Direito Fiscal - Apontamentos sobre o Princípio da Segurança Jurídica

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Direito Fiscal Princípio da Segurança Jurídica FDUCP Maria Luísa Lobo 2011/2012 Página 1 Manual Prof. Sérgio Vasques Princípio da Segurança Jurídica A Segurança Jurídica Constitui um valor com especial importância no domínio do direito tributário. Encontra-se ínsito no art. 2º da CRP, dirigindo-se a todas as áreas de intervenção legislativa e da pratica da administração, sendo evidente que no domínio tributário reveste uma importencia redobrada uma vez que os tributos representam um abalo coactivo do património. Ao planear a sua actividade e ao gerir o seu dia-a-dia, famílias e empresas precisam de poder confiar na lei tributária e nas orientações da administração, fundando nestas muitas decisões cujos efeitos económicos se prolongam no tempo. A Segurança Jurídica diz que tal tem de ser previsível: todas as escolhas económicas e fiscais vão depender da estabilidade das normas fiscais Retroactividade da Lei Fiscal art. 103º/3: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham eficácia retroactiva, consagrando-se deste modo obliquo como um direito de resistência, uma proibição de retroactividade que a LGT reitera de modo algo inconsequente no seu art. 12º/1 ao dispor que ‘’às normas tributarias aplicam-se as factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criadas quaisquer impostos retroactivos’’. Retroactividade Forte, autêntica ou própria (1ºgrau): no que respeita a impostos de obrigação periódica como o IRS ou o IRC, a lei nova entrada em vigor a meio do ano, pode projectar-se retroactivamente sujeitando a tributação acrescida os rendimentos do ano anterior, já plenamente formados. Ou seja, estamos perante uma lei nova que se aplica a uma situação jurídico tributaria em que todos os elementos já estão consolidados (três momentos na vida de um imposto: verificação do facto tributário, liquidação e cobrança do imposto). Exemplo: Tio rico que morre eu herdo a fortuna e gasto tudo em malas e sapatos o estado vem dizer que tenho de pagar 10% sobre a herança neste caso eu não tenho capacidade contributiva porque já não tenho capital a CRP vai dar uma protecção adicional estamos perante uma situação consolidada, em que todos os momentos da vida do imposto já se verificaram. Tribunal Constitucional e Prof. Casalta Nabais: quando estamos perante um caso de retroactividade forte encontramo-nos no âmbito do art. 103º/3 CRP, pelo que a retroactividade é sempre proibida, não sendo necessária nenhuma análise de ponderação. Prof. Sérgio Vasques: a proibição do art. 103º/3 abrange indistintamente a retroactividade forte ou fraca, própria ou impropria. A retroactividade forte surge tendencialmente mais gravosa para os contribuintes, na medida em que o facto tributário já se encontra plenamente formado, não lhes restando qualquer hipótese de compensar o sacrifício adicional que a lei lhes trás. A retroactividade fraca surge por comparação tendencialmente menos gravosa, pois estando o facto tributário ainda em formação, resta aos contribuintes ainda alguma margem para

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Manual – Prof. Sérgio Vasques

Princípio da Segurança Jurídica

A Segurança Jurídica Constitui um valor com especial importância no domínio do direito

tributário. Encontra-se ínsito no art. 2º da CRP, dirigindo-se a todas as áreas de

intervenção legislativa e da pratica da administração, sendo evidente que no domínio

tributário reveste uma importencia redobrada uma vez que os tributos representam um

abalo coactivo do património.

Ao planear a sua actividade e ao gerir o seu dia-a-dia, famílias e empresas precisam de

poder confiar na lei tributária e nas orientações da administração, fundando nestas muitas

decisões cujos efeitos económicos se prolongam no tempo. A Segurança Jurídica diz que tal

tem de ser previsível: todas as escolhas económicas e fiscais vão depender da estabilidade

das normas fiscais

Retroactividade da Lei Fiscal

art. 103º/3: ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham eficácia retroactiva,

consagrando-se deste modo obliquo como um direito de resistência, uma proibição de

retroactividade que a LGT reitera de modo algo inconsequente no seu art. 12º/1 ao dispor

que ‘’às normas tributarias aplicam-se as factos posteriores à sua entrada em vigor, não

podendo ser criadas quaisquer impostos retroactivos’’.

Retroactividade Forte, autêntica ou própria (1ºgrau): no que respeita a impostos de

obrigação periódica como o IRS ou o IRC, a lei nova entrada em vigor a meio do ano, pode

projectar-se retroactivamente sujeitando a tributação acrescida os rendimentos do ano

anterior, já plenamente formados. Ou seja, estamos perante uma lei nova que se aplica a

uma situação jurídico tributaria em que todos os elementos já estão consolidados (três

momentos na vida de um imposto: verificação do facto tributário, liquidação e cobrança do

imposto). Exemplo: Tio rico que morre eu herdo a fortuna e gasto tudo em malas e sapatos

– o estado vem dizer que tenho de pagar 10% sobre a herança – neste caso eu não tenho

capacidade contributiva porque já não tenho capital – a CRP vai dar uma protecção

adicional estamos perante uma situação consolidada, em que todos os momentos da

vida do imposto já se verificaram.

Tribunal Constitucional e Prof. Casalta Nabais: quando estamos perante um caso de

retroactividade forte encontramo-nos no âmbito do art. 103º/3 CRP, pelo que a

retroactividade é sempre proibida, não sendo necessária nenhuma análise de

ponderação.

Prof. Sérgio Vasques: a proibição do art. 103º/3 abrange indistintamente a

retroactividade forte ou fraca, própria ou impropria. A retroactividade forte surge

tendencialmente mais gravosa para os contribuintes, na medida em que o facto

tributário já se encontra plenamente formado, não lhes restando qualquer

hipótese de compensar o sacrifício adicional que a lei lhes trás. A retroactividade

fraca surge por comparação tendencialmente menos gravosa, pois estando o facto

tributário ainda em formação, resta aos contribuintes ainda alguma margem para

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compensar o sacrifício adicional que a lei inesperadamente lhes impõe. A leitura

do art. 103º/3 da CRP assenta de que a proibição da retroactividade, corolário que

é o do Princípio da Segurança Jurídica, não possui valor absoluto, como o não

possui principio constitucional algum, devendo articular-se por isso com outros

princípios e valores constitucionais, que no caso concreto podem manifestar-se

com maior intensidade. A proibição expressão do art. 103º/3 da CRP, serve

essencialmente para deixar claro que a retroactividade (forte ou fraca) esta por

principio vedada ao legislador fiscal que só poderá socorrer-se dela a título

excepcional. Em face do art. 103º/3 da CRP uma lei fiscal retroactiva afigurar-se-á

sempre, e à partida, inconstitucional, não sendo necessária qualquer ponderação

casuística para chegar a esta primeira conclusão. Contudo, a segurança jurídica

deve sacrificada a outros valores constitucionais que no caso concreto se mostrem

mais relevantes e que em circunstancias excepcionais se considere legitima a lei

fiscal retroactiva (ex: guerra, catástrofe natural, epidemia ou grave crise

financeira). A proibição constitucional da retroactividade não nos dispensa de olha

ao caso concreto e de levar a cabo uma ponderação de valores, havendo sempre

que perguntar-se se lesão que a lei retroactiva traz à segurança jurídica dos

contribuintes se mostra necessária, adequada e proporcionada à tutela dos demais

valores constitucionais em jogo mesma solução quanto à Retroactividade Fraca.

Retroactividade Fraca, Inautêntica ou Impropria: no que respeita a impostos de obrigação

periódica como o IRS ou o IRC, a lei nova entrada em vigor a meio do ano, pode projectar-

se retroactivamente sujeitando a tributação acrescida os rendimentos do ano em curso,

ainda em formação. Ou seja, uma norma aprovada ira alterar uma situação fiscal cujo facto

tributário já se verificou mas existem elementos relativos aquele imposto ainda não se

verificaram/produziram (liquidação e cobrança – momento de vida do imposto) o facto

tributário encontra-se verificado (incidência objectiva verificada na medida em que se o

sabe que se tem de pagar o imposto) mas entre o momento da liquidação e da cobrança há

um aumento da taxa.

Tribunal Constitucional: Casos em que uma medida deve ser censurada com base

no art. 2º - requisitos de ponderação:

É necessário que o estado (mormente o legislador) tenha encetado

comportamentos capazes de gerar nos privados expectativas de

continuidade

Tais expectativas devem ser legítimas e fundadas em boas razões

Devem os privados ter feitos planos de vida tendo em conta a perspectiva

de continuidade do ‘’comportamento’’ estadual

É necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem,

em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a

situação da expectativa.

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Prof. Sérgio Vasques: ver posição em relação à retroactividade Forte – é sempre

necessário fazer uma ponderação.

Retroactividade de 3º grau (Prof. João Gama é contra esta classificação defendendo nestes

casos a existência de uma retroactividade fraca): o facto tributário não é instantâneo – é

preciso o período de calculo (1ano). Por motivos de cálculo, o cálculo do imposto é

realizado no fim do ano. Exemplo: chegando ao início do ano e a taxa do imposto é 42% e

depois é 46.5% a minha expectativa desaparece Situação de subida das taxas ocorreu

no ano passado, sendo tal designada de retrospectividade

Tribunal Constitucional: ver requisitos de ponderação relativos à retroactividade

fraca.

Prof. Sérgio Vasques: um fenómeno diferente da retroactividade da lei fiscal

(produz-se quando a lei dispõe sobre factos tributários passados, seja aqueles que

se formaram já por completo, seja aqueles cuja formação se encontra ainda em

curso) é o da retrospectividade da lei fiscal – ocorre quando a lei nova, dispondo

embora quanto a factos futuros, lesa expectativas fundadas no passado. Embora o

problema subjacente as leis fiscais retroactivas é na substancia o mesmo que

subjaz as leis fiscais retrospectivas, ou seja um problema de tutela das expectativas

legitimas dos contribuintes o que sucede é que valendo a lei para o futuro, esse

problema coloca-se aqui com uma maior subtileza mostrando-se a lesão das

expectativas dos contribuintes à partida menos gravosa e merecedora de

protecção. O direito não pode tutelar uma qualquer expectativa dos contribuintes

no sentido de que as leis tributárias se mantenham inalteradas ao longo do tempo,

ainda que tutele a expectativa de que a alteração dessas leis apenas valham para o

futuro. O fenómeno da retrospectividade pode manifestar-se em circunstancias

diversas: criação ou agravamento de impostos ou eliminação de benefícios.

Sérgio Vasques: ao passo que a retroactividade, forte ou fraca, é por princípio proibida,

exigindo-se uma ponderação deste tipo para que possamos excepcionalmente admitir, a

retrospectividade é por princípio permitida, exigindo-se uma ponderação deste tipo para

que a consigamos excepcionalmente invalidar.

Proibição da retroactividade vale também quanto as leis que comportem

desagravamentos de impostos? A proibição da retroactividade tem como propósito

essencial proteger as expectativas legítimas dos contribuintes contra alterações de lei que

de modo inesperado venham agravar a sua carga fiscal, não se verificando uma verdadeira

lesão dessas expectativas em caso de desagravamento. O próprio art. 103º/3 da CRP

aponta com clareza neste sentido ao consagrar a proibição da retroactividade como um

direito de resistência contra o imposto retroactivo, que o contribuinte fica assim

dispensado de pagar.

Proibição da retroactividade vale apenas quanto às leis de imposto ou também às leis que

disciplinem taxas e contribuições? Embora a proibição constitucional tenha sido concebida

com os impostos em mente, uma vez que estes são a espécie tributaria que servem de

matriz à nossa Constituição Fiscal, a verdade é que à semelhança do que sucede com os

impostos, também as taxas e as modernas contribuições podem revestir natureza

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periódica ou de obrigação única e também quanto a umas e outras sucede o legislador ou a

administração lançarem sobre os contribuintes encargos com eficácia retroactiva.