marco ao beneficiaacuterio e natildeo ao tema
coincidindo portanto com o alinhamento projetado pelo verbo kle
O esquema relativo ao verbo fa lsquopegarrsquo mostra sua estrutura conceitual mais
prototiacutepica na qual um agente (A) exerce domiacutenio sobre um tema (T) por meio de uma
relaccedilatildeo de posse Na construccedilatildeo serial do exemplo (72) no entanto esse verbo natildeo eacute
efetivamente relevante pois natildeo participa do evento descrito que envolve o ato de
colocar algo em evidecircncia para que esse elemento seja percebido por algueacutem Colocar
algo em evidecircncia por sua vez pressupotildee intrinsecamente no caso em questatildeo a sua
posse o que eacute indicado pelo verbo fa lsquopegarrsquo No entanto essa posse por estar
pressuposta no processo descrito natildeo eacute essencial ao significado da cena e assim
demonstra seu papel de verbo funcional restando-lhe a funccedilatildeo de introduzir argumento
interno
Em baulecirc devemos considerar que estruturas de um uacutenico verbo diferem de
estruturas seriais tambeacutem pela maneira como cada uma ordena os argumentos internos
dos verbos Na estrutura de um uacutenico verbo como jaacute vimos a ordem eacute [S V OI OD] Na
serial temos [S V OD V OI] Na construccedilatildeo serial eacute necessaacuterio um verbo em posiccedilatildeo
V1 para introduzir o argumento interno como observamos no exemplo (75) Esse
verbo no entanto apesar de natildeo ser verbo pleno eacute apto a ocupar uma posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo pois ao adequar seu conteuacutedo lexical ao sentido da construccedilatildeo passa a
ser verbo funcional introduzindo o argumento de V1 que receberaacute papel semacircntico de
tema Assim a introduccedilatildeo de fa como V1 na construccedilatildeo serial eacute essencial para a sua
estrutura sintaacutetica e da mesma maneira imprime ao conteuacutedo informacional da
construccedilatildeo um valor essencial o que nos leva a afirmar que uma mudanccedila no niacutevel
sintaacutetico acarretaria mudanccedila em seu significado
Caso semelhante observamos no exemplo seguinte
149
(73)
i fa mango cɛ mi
3Ss pegar manga oferecer 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle oferece manga para mimrsquo
Na construccedilatildeo acima fa designa o mesmo alinhamento aos participantes focal e
secundaacuterio dado no exemplo anterior O verbo selecionado para a posiccedilatildeo V2 - cɛ
lsquooferecerrsquo ndash traz inerente ao seu significado a ideia de transferecircncia adequando-se aos
limites do significado da construccedilatildeo O conteuacutedo semacircntico de cada item lexical
acomoda-se ao significado da construccedilatildeo Aqui tambeacutem fa natildeo eacute um verbo pleno
conteuacutedo pois apesar de introduzir sintaticamente o objeto direto no niacutevel semacircntico e
conceitual esse item natildeo se sobrepotildee a cɛ lsquooferecerrsquo e natildeo faz parte da descriccedilatildeo
objetiva do evento
No exemplo (74) a seguir o verbo fa lsquopegarrsquo em posiccedilatildeo V1 na sentenccedila natildeo
introduz o objeto direto que se posiciona logo apoacutes V2 Nesse caso fa perde mais uma
de suas propriedades verbais (a de predicador do argumento interno) o que deixa mais
evidente que natildeo se trata de um verbo pleno e sim funcional
(74)
fa nu13nu kun wun$ a wun i
3Ssg pegar limpar INDET corpo vocecirc ver isso
agente tema
lsquoEle limpou uma (fruta) viursquo
LIMPAR
nunu lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
117 Deve-se usar esse nome (corpo) sempre que se usar um verbo indicativo de accedilatildeo sobre a superfiacutecie de um corpo
150
PEGAR
fa lsquolimparrsquo Trajetor ele lsquoagentersquo Marco kun wun lsquoum corporsquo
O verbo fa aparece aqui ainda mais distante de seu sentido prototiacutepico estando
assim mais gramaticalizado O verbo nunu lsquolimparrsquo por sua vez manteacutem o seu
conteuacutedo semacircntico baacutesico e institui relaccedilatildeo de transitividade entre o argumento externo
(trajetor) e o argumento interno (marco) A relaccedilatildeo designada pelo profile de nunu eacute X
causa algo a Y Essa relaccedilatildeo eacute tambeacutem a que se depreende da construccedilatildeo toda o que
pode indicar que o verbo com determinante seja nunu pois coincide com o do profile da
proacutepria construccedilatildeo
Vejamos o exemplo (75) semelhante aos jaacute apresentados
(75)
ɔ fa-li swa nga man-niacute miacute
3Ssg pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
O profile determinante nessa construccedilatildeo indica a relaccedilatildeo de um agente (trajetor)
que leva algo (tema) ao domiacutenio de um beneficiaacuterio (marco) Esse profile coincide com
o profile do verbo man lsquodarrsquo que tem o agente (ɔ) como trajetor e o beneficiaacuterio (mi)
como marco A introduccedilatildeo do tema elemento secundaacuterio na relaccedilatildeo perfilada eacute feita
por outro termo da construccedilatildeo fa O que se faz notar agora eacute que em comparaccedilatildeo agraves
demais construccedilotildees analisadas os itens lexicais selecionados tornam mais evidente o
caraacuteter funcional de fa em posiccedilatildeo V1 e o seu restrito conteuacutedo semacircntico O item
escolhido para ser o tema (sua lsquocasarsquo) da relaccedilatildeo designada no profile natildeo permite que o
verbo fa seja interpretado como verbo pleno uma vez que natildeo pareceria verdadeiro que
um indiviacuteduo pegasse uma casa em suas proacuteprias matildeos e a entregasse a algueacutem No
entanto prevalece nessa leitura algum vestiacutegio semacircntico indicativo de posse aplicado
151
a algo abstrato ou subjetivo como a posse (ou domiacutenio) da decisatildeo de dar algo a
algueacutem Nessa construccedilatildeo o profile do verbo man eacute determinante sobre o de fa
No caso a seguir fa ocupa duas posiccedilotildees na construccedilatildeo ndash V1 e V2 ndash mas
aparece com menos conteuacutedo semacircntico na segunda posiccedilatildeo
(76)
i ni fa i kondro fa kt Oslash su
POSS matildee pegar poss Cobertor pegar cobrir Oslash LOC (por cima)
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoSua matildee o cobre com seu cobertorrsquo
Como V1 ele novamente introduz o objeto direto do verbo que representa o
evento descrito A posiccedilatildeo do papel semacircntico de beneficiaacuterio natildeo eacute preenchida ou seja
o objeto direto de kt lsquocobrirrsquo eacute a categoria vazia mas ele pode ser recuperado pelo
discurso o que significa a possibilidade de inclusatildeo de um pronome para o
preenchimento desse espaccedilo Dessa forma na construccedilatildeo serial vamos incluir um
morfema Oslash para indicar que haacute um beneficiaacuterio no evento descrito
O evento de cobrir algueacutem com um cobertor indica o seguinte alinhamento entre
seus participantes
trajetor i ni lsquosua matildeersquo marco Oslash
O verbo fa em posiccedilatildeo V1 tem como trajetor i ni a mesma expressatildeo assumida
para essa funccedilatildeo por V3 o tema (i kondro) eacute o marco Contudo eacute o alinhamento
requerido pelo verbo kt lsquocobrirrsquo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo uma vez que
aqui tambeacutem fa natildeo tem todas as propriedades de verbo pleno A construccedilatildeo completa
perfila o ato de cobrir algueacutem e natildeo o de pegar o cobertor
Como jaacute foi comentado os itens que compotildeem uma construccedilatildeo serial bem
como qualquer outro tipo de construccedilatildeo sintaacutetica se adeacutequam a ela de acordo com suas
propriedades lexicais e as propriedades da proacutepria construccedilatildeo Assim itens lexicais natildeo
satildeo esferas estanques com conteuacutedo semacircntico fechado Sua composiccedilatildeo semacircntica se
152
daacute por meio de muacuteltiplos traccedilos A escolha lexical portanto dos termos constituintes de
uma construccedilatildeo se mostra como um processo de adequaccedilatildeo entre os traccedilos componentes
da estrutura lexical e o significado que essa construccedilatildeo impotildee Toda construccedilatildeo se
compotildee para designar uma determinada cena e os seus elementos constituintes natildeo
devem ser vistos como unidades independentes posicionadas lado a lado sem que
estabeleccedilam qualquer tipo de relaccedilatildeo entre si Consoante Langacker (2002) construccedilotildees
satildeo como colagens em que seus elementos se sobrepotildeem uns aos outros para cobrir
eventuais lacunas ldquoEles evocam o todo e o motivam em vaacuterios graus mas natildeo o
constituemrdquo (L ANGACKER 2002 10)118 Comparemos o exemplo (77) a seguir com o
exemplo 78
(77)
ɔ yo-li swa nga man-ni mi
3Ss fazer-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
Agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle fez esta casa para mimrsquo
(78)
ɔ fa -li swa nga man-ni mi
3S pegar-PERF casa DEM dar-PERF 1Os
agente tema beneficiaacuterio
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
Na construccedilatildeo (77) tambeacutem classificada como assimeacutetrica V1 representa o
evento descrito O verbo man lsquodarrsquo gramaticalizou-se em um marcador introdutor de
um beneficiaacuterio com funccedilatildeo sintaacutetica de preposiccedilatildeo Verbos com conteuacutedo lexical
semelhante ao de DAR podem adquirir novo estatuto em construccedilotildees seriais em liacutenguas
que natildeo tecircm em sua morfologia um item especiacutefico para essa funccedilatildeo
Particularmente quando verbos que significam DAR ocorrem
em construccedilotildees seriais com frequecircncia eles se gramaticalizam em
118 ldquoThey evoke the whole and motivate it to varying degrees but they do not constitute itrdquo(grifos do autor)
153
marcas de beneficiaacuterios Na verdade isso eacute parte de um conjunto todo
de caminhos de extensatildeo semacircntica e gramaticalizaccedilatildeo testemunhado
pelo verbo DAR e outros verbos relacionados o qual natildeo posso
explorar aqui () (LANGAKER 2003 269-70)119
O profile determinante seraacute o profile da estrutura que corresponder ao profile da
construccedilatildeo Na construccedilatildeo (77) acima temos como profile a relaccedilatildeo de um agente
(trajetor) que realiza algo (temamarco) para entregaacute-lo ao domiacutenio de um beneficiaacuterio
FAZER Trajetor lsquoelersquo Marco swa nga lsquoesta casarsquo
DAR Trajetor lsquoelersquo Marco mi lsquomimrsquo
O verbo mais representativo do evento eacute yo lsquofazerrsquo A funccedilatildeo de man na
construccedilatildeo nessa relaccedilatildeo com o verbo yo lsquofazerrsquo eacute a de introduzir a accedilatildeo descrita por
esse verbo no domiacutenio do beneficiaacuterio Assim a expressatildeo inteira tem como profile
fazer uma casa e natildeo dar a algueacutem
A escolha dos itens lexicais e o seu posicionamento nas construccedilotildees acima foi
determinante para a elaboraccedilatildeo do sentido e da funccedilatildeo desses itens na organizaccedilatildeo
sintaacutetica Natildeo estamos afirmando que apenas um uacutenico e exclusivo item lexical poderia
preencher um determinado espaccedilo na construccedilatildeo Partimos da premissa de que
construccedilotildees carregam significado em si mesmas (GOLDBERG 1995) No entanto o
leacutexico tem o papel de trazer para as construccedilotildees a sua definitude ou seja a partir de um
campo semacircntico amplo no qual se encaixam todos os itens lexicais aptos a preencher
uma posiccedilatildeo em uma construccedilatildeo para cada escolha teremos um significado
correspondente O significado entatildeo se constroacutei em duas direccedilotildees da construccedilatildeo para
os elementos constituintes e dos elementos constituintes para a construccedilatildeo (cf LEITE
2006 26)
Voltemos aos exemplos (77) e (78) Satildeo duas construccedilotildees bitransitivas que
podem ser representadas nos seguintes esquemas (cf GOLDBERG opcit)
119 ldquoIn particular when verbs meaning GIVE occur in serial verb constructions they often grammaticize into benefactive markers This is actually one facet of a whole complex of paths of semantic extension and grammaticization witnessed for GIVE and related verbs which I cannot explore hererdquo (see Lewis 1989 Newman 1996 and Fagerli 2001 for extensive data and interesting discussion)
154
Semacircntica
Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
Sujeito Obj1 Obj2
yyyyooooman lsquofazerdarrsquo
lsquoelersquo
swa nga lsquoesta casarsquo
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle fez esta casa para mimlsquo
Semacircntica Sintaacutetica
CONSTRUCcedilAtildeO BITRANSITIVA
CAUSA-RECIP Agente Tema Beneficiaacuterio
PRED V1V2
faman man man man lsquopegardarrsquo
Sujeito
lsquoelersquo
Obj1
swa nga
lsquoesta casarsquo
Obj2
mi lsquo1Osrsquo
lsquoEle deu esta casa para mimrsquo
As construccedilotildees analisadas se encaixam num mesmo esquema de predicaccedilatildeo
apresentando como diferenccedila apenas os termos que preeenchem os espaccedilos desse
esquema e o verbo que tem proeminecircncia na construccedilatildeo No primeiro caso a saliecircncia eacute
dada ao primeiro verbo ndash yo lsquofazerrsquo ndash e o verbo man lsquodarrsquo cumpre a funccedilatildeo de
introduzir o argumento (beneficiaacuterio) na construccedilatildeo Contrariamente no segundo caso
temos o verbo man lsquodarrsquo como verbo nuacutecleo da construccedilatildeo e fa lsquopegarrsquo como
secundaacuterio e funcional O mesmo item lexical pode portanto ocupar espaccedilos distintos
155
nas construccedilotildees e consequentemente adquirir valores distintos No exemplo (80) man
lsquodarrsquo eacute verbo pleno ao passo que no exemplo (78) ele assume papel de verbo
funcional O fato de integrar uma construccedilatildeo serial dessa maneira natildeo o torna
necessariamente um verbo inapto a ocupar o espaccedilo de nuacutecleo em outra construccedilatildeo
serial ou de formar uma estrutura de um uacutenico verbo
Itens lexicais que integram construccedilotildees seriais natildeo perdem necessariamente suas
propriedades verbais e natildeo devem ser classificados como verbos defectivos por
adquirirem em alguns casos outra funccedilatildeo na construccedilatildeo serial De forma contraacuteria ao
que afirma Larson (2005 74-75) a condiccedilatildeo de ser verbo defectivo para integrar uma
construccedilatildeo serial natildeo nos parece verdadeira O que ocorre eacute a possibilidade de um verbo
constituinte de uma construccedilatildeo serial estar em processo de gramaticalizaccedilatildeo e assim
adquirir outras propriedades que natildeo propriamente as de um verbo resultando em uma
mudanccedila que o leva a natildeo mais integrar como verbo estruturas sintaacuteticas simples Essa
possibilidade poreacutem natildeo se constitui como uma condiccedilatildeo obrigatoacuteria e natildeo anula suas
propriedades em outras construccedilotildees em outros contextos
Construccedilotildees bitransitivas podem ser analisadas como estruturas em que X causa
Y receber Z e incorporam a noccedilatildeo de que ldquoalgueacutemrdquo estaacute fazendo com que ldquoalgueacutemrdquo
receba ldquoalgordquo Pode-se identificar aiacute o caraacuteter universal dessas construccedilotildees uma vez que
todas as liacutenguas incorporam a ideia de transferecircncia resultante da elaboraccedilatildeo de
situaccedilotildees concretas do mundo real Haacute uma hierarquia semacircntica na sequecircncia
apresentada que seraacute determinante na elaboraccedilatildeo do alinhamento trajetormarco na
medida em que indica os participantes de maior ou menor proeminecircncia no evento
descrito
A construccedilatildeo que tem o verbo man lsquodarrsquo como representante principal da cena
descrita eacute mais prototiacutepica que a construccedilatildeo que tem o verbo yo lsquofazerrsquo A primeira
veicula a ideia de transferecircncia a partir do proacuteprio sentido lexical do verbo a segunda
por sua vez elabora essa ideia por meio da composiccedilatildeo com outro elemento aleacutem do
verbo yo - no caso o proacuteprio verbo man que por extensatildeo metafoacuterica originaacuteria de seu
uso mais baacutesico introduz o argumento interno tema no domiacutenio do argumento interno
beneficiaacuterio
156
Goldberg (1995 142) representou as possibilidades de extensatildeo metafoacuterica de
construccedilotildees bitransitivas por meio de esquemas que tambeacutem satildeo adequados agrave anaacutelise de
construccedilotildees seriais ndash simeacutetricas e assimeacutetricas Numa construccedilatildeo assimeacutetrica apenas um
dos verbos assume a funccedilatildeo de predicador o que a torna equivalente a uma construccedilatildeo
de um uacutenico verbo em termos sintaacuteticos Nas construccedilotildees simeacutetricas por sua vez os
verbos tecircm valecircncia e conteuacutedo semacircntico similar ou complementar e se compotildeem na
construccedilatildeo para representar um uacutenico evento Vejamos o esquema a seguir que abrange
3 construccedilotildees analisadas
Os verbos que estabelecem a predicaccedilatildeo determinante nas construccedilotildees seriais do
tipo acima pertencem a uma mesma rede semacircntica e conferem aos participantes da
cena descrita os mesmos papeacuteis semacircnticos e gramaticais De maneira semelhante o
verbo que introduz o objeto direto mas natildeo atribui a ele nenhum papel semacircntico eacute o
mesmo em todas as construccedilotildees Para obter-se entatildeo o sentido designado pela
construccedilatildeo eacute preciso que os verbos possuam em seu conteuacutedo lexical as atribuiccedilotildees
semacircnticas e argumentais requeridas por ela para compor as relaccedilotildees nela estabelecidas
Segundo Goldberg as construccedilotildees restringem a classe de verbos que iraacute integraacute-las
bem como determina o modo como iratildeo combinar-se Aleacutem disso as relaccedilotildees
representadas nos verbos que compotildeem a construccedilatildeo devem se harmonizar com o
sentido proacuteprio da construccedilatildeo Dessa maneira deve haver sempre uma compatibilidade
157
constante entre os itens lexicais e a construccedilatildeo natildeo sendo portanto aleatoacuteria tal
combinaccedilatildeo
Tomemos agora exemplo semelhante do baulecirc
(79)
fa li13 tanni man ni kuajo
3Ssg pegar-perf tecido 3Ssg dar-perf Kuajo
lsquoEle deu o tecido a Kuajorsquo
Em baulecirc haacute dois morfemas alternantes para o aspecto perfectivo a saber li e
ni - este uacuteltimo eacute empregado antes de sons nasais como se observa no exemplo
anterior No enunciado o argumento externo (trajetor) eacute expresso foneticamente antes
do primeiro e do segundo verbo bem como as marcas aspectuais O evento descrito eacute
representativo de um encadeamento de accedilotildees permeadas e motivadas por transferecircncia
de energia o que eacute depreendido dos traccedilos semacircnticos dos verbos fa lsquopegarrsquo e man
lsquodarrsquo
O termo que preenche o papel de beneficiaacuterio (marco) da accedilatildeo eacute Kuadio
tambeacutem um dos argumentos do verbo DAR representante da accedilatildeo principal da cena O
outro argumento eacute o item lexical TECIDO que desempenha papel temaacutetico de ldquotemardquo e
eacute introduzido na estrutura do enunciado pelo verbo PEGAR Sebba (1987) chamou esse
tipo de verbo chamado aqui de verbo funcional de dummy verbs120 por
equivocadamente considerar que estivesse esvaziado de sentido Por conseguinte
podemos considerar que pelo fato de o verbo DAR carregar a informaccedilatildeo mais
relevante da cena descrita e representar o evento principal foi possiacutevel que se omitisse o
verbo PEGAR - de acordo com essa perspectiva secundaacuterio na representaccedilatildeo da cena
No entanto essa opccedilatildeo acarreta a perda de um valor discursivo representado no texto
em baulecirc pelo verbo fa lsquopegarrsquo Essa possibilidade de interpretaccedilatildeo resulta do fato de
que a combinaccedilatildeo dos traccedilos semacircnticos dos itens lexicais constitutivos de uma
construccedilatildeo serial pode resultar em valores que satildeo compreendidos pelo interlocutor
apenas no niacutevel discursivo Esse exemplo eacute em parte semelhante ao exemplo da liacutengua
thai em que o verbo de significado DAR em construccedilotildees seriais pode desempenhar a
120 Definiccedilatildeo dada neste capiacutetulo
158
funccedilatildeo de uma preposiccedilatildeo introdutora de um argumento com papel semacircntico de
beneficiaacuterio ou recipiente o que demonstra ser um processo de gramaticalizaccedilatildeo
512 Introdutoras de instrumento
A traduccedilatildeo literal de um enunciado construiacutedo com uma estrutura serial para
uma liacutengua que natildeo possui esse tipo de estrutura natildeo eacute tarefa faacutecil pois o sentido da
construccedilatildeo serial seraacute veiculado por meio de uma estrutura sintaacutetica que poderaacute natildeo
incorporar por completo o significado inicial Tomando o exemplo a seguir vemos que
eacute necessaacuterio elaborar um enunciado em que o verbo fa lsquopegarrsquo seja traduzido como uma
preposiccedilatildeo Se fosse considerado literalmente como um verbo pleno o resultado seria
uma construccedilatildeo coordenada indicando duas accedilotildees consecutivas mas que natildeo
corresponderia ao sentido veiculado pela construccedilatildeo serial Vejamos o enunciado
abaixo
(80)
be fafafafa -li laliɛ n kpkpkpkpɛɛɛɛ-li kpaun nun
3Spl pegar-PERF faca DET cortar -PERF patildeo INDET
lsquoEles cortaram um patildeo com a facarsquo
Trajetor be lsquoelesrsquo marco kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Temos uma construccedilatildeo indicativa de uma accedilatildeo (kpɛ lsquolsquolsquolsquocortarrsquo) realizada por um
agente (be lsquoelesrsquo) com o auxiacutelio de um instrumento (laliɛ lsquofacarsquo) Essa accedilatildeo atua sobre
um objeto X modificando seu estado ao ser finalizada O participante principal
(trajetor) eacute representado pelo pronome de terceira pessoa do plural be o participante
secundaacuterio que tem seu estado modificado eacute kpaun (marco) Trata-se de uma
construccedilatildeo resultativa que se encaixa na representaccedilatildeo semacircntica de ldquoX faz com que Y
se torne Zrdquo expressa neste caso sintaticamente por uma construccedilatildeo serial Satildeo
necessaacuterios portanto os seguintes elementos i) ter um SN na posiccedilatildeo de sujeito ou
159
objeto que seja apto a uma mudanccedila de estado ii) o SN deve permitir e aceitar a
caracteriacutestica que a construccedilatildeo e os verbos lhe imputam
Contudo nessa construccedilatildeo o que eacute mais relevante para nossa anaacutelise eacute o fato de
que um dos elementos que integram a cena descrita na construccedilatildeo resultativa seja
introduzido por meio do recurso da serializaccedilatildeo O instrumento que realiza o processo
de cortar e consequentemente possibilita o resultado desejado eacute expresso pela
composiccedilatildeo fafafafa -li laliɛ n ou um verbo + um nome
O entendimento de que se trata de uma construccedilatildeo resultativa tambeacutem pode
revelar porque o verbo fa lsquopegarrsquo se encaixa nesse tipo de construccedilatildeo serial Se
interpretarmos tal verbo em seu sentido prototiacutepico de verbo pleno teremos a
representaccedilatildeo de duas accedilotildees pegar a faca e cortar o patildeo Por extensatildeo metafoacuterica e
ainda considerando o verbo fa como verbo pleno podemos ter o sentido de pegar a faca
para cortar o patildeo Dessa forma eacute possiacutevel imaginar que o ato de pegar a faca ocorra
apenas para viabilizar a realizaccedilatildeo de um movimento no caso cortar o patildeo Esse
movimento por sua vez gera um determinado resultado o de ter o patildeo cortado Nessa
perspectiva a cena principal representada eacute a de cortar o patildeo e natildeo a de pegar a faca
Portanto o verbo fa lsquopegarrsquo perde seu estatuto de verbo pleno e acaba por adquirir a
funccedilatildeo de introduzir o instrumento com o qual se realiza o processo de cortar o patildeo para
chegar ao resultado desejado ter o patildeo cortado
Natildeo estamos aqui afirmando que sentenccedilas seriais satildeo derivadas de sentenccedilas
coordenadas mas apontando semelhanccedilas entre elas e um possiacutevel caminho no processo
de mudanccedila o que natildeo significa postular que todas as construccedilotildees seriais tenham
percorrido esse caminho
Assumimos o princiacutepio da Linguiacutestica Cognitiva de que o homem incorpora em
sua linguagem suas experiecircncias sensoacuterio-motoras baacutesicas como transferecircncia posse
movimento entre outras Nessa perspectiva nossa vivecircncia no mundo se relaciona
diretamente com a maneira como estruturamos a linguagem verbal O emprego de um
item lexical que expresse prototipicamente um movimento indicativo de posse como eacute
o caso do verbo fa lsquopegarrsquo em uma estrutura sintaacutetica que descreve um processo que
por meio tambeacutem da posse e da utilizaccedilatildeo de um determinado instrumento ndash introduzido
pelo verbo fa ndash resulta na mudanccedila de estado de um objeto soacute eacute possiacutevel por meio de
160
extensotildees metafoacutericas das possibilidades de uso desse verbo Em baulecirc portanto uma
das maneiras de representar a mudanccedila de estado eacute por construccedilotildees seriais que tenham
como V1 o verbo fa lsquopegarrsquo
A utilizaccedilatildeo do verbo fa em construccedilotildees introdutoras de instrumento tambeacutem
nos coloca diante das caracteriacutesticas jaacute observadas nas construccedilotildees introdutoras de
beneficiaacuterio no niacutevel sintaacutetico temos verbos que ainda manifestam propriedades
verbais tais como portar iacutendice aspectual e introduzir argumentos poreacutem quando
observamos o niacutevel semacircntico esses itens natildeo correspondem propriamente agrave funccedilatildeo
verbal Portanto apresentam-se como itens lexicais hiacutebridos ou semilexicais121
(HAGEMEIJER 2001) No exemplo (80) o verbo fa eacute predicador do argumento externo e
de um argumento interno aleacutem de portar a marca aspectual e ocupar posiccedilatildeo de verbo
na construccedilatildeo Por outro lado sua funccedilatildeo sintaacutetica nessa construccedilatildeo eacute a de introduzir o
sintagma nominal laliɛ n
Para compreender a relaccedilatildeo conceitual e semacircntica entre os verbos vamos
verificar na construccedilatildeo o alinhamento conceitual entre os participantes do evento
descrito e em seguida o alinhamento estabelecido por cada verbo separadamente
Dessa maneira poderemos discriminar qual termo apresenta o alinhamento que mais se
adeacutequa ao que estaacute proposto na construccedilatildeo e assim adquire maior proeminecircncia
No exemplo (80) o evento descrito eacute o de cortar o patildeo com uma faca
representado numa construccedilatildeo serial constituiacuteda por dois verbos fa lsquopegarrsquo e kpɛ
lsquocortarrsquo A representaccedilatildeo conceitual do alinhamento entre os participantes dos processos
descritos por esses verbos eacute
fa lsquopegarrsquo trajetor be marco laliɛ n
kpɛ lsquocortarrsquo trajetor be marco kpaun nun
A semelhanccedila entre os alinhamentos estaacute no fato de ambos terem como trajetor
ou seja participante focal representado pelo pronome sujeito be A diferenccedila entre eles
121 Ou verbos funcionais conforme definiccedilatildeo proposta por Castilho 2010
161
estaacute por sua vez nos elementos que estabelecem como marco enquanto fa tem nessa
posiccedilatildeo o instrumento faca (laliɛ n) kpɛ confere esse papel ao objeto cortado (kpaun
nun) coincidindo com o alinhamento estabelecido pela proacutepria construccedilatildeo serial Se
entatildeo considerarmos que a construccedilatildeo como um todo representa um uacutenico evento - e
esse evento eacute o de cortar um patildeo - entatildeo teremos que o sintagma nominal
representativo do trajetor da construccedilatildeo eacute kpaun nun Por sua vez o item verbal que
representa de maneira central o evento em questatildeo eacute o proacuteprio verbo kpɛ lsquocortarrsquo jaacute que
em termos conceituais o alinhamento de fa natildeo afina com o alinhamento exigido pela
construccedilatildeo o que torna fa elemento de menor proeminecircncia e permite que ele adquira
funccedilatildeo prepositiva perdendo algumas de suas propriedades verbais
A transposiccedilatildeo da construccedilatildeo serial ndash composta por mais de um verbo ndash a um
esquema sintaacutetico de construccedilatildeo com apenas um verbo poderia neste caso ser feita por
meio de um esquema de construccedilotildees resultativas (cf GOLDBERG 1995) Para isso
vamos considerar inicialmente a seguinte a representaccedilatildeo de uma cadeia causal (cf
CROFT 1991 185)
Figura 3 Antecedente Subsequente Meio Causa Agente Instrumento Resultado SUJEITO Modo OBJETO Agora considerando o exemplo (80) teremos
Sujeito be lsquoelesrsquo Instrumento (fa) laliɛ n lsquouma facarsquo
Objeto kpaun nun lsquoum patildeorsquo
Resultado kpɛ-li lsquocortar-PERFrsquo
162
Por essa representaccedilatildeo eacute possiacutevel visualizar tambeacutem o papel secundaacuterio de fa na
descriccedilatildeo do evento uma vez que esse elemento se manteacutem como verbo apenas no niacutevel
sintaacutetico da construccedilatildeo serial mas natildeo sustenta no niacutevel semacircntico suas propriedades
verbais e assim torna-se um elemento mais funcional que lexical A designaccedilatildeo do
resultado do processo eacute dada pela proacutepria estrutura morfoloacutegica do verbo kpɛ-li lsquocortar-
PERFrsquo pois se Eles cortaram o patildeo pode-se deduzir que o patildeo esteja cortado
A possibilidade de utilizaccedilatildeo para a anaacutelise de construccedilotildees seriais de esquemas
sintaacuteticos inicialmente propostos para representar construccedilotildees formadas por um soacute
verbo eacute admissiacutevel porque numa estrutura serial apenas um dos verbos que a constitui
manteacutem sua funccedilatildeo de verbo pleno Desse modo o outro verbo ocupa a posiccedilatildeo
sintaacutetica de um verbo apenas para introduzir na estrutura um dos argumentos internos
mas natildeo se estabelece plenamente como tal Esse gecircnero de construccedilatildeo serial portanto
denominado assimeacutetrico tem um uacutenico verbo nuacutecleo como predicador de argumentos
o que determina sua similaridade com as estruturas formadas por um uacutenico verbo Haacute
por outro lado tambeacutem as construccedilotildees seriais simeacutetricas constituiacutedas de verbos que
por terem traccedilos semacircnticos semelhantes se combinam de modo a representar uma
uacutenica cena Os argumentos desse tipo de construccedilatildeo se comportam como argumentos de
um uacutenico predicador fazendo com que sua estrutura sintaacutetica tambeacutem seja comparaacutevel agrave
estrutura de uma construccedilatildeo formada por um uacutenico verbo Construccedilotildees seriais portanto
se circunscrevem a esquemas sintaacuteticos e semacircnticos aplicaacuteveis agrave maioria das liacutenguas
naturais para construccedilotildees formadas por um uacutenico verbo A seguir o quadro proposto
por Goldberg (1995) para as construccedilotildees resultativas mais baacutesicas como a do exemplo
da construccedilatildeo serial
163
Construccedilatildeo resultativa transitiva
Por meio desse esquema podemos identificar mais claramente que fa natildeo eacute
predicador de argumentos na construccedilatildeo mas sim o introdutor do item lexical com
papel de instrumento Eacute preciso notar que apesar de natildeo ter papel proeminente na
construccedilatildeo fa natildeo pode ser omitido sem que isso seja convertido em agramaticalidade
visto que as posiccedilotildees jaacute discriminadas na estrutura satildeo um dos elementos que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido O objeto modificado natildeo integra a construccedilatildeo
mas pode ser inferido principalmente do sentido lexical do verbo e de sua marca
aspectual de perfectivo indicativa de uma accedilatildeo que ocorreu no passado e foi finalizada
A possibilidade de que um mesmo item lexical integre diferentes construccedilotildees
natildeo resulta de um caso de polissemia semacircntica Ao contraacuterio o item lexical natildeo traz
em si todos os sentidos possiacuteveis e sim traccedilos semacircnticos e uma estrutura argumental
que se adaptam agraves construccedilotildees da liacutengua e geram diferentes significados ldquo() a
semacircntica de (e os limites dela) expressotildees inteiras eacute diferente toda vez que um verbo
estiver em uma diferente construccedilatildeo Mas essas diferenccedilas natildeo devem ser atribuiacutedas aos
diferentes sentidos do verbo elas satildeo parcimoniosamente atribuiacutedas agraves proacuteprias
construccedilotildeesrdquo122 (GOLDBERG 199513) Podemos acrescentar ainda que o princiacutepio da
economia linguiacutestica corrobora a concepccedilatildeo de elaboraccedilatildeo do significado e
harmonizaccedilatildeo entre leacutexico e sintaxe O exemplo (80) sob anaacutelise eacute revelador dessa
integraccedilatildeo leacutexico-sintaxe e nos mostra que fa se incorpora agrave construccedilatildeo serial
adquirindo novo sentido e nova funccedilatildeo uma vez que os traccedilos que compotildeem seu corpo
122 rdquo ldquo() the semantic of (and constraints on) the full expressions are different whenever a verb occurs in a different construction But these differences need not be attributed to different verb senses they are most parsimoniously attributed to the constructions themselvesrdquo
164
semacircntico mais prototiacutepico e sua estrutura argumental se adequaram ao sentido da
construccedilatildeo O significado das expressotildees linguiacutesticas eacute o resultado da composiccedilatildeo dos
constituintes menores que a integram e das restriccedilotildees sintaacuteticas que determinam essa
combinaccedilatildeo Essa premissa pressupotildee ainda que o sentido eacute elaborado a partir da
construccedilatildeo e natildeo do leacutexico que a compotildee Assim a construccedilatildeo serial de sentido
resultativo que tem a estrutura [S V1 OBJ1 V2 OBJ2] permite que a posiccedilatildeo V1 seja
ocupada por um verbo cumpridor da funccedilatildeo de introdutor de instrumento ndash a posiccedilatildeo
V2 eacute formada por um verbo pleno o sujeito natildeo eacute obrigatoriamente repetido antes de
V2 os argumentos internos seguem a ordem OD OI na posiccedilatildeo de OD temos um item
lexical com funccedilatildeo semacircntica de instrumento Os itens que preencherem as posiccedilotildees
dadas na construccedilatildeo deveratildeo portanto cumprir as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas
estabelecidas previamente na construccedilatildeo
513 Comparaccedilatildeo
Observemos o exemplo a seguir
(81)
igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra ɔ
3Ss falar com 1Os ultrapassar 2Os
lsquoEle fala mais comigo do que com vocecircrsquo
Falar trajetor igrave lsquoelersquo marco niacute miacute lsquocomigorsquo
Ultrapassar trajetor miacute lsquo1Osrsquo marco ɔ lsquovocecircrsquo
A comparaccedilatildeo em baulecirc por meio de construccedilotildees seriais se depreende da
relaccedilatildeo estabelecida pelo verbo tra em posiccedilatildeo V2 entre dois termos constituintes da
construccedilatildeo Esse verbo em processo de gramaticalizaccedilatildeo atua como um morfema
relacional e resulta de um mecanismo de metaacutefora-metoniacutemia que insere num contexto
natildeo prototiacutepico o item lexical de base
A percepccedilatildeo de que o verbo tra lsquoultrapassarrsquo estabelece nessa construccedilatildeo uma
comparaccedilatildeo emerge do fato de o sentido desse verbo nessa posiccedilatildeo dialogar com o seu
165
proacuteprio sentido de base permitindo assim a mudanccedila semacircntica A composicionalidade
do significado da construccedilatildeo se evidencia neste caso por meio de uma estrutura
parcialmente especificada ou seja com alguns termos componentes previamente
determinados e fixos uma vez que eacute necessaacuterio que tra ocupe a posiccedilatildeo V2 e o termo
em posiccedilatildeo V1 seja representativo de experiecircncias humanas diversas Essa restriccedilatildeo
imposta agrave construccedilatildeo serial acima indica que as construccedilotildees divergem entre si no que
tange a sua especificaccedilatildeo formal interna
Vamos considerar aqui a proposta de Heine et al (1991) que identificaram 5
categorias cognitivas representativas da variedade de domiacutenios conceituais
estruturadores das experiecircncias humanas os quais abrangem numa escala da esquerda
para a direita experiecircncias mais concretas a menos concretas Cada uma dessas
categorias se constitui de uma diversidade de traccedilos que satildeo mais ou menos
proeminentes em decorrecircncia do contexto linguiacutestico em que satildeo aplicados A escala
organizada por Heine et al (opcit) obedece agrave seguinte ordem
PESSOA˃ OBJETO˃ ATIVIDADE ˃ESPACcedilO˃ TEMPO˃ QUALIDADE
Em um processo de gramaticalizaccedilatildeo os itens lexicais tendem a encaixar-se
gradativamente numa categoria mais gramatical e distinta de sua categoria originaacuteria Se
considerarmos a construccedilatildeo acima o verbo gramaticalizado desarticulou-se de uma
categoria classificada como ATIVIDADE adaptando-se de forma satisfatoacuteria agrave
categoria QUALIDADE que se traduz nas liacutenguas por meio de relaccedilotildees mais abstratas
ou mais diretamente relacionadas ao proacuteprio sistema linguiacutestico De acordo com a
proposta dos autores o constituinte que prototipicamente estaacute em conformidade com a
categoria QUALIDADE eacute o de modificador
A premissa fundamental da GC compreende a gramaacutetica como uma instacircncia
simboacutelica por natureza Esse caraacuteter simboacutelico se revela na liacutengua por meio de
estruturas constituiacutedas de um poacutelo semacircntico e outro fonoloacutegico que se combinam e
formam um conjunto de construccedilotildees complexas A maneira como tais estruturas se
organizam define a gramaacutetica de uma liacutengua
No caso analisado a construccedilatildeo serial se manifesta como um recurso sintaacutetico
capaz de traduzir um mecanismo mental que alude a duas unidades e procura identificar
relaccedilotildees de semelhanccedila ou disparidade entre elas Nesse exemplo especiacutefico a
166
comparaccedilatildeo eacute desencadeada por um determinado ser animado (um homem ou uma
mulher) acerca de uma mesma atividade (falar) realizada por ele e um participante X e
por esse participante X e um participante Y O participante que estabelece a comparaccedilatildeo
traz para o discurso construiacutedo a sua proacutepria conceitualizaccedilatildeo a respeito de um evento
concreto no caso o proacuteprio ato discursivo Partindo entatildeo da elaboraccedilatildeo que faz
mentalmente sobre esse evento o falante iraacute percorrer o seu conjunto de conhecimentos
sobre a liacutengua e depreenderaacute dele uma construccedilatildeo apta a veicular a informaccedilatildeo
previamente elaborada A escolha da estrutura serial acima bem como dos itens que
preenchem os espaccedilos nela determinados eacute portanto resultante da habilidade cognitiva
desse falante
Os participantes focal e secundaacuterio do evento descrito no exemplo (81) satildeo
Trajetor igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ niacute miacute tratratratra
lsquoEle fala mais comigorsquo
Marco igrave igraveigraveigraveigraveɟɔɟɔɟɔɟɔ ɔ
lsquodo que (fala) com vocecircrsquo
Como observamos no quadro por natildeo haver elementos conectivos que
estabeleccedilam as relaccedilotildees entre os termos a exemplo do que se vecirc em liacutenguas como o
inglecircs o portuguecircs e o espanhol a escolha dos termos em baulecirc que se caracterizam
como trajetor e marco nos obriga a um desajuste no ordenamento instituiacutedo pela
construccedilatildeo serial Os termos que compotildeem a estrutura sob anaacutelise portam um conteuacutedo
semacircntico especiacutefico e a relaccedilatildeo entre esses conteuacutedos se faz por meio de inferecircncias
que os falantes satildeo capazes de estabelecer tendo como paracircmetro os proacuteprios conteuacutedos
semacircnticos em questatildeo e a posiccedilatildeo que cada termo ocupa na construccedilatildeo Aleacutem disso
essas inferecircncias soacute satildeo possiacuteveis porque o falante tem em sua competecircncia linguiacutestica a
habilidade de manejar as unidades simboacutelicas da gramaacutetica de sua liacutengua
A depreensatildeo do significado estaacute atrelada entatildeo ao conhecimento que o falante
tem das unidades simboacutelicas e do conjunto de princiacutepios que permite a sua combinaccedilatildeo
em sequecircncias interpretaacuteveis e bem-formadas O enunciado teraacute ecircxito e o sentido seraacute
depreendido somente se o falante for capaz de preencher corretamente os espaccedilos da
construccedilatildeo com unidades que correspondam ao significado atribuiacutedo a cada espaccedilo e se
relacionem de modo satisfatoacuterio No caso especiacutefico da construccedilatildeo serial indicativa de
167
comparaccedilatildeo eacute necessaacuterio ao falante ndash assim como ao(s) seu(s) interlocutor(es) ndash saber
que o verbo que ocupa a posiccedilatildeo V1 representaraacute o evento em comparaccedilatildeo que os
termos das posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 satildeo termos relacionados ao evento comparado e que
o verbo em posiccedilatildeo V2 natildeo eacute um verbo pleno mas o termo que estabelece a
comparaccedilatildeo Vejamos outra possibilidade de construccedilatildeo serial comparativa em baulecirc
(82)
igrave wun tiacute gba andɛ tratratratra anuman
3Ss se ser bem hoje ultrapassar ontem
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
Temos uma comparaccedilatildeo entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um determinado indiviacuteduo no
dia em que se produziu o enunciado e no dia anterior Nota-se aqui a mesma estrutura
sintaacutetica do exemplo anterior na qual se identifica em posiccedilatildeo V1 o verbo predicador e
em posiccedilatildeo V2 o que se gramaticalizou e atua na construccedilatildeo como um morfema
relacional de funccedilatildeo comparativa
O caraacuteter composicional da construccedilatildeo se evidencia em termos de restriccedilotildees que
contribuem para a elaboraccedilatildeo do sentido como se observa na obrigatoriedade de que
esteja na posiccedilatildeo V2 o termo lsquotrarsquo que estabelece a comparaccedilatildeo Esse termo eacute nesse
gecircnero de construccedilatildeo serial invariaacutevel o que torna a estrutura parcialmente
determinada conforme o que foi assinalado sobre a construccedilatildeo do exemplo 82 A
construccedilatildeo estabelece ainda que o primeiro termo da comparaccedilatildeo ou seja o que
antecede tra fique em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo ao segundo termo ou o
que sucede tra
Consoante a tipologia da proacutepria liacutengua que depreende significado do
ordenamento dos argumentos em uma estrutura simboacutelica a construccedilatildeo serial
comparativa tambeacutem imputa a esse ordenamento uma estrateacutegia de atribuiccedilatildeo de
sentido Ao produzir o enunciado o falante jaacute tem como pressuposto que o OBJ1 seraacute o
termo sobre o qual incidiraacute o valor de superioridade na comparaccedilatildeo instituiacuteda com o
OBJ2 e que esse conhecimento eacute tambeacutem compartilhado pelo seu interlocutor A
informaccedilatildeo veiculada pela construccedilatildeo serial somente seraacute efetivada se os interlocutores
conhecerem a estrutura sintaacutetica utilizada se forem capazes de realizar as inferecircncias
168
necessaacuterias para a elaboraccedilatildeo do sentido e empregarem o leacutexico apropriado A
depreensatildeo do valor comparativo da construccedilatildeo serial analisada se daacute principalmente
por um mecanismo de extensatildeo metafoacuterica no qual o ouvinte interpreta o verbo tra
(ultrapassar) num contexto novo em que seratildeo selecionados apenas os traccedilos
semacircnticos desse verbo mais apropriados a se adaptar agrave nova situaccedilatildeo linguiacutestica
Consequentemente tra natildeo seraacute interpretado como um verbo mas como o termo que
estabelece a comparaccedilatildeo de superioridade
O campo semacircntico do verbo tra lsquoultrapassarrsquo abrange as noccedilotildees de extrapolar
ser superior exceder aplicaacuteveis no contexto referido pela construccedilatildeo serial Os
elementos implicados na comparaccedilatildeo satildeo o evento descrito pelo verbo predicador dos
argumentos e os termos nas posiccedilotildees OBJ1 e OBJ2 Considerando o alinhamento entre
participante focal e secundaacuterio temos
Trajetor igrave wun tiacute gba andɛ Marco tratratratra anuman
Ele se sente melhor hoje do que (se sentia) ontem
Esse alinhamento torna mais evidente que a situaccedilatildeo representada como trajetor
eacute a que estaacute em condiccedilatildeo de superioridade em relaccedilatildeo agrave situaccedilatildeo representada como
marco A comparaccedilatildeo se estabelece entatildeo natildeo entre os termos andɛ lsquohojersquo e anuman
lsquoontemrsquo mas entre a condiccedilatildeo fiacutesica de um indiviacuteduo no dia de hoje e essa mesma
condiccedilatildeo no dia anterior
Vamos considerar que estruturas seriais sejam possiacuteveis pois as liacutenguas
produzem um conjunto substancial de construccedilotildees para acomodar as necessidades
discursivas e as mais variadas circunstacircncias Diante das necessidades discursivas os
falantes se apropriam de seu conhecimento preacutevio das regras das liacutenguas e estabelecem
relaccedilotildees mentais capazes de produzir novos enunciados algumas vezes com novas
estruturas Em baulecirc a comparaccedilatildeo tambeacutem pode ser estruturada num enunciado
formado por apenas um verbo lsquotrarsquo como veremos no exemplo (83) abaixo extraiacutedo de
Kouadio (2000 84) A origem de uma construccedilatildeo serial comparativa que relaciona um
169
uacutenico evento a dois referentes distintos pode ter sido motivada por essa construccedilatildeo de
um uacutenico verbo ndash o verbo tra Vejamos o exemplo abaixo
(83)
n tra Kwakou afwɛ nsjɛ
1Ssg ultrapassar Kuakou ano seis
lsquoEu tenho seis anos a mais que Kuakursquo
A possibilidade de constituir estruturas comparativas de um soacute verbo demonstra
que tra jaacute comporta em sua semacircntica lexical a noccedilatildeo de excesso de superioridade
traccedilo que propiciou sua inserccedilatildeo em construccedilotildees seriais como um elemento funcional
Nessa estrutura vejamos como ocorre o alinhamento trajetormarco
Trajetor n Marco Kwakou
Se compararmos esse alinhamento com o do exemplo (86) observaremos que
aqui o trajetor (n) tambeacutem eacute o termo que adquire caraacuteter de superioridade na
comparaccedilatildeo traccedilada com o marco (Kuakou) Aleacutem disso na estrutura acima a posiccedilatildeo
dos argumentos veicula a mesma informaccedilatildeo semacircntica prevista para a serializaccedilatildeo o
elemento que antecede tra eacute superior em relaccedilatildeo ao que o sucede Nos casos
semelhantes ao exemplo (83) o argumento externo antecede o verbo e o interno o
sucede no caso das construccedilotildees seriais satildeo os argumentos internos que ocupam essas
posiccedilotildees
A compatibilidade de um item lexical em uma determinada estrutura sintaacutetica eacute
diretamente proporcional agrave adequaccedilatildeo de sua semacircntica lexical agrave semacircntica da
construccedilatildeo No entanto nem todos os traccedilos semacircnticos desse item estaratildeo em
evidencia em um novo contexto o que implica uma adequaccedilatildeo aos limites da
construccedilatildeo agrave qual ele pertenceraacute Nas sentenccedilas comparativas formadas de apenas um
verbo tra eacute o verbo principal e o uacutenico predicador ao contraacuterio do que ocorre nas
construccedilotildees seriais em que tra eacute o elemento que firma a comparaccedilatildeo do evento -
representado pelo verbo em posiccedilatildeo V1 - com dois referentes e natildeo o que designa o
170
evento central na comparaccedilatildeo O valor desse item lexical dependeraacute do contexto em que
esteja aplicado sempre considerando a interaccedilatildeo entre os termos que compotildeem a
estrutura sintaacutetica e entre as propriedades dessa estrutura (cf ROBERT 2008 61)
Consideremos ainda outro exemplo de comparaccedilatildeo
(84)
didididi juma n tratratratra mi
3Ssg fazer trabalho 3Ssg ultrapassar 1Osg
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Nesse exemplo temos uma configuraccedilatildeo um pouco distinta das anteriores mas
que se manteacutem nos limites caracterizadores de construccedilotildees seriais em baulecirc Aqui
observamos um evento comparado a um uacutenico referencial ao contraacuterio do que ocorre
nos exemplos (83) e (84) em que haacute dois referentes Outra particularidade eacute o fato de o
pronome sujeito ser repetido antes de V2 traccedilo indicativo do caraacuteter hiacutebrido de tra Haacute
ainda o fato de a representaccedilatildeo do evento em comparaccedilatildeo ser designada por uma
construccedilatildeo formada por V1+SN de onde se depreende que a atividade do trabalho eacute em
baulecirc representada pela construccedilatildeo di lsquofazerrsquo + juma n lsquotrabalhorsquo Nessa unidade
simboacutelica tal atividade eacute concebida como a realizaccedilatildeo de algo e o seu significado soacute eacute
depreendido porque os falantes e ouvintes envolvidos no ato comunicativo em que esse
enunciado foi produzido compartilham o mesmo modelo cultural construiacutedo localmente
Considerando que os termos empregados nessa designaccedilatildeo compreendem dois tipos de
instacircncias baacutesicas das liacutenguas verbos e nomes ndash os primeiros designam processos e os
segundos objetos ou entidades abstratas ndash temos que a elaboraccedilatildeo do conceito de
trabalhar evoca a concepccedilatildeo de uma atividade que se realiza em funccedilatildeo de uma entidade
abstrata o proacuteprio trabalho
A construccedilatildeo serial elabora um profile que contrasta dois valores de uma mesma
atividade instanciada para dois indiviacuteduos distintos (ele e eu) evidenciando que numa
escala comparativa um deles estaacute em grau superior ao outro Nesse profile estabelece-
se que o evento representado pela sequecircncia di juma n eacute designado como trajetor e o
pronome mi eacute o marco Esse processo contrastivo tem como referecircncia o mundo real
mas natildeo acontece nele envolvendo um processamento cognitivo que conteacutem em si
171
operaccedilotildees mentais como a percepccedilatildeo e a imaginaccedilatildeo e o sistema sociocultural no qual
se inserem os coacutedigos e as regras estabelecidos pela gramaacutetica da liacutengua O esquema a
seguir ilustra a relaccedilatildeo contrastiva das construccedilotildees comparativas tomando como base o
exemplo 89123
Tia˃Tkb
di juma n tra mi
lsquoEle trabalha mais do que eursquo
Se por outro lado utilizarmos os elementos do exemplo (88) teremos
123 Os graacuteficos foram inspirados no texto de Salomatildeo (2006) referente agrave palestra apresentada em 26 de maio de 2006 no II FORUM DE LINGUAGEM NO FORUM DE CIEcircNCIA E CULTURA da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ
172
M= igrave (ele) T= wun ti gba lsquosentir-se bemrsquo a= andɛ lsquohojersquo b= anuman lsquoontemrsquo
igrave wun tiacute gba andɛ tra anuman
lsquoEle se sente melhor hoje do que ontemrsquo
No primeiro esquema a escala gradativa contrapotildee a performance de dois
referentes em relaccedilatildeo a uma mesma atividade O referente representado pelo pronome
sujeito desenvolve performance qualificada como superior na comparaccedilatildeo com a
performance do referente representado pelo pronome objeto No segundo esquema por
sua vez temos a contraposiccedilatildeo do estado fiacutesico de um mesmo referente em relaccedilatildeo a
dois momentos O exemplo seguinte nos mostra mais uma estrutura comparativa em
baulecirc
(85)
n si Kofi kpa tra Kwakow
1Ss conhecer Kofi melhor ultrapassar Kuakou
lsquoEu conheccedilo melhor o Kofi que o Kuakoursquo
O conteuacutedo informacional transmitido prototipicamente pelo verbo tra e pelo
posicionamento dos objetos eacute reforccedilado no exemplo (85) pelo lexema kpa (melhor)
Todos os termos que figuram como os que adquirem o grau mais alto na hierarquia
instanciada se colocam como antecedentes de tra e os elementos que o sucedem
recebem um grau inferior nessa escala Essa ordem como vimos eacute tambeacutem respeitada
173
numa comparaccedilatildeo representada por uma estrutura de um uacutenico verbo Podemos
depreender entatildeo que construccedilotildees seriais comparativas sejam analisadas
estruturalmente em termos de construccedilotildees de um uacutenico verbo e a diferenccedila que se
estabelece entre elas reside no fato de que na serializaccedilatildeo as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e do grau de superioridade satildeo dadas principalmente pelo verbo tra em
relaccedilatildeo a um outro verbo que representa um evento ou uma instacircncia ao passo que na
estrutura sintaacutetica de um soacute verbo o proacuteprio evento descrito eacute o evento de ultrapassar124
exceder designado por tra que traz em seu proacuteprio conteuacutedo lexical as informaccedilotildees de
comparaccedilatildeo e superioridade
514 Indicativas de modo
Como jaacute vimos eacute possiacutevel representar a maneira como um determinado evento
ocorreu por meio de construccedilotildees seriais
(86)
e susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ babababa
1Spl PROG correr chegar vir
lsquoNoacutes chegamos correndorsquo
Trajetor Noacutes marco natildeo tem
No caso acima o enunciado descreve a maneira como se realiza um determinado
movimento representado por um verbo intransitivo (babababa) O participante focal eacute
designado pelo pronome pessoal em posiccedilatildeo de sujeito da sentenccedila (e) e natildeo haacute
participante secundaacuterio A peculiaridade da construccedilatildeo estaacute no fato de ela descrever um
processo teacutelico e enfatizar natildeo a sua conclusatildeo (que daria o sentido do verbo chegar)
mas seu desenvolvimento sem veicular a informaccedilatildeo de que o evento de chegar tenha
necessariamente se realizado A construccedilatildeo da maneira como foi estruturada natildeo pode
ser interpretada como uma resultativa pois natildeo perfila o momento final em que seria
124 Apenas como ilustraccedilatildeo o adveacuterbio ultra latino significa lsquoaleacutem do outro ladorsquo Daiacute pode-se depreender por metaacuteforarsquoaleacutem de uma marca exceder etcrsquo
174
referendada a realizaccedilatildeo completa do movimento de chegar Eacute certamente mais bem
representada como instacircncia de uma construccedilatildeo intransitiva de movimento que expressa
uma determinada finalidade (chegar) por meio de um movimento especiacutefico (correr)
Vejamos sua representaccedilatildeo
Sem MOVER tema objetivo
PRED
Sint V Suj Verbo
susususu wawawawandndndndὶὶὶὶ e babababa
correr(ndo) 1Spl chegar
Por tratar-se de uma construccedilatildeo serial o verbo em posiccedilatildeo V1(wawawawandndndndὶὶὶὶ)))) adquire
funccedilatildeo de nominal por meio da marca aspectual de progressivo indicando a
circunstacircncia em que a accedilatildeo (wawawawandndndndὶὶὶὶ) se realizou A natureza simboacutelica das liacutenguas
permite com que o falante estabeleccedila relaccedilotildees entre os termos da construccedilatildeo em questatildeo
e a interprete natildeo como dois eventos simultacircneos mas como um uacutenico evento descrito
por meio de uma estrutura que evidencia a maneira como ele se realizou Dessa forma o
falante depreende o sentido do enunciado pela leitura que faz das informaccedilotildees
sintaacuteticas semacircnticas e pragmaacuteticas da sentenccedila
515 Indicativas dos participantes de um evento
(87)
Be di be kpɛ mi
3Spl comer 3Spl cortar 1Os
lsquoEles comem sem mimrsquo (Eles comem sem me convidar para comer)
Trajetor Be lsquoelesrsquo Marco mi lsquomimrsquo
A estrutura acima assemelha-se formalmente agraves construccedilotildees seriais comparativas
analisadas anteriormente em que um dos verbos representa de forma principal o evento
e o outro indica algum tipo de relaccedilatildeo entre o participante focal (trajetor) e o
participante secundaacuterio (marco) desse evento No caso acima o V2 indica que o evento
175
de comer foi realizado pelo participante principal sem a inclusatildeo do participante
secundaacuterio Nessa perspectiva V2 estaacute apto a atuar como um elemento que estabelece
uma relaccedilatildeo entre os participantes pois traz em sua composiccedilatildeo semacircntica a noccedilatildeo de
apartar separar eliminar permitindo assim que se veicule por meio de um processo
metafoacuterico uma relaccedilatildeo de exclusatildeo ou a ideia de que um dos participantes tenha sido
cortado do evento representado
A posiccedilatildeo que os itens lexicais ocupam na construccedilatildeo contribui para a
elaboraccedilatildeo de seu significado bem como para as relaccedilotildees sintaacuteticas entre os mesmos o
que nos leva a afirmar que a inversatildeo da posiccedilatildeo dos verbos acarretaria mudanccedila (ou
perda) de sentido na construccedilatildeo Como jaacute observamos nas demais construccedilotildees
analisadas o sentido lexical dos elementos constituintes deve adequar-se agrave proacutepria
semacircntica e sintaxe da construccedilatildeo para que o significado seja veiculado
O valor semacircntico atribuiacutedo ao verbo kpɛ lsquocortarrsquo eacute depreendido pelos falantes
de baulecirc nesse tipo de construccedilatildeo pois a maneira como tal comunidade linguiacutestica
apreende o mundo e estabelece as relaccedilotildees entre os itens lexicais possibilita isso Aleacutem
de nossas habilidades sensoacuterio-motoras nosso conhecimento de mundo eacute da mesma
forma um dos fatores que contribuem para a composiccedilatildeo do inventaacuterio linguiacutestico
A perspectiva do falante que elaborou o enunciado eacute outro ponto a ser reputado
Neste caso ele eacute representado pelo pronome objeto de primeira pessoa mi e confere ao
falante o status de participante secundaacuterio do evento Em termos semacircnticos esse
participante secundaacuterio eacute excluiacutedo do evento descrito mas integra a estrutura sintaacutetica
da construccedilatildeo
A cena descrita constitui o ponto de vista ou perspectiva do falante sobre um
determinado evento do qual ele natildeo participa No entanto esse falante eacute um dos
elementos constituintes do enunciado pois se coloca na construccedilatildeo como um elemento
que excluiacutedo da cena principal descrita e portanto um participante que natildeo tem
efetivamente qualquer atuaccedilatildeo no evento A informaccedilatildeo veiculada por esse enunciado
compreende a cena descrita e a noccedilatildeo de que algueacutem fora dela excluiacutedo Por esse
exemplo vemos que o conteuacutedo informacional de um enunciado eacute depreendido natildeo
apenas da cena descrita mas das relaccedilotildees estabelecidas por todos os termos
constituintes da construccedilatildeo
Podemos analisar separadamente os termos que desempenham papel de trajetor e
marco em relaccedilatildeo a cada um dos verbos da construccedilatildeo Se tomamos inicialmente
176
di (comer) identificamos be (3Spl) como trajetor e nenhum termo como marco ao
observarmos o segundo verbo kpɛ lsquocortarrsquo depreendemos be tambeacutem como trajetor e
mi (1Os) como marco Para ambos os verbos corresponde o mesmo termo como
trajetor mas o marco eacute especificado apenas pelo verbo em posiccedilatildeo V2 A relaccedilatildeo entre
esses termos bem como a sobreposiccedilatildeo coincidente entre o trajetor de V1 e V2 resulta
num alinhamento entre os participantes da construccedilatildeo que tem como trajetor be e
marco mi
A organizaccedilatildeo sintaacutetica da sentenccedila se encaixa numa construccedilatildeo transitiva em
que um elemento X faz ou experiencia Y sem a participaccedilatildeo de Z No enunciado
analisado o termo representado por Y foi omitido demonstrando a possibilidade de ser
inferido pelos interlocutores125 Essa estrutura entatildeo pode ser interpretada como uma
variaccedilatildeo polissecircmica de uma construccedilatildeo central transitiva do tipo em que X faz ou
experiecircncia Y Segundo Goldberg (1995 75) ldquoLigaccedilotildees polissecircmicas capturam a
natureza de relaccedilotildees semacircnticas entre um sentido particular de uma construccedilatildeo e
qualquer extensatildeo desse sentido As especificaccedilotildees sintaacuteticas do significado central satildeo
herdadas pelas extensotildeesrdquo126
O sentido central da construccedilatildeo transitiva estaacute portanto relacionado a cada
extensatildeo particular por meio de um link que indica polissemia (lp) Assim efetuando
essa correspondecircncia temos X (be) fez-experienciou Y (di) sem Z (kpɛ mi)
125 Seria aceitaacutevel tambeacutem que o verbo fosse intransitivo o que tambeacutem tornaria a construccedilatildeo intransitiva 126 ldquoPolysemy links capture the nature of the semantic relations between a particular sense of a construction and any extensions for this sense The syntactic specifications of the central sense are inherited by the extensionsrdquo
177
lsquoEles comem sem mimrsquo
A estrutura herdada preceitua que sua predicaccedilatildeo seja requerida por V1 e V2
para que sejam estabelecidas as relaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas entre seus termos
constituintes No entanto a leitura que se faz da estrutura necessita da interpretaccedilatildeo
pragmaacutetica dos interlocutores para que todo o conteuacutedo informacional do enunciado
seja compreendido Apenas o conhecimento linguiacutestico e a capacidade de inferir e
realizar metaacuteforas do seres humanos possibilitam tal procedimento
52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
A representaccedilatildeo de um evento por meio de uma construccedilatildeo serial simeacutetrica
implica a seleccedilatildeo de verbos que tenham conteuacutedos semacircnticos semelhantes e se
encaixem numa estrutura que natildeo daacute proeminecircncia a nenhum dos termos mas sim agrave
178
combinaccedilatildeo de ambos na elaboraccedilatildeo do significado da sentenccedila Observemos o exemplo
a seguir
(88)
i fifififitetetete----lililili kkkk gwabo
3Ss sair-PERF ir mercado
lsquoEle saiu para ir ao mercadoEle foi ao mercadordquo
Trajetor i lsquoelersquo Marco gwabo lsquomercadorsquo
Nessa estrutura fite lsquosairrsquo (ateacutelico dinacircmico durativo) e k lsquoirrsquo (teacutelico dinacircmico
e durativo) funcionam sintaticamente como um uacutenico item lexical tecircm os mesmos
argumentos e as mesmas marcas gramaticais A estrutura dessa sentenccedila descreve
conceitualmente um uacutenico evento e pode ser comparada a uma sentenccedila de um uacutenico
verbo Poderia ser representada como [S V1-V2 Loc] cujos V1e V2 exercem o papel
de um uacutenico predicador e tecircm a semacircntica construcional segundo a terminologia de
Goldberg (1995) de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo A seguir um esquema
designativo dos verbos e ilustrativo de suas distinccedilotildees semacircnticas
∆ Oslash ∆ X X X X fite lsquosairrsquo k lsquo irrsquo
O verbo fite lsquosairrsquo requer em sua semacircntica lexical um agente (∆) realizador do
movimento que o desloca para um local (Oslash) natildeo necessariamente especificado e
diferente do local de origem O verbo klsquoirrsquo por sua vez indica um deslocamento de
um sujeito (∆) e pede a especificaccedilatildeo do ponto de chegada (XXXX) A possibilidade de esses
verbos se integrarem para constituir a construccedilatildeo serial encontra-se no fato de que cada
um porta caracteriacutesticas compatiacuteveis entre si que tambeacutem satildeo requeridas pela proacutepria
construccedilatildeo indicando ser obrigatoacuteria a compatibilidade entre os itens lexicais e a
construccedilatildeo a ser preenchida para que a constituiccedilatildeo do sentido da seja alcanccedilada Na
estrutura de movimento intransitivo127 definida como uma estrutura em que X se move
127 Trata-se de um argumento obliquo que se pronominaliza com um decircitico Adotaremos nesta pesquisa a terminologia de Goldberg para esse movimento e por essa razatildeo o classificaremos de intransitivo
179
empara algum lugar fite e k compotildeem a ideia de ldquomovimento em direccedilatildeo a algum
lugarrdquo e corroboram a concepccedilatildeo de que o significado natildeo eacute depreendido apenas dos
verbos mas da construccedilatildeo como um todo A noccedilatildeo de composicionalidade
construcional eacute bastante evidente nos processos de serializaccedilatildeo uma vez que os itens
verbais natildeo se apresentam como formas estanques e indissociaacuteveis formando entre si
uma integraccedilatildeo condizente agrave que se pressupotildee haver entre os termos da proacutepria
construccedilatildeo
Goldberg considera construccedilotildees intransitivas de movimento como derivadas de
construccedilotildees de movimento causado uma vez que ldquoAs especificaccedilotildees sintaacuteticas e
semacircnticas de uma construccedilatildeo de movimento intransitivo satildeo uma subparte das
especificaccedilotildees sintaacuteticas e semacircnticas da construccedilatildeo de movimento causadordquo128
(Goldberg 1995 78) A desproporccedilatildeo entre elas reside na ausecircncia de um termo
especificador da causa do movimento na construccedilatildeo intransitiva de movimento
indispensaacutevel para caracterizar a construccedilatildeo de movimento causado A relaccedilatildeo entre
ambas estaacute representada nos diagramas a seguir (cf idem ibidem)
128 ldquoThe syntactic and semantic specifications of the intransitive motion construction are a subpart of the syntactic and semantic specifications of the caused-motion constructionrdquo
180
Movimento causado
Sem CAUSA-MOVIMENTO ˂ causa tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBJ OBL
H129 subparte
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
PRED ˂ ˃
Sin V SUJ OBL
A predicaccedilatildeo da construccedilatildeo serial analisada determinada por ambos os verbos
exige o argumento externo e um locativo como se observa esquema abaixo
Intransitiva de movimento
Sem MOVIMENTO ˂ tema alvo ˃
fite+k ˂ i gwabo ˃
Sin V S LOC ir 3Ss mercado
Nessa construccedilatildeo o movimento eacute realizado pelo proacuteprio sujeito em direccedilatildeo a um
determinado lugar No entanto o que mais nos interessa aqui eacute exemplificar que a
construccedilatildeo serial analisada se adeacutequa a um esquema inicialmente proposto para uma
129 H= heranccedila
181
construccedilatildeo simples formada por um uacutenico verbo o que indica semelhanccedila entre as
estruturas argumentais e semacircnticas das construccedilotildees
Vejamos o exemplo abaixo
(89)
n tutututu tratratratra -li nyaman su
1Ss partir ultrapassar-PERF corda por cima
lsquoEu pulei (por cima) a cordarsquo
Trajetor n lsquoeursquo Marco nyaman lsquocordarsquo
No exemplo (89) os verbos em posiccedilatildeo V1 e V2 juntos compotildeem o significado
central da construccedilatildeo o qual eacute reforccedilado pela introduccedilatildeo de um termo adjunto (su) no
final da sentenccedila O objeto ocupa posiccedilatildeo fixa e natildeo pode ser colocado entre os verbos
demonstrando haver coesatildeo entre os itens verbais Outro traccedilo que manifesta tal coesatildeo
eacute a marca aspectual acoplada apenas a V2 e a natildeo repeticcedilatildeo do sujeito antes de V2
A conceitualizaccedilatildeo da cena descrita tem como participante mais proeminente o
termo em posiccedilatildeo sintaacutetica de sujeito e como participante secundaacuterio aquele em posiccedilatildeo
de objeto fato que demonstra o caraacuteter perifeacuterico do adjunto su no final da sentenccedila
Se analisarmos separadamente os verbos vamos identificar que tu lsquopartirrsquo pede apenas
um participante n (trajetor) Por outro lado tra lsquoultrapassarrsquo requer um participante
focal n e um secundaacuterio nyaman resultando num alinhamento conceitual
correspondente ao alinhamento da proacutepria construccedilatildeo Para compor a estrutura serial no
entanto eacute preciso que os verbos tenham ao menos um participante em comum para que
seja viaacutevel sua combinaccedilatildeo aleacutem da compatibilidade entre os traccedilos semacircnticos que os
compotildeem A diferenccedila na saliecircncia dada aos participantes da cena descrita pelos verbos
analisados separadamente pode ser devida agrave distinccedilatildeo entre suas redes argumentais No
caso acima o verbo tu lsquopartirrsquo eacute intransitivo e requer apenas o argumento externo
enquanto tra lsquoultrapassarrsquo pede tambeacutem o argumento interno Caso semelhante ocorre
em japonecircs com predicados complexos que indicam movimento (Matsumoto 1991 apud
182
Goldberg 199565) Em tais predicados os verbos combinados devem compartilhar ao
menos um dos participantes o que o autor chama de Shared Participant Conditions
ldquoPara noacutes essa restriccedilatildeo pode ser explicada no sentido de que ao menos um papel
participante e um papel argumento sejam unidos consequentemente nem todos os
papeacuteis argumento podem ter a contribuiccedilatildeo da construccedilatildeordquo130(Goldberg 199565)
A coesatildeo semacircntica e argumental entre os verbos componentes de uma estrutura
serial simeacutetrica natildeo leva agrave conclusatildeo de que tais verbos formem um uacutenico lexema
Apesar de sua composiccedilatildeo resultar da harmonizaccedilatildeo entre os traccedilos semacircnticos e a
estrutura argumental de cada verbo eles ainda se mantecircm como unidades distintas A
atribuiccedilatildeo do significado agrave construccedilatildeo estaacute atrelada agrave capacidade cognitiva dos
interlocutores de identificar quais traccedilos se adeacutequam agrave construccedilatildeo para compor o seu
sentido final sem que seja dada proeminecircncia a nenhum dos verbos
O verbo tra lsquoultrapassarrsquo eacute empregado de forma recorrente em construccedilotildees
seriais adquirindo diversos significados No caso agora analisado ele daacute saliecircncia ao
valor de transposiccedilatildeo para compor junto com o verbo tu lsquopartirrsquo a noccedilatildeo de pular A
ideia de movimento eacute mais evidente em tu mas pode tambeacutem ser inferida de tra uma
vez que ultrapassar pode significar ir aleacutem de um determinado limite um ponto
determinado geograficamente Essa noccedilatildeo de movimento poreacutem natildeo eacute depreendida nas
construccedilotildees seriais que indicam comparaccedilatildeo que tambeacutem fazem uso desse verbo o que
demonstra a abrangecircncia semacircntica desse item lexical
Observemos o exemplo a seguir131
(90)
ɔ kwlaa wlwlwlwlɔɔɔɔ----li tratratratra-li talɛ n su
3Ss poder saltar-PERF ultrapassar-PERF muro DET sobre
lsquoEle conseguiu saltou por cima do murorsquo132
Trajetor ɔ lsquoelersquo Marco talɛ lsquomurorsquo
130 ldquoIn our terms this constraint can be translated into the claim that at least one participant role and argument role must be fused thus not all of the argument roles can be contributed by the constructionrdquo 131 KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN 2003 Verbete wlɔ 132 O texto original eacute Il a reacuteussi agrave sauter par dessus le mur
183
Esse enunciado tem uma estrateacutegia de composiccedilatildeo semelhante agrave do exemplo
(90) analisado O movimento descrito na cena eacute representado simultaneamente na
construccedilatildeo sintaacutetica pelos verbos wlɔ lsquosaltarrsquo e tra lsquoultrapassarrsquo A formulaccedilatildeo do
conteuacutedo semacircntico de lsquosaltar por cimarsquo de um obstaacuteculo resulta da fusatildeo de traccedilos
semacircnticos de V1 e V2 e por meio da inclusatildeo do morfema su reforccedila-se a informaccedilatildeo
de que o salto foi sobre por cima de algo133
Diferentemente do que ocorre com as construccedilotildees assimeacutetricas nos casos aqui
descritos de serializaccedilatildeo simeacutetrica o mecanismo central que caracteriza a construccedilatildeo
como tal ocorre pela amalgamaccedilatildeo dos itens verbais em termos semacircnticos e sintaacuteticos
Nas construccedilotildees simeacutetricas temos um processo tambeacutem centralizado nos verbos mas
que reserva a apenas um deles a possibilidade de preservar seu conteuacutedo semacircntico Em
ambos os casos poreacutem a interdependecircncia entre os verbos acaba por definir que natildeo se
trata de eventos coordenados ou subordinados representados por cada um desses verbos
mas sim da representaccedilatildeo de um uacutenico evento Eacute essa maneira de composiccedilatildeo que nos
permite por exemplo no caso de 94 identificar como trajetor o termo em posiccedilatildeo de
sujeito e como marco o objeto direto numa estrutura definida como [S V1-V2 OB
LOC] Os termos classificados como trajetor e marco mostram o iniacutecio e o fim da cadeia
de forccedilas implicadas no evento o sujeito eacute o elemento propulsor do ato de pular
enquanto o muro determina o obstaacuteculo que se ultrapassado pelo sujeito indicaraacute a
finalizaccedilatildeo desse evento
As construccedilotildees (89) e (90) podem ser representadas respectivamente de acordo
com a proposta de Goldberg (1995) da seguinte maneira
133 O ato de saltar natildeo pressupotildee por si soacute que o movimento seja realizado sobre um obstaacuteculo podendo significar que o movimento foi realizado recaiu em um mesmo lugar
184
ou
Estruturalmente os exemplos (89) e (90) apresentam-se como uma subparte da
construccedilatildeo de movimento causado assim como a construccedilatildeo intransitiva de movimento
exemplificada em (88) As relaccedilotildees entre as construccedilotildees podem ser depreendidas por
meio de tipos especiacuteficos de assimetria e links de heranccedila entre elas De acordo com
185
Goldberg (1995) se uma construccedilatildeo A herda alguma informaccedilatildeo de uma construccedilatildeo B
entatildeo B motiva134 A Nos casos de (89) e (90) construccedilotildees transitivas de movimento o
fato de serem heranccedila de uma construccedilatildeo de movimento causado se evidencia quando
observamos que parte desta construccedilatildeo eacute preservada na construccedilatildeo transitiva que se
configura portanto como uma subparte O termo causador do movimento natildeo eacute
explicitado na construccedilatildeo transitiva apenas o realizador (que eacute o proacuteprio elemento
deslocado) e o alvo
(91)
i kle mon
wla 135 i ti kle n a tutututu a tttt
POSS Chapeacuteu REL colocar POSS cabeccedila chapeacuteu DET 3Ssg RES arrancar RES cair
lsquoO chapeacuteu que estava na sua cabeccedila o chapeacuteu ele caiursquo
Trajetor kle chapeacuteursquo Marco natildeo haacute
Nela identificamos a seguinte construccedilatildeo serial formada pelo verbo tu136 aqui
empregado com o sentido de arrancar e pelo verbo tttt lsquocairrsquo
(91a)
a tutututu a tttt
3Ssg RES arrancarpartir RES cair
lsquoO chapeacuteu caiursquo
O pronome em posiccedilatildeo de sujeito representa e sintetiza por meio do recurso de
focalizaccedilatildeo todo o trecho que antecede a construccedilatildeo e sobre o qual incide o evento de
CAIR designado pela construccedilatildeo serial Essa estrutura representa uma cena dinacircmica
composta por verbos de valecircncias distintas mas que conforme identificado nas outras
construccedilotildees simeacutetricas aqui analisadas tecircm traccedilos semacircnticos compatiacuteveis
134 Lakoff (1987) sugere uma definiccedilatildeo precisa para motivaccedilatildeo Segundo o autor uma dada construccedilatildeo eacute motivada na medida em que sua estrutura eacute herdada de outras construccedilotildees da liacutengua (cf Goldberg opcit p70) 135Este verbo pode significar vestir e eacute usado para indicar o uso de sapatos chapeacuteus bijuterias roupas entre outros 136 Este verbo eacute polissecircmico
186
A cena descrita envolve apenas um participante focal (trajetor) inanimado
sintaticamente posicionado como argumento externo que sofre o efeito de alguma
causaaccedilatildeo natildeo especificada linguisticamente Natildeo haacute um participante secundaacuterio ou
marco uma vez que o processo perfilado representa o deslocamento do participante
focal e natildeo especifica o local final desse descolamento (o que poderia ser o marco) A
noccedilatildeo de que houve uma mudanccedila na posiccedilatildeo do trajetor eacute depreendida de dois
elementos do conteuacutedo lexical dos verbos e da marca aspectual de resultativo que
indica a finalizaccedilatildeo do processo
A construccedilatildeo representa apenas o resultado dessa causaaccedilatildeo sofrida pelo
participante que recebe o papel temaacutetico de tema A representaccedilatildeo da construccedilatildeo como
uma estrutura semelhante a estruturas formadas por uacutenico verbo tem respaldo em sua
organizaccedilatildeo argumental que tem um uacutenico argumento externo para referir-se a ambos
os verbos que descrevem conjuntamente uma uacutenica accedilatildeo mas funcionam
sintaticamente como um uacutenico predicado
O exemplo (91a) encaixa-se numa estrutura sintaacutetico-semacircntica de construccedilatildeo
resultativa intransitiva na qual natildeo eacute expresso o agente causador pois o traccedilo de voliccedilatildeo
natildeo eacute obrigatoacuterio nesse tipo de estrutura A causatividade em baulecirc pode ser expressa
lexical e sintaticamente por construccedilotildees seriais No caso em questatildeo temos a associaccedilatildeo
de propriedades dos lexemas verbais envolvidos com a estrutura sintaacutetico-semacircntica da
proacutepria construccedilatildeo serial
Elementos perifeacutericos como um sintagma adverbial ou preposicional podem ser
acrescentados agrave estrutura sem que haja modificaccedilatildeo de seu sentido principal como
observamos no exemplo a seguir cujo termo de valor adverbial precisa o local em que
ocorreu a accedilatildeo expressa pelo verbo
(91b)
a tutututu a tttt ace
3Sss RES arrancarpartir RES cair chatildeo
lsquoEle (o chapeacuteu) caiu no chatildeorsquo
A ecircnfase da sentenccedila acima estaacute no processo de cair e no local em que esse
processo ocorreu levando o interlocutor a inferir sobre o resultado Nessa sentenccedila
temos um SN (no caso retomado pelo pronome de terceira pessoa do singular) que
187
realiza um deslocamento em direccedilatildeo a um determinado ponto provocando uma
mudanccedila de localizaccedilatildeo resultado do processo Apesar de esse resultado natildeo vir
expresso na sentenccedila ele eacute pressuposto a partir da proacutepria semacircntica lexical dos verbos
predicadores Nessa sentenccedila o locativo configura-se como participante secundaacuterio
(marco) da cena e evidencia que o processo de cair foi completado pelo trajetor na
medida em que indica o local onde o movimento foi finalizado
Como vimos construccedilotildees resultativas manifestam uma relaccedilatildeo em que X faz
com que Y se torne Z Ora no caso da serializaccedilatildeo analisada natildeo temos o participante
causador do movimento mas temos um dos verbos (V1) que compotildeem a seacuterie como
indicativo de que o movimento de cair foi causado e o outro (V2) como representante
do proacuteprio movimento A combinaccedilatildeo de causa+movimento dada pelos verbos
tutututu lsquoarrancarrsquo tttt lsquocairrsquo compotildee o conteuacutedo semacircntico essencial do processo perfilado
ao qual se juntam os demais elementos da construccedilatildeo A adequaccedilatildeo desses itens lexicais
na construccedilatildeo resultativa implica uma harmonizaccedilatildeo sintaacutetica e semacircntica reciacuteproca
entre os mesmos
Em baulecirc a expressatildeo do resultado de um processo tambeacutem pode ser feita por
meio de uma construccedilatildeo natildeo serial formada por [ti lsquoserrsquo + wa] (CREISSELS amp KOUADIO
opcit p264-265)
(92)
a liɛ+ n ti be-wa
alimento DET ser cozinhar
lsquoO alimento estaacute cozidorsquo
Nesse tipo de sentenccedila o resultado eacute veiculado pela proacutepria estrutura
diferentemente do que ocorreu na construccedilatildeo serial em que eacute descrito apenas o processo
que antecedeu o resultado Vale acrescentar ainda que a construccedilatildeo do exemplo 92 potildee
em evidecircncia o estado final de um processo mas natildeo exprime o seu agente causador
assim como ocorreu na construccedilatildeo serial anteriormente analisada
A sintaxe de construccedilotildees seriais simeacutetricas pode dar origem a diferentes
comportamentos semacircnticos variando em relaccedilatildeo aos itens lexicais que as compotildeem
188
Dessa forma o exemplo (91a) descreve um movimento - representado sintaticamente
pela combinaccedilatildeo de dois verbos - realizado por um pronome em funccedilatildeo de sujeito e com
incidecircncia sobre esse mesmo termo Podemos representar essa sentenccedila como
Sem TORNAR ˂ paciente resultado ˃
tutututu tttt ˂ ˃
Sin V Suj Suj
cair 3Ss lsquochapeacuteursquo 3Ss lsquocaiacutedorsquo
Os papeacuteis semacircnticos requeridos pela construccedilatildeo resultativa satildeo entatildeo o de
paciente e o de resultado desempenhados por um mesmo termo sintaacutetico o sujeito A
noccedilatildeo de resultado eacute veiculada pelo processo designado pelo verbo ndash no perfectivo ndash
que incidi sobre o proacuteprio sujeito
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste capiacutetulo procuramos investigar a organizaccedilatildeo conceitual que permeia o
processo de elaboraccedilatildeo dos enunciados que fazem uso de construccedilotildees seriais em baulecirc a
partir dos pressupostos da Gramaacutetica Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees
Demonstramos que para o sentido ser veiculado eacute imprescindiacutevel a compatibilidade
entre a construccedilatildeo serial e os itens lexicais que a compotildeem assim como ocorre com as
demais construccedilotildees da liacutengua
Foi observado que construccedilotildees seriais em baulecirc se assemelham a estruturas de
um uacutenico verbo na maneira como realizam sua predicaccedilatildeo e a atribuiccedilatildeo dos papeacuteis
semacircnticos
A verificaccedilatildeo do participante focal e secundaacuterio da cena descrita foi
determinante para a anaacutelise do profile da construccedilatildeo pois nos revelou o modo como os
verbos se organizavam conceitualmente na estrutura sintaacutetica adaptando-se a ela para
compor seu significado
189
190
CONCLUSAtildeO
Nossa pesquisa teve como objetivo realizar uma descriccedilatildeo das construccedilotildees
seriais em baulecirc que natildeo se limitasse a observar apenas suas propriedades sintaacuteticas
mas investigasse a representaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais que a compotildeem para que
fosse possiacutevel caracterizaacute-las e diferenciaacute-las de estruturas semelhantes como as
coordenadas Para isso realizamos uma classificaccedilatildeo tipoloacutegica dessas construccedilotildees em
baulecirc com base no que propotildeem Aikhenvald amp Dixon (2006) e adotamos a perspectiva
teoacuterica da Gramaacutetica Cognitiva (Langacker 1987 2008 2010) e da Gramaacutetica de
Construccedilotildees (Goldberg 1995) para a investigaccedilatildeo de sua organizaccedilatildeo conceitual
A leitura de trabalhos sobre construccedilotildees seriais nas mais diversas liacutenguas nos
revelou uma heterogeneidade de dados classificaccedilotildees e perspectivas teoacutericas que
tentaram dar conta dessa estrutura sintaacutetica inicialmente concebida como o resultado de
uma falha da capacidade cognitiva dos falantes de algumas comunidades linguiacutesticas
Essa noccedilatildeo limitada no entanto foi repudiada por autores contemporacircneos como
Bonvini (1992) e Delplanque (1998) que contestaram definitivamente a argumentaccedilatildeo
de que tais construccedilotildees revelavam uma forma particular de coordenar os pensamentos
consequecircncia de uma inaptidatildeo para formar enunciados mais concatenados afirmando
que se tratava de um recurso sintaacutetico criativo utilizado para expressar ideias que em
outras liacutenguas satildeo expressas por meio de outros recursos sem imprimir nenhum valor
nem a uma nem a outra estrutura
Conforme observado no capiacutetulo 1 a literatura sobre construccedilotildees seriais eacute
ampla mas pouco eficiente no que diz respeito a organizar e sistematizar as suas
principais caracteriacutesticas O que procuramos apresentar no referido capiacutetulo foi um
inventaacuterio de pesquisas que tornasse compreensiacutevel a trajetoacuteria de investigaccedilatildeo dessas
construccedilotildees
Verificamos que os primeiros estudos datados de 1875 jaacute esboccedilavam uma
diferenccedila na maneira como os verbos se combinavam o que foi denominado por
Christaller (1875) de combinaccedilatildeo essencial e combinaccedilatildeo acidental A percepccedilatildeo de
que essas estruturas poderiam se organizar de maneiras distintas foi o primeiro passo
para a compreensatildeo de sua variabilidade sintaacutetica e semacircntica Recentemente
Aikhenvald amp Dixon (2006) sistematizaram de forma eficiente as distinccedilotildees entre as
construccedilotildees dividindo-as em dois grandes grupos que por sua vez se subdividem
tambeacutem de acordo com suas propriedades sintaacuteticas e semacircnticas Esses dois grupos
191
(construccedilotildees assimeacutetricas e construccedilotildees simeacutetricas) se distinguem fundamentalmente no
modo como os verbos se organizam nas primeiras (assimeacutetricas) um dos verbos
adquire propriedades de verbo funcional e outro(s) se manteacutem(ecircm) como verbo(s)
pleno(s) na segunda (simeacutetricas) os verbos representam conjuntamente o evento sem
que nenhum deles seja proeminente nessa fusatildeo A disposiccedilatildeo das construccedilotildees seriais
nesses dois grandes grupos foi o primeiro passo para a nossa anaacutelise das estruturas em
baulecirc pois assim foi possiacutevel investigar mais atentamente as propriedades sintaacuteticas e
semacircnticas de cada uma delas
No capiacutetulo teoacuterico caracterizamos os pressupostos da teoria da Gramaacutetica
Cognitiva e da Gramaacutetica de Construccedilotildees as lentes que nos guiaram no momento da
anaacutelise das construccedilotildees Essas teorias se mostraram adequadas pois compartilham
pressupostos comuns e que se complementam em uma anaacutelise linguiacutestica O primeiro
deles eacute a consideraccedilatildeo de que todas as estruturas da liacutengua satildeo unidades simboacutelicas que
expressam um conteuacutedo conceitual dotadas de um polo fonoloacutegico e um polo
semacircntico ou do pareamento de forma e significado Essa premissa nos faz perceber
que as construccedilotildees linguiacutesticas natildeo satildeo uma sobreposiccedilatildeo de peccedilas (ou unidades) ou
como afirma Salomatildeo (2010) um somatoacuterio de partes A elas precede um recorte
especiacutefico agrave sua proacutepria integraccedilatildeo conceptual A anaacutelise desse conteuacutedo conceitual foi
primordial agrave nossa proposta de pesquisa pois serviu de subsiacutedio agrave interpretaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo dos itens lexicais na composiccedilatildeo de uma construccedilatildeo serial em baulecirc
Outro fator que nos impulsionou para a escolha das teorias mencionadas foi a
concepccedilatildeo de que a sintaxe natildeo eacute um moacutedulo central na liacutengua mas um aspecto
designador da composiccedilatildeo do significado nessa liacutengua pois todos os moacutedulos
(fonologia morfologia sintaxe discurso) tecircm papel relevante nos processos
linguiacutesticos A gramaacutetica de uma liacutengua eacute considerada por essas teorias como uma rede
de construccedilotildees (especialmente pela Gramaacutetica de Construccedilotildees) e portanto configura-se
como uma continuidade baacutesica entre sintaxe e leacutexico A elaboraccedilatildeo do significado para
ambas as teorias eacute formada por uma dimensatildeo conceitual e por uma dimensatildeo
discursiva as quais agregam aos processos de conceitualizaccedilatildeo a interaccedilatildeo entre os
interlocutores evidenciando o caraacuteter dinacircmico e social das liacutenguas
No que tange especificamente agrave Gramaacutetica Cognitiva considerando a
perspectiva de modelos prototiacutepicos para nomes e verbos (Langacker 1997 2008
2010) pudemos verificar que alguns verbos constituintes de construccedilotildees seriais em
baulecirc natildeo satildeo prototiacutepicos na medida em que natildeo denotam nenhum processo
192
constituindo-se como verbos funcionais Identificamos tambeacutem que o domiacutenio
conceitual de um dos verbos da construccedilatildeo serial no caso das assimeacutetricas eacute o mais
proeminente mantendo seu caraacuteter de verbo pleno o outro verbo foi classificado como
verbo funcional pois natildeo seleciona argumentos nem determina o papel semacircntico de
nenhum termo A identificaccedilatildeo dos elementos de participaccedilatildeo focal (trajetor) e
secundaacuteria (marco) fundamental agrave teoria em questatildeo foi decisiva para a organizaccedilatildeo do
significado da estrutura especialmente no que tange agraves construccedilotildees assimeacutetricas
Processos de gramaticalizaccedilatildeo estatildeo tambeacutem relacionados agrave organizaccedilatildeo dos
verbos na construccedilatildeo serial principalmente as assimeacutetricas uma vez que como jaacute foi
salientado nesse tipo de serializaccedilatildeo apenas um dos verbos permanece como verbo
pleno e o outro adquire novo estatuto Esse fato contudo natildeo restringe o uso do verbo
gramaticalizado ou empregado como verbo funcional aos processos de serializaccedilatildeo
visto que em outras construccedilotildees esse item lexical pode adquirir propriedades de verbo
pleno em concordacircncia com o que solicitar a construccedilatildeo que integrar
Ainda no caso da serializaccedilatildeo assimeacutetrica por se tratar de uma construccedilatildeo
multiverbal que descreve um uacutenico evento analisamos o alinhamento do trajetor e do
marco relativos cada um dos verbos que compunham a estrutura Em seguida
comparamos esses alinhamentos com o alinhamento designado pela proacutepria construccedilatildeo
para verificarmos se eram coincidentes Percebemos que o verbo mais representativo da
cena descrita (o verbo pleno) tinha o mesmo alinhamento projetado pela construccedilatildeo o
que o caracterizou como o designador do profile determinante da construccedilatildeo
Durante a anaacutelise procuramos salientar que o item verbal que passa a verbo
funcional na construccedilatildeo serial assimeacutetrica natildeo perde suas propriedades de verbo pleno
mas se adeacutequa ao novo contexto e adquire novas propriedades as de verbo funcional
Nessa perspectiva enfatizamos que a produccedilatildeo do significado nas estruturas sintaacuteticas
acontece em duas vias dos itens constituintes para a construccedilatildeo e da construccedilatildeo para os
itens constituintes conforme o que postula a Gramaacutetica de Construccedilotildees
No que tange agraves construccedilotildees simeacutetricas a integraccedilatildeo dos itens lexicais pressupotildee
que os mesmos tenham conteuacutedo semacircntico semelhante e se adeacutequem a uma estrutura
que natildeo daraacute proeminecircncia nem a um nem a outro verbo Partindo da premissa de que
toda construccedilatildeo jaacute traz em si um significado seus itens constituintes devem se ajustar a
ela para a elaboraccedilatildeo do sentido A noccedilatildeo de composicionalidade foi bastante requerida
nesse tipo de construccedilatildeo serial que exige a integraccedilatildeo dos verbos constituintes bem
193
como a sua adequaccedilatildeo agrave construccedilatildeo confirmando a proposta de que itens lexicais natildeo
satildeo unidades estanques
Durante a pesquisa demonstramos tambeacutem que construccedilotildees seriais em baulecirc natildeo
devem ser analisadas como coordenadas uma vez que na serializaccedilatildeo natildeo eacute possiacutevel
descrever mais de um evento como ocorre com a coordenaccedilatildeo A inserccedilatildeo de um
conectivo entre os verbos descaracteriza a serializaccedilatildeo muda o significado da
construccedilatildeo e a transforma em uma coordenaccedilatildeo Aleacutem disso na coordenaccedilatildeo deve haver
duas unidades do mesmo tipo combinadas o que natildeo ocorre na serializaccedilatildeo em baulecirc
que se assemelha agrave organizaccedilatildeo sintaacutetica de estruturas de um soacute verbo Dessa forma
procuramos pontuar que uma observaccedilatildeo limitada agraves propriedades sintaacuteticas de
estruturas seriais pode resultar em conclusotildees equivocadas A investigaccedilatildeo da
organizaccedilatildeo conceitual dos itens lexicais constituintes de uma construccedilatildeo serial bem
como do sentido da proacutepria construccedilatildeo em baulecirc foi essencial para a nossa anaacutelise
Esta pesquisa natildeo se esgota aqui O estudo de construccedilotildees seriais em baulecirc e em
outras liacutenguas carece de mais investigaccedilotildees sob perspectivas teoacutericas diversas que
continuem a aprofundar o conhecimento sobre esse tema Esperamos ter dado um
pequeno passo nesse caminho e gostariacuteamos que esta pesquisa se configure como um
incentivo a outras abordagens
194
REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
AGYEMAN N A 2002 Serial Verb Constructions in Akan Masters Thesis
Norwegian University of Science and Technology (NTNU)
AIKHENVALD A DIXON RMW (eds) Serial verbs constructions A cross-
linguistic tipology New York Oxford University Press 2006
AMEKA Felix Multiverb constructions in a West African areal typological
perspective Leiden University (sd)
_____________ Ewe serial verb constructions in their grammatical context New
York Oxford University Press 2006
BOHOUSSOU AMANI Lrsquoeacutenonceacute complexe du nagravenaacutefwecirc Muenchen Lincoccedilm 2008
BOLE-RICHARD Reacutemy Probleacutematique des seacuteries verbales avec application au gen
Afrique et Langage n10 2ordm semestre 1978
BORBA Francisco S Dicionaacuterio de usos do portuguecircs Satildeo Paulo Aacutetica 2002
BROCCIAS Cristiano Cognitive approaches to grammar
BRUCE J Serialization from syntax to lexicon Studies in language 1219-49 1988
CASTILHO Ataliba T de 1997 ldquoA gramaticalizaccedilatildeordquo In Estudos Linguumliacutesticos e
Literaacuterios 1997 n 19 p 25-64
________________Introduccedilatildeo ao estudo do aspecto verbal na liacutengua portuguesa
Mariacutelia USP 1966
________________ Nova Gramaacutetica do Portuguecircs Brasileiro 1ed Satildeo Paulo
Contexto 2010 p396-397
____________________ Para uma sintaxe da repeticcedilatildeo Liacutengua falada e
gramaticalizaccedilatildeo Liacutengua e Literatura Satildeo Paulo Humanitas 1977 n23 p293-330
195
_______________ Aspecto verbal no portuguecircs falado In ABAURRE Maria
Bernadete M RODRIGUES Acircngela CS(Orgs)Gramaacutetica do portuguecircs falado Satildeo
Paulo Editora Unicamp 2002 p 83-116 vVIII
CHAFE W (Ed) The Pear stories Cognitive cultural and linguistic aspects of
narrative production Norwoor New Jersey ABLEX Publishing Corporation
1980vIII
_________ Discourse consciousness and time The flow and displacement of
conscious experience in speaking and writingChicago The University of Chicago
Press 1994 p1-160
CHOI Seongsook Serial verbs and the empty category In Beermann Dorothee
Hellan Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
CHOMSKY N Aspects of the theory of syntax Cambridge The MIT Press 1965
__________ Syntactic structures Cambridge The MIT Press 1957
CREISSELS Denis 2000 Typology In HEINE Bernd NURSE Derek (eds) African
languages an introduction Cambridge Cambridge University Press p 231-258
_____________ Schemes de preacutedication verbale In Description des langues
neacutegro-africaines et theacuteorie syntaxique Grenoble Ellug 1991
CREISSELS D KOUADIO N Description phonologique et grammaticale drsquoum
parler baoule Institut de Linguistique Appliqueacutee Universiteacute Nationale de Cocircte-
drsquoIvoire 1977
CROFT W Intonation units and grammatical structure Linguistics An
interdisciplinary journal of the language sciences BerlynNew York 1995 v33-5
p839-882
196
DELPLANQUE Alain Le mythe des ldquoseries verbalesrdquo Revue de linguistique Paris
n11-12 p231-249
ETHNOLOGUE Site httpwwwethnologuecomshow_lang_familyaspcode=bci
FAUCONNIER G TURNER M Conceptual integration networks Cognitive Science
22 1998 (2) 133-187
FILLMORE C KAY P OrsquoCONNOR M Regularity and idiomaticity in grammatical
constructions the case of ldquoLet alonerdquo Language 64(3) 501-538 1988
FIORIN JOSEacute L PETTER MARGARIDA MT (orgs) Aacutefrica no Brasil A formaccedilatildeo da
liacutengua portuguesa Satildeo Paulo Contexto 2008
Geeraerts D Cuyckens H (Eds) 2007 The Oxford Handbook of Cognitive
Linguistics OxfordNew York Oxford University Press
GIVOacuteN T Prototypes between Plato and Wittgenstein In Graig (ed) Noun classes
and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Co 1986
GIVOacuteN T Serial verbs and the mental reality of lsquoeventrsquo grammatical vs cognitive
packaging In HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C (Eds) Approaches to
grammaticalization Focus on theoretical and methodological issues Vol I
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1991
GOLDBERG Adele E Constructions A Construction Grammar Approach to
Argument Structure Chicago and London University of Chicago Press 1995
________________ ldquoConstructions A New Theoretical Approach to Languagerdquo
Trends in Cognitive Science 7 5219-224 2003c (reprinted in Journal of Foreign
Languages China 2004)
______ Noun classes and categorization AmsterdamPhiladelphia John Benjamins
Publishing 1986
197
HAGEMEIJER T Underspecification in serial verb construction IN RIEMSDIJK H
VAN HULST H VAN DER KOSTER J (eds) Studies in generative Grammar 2001
_____________ Serial Verb Constructions in Satildeo-Tomense Lisboa 2000
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Linguiacutestica Descritiva) Universidade de Letras de Lisboa
HASPELMATH Martin Coordinating constructions an overview In HASPELMATH
Martin (dir) Coordinating Constructions AmsterdamPhiladelphie John Benjamins
2004 p3-39
HELLAN L BEERMANN D ANDENES E Two types of Serial Verb Construction in
Akan Norwegian University of Science and Technology (NTNU) 2003
HEINE B ULRIKE C HUumlNNEMEYER F Grammaticalization A conceptual
framework Chicago The University of Chicago Press 1991
HILFERTY J Cognitive linguistics an introductory sketch Universitat de Barcelona
(sd)
HOPPER Paul J TRAUGOTT Elisabeth C Gramaticalization Cambridge University
Press 1977
HOUAISS Antonio Dicionaacuterio Houaiss da Liacutengua Portuguesa Versatildeo online
KEWITZ Verena Gramaticalizaccedilatildeo e semanticizaccedilatildeo das preposiccedilotildees A e PARA no
Portuguecircs Brasileiro (seacuteculos XIX e XX) Satildeo Paulo 2007 211 f Tese (Doutorado em
Letras) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas da Universidade de Satildeo
Paulo
KOCH IV MARCUSCHI LA Referenciaccedilatildeo In Jubran amp Koch (orgs) Gramaacutetica
do Portuguecircs Culto Falado no Brasil Vol I Construccedilatildeo do Texto Falado Campinas
Ed da Unicamp 2006
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Les seacuteries verbales em baouleacute questions de
morphosyntaxe et de seacutemantique Studies in African Linguistica v29n1 spring 2000
198
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Kouame Kouakou Parlons Baouleacute Langue et
culture de La Cocircte drsquoIvoire Paris LrsquoHarmattan 2004
KOUADIO NrsquoGUESSAN Jeacutereacutemie Tymian Loucou JN Dictionnaire Baouleacute-
franccedilais Abidjan Nouvelles editions Ivoiriennes 2003
LAKOFF G Categories an essay in Cognitive Linguistics Linguistics in the
morning calm Selected Papers from SICOL-1981 Seoul Hanshin Publishing Co
1982 p139-209
_______________ Women fire and dangerous things what categories reveal about
the mind Chicago University of Chicago Press 1987
LAKOFF G JOHNSON M Metaphors we live by Chicago and London The
University of Chicago Press 1980
LAMBRECHT K Information structure and sentence form Cambridge Cambridge
University Press 1994
LANGACKER RW Foundations of Cognitive Grammar Volume I Theoretical
Prerequisites Stanford California Stanford University Press 1987
_________________ Universals of construal Proceedings of the Annual Meeting of
the Berkeley Linguistics Society p447-463 1993a
______________ Discourse in Cognitive Grammar Cognitive Linguistics San
Diego n12 p143-188 2001
______________ Concept image and symbol the cognitive basis of grammar 2ed
Berlim Mouton the Gruyter 2002
_____________ Orientation Cognitive Grammar A Basic Introduction New
York Oxford University Press 2008
______________ Constructional integration Grammaticization and Serial verbs
constructions Langage and linguistics n42 p251-278 2003
199
______________ Cognitive Grammar In GEERAERTZ D CUYCKENS H (Eds)
The Oxford Handbook of Cognitive Linguistics New York Oxford University Press
2007
LARSON Martha Baule SVCs Two distinct varieties of missing objects Fraunhofer
IMK Sankt Augustin Germany Legon-Trondheim Linguistics Project Annual
Colloquium University of Ghana Legon 4-6 December 2002
______________ The empty object construction and related phenomena
Dissertation presented to the Faculty of the Graduate School of Cornell University
2005
LAW PAUL VEENSTRA Paul On the structure of serial verb constructions
Linguistics Analysis 22 p185-217 1992
LAWAL S ADENIKE The Yoruba serial verb construction A complex or simple
sentence In Mufwene SS Moshi L (eds) Topics in African Linguistics
Amsterdam John Benjamim P Company v100 p79-103 1993
LECLERC J ltltCocircte drsquoIvoiregtgt dans Lrsquoameacutenagement linguistique dans le monde
Quebec TLFQ Universiteacute Laval 01 juillet 2007
[httpwwwtlfqulavalcaaxleuropedanemarkhtm] (05 mai 2008)
LEHMANN Christian 1995 Thoughts on Grammaticalization Muumlnchen Newcastle
Lincon Europa
LEITE Marcelo Andrade Resultatividade um estudo das construccedilotildees resultativas
em portuguecircs Rio de Janeiro 2006 205 f Tese (Doutorado em Lingua Portuguesa)
Universidade Federal do Rio de Janeiro
LORD Carol Causative cconstructions in Yoruba Studies in African Linguistics
Supplement 5195-204
200
_____________ Historical change in serial verb constructions
AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1993
MIRANDA NEUSA SALIM SALOMAtildeO MMM (orgs)Construccedilotildees do portuguecircs do
Brasil Da gramaacutetica ao discursoBelo Horizonte UFMG 2009
NOYAU COLETTE TAKASSI ISSA Cateacutegorisation et recateacutegorisation les
constructions verbales seacuterielles et leur dynamique dans deux familles de langues du
Togo In LAZARD GILBERT MOYSE-FAURIE CLAIRE (eds) Linguistique Typologique
Lille Presses du septentrion 2005 p207-240
OSAM EK Aspects of Akan Grammar A functional perspective PhD Thesis
University of Oregon 1994
PAL Dayane Cristina Construccedilotildees seriais em portuguecircs brasileiro estudo com
dados da comunidade negra de Pedro Cubas Vale do RibeiraSP Dissertaccedilatildeo
(Mestrado em Semioacutetica e Linguumliacutestica Geral) Faculdade de Filosofia Letras e Ciecircncias
Humanas da Universidade de Satildeo Paulo
QUINT N Coordination et parataxe en capverdien moderne (dialecte santiagais ou
badiais) In CARON B (ed) Subordination deacutependance et parataxe dans les langues
africaines Louvain Paris Peeters 2008 p 29-48
PAWLEY Andrew amp LANE JONATHAN From event sequence to grammar Serial
verb constructions in Kalam In SOEWIERSKA A and SONG J J (eds) Case Typology
and Grammar AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing Company 1998
ROBERT Steacutephane Vers une typologie de la transcateacutegorialiteacute In _____ (ed)
Perspectives synchroniques sur la grammaticalisation Polyseacutemie transcategorialiteacute et
eacutechelles syntaxiques LouvainParis PeetersUniversiteacute Paris 7 2003
______________ Words and their meanings principles of variation and
stabilization In VANHOVE Martine (ed) From polysemy to semantic change towards
201
a typology of lexical semantic associations Studies in Language Companion Series 106
Amsterdam John Benjamins 2008 p 55-92
RODRIGUES ANGEacuteLICA TC ldquoEu peguei e saiacuterdquo uma construccedilatildeo nos limites da
coordenaccedilatildeo Veredas Juiz de Fora n1 e n2 p29-40 jandez 2004
_____________________ Eu fui e fiz a tese as construccedilotildees do tipo foi fez no
portuguecircs brasileiro Campinas 2006 Tese IELUNICAMP
SALOMAtildeO MARIA Margarida Martins Teorias da linguagem perspectiva
sociocognitiva 2006
_________________ Gramaacutetica das construccedilotildees a questatildeo da integraccedilatildeo entre
sinaxe e leacutexico Veredas Juiz de Fora v6 n1 63-74
SEBBA Mark The syntax of serial verbs An investigation into serialisation in
sranan and other languages AmsterdamPhiladelphia John Benjamins Publishing
Company 1987
SILVA Augusto Soares da A Linguumliacutestica Cognitiva Uma breve introduccedilatildeo a um
novo paradigma em Linguumliacutestica Universidade Catoacutelica Faculdade de Filosofia de
Brasa Em httpwwwfacfilucpptlingcognithtm
_____________________ Da semantica da construccedilatildeo agrave semacircntica do verbo e vice-
versa In ICastro e IDuarte (orgs) Razotildees e emoccedilotildees miscelacircnea em homenagem a
Maria Helena Mira Mateus v2 Lisboa Imprensa Nacional-Casa da Moeda
SMITH Carlota The parameter of aspect 2ed The Netherlands Kluwer Academic
Publishers 1977
TAYLOR JR Linguistics Categorization Prototypes in Linguistic Theory Oxford
Clerendon Press 1995
TALMY Leonard The windowing of attention in language Toward a cognitive
semantics CambridgeLondon MIT Press 2003 v1 (Concept structuring systems)
202
_________________ Toward a Cognitive Semantics vol 1 Concept Structuring
Systems Cambridge MIT PressBradford 2000a
_____________ Toward a Cognitive Semantics vol 2 Typology and Process in
Concept Structuring Cambridge MIT Press_____________ The fundamental System
of Spatial Schemas in Language In Hamp Beate (ed) From perception to meaning
Image schemas in Cognitive Linguistics Mouton de Gruyter 2000b Versatildeo preliminar
httplinguisticsbuffaloedupeopelfacultytalmytalmywebrecenthampevipdf
VENDLER Zeno Verbs and Times Linguistics in Philosophy Ithaca New York
Cornell University Press 1967
WACHOWICZ Tereza Cristina As leituras aspectuais da forma do progressive do
portuguecircs brasileiro Satildeo Paulo 2003 Tese (Doutorado em Linguistica) Faculdade de
Filosofia Letras e Ciecircncias Humanas USP
WATERS JOHN R Syntaxe In In HEINE BERND NURSE DEREK Les langues
africaines Paris Karthala 2004
WECHSLER Stephen M Serial Verbs and Serial Motion In BEERMANN Dorothee
HELLAN Lars (Eds) Proceedings of the workshop on Multi-Verb constructions
Trondheim Summer School 2003 Norwegian University of Science and Technology
Trondheim 2003
WENZ Karin Iconicity in verbal descriptions of space In DIRVEN amp PUumlTZ (eds)
The Construal of Space in Language and Thought Cognitive Linguistics Research 8
Berlin New York Mouton de Gruyter 1996
WILLIAMSON KAY BLENCH ROGER Niger-Congo In HEINE BERND NURSE
DEREK Les langues africaines Paris Karthala 2004
203
ANEXO
Trecho de uma das narrativas do corpus
blɔfuɛ klɔ kun su lɔ branco vila INDET dentro LOC lsquoNuma vila (vila de brancos)rsquo
Bla vie i ni wa Mulher qualquer com POSS crianccedila lsquouma mulher com seu filhorsquo
Me wo swa nu 3Ss ser casa dentro lsquodentro de casarsquo
Ba su wa kɔ la Crianccedila PROG FUT ir dormir lsquoa crianccedila estava quase dormindorsquo
yɛ ɔ kɔ suma ba i bɛ su entatildeo 3Ss ir levar crianccedila POSS cama em cima lsquoentatildeo ela foi levar seu filho para a camarsquo
Ba sɔ i si wa ni fenɛtri Crianccedila DEM POSS pai FUT fechar janela lsquoseu pai vai fechar a janelarsquo
I ni kɔ sumɛ bɛ su POSS matildee ir levar cama sob lsquosua matildee o colocou na camarsquo
204
yɛ ɔ fa flwa vie depois 3Sspegar papel qualquer lsquodepois ela pega um livro qualquerrsquo
Nga ndɛ wo nu DEM historia ser dentro lsquoonde ficam as histoacuteriasrsquo
wa tra ba unɛ FUT sentar crianccedila perto lsquoela estaacute indo se sentar perto da crianccedilarsquo
i su ka nu sɔ flwa ndɛ 3Ss PROG contar dentro INDICE papel historia lsquoela estaacute contando a historiarsquo
mɔ ba lafi enquanto crianccedila dormir lsquoenquanto a crianccedila dormersquo
yɛ kɛ kan sɔ ndɛ kan kle ba entatildeo enquanto contar historia contar mostrar crianccedila lsquoenquanto ela explica a histoacuteria para a crianccedilarsquo
laflɛ kun ba sono matar crianccedila lsquoa crianccedila dormersquo
yɛ wa lali ɔ entatildeo FUT dormir-acc PRED lsquoentatildeo ele se deitarsquo
- Descriccedilatildeo e anaacutelise de construccedilotildeesseriaisem baulecirc
- Agradecimentos
- RESUMO
- ABSTRACT
- SUMAacuteRIO
- Abreviaturas
- INTRODUCcedilAtildeO
- CAPIacuteTULO 1A LIacuteNGUA BAULEcirc
- 11FONOLOGIA
- 12 ORTOGRAFIA DO BAULEcirc
- 13 O GEcircNERO
- 14 O NUacuteMERO
- 15 CLASSES DE PALAVRAS
- 151Pronomes
- 511 Pronomes pessoaispossessivos
- 1512Pronome demonstrativoreflexivopessoal indefinido
- 152 Verbos
- 1521 Morfemas aspectuais e de negaccedilatildeo
- 1522Futuro
- 1523 Reduplicaccedilatildeo de verbos
- 153 Adjetivos
- 1531 Adjetivos indefinidos
- 154 Numeral
- 155 Palavras de sentido adverbial
- 156 Elementos que indicam posiccedilatildeo
- 16 SINTAXE
- 161 Frase simples
- 162 Frase complexa
- 1621 Coordenaccedilatildeo
- 1622 Subordinaccedilatildeo
- 17 Interrogativas
- 18 Negaccedilatildeo
- CAPIacuteTULO 2LITERATURA SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 21 CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS PRIMEIROS ESTUDOS
- 22 O ldquoMITOrdquo QUE INCIDE SOBRE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 23 ABORDAGENS MAIS RECENTES SOBRE A TIPOLOGIA DE CONSTRUCcedilOtildeESSERIAIS
- 24 PROPRIEDADES SINTAacuteTICAS E SEMAcircNTICAS
- 241 Construccedilatildeo serial como predicado uacutenico
- 242 Construccedilatildeo serial como uma uacutenica oraccedilatildeo
- 243 Propriedades prosoacutedicas
- 244 TempoAspectoModo
- 245 Composiccedilatildeo dos argumentos
- 246 Argumentos compartilhados
- 25 PARAcircMETROS PARA UMA CLASSIFICACcedilAtildeO TIPOLOacuteGICA
- 251 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 2511 Orientaccedilatildeo espacial
- 2512 Marcas gramaticais (TAM) e mudanccedila de estado
- 2513 Conceitos secundaacuterios expressos por verbos na serializaccedilatildeo
- 2514 Valecircncia funccedilatildeo morfoloacutegica e introduccedilatildeo de argumento ouadjunto
- 2 515 Comparativos e superlativos
- 2516 Construccedilotildees que indicam maneira
- 252 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 2521 Accedilotildees sequenciais ou concomitantes
- 2522 Construccedilotildees seriais de causa-efeito
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 3PERSPECTIVAS TEOacuteRICAS
- 31PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA COGNITIVA (GC)
- 311 Nomes e verbos
- 312 Complexidade simboacutelica e elaboraccedilatildeo conceitual
- 313 Trajetor e marco (Trajector e landmark)
- 314 O determinante do profile
- 315 Autonomia e dependecircncia
- 316 Hierarquia de constituintes e organizaccedilatildeo do significado
- 317 Verbos complexos
- 318 Representaccedilatildeo conceitual do evento em construccedilotildees seriais
- 32 PRESSUPOSTOS DA GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 321Organizaccedilatildeo da liacutengua e princiacutepios psicoloacutegicos
- 322 Construccedilotildees motivaccedilatildeo e heranccedila
- 3221 Polissemia
- 3222 Relaccedilotildees entre subpartes (Ls)
- 3223 Instanciaccedilatildeo (Li)
- 3224 Metaacutefora
- 323 Verbos e construccedilotildees
- 324 Limites entre leacutexico e sintaxe
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 4DESCRICcedilAtildeO E ANAacuteLISE DOS DADOS
- 41 PERSPECTIVAS DE ANAacuteLISE DE CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS EM BAULEcirc
- 411 Construccedilotildees seriais assimeacutetricas
- 412 Construccedilotildees seriais simeacutetricas
- 42 SERIALIZACcedilAtildeO E COORDENACcedilAtildeO
- 43 GRAMATICALIZACcedilAtildeO E CONSTRUCcedilOtildeES SERIAIS
- 44 MARCAS ASPECTUAIS
- 45 EXPRESSAtildeO DO ASPECTO
- 46 MARCAS DE NEGACcedilAtildeO
- 47 REPRESENTACcedilAtildeO DO SUJEITO
- 48 REPRESENTACcedilAtildeO DO OBJETO
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CAPIacuteTULO 5DOMIacuteNIOS CONCEITUAIS E GRAMAacuteTICA DE CONSTRUCcedilOtildeES
- 51 CONSTRUCcedilOtildeES ASSIMEacuteTRICAS
- 511 Introdutoras de beneficiaacuterio
- 512 Introdutoras de instrumento
- 513 Comparaccedilatildeo
- 514 Indicativas de modo
- 52 CONSTRUCcedilOtildeES SIMEacuteTRICAS
- CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
- CONCLUSAtildeO
- REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS
- ANEXO
-