Dist. hemorrágicos do rn

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35 CAPÍTULO 5 Maria Francielze Holanda Lavor DISTÚRBIOS HEMORRÁGICOS DO RECÉM-NASCIDO As síndromes hemorrágicas no período neonatal podem resultar de alterações no mecanismo hemostático como integridade dos vasos sanguíneos, plaquetas e fatores de coagulação. ALTERAÇÕES VASCULARES Podem ter como etiologia causas hereditárias (Telangiectasia hemorrágica familiar) ou adquiridas (como hipóxia grave, infecção, hipotermia e trauma). As adquiridas se associam frequentemente com alteração no número de plaquetas e nos fatores de coagulação. ALTERAÇÕES PLAQUETÁRIAS A trombocitopenia neonatal é definida como o número de plaquetas abaixo de 150.000/mm3 e pode ocorrer devido a destruição aumentada das plaquetas (trombocitopenia imunomediadas e não-imunomediadas), diminuição na produção de plaquetas, esses dois fatores combinados ou disfunção plaquetária. TROMBOCITOPENIA POR DESTRUIÇÃO AUMENTADA DAS PLAQUETAS » Púrpura trombocitopênica imunomediada: Auto-imune – nesse caso a mãe é portadora de púrpura trombocitopênica idiopática ou pode estar associada a doenças maternas como lúpus eritematoso sistêmico, hipertireoidismo ou uso de drogas pela mãe como digoxina, sulfamida. A mãe produz anticorpos IgG que tem capacidade de atravessar a placenta e atingir as plaquetas do feto. Então a mãe apresenta plaquetopenia e história de sangramento e o RN saudável, sem clínica ou apenas um

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CAPÍTULO 5

Maria Francielze Holanda Lavor

DISTÚRBIOS HEMORRÁGICOS DO RECÉM-NASCIDO

As síndromes hemorrágicas no período neonatal podem resultar de alterações no mecanismo hemostático como integridade dos vasos sanguíneos, plaquetas e fatores de coagulação.

ALTERAÇÕES VASCULARES

Podem ter como etiologia causas hereditárias (Telangiectasia hemorrágica familiar) ou adquiridas (como hipóxia grave, infecção, hipotermia e trauma). As adquiridas se associam frequentemente com alteração no número de plaquetas e nos fatores de coagulação.

ALTERAÇÕES PLAQUETÁRIAS

A trombocitopenia neonatal é definida como o número de plaquetasabaixo de 150.000/mm3 e pode ocorrer devido a destruição aumentada das plaquetas (trombocitopenia imunomediadas e não-imunomediadas), diminuição na produção de plaquetas, esses dois fatores combinados ou disfunção plaquetária.

TROMBOCITOPENIA POR DESTRUIÇÃO AUMENTADA DAS PLAQUETAS

» Púrpura trombocitopênica imunomediada:• Auto-imune – nesse caso a mãe é portadora de púrpura

trombocitopênica idiopática ou pode estar associada a doenças maternas como lúpus eritematoso sistêmico, hipertireoidismo ou uso de drogas pela mãe como digoxina, sulfamida. A mãe produz anticorpos IgG que tem capacidade de atravessar a placenta e atingir as plaquetas do feto. Então a mãe apresenta plaquetopenia e história de sangramento e o RN saudável, sem clínica ou apenas um

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quadro leve de sangramentos (petéquias) e um risco menor do RN apresentar sangramentos graves como a hemorragia intracraniana.

• Aloimune – a mãe produz anticorpos contra as plaquetas fetais. A mãe apresenta plaquetas normais e o RN saudável com petéquias, ou hemorragia gastrointestinal ou do trato genitourinário e há um risco elevado do RN apresentar hemorragia intracraniana precoce.

» Púrpura trombocitopênica não-imunomediada:

• Esta condição está associada a condições patológicas neonatais como: enterocolite necrosante, sepse, anemia hemolítica, policitemia exsanguíneotransfusão, retardo de crescimento intra-uterino, hiperesplenismo, hemangiomas (síndrome de Kasabach-Merrit), nutrição parenteral prolongada, hipertensão pulmonar persistente neonatal, Isoimunização Rh e erros inatos do metabolismo .

TROMBOCITOPENIA POR DIMINUIÇÃO NA PRODUÇÃO DE PLAQUETAS

Esta condição pode estar associada a várias doenças congênitas como:Anormalidades cromossômicas como as trissomias do 13 e 18, leucemia congênita, Anemia de Fanconi, Trombocitopenia com ausência de rádio, trombocitopenia amegacariocítica.

DISFUNÇÃO PLAQUETÁRIA

Nessa condição as plaquetas apresentam-se em número normal, porém a função como agregação encontram-se alterada. Podem ser adquiridas como é o caso de uso de drogas maternas como aspirina, penicilina, cefalosporinas, carbenecilina e indometacina, também pode estar associada a desordens metabólicas relacionadas a fototerapia, diabetes materno e acidose. Também podem ser hereditárias como a tromboastenia de Glanzmann, Síndrome de Bernard-Soulier e Síndrome de Wiskott-Aldrich.

DEFICIÊNCIA DOS FATORES DE COAGULAÇÃO

» Alterações Hereditárias nos Fatores de Coagulação• HemofiliaA-deficiênciadofatorVIII.• HemofiliaB–deficiênciadofatorIX.• Aproximadamente 10% dos casos de hemofilia apresentam

manifestações no período neonatal tais como sangramentos leves a

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intensos em locais de punção, coto umbilical, em pós operatórios e hemorragia in tracraniana.

• DoençadeVonWillebrand–éadeficiênciadofatordeVonWillebrandqueéumco-fatordaadesãoplaquetáriaeumcarreadordofatorVIIIna circulação e exerce um papel importante na hemostasia.

Alterações Adquiridas nos Fatores da Coagulação

• DeficiênciadeVitaminaK-quelevaàdeficiênciadeproduçãodosfatoresII,VII,IXeX,sendoresponsávelpelachamada“DoençaHemorrágica do Recém-Nascido” (ver detalhes na tabela 1).

• Coagulaçãointravasculardisseminada(CIVD)–éumacoagulopatiaadquirida que se carcteriza pelo consumo intravascular de fatores decoagulação,principalmenteI,II,V,VIIIeXIedeplaquetas.Podeser desencadeada por: asfiiixia grave, hipotermia, sepse, choquehemorrágico, aspiração meconial, acidose, enterocolite necrosante e síndrome do desconforto respiratório neonatal.

• DoençaHepática–quelevaadeficiênciadofatorV

Tabela 1. Doença Hemorrágica do Recém-Nascido Precoce Clássica Tardia

Início < 24 horas de vida 2 a 7 dias de vida 2 a 12 semanas de vidaEtiologia e fatores de risco

Uso materno de anticonvulsivantes (barbitúricos e fenitoina), de anticoagulante oral (ACO), rifampicina, isoniazida e causa idiopática

Oferta inadequada de vitamina K ao nascimento e aleitamento materno exclusivo

Oferta inadequada de vitamina K ao nascimen-to e aleitamento materno exclusivo associado a situações de alteração na absorção da vitamina K como:diarréia,fibrosecística, hepatite, doença celíaca,deficiênciadeἀ1 antitripsina e atresia de vias biliares

Localização TGI, umbilical, intra-abdominal, HIC* (20%) e céfalo-hematoma

TGI, umbilical, pós-circuncisão, ouvido, nariz, boca, pontos de punção e HIC

HIC (50%), TGI**, pele, ouvido,nariz, boca, pontos de punção, TGU***, intratorácico

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Profilaxia Se possível suspensão da medicação materna. Substituir o ACO por heparina no primeiro e no terceiro trimestres de gestação. E para todas indicar vitamina K1 - 5mg /diaVO

VitaminaK1 – 1mg/IM ao nascimento

VitaminaK1 – 1mg/IM ao nascimento e a cada 4 semanas

*HIC- hemorragia intracraniana ** TGI- trato gastrointestinal ***TGU- trato genito-urinário DIAGNÓSTICO

DIAGNÓSTICO CLÍNICOO diagnóstico clínico do recém-nascido que sangra baseia-se na história

e no exame físico. » História familiar – avaliar a existência familiar de coagulopatias como HemofiliaAeB,históriamaternadepúrpuratombocitopênicaidiopática.

» História obstétrica- dados sobre infecções maternas, uso de drogas comno anticonvulsivante (fenitoina), anticoagulantes orais, rifampicina, isoniazida, hidralazina, indometacina, penicilinas e carbenicilinas em altas doses, cefalosporinas, sulfonamidas e quininas.

» Exame Físico do RN – avaliar os locais de sangramento, investigar a presença de icterícia, hepatoesplenomegalia, hemangiomas e sinais carcterísticos de infecções congênitos.

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

» Se o RN apresenta hemorragia do trato gastrointestinal (TGI) deve-se proceder o Teste de Apt com NaOH 1% - para fazer o diagnóstico diferencial entre sangramento do TGI e deglutição de sangue materno.Para isso, mistura-se uma parte da secreção sanguinolenta do TGI do RN com cinco partes de água e centrifuga a mistura. Junta-se 5mL do sobrenadante com 1mL de NaOH 1% e então se a coloração for róseo indica sangue do RN (teste de Apt positivo) e de for marrom –amarelada indica sangue materno deglutido.

» Se o RN apresenta hemorragias em outros sítios e/ou teste de Apt

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positivo, realiza-se um screenig de coagulação :Hemograma com contagem de plaquetas, Tempo de Protrombina (PT), Tempo de Tromboplastina Parcial (TTP) eTempo de Trombina (TT)Se esses testes forem alterados, realiza-se a dosagem dos fatores de coagulação, dosagemdosprodutosdedegradaçãodafibrina (PDF),tempo de sangramento e testes de adesividade e agregação plaquetária.

RoteiroDiagnósticonaSíndromehemorrágicadoRN(modificadodeGross&Stuart)

TP= tempo de protombinaTTP= tempo de tromboplastinaTT= tempo de trombina CIVD=Coagulaçãointravasculardisseminada

RN em bom estado geral que sangra

Número de Plaquetas

Diminuido

-Doenças maternas -Drogas -Púrpura isoimune -Trombocitopenia hereditária

Tempo de sangramento

Tempo de Trombina

DeficiênciafatorIIeVII

Administrar 2mg vitamina K

Normal Prolongado Normal Prolongado Repetir TP e TTP após 4 horas

DeficiênciafatorXIII

Defeito qualitativo

das plaquetas Von

Willebrand

Def. fator VII,IX,XI,XII,Von

Willebrand

Efeito heparínico TP normal

TTP normalTP prolongado

TTP normal

Prolongado

AfibrinogenemiaDesfibrinogenemia

TT

Normal

Def. fator VouX

Def. VitaminaK

Normal

TP e TTP

TP prolongadoTTP prolongado

TP normal TTP normal

TP normal TTP prolongado

TP prolongado TTP normal

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RoteiroDiagnósticonaSíndromehemorrágicadoRN(modificadodeGross&Stuart)

TRATAMENTO

» Medidas Gerais• Manter vias aéreas pérvias e respiração efetiva, monitorização

gasométrica e por oximetria de pulso. Evitar hipóxia, acidose respiratória e/ou metabólica.

• Manter estabilidade hemodinâmica.• Lavagemgástricacomsorofisiológicoemtemperaturaambiente

(evitar soro gelado.• Evitar injeções intramusculares, punções vasculares, capilares e

procedimentos invasivos.• Corrigir anemia, manter hematócrito acima de 40%.

» Medidasespecíificas• TratarascausasespecíficasdosangramentodecadaRN:• Púrpura trombocitopênica auto-imune – uma contagem inicial

de plaquetas de 30.000 a 50.000/mm3 pode ser observada para se determinar uma tendência prévia a tratamento. As terapias atuais de primeira linha são dose elevada de imunoglobulina intravenosa (IV IgG) 1g/Kg/dia por 2 dias e/ou prednisona 3a 4mg/kg/dia inicialmente. Acompanhar com contagem de plaquetas; pode-se repetir a IV IgG se o número de plaquetasaumentou no primeiro momento e caiu novamente mais tarde.

RN em mau estado geral que sangra

N◦dePlaquetasdiminuído

TP e TTP

TP normal TTP normal

TP prolongado TTP prolongado

TP= tempo de protombina TTP= tempo de tromboplastina CIVD=Coagulaçãointravascular

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Transfusão de plaquetas não tem nenhum efeito terapêutico porque as plaquetas de doadores aleatóripos irão reagir com os anticorpos plaquetários.

• Púrpura trombocitopênica aloimune (isoimune)- Se plaquetas abaixo de 50.000/mm3, transfundir plaquetas maternas ou doador compatível antígeno-negativo Pla 1 negativo), lavadas e irradiadas, conforme tabela abaixo:

Tabela 2. Indicações gerais para transfusão de plaquetas na ausência de hemorragia clínicaSituação Clínica Indicação de TransfusãoRN termo sadio <20.000/mm3

RN pré-termo sadio <30.000/mm3

Procedimentos invasivos (punção lombar, ou peque-na cirurgia ou RN doente)

<50.000/mm3

Cirurgia grande <100.000/mm3

Dose usual: 1 unidade (1 unidade é usualmente igual a 20ml). Somente em circunstâncias excepcionais de restrição de volume deve ser administrado menos que uma unidade de plaquetas.

Atenção: Plaquetas não devem ser administradas em um acesso arterial ou em acesso venoso central.

Doença hemorrágica do recém-nascido – o tratamento do sangramento pordeficiênciadevitaminaK,deveserrealizadocomvitaminaK12mgEVquedeveseradministradolentamentedevidoaoriscodeanafilaxia.Deveserevitada a administração intramuscular pelo risco de formação de hematoma. Após a administração da vitamina K, dentro de 2 horas ocorre o aumento dos níveis dos fatores de coagulação e da função, e a completa correção dentro de 24 horas. Diante de hemorragias severas deve-se administrar plasma fresco congelado 10 a 20mL/K. Nos casos de hemorragias ameaçadoras àvida (hemorragia intracraniana ou sangramentos intensos) pode-se utilizar concentrado de protrombina (II,IX,X) 50U/Kg+ vitamina K1 – 20mgsubcutâneo.

Coagulação intravascular disseminada – o principal objetivo do tratamento é resolver ou controlar a causa básica e promover a manutenção dos seguintes parâmetros: contagem de plaquetas superior a 50.000/mm3, concentraçãoséricadefibrinogênioacimade100mg/dL,normalizaçãodeTPeTTP (ver tabela 3).

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Tabela 3. Coagulação intarvascular disseminada – resultado de exames laboratoriais e tratamentoExames Resultados TratamentoTP e TTP Prolongados Plasma fresco congelado – 10 a

20mL/Kg a cada 12 a 24 horasFibrinogênio < 100mg/dL Crioprecipitado 10mL/Kg a cada

12 a 24 horasContagem de plaquetas < 50.000/mm3 Concentrado de plaquetas 10 a

20ml/Kg a cada 12 a 24 horasProdutos de degrada-çãodafibrina(PDF)

Aumentados Plasma fresco congelado – 10 a 20mL/Kg a cada 12 a 24 horas

FatoresII,VeVIII Baixos Crioprecipitado10mL/Kg+Plasmafresco congelado – 10 a 20mL/Kg a cada 12 a 24 horas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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