Displasia Torácica -...

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Acta Pediatr. Port., 1998; N. I; Vol. 29: 67-9 Displasia Torácica JORGE P. LUÍS, JOÃO CASTELA, HELENA CARREIRO, ADRIANA MELO, ANA LUÍSA MARQUES, M. CÉU MACHADO Maternidade De Alfredo da Costa Serviço de Pediatria Resumo Os autores descrevem um caso clínico referente a uma criança que apresentava ao nascer uma marcada desproporção toraco-abdo- minai, por diminuição do diâmetro torácico. O Recém-nascido (RN) fez um Síndrome de Dificuldade Respiratória (SDR) precoce com necessidade de ventilação mecânica, tendo-se verificado dificuldade na entubação traqueal. Após a extubação manteve crises frequentes de polipneia e cianose. Na sequência da investigação etiológica, verificou-se que tinha uma estenose sub glótica importante. Associando os achados clínicos verificamos tratar-se de um síndrome de Barnes, forma rara de displasia torácica. Palavras-chave: Displasia toracolaringopélvica, Síndrome de Barnes, Recém-nascido. Summary The authors present a case of a child whose examination revealed a thoracoabdominal disproportion, due to a small thorax. The newborn presented with a respiratory distress syndrome within the first hour of life. Mechanical ventilation was initiated, with difficulty in endotracheal intubation. After extubation, frequent crisis of polypneia and cyanosis were observed. After etiologic investigation, an important laryngeal stenosis was found. Associating the clinicai signs, we can say that this is a Barnes syndrome, a rare case of thoracic dysplasia. Key-words: Thoracolaryngopelvic dysplasia, Barnes syndrome, Newborn. Introdução O Síndrome de Barnes, uma forma rara de displasia torácica, foi descrita pela Ia vez em 1969, (1) por Barnes e col., tendo a mesma família sido mais tarde descrita e reavaliada por Burn e col. em 1986 (2). Na revisão efec- tuada não foi encontrada bibliografia descrevendo este síndrome em Portugal. Entregue para publicação em 09/05/97. Aceite para publicação em 01/09/97. Caso Clínico T.D.M.C., criança do sexo masculino, raça branca, primeiro filho de pais jovens não consanguíneos, sem hábitos tabágicos ou alcoólicos. A gravidez foi vigiada, sem intercorrências. Cesariana por não progressão de tra- balho de parto, às 34 semanas na Maternidade Dr. Alfre- do da Costa (MAC). Índice de Apgar 6/8. Peso ao nascer 2450 gramas (P 50). Comprimento 43 cm (P 10). Perí- metro cefálico — 33,8 cm (P>90). Perímetro torácico 26 cm (P<10). Perímetro abdominal 30 cm (P>50). Na primeira observação de recém-nascido é referida desproporção toraco-abdominal, com tórax estreito e cur- to. O abdómen era globoso, (Fig I) com fígado palpável 3 cm abaixo do rebordo costal direito e baço 0,5 cm abaixo do rebordo costal esquerdo. Cabeça e membros sem alterações.

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Acta Pediatr. Port., 1998; N. I; Vol. 29: 67-9

Displasia Torácica JORGE P. LUÍS, JOÃO CASTELA, HELENA CARREIRO, ADRIANA MELO,

ANA LUÍSA MARQUES, M. CÉU MACHADO

Maternidade De Alfredo da Costa Serviço de Pediatria

Resumo

Os autores descrevem um caso clínico referente a uma criança que apresentava ao nascer uma marcada desproporção toraco-abdo-

minai, por diminuição do diâmetro torácico. O Recém-nascido (RN) fez um Síndrome de Dificuldade Respiratória (SDR) precoce com

necessidade de ventilação mecânica, tendo-se verificado dificuldade na entubação traqueal. Após a extubação manteve crises frequentes de polipneia e cianose. Na sequência da investigação etiológica, verificou-se que tinha uma estenose sub glótica importante.

Associando os achados clínicos verificamos tratar-se de um síndrome de Barnes, forma rara de displasia torácica.

Palavras-chave: Displasia toracolaringopélvica, Síndrome de Barnes, Recém-nascido.

Summary

The authors present a case of a child whose examination revealed a thoracoabdominal disproportion, due to a small thorax. The newborn presented with a respiratory distress syndrome within the first hour of life. Mechanical ventilation was initiated, with difficulty

in endotracheal intubation. After extubation, frequent crisis of polypneia and cyanosis were observed. After etiologic investigation, an important laryngeal stenosis was found. Associating the clinicai signs, we can say that this is a Barnes syndrome, a rare case of thoracic

dysplasia.

Key-words: Thoracolaryngopelvic dysplasia, Barnes syndrome, Newborn.

Introdução

O Síndrome de Barnes, uma forma rara de displasia torácica, foi descrita pela Ia vez em 1969, (1) por Barnes e col., tendo a mesma família sido mais tarde descrita e reavaliada por Burn e col. em 1986 (2). Na revisão efec-tuada não foi encontrada bibliografia descrevendo este síndrome em Portugal.

Entregue para publicação em 09/05/97. Aceite para publicação em 01/09/97.

Caso Clínico

T.D.M.C., criança do sexo masculino, raça branca, primeiro filho de pais jovens não consanguíneos, sem hábitos tabágicos ou alcoólicos. A gravidez foi vigiada, sem intercorrências. Cesariana por não progressão de tra-balho de parto, às 34 semanas na Maternidade Dr. Alfre-do da Costa (MAC). Índice de Apgar 6/8. Peso ao nascer 2450 gramas (P 50). Comprimento 43 cm (P 10). Perí-metro cefálico — 33,8 cm (P>90). Perímetro torácico 26 cm (P<10). Perímetro abdominal 30 cm (P>50).

Na primeira observação de recém-nascido é referida desproporção toraco-abdominal, com tórax estreito e cur-to. O abdómen era globoso, (Fig I) com fígado palpável 3 cm abaixo do rebordo costal direito e baço 0,5 cm abaixo do rebordo costal esquerdo. Cabeça e membros sem alterações.

Di.splasia Torácica

FIG. 1 - Fotografia revelando urna desproporção evidente entre o tórax e o abdómen. Tórax estreito e abdómen proeminente.

É internado após o nascimento, por dificuldade respi-ratória de agravamento progressivo que levou à necessi-dade de ventilação mecânica.

Destaca-se a grande dificuldade na entubação tra-queal, por não progressão da sonda traqueal. Esteve ven-tilado durante oito dias.

Os exames complementares realizados inicialmente: ecografia transfontanelar, ecografia renal e exame oftal-mológico foram normais.

A radiografia do esqueleto revelou um tórax estreito em forma de sino, com pelve estreita (Fig II).

FIG. II - Radiografia do esqueleto do RN, demonstrando um tórax em forma de «sino» e uma pelve estreita.

Após a extubação, manteve crises frequentes de cia-nose e polipneia, com baixas de saturação de oxigénio, das quais recuperava habitualmente após aspiração das secreções e administração de oxigénio ou, mais raramen-te, de forma espontânea.

Os aspectos radiológicos observados, associados a provável estenose laringotraqueal levaram a uma investi-gação da história familiar, no sentido de esclarecer a exis-tência de doença hereditária.

Na história familiar a mãe referia antecedentes de dificuldade respiratória, de causa não esclarecida nos pri-meiros meses de vida, o tio materno apresentava um «pectus escavatum». O estudo radiológico da mãe revelou uma bacia de pequenas dimensões, e o tórax não mos-trava alterações significativas.

O recém nascido manteve as crises de dificuldade res-piratória com cianose pelo que foi efectuada laringos-copia directa que revelou estenose subglótica. A tomo-grafia axial computorizada do pescoço não foi conclu-siva. A repetição da laringoscopia directa reconfirmou a estenose subglótica circunferencial, com redução de 40 a 50% do lúmen.

Foi equacionada a realização de traqueotomia, mas esta foi protelada porque a criança melhorou da difi-culdade respiratória.

Teve alta clínica aos 3 meses de idade, com moni-torização da saturação de O, oxigénio e aparelho de aspi-ração de secreções, estando a mãe devidamente treinada para actuar quando necessário. Aos 4 meses e meio, foi internado por ter crises mais frequentes de cianose e dis-pneia. Durante o internamento fez uma paragem cardio-respiratória tendo havido necessidade de recorrer a uma traqueostomia de urgência.

Actualmente a criança tem 3 anos e 9 meses de idade, foi submetida a uma intervenção cirúrgica, laringofissura com colocação de tubo de Montgomery (tubo em T), para a permeabilização da subglote. Tem um desenvolvimento psicomotor normal, estando no percentil 25 para a altura e peso.

Discussão

A criança que descrevemos tem uma marcada des-proporção toraco-abdominal, por diminuição dos diâme-tros torácicos, com tórax pequeno, rígido e com configu-ração «em sino». As costelas, em particular as superiores apresentam-se curtas e horizontalizadas, com alargamen-to das junções costo-condrais e clavículas de situação alta. (Fig III)

Os ossos ilíacos são curtos e quadrados, com acetá-bulos horizontalizados e irregulares. (Fig. IV)

Estes aspectos radiológicos encontrados podem ser encontrados em três síndromes: distrofia torácica asfi-xiante (Síndrome de Jeune), displasia condro-ectodér-mica (Síndrome de Ellis Van Creveld) e displasia toraco--laringo-pélvica (Síndrome de Barnes).

O diagnóstico diferencial do caso que descrevemos faz-se principalmente com o S. de Jeune, onde também

Displasia Torácica

existe envolvimento dos membros, e a polidactilia é in-constante R 4 ). É frequente as crianças com S. de Jeune desenvolverem, ao longo da infância, falência renal asso-ciada a displasia tubular quística ou esclerose glomerular, doença hepática por fibrose ductal e aplasia da retina (5'.

No S. de Van Creveld é típico o envolvimento dos membros, com encurtamento e deformidade dos ossos longos, em particular dos segmentos distais, associando--se a polidactilia pós-axial e atingindo sobretudo as mãos (3 "- 7). É ainda frequente o envolvimento dos dentes e unhas, com hipoplasia e/ou displasia (3) e 50% dos doen-tes têm defeito cardíaco congénito (aurícula única) (K).

A existência de estenose laríngea subglótica asso-ciada às outras alterações encontradas no nosso caso, é semelhante aos casos descritos por Barnes e col "). Habi-tualmente estas crianças têm uma estatura normal, com uma constituição asténica, e desenvolvimento psicomotor e inteligência normais. As alterações esqueléticas tendem a atenuar-se com o crescimento, com uma diminuição da sintomatologia respiratória.

Este síndrome é de transmissão autossómica domi-nante, com penetrância e expressão variáveis, ao contrá-rio dos outros referidos, de transmissão recessiva.

Nesta família, a história materna de dificuldade respi-ratória na la infância associada a alterações radiológicas da bacia, assim como um tio materno com «pectus esca-vatum» sugerem uma forma de doença com expressão variável. Estes aspectos devem ser considerados no acon-selhamento genético, na avaliação do risco, quer em rela-ção à recorrência quer à gravidade de outros casos que possam ocorrer na frateria.

FIG. III — Radiografia do tórax aos 32 meses: costelas curtas e hori-zontalizadas, sobretudo as superiores, com alargamento das junções costo-condrais.

FIG. IV — Radiografia da pelve aos 32 meses: ossos ilíacos curtos e quadrados, acetábulos horizontalizados e irregulares.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Barnes ND; Hull D; Symons JS. Thoracic Dystrophy. Arch Dis Child 1969; 44: 11-17.

2. Burra J; Hall C; Marsden D; Matthew DJ. Autosomal dominant thora-colaryngopelvic dysplasia. Barnes syndrome. J Med Genet 1986: 23: 345-49.

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6. Pedrosa, Sanchez A. e Gomes, Rafael C. Diagnóstico por Imagem -Compêndio de Radiologia Clínica. 151 ed. Madrid. Interamericana McGraw-Hill, 1987.

7. Grainger, R.G. e Allison, D.J. Diagnostic Radiology. 2nd ed. London. Churchill Livingstone, 1992.

8. HulI D; Barnes ND. Children with Small Chests. Arch Dis Child 1972: 47: 12-19.

Correspondência: M.' do Céu Machado Directora do Serviço de Pediatria Hospital Fernando Fonseca 2700 AMADORA