Direito coletivo. atores e instrumentos jurídicos

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1 DIREITO COLETIVO ATORES E INSTRUMENTOS JURÍDICOS ALBERTO EMILIANO DE OLIVEIRA NETO 1 O Direito Individual do Trabalho regula o contrato de emprego. O Direito Coletivo do Trababalho, por sua vez, diz respeito à autonomia privada coletiva. Regula as relações entre organizações coletivas de empregados e empregadores ou empregadores diretamente. O Direito Coletivo, ao contrário do Direito Individual do Trabalho, é ramo jurídico construído a partir de uma relação entre seres teoricamente equivalentes. O empregador ser coletivo de lado e o trabalhador, através da entidade sindical, de outro (DELGADO, 2002:1255 e 1277). Várias são as denominações destinadas a esse ramo do direito privado que regula as relações coletivas entre trabalhadores e empregadores. Podem-se citar direito industrial, direito operário, direito corporativo, direito coletivo do trabalho (objeto de estudo), direito sindical (sujeito) e direito social. As denominações direito industrial e direito operário não abrangem a totalidade do tema, pois limitam-se a 1 Procurador do Trabalho no Paraná e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP

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DIREITO COLETIVO

ATORES E INSTRUMENTOS JURÍDICOS

ALBERTO EMILIANO DE OLIVEIRA NETO1

O Direito Individual do Trabalho regula o contrato de emprego. O

Direito Coletivo do Trababalho, por sua vez, diz respeito à autonomia privada

coletiva. Regula as relações entre organizações coletivas de empregados e

empregadores ou empregadores diretamente. O Direito Coletivo, ao contrário do

Direito Individual do Trabalho, é ramo jurídico construído a partir de uma relação

entre seres teoricamente equivalentes. O empregador ser coletivo de lado e o

trabalhador, através da entidade sindical, de outro (DELGADO, 2002:1255 e

1277).

Várias são as denominações destinadas a esse ramo do direito

privado que regula as relações coletivas entre trabalhadores e empregadores.

Podem-se citar direito industrial, direito operário, direito corporativo, direito

coletivo do trabalho (objeto de estudo), direito sindical (sujeito) e direito social.

As denominações direito industrial e direito operário não

abrangem a totalidade do tema, pois limitam-se a um único segmento econômico,

a indústria. As relações coletivas de trabalho, certamente, abrangem diversos

setores da economia, destacando-se o setor de serviços, o comércio, as

instituições financeiras e a agricultura. Também não se pode ignorar o setor

público, espaço onde também se verifica forte atuação coletiva através de

entidades representantivas dos trabalhadores.

A denominação direito coorpativo sofre de certo estigma ao passo

que traz à lembrança a notícia de uma orgem do direito do trabalho nacional,

vinculada a um modelo facista e coorpativista. A idéia de coorporação apenas

1 Procurador do Trabalho no Paraná e Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP

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dissimulava a relação jurídica nuclear desenvolvida no estabelecimento e na

empresa, não traduzinho, portanto, o aspecto cardeal do ramo jurídico

especializado do Direito do Trabalho. Trata-se, pois, mero compromisso com o

ideário e práticas autoritárias do regime político que servia, o facismo (DELGADO,

2002:1258).

A expressão direito social é mais ampla, pois além do direito

material do trabalho, acaba por abranger os ramos direito previdenciário e

acidente de trabalho (DELGADO, 2002:1259).

Por fim, a expressão Direito Coletivo do Trabalho diz respeito ao

objeto de estudo, enquanto a expressão Direito Sindical remete aos sujeitos de

relação jurídica coletivo – trabalhadores, empregadores, sindicatos, Poder

Judiciário, Ministério Público do Trabalho e Ministério do Trabalho e Emprego.

Segundo Maurício Godinho Delgado, Direito Coletivo do Trabalho

pode ser conceituado como complexo de institutos, princípios e regras jurídicas

que regulam as relações laborais de empregados e empregadores e outros

grupos jurídicos normativamente especificados, considerada sua ação coletiva,

realizada autonomamente ou através das respectivas entidades sindicais

(Delgado, 2002:1260).

O Direito Coletivo do Trabalho conta com princípios específicos. O

mais importante é o Princípio da Liberdade Sindical. A liberdade sindical implica

em manifestação do direito de associação. Especificamente, o direito de

associação a ser exercido por sujeitos munidos de interesses profissionais e

econômicos terá como fundamento referido princípio.

A Convenção n. 87 da OIT estabelece que os trabalhadores e os

empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de

constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a

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estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas

(artigo 2º).

A respeito da liberdade de associação, o legislador constitucional

de 1988 assegurou a plena liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de

caráter paramilitar; a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas

independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu

funcionamento (CF, artigo 5º, XVII e XVIII).

Estabeleceu-se, ainda, que as associações só poderão ser

compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão

judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; bem como que

ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; além

da legitimidade das entidades associativas, quando expressamente autorizadas,

para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (CF, artigo 5º,

XIX/XXI).

A liberdade sindical, pois, caracteriza-se como reconhecimento

pela ordem jurídica do direito de associação sindical, corolário do direito de

associação. Em outras palavras, a liberdade sindical é modalidade específica da

liberdade de associação (Nascimento, 2005:144/145).

Trata-se, portanto, de garantia constitucional assegurada aos que

desejam manifestar-se coletivamente por meio de associação profissional ou

sindical, atrelada ao exercício democrático de direitos civis e políticos, substrato

de uma sociedade que reconhece aos cidadãos a livre manifestação da

diversidade cultural e ideológica (JOÃO, Paulo Sergio. O fim da unicidade sindical

no Brasil. In Jornal Valor Econômico - 03 de Janeiro de 2008 - pág. E2 - Caderno

Legislação &Tributos).

A liberdade sindical, portanto, representa direito de titularidade

dos trabalhadores e dos empregadores que dizem repeito à criação e filiação a

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entidades sindicais. Essa liberdade, contudo, sofre limitações a partir do sistema

de organização sindical adotado por cada sistema jurídico.

O sistema jurídico brasileiro esta fundado nos princípios da

unicidade e da contribuição sindical compulsória. Trata-se de institutos limitadores

do princípio da liberdade sindical, cujo reconhecimento pela Constituição Federal

de 1988 é fragilizado por conta da manutenção dos princípios da unicidade e do

custeio impositivo pelo mesmo texto.

Artigo 8ºI – A lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical;II - É vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.(...)IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei;

Optou-se, portanto, pela unicidade, entendido como sistema de

organização sindical no qual uma única entidade goza da exclusividade da

representação de determinado grupo de trabalhadores ou empregadores,

observado critério territorial pré-estabelecido.

O princípio da unicidade é tutelado mediante o registro perante o

Ministério do Trabalho e Emprego, órgão vinculado ao Poder Executivo Federal

que exerce poder de polícia em relação às normas que regem o contrato de

trabalho2. Essa atribuição, inclusive, já foi ratificada pelo STF através de

entendimento sumulado:

Súmula 677. Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade.

2 Confederações dependerão de decreto presidencial específico, ao contrário dos sindicatos e das federações que são reconhecidos por ato do Ministro do Trabalho (CLT, art. 537).

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O registro das associações sindicais, além de um limitador do

princípio da liberdade sindical, impõe a esse sujeito de direito duas fases no

reconhecimento da respectiva personalidade jurídica. Primeiramente, a

personalidade jurídica obtida a partir do registro no cartório civil de títulos e

documentos. Em seguida, a personalidade sindical, fruto do registro perante o

Ministério do Trabalho e Emprego. Destaca-se que essa última atua como

requisito indispensável para a prática de atos privativos das entidades sindicais,

tais como negociação coletiva e homologação de rescisões contratuais.

Merece um parêntese o processo de impugação destinado aos

pedidos de registro de novas entidades sindicais. Primeiramente, poderá ocorrer

administrativamente, através de manifestação da entidade sindical originária

perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Sucessivamente, a via judicial

poderá ser utilizada, cabendo ressalvar a competência material da Justiça do

Trabalho definida a partir da Emenda Constituicional n. 45/04 (CF, art. 114, III).

Além da Liberdade Sindical outro princípio que integra o Direito

Coletivo do Trabalho é o da Autonomia Sindical, cujo conteúdo remete à

independência dessas associações frente à interverferência estatal. De acordo

com a Convenção 87 da OIT, integra a liberdade sindical a garantia de livre

criação de associações sindicais sem prévia autorização do Poder Público,

devendo seus membros observar apenas os respectivos estatutos. Em

consequência, as organizações de trabalhadores e entidades patronais têm o

direito de elaborar os seus estatutos e regulamentos administrativos; de eleger

livremente os seus representantes; organizar a sua gestão e a sua atividade; além

de formular o seu programa de ação, razões pelas quais as autoridades públicas

devem abster-se de qualquer intervenção susceptível de limitar o exercício da

atividade sindical (Convenção 87 da OIT, artigos 2º e 3º).

Em consonância com os princípios da Liberdade e Autonomia

Sindical, apuram-se os sistemas da unidade e da pluralidade, distintos da

unicidade acima mencionada. Na unidade, os próprios trabalhadores,

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empregadores ou sindicatos optam pela representatividade a ser exercida por um

único sindicato. Quer dizer, não há limitação do Estado quando à criação de

novos sindicatos. Os atores sociais, de forma independente e objetivando

melhores resultados no processo de negociação coletiva, acabam por optar pela

união de forças em torno de uma única entidade sindical.

A pluralidade sindical representa plena liberdade de criação de

novos sindicatos independente de autorização estatal, critério de território ou de

categoria. Por consequência, o regime da pluralidade sindical implica na plena

liberdade a ser gozada por trabalhadores e empregadores de livremente escolher

entre as entidades sindicais existentes qual seria a mais adequada para

representá-lo.

A organização das entidades sindicais no sistema juríco brasileiro

esta fundada no conceito de categoria. Não é possível, portanto, a organização de

entidades sindicais por empresa ou estabelecimento, semelhantemente ao que

ocorre com o representante dos trabalhadores (CF, artigo 11), ou por segmento

econômico, tal como ocorre na Alemanha, onde os sindicatos estão dividos nas

áreas da indústria, comércio, serviços etc.

Importante destacar que a organização sindical poderá se dar a

partir da profissão desempenhada pelo trabalhador. Ou seja, trabalhadores que

detem idêntica formação profissional poderão ser organizar a partir de uma única

entidade sindical (médicos, destistas, professores, advogados, etc). O sistema

jurídico brasileiro reconhece essa possibilidade de organização sindical através

do conceito de categoria diferenciada, cujo conceito legal transcreve-se:

CLTArt. 511, § 3º Categoria profissional diferenciada é a que se forma dos empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares.

O critério preponderante, contudo, é o da atividade do

empregador. A atividade econômica desenvolvida pelo empregador definirá a

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categoria e, consequentemente, permitirá o enquadramento ao respectivo

sindicato que terá legitimidade para representação.

Para tanto, apresenta-se a relação simétrica entre categoria

econômica, definida como a solidariedade de interesses econômicos dos que

empreendem atividades idênticas, similares ou conexas, e categoria

profissional, definida como a similitude de condições de vida oriunda da

profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade

econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas (CLT, art. 511, §§

1º e 2º).

A atividade desenvolvida pelo empregador, portanto, atua como

caráter preponderante, independentemente da formação profissional e função

desempenhada pelo trabalhador. Não obstante o reconhecimento das entidades

sindicais que representam categorias diferenciadas, o entendimento prevalente

perante o TST foi de que o empregador deve observar tão somente os

instrumentos coletivos firmados pela entidade sindical que o representa:

Súmula nº 374 do TST. NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria. (ex-OJ nº 55 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996)

Nesse sentido, decidiu recentemente o TRT da 9ª Região:

(...) Não basta que o empregado, no caso, jornalista, pertença à determinada categoria diferenciada para que se beneficie das cláusulas previstas nos instrumentos normativos, pois é necessário que o empregador tenha participado, ainda que indiretamente, por meio de entidade sindical que o represente, da elaboração do instrumento normativo cuja aplicação se pretende, o que não ocorreu. Inteligência da Súmula nº 374 do E. TST (TRT-PR-32604-2012-001-09-00-4-ACO-23400-2013 - 6A. TURMA - Relator: FRANCISCO ROBERTO ERMEL - Publicado no DEJT em 18-06-2013).

Além do critério de organização por categoria, o sistema sindical

brasileiro divide seus atores em instâncias sucessivas. Semelhantemente ao

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Poder Judiciário, os atos sindicais se dividem em três instâncias. Esse critério,

inclusive, acaba por definir a forma de divisão da contribuição sindical (CLT, 589).

Na base, o sindicato. Trata-se de associação civil com o objetivo

de tutelar os interesses dos integrantes da categoria que representa. Têm como

área mínima de atuação os limites de determinado Município, não obstante a

existência de associações que abrangem mais de um Município, um Estado

inteiro da Federação e até todo o País (CF, artigo 8, II c/c CLT, artigos 533/537).

Em um grau superior, a federação que é formada a partir da

união de no mínimo cinco sindicatos que representam a maioria absoluta de

determinado grupo de atividades ou profissões idênticas, similares ou conexas.

Constituídas por Estados, salvo autorização do Ministro do Trabalho para que se

constituam em caráter interestadual ou nacional (CLT, artigos 533/537).

Com instância de cúpula, a confederação, fruto da organização

de um número mínimo de três federações, devendo estar sediadas na Capital

Federal (CLT, artigos 533/537).

As três modalidades mencionados acima estão vinculadas ao

critério de categoria. As entidades sindicais que integram determinada

confederação, por exemplo, deverão necessariamente integrar apresentar

solidariedade de interesses econômicos dos que empreendem atividades

idênticas, similares ou conexas. Pertecem, pois, à mesma categoria. Federações

dos transportes e da agricultura, nesse exemplo, não poderão integrar a

confederação dos bancos.

Desatrelado ao conceito de categoria, o sistema sindical brasileiro

viu nascer um novo ato social de cúpula que abrange, através de filiações,

diversas entidades sindicais que representam trabalhadores de vários segmentos.

Trata-se da central sindical que, diferentemente as demais entidades sindicais,

não filia trabalhadores, mas sim entidades sindicais. Seu reconhecimento formal

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ocorreu pela Lei 11.648/08, instrumento legal que também inclui tais entidades na

repartição da receita oriunda da contribuição sindical3.

Ao representar os interesses de trabalhadores e empregadores, a

principal função das entidades sindicais consiste no processo de negociação

coletiva, cujo resultado, acordos e convenções coletivas de trabalho, são fonte

material do Direito Individual do Trabalho:

CLTArt. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

O Legislador Constitucional de 1988 estabeleceu a obrigatória

participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho (CF, art. 8º, VI).

A propósito, os sindicatos representativos de categorias econômicas ou

profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical,

quando provocados, não podem recusar-se à negociação coletiva (CLT, art. 616).

Não obstante, a opção pela participação do sincato profissional no

processo de negociação coletiva, deve-se considerar que a atividade coletiva no

mundo do trabalho não se restringe a essa entidade. Ministério Público do

Trabalho, empregadores, associações, CIPA e os próprios trabalhadores, por

seus representantes (CF, artigo 11), praticam atos regulados por normas coletivas

de trabalho.

Prevalece, contudo, o entendimento de que acordos e

convenções coletivas de trabalho apresentam como requisito essencial de

validade a paritipação de entidades sindicais (sindicatos, federações e

confederações) no processo de negociação e assinatura.

3 O reconhecimento das centrais sindicais é objeto de questionamento judicial no STF. Cita-se como exemplo a ADI 4067, proposta pelo Partico Democrátas, atualmente sob a relatoria do Ministro Joaquim Barbosa e sem data para julgamento.

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A propósito, convenção coletiva de trabalho foi definida pelo

legislador como acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos

representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de

trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações

individuais de trabalho (CLT, art. 611).

As Federações e, na falta desta, as Confederações

representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar

convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas

vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de   suas representações

(CLT, 611, § 2º).

Os signatários da convenção coletiva são as entidades sindicais

profissional e patronal. Os sindicatos, contudo, podem negociar diretamente com

o empregador, já que a empresa, em sua essência, também é um ser coletivo, ao

contrário do trabalhador considerado individualmente. O resultado dessa

negociação direta é denominado acordo coletivo de trabalho, definido pelo

legislador nos seguintes termos:

CLTArt. 611, § 1º. É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

Estabelece a CLT que os sindicatos só poderão celebrar

Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembléia

Geral especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos

respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e

votação, em primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da

entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo, e,

em segunda, de 1/3 (um terço) dos mesmos (CLT, art. 612).

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Estabeleceu-se, ainda, como requisitos dos acordos e

convenções coletivas de trabalho, a definição de signatários, prazo de vigência,

categorias ou classes de trabalhadores abrangidas, disposições sobre o processo

de prorrogação e de revisão total ou parcial dos dispositivos,  direitos e deveres

dos empregados e empresas, normas para a conciliação das divergências

sugeridas e penalidades (CLT, art. 613).

A definição de critérios de aprovação, bem como do conteúdo dos

acordos e convenções coletivas de trabalho pelo legislador remete ao

questionamento da interferência indevida do Estado na atividade sindical em

afronto ao princípio da liberdade sindical. Mas não é só, além de tais requisitos, a

validade desses instrumentos normativos está condicionado ao depósito perante

o Ministério do Trabalho e Emprego (CLT, art. 614).

Para que acordos e convenções coletivas de trabalho produzam

efeitos no mundo jurídico, o depósito perante a autoridade competente é

necessário. Atualmente, esse procedimento ocorre de forma eletrônica, através

do do Sistema Mediador.

A Instruçao Normativa MTE n. 11/09 estabelece que o

requerimento de registro de convenções e acordos coletivos de trabalho e seus

respectivos termos aditivos deverão ser efetuados por meio do Sistema

MEDIADOR, disponível no endereço eletrônico do MTE na internet, por qualquer

das partes signatárias, observados os requisitos formais e de legitimidade

previstos na CLT (MTE, IN n. 11/09, art. 2º).

A respeito da autonomia da vontade coletiva, se o princípio da

hipossuficiência não se aplica às relações coletivas de trabalho, ao passo que se

considera o trabalhador, ser coletivo, equiparado ao empregador, qual o limite da

negociação coletiva? Até que ponto acordos e convenções coletivas de trabalho,

fontes materiais do Direito Individual do Trabalho, podem interferir nas regras do

contrato de trabalho?

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O Direito Coletivo do Trabalho, semelhantemente ao Direito

Individual do Trabalho, tem como valor fundamental a melhora das condições de

pactuação da força de trabalho na ordem sócio econômica. Deve garantir,

portanto, a manutenção de um patamar civilizatório mínimo aos trabalhadores

(DELGADO, 2002:1265).

Esse, portanto, é o limite da negociação coletiva do Trabalho. A

garantia de PATAMAR CIVILIZATÓRIO MÍNIMO. Em outras palavras a

negociação coletiva não podem precarizar a condição do trabalhador. Por

precarização entende-se a supressão de normas sociais elencadas na

Constituição Federal; nas declarações internacionais de direitos sociais; e nas

normas legais infraconstitucionais que assegurem patamares de cidadania ao

indivíduo, tais como normas de medicina e segurança no trabalho, piso salarial,

identificação profissional e destinadas ao combate de práticas discriminatórias

(DELGADO, 2002:1266/1267).

Quanto às formas de resolução dos conflitos, pode-se classifica-

las em autocomposição e eterocomposição. A autocomposição é materializada

através da atuação das próprias partes envolvidas no conflito. Efetiva-se mediante

a negociação coletiva que poderá resultar em acordo ou convenção coletiva de

trabalho.

O conflito entre trabalhadores e empregadores durante o

processo de autocomposição (negociação coletiva) poderá resultar na paralização

das atividades pelos trabalhadores. Trata-se do direito de greve, reconhecido pelo

Constituição Federal de 1988, artigo 8º, a ser definido como suspensão das

atividades pelos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho.

A heterocomposição resulta da incapacidade das partes

ajustarem o conflito e não opção por recorrer a um terceiro para que esse

apresente solução para a demanda. São formas de heterocomposição a

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mediação, a arbitragem e o dissídio coletivo. A heterocomposição também poderá

estar associada à decisão dos trabalhadores em suspender suas atividades. A

greve representa um colapso no processo de autocomposição entre as partes. O

recurso a um terceiro para intervir no feito acaba sendo a única alternativa.

Deve-se destacar que o direito de greve não pode ser tolhido de

forma indevida no âmbito da heterocomposição. Principalmente, a modalidade

Dissídio Coletivo de Greve, sob a condução do Poder Judiciário, requer grande

cautela dos autores envolvidos, inclusive do Ministério Público do Trabalho, sob o

risco de lesão a direito social indisponível.

Referências

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Paulo: LTr, 2007.

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São Paulo: LTr, 2006.

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MELO, Raimundo Simão. Ação coletiva de tutela do meio

ambiente. in Ação coletiva na visão de juízes e procuradores do trabalho. São

Paulo: LTr, 2006.

MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo.

25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.