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DIRETRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM RELATO E UMA REFLEXÃO SOBRE A VERSÃO PRELIMINAR NILO SILVA PEREIRA NETTO [email protected] O processo de atualização das Diretrizes Curriculares Municipais, anunciado em meados de dois mil e dez, foi por mim recebido com marcado entusiasmo. Meu primeiro período atuando como docente da área de Educação Física no município e o embate com a perspectiva posta nas diretrizes então vigente, levou-me a conclusão de que havia contribuições de cunho teórico-metodológico as quais eu não poderia deixar de realizar. E mesmo antes de aberto o processo de rediscussão do documento, durante as reuniões de formação continuada, sempre busquei levantar os problemas do texto ora corrente, assim como socializar os traços de minha experiência. Todavia, o que parecia ser o projeto inicial de atualização das diretrizes da Secretaria Municipal de Educação, não teve seu desfecho realizado de forma adequada, ocorrendo rupturas no decorrer do processo que impuseram hiatos, retomadas, novos prazos, aligeiramento das discussões, ou em uma palavra, houve a desqualificação do processo de construção coletiva. A adesão de algumas disciplinas aos Grupos de Trabalho foi pequena e em alguns casos ínfima. Sobre esse fato, poderíamos realizar uma reflexão nesse momento, mas para tal necessitaríamos de outros elementos de análise que não são objeto direto desse texto. A SMED tomou por princípio uma questão bastante importante que foi o envolvimento interdisciplinar nos Grupos, fato fundamentalmente enriquecedor dos debates, trazendo pedagogos, professoras das séries iniciais, educação infantil, licenciados na área, além de coordenadoras da própria secretaria. Entretanto, o truncamento sofrido pelo processo de construção acabou por inclusive cindir o Grupo por pelo menos duas vezes, comprometendo a continuidade das discussões e o aprofundamento necessário para o intento. Podemos dividir esse novo processo de discussão das diretrizes em dois momentos. No primeiro, houve a formação do Grupo de Trabalho com as características supracitadas com o objetivo de fundamentar as discussões em uma linha teórica comum e por isso, todos os grupos trabalharam a partir das mesmas contribuições acadêmicas. Particularmente, avaliei esse primeiro período positivamente, pois as

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DIRETRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO FÍSICA: UM RELATO E UMA REFLEXÃO

SOBRE A VERSÃO PRELIMINAR

NILO SILVA PEREIRA NETTO [email protected]

O processo de atualização das Diretrizes Curriculares Municipais, anunciado em

meados de dois mil e dez, foi por mim recebido com marcado entusiasmo. Meu primeiro

período atuando como docente da área de Educação Física no município e o embate com

a perspectiva posta nas diretrizes então vigente, levou-me a conclusão de que havia

contribuições de cunho teórico-metodológico as quais eu não poderia deixar de realizar. E

mesmo antes de aberto o processo de rediscussão do documento, durante as reuniões de

formação continuada, sempre busquei levantar os problemas do texto ora corrente, assim

como socializar os traços de minha experiência.

Todavia, o que parecia ser o projeto inicial de atualização das diretrizes da

Secretaria Municipal de Educação, não teve seu desfecho realizado de forma adequada,

ocorrendo rupturas no decorrer do processo que impuseram hiatos, retomadas, novos

prazos, aligeiramento das discussões, ou em uma palavra, houve a desqualificação do

processo de construção coletiva.

A adesão de algumas disciplinas aos Grupos de Trabalho foi pequena e em alguns

casos ínfima. Sobre esse fato, poderíamos realizar uma reflexão nesse momento, mas

para tal necessitaríamos de outros elementos de análise que não são objeto direto desse

texto.

A SMED tomou por princípio uma questão bastante importante que foi o

envolvimento interdisciplinar nos Grupos, fato fundamentalmente enriquecedor dos

debates, trazendo pedagogos, professoras das séries iniciais, educação infantil,

licenciados na área, além de coordenadoras da própria secretaria. Entretanto, o

truncamento sofrido pelo processo de construção acabou por inclusive cindir o Grupo por

pelo menos duas vezes, comprometendo a continuidade das discussões e o

aprofundamento necessário para o intento.

Podemos dividir esse novo processo de discussão das diretrizes em dois

momentos. No primeiro, houve a formação do Grupo de Trabalho – com as características

supracitadas – com o objetivo de fundamentar as discussões em uma linha teórica

comum e por isso, todos os grupos trabalharam a partir das mesmas contribuições

acadêmicas. Particularmente, avaliei esse primeiro período positivamente, pois as

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contribuições selecionadas demonstravam interesse importante em aprofundar os

fundamentos da pedagogia histórico-crítica. Venho apontando a necessidade de tal

aprofundamento desde minhas primeiras experiências e percepções no município, que a

meu ver adota formalmente essa concepção educacional, mas nas manifestações reais

da prática pedagógica e formativa, manifesta uma concepção difusa, híbrida, bastante

distinta dos pontos fulcrais dessa pedagogia.

Para esse momento, foram selecionados os textos sobre aprendizagem, ensino e o

papel do professor na perspectiva histórico-cultural, envolvendo a questão dos conceitos

e da formação das funções psicológicas superiores. Textos sobre a natureza e a

especificidade da educação. Textos sobre a discussão curricular no Brasil. Textos sobre

as categorias metodológicas como totalidade, mediação, concreticidade e outros temas1.

Todas essas contribuições do campo acadêmico levaram-nos no Grupo de Trabalho a

constatar as deficiências em relação aos fundamentos da pedagogia histórico-critica que

ainda se encontram resguardadas nos diversos âmbitos de nossa Rede Municipal, assim

como a perceber os possíveis reflexos desses fundamentos no contexto da Educação

Física.

Esse período teve fim com a produção de um relatório, síntese das leituras e

discussões realizadas no Grupo. Os trabalhos se encerraram próximos ao fim do ano

letivo, permanecendo como tarefa para o recesso a leitura dos textos remanescentes e a

busca por novas referências para aprofundamento dos debates. Esse relatório teve

produção efetivamente coletiva e encontra-se em aanneexxoo. Embora tivéssemos recorrido

por inúmeras vezes a questões próprias das Diretrizes Curriculares de Educação Física,

até esse ponto, não havíamos nos detido especificamente a elas. A avaliação prévia

desse agrupamento de profissionais era positiva, tanto em relação ao acúmulo do

período, quanto em relação às possibilidades futuras.

O retorno dos trabalhos do Grupo foi precedido por um longo e silencioso hiato por

parte da Secretaria e quando ocorrido, o coletivo inicial de trabalho já havia sido desfeito

por uma série de razões. O novo calendário proposto pela mantenedora era visivelmente

insuficiente para o tamanho da tarefa. As demandas de produção escrita do documento

passaram a pesar sobre as leituras, debates e reflexões, sobrepondo-as. O curto espaço

1 São as referências: KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 7ª edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2008. FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004. LOPES, Alice Casimiro e MACEDO, Elizabeth. O pensamento curricular no Brasil. In: Lopes, Alice Casimiro e Macedo, Elizabeth. (org) Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002, p. 13-54.

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de tempo e a magnitude da demanda intensificaram os trabalhos dessa nova

conformação do Grupo, necessitando que algumas produções fossem realizadas fora dos

horários dos encontros, além da deliberação interna pela realização de uma reunião extra

– fora do calendário proposto pela SMED.

No inicio desse novo período, houve a apresentação do relatório-síntese do

acúmulo produzido no ano anterior. Lembro-me de ter reafirmado a importância de não

perdermos o caminho percorrido no momento passado, retornando a estaca zero em

decorrência de termos um novo grupo. Todavia, o dialogo entre o primeiro momento e o

segundo se fez impossível, o que ficará ilustrado ulteriormente.

Os debates iniciais nessa nova formação foram travados marcadamente em

relação ao objeto de estudo da área. O debate sobre o objeto de estudo da Educação

Física não é novo, tampouco localizado, pelo contrário, é histórico e global. É, sobretudo

uma discussão de fundo, que apresenta sintetizada no objeto de reflexão pedagógica toda

uma construção teórico-metodológica.

No contexto da Educação Física, a celeuma instaurada no município se deu em

relação à contraposição entre os objetos de estudo corporalidade e cultura corporal. Dois

objetos distintos, mas que encerram discussões críticas que ora se aproximam, ora de

distanciam.

Por solicitação do coletivo, encaminhei uma síntese de minhas reflexões sobre o

referido embate, sublinhando os argumentos que vinha levantando nas reuniões

anteriores. Essa síntese textual serviu então como elemento base para as discussões

coletivas. O grupo alterou a versão inicial, suprimindo pontos, inserindo outros, o que

refletiu numa versão posterior final – mas, sempre provisória – efetivamente construída e

aprovada coletivamente, mas que enfrentaria ainda o crivo da coordenação pedagógica

geral dos trabalhos na SMED.

Nessa primeira contribuição, abordei os seguintes temas: histórico da disciplina,

avaliação da atual diretriz do município e reorientação do objeto de estudo da disciplina. A

referida contribuição também se encontra em aanneexxoo, todavia cabe retomar algumas

questões ali abordadas.

O histórico da disciplina foi traçado a partir da diretriz curricular vigente e

complementado com outras contribuições às nossas reflexões, localizando o documento

em uma perspectiva crítica e manifestando o interesse de permanência do debate

pedagógico no município no campo progressista.

A avaliação da atual diretriz passou por uma análise do documento, mediado pela

prática pedagógica do professorado da rede – a partir de nossas observações cotidianas,

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dos relatos obtidos nos momentos de formação continuada da SMED e a partir de

instrumento qualitativo e descritivo próprio2, elaborado para esse fim – assim como por

produções adjacentes.

Em linhas gerais, em dois mil e quatro, tínhamos um documento que se propunha a

superar uma suposta perspectiva conteudista e motriz – pautada na concepção crítico-

superadora ou da cultura corporal – que orientava o Plano Curricular do Município (1993),

mas que de fato trazia um texto pouco explícito em suas categorias substanciais.

O texto de dois mil e quatro, reiteradamente causou confusão entre os docentes no

momento de sua implementação – embora tenha sido supostamente construído

coletivamente – e em sua versão completa, não deu conta de superar seu problema

inicial, trazendo uma proposta metodológica em última instância conteudista e motriz,

entretanto muito menos clarificada em seus objetivos e fundamentos.

Da mesma forma, o documento não apresentou sua própria trajetória de

construção, que embora tenha sido esclarecida no texto geral da diretriz, possuiu detalhes

referentes à área que precisariam ser trazidos à tona. Outro ponto apontado na análise foi

a relação – ou mais precisamente a falta dela – da perspectiva orientadora da

metodologia de ensino da Educação Física com a Pedagogia Histórico-Crítica, concepção

organizadora da educação do município. Relação de proximidade que defendíamos no

interior do grupo.

No documento que aprovamos coletivamente no Grupo de Trabalho, havia a

propositura de alteração do objeto de estudo da área, da corporalidade à cultura corporal.

Ora afirmamos que retorno ao referido objeto de estudo não significaria nem por um

instante um retrocesso, e sim o seu contrário, avançar-se-ia no sentido da discussão

sobre um objeto de estudo consolidado criticamente na área, consoante por sua vez com

a pedagogia histórico-crítica, concepção que apresenta elementos teórico-metodológicos

importantes e que deveriam ser paralelamente estudados e incorporados à

especificidade da Educação Física.

Alguns exemplos desses elementos podem ser citados aqui: 1) A reflexão da

escola enquanto mediadora da esfera cotidiana e não-cotidiana, perspectiva oposta à

discussão estacionária sob a questão da cultura escolar (DUARTE, 2001); 2) A reflexão

sobre a formação das Funções Psicológicas Superiores, notadamente na sua formulação

de aprendizagem por conceitos (FACCI, 2004); 3) A reflexão sobre a natureza e

2 O referido instrumento se trata de uma descrição avaliativa realizada pelos professores presentes no

período da tarde no encontro de formação em Educação Física promovido pela SMED. A avaliação teve

como foco a questão do objeto de estudo da área e os encaminhamentos metodológicos.

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especificidade da educação e sua relação com a cultura corporal (SAVIANI, 2003). Esses

temas estavam em pauta no primeiro período de discussão nos grupos, mas por tudo aqui

relatado, não alcançaram incorporação efetiva, ficando no texto coletivo, apenas

apontados como possibilidades.

Nesse período surge como demanda posta pela coordenação dos trabalhos a

construção de um “Quadro de conteúdos” a ser gerado com base nas discussões e

anexado ao final de cada um dos textos. No interior do grupo, expus a fragilidade dessa

forma de encaminhamento, que recorrentemente substitui uma leitura mais apurada,

aprofundada e debatida, pela aplicação de um receituário que se torna paupérrimo na

medida em que permite o não-diálogo com a base epistemológica que o pariu.

A proposta do quadro de conteúdos surge aparentemente influenciada pelo

departamento de história, trazendo na sua construção um diálogo entre as supostas

categorias científicas de cada área, e as supostas categorias da prática social. Aqui

necessitaremos de um debate mais aprofundado que retomaremos e outro momento

oportuno. Todavia, cabe registrar que a dicotomização entre ciência e prática social nos

parece equivocada, especialmente se descolada de um encaminhamento metódico de

totalidade, calcado no desenvolvimento espiral do conhecimento expresso nos passos

metodológicos descritos na pedagogia histórico-crítica3. Ainda cabe lembrar, que as

categorias efetivamente significativas para essa pedagogia, são fundamentadas pelas

bases do método materialista dialético e da psicologia histórico-cultural.

Durante o período em que nos dedicamos à construção coletiva de alguns –

poucos – quadros da listagem que variava da Educação Infantil à Educação de Jovens e

Adultos, a primeira versão do texto passava pelo crivo da coordenação dos trabalhos da

SMED. Em linhas gerais, a produção coletiva passou pela berlinda das especialistas da

secretaria e sofreu uma coleção de críticas. A título de ilustração, ficou apontada no texto

preliminar aprovado pelo coletivo, sua falta de linearidade na apresentação do devir

histórico da disciplina. Também pudera, num texto que se pretendia partir do método

dialético.

Desse entrave, o texto passou por uma reelaboração não coletiva e seu resultado

foi flagelante. Pouco se manteve da estrutura preliminar tratando o ponto da historiografia

de forma alinhadamente mecânica. Suprimiu-se parte fundamental, que relatava o

processo de discussão e alteração do objeto de estudo da área. Inseriu-se uma descrição

acerca dos conteúdos clássicos da disciplina que pouco aponta para as possíveis formas

3 Prática social, problematização, instrumentalização, catarse, nova prática social.

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de abordagem a perspectiva adotada. As supostas categorias da prática social, indicadas

pelo quadro de conteúdos apareceram sem a devida reflexão e explicitação conceitual.

Inseriu-se, notadamente no trecho sobre a Educação de Jovens e Adultos, uma discussão

relacionada à abordagem teórica da atividade física & saúde, concepção diametralmente

antagônica à perspectiva histórico-crítica4. Entre outros aprofudamentos, deixou-se de

discutir no texto questões fundamentais como a educação étnicorracial e a rica

contribuição da Educação Física nesse processo, por mais que tenham sido

insistentemente reivindicadas nos trabalhos do grupo.

Na discussão coletiva, embora enriquecedora, democrática e estimulante,

apresentaram-se dificuldades de superação das proposições motrizes no plano da

intervenção escolar. A organização dos trabalhos e o exíguo tempo de efetivo trabalho

reservado ao grupo de trabalho impossibilitaram o aprofundamento teórico, assim como a

readequação do documento de forma não coletiva sobrecarregou o texto de fragilidades,

destituindo a legitimidade das reflexões em grupo.

Desse processo, podemos concluir sempre provisoriamente que, exceto pela

alteração do objeto de estudo da área, há avanços muito singelos no texto atual. O

documento apresenta hibridismo teórico, confusão conceitual e não indica concretamente

um encaminhamento metodológico consonante com a pedagogia histórico-crítica, não

superando por completo as problemáticas presentes no documento anterior.

NNiilloo SSiillvvaa PPeerreeiirraa NNeettttoo é licenciado em Educação Física,

especialista em Educação Física Escolar e mestre em Tecnologia. É coordenador geral adjunto do Sindicato dos Servidores do

Magistério de Araucária (SISMMAR). Docente da Escola Balbina Pereira de Souza em Araucária (PR).

efisicacritica.blogspot.com.br

4 A proposição de promoção da saúde e qualidade de vida por meio da Educação Física adentra ao

processo de ensino dessa disciplina pela incorporação de seu devir histórico, entretanto, na

contemporaneidade toma novos contornos incorporando elementos do senso comum e de novas sugestões

de abordagens para a Educação Física escolar, a exemplo da perspectiva da Saúde Renovada,

desenvolvida pelo professor Nahas. O limite da referida abordagem esta principalmente na consideração

marcadamente biológica do ser e na culpabilização da vítima – suposto sedentário. Nessa concepção não

se toma o ser humano na consideração da totalidade que compõe sua materialidade corpórea.

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ANEXO 1

SISTEMATIZAÇÃO DO GT DE EDUCAÇÃO FÍSICA5

É necessário pensar a formação do professor como um processo que

promova a sua própria humanização para além do senso comum e que, na

qualidade de membro atuante na sociedade, possa colaborar com a

transformação social, a qual tem como pressuposto a formação da sua

própria consciência (FACCI, 2004, p. 250).

Os estudos para a atualização das Diretrizes Curriculares Municipais de

Araucária, na disciplina de Educação Física iniciaram no dia 26 de agosto de 2010, nos

períodos da manhã e da tarde. Reuniram-se os profissionais das séries iniciais, finais,

EJA e pedagogos para realização de estudos com reflexões sobre o texto de Marilda

Facci: “O trabalho do professor na perspectiva da Psicologia Vigotskiana” (2004). Dando

sequência, estudou-se, no dia 30/09/2010, o texto “A história do currículo no Brasil” (2002)

de Alice Casemiro Lopes e Elizabeth de Macedo. No último encontro do ano, dia

04/11/2010, iniciaram-se as reflexões sobre os elementos do texto “A natureza e

especificidade da Educação” (2003), de Demerval Saviani. Nesse encontro também, os

profissionais realizaram a sistematização das discussões realizadas durante os três

encontros.

O primeiro texto estudado, “O trabalho do professor na perspectiva da Psicologia

Vigotskiana”, a autora primeiramente estabelece uma reflexão situando a psicologia

vigotskiana, logo após aborda sobre a formação das funções psicológicas superiores

(FPS) enquanto produção da humanidade no individuo e a produção da escola. No

próximo momento situa que para o desenvolvimento dessas funções é necessário a

apropriação da cultura material e intelectual. Essas formas superiores de comportamento

consciente se encontram nas relações sociais do indivíduo com o mundo exterior. O

desenvolvimento das FPS é o processo de conscientização do ser humano e sem o

pensamento por conceitos isso não é possível se não for por meio da mediação do adulto

com a criança (p. 211). Essa mediação tende a provocar gradualmente a atividade

psicológica da criança.

5 Sistematização realizada e aprovada coletivamente no encontro do Grupo de Trabalho para atualização

das Diretrizes Curriculares Municipais em 04/11/2010. Esse documento sintetiza a leitura e a discussão dos

textos propostos pela SMED no primeiro período da realização desse Grupo de Trabalho.

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Os conceitos envolvem um sistema de relação e generalizações contido nas palavras e determinado por um processo histórico. O contexto cultural no qual o indivíduo se desenvolve vai fornece-lhe os significados das palavras do grupo em que está inserido. Todo o conceito é uma generalização (FACCI, 2004, p. 212).

O pensamento por conceitos está relacionado a consciência social, objeto da

educação básica. Para a formulação dos conceitos a autora indica que há uma evolução

nesse processo no qual se identificam os seguintes estágios: agrupamentos sincréticos,

formação de complexos e finalmente os conceitos. O grupo destaca a importância de

aprofundar o estudo sobre a formulação dos conceitos para um maior

entendimento da pedagogia histórico-crítica.

O terceiro momento do texto a autora fala sobre a escola e o trabalho do

professor que se caracteriza por ser um processo intencional e sistematizado de

transmissão de conhecimentos para que o aluno vá além dos conhecimentos cotidianos

apropriando-se dos conhecimentos científicos.

Cabe ao professor partir da prática social buscando alterar qualitativamente a prática de seus alunos, como agentes de transformação social. O conhecimento, os conteúdos clássicos serão a ferramenta para passar o conhecimento cotidiano ao conhecimento científico. A psicologia histórico-cultural, quando se preocupa com a formação das FPS, tem na apropriação do conhecimento científico, do saber sistematizado, por parte dos homens, seu alvo principal (FACCI, 2004, p.232).

Marilda Facci destaca o professor, o aluno e a escola na mesma perspectiva que

Saviani valoriza o saber elaborado como objeto da escola e de aprendizagem do aluno: “A

escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber sistematizado”

(SAVIANI, 2008, p.14).

Durante os estudos realizados, levantou-se a reflexão sobre o conhecimento

prévio do aluno (FACCI, 2004). A principal preocupação dos profissionais envolvidos no

GT é que o processo de ensino e de aprendizagem não fique no senso comum e sim

parta do conhecimento prévio (espontâneo, popular) tendo em vista a apropriação do

conhecimento sistematizado. “A escola diz respeito ao conhecimento elaborado e não ao

conhecimento espontâneo; ao saber sistematizado e não ao saber fragmentado; a cultura

erudita e não a cultura popular” (SAVIANI, 2008, p.14).

Percebe-se que a concepção histórico-crítica ainda não foi incorporada

totalmente no espaço escolar, pois ainda há dificuldade em se conhecer e aprofundar os

estudos acerca dessa perspectiva teórica, além do problema em se trabalhar com a

variedade cultural, social e histórica nesse contexto.

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Nessa perspectiva, fundamentada na teoria vigotskiana, podemos fazer uma

análise de que forma trabalhamos com nossos alunos. O grupo destaca que ao se

trabalhar na concepção histórico-crítica, o trabalho planejado e intencional do professor

na transmissão do conhecimento objetiva a apropriação do conhecimento. Para que isso

ocorra, a intervenção do professor; (FACCI, 2204, p.211) é fundamental. Essa mediação é

fundamental para a formação dos conceitos.

Para a formação dos conceitos é necessário que o professor realize a mediação

entre o conhecimento e o aluno, desenvolvendo métodos que conduzam ao

desenvolvimento das potencialidades mentais.

Uma das principais intervenções do professor é a sistematização mediada, onde

o aluno avança no seu aprendizado, que deve ser realizada a partir da educação infantil,

a fim de levar ao conhecimento real, pois “o professor deve encaminhar o ensino de

maneira que force o aluno ao desenvolvimento máximo de suas capacidades” (FACCI,

2004, p.243).

Tendo o professor esse papel de investir na zona de desenvolvimento proximal

(FACCI, 2004, p.242), uma das maiores dificuldades encontradas é que os alunos

relacionem a teoria e prática. Marilda Facci (2004) estabelece elementos para essa

reflexão ao apresentar que para a criança pequena pensar é recordar, enquanto para o

adolescente recordar é pensar. Desta forma, o grupo destacou a necessidade dos

planejamentos e que esses sejam contextualizados de acordo com a realidade das

turmas.

A partir dessas reflexões, o grupo trouxe os seguintes questionamentos:

Como as RMD's podem trabalhar para a formação de conceitos?

Quais são as relações das demais disciplinas com a Educação Física?

Como o aluno irá aprender sem acontecer a sistematização?

A importância de um profissional especializado para as séries iniciais.

O retorno da Educação Física na EJA.

O segundo texto estudado, “História do Currículo no Brasil”, traz contribuições para se

pensar na concepção de currículo ao trazer as reflexões sobre a perspectiva do pós-

estruturalismo, o currículo e conhecimento em Rede e a história do currículo e a constituição do

conhecimento escolar.

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O texto de Lopes e Macedo discute os caminhos da teoria curricular no Brasil tendo como

objeto de reflexão a produção acadêmica do grupo de trabalho em currículo da ANPED. Para as

autoras, situadas na perspectiva teórica de Pierre Bourdieu, o conceito de campo enquanto

espaço de embate de atores ou instituições é fundamental, pois analisam o campo intelectual da

pesquisa em currículo como espaço de relações de poder e disputa de capital cultural e social. A

discussão apresentada pelas autoras é interessante, pois consegue definir as linhas teóricas

emergentes na produção do conhecimento de forma satisfatória, mas se fragiliza quando não

apresenta conexões com a escola e a realidade escolar propriamente dita, ou seja, como as

teorias do currículo se articulam com os projetos educacionais concretos.

Vimos que as três teorias do currículo que são centralmente abordadas pelas autoras

destoam da perspectiva adotada pelo município, por isso a necessidade de resgatar as idéias de

Saviani – já citadas anteriormente – da concepção de currículo como conjunto das atividades

nucleares realizadas pela escola.

Uma idéia importante trazida pelas autoras é que a marca das produções acadêmicas em

currículo a partir dos anos noventa é o hibridismo. Essa característica, segundo as mesmas vem

conferindo vigor ao campo, assim como traz a dificuldade em definir o que vem a ser currículo.

Concordamos que ao abordar um campo de pesquisa composto por intelectuais o hibridismo pode

vir a conferir vigor ao mesmo, pois permite a contraposição de estatutos teóricos e faz avançar o

conhecimento científico da área. Entretanto, discordamos que o hibridismo no currículo para a

escola básica possa conferir o mesmo vigor. Ao contrário, causando confusão no professorado e

dificuldade na sua implementação na realidade escolar.

Para abordar a teoria pós-estruturalista, as autoras se valem das produções de Tomaz

Tadeu da Silva, importante teórico do currículo. Nessa teoria, existem três rupturas básicas com

as teorias anteriores embasadas no marxismo. A primeira diz respeito ao suposto limite das

teorias marxistas ao campo da economia, que seria rompido pelo debate de outras questões como

gênero, etnia e sexualidade. Há uma contestação do estatuto da razão e da ciência. Outra ruptura

seria a ausência da visão de futuro, ou seja, educar para a emancipação, libertação ou para

cidadania crítica e transformadora seria uma metanarrativa negada pela perspectiva pós-

estruturalista. A terceira ruptura seria em relação a ideologia no conceito marxista. Para a teoria

pós-estruturalista, é a linguagem que constitui a realidade, e essa adquire diversos significados,

não sendo mais possível identificar quais são falsos e quais são verdadeiros. Nesse momento,

questionamos que se a realidade é mesmo constituída pela linguagem, para mudá-la, bastaria que

editássemos um novo dicionário? Essa teoria se coloca em contraposição direta à perspectiva do

município e até então defendida no grupo de trabalho. Seu relativismo fortemente marcado

esvaziaria a escola de conteúdo científico, sem discutir as necessidades da população atendida.

Esvazia o papel do professor como ferramenta central na apropriação dos conhecimentos pelos

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alunos. E alem disso, ao abordar micro-temáticas em detrimento dos conteúdos clássicos, acaba

negando ao alunado a apropriação dos conhecimentos científicos historicamente acumulados.

A perspectiva do currículo em rede é abordada pelas autoras por meio dos estudos da

produção carioca notadamente das professoras Nilda Alves e Regina Garcia. A base teórica

dessa perspectiva é muito próxima dos pós-estruturalistas, utilizando-se de autores como Morin,

Deleuze, Boaventura de Souza Santos e Guattari. Essa perspectiva trouxe para a centralidade a

discussão da categoria cotidiano. Nessa visão, os conhecimentos são tecidos em redes que

correspondem a contextos cotidianos variados. Assim, os conhecimentos tradicionais passariam a

ceder espaço para outros saberes relacionados à ação cotidiana. Também há o questionamento

da razão e do espaço da ciência. Há o questionamento das fronteiras entre o conhecimento

cientifico e o cotidiano, onde se eliminam as fronteiras entre a ciência e o senso comum. Essa

perspectiva também foi indicada como contraposta à concepção histórico-crítica. Sua abordagem

é cotidianista, espontaneísta, não procura superar o plano do senso comum. Adotar uma

abordagem como essa na escola, eliminaria toda tentativa de avanço sobre as práticas de senso

comum ao conhecimento cientifico ou à consciência social crítica, estacionando o ensino em cima

daquilo que esta posto num cotidiano que sequer é analisado pelas teóricas citadas. Nessas duas

ultimas perspectivas apresentadas, não há intencionalidade no ato educativo.

Na abordagem da história do currículo e a constituição do conhecimento escolar, os

autores de base são os da Nova Sociologia Inglesa, com Michael Apple e Henry Giroux. Nessa

abordagem, segundo Lopes e Macedo, haveria uma crise da concepção de currículo como texto

político. Questionamos se o currículo passaria a ser então neutro ou apolítico? Há a introdução do

multiculturalismo e do conceito de hibridismo de forma mais notável. Nessa perspectiva,

diferentemente das duas anteriores apresentadas por Lopes e Macedo, não se esvazia o papel do

professor, mas o coloca na perspectiva de um intelectual cosmopolita e crítico, pesquisador, que é

capaz de conhecer diferentes produções para construir soluções alternativas aos modelos

vigentes. Essa perspectiva faz critica aos modelos curriculares prescritivos, mas também

desenvolve proposições para o caso da formação de professores. Há nessa concepção a idéia de

que a escola é uma instituição dotada de autonomia relativa.

As autoras encerram o texto afirmando novamente o hibridismo como marca fundamental

da produção intelectual sobre o currículo. Também apresentam que nesse campo há uma

diversidade de tendências pedagógicas. Aqui identificamos que nessa diversidade, faltou das

autoras abordar a continuidade e desenvolvimento da discussão curricular na perspectiva

histórico-crítica, que permaneceu ocorrendo, assim como orientando muitas propostas curriculares

da educação básica brasileira. Lopes e Macedo citam certa desterritorialização nas abordagens

de currículo. Com isso querem dizer que não estamos nesse campo de produção acadêmica

apenas traduzindo autores estadunidenses. Entretanto, no texto das autoras, as bases teóricas

que orientam as perspectivas apresentadas, transitam basicamente entre dois territórios, os EUA

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e a Europa, ou dito de outra forma, os países centrais, o que parece não se tratar exatamente de

uma desterritorialização. Segundo as autoras, a entrada de diferentes referências na discussão

acadêmica sobre currículo traz a construção de novas preocupações. De forma geral

questionamos a partir do texto: se parte dessas novas proposições, indicam o fim da

intencionalidade educativa, o questionamento da ciência, a hipertrofia do conhecimento cotidiano,

o fim das reflexões de conjunto, o fim da precisão ou objetividade curricular, seria então, o fim do

objeto da educação? Seria o fim da aprendizagem? Seria o fim da escola?

Outra crítica levantada ao texto é a falta de abordagem da escola enquanto campo. O texto

tomou como campo, a pesquisa, a produção teórica, o que deixou a escola e o currículo escolar

no segundo plano.

Na discussão desse texto, o grupo levantou algumas questões sobre a atual diretriz

curricular da Educação Física. Um ponto central é o fato de o atual documento ser

demasiadamente aberto, onde distintas formas de trabalho podem ser encaixadas no interior da

perspectiva do documento. Essas formas de trabalho poderiam estar inclusive próximas do senso

comum. Questionou-se o fato de que as teorias que fundamentam a proposta da educação física

estão localizadas em abordagens contrapostas à perspectiva histórico-crítica, o que além de

causar confusão no leitor mais desavisado, ao privilegiar outras temáticas, em detrimento dos

conteúdos clássicos, estaria negando conhecimentos historicamente acumulados no campo da

educação física, como o exemplo da capoeira, que seriam fundamentais ao alunado.

Foi pontuado também a necessidade da atualização de conhecimentos e da função do

professor no ato de ensinar e da apropriação da concepção da Rede para a realização de um bom

trabalho.

Ao rever o histórico das DCM's da Rede e no que diz respeito a Educação Física, o grupo

aponta a necessidade e preocupação em atualizar todo esse processo.

Foi apontado falhas na formação inicial acadêmica, devido a falta de teoria e enfoque.

Deve-se cuidar com a diferença entre informação e conhecimento, para construir um currículo

com questões embasadas precisa-se saber sobre as especificidades do objeto de estudo, pois

currículo é espaço de relações de poder.

No último encontro, além da sistematização acima, foram elencadas as seguintes

sugestões para 2011:

Retomar os textos estudados para a elaboração das DCM's 2004;

Estudar as DCM's de Uberlândia;

Estudar as DCM’s de Fazenda Rio Grande;

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Estudar as DCE’s do Estado do Paraná e outras;

Enviar informes aos professores nas escolas, da importância da participação no

grupo e que para o processo de atualização se legitime e que se ressalte esse

espaço como fundamental na formação continuada dos profissionais da educação.

Estudar o segundo capítulo da tese de doutorado de Hajime Takeuchi Nozaki,

chamado “Crise do capital e crise de identidade da educação física: mediações no

mundo do trabalho”, mas isso depois de termos lido o texto do Karel Kosik sobre a

totalidade.

Estudar o texto “Educação Física escolar: a difícil e incontornável relação teoria e

prática” de Fensterseifer e González e também o texto “Teoria e prática na

educação física escolar: um diálogo crítico com a produção recente” no qual

professor Nilo realiza crítica aos autores do primeiro texto.

Estudar textos sobre o corpo na escola.

Trabalho coletivo.

Valorização do grupo.

Relato digitalizado dos encontros para socialização com o grande grupo da rede.

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ANEXO 2

GRUPO DE TRABALHO DE DIRETRIZES CURRICULARES MUNICIPAIS DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

INTRODUÇÃO

Esse texto é uma primeira versão sintética elaborada a partir das discussões

realizadas no Grupo de Trabalho de Diretrizes Curriculares Municipais. Cumpre o papel

de realizar uma sistematização provisória dos encaminhamentos teórico-metodológicos

realizados no grupo, notadamente sobre os assuntos: histórico da disciplina, avaliação da

atual diretriz do município e reorientação do objeto de estudo da disciplina6.

HISTÓRICO DA DISCIPLINA

Localizar historicamente a disciplina de Educação Física no currículo escolar é

tarefa fundamental e amplamente realizada na literatura educacional. Nesse momento,

explicitamos brevemente sua decorrência no interior da escola por considerar importante

resgatar os debates sobre o assunto, especialmente considerando que as manifestações

pretéritas dessa disciplina ainda podem ser encontradas na atualidade prática de parte do

professorado, assim como da comunidade escolar em geral.

A Educação Física foi historicamente marcada pelo conhecimento eminentemente

biológico e introduzida na escola basicamente a partir de influências militares. Pode-se

afirmar que essa disciplina vem se manifestando no decorrer dos anos hegemonicamente

assentada sobre uma concepção de aptidão física (DCM, 2004).

A partir dos anos quarenta, a Educação Física incorporou o esporte como seu

conteúdo privilegiado, dando ênfase a uma perspectiva de ensino muito próxima do

treinamento esportivo sem, entretanto, romper com o paradigma biológico da aptidão

física (DCM, 2004). Desde então, o esporte ganha força e enraíza-se, afirmando-se como

6 Por solicitação do grupo, uma primeira contribuição foi produzida pelo professor Nilo Silva Pereira Netto,

da Escola Municipal Professora Balbina Pereira de Souza. Essa primeira contribuição foi alterada pelas

discussões do grupo, aprovada coletivamente e enviada à coordenação dos trabalhos da SMED,

encontrando-se nesse anexo.

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elemento predominante da cultura corporal, subordinando o espaço da disciplina no

âmbito escolar aos códigos7 da instituição esportiva (COLETIVO DE AUTORES, 1992)8.

Os anos oitenta representaram um momento crucial para toda a educação

brasileira. Visualizou-se nesse período a emergência de teorias e ideários até então

atirados à clandestinidade pelo regime ditatorial estabelecido no país. O âmbito da

Educação Física não esteve imune dos debates engendrados nesse período e estes

ecoam hodiernamente nos mais variados espaços desse campo (PEREIRA NETTO,

2010).

Surge nesse escopo toda uma sorte de novas proposituras a educação escolar e a

Educação Física passa a dedicar sua reflexão ao conteste do estatuto educacional

estabelecido sob a influência militar e higienista. Desse movimento, sob diferentes bases

epistemológicas, surgem propostas pedagógicas, indicações de metodologias, e novos

encaminhamentos curriculares que buscaram alterar9 o objetivo da Educação Física na

escola10 (PEREIRA NETTO, 2010).

Neste devir, debates e embates no campo acadêmico e escolar se acirraram,

impactando sobre a prática pedagógica de maneira mais ou menos intensa. Nessa última,

mesmo vinte e tantos anos depois do início desses debates, ainda se fazem presentes

7 Esses códigos podem ser identificados como: princípios de rendimento atlético/desportivo, competição,

comparação de rendimento e recordes, regulamentação rígida, sucesso no esporte como sinônimo de

vitória e racionalização dos meios e técnicas esportivas (COLETIVO DE AUTORES, 1992). Os referidos

conceitos são tomados como centrais para a Educação Física, a relação entre professorado e alunado se

altera para uma relação entre treinador e atleta e as competições escolares ou interescolas ganham

destaque. Essa pedagogia do esporte vem embasada em princípios como a racionalidade, a eficiência e a

produtividade. Esses são advogados no âmbito da pedagogia tecnicista – difundida no Brasil nos anos

setenta – que pressupunha uma concepção de neutralidade científica, propriamente positivista, muito em

voga nos tempos da ditadura militar. Foi nesse período histórico que visualizamos, por exemplo, a divisão

de turmas para a Educação Física segundo os sexos, contando inclusive com respaldo legal (COLETIVO

DE AUTORES, 1992). Assim, uma dimensão excludente passa a representar a disciplina e mais tarde, seu

estatuto pedagógico passaria a ser contestado.

8 Obra elaborada por um coletivo de autores e autoras da Educação Física que comumente tem sido citada

e aludida nessa forma. Carmen Lucia Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani

Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht estruturam esse coletivo. A obra é a referência mais

importante para o campo da Pedagogia Crítico-Superadora em Educação Física.

9 Alguns exemplos de teorias surgidas no bojo desse movimento: 1) Teoria da Psicomotricidade (LE

BOULCH, 1988), 2) Teoria desenvolvimentista (TANI, 1988), 3) Teoria Construtivista (FREIRE, 1989), 4) Metodologia Crítico-Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992), 5) Teoria Crítico-Emancipatória (KUNZ, 1991 e 1994).

10 Para uma precisa e aprofundada leitura acerca dos debates e proposituras dessa área ver Nozaki (2004).

Notadamente o trecho nomeado “Educação física e fragmentação da discussão sobre fragmentação epistemológica”.

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manifestações das raízes desta disciplina, assim como de seu momento mais robusto, o

esportivista11 (PEREIRA NETTO, 2010).

Das novas proposituras para a Educação Física escolar, interessam-nos aquelas

que se encontram no bojo das perspectivas críticas e que identificam na disciplina um

pilar educacional importante na constituição da escolarização para emancipação das

classes populares.

Nesse contexto, uma perspectiva fundamental dessa disciplina, movimenta-se ao

encontro dos interesses populares manifestados historicamente, através de determinada

metodologia de ensino da Educação Física, qual seja a Metodologia Crítico-Superadora.

Propondo forte crítica social, a Metodologia Crítico-Superadora visa à formação de

sujeitos críticos, autônomos, conscientes de sua condição histórica e que se

compreendam enquanto interventores na construção de sua própria realidade. Essa

perspectiva da Educação Física aborda como objeto de trato da reflexão pedagógica12 o

conhecimento de uma área denominada Cultura Corporal.

A referida concepção vem orientando documentos de direcionamento da prática

pedagógica em Educação Física em diversos municípios e estados da união, a exemplo

do Estado do Paraná, assim como fundamentando a produção de materiais didáticos para

a disciplina13.

11

De forma geral, as abordagens que se colocaram num campo educacional mais progressista erigiram críticas contundentes ao modelo esportivista, levantando como contraproposta não apenas a diversificação de conteúdos, mas uma mudança de grande magnitude na abordagem dos conteúdos esportivos, avançando para além do ensino da técnica esportiva pura como fim da Educação Física. Todavia, sua presença nos moldes criticados, são apresentados por pesquisas recentes da área, assim como visualizada na experiência cotidiana de nossas escolas.

12 Nessa perspectiva, busca-se desenvolver uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de

representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela

expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo,

mímica e outros, que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades

vividas pelo ser humano, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas (COLETIVO DE AUTORES,

1992, p. 38).

13 A título de exemplo, em relação aos materiais didáticos nessa perspectiva, uma iniciativa inédita no ano

de 2007 foi tomada pela Secretaria de Estado de Educação do Estado do Paraná (SEED) que editou um

Livro Didático Público da disciplina de Educação Física para o nível do Ensino Médio. Segundo Angulski et

alii (2007) o projeto é original “especificamente no estado do Paraná, tanto do ponto de vista do material de

apoio pedagógico, quanto no que se refere à proposta de construção propriamente dita, fruto de um

processo de discussões coletivas”, pois os capítulos foram escritos por professores e professoras da própria

Rede Estadual de Ensino, através do Projeto Folhas. Segundo a SEED, o Projeto Folhas é um projeto de

Formação Continuada que oportuniza ao profissional da educação a reflexão sobre sua concepção de

ciência, conhecimento e disciplina, que influencia a prática docente. Integra o projeto de formação

continuada e valorização dos profissionais da Educação da Rede Estadual do Paraná, instituído pelo Plano

Estadual de Desenvolvimento Educacional. O Folhas, nesta dimensão formativa, é a produção colaborativa,

pelos profissionais da educação, de textos de conteúdos pedagógicos que constituirão material didático

para os alunos e apoio ao trabalho docente.

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ORGANIZAÇÃO CURRICULAR DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM ARAUCÁRIA

A Educação Física no município possuiu dois documentos oficiais norteadores da

prática pedagógica na disciplina. O primeiro deles, intitulado Plano Curricular do Município

(1993) teve como base o “Currículo Básico para a escola pública do Estado do Paraná” e

adotou como alicerce teórico as reflexões sobre a cultura corporal. Entretanto, segundo

Astorfi, Alvim e Moraes (2008), essa sistematização foi caracterizada por um currículo

esportivizado, com um acréscimo de atividades diferenciadas.

Os autores criticam o fato de que essa sistematização teria sido caracterizada por

um currículo esportivizado, acrescido ou enfeitado, de atividades da cultura corporal, onde

inseriu-se temas como a capoeira, ginástica, jogos e as danças folclóricas.

Afirmam os autores, que no inicio dos anos dois mil, alguns docentes passaram a

demonstrar insatisfação com aquilo que ensinavam, surgindo novos embates e

discussões de novos temas, como o corpo dos alunos, suas vestimentas, agressividade,

comportamento sexual e outros.

Logo surge no município a demanda da construção de uma nova orientação

curricular e sob a orientação do professor Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, inicia-se

um processo de discussão que visava superar a vinculação da Educação Física com a

perspectiva da Cultura Corporal, pois, segundo seu orientador, essa concepção estaria

vinculada a uma visão predominantemente motriz. Nesse contexto é que nasce o novo

documento, as Diretrizes Curriculares Municipais de Araucária, no qual a disciplina de

Educação Física viria a ser signatária de uma nova concepção, de um novo objeto de

estudo, a corporalidade.

A CORPORALIDADE ENQUANTO OBJETO DE ESTUDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

A discussão sobre o objeto de estudo da Educação Física é aqui resgatada, dada a

importância dessa discussão, negligenciada no texto das Diretrizes Curriculares

Municipais de Araucária (2004) no qual não se apresenta o referido embate de

concepções e nem sequer um relato da experiência da construção do texto, assim como

de uma reconstrução histórica do mesmo.

A introdução do documento aborda o decorrer histórico da educação física,

explicitando suas raízes no conhecimento biológico introduzidos pela influencia militar no

contexto escolar. Aponta que ao final dos anos setenta esse paradigma passa a ser

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questionado e tão logo realiza salto para a compreensão do que afirma ser a concepção

atual da educação física. Vejamos:

No atual contexto social, a Educação Física entende a corporalidade como objeto de estudo da mesma. A corporalidade é entendida como a expressão criativa e consciente do conjunto de manifestações corporais historicamente produzidas, que pretende possibilitar a comunicação e interação de diferentes indivíduos com eles mesmos, com outros, com seu meio social e natural. Essas manifestações, dialógicas, baseiam-se em um contexto social organizado em torno das relações de poder, linguagem e trabalho (DCM, 2004).

Nesse início detectamos dois problemas do ponto de vista do embate teórico-

metodológico. O primeiro refere-se ao salto ornamental realizado entre o primeiro

parágrafo do texto – no qual a educação física é situada historicamente – e a concepção

de corporalidade. Falta nessa exposição, toda uma sorte de propostas metodológicas que

são omitidas pelo documento.

A definição conceitual adotada para o documento é parafraseada de seu

orientador, Taborda de Oliveira (1998) onde a definição do autor para essa conceituação

define-a como sendo a corporalidade o

[...] conjunto de práticas corporais do homem, sua expressão criativa, seu reconhecimento consciente e sua possibilidade de comunicação e interação na busca da humanização das relações dos homens entre si e com a natureza [...]. A corporalidade se consubstancia na prática social a partir das relações de linguagem, poder e trabalho (TABORDA DE OLIVEIRA, 1998, p. 131).

O salto conceitual, sabemos, parte de uma tentativa de superação dos conceitos e

pressupostos da metodologia crítico-superadora ou cultura corporal, imputando a essa

uma adjetivação de perspectiva motriz e reducionista do escopo das possibilidades da

Educação Física escolar.

Em nossa análise e avaliação, a suposta superação da perspectiva crítico-

superadora é equivocada. Não somente pelo fato de não ter sido apresentada de forma

alguma no decorrer do texto documental, mas também por não dar conseguir sugerir uma

novidade no âmbito da Educação Física escolar de tal envergadura que conseguisse

superar seu problema inicial. Isso pode ser visualizado no quadro de conteúdos proposto

no documento, em que a problemática geradora da alteração do objeto de estudo da área,

qual seja, a esportivização do currículo enfeitada de práticas diferenciadas, permanece

em absoluto. Em outras palavras, aquilo que supostamente sugeriu a alteração de objeto

de estudo da Educação Física no município e engendrou uma série de debates não foi

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superado, pelo contrário, permaneceu inclusive somado de novos enfeites para além do

esporte tradicional.

Por outro lado, o conteúdo das lutas é negligenciado pela proposta, deixando de

fora inclusive a capoeira, manifestação da cultura afrobrasileira tão fundamental para uma

reflexão pedagógica crítica em Educação Física.

Outro agravante, recorrentemente citado nos espaços de formação continuada e

mediações realizadas pela Secretaria Municipal de Educação, é a dificuldade de

compreensão e implementação das orientações do documento nas aulas propriamente

ditas.

A teoria da corporalidade, em sua expressão nas diretrizes curriculares do

município de Araucária (2004) não aponta para um projeto histórico definido. Embora uma

análise crítica do discurso posto no documento possibilite compreendê-la no âmbito das

teorias chamadas progressistas, permanecem as possibilidades de interpretação confusa

e especialmente contraditórias à concepção geral orientadora do documento,

notadamente baseada na pedagogia histórico-crítica (SAVIANI, 2003).

Nesse sentido, seu texto se aproxima das concepções da teoria crítica, questão

especialmente percebida pela recorrência à categoria indústria cultural. Entretanto, o

documento parece incorrer numa prática que tem sido comum, inclusive em outros

documentos oficiais, conforme nos apresentam Klein e Klein (2008), onde não se tem

preservado uma preocupação em explicitar, com toda a profundidade e clareza, o

conteúdo das categorias que lhes são substanciais.

O mesmo podemos dizer para a definição do conceito de corporalidade, quando o

documento aponta que o “contexto social [atual é] organizado em torno das relações de

poder, linguagem e trabalho” sem estabelecer uma relação teórica entre os termos. Tais

expressões categoriais também não são explicadas no decorrer do documento, causando

mais e mais confusão teórico-metodológica.

A ALTERAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Observando esses e ainda outros limites14 do atual documento é que o Grupo de

Trabalho de Diretrizes definiu pelo retorno da Diretriz Curricular do Município à concepção

14

Um limite da proposição da corporalidade, anteriormente citado, mas importante de ser ressaltado é sua

não consonância com a pedagogia histórico-crítica, adotada como perspectiva fundamental para o

município. A defesa da concepção histórico-crítica, não se trata de imposição autoritária, ou imposição via

relação de poder instituída pela hierarquia de conhecimentos entre orientador e orientado, mas sim pelo

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de Cultura Corporal enquanto objeto de estudo da Educação Física. Nesse contexto, cabe

lembrar que o retorno ao referido objeto de estudo não significa nem por um instante um

retrocesso, e sim o seu contrário, avança-se no sentido da discussão sobre um objeto de

estudo consolidado na área, consoante por sua vez com a pedagogia histórico-crítica,

que apresenta elementos teórico-metodológicos importantes15 e que devem ser

paralelamente estudados e incorporados à especificidade da Educação Física.

É também importante evocar que seria inoportuno realizar uma reformulação total

da diretriz curricular de Educação Física do município, uma vez que o atual documento

por mais que apresente limites, encontra-se no âmbito das teorias críticas da área e

apresenta positividades a serem conservadas, congregadas a nova proposta que se

desenvolve. O que se procurará fazer é assumir a posição da negação pela incorporação,

ou negação pela superação, o que necessariamente envolve incorporação.

Conforme afirmado anteriormente, a Metodologia Crítico-Superadora visa à

formação de sujeitos críticos, autônomos, conscientes de sua condição histórica e que se

compreendam enquanto interventores na construção de sua própria realidade. É essa

perspectiva da Educação Física que aborda como objeto de trato da reflexão pedagógica

o conhecimento de uma área denominada Cultura Corporal.

A cultura corporal se configura com temas ou formas de atividades, particularmente

corporais, como o jogo, o esporte, as ginásticas, a dança, as lutas e outras que

constituirão seu conteúdo. O estudo desse conhecimento visa apreender a expressão

corporal como linguagem (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Nesse âmbito, é intento promover através do trato com os conhecimentos

engendrados pela Cultura Corporal, um questionamento da realidade, que seja capaz de

“responder determinados interesses de classe” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 25) e

que através da construção da crítica social, persista-se na busca da emancipação das

classes oprimidas.

Tem fundamental importância para essa perspectiva, o desenvolvimento de uma

noção de historicidade da Cultura Corporal em que o conhecimento deve ser tratado de

convencimento de que essa concepção mantém em seus fundamentos a visão mais adequada para a

educação da classe trabalhadora numa perspectiva emancipatória.

15 São exemplos: 1) A reflexão da escola enquanto mediadora da esfera cotidiana e não-cotidiana,

perspectiva oposta à discussão estacionária sob a questão da cultura escolar (DUARTE, 2001); 2) A

reflexão sobre a formação das Funções Psicológicas Superiores, notadamente na sua formulação de

aprendizagem por conceitos (FACCI, 2004); 3) A reflexão sobre a natureza e especificidade da educação e

sua relação com a cultura corporal (SAVIANI, 2003).

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forma a ser traçado desde sua origem e cerne, possibilitando ao educando e educanda tal

visão, permitindo-lhes compreender-se enquanto sujeitos construtores da história.

A expectativa da Educação Física escolar que tem como objetivo a reflexão sobre a

Cultura Corporal, contribui para a afirmação dos interesses de classe das camadas

populares, na medida em que desenvolve uma reflexão pedagógica sobre valores como

solidariedade substituindo individualismo, cooperação confrontando a disputa, distribuição

em confronto com a apropriação, sobretudo enfatizando a liberdade de expressão dos

movimentos – a emancipação – negando a dominação e submissão do homem pelo

homem (idem, p. 46).

Nesse caso, temos o conhecimento que é tratado metodologicamente de forma que

se favoreça a compreensão “dos princípios da lógica dialética materialista: totalidade,

movimento, mudança qualitativa e contradição16. É organizado de modo a ser

compreendido como provisório, produzido historicamente e de forma espiralada vai

ampliando a referencia do pensamento” (p. 41) de alunos e alunas.

Para a compreensão da totalidade, é necessário estabelecer as relações de

interdependência entre os conteúdos do programa de educação física e os grandes

problemas sócio-políticos da contemporaneidade, como a questão do meio ambiente, dos

papéis sexuais, da divisão social e internacional do trabalho, da sexualidade, dos

preconceitos, da mídia, da questão etnicorracial, da pobreza, da drogadição, da inclusão

social, da violência econômica, física e psicológica e outros. Nesse ponto julgamos ser

importante inserir as discussões postas da Diretriz Curricular do Município (2004) quando

essa afirma que

Os problemas sociais que adentram os muros da escola estão articulados à estrutura social geral e interferem cotidianamente nas manifestações corporais dos alunos e de todos os sujeitos que fazem parte da comunidade escolar, e conseqüentemente, são objeto constante de preocupação dos educadores. Entre esses elementos destacam-se a erotização precoce explorada constantemente pela mídia, a violência, o consumo de drogas, os preconceitos e estereótipos corporais, os processos de exclusão manifestos na negação do acesso aos bens culturais, o qual atinge a maior parte da população desse país, e conseqüentemente, de Araucária (DCM, 2004).

Nesse contexto, aponta-nos a metodologia crítico-superadora que a reflexão sobre

esses problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar ao alunado da escola

pública entender a realidade social interpretando-a e explicando-a. Isso quer dizer que

16

KONDER, Leandro. O que é Dialética. São Paulo: Brasiliense, 2006.

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

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cabe a escola promover a apreensão da prática social. Portanto os conteúdos devem ser

buscados dentro dela (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 63). Ou nas palavras de

Saviani (2003), será função da educação escolar – e consequentemente da Educação

Física – produzir no indivíduo singular a humanidade produzida coletiva e historicamente.

Caracteriza-se nesse escopo, segundo os pressupostos da Metodologia Crítico-

Superadora, a reflexão pedagógica em algumas especificidades, quais sejam: 1)

Diagnóstica, pois remete à leitura e constatação de dados da realidade, esses carecem

de interpretação. Para tal, faz-se necessária a emissão de um juízo valorativo, que

dependerá da perspectiva de classe de quem o faz, disso, temos que essa reflexão é 2)

Judicativa, pois julga os dados a partir de uma ética que representa interesses de

determinada classe social. 3) Teleológica, porque determina um ponto a ser alcançado,

busca uma direção. Direção essa, que pode ser conservadora ou transformadora,

dependendo da perspectiva de classe.

No interior dessa especificidade, a estratégia de ação metodológica encontra

consonância àquela apontada pela pedagogia Histórico-Crítica (SAVIANI, 2003). Esta

consiste nos seguintes passos metodológicos: 1) prática social, que traz o conhecimento

do senso comum para então, problematizá-lo; 2) problematização, que detecta as

questões com necessidade de resolução na prática social; 3) instrumentalização, que

trata de se apropriar de instrumentos teórico-práticos necessários para uma contraposição

dialogada com as questões do senso comum; 4) catarse, momento da expressão

elaborada da nova forma de entendimento da prática social; e 5) retorno a prática social, o

ponto de chegada, compreendida nesse momento de forma diferenciada.

REFERÊNCIAS

ASTORFI JÚNIOR, Rubens. ; ALVIM, Cassia Helena Ferreira; MORAES E SILVA, Marcelo. O processo de formação continuada dos professores de educação física do município de Araucária-PR: em cena as vozes dos professores. In: PAIDÉIA, v. 4, p. 84-

96, 2008. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino da Educação Física. São Paulo. Cortez, 1992. DUARTE, Newton. Educação Escolar, Teoria do Cotidiano e a Escola de Vigotski.

Campinas: Autores Associados, 2001. FACCI, Marilda Gonçalves Dias. Valorização ou esvaziamento do trabalho do professor? Um estudo crítico-comparativo da teoria do professor reflexivo, do

construtivismo e da psicologia vigotskiana. Campinas: Autores Associados, 2004.

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FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física.

São Paulo: Scipione, 1989. KLEIN, Lígia Regina e KLEIN, Bianca Larissa. Linguagem e luta de classes: a palavra em disputa. In: VI Seminário do Trabalho, 2008, Marília. Anais, 2008.

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SAVIANI, Dermeval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. Campinas:

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TANI, GO et al. Educação física escolar: fundamentos de uma abordagem

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