Diálogos - Edição 6
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Diálogos do Fórum DRSEdição 6
Ano 1
Dezembro/2012
Nelson Martins
Humberto Oliveira
Maria Nazareth Wanderley
Os Desafios Políticos e Institucionais para a Gestão do Desenvolvimento Rural
Eduardo Barbosa
Coordenador Executivo do Fórum DRSCarlos Miranda
Assessor Técnico do Fórum DRSBreno Tiburcio
Assistente Técnico do Fórum DRSRenato Carvalho
Jornalista André Kauric
Projeto Gráfico e EditoraçãoPatricia Porto
Secretária Executiva Tatiana Cassimiro
FotosPedro Ladeira / Arquivo IICA
Representação do IICA no BrasilSHIS QI 03, Lote A, Bloco F, Centro Empresarial TerracottaCEP 71605-450, Brasília-DF, Brasil.
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ApresentaçãoA série “Diálogos do Fórum DRS” é uma publicação exclusiva do Fórum Per-manente de Desenvolvimento Rural Sustentável (Fórum DRS). Tem origem na seção “Diálogos”, do Boletim Informativo do Fórum DRS, que brindou durante anos o leitor com entrevistas e debates com personalidades relacionadas ao tema DRS. A série “Diálogos do Fórum” ganhou espaço exclusivo nas publica-ções do Fórum DRS desde março de 2012.
Em novo formato, a série oferece ao leitor conteúdo rico e exclusivo, com pon-tos de vista distintos, permitindo que você tenha um panorama mais amplo à respeito dos temas relacionados ao DRS. A interação marca este novo espa-ço, já que os usuários podem interagir com os participantes dos diálogos por meio do site do Fórum DRS.
Diálogos do Fórum DRSEdição 6
Ano 1
Dezembro/2012
Nelson Martins
Humberto Oliveira
Maria Nazareth Wanderley
Os Desafios Políticos e Institucionais para a Gestão do Desenvolvimento Rural
Eduardo Barbosa
Nesta EdiçãoNesta sexta Edição da série Diálogos do Fórum
DRS tivemos a oportunidade de reunir represen-
tantes de quatro setores importantes da sociedade
brasileira. O gestor público, atualmente secretá-
rio de Desenvolvimento Agrário do Ceará, Nelson
Martins, a professora da UFPE, Nazareth Wander-
ley, um representante de entidade de fomento, o
assessor do BNDES, Eduardo Barbosa, com a partici-
pação dos consultores do IICA, Ivanilson Guimarães e
Humberto Oliveira, que intercambiaram ideias sobre e
proposições sobre os desafios políticos e institucionais
da gestão das políticas públicas de desenvolvimento
rural em uma perspectiva territorial.
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Os Desafios Políticos e
Institucionais para a Gestão do Desenvolvimento Rural
Fruto do encontro promovido pelo VII Fórum Internacional de Desenvolvimento
Territorial, realizado entre os dias 11 e 14 de novembro, na cidade de Fortaleza,
Brasil, o Diálogos desta edição reuniu o Secretário de Desenvolvimento Agrário
do Estado do Ceará, Nelson Martins; o assessor do Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Barbosa; e a professora
da Universidade Federal de Pernambuco, Maria Nazareth Wanderley, em uma
conversa aberta sobre a questão da ruralidade no Brasil, mais especificadamente
no Nordeste do Brasil. Com a participação dos consultores do IICA, Ivanilson
Guimarães e Humberto Oliveira, os participantes falaram sobre os desafios de
gestão e de execução de políticas públicas para o rural. Confira!
HUMBERTO OLIVEIRA – Eu vou aproveitar a presença do secretário Nelson
Martins para provocar algumas reflexões.
Ao falar de ruralidade, trata-se mais do que da produção agropecuária no
meio rural. A agricultura tem e continuará tendo uma importância fundamental
no meio rural. Essa sua condição de ter sido líder do Governo, na Assembleia
Legislativa, também lhe dá uma visão geral das políticas públicas de Estado e,
quando fazemos este estudo, pretendemos modificar esse conjunto de políticas
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Diálogos do Fórum DRS
públicas direcionando com mais foco e prioridade
no ambiente rural. Assim sendo, pergunto:
Hoje, como Secretário de Estado, como você imagina que pode se dar uma relação de um conjunto de políticas públicas para os agricultores familiares e para o meio rural do estado do Ceará, sendo que você não tem o mandato, digamos, para concluir todas essas políticas? E que tipo de relacionamento institucional pode se construir para que essas políticas cheguem efetivamente às pessoas que vivem no ambiente rural do Estado do Ceará?
NELSON MARTINS – Primeiro, eu gostaria de agradecer pela deferência. Para mim é uma honra estar participando deste diálogo com pessoas que têm conhecimento teórico bastante aprofundado e também com pessoas que já têm experiência
nesse assunto.
Eu, apesar de ser formado em agronomia,
nunca digo que sou agrônomo, porque nunca
exerci a profissão de agrônomo, mas agora, depois
que fui para outro caminho, tive que retornar. É
o destino. Retornei para a Secretaria que cuida
do desenvolvimento agrário e, de certa forma,
o camarada tem que aprender e se lembrar de
alguma coisa.
Eu gostaria de aproveitar o conhecimento
teórico e a experiência dos nossos debatedores
para colocar algumas questões concretas que
são as dificuldades que sentimos no dia-a-
dia nessa questão da discussão da ruralidade
e principalmente sobre a nossa questão da
organização territorial, do nosso Programa
Nacional de Territorialização, o nosso Pronat, na
questão dos colegiados territoriais.
Participantes reunidos durante o VII Fórum Internacional, em Fortaleza
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envolver outras secretarias, no caso da saúde,
da educação, que tem a sua dinâmica própria,
também democrática e participativa, mas nas
discussões dos territórios ainda não conseguimos
avançar para isso. É a primeira dificuldade que
nós temos.
A outra dificuldade, que tem haver com
a questão do MDA, no qual o Humberto foi
secretário da SDT. É o seguinte: tudo que vem
para investimento através do PROINF vem pela
Caixa Econômica Federal. Não estou fazendo
nenhuma crítica à Caixa. Eu sou, como sindicalista,
um defensor dos bancos. A Caixa Econômica é a
maior instituição social financeira desse país, mas
temos uma dificuldade enorme quando se trata de
um projeto de investimento que envolve obra. Não
conseguimos executar por causa das exigências,
da burocracia.
O mecanismo que se trabalha hoje através
de contrato de repasse, nessa parte do PROINF
está inviabilizando. Agora nos territórios a gente
discute para não colocarmos mais projetos de
obra e sim de equipamentos, pois é mais fácil de
conseguir fazer.
Esse problema da burocracia está emperrando
e gerando uma frustração nas pessoas que
participam das discussões dos colegiados
territoriais, etc. Agora estamos adotando a
seguinte discussão: não podemos deixar a
discussão dos colegiados territoriais restrita
apenas à questão do PROINF ou do PRONAT. Nós
estamos agora discutindo todas as políticas que a
secretaria tem, sem exceção, e estamos levando
a discussão para os territórios, para que eles
possam discutir todas elas, porque, senão, você
Eu sempre digo o seguinte: a base de
todo trabalho que a secretaria desenvolve é a
agricultura familiar. E a nossa secretaria é a única
no estado que cuida diretamente da agricultura
familiar, só trabalhamos com agricultura familiar.
Muitas ações que nós temos em parceria com o
Governo Federal são direcionadas exclusivamente
para a agricultura familiar.
O nosso processo de territorialização tem sido
uma experiência muito rica, aqui nos Ceará nós
somos 13 territórios. Desses territórios, 6 fazem
parte do programa dos territórios da cidadania,
um deles é o antigo CONSAD - Consórcio de
Segurança Alimentar e Desenvolvimento Local,
que acaba sendo uma espécie de território
também. Os outros 6 não são ainda incorporados
ao Programa Territórios da Cidadania.
Há um acordo aqui no governo do estado no
seguinte sentido: o que vier do programa Território
da Cidadania, em termos de valor, principalmente
para os investimentos, o Estado coloca o mesmo
valor para os outros territórios. Foi sempre assim,
desde a época do Camilo na gestão passada.
Vou localizar três questões para podermos
abrir o debate, três problemas que nós vemos:
o primeiro deles é que na estrutura que o Estado
tem hoje, o estado enquanto estrutura, tem todo
um sistema de participação. O plano plurianual
do estado é feito com amplo debate das várias
regiões, então o estado se administra de maneira
democrática, mas quando trabalhamos a
questão dos territórios, acaba sendo uma coisa
muito concentrada somente na Secretaria de
Desenvolvimento Agrário. Nós não conseguimos
ainda, na discussão dos colegiados territoriais,
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leva a um processo de frustração dessa questão
dos territórios.
A última é que, a cada dia que passa, a gente
chega à conclusão de que precisamos ter uma
relação. A relação das pessoas que trabalham
nesse programa tem que ser uma relação mais
estável. Digo isso porque essa mesma dificuldade
tem no MDA. O pessoal que trabalha nesses
programas fica certo tempo, acabam saindo,
suspendem todo mundo. Aqui é a mesma coisa.
O pessoal que trabalha nesse programa era de
um contrato de gestão nosso, depois passou a
ser bolsista por um processo de seleção que nós
fazemos. Agora fazemos a seleção pela própria
secretaria e há uma estabilidade maior. O ideal é
que essas pessoas fossem concursadas, porque
teríamos algo mais estável.
Por enquanto estou citando só dificuldades
porque a intenção é ver uma forma de ajudar a
resolver os impasses.
IVANILSON GUIMARÃES – Essa introdução feita pelo Nelson bate em questões bastante centrais que têm a ver com a própria dificuldade que existe de consolidar hoje o rural no Estado. Essa é a questão central e do ponto de vista dos instrumentos que se tem hoje, temos em nível Federal, uma grande setorialização. Quando se colocam essas dificuldades é que o desenho que se tem é de um Estado extremamente setorializado e se pretende trabalhar as ações de uma forma integrada no meio rural. Ainda há uma questão complementar, como você integra o que se entende por rural, o que se vem praticando como rural hoje e com essa nova visão de ruralidade, que inclui as pequenas e médias cidades como objeto da ação das políticas públicas?
Quando se colocam essas
dificuldades é que o desenho que se
tem é de um Estado extremamente
setorializado e se pretende trabalhar
as ações de uma forma integrada no
meio rural.
“
”Ivanilson Guimarães
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HUMBERTO OLIVEIRA – Para ouvir as
opiniões, nós temos hoje no Brasil essa iniciativa
de desenvolvimento territorial, que nasceu uma
secretaria setorial e um ministério setorial que
ganhou um pouco mais de espaço com o Programa
Territórios da Cidadania, pois o programa passou
a ter uma coordenação a nível da Presidência
da República, com a Casa Civil coordenando,
com uma estrutura de participação de vários
ministérios.
Hoje, vários ministérios continuam utilizando
a abordagem territorial, seja para ações dentro
do programa Territórios da Cidadania ou para
desenhar a ação das suas próprias políticas. Hoje
a CODEVASF tem um recorte territorial, o Banco
do Brasil tem recortes territoriais, a Fundação
Banco do Brasil, que não é propriamente estado,
tem um recorte territorial, enfim, há vários outros
ministérios que têm recortes territoriais.
O Secretário Nelson mostrou que o recorte
territorial do Ceará é um recorte da Secretaria
de Desenvolvimento Agrário. Eu tenho dito que
muitas vezes nós estamos usando a abordagem
territorial de forma bastante positiva do ponto de
vista de que ela integra um conjunto de ações que
são os dois elementos centrais da abordagem
territorial: a capacidade de sair do setorial e ter
uma ação mais integrada de governo e o outro
elemento é o protagonismo, é a relação com os
atores sociais e locais para fazer planejamento,
discutir prioridades e investimentos públicos.
Só que na hora que cada um escolhe seu
território, é como se a gente marcasse um
encontro entre nós e cada um ficasse de escolher
o local de se encontrar. Só com muita coincidência
Só que na hora que cada um escolhe seu
território, é como se a gente marcasse
um encontro entre nós e cada um ficasse
de escolher o local de se encontrar. Só
com muita coincidência e conhecimento
um do outro a gente poderia saber quais
eram as preferências de cada um, mas
provavelmente a gente não se encontraria.
Se cada um marca o seu território como
território próprio, limita a integração das
políticas setoriais. Não sei como podemos
ter alternativas para superar isso.
“
”Humberto Oliveira
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e conhecimento um do outro a gente poderia saber
quais eram as preferências de cada um, mas
provavelmente a gente não se encontraria. Se cada
um marca o seu território como território próprio,
limita a integração das políticas setoriais. Não sei
como podemos ter alternativas para superar isso.
O programa Territórios da Cidadania limitou
a escolha de 120 territórios. No Brasil, se
tomarmos o exemplo do Ceará, da Bahia, do
estado de Sergipe, entre outros que definiram
o estado todo a partir de uma divisão territorial,
nós teríamos aproximadamente 450 territórios no
País, então, estamos longe de ter uma atuação
no planejamento brasileiro com a abordagem
territorial.
Queria ouvir um pouco a sua opinião, pois
eu acho que é uma tendência de que não só os
governos, mas a própria sociedade civil cada
vez mais se entusiasma com a ideia do enfoque
territorial, busca utilizar isso para, principalmente,
integrar políticas, mas cada um escolhe o seu
território, o que dificulta a própria integração das
políticas.
NELSON MARTINS – Gostaria de aproveitar a
colocação do Humberto no seguinte sentido: eu
coloquei, na minha primeira fala as dificuldades
que passamos no dia a dia. Isso não quer dizer
que não tenhamos muita coisa boa acontecendo
nessa discussão relacionada com territórios. Nós
temos aqui no Ceará uma prática permanente:
nossos colegiados territoriais se reúnem
permanentemente. Temos reuniões freqüentes.
Nesse Fórum tem uma grande quantidade
de representantes dos territórios que estão
participando. O nosso desafio nesse momento
é colocarmos as outras políticas para que elas
sejam discutidas e até o poder de deliberação nos
territórios, como nos colegiados territoriais.
Nós estamos tendo agora aqui no estado do
Ceará, um avanço importante. Nós temos um
convênio com o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, o Humberto acompanhou isso quando
era secretário, é o chamado Pacto Federativo,
onde o ministério entra com os recursos para nós
comprarmos equipamento, carro, moto, móveis,
computadores, o estado contrata os agentes, nós
contratamos 681 agentes rurais. Estamos quase
dobrando a quantidade de agentes rurais.
No estado do Ceará são 184 municípios. No
ano passado nós instalamos 50 escritórios da
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Ceará - EMATERCE, eram 96, estamos com 146
e até março teremos escritórios da EMATERCE em
todos os municípios.
O fato de nós passarmos a ter um escritório
da EMATERCE em cada município do estado, vai
nos ajudar muito a executar nossas políticas e
evidentemente essa integração com os territórios.
Nós temos aqui, também, outro projeto muito
importante que é um financiamento do Banco
Mundial, que já é histórico aqui no Ceará, chamado
Projeto São José, que são projetos de abastecimento
da água e projetos produtivos, que implantamos com
parceria direta das Associações etc.
Agora já estamos assinando o projeto São
José III. O IICA é nosso parceiro e vai fornecer as
pessoas para capacitação, divulgação e alguns
cargos estratégicos de assessoria e de supervisão
vão ser através do Projeto.
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Nesse projeto vamos ter três escritórios do
São José. Um em cada território. A nossa ideia é
que, além dos quatro técnicos em cada território,
colocarmos nossos articuladores regionais dos
territórios trabalhando nesses escritórios junto
com a EMATERCE.
Então, você vai ter uma equipe em cada
território além de ter a EMATERCE em cada
município. Isso vai nos ajudar a melhorar nosso
trabalho nessa discussão territorial.
Apesar de nós não termos essa discussão
sendo feita totalmente no território, mas, por
exemplo, nós temos aqui no Ceará o Conselho
Estadual de Desenvolvimento Rural que tem uma
composição bastante ampla de órgãos estaduais,
federais etc, e nossas reuniões acontecem sempre
de dois em dois meses independente de qualquer
coisa.
Essas várias ações passam pela discussão do
conselho. No dia 7 de dezembro nós reuniremos
todos os núcleos dirigentes dos territórios para
fazer uma análise. Nós temos nosso plano
de desenvolvimento rural sustentável que
contempla uma série de ações relacionadas com o
desenvolvimento e aprofundamento da concepção
do território.
Hoje, a relação do estado do Ceará com o
Governo Federal é espetacular. Nós temos muitas
políticas que implantamos no Ceará. Temos
uma política muito grande de implantação das
cisternas, das cisternas de placas. Estamos
implantando hoje 80 mil cisternas de placa no
Ceará.
Nós temos o Projeto São José que eu já citei.
Nós vamos aplicar um recurso de 100 milhões
para água, 140 milhões só para projeto produtivo.
Nós temos aqui no Ceará uma prática
permanente: nossos colegiados territoriais
se reúnem permanentemente. Temos
reuniões freqüentes. Nesse Fórum tem uma
grande quantidade de representantes dos
territórios que estão participando. O nosso
desafio nesse momento é colocarmos
as outras políticas para que elas sejam
discutidas e até o poder de deliberação nos
territórios, como nos colegiados territoriais.
“
”Nelson Martins
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Diálogos do Fórum DRS
Além da cisterna de placa, estamos implantando
mais de 15 mil cisternas maiores de produção.
Temos uma parceria recente com o Ministério
da Integração que, no governo da Dilma, teve
um fortalecimento muito grande nessa questão
da agricultura familiar. Estamos com um
convênio grande para implantação de cistemas
simplificadas de abastecimento de água. Nosso
programa do Garantia Safra ampliou bastante.
Aqui no Ceará não temos esse problema de
crédito para a agricultura familiar. A dificuldade
é aplicar o recurso todo. Só o PROMAR são 750
milhões. Nós temos um fundo específico aqui no
estado chamado PEDAF, que aplicamos também
nos projetos produtivos.
O governo tem uma relação muito boa com os
movimentos sociais. Esse conjunto de ações que
aplicamos hoje, tem tido uma efetividade nessa
discussão, precisando apenas integrar mais com
os territórios.
Entrarei em um assunto importante: o BNDES.
Nós temos aqui no Ceará algumas parcerias
importantes com o BNDES. No nosso projeto de
reassentamento das famílias do Castanhão, temos
três grandes terrenos irrigados: Mandacaru,
Urupati e Alagamar, além da parte de piscicultura,
que passou para a Secretaria de Pesca.
Estivemos no BNDES e ele está financiando
para nós, através do Fundo Social, que não é
reembolsável, projetos de horticultura produtiva
e também projetos de mais de 600 barragens
subterrâneas.
Agora o MDA, junto com o Agropolos, com
a EMATERCE e nossa secretaria, terminamos
o estudo completo das principais cadeias
produtivas da agricultura familiar no estado do
Ceará. Apicultura, piscicultura, horticultura
irrigada, cajucultura, mandiocultura, pecuária
leiteira, ovino e caprino. Hoje temos um estudo
completo desde a produção, assistência técnica,
agroindustrialização... Estamos negociando com
o BNDES esse recurso. Estamos vendo quanto
caberá ao MDA.
Há um conjunto de ações que hoje estão
sendo desenvolvidas aqui no estado que envolve
a parte de água, cisterna e envolve uma grande
preocupação nossa que é a questão da inclusão
produtiva, a inserção das pessoas na produção.
Eu volto a um problema que aparentemente
é óbvio, mas que acabamos não conseguindo
priorizar por causa da burocracia, que é a
capacitação das pessoas. Essa é uma falha que
nós temos e a burocracia acaba atrapalhando.
Temos isso como prioridade, mas acabamos não
conseguindo implementar.
Falei de tudo isso para dizer que apesar das
dificuldades que temos hoje, muitas dessas
políticas têm passado pela discussão nesse plano
de desenvolvimento que fazemos, como se fosse
um plano plurianual da agricultura familiar do
estado, que já temos a versão anterior, da primeira
gestão que foi até 2011 e esse novo que foi feito de
2012 até 2015. Tudo isso é baseado na discussão
dos territórios.
NAZARETH WANDERLEY – Eu estou
atualmente fazendo duas pesquisas: uma é essa
sobre ruralidade e outra, coincidentemente, uma
reflexão sobre esse programa Territórios da
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Cidadania. Na verdade, essa pesquisa que estamos
fazendo, não é uma avaliação do programa,
até porque eu não sei fazer isso. Baseia-se em
conhecer experiências e fazer uma reflexão. Nesse
caso são dois instrumentos de caso que estamos
fazendo no Paraná, a partir do território Paraná
Centro e outro em Pernambuco que é o Sertão de
São Francisco.
Estou aqui para mais um registro da ruralidade.
Nesse momento da pesquisa, isso não é um
resultado ainda, apenas estou “mastigando” as
ideias de maneira pessoal.
Quando vemos essa proposta do enfoque
territorial desde o começo é impossível não ficar
entusiasmada, pois é uma ideia que faz grande
diferença no enfoque setorial, de modernização da
agricultura para, finalmente, pegar os excluídos
da modernização em uma visão mais ampla. O
entusiasmo é total. De alguma maneira esse
projeto tem uma dimensão tópica, que a realização
dela é muito difícil. Você tem que saber que isso
passa do nacional, do estadual, do estadual para
o local. Isso não é evidente e temos que pensar
no longo e médio prazo, talvez.
Nessa perspectiva, hoje, coloco algumas
questões. Primeiro, a ideia de que todos os
ministérios, ou seja, todas as ações do Governo
Federal que chegam numa região ou em um
território possam ter de alguma maneira uma
articulação. É perfeito isso. É tudo que se deseja
de um bom funcionamento, mas, inclusive em
um texto que li do Caio França ele fala da matriz
de ação como uma oferta em um cardápio. Achei
essa imagem muito interessante, pois você vai
ter ali uma relação de ações com o objetivo que
Quando vemos essa proposta do enfoque
territorial desde o começo é impossível
não ficar entusiasmada, pois é uma ideia
que faz grande diferença no enfoque
setorial, de modernização da agricultura
para, finalmente, pegar os excluídos da
modernização em uma visão mais ampla.
O entusiasmo é total. De alguma maneira
esse projeto tem uma dimensão tópica, que
a realização dela é muito difícil. Você tem
que saber que isso passa do nacional, do
estadual, do estadual para o local. Isso não
é evidente e temos que pensar no longo e
médio prazo, talvez.
“
”Nazareth Wanderley
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Diálogos do Fórum DRS
elas sejam convergentes, articuladas... Mas isso
também é algo muito difícil.
Acho que no momento em que esse programa
foi pensado, correspondeu a uma conjunção
política particularmente favorável, mas não é
evidente que essa conjunção possa se prolongar
muito, pois tem muitas negociações a serem
feitas. Em algum momento esse tal cardápio pode
parecer um rol, simplesmente uma lista sem a
articulação que, nesse caso, é a novidade. Esse
é um dos primeiros desafios ao se falar desse
programa: como fazer que essa articulação
política de fato tenha essa marca e não seja uma
simples lista. Tem de tudo nessa matriz, mas não
é evidente que eles tenham essa articulação.
A segunda questão é sobre a prática disso, que
é o outro pé do programa, que é a participação e
a gestão.
A participação também é colocada de uma
maneira interessante, mas quando vemos na
própria matriz, a expectativa da participação é
muito diluída. As ações do PROINF, por exemplo,
o que se espera e se pede ao colegiado é que eles
tenham uma atuação mais direta na definição, na
demanda, na execução dos trabalhos, etc.
A revitalização do São Francisco, por exemplo,
é uma ação do Ministério da Integração que está
incluída na matriz. O colegiado não tem nada a
ver com isso. Não passa pelo colegiado. Então
essa é uma outra discussão. Que expectativa
se tem quando se constrói essa participação e
efetivamente o que está acontecendo.
Apenas exemplificando, sem fazer nenhuma
crítica às instituições, cada instituição tem sua
autonomia. A CODEVASF, por exemplo, entre
na nossa matriz com ações ligadas a arranjos
produtivos locais, mas quem é que define isso?
É a CODEVASF? Nós vamos fazer um programa
sobre caprinos nessa região e isso entra lá. Está
escrito. Não tem uma participação.
Essa é uma discussão que estou propondo para
entender melhor como é que funciona e, se eu
tiver a chance de dizer isso em algum lugar como
questão para quem está pensando o programa,
eu o farei.
Sem contar que essa questão de cada
instituição ter os seus recortes territoriais.
Mas não é só isso. Cada instituição tem a sua
concepção de desenvolvimento, tem a sua opinião
sobre o trabalho que faz e nem sempre isso é
coincidente.
Exemplificando, o SEBRAE, todo mundo
reconhece a importância do SEBRAE, mas ele tem
uma filosofia de empreendedorismo individual. Se
ele leva isso para a agricultura familiar, ele pode
estar passando justamente para o caráter coletivo
que é o caráter familiar.
Eu digo isso porque estudo a agricultura
familiar e gosto de dizer isso, apesar de poucas
pessoas dizerem. Quer dizer, empreendedorismo
em uma área urbana tem tudo a ver. Você compra
um carrinho de pipoca e vai levar à praia: é uma
ação excelente.
A CODEVASF é a responsável pelo processo de
modernização da agricultura no semi-árido, na
linha tradicional. Essa mesma CODEVASF está
fazendo outra coisa territorial. Estou com essas
questões.
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Em principio, eu colocaria que é um
olhar para os entornos dos grandes projetos.
Para exemplificar, aqui no Ceará o BNDES
financia, mesmo que parcialmente, a Rodovia
Transnordestina que corta de sul a norte do estado.
O estado também tem três investimentos em um
porto, também vai receber uma parte significativa
dos investimentos federais na integração de
bacias, além de um grande investimento na
década de 90 que, até hoje, o BNDES financia
que é administrado pelo secretário dos órgãos
do Castanhão. Esse olhar sobre os entornos, já
começa a colocar, apesar de ser muitas vezes
(...) para um grande investimento, é a primeira
medida para incorporar o território não apenas
como a área que sofre centralidade de um grande
projeto e por isso tem que ser avaliado dentro dos
condicionantes ambientais ou da responsabilidade
social.
O olhar do entorno tem uma orientação muito
mais profunda que busca ativar oportunidades de
desenvolvimento e muitas vezes não estão sendo
percebidas somente por olhares setoriais e se
concentram em grandes projetos ou em grandes
estratégias de investimento. O olhar o entorno
consegue capturar melhor essas possibilidades
que estão presentes no território e muitas vezes
fazem parte de rotas tecnológicas, trajetórias
históricas diferenciadas e que exigem um olhar
diferenciado para conseguir primeiramente
entendê-los para depois apoiá-los. É algo, talvez,
mais sensível que vai exigir instrumentos e ações
ainda mais inovadores e bem adaptados à região.
Nesse caso, novamente, isso acaba exigindo
um esforço de articulação. É claro que um grande
EDUARDO BARBOSA – Eu gostaria de aproveitar
esse tema central da discussão: as dificuldades
inerentes à territorialização. Não só ao passo de
aplicar, territorializar e olhar para o território –
isso eu falo do ponto de vista do BNDES que tem
um olhar setorial – mas tem uma dificuldade
grande de sair, mudar de ótica e ir para o olhar
territorial, mas também para as dificuldades
que implica. Uma vez feito, acaba exigindo uma
conversa com outros olhares territoriais, que
dificilmente serão os mesmos.
Apesar dos diversos problemas, esse olhar
territorial é sempre o primeiro passo para permitir
alguma articulação de políticas públicas. É a
forma de as instituições se reconhecerem na sua
atuação, resultados e suas implicações para o
território e pensarem quais são as outras políticas
e outros assuntos que são necessários para que
o resultado do desenvolvimento seja alcançado.
Eu tenho pensado muito na incompletude da
maioria das instituições que são limitadas pelos
seus instrumentos e sua missão, mas que nem
por isso se torna uma falha, na verdade é só uma
implicação para a articulação. Necessariamente
um desenvolvimento integrado, participativo que
incorpore as oportunidades. Isso vai depender de
uma multiplicidade de ações e olhares.
O BNDES vem enfrentando esse desafio de
mudar esse olhar setorial para incorporar o olhar
territorial. Em primeiro lugar tem que mudar
área dos projetos. Talvez seja a função básica do
BNDES, financiar projetos de investimentos. Isso
já tem alcançado significativamente em seis ou
sete anos, aproximadamente, com algumas ações
e orientações estratégicas que permitem isso.
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Diálogos do Fórum DRS
projeto, a grande empresa que está realizando
investimento tem um papel forte, mas que vai
trazer à tona a necessidade, muitas vezes, de
investimentos públicos ou de financiamentos a
pequenos produtores, como é o caso da agricultura
familiar, mas também para cooperativas de
diversos portes, para outros empreendimentos
que podem ver uma possibilidade ainda maior com
a ativação do poder econômico naquele lugar.
Falando do BNDES, vamos percebendo um
avanço na instituição para a territorialização. Não
é uma territorialização do BNDES, na verdade
nossa orientação é de tentar incorporar e entender
as diversas territorializações dos nossos parceiros
e dos nossos beneficiários.
No caso dos investimentos que o BNDES faz
nos estados que tem aumentado vertiginosamente
nos últimos anos, primeiro com a orientação de
apoiar projetos multisetoriais integrados que
já vem de uma experiência de longo prazo com
municípios, mas que depois foi incorporada com
mais intensidade, articulando os investimentos em
logística, com expansão da rede de atendimento
(...), com equipamentos públicos que garantem
a efetividade de direitos básicos como saúde,
educação, assistência social... Nesse olhar,
o BNDES, procura sempre incorporar nesses
investimentos, coisas que se procura sempre
incorporar à territorialização dos estados,
entendendo que essa é a territorialização legítima
para aquele tipo de investimento e que de certa
forma vai permitir uma melhor compreensão e
definição desses investimentos, sempre passando
esse olhar de articular investimentos com as
oportunidades que estão no território.
Apesar dos diversos problemas, esse
olhar territorial é sempre o primeiro
passo para permitir alguma articulação
de políticas públicas. É a forma de as
instituições se reconhecerem na sua
atuação, resultados e suas implicações
para o território e pensarem quais são
as outras políticas e outros assuntos
que são necessários para que o
resultado do desenvolvimento seja
alcançado.
“
”Eduardo Barbosa
16 Diálogos do Fórum DRS
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Além disso, o BNDES também tenta avançar
com instrumentos mais adaptados para
oportunidades, como é o caso do apoio à PL’s
em populações de baixa renda do Ceará. Um
grande exemplo foi o estado com uma demanda
de investimentos em cooperativas que ajudou o
BNDES a construir esse instrumento. Foi, nesse
sentido, um estado inovador que contribuiu para a
disseminação de uma política voltada a territórios
de baixa renda, mas com o olhar de incorporação
de oportunidades que já existem mas não estavam
sendo suficientemente ou adequadamente
apoiadas.
A ideia desse programa é justamente que ele
consiga reformular um rol de demandas e de
oportunidades que podem ser melhor apoiadas
não só através de mecanismos não reembolsáveis
como vem acontecendo no primeiro momento
com o fundo social, mas também que eles se
apresentem numa segunda etapa como tomadores
de investimentos reembolsáveis através de
cooperativas agrícolas, de crédito agrícola ou
de outros investimentos que são necessários
à infraestrutura e que o estado pode perceber
melhor a partir dessa demanda.
Acredito que dar oportunidade para que
o território de manifeste e apresente suas
necessidades é o primeiro passo para se fazer
políticas adequadas, políticas que incorporem
as oportunidades de desenvolvimento que estão
no território, mas que atentem aos pleitos e a
participação social.
NAZARETH WANDERLEY – Nessa discussão
eu junto as minhas duas questões da pesquisa:
território e ruralidade no sentido que eu nunca
entendi direito porque o território foi recortado
a partir das microrregiões. Isso foi adotado, me
parece, sem pais.
Acho que na hora em que se define que o
território corresponde às microrregiões, isso vai
implicar numa escolha com implicações para
o bem e para o mal. Como é que se define um
território? É um espaço de dupla dimensão.
É um espaço da construção das demandas e
da construção das respostas, ou seja, é um
planejamento.
Acho que no lugar do planejamento,
provavelmente, as microrregiões seriam de
fato mais adequadas no sentido operacional de
funcionamento. Se juntam e se somam, tornando
mais fácil até para negociar no poder local,
municipal. Por outro lado, o espaço da formulação
das demandas não está na microrregião. Percebo
que as demandas chegam nesse espaço um
pouco diluídas. Gostaria de aprofundar mais essa
formulação que estou fazendo aqui – até um pouco
precipitada.
Tenho esse sentimento de que as demandas,
quando elas chegam ao nível da microrregião, elas
já chegam reelaboradas e me coloca a questão
onde está o rural. Acho que o rural está em
diversos níveis. Inclusive nas microrregiões, mas
ele começa nos sítios, onde as pessoas moram.
Ali é que está o rural e as pessoas que moram
nesses lugares criam áreas de circulação e, eu
posso nesse momento dizer que, essa área eu
recorto ao nível da microrregião. As demandas de
vida e de trabalho elas são formuladas no lugar
de moradia. Se eu olho esse lugar de moradia
de cima, eu a vejo nublada – eu digo isso porque
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Diálogos do Fórum DRS
vamos ter no debate acadêmico e acho que isso
repercute nas políticas. Vendo de cima, não vemos
direito que aquele pessoal que está lá é agricultor.
Não vê que o agricultor não é apenas agricultor,
ele faz um monte de coisas, mas o centro da vida
dele é a agricultura – não em termos de renda e
de ocupação, mas em termos da centralidade do
sistema de atividade que ele desenvolve. De longe
não se vê a diversidade dos agricultores e essa
demanda formulada.
Eu gostaria que nós conseguíssemos pensar
melhor nisso, pois me parece que a definição do
território como microrregião responde mais à
necessidade operacional de quem está envolvido
nesse projeto de planejamento do que da demanda
que vem de baixo. Isso é uma “provocação” para
discutirmos, até porque nesse nível operacional
da microrregião você não escapa das disputas do
poder local, como as prefeituras.
HUMBERTO OLIVEIRA – Acho que você traz
um elemento importante que é o principal: o
territorial.
O território pode ser definido como uma
escala comunitária que está mais próxima do
local de moradia, na escala estadual, Nacional e
supranacional. De certa forma a América Latina,
América Central, está muito claro o programa de
territórios deles. Tem uma estratégia territorial
centroamericana. Essa escala foi escolhida
no primeiro programa que originou, que foi de
desenvolvimento territorial com o propósito de ter
atuação governamental e tendo em vista alguns
elementos, por exemplo, ela é suficientemente
grande para superar a escala municipal que
se revelava como um entrave, sobretudo a
questão da participação, porque nós vivíamos um
fenômeno que vocês, na academia, estudaram
18 Diálogos do Fórum DRS
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e denominaram de prefeiturização. Havia um
poder dos prefeitos sobre as representações da
sociedade civil até, muitas vezes, com relatos de
escolhas de representantes da sociedade civil pelo
próprio prefeito – o que eu sempre acho que não é
um problema do prefeito e sim da sociedade civil
–, mas acontecia de atas de reuniões que eram
assinadas sem serem realizadas.
Num esforço de descentralização de políticas
públicas do Brasil, chegou-se ao nível de
descentralização municipal e que havia o fenômeno
da prefeiturização. Na escala supramunicipal,
quebra essa relação de poder, já que o prefeito
de um município não tem poder sobre a sociedade
civil.
NAZARETH WANDERLEY – No Paraná Central,
a liderança do colegiado é a liderança dos
prefeitos. O colegiado briga com as prefeituras.
HUMBERTO OLIVEIRA – Ela teve esse propósito
de superar a escala municipal e, em segundo
lugar, que ela fosse suficientemente pequena para
fazer a operacionalização desse tipo de política
voltada para os municípios rurais, porque pode
ter uma escala maior. Eu acho, por exemplo, as
mesorregiões mais adequadas para discutir o
planejamento de grandes infraestruturas. Não dá
para discutir na escala do território microrregional.
Tem que ser discutido em uma escala maior.
Eu vi uma experiência aqui no Ceará, aliás,
não me recordo o nome do local, que havia um
prefeito que era gaúcho e estava aqui. Quando
o conheci ele me disse que estava fazendo
a territorialização, aplicando a abordagem
territorial no seu município. Aí sim, descendo a
escala da definição de territórios por bairros e por
comunidades rurais, o que eu acho que poderia
ser algo bastante importante e significativo para
o mundo rural. É esse o uso dessa abordagem
territorial no interior dos municípios.
Aliás, um terceiro elemento que eu nem
mencionei, mas que é importante na abordagem
territorial, além da integração das políticas e
do protagonismo da participação e também dos
atores, é, de fato, revelar as diferenças entre
esses territórios e, como Nazaré acabou de
mencionar, você ao tratar os territórios percebe
que as médias não dizem muito, porque você não
desce ao conhecimento de uma realidade de forma
apropriada.
Essa desigualdade entre territórios rurais e
territórios mais urbanizados também se dá na
relação campo – cidade dentro do município. É
o que vocês vêm explorar sobre o preconceito de
rural acontecer mais fortemente com a pessoa
que mora na roça, no sítio... É quase como se eu
morasse em Paris e o outro morasse numa grota.
(...) pessoas que vivem no mesmo ambiente rural,
mas essa discriminação é muito forte.
Acho que você tem razão. Essa abordagem
territorial deveria aterrissar nos municípios
para que pudesse dar mais força, sobretudo, às
comunidades rurais.
IVANILSON GUIMARÃES – A minha
preocupação atualmente é de tentar articular as
diversas questões, pois se apresentam bastante
heterogêneas. O secretário Nelson Martins tem
muita contribuição de como solucionar algo que
é fundamental que é como se pode resolver
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Diálogos do Fórum DRS
efetivamente a fragilidade institucional. Quando
você diz: “as pessoas não têm estabilidade,
você não sabe se a pessoa vai continuar ou não
trabalhando”, isso significa, do ponto de vista da
institucionalidade pública, que você tem uma
política com um desafio, mas você não tem a
retaguarda institucional para fazer isso. A outra
discussão é com relação aos instrumentos que
a gente tem.
Gostaria de colocar uma outra questão. Nós
estamos esculpindo um rural que não é o rural
de antes de começarmos a discussão há algum
tempo atrás. Quando falávamos do rural, era
o rural definido pelo IBGE. O nosso rural era o
agricultor, aquela pessoa trabalhadora do campo.
Hoje, quando trazemos à tona a discussão sobre
o rural, inclusive o próprio debate que estamos
fazendo, estamos incluindo também as pequenas
e, talvez, as médias cidades incorporadas como
rurais. Então, o grande desafio para se colocar na
nossa discussão é como você criar instrumentos
para atender com políticas públicas esse rural com
sua real concepção econômica, heterogeneidade
cultural, toda essa qualificação. Como é que
vamos, através de políticas públicas, fazer com que
elas se tornem concretas através de instrumentos
específicos e com financiamento? Esses pequenos
e médios municípios precisam de apoio e de
fato estão fora do foco das políticas públicas
porque, por exemplo, o Ministério das Cidades é o
ministério das metrópoles. Praticamente começa
a contar os municípios de 200 mil habitantes em
diante. Nós estamos discutindo hoje que o nosso
rural é quase 90% dos municípios e eles são
pequenos e médios municípios, então o que se
coloca hoje nesse debate da ruralidade é como
se desenhar políticas e instrumentos que vá de
encontro a ativar todo esse rural que estamos
discutindo agora.
NAZARETH WANDERLEY – Acho que passamos
de um extremo a outro. Aquela definição do IBGE
do rural residual, aquele que está lá fora, na
periferia das cidades, é o que estamos criticando.
Ao repensar isso, trouxemos esse rural para
outra dimensão. Eu mesmo já escrevi que o
mundo rural tem cidades e continuo pensando
isso. Trouxemos para essa dimensão maior. Hoje
eu fico achando que quando trouxemos para essa
dimensão maior, incluindo nas microrregiões as
pequenas cidades, tendemos a esquecer daquela
base.
Hoje gostaria de pensar essa ideia da seguinte
maneira: o próprio mundo rural tem entornos que
são esferas, de alguma maneira.
Pessoalmente, gosto de trabalhar com a ideia
de área de circulação, quer dizer, aquela pessoa
que mora no sítio não vive exclusivamente lá, elas
circulam numa certa área e trabalham em função
da produção, do acesso a bens e serviços.
Nessa definição desse rural mais amplo,
estamos nos esquecendo do elemento base que é
o local de moradia. Porém é um lugar de moradia
que não está isolado e que está articulado por
essa área de circulação que temos que reconstruir.
Na hora em que dissemos que o mundo rural
inclui as pequenas cidades, há uma tendência de
se esquecer da base.
Para mim, o rural não é só o sítio, mas ele
começa do sítio e é fundamentalmente do sítio.
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É a partir do sítio que se criam as áreas de
circulação. Estou defendendo isso porque estou
envolvida no debate que é mais acadêmico. No
debate acadêmico, por exemplo, um agricultor,
uma família de agricultores é necessariamente
pluriativa. Quando estudamos esse agricultor
familiar que tem filhos trabalhando fora, nós
dizemos: urbanizou. Ele não urbanizou, está
apenas circulando, integrando a cidade ao seu
universo a partir do seu local de moradia. Isso
não é urbanização. Nessa nuance é que estou
querendo insistir na minha discussão.
EDUARDO BARBOSA – Acho que é uma
discussão riquíssima. Uma outra interpretação
que acredito é que há uma reconfiguração do rural
que está sendo exigida a partir, principalmente,
dessa identificação de que ele depende de diversas
infraestruturas e serviços que não são unicamente
rurais.
No número que vai crescentemente se
urbanizar é preciso se ter noção que essa
crescente urbanização não se dá em negação ao
rural. A minha interpretação é que ela vai estar
sempre de forma a articular mais o rural.
Creio que o grande desafio atual é desmembrar
essas oportunidades e capacidades de
desenvolvimento que está centrada no sítio,
no ambiente rural e que vai permanecer numa
perspectiva de um desenvolvimento sustentável
justo, deve permanecer. É uma utopia a ser
perseguida para que esse desenvolvimento
se dê no âmbito rural e acho que vai ter uma
articulação crescente com a esfera urbana,
na verdade, não só o urbano, mas uma força
crescente com serviços e infraestruturas que
estão presentes em diversos estados. A minha
intuição é que o primeiro desafio é conseguir
encontrar essas demandas de investimento que
As pessoas que moram no campo tem
direito a ter o acesso o mais próximo
possível. Não quer dizer que vai colocar
uma universidade no sítio, mas toda sua
economia, tanto que ele oferece a cidade,
como o que a cidade oferece a ele em
torno dessa ideia da proximidade.
“
”Nazareth Wanderley
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Diálogos do Fórum DRS
não são exclusivas da produtividade “porteira a
dentro” que, justamente, o desenvolvimento rural
e territorial que estamos tentando evidenciar está
nessas atividades. Para além da produtividade do
trabalhador e sua relação com a sua cultura local.
Estamos pensando que ela vai crescentemente
depender de pesquisa, desenvolvimento, acesso a
mercados de serviços públicos que são essenciais
para o trabalhador, mas que não estão presentes
(...). Serviços públicos, vamos até estender para
uma integração com a sociedade que vai depender
de telecomunicações ou até mesmo do uso de
bens culturais que têm uma escala própria que
não vão estar na própria localidade.
NAZARETH WANDERLEY – Isso é o rural
contemporâneo. Você não pode pensar no rural
contemporâneo não integrado, mas ele é rural
integrado. São nessas coisas que eu sinto que de
vez em quando sai pelos dedos.
Creio que o grande desafio atual é
desmembrar essas oportunidades e
capacidades de desenvolvimento que está
centrada no sítio, no ambiente rural e que
vai permanecer numa perspectiva de um
desenvolvimento sustentável justo, deve
permanecer.
“
”Eduardo Barbosa
EDUARDO BARBOSA – Exato. Acho que é
uma reflexão e, talvez, um aprendizado que
estou tendo nesse projeto é de não entender
essas duas dimensões espaciais como opostas.
Na verdade, mesmo que haja uma crescente
urbanização pública em diversos parâmetros
que a gente costuma olhar, na verdade isso
não vai estar negando a crescente importância
do rural, seja para a geração de emprego, seja
para o aproveitamento da biodiversidade, para a
materialização de culturas, tradições, dentro da
escala produtiva, seja gastronomia, artesanato,
etc.
Apenas para completar, creio que esse trabalho
em diferentes escalas, do ponto de vista do banco
como instituição financeira ela envolve um rol
de instrumentos e de parcerias adequados que
vão passando desde o crédito para quem está lá
dentro e vai continuar com produção, com formas
22 Diálogos do Fórum DRS
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que já percebe a manifestação da ruralidade,
mas também com um fortalecimento de outros
atores que são essenciais para a apresentação
dessa ruralidade e, voltando ao que falei no
início, na efetivação de investimentos, que
muitas vezes são responsabilidade dos estados.
O BNDES tem possibilidades que vem tendo com
excelentes parcerias nos projetos estaduais,
exatamente nessa “porteira para fora”, mas que
nos investimentos que dão essa continuidade,
mas com outras atividades de campo. Não só
produzir mais, mas pensando nessa pluriatividade
que aumente a produtividade do trabalhador, do
estado.
Acho que tem uma pluriatividade que vai
depender, justamente, dessa integração com os
serviços públicos.
NAZARETH WANDERLEY – Acho que tem
toda uma reflexão, hoje, sobre o que se chama
economia de proximidade. Simplificando, é em
torno da função residencial do campo. As pessoas
que moram no campo tem direito a ter o acesso
o mais próximo possível. Não quer dizer que vai
colocar uma universidade no sítio, mas toda sua
economia, tanto que ele oferece a cidade, como o
que a cidade oferece a ele em torno dessa ideia
da proximidade.
A relação campo – cidade é isso. É essa
proximidade. Creio que deveríamos nos aprofundar
mais.
NELSON MARTINS – No estado do Ceará, nós
temos 184 municípios. Considerando os critérios
da última conferência sobre sustentabilidade dos
municípios, nós temos: aqueles que têm mais de
50 mil habitantes e com densidade demográfica
acima de 80 habitantes por quilômetro quadrado,
nós só temos treze municípios. Desses treze, oito
são da região metropolitana. Só tem um que é
Sobral, um em Iguatu e três no Cariri. O restante
fica fora dessa classificação.
Gostaria de fazer umas observações bem
rápidas: primeiro, nós tentamos, na discussão
da formação do nosso plano de desenvolvimento
rural sustentável, incluir algumas ações que
tinham relação com outras secretarias. Uma
delas, que deu certo, foi o seguinte: o estado hoje
tem programa de escolas profissionalizantes –
essas escolas têm uma estrutura maravilhosa
– instaladas. Aqui no Ceará temos duas escolas
agrícolas e todo currículo da escola foi feito
conjuntamente com a nossa equipe do SDA com
a equipe da SEDUC. Hoje já são 87 escolas e sairão
140. Em todas essas escolas estamos colocando
matérias que tèm a ver com agricultura familiar.
Essa é uma política da discussão territorial que
está dando resultado bastante positivo.
Quando você falou, sua pergunta foi muito interessante, a questão da institucionalidade para se trabalhar com os territórios. No começo do governo, o governador pediu que as várias secretarias se reunissem e tentassem discutir como unificar a parte administrativa das secretarias. A educação tem uma, a saúde tem outra a SDA tem outra. Eu estava na assembleia nesse tempo. O que nós recebemos de delegações de municípios que vinham para dizer: nós não aceitamos de maneira alguma tirar a sede do nosso município. O governador mandou parar a discussão e começou se queimando no começo
do governo.
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Diálogos do Fórum DRS
Na hora se está mexendo com a sede da
educação de um município e mudando para outro,
a confusão é grande.
Acho que aqui foram feitas algumas tentativas
de criação de consórcios internos municipais.
Um exemplo interessante é que o governo do
estado tem uma política de construir policlínicas
– com exames, consultas e odontologia – e o
estado não tem condição de ter uma policlínica
em cada região administrativa. O estado não
consegue manter. Então o governo aprovou uma
lei na assembleia onde o processo de manutenção
seria feito dividido: 50% era do governo federal,
negociou com o ministério da saúde, 25% era o
estado e os outros 25% dividia com os municípios
que iam ser favorecidos com aquela policlínica.
Conseguiu aprovar a lei, mas alguns municípios
entraram na justiça e conseguiram anular a sua
participação.
Então, só para tentar mostrar o quanto é difícil
você conseguir criar o caminho dos consócios
para administrar os aterros sanitários que está
tentando se fazer em mais de um município ao
mesmo tempo. A dificuldade é enorme.
Acho que ainda tem muita coisa para
acontecer. Essa ideia de território é maravilhosa,
sem dúvidas.
No caso dos nossos territórios, ainda temos
pouquíssima participação das prefeituras, não
por falta de chamar. Chamamos muito, mas
raríssimos prefeitos participam da discussão de
territórios. Na verdade, a demanda vem mesmo
é dos movimentos sociais.
Ainda temos que aperfeiçoar muito essa
ideia, mas eu diria que entre coisas boas e ruins,
positivas e negativas, imagino que tenha havido
muito mais coisas positivas do que negativas.
Inclusive, quando assumi a secretaria, uma das
bandeiras que tiramos como importante era a
criação dos territórios da cidadania.
Uma vez, em uma conversa aqui em Fortaleza
com a Ministra Tereza Campelo, que é muito ligada
à Presidenta Dilma, coloquei esse questionamento
para ela. Como é que poderíamos ampliar os
territórios da cidadania? Ela foi muito prática e
disse: nós não estamos pensando nisso agora.
Estamos pensando primeiro em consolidar os que
já existem e nós só vamos ampliar quando tiver
consolidado esses que já existem.
Acho que o grande desafio hoje é poder
ampliar o debate que se tem hoje nos territórios
e não ficar só na área agrária. Esse exemplo das
escolas agrícolas é um exemplo concreto. É de uma
parceira da educação e do desenvolvimento agrário.