Discurso, legislação e praticas

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    ANDRADE, LBP.Educao infantil: discurso, legislao e prticas institucionais [online]. So Paulo:

    Editora UNESP; So Paulo: Cultura Acadmica, 2010. 193 p. ISBN 978-85-7983-085-3. Availablefrom SciELO Books .

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    Educao infantildiscurso, legislao e prticas institucionais

    Lucimary Bernab Pedrosa de Andrade

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    LUCIMARY BERNABPEDROSA DE ANDRADE

    EDUCAOINFANTILDISCURSO, LEGISLAO

    EPRTICASINSTITUCIONAIS

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    2010 Editora UNESP

    Cultura Acadmica

    Praa da S, 10801001-900 So Paulo SPTel.: (0xx11) 3242-7171Fax: (0xx11) [email protected]

    CIP Brasil. Catalogao na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

    A565e

    Andrade, Lucimary Bernab Pedrosa de

    Educao infantil : discurso, legislao e prticas institucionais /

    Lucimary Bernab Pedrosa de Andrade. So Paulo : CulturaAcadmica, 2010.194p. : il.

    Inclui bibliografiaISBN 978-85-7983-085-3

    1. Educao de crianas. 2. Crianas Formao. 3. Direitodas crianas. 4. Crianas Poltica governamental Brasil.5. Representaes sociais. I. Ttulo.

    10-6448. CDD: 372.21CDU: 372.3

    Este livro publicado pelo Programa de Publicaes Digitais da Pr-Reitoria dePs-Graduao da Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP)

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    s minhas queridas filhasNatlia e Maria Flvia,

    por partilharem dos meus sonhos,

    das minhas lutas, e por renovarem,a cada dia, minhas foraspara a caminhada.

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    AO CONTRRIO, AS CEM EXISTEM

    A criana

    feita de cem.A criana tem cem mos

    cem pensamentoscem modos de pensar

    de jogar e de falar.Cem sempre cemmodos de escutar

    de maravilhar e de amar.Cem alegrias

    para cantar e compreender.

    Cem mundospara descobrirCem mundospara inventarCem mundospara sonhar.

    A criana temcem linguagens

    (e depois cem cem cem)mas roubaram-lhe noventa e nove.

    A escola e a culturalhe separam a cabea do corpo.

    Dizem-lhe:de pensar sem as mosde fazer sem a cabeade escutar e no falar

    de compreender sem alegriasde amar e de maravilhar-se

    s na Pscoa e no Natal.Dizem-lhe:

    de descobrir um mundo que j existee de cem roubaram-lhe noventa e nove.

    Dizem-lhe:que o jogo e o trabalhoa realidade e a fantasia

    a cincia e a imaginaoo cu e a terra

    a razo e o sonhoso coisas

    que no esto juntas.Dizem-lhe enfim:

    que as cem no existem.A criana diz:

    ao contrrio as cem existem.

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    SUMRIO

    Lista de siglas 11

    Lista de tabelas 13

    Lista de quadros 15

    Introduo 17

    Percurso metodolgico 29

    Tecendo os fios da infncia 47

    Direitos da infncia: da tutela eproteo cidadania e educao 79

    A educao infantil: na trilha do direito 127

    Consideraes finais 169

    Referncias bibliogrficas 179

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    LISTADESIGLAS

    CCI Centro de Convivncia InfantilCLT Consolidao das Leis do TrabalhoCoedi Coordenadoria de Educao Infantil

    DPE Departamento de Polticas de Educao InfantilECA Estatuto da Criana e do AdolescenteFebem Fundao Estadual do Bem-Estar do MenorFunabem Fundao Nacional do Bem-Estar do MenorFundeb Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da

    Educao Bsica e Valorizao dos Profissionaisda Educao

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e EstatsticaLBA Legio Brasileira de AssistnciaLDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao NacionalLoas Lei Orgnica de Assistncia SocialMEC Ministrio da Educao e CulturaOIT Organizao Internacional do TrabalhoONU Organizao das Naes Unidas

    PNE Plano Nacional de EducaoUnesco Organizao das Naes Unidas para Cincia, Edu-

    cao e CulturaUnicef Fundo das Naes Unidas para Infncia

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    LISTADETABELAS

    Tabela 1 Escolaridade das educadoras 45

    Tabela 2 Tempo de exerccio profissional 46

    Tabela 3 Experincia profissional 46

    Tabela 4 Funes da educao infantil 120

    Tabela 5 Organizao das prticas pedaggicas 163

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    LISTADEQUADROS

    Quadro 1 Universo da pesquisa 37

    Quadro 2 Nmero de crianas atendidas nas crechesconveniadas e municipais de 2004 a 2008 40

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    INTRODUO

    No tenho medo de que meu temapossa, em exame mais detalhado,

    parecer trivial. Receio apenas que eu

    possa parecer presunoso por terlevantado uma questo to vasta eto importante.

    Carr, 1996

    A proximidade com o objeto de estudo desta pesquisa, ou seja, acriana, seus direitos e sua educao, iniciou-se aos meus dezesseteanos de idade, quando comecei minha trajetria profissional comoprofessora de educao infantil em uma escola maternal particular.

    Aps concluso do curso de Magistrio, ingressei no curso degraduao em Servio Social da Faculdade de Histria e ServioSocial da UNESP de Franca.

    As frequentes indagaes a respeito do papel social da edu-cao, fomentadas pela experincia profissional em educao in-fantil, levaram-me a desenvolver minha monografia de conclusodo curso de Servio Social sobre o atendimento das creches deFranca. Assustava-me a diferente realidade educacional vivenciadapelas crianas com as quais trabalhava na escola maternal par-

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    infncia e a educao infantil e fortalecer meus ideais sobre os di-reitos das crianas a um atendimento de qualidade, que respeite

    suas particularidades de sujeitos em desenvolvimento.Buscando o aprimoramento profissional e a continuao dosestudos na rea de educao infantil, ingressei, em 1999, no cursode Pedagogia da Universidade de Franca. O retorno universi-dade despertou-me o desejo de continuar os estudos acadmicos, oque me fez optar pelo curso de Ps-Graduao em Servio Social,aps a concluso do curso de Pedagogia.

    Em 2001, ingressei como aluna regular do curso de mestradoem Servio Social, concluindo-o em 2003, quando defendi a disser-tao: Os Centros de Convivncia Infantil da UNESP: contexto edesafios, desenvolvida sob a orientao da profa. Maria ngela Ro-drigues Alves de Andrade. A pesquisa permitiu o aprofundamentoterico do estudo das polticas pblicas para a infncia no Brasil,e teve como objeto de investigao a creche no local de trabalho, emnosso caso, a Universidade Estadual Paulista.

    Novas inquietaes e indagaes acerca desse campo de estudoforam surgindo e, em 2006, ingressei no curso de doutorado com opropsito de estudar a educao infantil enquanto um dos direitosda criana na contemporaneidade. A discusso em torno dos di-reitos das crianas tem sido apresentada por muitos estudos e pes-quisas, os quais tm enfatizado a relevncia das aes dos profis-sionais que atuam com a infncia para que esses direitos sejamefetivados de fato.

    Por acreditar na importncia de aprofundar o estudo sobre essaproblemtica que procuraremos compreender como as profissio-nais que atuam diretamente com as crianas nas creches, ou seja, aseducadoras, compreendem a criana, seus direitos e sua educao ede que forma suas aes favorecem, ou no, que as crianas sejamsujeitos de direitos nesses espaos institucionais.

    Segundo Dahlberg, Moss & Pence (2003, p.63), os entendi-mentos que temos do que seja a infncia e a criana perpassa asnossas vivncias, os nossos conhecimentos cientficos e as nossasescolhas.

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    Para isto, torna-se importante um olhar mais atento ao entendi-mento das representaes das categorias que moldam as aes co-

    tidianas dos profissionais das creches, pois em diferentes perodoshistricos foram construdas diferentes representaes e signifi-caes dessas categorias.

    Conforme as contribuies da Sociologia da Infncia, impor-tante que faamos a anlise crtica das representaes sobre a ca-tegoria infncia, considerando que estas se modificam conformecada contexto histrico. A Sociologia da Infncia, ao constituir a in-

    fncia como objeto sociolgico, afirma a condio da criana comosujeito social cujo desenvolvimento est articulado s suas condi-es sociais de existncia e s representaes e imagens historica-mente construdas.

    Conforme Sarmento (2005, p.363):

    A sociologia da infncia prope-se a constituir a infncia como

    objecto sociolgico, resgatando-a das perspectivas biologistas,que a reduzem a um estado intermdio de maturao e desenvol-vimento humano, e psicologizantes, que tendem a interpretaras crianas como indivduos que se desenvolvem independente-mente da construo social das suas condies de existncia e dasrepresentaes e imagens historicamente construdas sobre e paraeles. Porm, mais do que isso, a sociologia da infncia prope-sea interrogar a sociedade a partir de um ponto de vista que toma

    as crianas como objecto de investigao sociolgica por direitoprprio, fazendo acrescer o conhecimento, no apenas sobreinfncia, mas sobre o conjunto da sociedade globalmente con-siderada.

    Os estudos cientficos propagados a partir do sculo XX, emespecial da Psicologia, Antropologia, Sociologia e Histria, apre-

    sentam uma viso de infncia como categoria social e historica-mente construda, determinando um conjunto de teorias e prticasa serem desenvolvidas com as crianas, tanto nas famlias comonas instituies de educao infantil, e, ainda, influenciam as re-

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    presentaes sociais sobre as crianas incorporadas ao imaginriocoletivo.

    Atualmente, as crianas recebem o estatuto de sujeitos plenosde direitos, ganhando a infncia uma visibilidade internacional.A visibilidade contempornea da infncia revelada por dispo-

    sitivos legais de mbito internacional que, apesar de apresentaremum discurso social e poltico sobre a infncia de direitos, revelam ocarter paradoxal dessa visibilidade:

    [...] ao falar-se (e ao estudar-se) as crianas, produzem-se, naordem do discurso e na ordem das polticas sociais, efeitos con-traditrios, que resultam da extrema complexidade social da in-fncia e da heterogeneidade das condies de vida. (Pinto &Sarmento, 1997, p.14)

    Segundo Pinto e Sarmento, um dos maiores paradoxos consistenas inconsistncias da agenda poltica da infncia, pois no mo-mento em que h um discurso oficial e legal afirmando serem elas ofuturo da sociedade, temos um quadro de opresso a que subme-tida grande parte da populao infantil do mundo. Qvortup assimesclarece esse carter paradoxal:

    [...] no facto de os adultos desejarem e gostarem das crianas,apesar de produzirem cada vez menos crianas e cada vezdisporem de menos tempo e espaos para elas; no facto de osadultos acreditarem que bom para as crianas e os pais es-tarem juntos, mas cada vez mais vivem o seu cotidiano sepa-rados uns dos outros; no facto de os adultos valorizarem aespontaneidade das crianas, mas a vida das crianas ser sub-metida s regras das instituies; no facto de os adultos postu-larem que deve ser dada prioridade s crianas, mas cada vez

    mais as decises polticas e econmicas com efeito na vida dascrianas serem tomadas sem as ter em conta. (Qvortup, 1995,p.9 apud Pinto & Sarmento, 1997, p.12-3)

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    Esse paradoxo assola sobremaneira a realidade brasileira, mar-cada por um quadro de misria, abandono, explorao e violao

    dos direitos de grande parte da populao infantil proclamadoscom a Constituio Federal (1988) e com o Estatuto da Criana edo Adolescente ECA (1990).

    Segundo dados do Unicef, 2008, o Brasil possui a maior popu-lao infantil de at seis anos das Amricas, representando 11% detoda a populao brasileira. Conforme os dados socioeconmicos, agrande maioria das crianas na primeira infncia se encontra em si-

    tuao de pobreza. Aproximadamente 11,5 milhes de crianas, ou56% das crianas brasileiras de at seis anos de idade, vivem em fa-mlias cuja renda mensal est abaixo de salrio mnimoper capitapor ms. Os dados estatsticos revelam, ainda, que as crianasso especialmente vulnerveis s violaes de direitos, pobreza e iniquidade, e as crianas negras apresentam quase 70% mais dechance de viver na pobreza do que as brancas.

    Ao percorrermos a trajetria da infncia constatamos que o ca-rter paradoxal uma constante histrica, visto que a criana e seusdireitos sempre foram discutidos em situaes contraditrias.

    A compreenso desse carter paradoxal de fundamental im-portncia para pensarmos no trabalho a ser realizado nas institui-es de educao infantil, no ensejo de que esses espaos possamser espaos de concretude da cidadania da infncia, pois, apesar dovasto campo de conhecimentos produzidos sobre a infncia, en-contramos muitas dificuldades no trabalho com as crianas e naefetivao de seus direitos sociais.

    Segundo Sarmento (2007, p.26), a presena de sucessivas repre-sentaes das imagens sociais da infncia ao longo da histria pro-duziu um efeito de invisibilidade da infncia na sociedade.

    Historicamente, as concepes de infncia, direitos das crianase educao infantil foram modificando-se em decorrncia das trans-formaes econmicas, polticas, sociais e culturais ocorridas na so-ciedade, ocasionando a implantao de determinadas polticas p-blicas para a infncia vinculadas s diferentes esferas de atuaogovernamental, como a assistncia social, a sade e a educao.

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    Torna-se importante, ainda, pontuar que a histria do atendi-mento relacionado educao infantil no Brasil corresponde a ml-

    tiplas determinaes da reproduo da vida social, visto que asinstituies de educao da criana pequena esto em estreita re-lao com as questes que dizem respeito histria da infncia, dafamlia, da populao, da urbanizao, do trabalho e das relaes deproduo.

    Atualmente, o reconhecimento da criana enquanto sujeito so-cial e histrico, detentora de direitos sociais, faz da educao in-

    fantil uma exigncia social, ocupando no cenrio da educaobrasileira um espao significativo e relevante. Paralelamente aoquadro de transformaes societrias aliadas aos movimentos so-ciais e estudos acerca da infncia, tem sido intensificado o reconhe-cimento da importncia da educao das crianas para o plenodesenvolvimento das potencialidades do ser humano.

    Dentre os fatores que contriburam para o aumento da demandado atendimento da educao infantil no pas, podem-se citar oavano cientfico sobre o desenvolvimento infantil, a crescente in-sero da mulher no mercado de trabalho e o reconhecimento dacriana como sujeito de direitos, especialmente em seus primeirosanos de vida.

    A Constituio Federal de 1988, em relao s polticas deateno infncia, inaugurou um novo momento na histria dalegislao infantil ao reconhecer a criana como cidad. Ao con-templar o direito das crianas pequenas educao estabeleceu,como dever do Estado, a garantia do atendimento em creches epr-escolas s crianas de 0 a 6 anos. Dessa forma, as creches co-mearam a fazer parte das polticas pblicas enquanto instituieseducativas.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei n.8.069/1990, ordenamento legal que reitera a criana como su-jeito de direitos, no artigo 53 referencia a contribuio da edu-cao no desenvolvimento pleno da pessoa, na conquista dacidadania e na qualificao para o trabalho, destacando, ainda,aspectos fundamentais da educao, como poltica pblica, quanto

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    necessidade de igualdade de condies para o acesso escolapblica.

    A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB),Lei n. 9.394/1996, no artigo 29, defende a educao infantil comoprimeira etapa da educao bsica, tendo como objetivo o desen-volvimento integral da criana at seis anos de idade, em seus as-pectos fsicos, psicolgicos, intelectual e social, complementando aao da famlia e da comunidade. De acordo com a referida lei,as instituies que atendem as crianas de 0 a 6 anos so denomi-

    nadas de creches e pr-escolas e diferenciadas exclusivamente pelocritrio etrio, ou seja, creche para o atendimento s crianas de 0 a3 anos de idade e pr-escola s crianas de 4 a 6 anos.

    Embora tenhamos um quadro legal em defesa dos direitos dainfncia, grande parte dos mesmos no foi efetivada, o que requera intensificao das lutas pelos direitos das crianas em nossa socie-dade.

    A histria dos dispositivos legais acerca da infncia, seus di-reitos e sua educao retrata um percurso histrico marcado porprogramas fragmentados e relaes antagnicas entre a assistnciae a educao.

    Dessa forma, podemos observar no cenrio da educao infantila presena de polticas pblicas focalizadas, seletivas e compen-satrias, expressas pelo nmero reduzido de creches mantidas pelopoder pblico, pela predominncia de critrios socioeconmicose exigncia do trabalho materno no preenchimento de vagas nasinstituies, pela indefinio oramentria, pelos embates nos ob-jetivos pedaggicos propostos, etc.

    Diante dessas argumentaes que consideramos importantediscutir como os direitos das crianas esto sendo efetivados nocotidiano das creches, e qual a contribuio dos profissionais queatuam no mbito dessas instituies para a legitimidade da cida-dania da infncia.

    Acreditamos que a ruptura com as prticas assistencialistassomente poder efetivar-se com uma poltica institucional com-prometida com a infncia, com base na consolidao de novas

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    relaes sociais entre os sujeitos envolvidos: crianas, famlias eprofissionais. importante, ainda, destacarmos a necessidade do

    rompimento de prticas profissionais rotineiras, burocrticas eindividuais, considerando que a interdisciplinaridade com outrasreas do saber na creche ser imprescindvel ao projeto educativo.

    Levando em conta as mudanas tericas e legais no campo daeducao infantil nas ltimas dcadas, ser que realmente podemosafirmar que as crianas so sujeitos de direitos nos espaos das ins-tituies de educao infantil? Ser que os profissionais dessas

    instituies superaram a viso adultocntrica no atendimento scrianas? As crianas esto sendo respeitadas em seus direitossociais e fundamentais exercendo o papel de protagonistas no con-texto institucional?

    Temos como propsito, atravs da realizao desta pesquisa,a construo de conhecimentos que favoream o debate da crechecomo instituio educativa e espao de exerccio da cidadania dainfncia.

    A legitimidade educacional das creches implica a transforma-o de suas prticas institucionais e das concepes sobre suafuno social, tanto por parte dos usurios de seus servios comodos profissionais que nelas trabalham.

    Consideramos relevante a elaborao de prticas pedaggicasque, articulando cuidados e educao, reconheam as crianas comono meros depositrios de contedos, porm protagonistas dessesespaos institucionais, sujeitos ativos e produtores de cultura.

    O trabalho dos profissionais que atuam nas creches deverromper com os traos assistencialistas, comprometendo-se na cons-truo de prticas emancipatrias destinadas formao de cida-dos. Observamos, ainda, a necessidade de superao da distnciaexistente entre os discursos legal e pedaggico propagados a partirdas ltimas dcadas e as prticas institucionais desenvolvidas comas crianas.

    A presente pesquisa tem como objetivo analisar as concepesdos conceitos de criana, direitos da infncia e educao infantilapresentadas pelas educadoras das creches e de que forma elas

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    perspectiva histrica e sociolgica que permear o referido cap-tulo, faremos a discusso da infncia nas encruzilhadas da moder-

    nidade e ps-modernidade.No terceiro captulo discutiremos os direitos da infncia, ressal-tando aspectos histricos e a constituio do quadro legal que regea infncia no mbito internacional e nacional. Destaque ser dadoao quadro normativo que rege a educao infantil no Brasil, por serconsiderado, dentre os direitos da infncia, o objeto de estudo dapresente pesquisa. Juntamente com a discusso terica, apresenta-

    remos as representaes dos sujeitos da pesquisa sobre a educaoinfantil como um dos direitos do quadro normativo da infnciabrasileira.

    A educao infantil, enquanto poltica pblica e direito da in-fncia, ser analisada no quarto captulo. Para discusso dessa cate-goria buscaremos na histria do atendimento infncia, no Brasil,os fundamentos necessrios para a sua compreenso, pois, como

    afirma Angotti (2006, p.17),

    Elementos da histria do atendimento infncia precisam emerecem ser conhecidos, entendidos e analisados para que sepossam elaborar e manter a luta pelas condies educacionaisque favorecem a insero da criana na sociedade qual pertencesua condio de direito em ser pessoa, em ser e viver as perspec-tivas sociopolticas histrico e cultural que sustentem as basesdo sujeito, protagonistas da histria de seu prprio desenvolvi-mento, interlocutora de dilogo aberto com e em um mundo empermanente e absoluta dinamicidade.

    Nesse captulo sero apresentadas as representaes sobre aeducao infantil por meio da anlise da organizao das prticaspedaggicas nas instituies de educao infantil, permitindo o

    dilogo entre os discursos e as prticas profissionais.Nas Consideraes Finais, destacaremos as anlises realizadas

    no percurso de nossa investigao, apontando a importncia do en-trelaamento entre os discursos e as prticas educativas no coti-

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    diano das creches, para que as crianas assumam a condio desujeitos de direitos nesse espao institucional. Reafirmamos que

    essas anlises no so conclusivas, pois a pesquisa, por mais intensaque possa ser, constitui-se apenas em respostas parciais da reali-dade investigada.

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    1PERCURSOMETODOLGICO

    Diferentemente da arte e da poesiaque se concebem na inspirao, a

    pesquisa um labor artesanal, quese no prescinde da criatividade, serealiza fundamentalmente por uma

    linguagem fundada em conceitos,proposies, mtodos e tcnicas,

    linguagem esta que se constri comum ritmo prprio e particular.

    Minayo, 2000

    A discusso metodolgica

    Para iniciarmos a apresentao do percurso metodolgico dapresente pesquisa, gostaramos de refletir sobre as contribuies dotexto de Pedro Benjamim Garcia (1996). O autor, no bojo de suas

    indagaes acerca da relao entre a crise de paradigmas e a edu-cao, faz referncia histria de Alice no pas das maravilhas,quando a personagem, no sabendo qual caminho percorrer, en-contra-se com o gato Cheshire, que afirma menina que o caminho

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    a percorrer est relacionado ao lugar onde queremos chegar. E oautor conclui o dilogo dos personagens afirmando:

    Isto no significa que, contrariamente a Alice, tenhamos quesaber o caminho, mesmo porque no existe o caminho, mascaminhos, uma pluralidade deles e... desconhecidos. Contudo necessrio escolher algum. E escolher sempre um risco.Nada nos assegura o resultado do caminho escolhido que, sparcialmente, e muito parcialmente, depende de ns. (Garcia,1996, p.62)

    Assim, a elaborao de uma pesquisa cientfica sempre umaopo, reflete escolhas, caminhos e riscos a serem percorridos.

    Com base no materialismo dialtico histrico de Marx, com-preendemos que a metodologia cientfica deve buscar relaes in-tercausais historicamente constitudas para conhecer a essncia e aexplicao dos fenmenos.

    A compreenso da construo da metodologia cientfica, luzdo materialismo dialtico histrico e da perspectiva histrico-cul-tural, pode ser caracterizada pelos seguintes aspectos:1o conheci-mento relativo, nunca acabado; existe uma unidade inseparvelentre o emprico e o racional, entre o terico e o prtico, entre oquantitativo e o qualitativo, fazendo romper as dicotomias e esta-belecendo as inter-relaes e as contradies; a seleo dos m-

    todos est aliada definio do objeto de estudo, e o valor ticoda produo cientfica consiste no respeito diversidade de co-nhecimentos.

    Portanto, a escolha de determinada metodologia requer a apro-ximao com o objeto de estudo, excluindo-se a ideia de superiori-dade de um determinado mtodo ou abordagem.

    1. Anotaes das aulas do prof. dr. Guilhermo Arias Beatn, na disciplina Cons-truccin del Conocimiento: una metodologa desde el materialismo dialcticoe histrico, ministrada no Programa de Ps-Graduao em Servio Social daUnesp de Franca, no primeiro semestre de 2006.

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    Dessa forma, cada mtodo tem suas caractersticas, adequando--se s especificidades do problema, dos objetivos e dos propsitos

    de investigao. O problema no est em como usar determinadomtodo e sim em ter claro o limite que cada mtodo pode deter-minar no processo de investigao de uma dada realidade. O pes-quisador precisa ter uma definio concisa do problema de pesqui-sa, enquanto etapa mais importante do processo de investigaocientfica, para escolha do mtodo.

    Nas Cincias Sociais, a abordagem qualitativa tem sido mais

    utilizada, principalmente nos estudos culturais, educativos e socio-lgicos, por proporcionar uma interpretao e anlise explicativado carter humano e subjetivo.

    Conforme Minayo (2000b, p.21), a pesquisa qualitativa tra-balha com o universo de significaes, aspiraes, crenas, valorese atitudes, contribuindo dessa forma para uma compreenso ade-quada de certos fenmenos sociais de relevncia no aspecto sub-jetivo. Possibilita aos participantes da pesquisa expressarem suaspercepes e representaes, valorizando o contedo apresentadopelos sujeitos.

    J evidenciamos a proximidade com o objeto de estudo na in-troduo deste trabalho, em especial pelo envolvimento com aquesto da educao infantil, quer por nossa trajetria profissional,quer pela formao acadmica.

    O suporte terico-metodolgico para o nosso caminhar foi re-sultado de um estudo realizado na disciplina de Seminrios de Tese,no doutorado, em que nos aproximamos do aporte terico-meto-dolgico das representaes sociais. Apesar de sua complexidadeconceitual, h um consenso nas Cincias Sociais de que as represen-taes sociais revelam as ideias, as concepes, percepes e visesde mundo que os atores sociais possuem sobre a realidade social,favorecendo a interao social e a prtica social dos indivduos emuma determinada realidade.

    Para Minayo, as representaes sociais constituem-se em umimportante material para as pesquisas nas Cincias Sociais:

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    EDUCAO INFANTIL 33

    Para Moscovici, estamos inseridos em uma sociedade pensante,na qual os homens so pensadores ativos que comunicam e pro-

    duzem suas representaes atravs do processo de interao social.

    Na perspectiva psicossociolgica de uma sociedade pensante, osindivduos no so apenas processadores de informaes, nemmeros portadores de ideologias ou crenas coletivas, mas pen-sadores ativos que, mediante inumerveis episdios cotidianosde interao social produzem e comunicam incessantementesuas prprias representaes e solues especficas para as ques-

    tes que se colocam a si mesmos. (Moscovici, 1978, p.28)

    Desse modo, as representaes sociais podem ser compreen-didas como fenmenos essencialmente sociais que, mesmo aces-sados a partir de seu contedo cognitivo, devem ser entendidos emseu contexto de produo, ou seja, com base nas funes simblicase ideolgicas a que servem e nas formas de comunicao em que

    circulam.A pesquisa na abordagem das representaes sociais neces-

    sariamente uma pesquisa qualitativa. Os estudos empricos sobreas representaes sociais podem ocorrer mediante o estudo de si-tuaes complexas (instituies, comunidades e eventos), aproxi-mando-se das etnografias ou da pesquisa participante, ou focali-zando sujeitos, agentes e atores socialmente definidos.

    Segundo Dotta (2006, p.41), a teoria das representaes sociaisconstitui-se em um referencial terico-metodolgico, ou seja, con-figura-se como uma teoria que traz em seu bojo um mtodo. Aodiscutir a questo metodolgica refere-se a Robert Farr (2000) e S(1998). Para o primeiro autor, no h evidncias de que haja ummtodo especial a ser empregado nas pesquisas em representaosocial. O segundo autor chama a ateno para a dificuldade de es-

    pecificao dos mtodos de pesquisa nas representaes sociais, oque no significa que todos os mtodos possam ser empregadosnessa abordagem, destacando os mtodos qualitativos, os trata-mentos estatsticos correlacionais e o mtodo experimental.

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    34 LUCIMARY BERNAB PEDROSA DE ANDRADE

    As estratgias metodolgicas para a abordagem do conceito derepresentaes sociais so variadas, dentre elas: entrevistas abertas,

    semiestruturada, questionrios abertos e fechados, escalas como asde diferencial semntico, desenhos e representaes grficas. Pes-quisas empricas apontam o predomnio da presena do mtodoconhecido como anlise de contedo para o tratamento de dados.

    Dotta (2006, p.50) destaca a importncia de os sujeitos expres-sarem-se espontaneamente durante as entrevistas, considerandoque a conversao que molda e anima as representaes sociais.

    A partir desse aporte terico-metodolgico iniciamos a cons-truo da pesquisa emprica.

    O universo e os instrumentais da pesquisa

    As creches pesquisadas localizam-se na cidade de Franca, si-tuada na regio nordeste do Estado de So Paulo, aproximada-mente a 400 km da capital. sede da 14aRegio Administrativa doestado, constituda por 23 municpios, e faz fronteira com as ci-dades paulistas Batatais, Cristais Paulista e Patrocnio Paulista, ecom as cidades mineiras de Ibiraci e Claraval.

    A populao, conforme estimativas do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatstica (IBGE) de 2007, de 319.094 habitantes. Apopulao economicamente ativa de aproximadamente 184.000habitantes, totalizando perto de 64% da populao. Franca destaca--se como centro de uma das mais importantes regies produtorasde caf, bem como a maior produtora de calados do pas, para osmercados interno e internacional.

    A educao infantil no municpio oferecida em creches e pr--escolas. Dados2referentes s instituies municipais e conveniadasdemonstram em 2008 o atendimento a 6.650 crianas de 0 a 5 anose 11 meses. As pr-escolas municipais, no total de 49 instituies,

    2. Os dados foram informados por profissionais da Secretaria Municipal de Edu-cao em junho de 2009.

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    EDUCAO INFANTIL 35

    atendem a 3.961 crianas, na faixa etria de 4 a 5 anos e 11 meses,enquanto as creches conveniadas e municipais, no total de 34 insti-

    tuies, atendem a 3.021 crianas de 0 a 5 anos e 11 meses.

    A seleo do universo de pesquisa

    Para selecionarmos o universo desta pesquisa, estabelecemoso primeiro contato com a Secretaria Municipal de Educao deFranca, em junho de 2008, para o levantamento das creches exis-

    tentes na cidade. A maioria das creches conveniada com o poderpblico municipal, porm a sua gesto fica sob responsabilidade deentidades filantrpicas,3quase sempre ligadas a grupos religiosos,fato que remete aos primrdios do histrico dessas instituies,caracterizando a fase do atendimento assistencialista marcada pelafilantropia.

    O quadro na poca totalizava 31 instituies; destas, duas erammunicipais, 27 conveniadas, uma particular, com convnio diferen-ciado com a Prefeitura, e uma pblica, porm no conveniada como poder pblico municipal.

    Embora a LDB defina creche como instituio destinada aoatendimento das crianas de 0 a 3 anos, no municpio de Franca essanomenclatura utilizada para todas as instituies que aten dem afaixa etria de 0 a 6 anos, o que dever ser modificado a partir de2010, quando o convnio ser estabelecido exclusivamente para afaixa etria de 0 a 3 anos. Esse dado reflexo das reformas nas pol-ticas educacionais brasileiras, que, dentre tantas mudanas, trouxeo ingresso das crianas a partir de seis anos no ensino fundamental.

    3. Segundo Izumi (2005), a primeira creche em Franca foi fundada em 1945. Noperodo de 1956 a 1987 foi lenta a expanso do atendimento e aps 1988, com aConstituio Federal e com o reconhecimento legal da creche como direito dacriana, so fundadas 50% das instituies existentes no municpio. Cabe res-saltar que em 1989, data em que realizamos a nossa primeira pesquisa nascreches de Franca, o quadro era de 18 instituies. Considerando o nmero exis-tente em 2008, podemos afirmar que houve um aumento de quase 70% em duasdcadas.

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    Assim, a pr-escola passa a atender a faixa etria de 4 aos 5 anos e11 meses em perodo parcial, e as creches mantm o atendimento

    em perodo integral.Para delimitao do universo da pesquisa selecionamos as insti-tuies conveniadas que atendessem em seu quadro crianas nafaixa etria de 0 a 3 anos e 11 meses de idade,4o que representou 13instituies, conforme demonstrado no Quadro 1.

    No mesmo ano iniciamos a nossa participao nas reuniesmensais da Secretaria de Educao para formao continuada dos

    coordenadores de creches. Alm da pesquisa, nosso interessetambm foi em razo de exercermos a funo de coordenao emuma creche, embora no conveniada com o poder pblico muni-cipal, e, portanto, no participante do universo desta pesquisa. Aparticipao neste projeto de formao continuada permitiu umaproximidade com a realidade a ser investigada, e a possibilidade deconstruo de conhecimentos acerca da educao infantil e trocade experincias profissionais.

    Para iniciarmos a pesquisa, aplicamos um questionrio comquestes abertas s educadoras das creches. O emprego desse ins-trumental, nessa etapa da pesquisa, justificou-se pela possibilidadede permitir o acesso a um nmero maior de sujeitos (Gil, 1999,p.128), alm de ser um importante instrumento utilizado nas re-presentaes sociais e nas pesquisas qualitativas. A entrega dosquestionrios s coordenadoras das creches foi realizada em umadas reunies de formao no segundo semestre do ano de 2008,sendo solicitado que fossem preenchidos pelas educadoras das ins-tituies. Posteriormente, agendamos por telefone o recolhimentodos questionrios e pessoalmente fomos recolh-los nas creches.Dos 72 questionrios obtivemos o retorno de 53. Somente uma dasinstituies no participou da pesquisa, pois a coordenadora no

    4. A delimitao da faixa etria justifica-se em razo de a LDB estabelecer comocreche a instituio destinada ao atendimento educacional de crianas de 0 a 3anos e 11 meses.

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    NOMEDA

    INSTITUIO

    No

    Crianas

    FAIXA

    ETRIA

    0-11m

    1a

    1a11m

    2a

    2a11m

    3a3a11m

    4a

    4a11m

    5a

    5a11m

    6a

    6a11m

    1

    CrecheAngeloVerzola

    70

    10

    15

    20

    25

    2

    CentroEspritaEsperanaeFCreche

    MariadaCruz

    85

    15

    15

    15

    20

    20

    3

    CasaMaternalde

    SoFranciscodeAssis

    80

    10

    12

    36

    22

    4

    CentrodeConvivnciaInfantilFontede

    Luz

    60

    12

    8

    15

    7

    18

    5

    InstituioEsprita

    Estrada

    deDamasco

    50

    4

    15

    14

    17

    6

    CrecheSoJos

    80

    10

    25

    20

    25

    7

    CrecheJoannadeAngelis

    80

    10

    15

    15

    20

    20

    8

    CCICaminhodaLuz

    52

    7

    7

    8

    15

    15

    9

    Inst.Ad

    v.Ed.AssistnciaSocialCADI

    120

    35

    40

    45

    10

    CrecheSantaRita

    90

    18

    18

    18

    18

    18

    11

    AssociaoSolidriaFuturoFeliz

    70

    12

    14

    22

    22

    12

    AssociaoSantaGiannaBerettaMo

    lla

    70

    18

    18

    15

    19

    13

    CrecheJardimPanorama

    70

    15

    15

    20

    20

    Quadro1U

    niversodapesquisa

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    38 LUCIMARY BERNAB PEDROSA DE ANDRADE

    repassou o questionrio s educadoras e nas trs vezes que retor-namos instituio no a encontramos.

    Depois de tabularmos os dados dos questionrios, percebemosa necessidade de aprofundarmos algumas categorias de anlise eoptamos pela realizao da entrevista semiestruturada.

    A tcnica de entrevista semiestruturada permite ao entrevistadocontribuir no processo de investigao com liberdade e espontanei-dade, sem perder a objetividade.

    No entender de Trivios (1987, p.146), a entrevista semiestru-

    turada

    [...] aquela que parte de certos conhecimentos bsicos apoiadosem teorias e hipteses, que interessam pesquisa, e que, em se-guida oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novashipteses que vo surgindo medida que se recebem as respostasdo informante. Desta forma, o informante seguindo espontanea-mente a linha de seu pensamento e de suas experincias dentro

    do foco principal colocado pelo investigador, comea a parti-cipar do contedo de pesquisa.

    Os sujeitos entrevistados foram escolhidos pelo critrio detempo de exerccio profissional, representando 10% do total dosparticipantes do questionrio. Assim, selecionamos cinco educa-doras, sendo trs com experincias entre um a trs anos na edu-

    cao infantil e outras duas acima de trs anos.Para aplicao das entrevistas, selecionamos trs instituies, e

    o critrio de escolha foi a localizao em reas diferentes da cidade.A escolha da educadora a ser entrevistada foi feita pela coordena-dora da instituio, desde que correspondesse ao tempo de expe-rincia profissional acima descrito.

    Para anlise dos dados tambm foi empregada a tcnica de an-lise de contedo, que, segundo Bardin (2000, p.28), aparece comoum conjunto de tcnicas de anlise das comunicaes que utilizaprocedimentos sistemticos e objectivos de descrio do contedodas mensagens.

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    Quadro 2 Nmero de crianas atendidas nas creches conveniadas e mu-nicipais de 2004 a 2008

    N. deordem Instituio 2004 2005 2006 2007 2008

    1 Creche ngelo Verzola 70 70 70 70 70

    2Centro Esprita Esperana e F

    Maria da Cruz70 *85 85 85 *95

    3 Casa Maternal de Miramontes 35 *50 50 50 50

    4Casa Maternal So Francisco de

    Assis80 80 80 80 80

    5Centro de Convivncia Infantil

    Sagrada Famlia55 55 *65 65 65

    6 Creche Bom Pastor 70 *100 *150 150 150

    7 Creche Eurpedes Barsanulfo 40 40 40 *55 55

    8 Creche Jardim das Accias 55 55 *60 60 60

    9Creche Nossa Senhora

    Aparecida130 130 130 130 130

    10Creche Nossa Senhora das

    Graas50 50 50 50 *85

    11Centro de Convivncia Infantil

    Fonte de Luz

    60 60 60 60 60

    12

    Associao Metodista de

    Assistncia Social

    Creche Vinde a Mim os

    Pequeninos

    55 *75 75 75 75

    13 Creche Estrada de Damasco 50 50 50 50 50

    14 Infacape 105 *110 110 110 110

    15

    Associao Assistencial

    Presbiteriana

    Bom Samaritano

    100 100 100 100 *105

    16 Creche So Jos 80 80 80 80 80

    17 Creche Frei Jos Luiz Igea Sainz 60 60 60 60 60

    18Fundao Educandrio

    Pestalozzi100 *103 *120 #105 *110

    19 Sociedade Esprita Veneranda 25 *45 *50 50 50

    20 Pastoral do Menor e Famlia 25 25 25 25 25

    21Instituio Esprita Joanna de

    Angelis80 80 80 80 80

    22 Ao Social Caminho da Luz 52 52 52 52 52

    23

    Instituio Paulista Adventista

    de Educao e Assistncia Social

    ADRA CADE

    70 70 *84 *85 *120

    (cont.)

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    EDUCAO INFANTIL 41

    N. de

    ordemInstituio 2004 2005 2006 2007 2008

    24 Creche Fides et Caritas SantaRita 0 *70 *90 90 90

    25Associao Solidria Futuro

    Feliz Recanto Elimar0 0 0 *70 70

    26Associao Santa Gianna Jd.

    Luza II0 0 0 *70 70

    27 Creche Jardim Panorama 0 0 0 0 *70

    28 CCI Servidor Pblico Municipal 110 *121 121 *135 #132

    29 Creche do Distrito Industrial 0 0 0 0 *236

    30 Creche do Aeroporto I 0 0 0 0 *11031 Creche do Chico Neca 0 0 0 0 *110

    32 Creche do Leporace II 0 0 0 0 *110

    33 Creche do Jardim Aeroporto II 0 0 0 0 *70

    34 Creche do Jardim Nomia 0 0 0 0 *110

    35 Creche Parque das Esmeraldas 0 0 0 0 *110

    36 Creche da Vila Santa Luzia 0 0 0 0 *70

    37 Creche do Jardim Cambu 0 0 0 0 *110

    38 Creche do Jardim Luza I 0 0 0 0 *110

    39 Creche do Jardim Jlio DElia 0 0 0 0 *11040 Creche do Jardim Palestina 0 0 0 0 *110

    41Creche do J. Pulicano/

    Proinfncia0 0 0 0 *140

    TOTAL CONVENIADAS 1.627 1.816 1.937 2.092 3.755

    42 Ncleo de EI CAIC 220 #216 #174 #151 *156

    43Antonieta C. do Couto Rosa

    Aeroporto III0 0

    Conv.

    *50

    PMF

    50

    PMF

    50

    TOTAL GERAL 1.847 2.032 2.161 2.293 3.961

    Fonte:Secretaria Municipal de Educao da Prefeitura Municipal de Franca.Dados complementares fornecidos pela profissional da equipe da gesto das creches:

    *Aumento do nmero de vagas.

    # Diminuio do nmero de vagas.

    Novas vagas: 2005: 185; 2006: 129; 2007: 132 e 2008: 1.668.

    No ano de 2008 foram atendidas 3.021 crianas nas creches.

    Observao: as creches presentes nos item 33 a 41 iniciaro o atendimento a partir dosegundo semestre de 2009, totalizando 940 novas vagas e o atendimento total ser de

    3.961crianas.

    (cont.)

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    42 LUCIMARY BERNAB PEDROSA DE ANDRADE

    A Secretaria Municipal de Educao assumiu a gesto das cre-ches a partir de 1998, aps dois anos da promulgao da LDB que,

    ao reconhecer as creches como instituies de educao infantil, es-tabeleceu que as mesmas deveriam passar do mbito da AssistnciaSocial para a Educao.

    O trabalho da equipe de gesto de creches da Secretaria Muni-cipal de Franca implica a administrao do convnio da Prefeituracom as creches, como ainda a formao continuada dos profissio-nais das instituies, envolvendo desde a diretoria ao pessoal de

    apoio. Para esse trabalho, a Secretaria de Educao mantm umaequipe de profissionais formada por 22 pedagogas, uma fonoau-diloga e trs assistentes sociais. Do total das pedagogas, 21 tmatuao direta nas creches, com carga horria de 40 horas semanais,sendo que cada uma fica responsvel, em mdia, por duas creches.

    O trabalho de formao continuada realizado mensalmente7ecoordenado por uma pedagoga e pelas assistentes sociais. As reu-nies com as educadoras e equipe de apoio acontecem nas institui-es, com a coordenao da pedagoga responsvel pela instituio.A coordenao e os dirigentes recebem a formao continuada naSecretaria Municipal, onde os temas abordados dizem respeito infncia e educao infantil. A contribuio do trabalho de for-mao continuada desenvolvido por essa equipe tcnica foi muitocitado pelas educadoras durante as entrevistas, sendo destacadocomo aspecto facilitador do trabalho e sistematizador da organi-zao das prticas pedaggicas nas instituies.

    O convnio das instituies com o poder pblico adminis-trado pelas assistentes sociais da equipe de gesto. Refere-se ao re-passe de subveno para a folha de pagamento de pessoal e encargose aquisio de materiais didticos e pedaggicos. Alm desses re-

    7. Para a realizao da formao continuada, as creches so fechadas todas as pri-meiras teras-feiras do ms em perodo integral. A formao dos coordena-dores e dirigentes realizada na Secretaria Municipal acontece em perodoparcial e no outro perodo os trabalhos de formao prosseguem nas institui-es com toda a equipe.

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    EDUCAO INFANTIL 43

    cursos, a Prefeitura repassa, mensalmente, a doao de gneros ali-mentcios no perecveis e, semanalmente, verduras, leite, pes e

    carnes. As despesas de utilidade pblica (luz e gua) so custeadaspelo poder pblico. Segundo informaes de uma das profissionaisentrevistadas, desde 2007, as creches so entregues com toda a in-fraestrutura mobilirios e equipamentos necessrios para a reali-zao de suas atividades.

    Os sujeitos da pesquisa

    Os sujeitos de nossa pesquisa foram as educadoras das crechesda cidade de Franca. Embora a LDB estabelea a nomenclatura deprofessores de educao infantil para os profissionais que atuam naeducao infantil, quer seja nas creches ou pr-escolas, esses pro-fissionais so designados como educadores nas creches de Franca.

    A trajetria histrica dos profissionais da infncia revela queseu papel social, nas creches e pr-escolas, sempre esteve atreladoao projeto institucional dessas instituies. Vrias denominaesj foram empregadas para identificar o papel desses profissionais,dentre elas: bab, pajem, berarista, recreacionista, auxiliar de desen-volvimento infantil, monitor e, atualmente, professor de educaoinfantil.

    Segundo entrevista concedida por uma das profissionais daequipe de formao continuada das creches da Secretaria Muni-cipal de Educao, o emprego do termo educadora responde a umaquesto legal e sindical.8 H presena majoritria das mulheresocupando a funo de educadoras nas creches, confirmando a ideiahistoricamente construda de que a educao e cuidados das crian-as pequenas responsabilidade da mulher.

    A realidade de grande parte das instituies de atendimento scrianas de 0 a 6 anos em nosso pas revela um quadro de profissio-

    8. As educadoras das creches so filiadas ao Sindicato dos Empregados em Em-presas de Asseio e Conservao, Empregados e Edifcios e Condminos eEmpregados em Turismo e Hospitalidade de Franca e Regio.

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    44 LUCIMARY BERNAB PEDROSA DE ANDRADE

    nais leigos, sem formao adequada para o desempenho da funo,com mnima formao escolar e em condies precrias de tra-

    balho, no que se refere a remunerao, formao em servio e planode carreira profissional.A LDB, no artigo 62, dispe que a formao do profissional de

    educao infantil se faa em nvel superior ou mdio:

    A formao de docentes para atuar na educao bsica, far-se-em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao

    plena, em universidades e institutos superiores de educao ad-mitida como formao mnima para o exerccio do magistriona educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensi-no fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidadeNormal.

    A realidade da formao das educadoras bastante satisfatria,visto que dezesseis educadoras, representando o percentual de30% das entrevistadas, tm o nvel superior completo; a mesmaproporo, ou seja, 30%, est cursando o nvel superior; dezoitoconcluram o nvel mdio, ou seja, 34% das entrevistadas e, dentreestas, dezesseis cursaram o Magistrio. Apenas 1,8%, o que repre-senta uma educadora, tem somente o ensino fundamental e, emcontrapartida, duas, no total de 3,7%, concluram a ps-graduao.

    Na Tabela 1 podemos caracterizar a escolaridade dos sujeitos da

    pesquisa.Podemos verificar que a formao em nvel superior majorita-

    riamente no curso de Pedagogia, o que responde a uma exignciada LDB para a docncia na educao infantil.

    Segundo informaes da profissional da equipe de gesto dascreches, a formao no Magistrio (nvel mdio) ou na Pedagogia(nvel superior) uma das exigncias para a contratao dessas pro-

    fissionais pelas instituies.O tempo de exerccio profissional, como podemos constatar na

    Tabela 2, para a maioria das entrevistadas de um ano, totalizando34% das educadoras. Em entrevista, a profissional da equipe de

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    EDUCAO INFANTIL 45

    formao continuada da Secretaria Municipal de Educao revelouser grande a rotatividade desses profissionais nas instituies, em

    virtude, especialmente, das condies salariais.

    9

    Em relao experincia profissional, conforme os dados daTabela 3, podemos constatar que 56,6% dos sujeitos da pesquisa,ou seja, trinta educadoras, tinham experincias anteriores na edu-cao infantil. Doze, ou seja, 22,6% das educadoras vinham deexperincias na rea do comrcio; oito, totalizando 15,1%, no ti-nham nenhuma experincia profissional. As demais apresentaramexperincias em outros nveis de ensino, ou seja, duas, no total de3,8%, atuavam no ensino fundamental, e uma, representando 1,9%,atuava na educao de adultos.

    9. Conforme informaes de uma coordenadora de creche, o salrio das educa-doras, contratadas em regime de CLT por 40 horas semanais, de RS 700,00. Opiso estabelecido pelo Sindicato da categoria de R$548,00, porm, com o au-mento da subveno municipal, em 2009, foi realizado o reajuste dos salrios daseducadoras em todas as creches.

    Tabela 1 Escolaridade das educadoras

    Escolaridade Total de sujeitos Porcentagem

    Ensino Fundamental 1 2%Ensino Mdio 2 4%

    Magistrio 16 30%

    Ensino Superior Completo Pedagogia Outros

    14 2 30%

    Ensino Superior Incompleto Pedagogia Outros

    15 1 30%

    Ps-Graduao 2 4%

    Total 53 100%

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    46 LUCIMARY BERNAB PEDROSA DE ANDRADE

    Tabela 3 Experincia profissional

    Experincia profissional Total de sujeitos Porcentagem

    Educao infantil 30 56,6%

    Comrcio 12 22,6%

    Nenhuma experincia 8 15,1%

    Ensino fundamental 2 3,8%

    Educao de adultos 1 1,9%

    Total 53 100%

    Conforme os dados apresentados, constatamos que o quadroatual das educadoras das creches satisfatrio no que se refere aformao acadmica e experincia profissional. Pesquisa realizadanos estados de Cear, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grandedo Sul, de acordo com a Consulta sobre a Qualidade na EducaoInfantil (2006), demonstrou o baixo nvel de escolaridade dos pro-fissionais dessa rea, sendo que apenas 21% dos entrevistadospossuam curso superior e 10% apresentavam apenas o ensino fun-damental incompleto.

    Tabela 2 Tempo de exerccio profissional na educao infantil

    Tempo de exerccio

    profissional naeducao infantil

    Total de sujeitos Porcentagem

    At 1 ano 18 34%

    2 a 3 anos 15 28%

    4 a 6 anos 9 17%

    8 a 10 anos 4 8%

    Acima de 10 anos 7 13%

    Total 53 100%

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    2TECENDOOSFIOSDAINFNCIA

    As crianas, todas as crianas,transportam o peso da sociedade que

    os adultos lhes legam,mas fazem-no com a leveza

    da renovao e o sentidode que tudo de novo possvel.

    Sarmento, 2004

    Infncias e crianas

    A infncia tem-se constitudo em um campo emergente de es-tudos para vrias reas do saber, porm focados em divergentesabordagens, enfoques e mtodos, os quais determinaram distintasimagens sociais sobre as crianas.

    Segundo Sarmento (2007, p.26), as concepes construdas his-

    toricamente sobre a infncia, baseadas numa perspectiva adulto-cntrica, tanto esclarecem como ocultam a realidade social ecultural das crianas sendo, portanto, necessria a ruptura com omodelo epistemolgico sobre a infncia at ento institudo.

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    O autor afirma ser recente o interesse histrico pela infncia,sendo predominante no quadro terico sua concepo como cons-

    truo social, ideia esta preconizada pelo historiador francs Phi-lippe Aris (1986), que apresenta importantes contribuies para oestudo das imagens e concepes da infncia ao longo da histria,embora seja criticado por alguns autores em razo de sua viso his-trica linear e por seus limites metodolgicos.

    Philippe Aris realizou seus estudos da iconografia da eramedieval modernidade observando representaes da infncia na

    Europa ocidental, especialmente na Frana, estudos esses que si-nalizam a infncia como produto da vida moderna, resultante dasmodificaes na estrutura social.

    A tese da ausncia do sentimento de infncia na Antiguidade relatada pelo autor considerando os altos ndices de mortalidadedas crianas e a forma de viver indistinta dos adultos manifestadanos trajes, nos brinquedos, na linguagem e em outras situaes docotidiano revelando uma criana que no possua nenhuma singu-laridade e no se separava do mundo adulto, sendo, pois, conside-rada um adulto em miniatura.

    Corazza (2002, p.81) considera que a histria da infncia revelaum silncio histrico, ou seja, uma ausncia de problematizaosobre essa categoria, no porque as crianas no existissem, masporque, do perodo da Antiguidade Idade Moderna, no existiaeste objeto discursivo a que hoje chamamos infncia, nem esta fi-gura social e cultural chamada criana.

    Apesar de algumas crticas1serem tecidas anlise iconogrficarealizada por Aris, a sua obra um marco para entendermos que ainfncia uma categoria da modernidade e que no pode ser com-preendida fora da histria da famlia e das relaes de produo.

    Na Idade Mdia, as crianas pequenas no tinham funo socialantes de trabalharem, sendo alta a taxa de mortalidade infantil.

    1. Corazza, ao abordar o percurso histrico da infncia, apresenta o discurso devrios tericos, inclusive dos que tecem crticas perspectiva linear retratadapor Aris. Sobre esse assunto, ver Corazza (2002).

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    Aquelas que eram pobres, assim que cresciam eram inseridas nomundo do trabalho, sem qualquer diferenciao entre adultos e

    crianas. As crianas nobres tinham seus educadores e eram vistascomo miniaturas dos adultos e deveriam ser educadas para o futurode transio para a vida adulta.

    No sculo XVI, os adultos, em especial as mulheres, comeama destinar certa ateno s crianas reconhecidas como fonte de dis-trao ou relaxamento, o que Aris (1986, p.159) chamar decrianas bibelot, expressando um sentimento de paparicao

    pela infncia.A vida em famlia, at o sculo XVII, era vivida em pblico, ouseja, no havia privacidade de seus membros, at mesmo no tocante educao das crianas. Tudo ocorria no movimento de uma vidacoletiva e as famlias conjugais se diluam nesse meio. O grupo fa-miliar era eminentemente societrio. As funes educativas nessesgrupos ficavam a cargo do grupo como um todo e se estendiam

    desde o processo de socializao das crianas at o ensino formal.De modo geral, a transmisso de conhecimentos e a aprendi-zagem de valores e costumes eram garantidas pela participao dacriana no trabalho, nos jogos e em outros momentos do cotidianoda vida dos adultos. Com as influncias do pensamento dos mora-listas e da Igreja, nesse perodo, as crianas consideradas como cria-turas de Deus, dotadas de pureza, inocncia e bondade, precisariam

    ser vigiadas e corrigidas.Mas, j a partir do sculo XVIII, lentas transformaes come-aram a ser operadas no interior das famlias, ocasionando o surgi-mento do sentimento de famlia, fortemente marcado pelanecessidade e desejo de privacidade. Comearam a ocorrer mu-danas at mesmo quanto ao espao fsico no qual a famlia vivia:

    Esta organizao da casa passou a corresponder a uma novaforma de defesa contra o mundo e como uma necessidade de iso-lamento face ao espao pblico: a famlia comeou a se manter distncia da sociedade. Emergiram as noes de intimidade, dis-crio e isolamento, ao se separar a vida mundana, a vida mate-

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    rial e a vida privada, cada uma circunscrita a espaos distintos.(Moreira & Vasconcelos, 2003, p.169)

    Instaura-se o modelo da famlia burguesa, o qual ir trocar asociabilidade ampla pelo desejo de intimidade, reduzindo as vivn-cias de formas comunitrias tradicionais.

    A intimidade e a vida privada da famlia moderna propemnovas relaes familiares, acompanhadas por mudanas de valores,especialmente em relao educao das crianas. A criana as-

    sume um lugar central na famlia, pois se antes era cuidada deforma difusa e dispersa pela comunidade em geral, passar a serresponsabilidade dos pais. Ou seja, com o capitalismo e a proprie-dade privada, a criana passa a ser responsabilidade dos pais etambm dona e herdeira das riquezas, misrias e valores sociais.

    O modelo de famlia burguesa vem instituir modificaes nocontexto familiar, como a diviso e diferenciao de papis sexuais:

    o homem passa a ser visto como provedor, devendo, portanto, fazerparte do mundo pblico, e a mulher, responsvel pela casa e edu-cao dos filhos, fazendo parte do mundo privado.

    Segundo Moreira & Vasconcelos (2003, p.169), particularmenteno sculo XVIII, com o desenvolvimento do capitalismo consolida--se a separao entre as esferas pblica e privada, cabendo ao Estadoa administrao da esfera pblica e das relaes de produo, en-

    quanto a famlia se responsabilizaria pela esfera privada, pelo espaodomstico e pela reproduo das condies de sobrevivncia.Nesse perodo, a criana foi nascendo socialmente, considerada

    como um ser dependente, frgil, ignorante e vazio, que precisavaser treinado para ser um bom cidado, cabendo famlia a respon-sabilidade pela sua socializao.

    A burguesia faz surgir um novo sentido de famlia, apresen-

    tando o modelo nuclear como hegemnico e trazendo tambm umnovo sentimento de infncia, colocando a criana numa condiodiferente do adulto:

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    Sentimento de infncia no significa o mesmo que afeio pelascrianas; corresponde, na verdade, conscincia da particula-ridade infantil, ou seja, aquilo que a distingue do adulto e fazcom que ela seja considerada como um adulto em potencial, do-tada de capacidade de desenvolvimento. (Kramer, 2003, p.17)

    Para Gagnebin (1997, p.83), nesse perodo que, no Ocidente,se confirma a ideia da noo da infncia e o reconhecimento da ne-cessidade de a criana ser tratada diferente do adulto, paralela-mente ao triunfo do individualismo e de seus ideais de felicidade e

    emancipao.Nesse novo contexto, a famlia passa a ter como funo bsica

    garantir a sobrevivncia fsica, social e psicolgica da prole, favo-recendo a manuteno das relaes sociais e produtivas do modelohegemnico capitalista. A responsabilizao da educao das crian-as mulher veio acompanhada pelo ideal do amor materno, con-cebido como natural e instintivo, levando-a a exercer com abne-

    gao e dedicao o papel de me.Um novo sentimento destinado infncia, contrrio papari-

    cao, pautado pelos iderios dos moralistas, far da infncia objetode estudo, instruo e escolarizao.

    Assim, as mudanas no interior das famlias e a necessidadede educao das crianas so fatores determinantes para o desen-volvimento do sentimento de infncia. A escola2 confirma-se

    enquanto instituio responsvel pela separao das crianas e jo-vens do mundo adulto, por meio de prticas autoritrias e discipli-nares em defesa da formao do futuro cidado.

    Moreira & Vasconcelos assim descrevem a relao entre a escolae a infncia:

    2. Importante considerar que o projeto de escolarizao do sculo XVIII desti-nava-se s crianas e jovens da aristocracia e burguesia, visto que, por muitotempo, as crianas camponesas permaneceram misturadas ao mundo adulto.

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    [...] a escola tornou-se uma instituio fundamental na sociedade,quando a infncia passou a ser vista como fase dotada de dife-rena, a ser institucionalizada, separada do restante da sociedadee submetida a um regime disciplinar cada vez mais rigoroso.(Moreira & Vasconcelos, 2003, p.171)

    A histria da criana brasileira tambm acontece no quadro dasmudanas societrias, sendo que as mltiplas vivncias da infnciaocorreram em razo do pertencimento social, racial e de gnero

    (Gouva, 2003, p.13).Desde a presena dos jesutas no pas, temos a configurao de

    distintas infncias direcionadas por diferentes projetos educativos.O projeto salvfico da infncia revelado pelos jesutas ao conce-berem a infncia como um momento de iluminao e revelao.Para as crianas nativas, esse projeto significou submet-las ao vio-lento processo de aculturao (Priori, 1998, p.15). No muito dife-

    rente foi a histria da criana negra escrava, iniciada no trabalhoantes mesmo de completar sete anos de idade, enquanto a crianabranca, da elite, estava destinada aos estudos.

    Dessa forma, a classe social, raa, etnia foram determinantespara mltiplas formas de vivncia do universo infantil, no exis-tindo, portanto a infncia enquanto categoria universal, e nem ainfncia no singular, mas diferentes vivncias do ser criana em

    uma mesma cultura (Gouva, 2003, p.16).Segundo Sarmento (2005, p.371, grifo do autor), preciso que

    se faa uma distino semntica entre infncia e criana, categoriasque muitas vezes so apresentadas com o mesmo significado nosenso comum:

    Por isso a Sociologia da Infncia costuma fazer, contra a orien-tao aglutinante do senso comum, uma distino semntica econceptual entre infncia, para significar a categoria social dotipo geracional, e criana, referente ao sujeito concreto que in-tegra essa categoria geracional e que, na sua existncia, para alm

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    da pertena de um grupo etrio prprio, sempre um actor so-cial que pertence a uma classe social, a um gnero, etc.

    Os conceitos de infncia podem apresentar diferentes signifi-cados, conforme os referenciais que utilizarmos. A palavra infnciaevoca um perodo que se inicia com o nascimento e termina com apuberdade.

    O Estatuto da Criana e do Adolescente designa criana todapessoa at 12 anos de idade incompletos. Pode-se, assim, observarque no quadro legal brasileiro prioriza-se uma definio da crianapelo critrio etrio e pelo aspecto biolgico.

    Pinto & Sarmento (1997, p.15), ao discutirem a respeito do li-mite etrio para a definio do ser criana, destacam a inexistnciade um consenso, visto que recentes investigaes e estudos tm en-fatizado a condio da criana como sujeito de direitos desde a vidaintrauterina.

    Segundo os autores, as dificuldades quanto ao consenso de li-mites etrios da infncia se intensificam quando a discusso se re-fere ao limite etrio para deixar de ser criana. A esse respeito, aConveno dos Direitos da Criana, 1989, considera criana todoser humano at 18 anos, estabelecendo o fim da infncia no perodode conquista dos direitos cvicos, como o direito ao voto.

    Os limites da infncia encontram respaldos, alm do campolegal, nas tradies culturais. Para algumas etnias e culturas, a pu-

    berdade considerada o fim da infncia e incio da vida adulta. Osnveis ou ciclos de escolaridade tambm so possveis fronteiraspara demarcao da infncia.

    No Brasil, a educao das crianas at 6 anos de idade denomi-nada educao infantil, ao passo que o ensino fundamental, atual-mente de nove anos, abrange a faixa etria dos 6 aos 14 anos, idadeesta que poderia ser considerada como limite para o indivduo

    deixar a sua condio infantil. Considerando que muitas crianasconcluem o ensino fundamental com idade superior aos 14 anos,podemos inferir o quanto arbitrrio o critrio de escolaridade paradefinio do limite etrio da infncia.

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    Concluindo a discusso sobre o estabelecimento dos limitespara definio da infncia, Pinto & Sarmento (1997, p.17) asse-

    veram:

    [...] o estabelecimento desses limites no uma questo de meracontabilidade jurdica, nem socialmente indiferente. Pelo con-trrio uma questo de disputa poltica e social, no sendo in-diferente ao contexto em que se coloca nem ao espao ou tempoda sua colocao. Assim ser criana varia entre sociedades,culturas e comunidades, pode variar no interior da fratria de

    uma mesma famlia e varia de acordo com a estratificao so-cial. Do mesmo modo, varia com a durao histrica e com adefinio institucional da infncia dominante em cada poca.

    Podemos compreender que o estabelecimento dos limites da in-fncia um processo polmico, contraditrio e constitutivo da pr-pria infncia enquanto categoria social (Fullgraf, 2001, p.28).

    Javeau (2005), ao discutir o conceito polissmico da infnciachama a ateno para o campo semntico dos termos infncia,crianae crianas. Segundo o autor, o termo criana remete a umaconcepo psicolgica, preocupao com o sujeito criana em si,considerando as suas caractersticas individuais.

    O autor destaca: construiu-se um objeto abstrato, a criana,destinado a passar por nveis diversos e sucessivos de aquisio de

    competncias, cada um deles constituindo uma etapa na fabricaoda personalidade dos indivduos (Javeau, 2005, p.382).Em relao infncia, o autor apresenta a perspectiva demo-

    grfica, referindo-se gerao e faixa etria; por sua vez, o termocrianas relaciona-se ao campo antropolgico ou socioantropol-gico, podendo ser consideradas como uma populao ou conjuntode populao com plenos direitos cientficos, com seus traos cul-

    turais, seus ritos, suas linguagens, suas imagens e aes (Javeau,2005, p.385).Sarmento & Pinto (1997, p.11, grifo dos autores), ao discutirem

    as concepes de infncia e criana, esclarecem que:

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    Com efeito, crianas existiram desde sempre, desde o primeiroser humano, e a infncia como construo social a propsito daqual se construiu um conjunto de representaes sociais e decrenas e para qual se estruturaram dispositivos de socializaoe controle que a instituram como categoria social prpria existe desde os sculos XVII e XVIII [...].

    Para Kuhlmann Jnior (2001, p.31), a infncia uma condiodo ser criana, devendo ser compreendida no contexto das relaessociais:

    [...] considerar a infncia como uma condio da criana. O con-junto de experincias vividas por elas em diferentes lugares his-tricos, geogrficos e sociais muito mais do que uma repre-sentao dos adultos sobre esta fase da vida. preciso conheceras representaes da infncia e considerar as crianas concretas,localiz-las nas relaes sociais, etc., reconhec-las como produ-

    toras da histria.

    O termo infncia apresenta um carter genrico, cujo signifi-cado resulta das transformaes sociais, o que demonstra que avivncia da infncia modifica-se conforme os paradigmas do con-texto histrico e outras variantes sociais como raa, etnia e condiosocial. Kramer (2003a, p.19) destaca que a ideia de infncia aparece

    com a sociedade capitalista urbana industrial, medida que mudama insero e o papel social da criana na sociedade.

    Kuhlmann Jnior (2001, p.16), referindo-se ao carter histricoe social do termo infncia, afirma: toda sociedade tem seus sis-temas de classes e idade e a cada uma delas associado um sistemade statuse de papel. Para ele, preciso reconhecer as crianas en-quanto sujeitos histricos, ou seja, importante perceber que as

    crianas concretas, na sua materialidade, no seu nascer, no seu vi-ver e no seu morrer, expressam a inevitabilidade da histria e nelase fazem presentes, nos seus mais diferentes momentos (Kuhl-mann Jnior, 2001, p.32).

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    O autor tambm considera que a histria da infncia apresentaum carter no linear e deve ser contextualizada, aliada histria

    da assistncia, da famlia e da educao.

    Infncias: na encruzilhada da modernidadee ps-modernidade

    Infncia e a condio da criana de vir a ser

    Como vimos, o estudo de Aris pode ser considerado uma dasgrandes obras para a compreenso das imagens e concepo da in-fncia ao longo da histria, reconhecendo a infncia como umaconstruo da modernidade. Ou seja, com o projeto de moderni-dade que a infncia sai do anonimato, tornando-se objeto de estudode vrias reas do saber.

    A modernidade trouxe consigo o desejo de compreender, ex-plicar e controlar toda a sociedade, marcada pelos fatores da racio-nalizao do homem e da organizao do capital.

    Enquanto perodo histrico, tem sua origem no sculo XVII, nobojo de profundas transformaes sociais e culturais. Atingiu seupice no sculo XVIII, com o advento do iluminismo3 e com oapogeu da sociedade industrial.

    A modernidade configura-se como perodo histrico que su-cede o perodo medieval, consagrada pelos iderios iluministas dedesenvolvimento da cincia objetiva. O divino, a f e os fenmenossobrenaturais deixam de compor a base do conhecimento, sendosubstitudos pela razo, pela busca da ordem, do progresso e damoralidade.

    Conforme Harvey (2008, p.23):

    3. O iluminismo refere-se a um movimento intelectual surgido na segunda me-tade do sculo XVIII, reconhecido como Sculo das Luzes, que enfatizava arazo e a cincia como instrumentos para explicar o universo.

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    O desenvolvimento de formas racionais de organizao social ede modos racionais de pensamento prometia a libertao das ir-racionalidades do mito, da religio, da superstio, liberao douso arbitrrio do poder, bem como do lado sombrio da nossaprpria natureza humana. Somente por meio de tal projeto po-deriam as qualidades universais, eternas e imutveis de toda ahumanidade serem reveladas.

    O desenvolvimento das cincias e do mtodo cientfico forta-leceram os iderios do projeto de modernidade na busca de conhe-

    cimentos sobre a realidade e o indivduo pautado pelo uso incon-dicional da razo. Aliados razo estavam os preceitos de liberdadee igualdade, propagados pela Revoluo Francesa.

    Ainda de acordo com Harvey (2008, p.23):

    O projeto de modernidade veio tona durante o sculo XVIII.Ele implicou em um esforo intelectual extraordinrio por parte

    dos pensadores do iluminismo para desenvolver uma cincia ob-jetiva, uma moralidade, uma lei universal e uma arte autnoma.A ideia era usar o acmulo de conhecimento gerado por muitosindivduos que trabalhavam de maneira livre em busca da eman-cipao do ser humano e do enriquecimento da vida humana.

    Para Santos (1997, p.78), no sculo XVIII que se d o cumpri-

    mento histrico do conceito de modernidade, perodo concomi-tante ao surgimento do capitalismo4 como modo de produodominante na Europa.

    Segundo o projeto iluminista, caberia escola configurar-secomo espao para a transmisso do conhecimento cientfico e paraa formao do cidado. Em relao s crianas, o projeto escolar

    4. Santos (1997), analisa o desenvolvimento do capitalismo em trs perodos: ca-pitalismo liberal (sculo XIX), capitalismo organizado (final do sculo XIX) eo capitalismo desorganizado (a partir da dcada de 1960). Para aprofundar oestudo desses perodos do capitalismo, consultar tambm Harvey (2008).

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    deveria prepar-las para a vida adulta e para o mundo produtivo.As influncias desses pensamentos determinaram a configurao

    de teorias pedaggicas como a de John Locke, na qual a criana reconhecida como uma tbula rasa, como um vir a ser, devendoser preenchida de conhecimentos necessrios a sua formao en-quanto fora produtiva. Essa construo social da criana remete categoria a que Dahlberg, Moss e Pence se referem, a criana comoreprodutora do conhecimento, identidade e cultura, reconhecendoa infncia como base para o desenvolvimento futuro:

    Na construo da criana como reprodutor de conhecimento,identidade e cultura, a criana pequena entendida como ini-ciando a vida sem nada e a partir de nada como um vaso vazioou tbula rasa. Pode-se dizer que esta a criana de Locke. Odesafio fazer que ela fique pronta para aprender e prontapara a escola na idade do ensino obrigatrio. Por isso, durantea primeira infncia a criana pequena precisa ser equipada comos conhecimentos, com as habilidades e com os valores culturaisdominantes que j esto determinados, socialmente sancionadose prontos para serem administrados um processo de repro-duo ou transmisso tem tambm de ser treinada para seadaptar s demandas estabelecidas pelo ensino obrigatrio.(Dahlberg, Moss & Pence, 2003, p.65)

    O interesse pela infncia propagado pela modernidade inau-gura, num certo sentido, a preocupao com a criana e sua for-mao, porm o objetivo no era a criana em si, mas o adulto deamanh. Reconhecida como fase da no razo, da imaturidade, asexpectativas sobre a infncia propagavam um discurso legitimandoa infncia como uma fase do desenvolvimento humano no qual acriana, ser frgil e dependente do adulto, deveria ser educada e

    disciplinada para o desenvolvimento pleno de suas faculdades, in-clusive da razo.

    As vivncias da infncia nos sculos pr-modernos ocorriam nacoletividade, sendo que a socializao e a educao das crianas

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    aconteciam por meio de uma ampla rede de sociabilidade na qual,gradualmente, os pequenos seres adquiriam os conhecimentos re-

    ferentes aos usos, tcnicas e costumes de sua comunidade.Aris chama a ateno para o fato de que a ausncia da cons-cincia da infncia no significava que as crianas fossem maltra-tadas ou desprezadas. Segundo o autor, at o sculo XVIII pode-seobservar um estado de paparicao excessiva s crianas, comose fossem bichinhos de estimao dos adultos.

    Na Idade Mdia, as crianas no apresentavam estatuto social

    e autonomia existencial, eram consideradas como meros seres bio-lgicos. Paradoxalmente, embora a histria revele a existnciadas crianas, seres biolgicos, desde a Antiguidade, nem semprehouve infncia, categoria social de estatuto prprio (Sarmento,2004, p.11).

    As crianas pertenciam ao universo feminino at que pudessemser integradas ao mundo adulto, ou seja, quando apresentassem con-

    dies para o trabalho, para a participao na guerra ou para a repro-duo. Segundo Barbosa (2006, p.75), era predominante, nesseperodo histrico, uma viso da criana que a considerava rude, fracade juzo e marcada pelo pecado original, e que, portanto, deveria sercontrolada e vigiada pelos adultos.

    O surgimento da infncia na modernidade apresenta como ca-rter paradoxal o reconhecimento da criana e a perda da sua liber-

    dade, pois se antes o anonimato permitia uma ampla vivncia nacoletividade, agora inicia-se o processo de privatizao de suasvivncias, seja na famlia, seja na escola. Paralelamente segre-gao das crianas do mundo adulto, so desenvolvidos novos sen-timentos em relao s crianas associados pureza, ingenuidade efragilidade. Barbosa (2006, p.76-7) destaca que, junto ao novo sen-timento de infncia, so inauguradas novas prticas e teorias para

    govern-la.O reconhecimento da infncia enquanto etapa do desenvolvi-

    mento humano, nos sculos XIX e XX, faz surgir a infncia cient-fica, com a propagao de conhecimentos construdos por vrias

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    reas do saber, o que determinar um conjunto de teorias e pr-ticas a serem desenvolvidas para cuidar dessa categoria. So divul-

    gadas normas de higiene e cuidados com as crianas, investe-se emcampanhas de amamentao, criam-se instituies de atendimen-to, como as creches e jardins da infncia, enfim, cria-se o que Bar-bosa (2006, p.77) denomina de infncia atendida. A autora alertaque esses saberes e instituies destinavam-se criana burguesae que outras infncias coexistiam ao mesmo tempo, ou seja, acriana abandonada nos orfanatos, nas rodas de expostos, a criana

    explorada nas fbricas ou, ainda, privada de condies dignasde existncia.O conjunto desses saberes5influenciou as representaes sociais

    sobre as crianas incorporadas ao imaginrio coletivo. De acordocom Sarmento (2004, p.12), esses saberes prescrevem padres denormalidade, ou seja, conhecimentos referentes ao desenvolvi-mento das crianas, conforme alguns padres que orientaro as fa-mlias e as instituies nos cuidados e educao das crianas.Conforme o autor, esses saberes pautam-se por duas ideias confli-tuais da infncia:

    Referimo-nos s concepes antagnicas rosseaunianas e mon-taigneanas sobre a criana, ao construtivismo e ao comporta-mento, s pedagogias centradas no prazer de aprender e spedagogias centradas no dever do esforo, s pulses liberta-

    doras e aos estmulos controladores, em suma s ideias dacriana-anjo, natural, inocente e bela e a criana demnio, re-belde, caprichosa e disparata. (Sarmento, 2004, p.13)

    Dentre os saberes cientficos produzidos sobre a infncia,podem-se destacar as influncias da Psicologia do Desenvolvi-

    5. Segundo Barbosa (2006, p.73), os saberes cientficos sobre a infncia foramproduzidos inicialmente pela Biologia, Psicologia e Medicina e somente no s-culo XX tornou-se objeto de estudo da Histria e da Sociologia.

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    mento, ao estabelecer estgios universais do desenvolvimento in-fantil, sobretudo nas prticas pedaggicas.

    Dahlberg, Moss & Pence (2003, p.53) explicitam as influnciasda Psicologia do Desenvolvimento na construo do conhecimentosobre a infncia:

    [...] a Psicologia do Desenvolvimento pode ser vista como umdiscurso que, alm de contribuir para a construo de nossasimagens das crianas e para o nosso entendimento das suas ne-cessidades, contribuiu para a construo e para a constituio de

    toda a paisagem da infncia.

    Outros fatores aliados aos saberes cientficos sobre a infnciacontriburam para a institucionalizao da infncia na moderni-dade, dentre eles a institucionalizao da escola pblica, o senti-mento de cuidado e proteo das famlias e a promoo daadministrao simblica da infncia, configurando uma infncia

    global (Sarmento, 2004, p.12).Dentre esses fatores, Sarmento (2004, p.13) considera como

    primeiro e decisivo a criao de instncias pblicas de socializaodas crianas com a institucionalizao da escola pblica, a qualir configurar o ofcio de aluno como componente essencial doofcio de criana. Assim, ser na escola que as crianas se apro-priaro dos saberes, normas e valores institudos como dominantes

    na sociedade.Para Sarmento (2004, p.13), a modernidade desenvolveu um

    conjunto de procedimentos configuradores da administrao sim-blica da infncia, os quais estabelecem normas, atitudes e pres-crio, nem sempre escritos ou formalizados, que condicionam edirecionam a vida das crianas em sociedade.

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    Infncia e condio da criana como sujeito de direitos

    Segundo Dahlberg, Moss & Pence (2003, p.78), novas constru-es6sobre a infncia tm sido elaboradas, conjugadas ao desenvolvi-mento de vrios fatores sociais, econmicos e cientficos, em especialaos relacionados s perspectivas construcionistas e ps-modernistasna Filosofia, Sociologia e Psicologia. Os autores destacam que, para aperspectiva ps-moderna, no existe a criana e a infncia, vistoque h muitas crianas e muitas infncias, cada uma construda pornossos entendimentos da infncia e do que as crianas so e devemser (Dahlberg, Moss & Pence, 2003, p.63).

    Para compreendermos a relao da infncia na ps-moderni-dade, vamos discutir a princpio o seu conceito.

    Santos (1997, p.76-7) assim discorre sobre o paradigma da ps--modernidade:

    O paradigma cultural da modernidade constitui-se antes de o

    modo de produo capitalista se ter tornado dominante e extin-guir-se- antes de este ltimo deixar de ser dominante. A suaextino complexa porque em parte um processo de supe-rao e em parte um processo de obsolescncia. superaona medida em que a modernidade cumpriu algumas das suaspromessas e, de resto, cumpriu-as em excesso. obsolescnciana medida em que a modernidade est irremediavelmente inca-

    pacitada de cumprir outras das suas promessas. Tanto o excessono cumprimento de algumas das promessas como o dficit nocumprimento de outras so responsveis pela situao presente,que se apresenta superficialmente como de vazio ou de crise,mas que , a nvel mais profundo, uma situao de transio.Como todas as transies so simultaneamente semicegas esemi-invisveis, no possvel nomear adequadamente a pre-sente situao. Por esta razo lhe tem sido dado o nome ina-

    6. Os autores analisam as mudanas nas construes da infncia na Europa, Es-tados Unidos e pases escandinavos, destacando a relao entre o Estado e asfamlias nas mudanas das polticas de atendimento infncia.

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    dequado de ps-modernidade. Mas, falta de melhor, umnome autntico na sua inadequao.

    O autor argumenta a relao contraditria e dialtica entre amodernidade e a ps-modernidade: A relao entre o moderno ,pois, uma relao contraditria. No de ruptura total comoquerem alguns, nem de linear continuidade como querem outros. uma situao de transio em que h momentos de ruptura e mo-mentos de continuidade (Santos, 1997, p.103).

    Dahlberg, Moss & Pence (2003, p.41) tambm destacam que,apesar das diferentes perspectivas e valores propagados pela mo-dernidade e ps-modernidade, no se pode inferir uma completaoposio e ruptura entre ambas.

    O projeto de ps-modernidade, surgido a partir da dcada de1960, vem questionar o conhecimento absoluto propagado peloprojeto iluminista, reconhecendo a incerteza, a complexidade, adiversidade, a no linearidade, a subjetividade, as perspectivasmltiplas e as especificidades temporais e espaciais (Dahlberg,Moss & Pence, 2003, p.37).

    Nessa perspectiva no h conhecimento nem verdades abso-lutas. O conhecimento e o mundo so socialmente construdos,sendo, portanto, provisrios e ilimitados, o que remete ideia dofilsofo Herclito, a de que pela segunda vez que voc pula na gua,voc no pula na mesma gua.

    Recorreremos a Libneo (1997, p.144-5) para sintetizar algumasdas caractersticas da condio ps-moderna. O autor elabora as suasconsideraes destacando os aspectos filosficos, econmicos, pol-ticos e culturais que configuram o ps-modernismo.

    Em relao ao aspecto filosfico, o ponto central do ps-moder-nismo a rejeio s teorias totalizantes e a afirmao de categoriasuniversais no mbito da ideologia, das cincias e da religio.

    Quanto ao aspecto econmico, so ressaltadas as mudanas nosistema produtivo e no mundo do trabalho consequentes das trans-formaes tcnico-cientficas, o que se refletir em novas exign-cias para uma mo de obra cada vez mais qualificada.

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    A reduo da crena moderna no Estado-nao e na prtica po-ltica convencional so as principais evidncias da ps-moderni-

    dade no campo poltico, ao passo que no campo cultural podem-sedestacar as mudanas nas formas de produo, circulao e con-sumo da cultura: h uma proliferao de significados, gerandouma sociedade em que imperam as simulaes, num mundo deimagens e fantasias eletrnicas (Libneo, 1997, p.145).

    Para Sarmento (2004, p.14-5), a condio elencada como ps--modernidade referida como segunda modernidade, caracteri-

    zada por um quadro complexo de rupturas:

    A segunda modernidade caracteriza-se por um conjunto asso-ciado e complexo de rupturas sociais, nomeadamente a substi-tuio de uma economia predominantemente industrial por umaeconomia de servios, a criao de dispositivos de mercado es-cala universal, a deslocalizao de empresas, a ruptura do sis-

    tema de equilbrio de terror entre dois blocos, com a crise dospases socialistas do Leste Europeu e o fim dos regimes comu-nistas, a afirmao dos EUA como nica potncia hegemnica, aconcluso do processo de descolonizao dos pases africanos,a emergncia de uma situao ambiental crtica, as rupturas nomercado de trabalho pela subida das taxas de desemprego, acrise de subsistncia do Estado-Providncia, a crescente pre-sena e reclamao na cena internacional de movimentos sociais

    e protagonistas divergentes das instncias hegemnicas, a afir-mao radical de culturas no ocidentais, nomeadamente de ins-pirao religiosa, etc.

    Na viso do autor, um dos traos mais marcantes da infncia nasegunda modernidade a mudana e pluralizao de suas identi-dades, em virtude do processo de globalizao. Embora tenhamos

    diferenas e desigualdades marcantes na vivncia da infncia emtodo o mundo, os impactos da globalizao nessa categoria gera-cional contriburam para a disseminao da ideia da existncia deuma s infncia mundial. Os efeitos da globalizao da infncia so

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    resultantes de processos econmicos, polticos, culturais e sociais,conforme esclarece Sarmento (2001, p.15):

    No entanto, a globalizao da infncia hoje a resultante de pro-cessos polticos (por exemplo, por efeito da regulao intro-duzida por instncias como a Unicef, a OIT, etc.), processoseconmicos (por exemplo, a criao de um mercado global deprodutos para a infncia), processos culturais (por exemplo, ainfluncia dos mitos infantis criados a partir das sries inter-nacionais de televiso) e processos sociais (por exemplo, a insti-

    tucionalizao dos quotidianos da criana ou a difuso mundialda escola de massas).

    Para Giddens (1991, p.64), a globalizao entendida como aintensificao das relaes sociais mundiais que unem localidadesdistantes de tal modo que os acontecimentos locais so condicio-nados por eventos que acontecem a muitas milhas de distncia e

    vice-versa. Santos (1997, p.90) a considera como o conjunto derelaes sociais e culturais transacionais. Libneo (2005, p.70), aoabordar o tema, conceitua a globalizao como uma gama de fa-tores econmicos, sociais, polticos e culturais que expressam o es-prito e a etapa do desenvolvimento do capitalismo em que o mundose encontra atualmente.

    Sarmento (2001, p.16-8), ao analisar os impactos da globali-

    zao na infncia, trabalhou com as ideias de globalizao hege-mnica e globalizao contra-hegemnica.7 Como efeitos daglobalizao hegemnica, podemos constatar o estado de vulne-rabilidade, misria e explorao a que submetida grande parceladas crianas do mundo, em especial dos pases perifricos. Comoexemplos: a crescente insero da mo de obra infantil no mercadode trabalho; o aumento dos indicadores da pobreza infantil e o for-

    talecimento de um mercado global da infncia influenciando na

    7. Para aprofundar a discusso dos conceitos de globalizao hegemnica econtra-hegemnica, consultar Santos (1997).

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