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Cássia Helena Pereira Lima DO SACRIFÍCIO AO SACRO OFÍCIO: O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA INDIVÍDUOS COM DIFERENTES ESCOLARIDADES E VÍNCULOS TRABALHISTAS Belo Horizonte FEAD-Minas – Centro de Gestão Empreendedora Núcleo de Pós-graduação e Pesquisa Mestrado Profissional em Administração 2005

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Cássia Helena Pereira Lima

DO SACRIFÍCIO AO SACRO OFÍCIO: O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA INDIVÍDUOS COM

DIFERENTES ESCOLARIDADES E VÍNCULOS TRABALHISTAS

Belo Horizonte FEAD-Minas – Centro de Gestão Empreendedora

Núcleo de Pós-graduação e Pesquisa Mestrado Profissional em Administração

2005

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Cássia Helena Pereira Lima

DO SACRIFÍCIO AO SACRO OFÍCIO: O SIGNIFICADO DO TRABALHO PARA INDIVÍDUOS COM

DIFERENTES ESCOLARIDADES E VÍNCULOS TRABALHISTAS

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração, Modalidade Profissionalizante, da FEAD-Minas - Centro de Gestão Empreendedora, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Administração.

Área de concentração: Organizações

Orientadora: Profª. Drª. Adriane Vieira FEAD-Minas

Belo Horizonte FEAD-Minas

2005

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A Camila, Michelle e Helena,

por todos os momentos e

por todo o aprendizado

que tivemos juntas

neste mestrado.

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AGRADECIMENTOS

Nenhum homem é uma ILHA isolada; cada homem é uma

partícula do CONTINENTE, uma parte da TERRA; se um TORRÃO é arrastado para o MAR, a EUROPA fica

diminuída, como se fosse um PROMONTÓRIO, como se fosse o SOLAR de teus AMIGOS ou

O TEU PRÓPRIO; a MORTE de qualquer homem ME diminui, porque sou

parte do GÊNERO HUMANO. E por isso não perguntes

por quem os SINOS dobram;

eles dobram por TI.

John Donne1

Nenhum homem é uma ilha, nenhum trabalho pode ser feito sozinho. São partes daqui, partículas dali que nos arrastam para cada etapa. O solar dos amigos funde-se ao nosso para formar um só continente em busca de melhoria para o gênero humano. Tantos foram os colaboradores e amigos, que posso ser traída pela memória ao enumerá-los. Por isso, peço licença para quebrar o protocolo e agradecer, não nominalmente, mas seguramente do fundo do coração, a todos que me confiaram partículas de si próprios para que esta pesquisa pudesse ser desenvolvida. Então, que os sinos não dobrem apenas por mim, mas em agradecimento a todos vocês.

1 DONNE, John apud HEMINGWAY, Ernest. Por quem os sinos dobram. Tradução de Monteiro Lobato. 6.ed.

São Paulo: Nacional, 1958. 412 p.

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O de que se precisa é possibilitar que,voltando-se sobre si mesma,

através da reflexão sobre a prática, a curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, se vá tornando crítica. [...]

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.

O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que quase se confunda com a prática [...]

Quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser de por que estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar,

de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica.

(FREIRE, 2004, p. 39)

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi identificar o significado do trabalho, considerando escolaridade

e vínculo trabalhista como variáveis intervenientes. Procurou-se avaliar a influência desse

significado na conduta pessoal e profissional dos entrevistados e levantar novas reflexões ou

hipóteses acerca de questões práticas relativas ao dia-a-dia do trabalhador. Para tal, partiu-se

de uma revisão teórica que perpassou a origem do trabalho, suas diversas fases na história, o

cenário atual com seu novo tipo de trabalho e de trabalhador e subjetividade, sofrimento,

insegurança e prazer no trabalho, culminando na conceituação do significado do trabalho.

Com uma abordagem qualitativa, realizou-se então uma pesquisa aplicada, exploratória,

utilizando-se história de vida para coleta de dados. Os depoimentos foram avaliados através

da análise de conteúdo, considerando-se aspectos explícitos e implícitos do discurso da

amostra de 24 indivíduos com características bem diversificadas. Esse material indicou

resultados que negaram a influência direta das duas variáveis (escolaridade e vínculo) na

percepção do significado do trabalho. A comparação dos dados forneceu, entretanto,

subsídios para desmembrar esse significado, propondo-se sua avaliação sob diferentes e

imbricados aspectos: a centralidade do trabalho na vida do sujeito, a integração do sujeito com

o trabalho, a interferência mútua das diversas esferas da vida e, principalmente, a relação

entre as duas dimensões – a da materialidade e a do valor – sugeridas para o trabalho. Essa

interpretação propiciou localizar o trabalho entre a obrigação e a opção e percebê-lo como

sacrifício ou sacro ofício.

Palavras-chaves: Significado do trabalho; subjetividade; gestão de pessoas; prazer e sofrimento no trabalho.

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ABSTRACT The purpose of this research was the identification of the meaning of labour taking into

account the educational level and different labour relations as intervening variables. An

attempt was made to evaluate the influence of that meaning on the personal and professional

behavior of the interviewees and moot new reflections or theories about the practical

questions relating to the daily activities of the worker. Therefore, the starting point was the

theorical revision which passed by the origin of work, its various phases in history, the

today’s background with the new type of work and worker, subjectivity, suffering, lack of

confidence and pleasure in performing the work, attaining the real meaning of labour.

Afterwards, based on a qualitative approach, an applied and exploratory research was

performed, using data based on life reports. These statements were duly analyzed and

evaluated taking into consideration the explicit and implicit aspects of the speech of the

sampled 24 individuals with distinguished characteristics. This material has shown results

which denied the direct influence of the two variations (educational level and relationship) in

the awareness of the meaning of labour. However, the comparison of information supplied

data appropriate to separate this meaning, with a proposal of an evaluation under different and

overlapping aspects: the centralization of work in someone’s life, his integration with work,

the mutual interference with the various fields of life and, the most important, the relationship

between the two suggested dimensions – the materialism and the value – of work. This

interpretation allowed to place the work between the obligation and the option and feel it as a

sacrifice or a sacred service.

Keywords: Meaning of work; subjectivity; people management; pleasure and suffering in work.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES DIAGRAMA 1 - Continuum da centralidade do trabalho........................................ 95 DIAGRAMA 2 - Continuum da integração do sujeito com o trabalho...................... 96 DIAGRAMA 3 - Continuum da interferência do trabalho nas demais esferas da vida e vice-versa.............................................................................. 101 DIAGRAMA 4 - Confluência das dimensões do trabalho: materialidade e valor..... 103 DIAGRAMA 5 - Classificação do significado do trabalho segundo informações dos entrevistados nas dimensões materialidade e valor............................ 104 QUADRO 1 - Principais conceitos sobre trabalho......................................................... 72 QUADRO 2 - Amostra inicialmente idealizada no projeto de pesquisa........................ 78 QUADRO 3 - Amostra da pesquisa............................................................................... 79 QUADRO 4 – Identificação dos entrevistados por ocupação principal........................ 81 QUADRO 5 - Perfil dos entrevistados........................................................................... 82 QUADRO 6 - Classificação dos entrevistados em relação aos significados do trabalho explícita e implicitamente percebidos..................................... 106 QUADRO 7 – Comparativo de resultados do “teste do círculo”................................... 115

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................

1.1 Problemática e justificativa.............................................................................

1.2 Objetivos ........................................................................................................

10

12

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2 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................

2.1 Entendendo o que é trabalho...........................................................................

2.2 O trabalho ao longo do tempo.........................................................................

2.3 Cenário atual e um novo trabalho....................................................................

2.4 Entendendo a subjetividade.............................................................................

2.5 Subjetividade e trabalho..................................................................................

2.6 Sofrimento, insegurança e prazer no trabalho.................................................

2.7 Enfim, significado do trabalho........................................................................

16

16

21

33

51

57

61

67

3 METODOLOGIA ..............................................................................................

3.1 Tipo de pesquisa..............................................................................................

3.2 Universo, amostra e coleta dos dados..............................................................

3.3 Tratamento e análise dos dados.......................................................................

73

73

75

83

4 ANÁLISE DOS DADOS: O SIGNIFICADO DE TODOS E DE CADA UM......

4.1 Significado do trabalho.................................................................................... 4.1.1 Formação do significado do trabalho..................................................... 4.1.2 Significado do trabalho........................................................................... 4.1.3 Vínculo empregatício............................................................................. 4.1.4 Escolaridade...........................................................................................

4.1.5 Reflexão acerca do trabalho................................................................... 4.1.6 Outros temas relacionados ao trabalho surgidos nas entrevistas............

86 87 87 93

107 111 114 118

5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................. 129 REFERÊNCIAS........................................................................................................

135

ANEXOS.................................................................................................................... 143 Anexo A – Pauta de entrevista com empregados com e sem carteira,

autônomos, dona-de-casa e padre........................................................

144 Anexo B – Pauta de entrevista com desempregados............................................. 147 Anexo C – Teste do círculo.................................................................................. 149

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1 INTRODUÇÃO

Queremos uma economia feita para as pessoas e não as pessoas servindo à economia [faixa exibida pela organização não-governamental People’s Global Action, em Genebra, Suíça, na semana de 25/05/98, durante encontro de líderes mundiais em comemoração aos 50 anos da abertura de mercados mundiais através do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT] (TEIXEIRA FILHO, [200-], p. 1). – Bem, no Ocidente – expliquei – quando conhecemos alguém, muitas vezes a primeira pergunta que fazemos a um estranho é “O que você faz?”, que significa especificamente: “Em que você trabalha? Qual é o seu emprego?”. Assim, se o senhor se deparasse com uma pessoa que nunca viu antes, e ela não o conhecesse, [...] se ela visse apenas o ser humano e perguntasse: “O que o senhor faz na vida?”, qual seria a sua resposta? O Dalai-Lama refletiu em silêncio por um bom tempo e finalmente declarou: – Nada. Não faço nada. [...] Nada? Como? Era evidente que ele trabalhava tanto quanto qualquer outro conhecido meu, até mais. [...] eu havia testemunhado uma notável e incansável demonstração de atividade, dedicação e trabalho árduo (DALAI-LAMA, 2004, p. 14-15).

Em uma economia mundial em convulsão, com sistemas socioeconômicos buscando

alternativas para minimizar desequilíbrios causados pela polarização de riqueza e de

empregos, o trabalho e seu significado têm de ser constantemente rediscutidos. O homem

globalizado angustia-se com as diversas facetas do trabalho, a ausência deste representa

frustração, e a ociosidade torna-se apenas uma constante busca de um movimento que lhe faz

falta mortal.

Esta pesquisa surgiu dessa reflexão e desenvolveu-se na expectativa de pelo menos

descortinar caminhos para o posicionamento desse novo indivíduo-trabalhador nessa nova

economia e para o significado do trabalho na sua vida e na sociedade – um dos aspectos sobre

os quais a sociedade moderna está mais confusa (HARMAN; HORMANN, 1995, p. 23). A

dúvida, inclusive sobre o significado, decorre da série de mudanças aceleradas e às vezes

radicais que vem ocorrendo na sociedade moderna, também chamada de pós-industrial e

informacional, relatada por Sennett (2003, p. 84-85):

A experiência do trabalho ainda parece intensamente pessoal. Essas pessoas são fortemente impelidas a interpretar seu trabalho como refletindo sobre si mesmas, como indivíduos. Vinte e cinco anos atrás, eu perguntara aos padeiros gregos: “Por qual motivo você quer ser respeitado?”. A resposta era simples: ser um bom pai e depois um bom trabalhador. Quando fiz a umas vinte pessoas a mesma pergunta, ao voltar, sexo e idade complicaram o lado familiar da questão, mas, como antes, ser um bom trabalhador continuava sendo importante. Agora, porém, no regime flexível, as qualidades pessoais para ser um bom trabalhador pareciam mais difíceis de definir.

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Até que ponto pessoas “de diferente regiões de repente se tornam capazes de se valer dos

novos meios de produção, por exemplo, dos novos meios de comunicação, para mobilizá-los

para si e para a crítica”, ao invés de utilizá-los apenas para o processo de reprodução do

capital (KURZ, 1997, p. 87)? E quem irá comprar tudo aquilo que está sendo incessantemente

produzido, se, cada vez mais, menos pessoas trabalham e a maioria que trabalha tem cada vez

menos poder de compra? Tudo é feito pelo homem e para o homem... Destarte, tanto o fazer

quanto o ser têm de ter um sentido.

Afetando diretamente o trabalhador, no cenário político-socioeconômico contemporâneo,

especialmente no Brasil, encontra-se uma miscelânea de fatores: automação progressiva;

desenvolvimento contínuo e acelerado de tecnologias de comunicação e informação;

globalização; concentração de renda; empobrecimento de grande parte da população; exclusão

social; criminalidade; colapso da família; intensificação da mudança nos papéis sociais tanto

do homem quanto da mulher; falência do Estado e ineficiência de políticas governamentais;

implementação de modismos administrativos visando ao aumento de produtividade e à

redução de custos; empresas buscando alternativas de operação em rede, entre outros. Esse

conjunto tem conseqüências diretas na realidade do indivíduo e do profissional: foco na

carreira, já que o emprego é transitório; necessidade de manter a empregabilidade; surgimento

do home-office; criação de novas profissões; aumento do trabalho autônomo; jornadas de

trabalho maiores; pressão, cobrança e stress crescentes; ameaça constante de desemprego etc.

A mudança de postura e o conflito interno do indivíduo quanto à dicotomia vida pessoal

versus vida profissional já ficavam latentes na afirmação de Marx2, citado por Fonseca (1993,

p. 177): “o trabalhador assalariado ‘apenas se sente ele próprio quando não está trabalhando;

quando está trabalhando, ele não se sente ele próprio’”. Nas organizações dos indivíduos aos

quais Marx se referiu, a força e a coerção eram as estratégias mais utilizadas para obtenção da

produtividade então requerida do trabalhador. Contemporaneamente, entretanto, “o código de

punições do fiscal substituiu o antigo feitor de escravos” (GORZ, 2001, p. 33), e o processo

de envolvimento e mobilização também é exercido de maneira mais sutil e sofisticada: através

do conhecimento do indivíduo (FOUCAULT, 2004) e da mobilização da subjetividade, com

uma modalidade de alienação específica que resulta não da dissociação do indivíduo em

relação ao trabalho, mas da busca de sua integração com a organização e dentro dela e com o

próprio sistema capitalista. O indivíduo, então, vai além do sentir-se integralmente ele

2 MARX, K. Early writings. Tradução de R. Livingstone e G. Benton. Londres: [s.n.], 1975.

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mesmo e chega a personificar e a se sentir a própria organização, introjetando os valores, os

objetivos e a disciplina dela como seus. Nesse ínterim, surge também um número

significativo de pessoas que trabalham por prazer e estão profundamente envolvidas em suas

tarefas, seja diretamente ligadas a uma organização ou de forma independente, como

autônomos.

Como, então, essa diversidade de trabalhadores realmente se sente, hoje, a respeito de seu

trabalho, e como se processa essa diferença de sentimentos, conflitos e subjetividade que

resultam no significado do trabalho para cada um? Será que, como afirma Sennett (2001, p.

147), “hoje em dia, o que está em questão é a qualidade da experiência de trabalho”, em cujo

cerne se encontra a relação humana entre empregados e patrões?

1.1 Problemática e justificativa

A partir dessa consideração inicial, questionaram-se como o indivíduo articula a si mesmo e

suas percepções em relação ao trabalho e como isso afeta a sua vida como um todo.

Identificar e compreender o significado desse trabalho poderia representar um redirecionamento

de atitudes e postura, relativizando o sofrimento do indivíduo através do entendimento da

lógica social e do papel de diversos atores e elementos da sociedade. Ao se desvendar a

lógica do indivíduo – menor parte com identidade em um processo social e produtivo muito

mais abrangente (como a célula para o corpo humano) –, está se procurando entender a

estrutura e o funcionamento do todo, na tentativa de modificá-lo positivamente, nem que seja

apenas por meio de uma orientação ou reflexão. Modificando-se cada parte, o conjunto

também é alterado.

E por que estudar o trabalho? Por tudo que ele representa e possui, conforme enunciam

Kilimnik e Moraes (2000): (a) importância histórico-filosófica (com ele o homem modifica a

natureza e a si próprio); (b) significância científica; (c) relevância econômica incontestável

(além de ser para o homem o principal meio de obter recursos materiais e financeiros para

sustento e desenvolvimento próprio, as organizações dependem cada vez mais do trabalho

humano, a despeito de todo o desenvolvimento tecnológico); e (d) importância sociológica (o

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trabalho é uma das mais importantes instituições sociais, sustentando a sociedade em diversos

aspectos e sendo influenciado por ela).

Diante desse valor incontestável, poder-se-ia perguntar: por que, então, estudar o significado

do trabalho? Porque seu significado também (a) tem significância histórico-filosófica que o

coloca como relevante e central na história do homem; (b) tem significância individual

(comprovada pela quantidade de tempo que o indivíduo despende preocupando-se com o

trabalho ou com a falta dele); (c) afeta instituições e sociedades; (d) implica tendências sociais

que afetam a forma de as pessoas verem o trabalho; e (e) desperta interesse para o

desenvolvimento de pesquisa comparativa em nível mundial (MOW, 2003). O perigo de não

se prestar atenção no significado do trabalho está na possibilidade de as organizações

fragmentarem essa atividade até torná-la sem significado, perdendo, elas mesmas, sua própria

fonte de vitalidade (SOARES, 1992).

A forma idealizada para se chegar a diferentes nuances sobre o significado do trabalho foi

realizar uma pesquisa com profissionais autônomos, empregados com e sem carteira assinada,

desempregados, uma dona-de-casa e um religioso, subdividindo-os, independentemente de

sua área de atuação, também pelo nível de escolaridade (até segundo grau completo ou

superior). O confronto dos dados coletados buscou identificar semelhanças e diferenças no

significado do trabalho, a partir de sua formação, percepção e comunicação, e sua repercussão

no envolvimento e na atuação profissional dos entrevistados.

As análises foram realizadas sob a ótica da subjetividade dos próprios entrevistados, ou seja,

buscou-se compreender e enxergar o significado do trabalho através da lente do próprio

sujeito e de como ele imagina que os outros o vêem, e não através da visão que o mundo

exterior possa ter a respeito dele. À medida do possível, procurou-se interpretar o ponto de

vista desse indivíduo acerca do significado do trabalho naquele momento, em consonância

com seu habitus e campus3. Identificar e entender essa particularidade era o objetivo do

contato com o entrevistado, por mais difícil que isso fosse. Boff (2003, p. 9) esclarece bem

essa especificidade:

Todo ponto de vista é a vista de um ponto. Para entender como alguém lê, é necessário saber como são seus olhos e qual é a sua visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender, é essencial conhecer o lugar social de quem olha.

3 Conceitos de Pierre Bourdieu (2003): habitus, sinteticamente, significa conhecimento adquirido e um haver

(um capital) que atua como força conservadora que organiza e produz a prática voluntária; e campus, a configuração das relações socialmente distribuídas do ator social.

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Assim, o problema de pesquisa foi sintetizado através da seguinte pergunta: qual o

significado do trabalho para indivíduos com e sem vínculos trabalhistas e quais os

reflexos desse significado nos aspectos profissional e social de suas vidas?

Embora o estudo do significado do trabalho seja uma preocupação forte em países como

Alemanha, França e Itália – o que está refletido no volume e na qualidade de trabalhos sobre o

tema –, no Brasil ainda existem poucas obras que o abordam especificamente. Esta pesquisa

procurou entender a identificação do indivíduo com o trabalho, assim como fornecer subsídios

e contribuir para a reflexão sobre as políticas atuais de gestão de pessoas, a precarização do

trabalho e o resgate do sujeito para o centro das organizações e do mundo. Essas são dimensões

lembradas por Chanlat (1996a, 1996b, 1996c), mas parcial ou totalmente esquecidas por parte

das organizações e dos próprios trabalhadores, num momento de mudança da ética e do próprio

significado do trabalho.

Em certo aspecto, os primeiros resultados concretos alcançados por esta pesquisa

extrapolaram os objetivos relacionados a seguir e corroboraram a lógica do entender para

modificar, pois a reflexão proporcionada aos envolvidos não só operou como um espelho,

fazendo com que cada um repassasse parte de sua trajetória, mas levou alguns à reavaliação e

até à efetiva ação no sentido de modificar a relação que tinham com seu trabalho. A

concretização da re-significação das histórias vivenciadas – e/ou das experiências introjetadas

através das lembranças acerca da percepção do mundo externo e da reação a ele – levou-os a

sair da inércia em busca de um novo significado para o trabalho, como explica Vasques-

Menezes (2004, p. 40):

Aspectos do trabalho como produtores de sofrimento exigem investimento do trabalhador tanto na transformação do mundo externo, onde se estabelecem suas relações sociais e econômicas, quanto na transformação do que pode ser entendido como mundo interno, onde estas relações se articulam com aspectos da subjetividade e da psicodinâmica do indivíduo.

1.2 Objetivos

Esta pesquisa norteou-se pelo seguinte objetivo geral:

- conhecer o significado do trabalho para indivíduos com e sem vínculos trabalhistas e os

reflexos desse significado em sua vida profissional e social.

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Como caminho para atingir esse objetivo maior, foram traçados os seguintes objetivos

específicos:

- analisar o significado do trabalho para diferentes trabalhadores;

- avaliar qual a influência desse significado na conduta pessoal e profissional dos indivíduos;

- avaliar se existe diferença de significado do trabalho entre indivíduos com e sem vínculos

trabalhistas (autônomos, trabalhadores com e sem carteira assinada e desempregados);

- avaliar se a diferença de escolaridade influencia no significado do trabalho;

- levantar novas reflexões e hipóteses sobre questões práticas relativas ao dia-a-dia do

trabalhador.

Na seqüência, serão apresentados o referencial teórico abordando diversos aspectos do

trabalho e da subjetividade (no Capítulo 2), o detalhamento da metodologia (Capítulo 3), a

análise dos dados, ressaltando-se alguns resultados de cada entrevistado para posteriormente

compará-los a partir do agrupamento pelas variáveis escolaridade e vínculo (Capítulo 4) e, por

fim, no Capítulo 5, as conclusões e considerações finais obtidas durante a realização das

pesquisas desta dissertação.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

No fundo da prática científica existe um discurso que diz: ‘nem tudo é verdadeiro; mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente aqui e em todo lugar’ (FOUCAULT, 2003, p. 113).

Definir a boa perspectiva e o ângulo correto num tema tão presente e amplamente debatido como

o trabalho transforma-se em delicada escolha entre correntes, por vezes totalmente divergentes.

Buscando-se coerência com os objetivos apresentados, optou-se pelas abordagens psicológicas,

sociológicas e antropológicas desse assunto, priorizando-se a percepção da relação homem-

trabalho por parte do indivíduo e seus reflexos. A revisão teórica foi estruturada em dois

constructos básicos – trabalho (definição, origem, história, momento atual e influências da

escolaridade, dos diferentes tipos de vínculos empregatícios ou da ausência destes) e subjetividade

– que culminaram, então, na análise do significado do trabalho.

2.1 Entendendo o que é trabalho

Aquele que é mestre na arte de viver faz pouca distinção entre seu trabalho e o seu tempo livre, entre a sua mente e o seu corpo, entre a sua educação e a sua recreação, entre o seu amor e a sua religião. Distingue uma coisa da outra com dificuldade. Almeja, simplesmente, a excelência em qualquer coisa que faça, deixando aos demais a tarefa de decidir se está trabalhando ou se divertindo. Ele acredita que está sempre fazendo as duas coisas ao mesmo tempo (DE MASI, 2000, p. 148).

“O trabalho é para o homem com socialização ocidental a coisa mais natural do mundo; tão

natural que, de um modo geral, ele não desperdiça um pensamento a reflectir sobre o que seja

realmente trabalho” (TRENKLE, 1998, p. 1). Aliás, segundo Arendt (2003, p. 13), ele está

desacostumado a pensar, já que “a mais alta e talvez a mais pura atividade de que os homens

são capazes – a atividade de pensar – não se inclui nas atuais considerações”. Assim, alguns

simplesmente executam mecanicamente o que lhes cabe por decisão de outrem, tornando mais

raro ainda o pensar sobre si e sobre esse aspecto tão relevante na sociedade atual. Então, o

que é trabalho?

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Os vocábulos trabalhar (português), travailler (francês) e trabajar (espanhol) têm a mesma

origem do latim vulgar tripaliare, que por sua vez é derivado de tripalium – um instrumento

de tortura e castigo para escravos e outros não livres, formado de três hastes ou paus (tres &

palus). “Tripaliar” queria dizer torturar com o tripalium (CUNHA, 1996, p. 779). Também

existem registros sobre tripalium como instrumento feito de três paus aguçados, às vezes com

pontas de ferro, com o qual os agricultores batiam o trigo e o milho para rasgá-los e esfiapá-

los – o que não deixa de ter uma conotação destrutiva. Laborare, também do latim,

significava balançar o corpo sob uma carga pesada e em geral era usado para designar o

sofrimento e o mau trato do escravo. Respectivamente em inglês e em alemão, work e werke

estão ligados à atividade criativa, enquanto labour e arbeit têm conotação de esforço e

cansaço (ALBORNOZ, 2002). A diferença etimológica já indica diferentes conotações para

essa atividade. Por sua vez, Sennett (2003, p. 9) explica a palavra job (serviço ou emprego),

que em inglês do século XIV significava “um bloco ou parte de alguma coisa que se podia

transportar numa carroça de um lado para o outro”. Ele argumenta que esse mesmo sentido é

trazido de volta atualmente pela flexibilidade do trabalho, na medida em que as pessoas

“fazem blocos, partes de trabalho, no curso de uma vida”, como será visto adiante. Constata-se

que ao conteúdo semântico inicial de sofrer agregou-se também o de esforçar-se, laborar, obrar.

O trabalho vem sendo objeto de discussão desde a Antigüidade. Aristóteles (384-322 a.C.) já

distinguia dois componentes no trabalho: o pensar, que lhe confere finalidade e concebe os

meios para sua realização, e o produzir, que realiza a concreção do fim pretendido

(ANTUNES, 2003).

Essa secção entre pensar e produzir teorizada por Aristóteles foi complementada no século

XX (ANTUNES, 2003), quando se fez uma separação analítica do pensar em dois atos – a

posição do fim e a concepção dos meios –, que serviu de base para a análise de Lukács. Este

considera que é através do trabalho que o ser, numa posição teleológica4, adquire uma nova

objetividade. Como conseqüência, “o trabalho torna-se protoforma de toda práxis social [...],

sua forma originária desde que o ser social se constitui”. Por ser um sistema de relação entre

meios e fins, “é para todos uma experiência elementar da vida cotidiana...”. É através dele

que se tem um processo que altera a natureza e autotransforma o próprio ser que o executa.

“A natureza humana é também metamorfoseada a partir do processo laborativo, dada a

4 Teleologia é o estudo da finalidade e também uma doutrina que considera o mundo como um sistema de

relações entre meios e fins (FERREIRA, 1999, p. 1938).

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existência de uma posição teleológica e de uma realização prática” (LUKÁCS5 apud

ANTUNES, 2003, p. 137-142).

Neste ponto, faz-se necessária a diferenciação, proposta por Arendt (2003, p. 15), entre labor,

trabalho e ação: (a) Labor – atividade associada ao processo biológico do corpo humano,

tendo a ver com as necessidades vitais produzidas que são introduzidas pelo labor no processo

da vida, ou seja, “a condição humana do labor é a própria vida”; (b) Trabalho – atividade que

corresponde ao artificialismo da existência humana, que não está necessariamente contida no

eterno ciclo vital da espécie, produzindo um mundo artificial de coisas, diferente de qualquer

ambiente natural, ou seja, “a condição humana do trabalho é a mundanidade”; (c) Ação – é a

atividade direta entre os homens, sem a mediação da matéria, correspondendo “à condição

humana da pluralidade, ao fato de que homens, e não o Homem, vivem na Terra e habitam o

mundo”. Ainda segundo a autora, “a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres

humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas enquanto

homens” (Ibidem, p. 189). A ação não é imposta pela necessidade, como o labor, nem se rege

pela utilidade, como o trabalho. Esses aspectos da condição humana é que fazem do homem

um ser político, entendendo-se a política enquanto fazer-se melhor e fazer algo para mudar o

espaço ao redor.

Braverman (1977, p. 49-57) descreve o trabalho como uma atividade que altera o estado

natural dos materiais da natureza para melhorar sua utilidade, mas, com base em Marx,

destaca que a importância do trabalho humano não está na semelhança com o trabalho de

outros animais, que é instintivo, mas na diferença, por este ser planejado, consciente e

proposital: “[...] o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é que o arquiteto

figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do

trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador”.

Ainda diferenciando o trabalho humano, Braverman (1977) explica que, além de serem

capazes de produzir mais do que consomem, os homens conseguem separar as unidades de

concepção e de execução, possibilitando que cada uma delas seja realizada por uma diferente

pessoa, enquanto que no reino animal força diretriz e atividade resultante, ou seja, instinto e

execução, são indivisíveis. Apesar disso, não se pode comprar trabalho, que é uma função

física e mental inalienável. O que o trabalhador pode fazer é vender a sua força de trabalho

para alguém que a compre – um empregador –, e o processo de trabalho começa quando um

5 LUKÁCS, Georg. The ontology of social being: labour. Londres: Merlin Press, 1980.

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contrato ou acordo estabelece as condições de compra e venda dessa força motriz. Esse

fenômeno, embora tenha existido desde a Antigüidade, somente se tornou numericamente

importante no século XVIII, com o advento do capitalismo industrial – até então, o

capitalismo mercantilista limitava-se a trocar os produtos excedentes das forças de produção

anteriores.

Numa visão mais objetiva, Russell (2002, p. 25) definiu, em 1935, dois tipos de trabalho: “o

primeiro que modifica a posição dos corpos na superfície da Terra ou perto dela, relativamente

a outros corpos”; e o segundo “que manda que outras pessoas façam o primeiro”. Por isso,

defende que o trabalho não é o objetivo da vida. Se fosse, as pessoas gostariam de trabalhar;

no entanto, quem de fato o executa evita-o sempre que possível, e os únicos que alardeiam as

suas virtudes são as pessoas em posição de comandar o trabalho alheio.

Dejours (2002, p. 39) aborda outros conceitos que complementam e situam o trabalho num

contexto social. Para tanto, define “tarefa” como “aquilo que se deseja obter ou aquilo que se

deve fazer” e atividade como aquilo que, “em face da tarefa, [...] é realmente feito pelo

operador para chegar o mais próximo possível dos objetivos fixados pela tarefa”. O trabalho,

por sua vez, está caracterizado “pelo enquadramento social de obrigações e de exigências que

o precede”, estando sempre situado num contexto econômico. Para uma atividade real e

eficaz ser homologada como trabalho, é necessário que essa eficácia seja útil sob o aspecto

técnico, social ou econômico. Diante disso, os critérios utilitário e utilitarista, no sentido

econômico, são inerentes ao conceito de trabalho.

Essa conotação produtiva é, para Foucault, uma das três funções do trabalho; as outras são a

simbólica e a de adestramento (ou disciplinar). Via de regra, essas três funções coabitam no

trabalho, mas ele ressalta que a sua obra se ocupa de pessoas “situadas fora dos circuitos do

trabalho produtivo: os loucos, os doentes, os prisioneiros e atualmente as crianças”

(FOUCAULT, 2003, p. 223-224), para as quais o trabalho tem, sobretudo, um valor disciplinar

(como forma de adestramento), sendo simbolicamente muito importante, mas com função

produtiva nula.

Srour (1998) tem uma interpretação para o trabalho humano também dentro da corrente

marxista (“capacidade de intervir sobre a realidade natural e de moldá-la segundo um projeto

previamente concebido” – que transforma efetivamente a natureza e os objetos naturais em

objetos sociais). Mas a particularidade do seu enfoque é a ressalva para não se confundir

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trabalho com emprego: o trabalho “corresponde a um processo de transformação do mundo, a

uma intervenção operada por um trabalhador (ou por vários deles) sobre uma matéria-prima

com o auxílio de um equipamento ou de uma ferramenta”; já o emprego “consiste em prestar

serviços a um empregador, sob a dependência dele e mediante alguma forma de

remuneração”. E complementa que o segredo do processo de trabalho reside na “capacidade

de acrescentar um valor a mais, uma riqueza maior do que a necessária para reproduzir a

própria energia despendida” (SROUR, 1998, p. 132).

Dessa forma, o trabalho está sempre orientado para o aumento da produtividade do homem ou

da máquina (CASTELLS, 2003), e a preocupação de rentabilidade sobrepõe-se às demais

(CHANLAT, 1996a). Sob esse enfoque, o trabalho ocupa um lugar central na vida das

pessoas e das sociedades industrializadas (ANTUNES, 2002, 2003; ARENDT, 2003;

CASTELLS, 2003; CHANLAT, 1996a, 1996b, 1996c; DE MASI, 2000; PIMENTA, 2004;

RUSSELL, 2002; SENNETT, 2003; TRENKLE, 1998). Entretanto, outra corrente aponta para

uma desvinculação entre trabalho e renda, com a redução planejada do tempo de trabalho, o

que destituiria, também, essa centralidade do trabalho (BERGSON6 apud THIRY-CHERQUES,

2004; GORZ, 2001; HABERMAS, 2003; LIMA, 1986, 1996; OFFE et al.7 apud SILVA, 2002).

Alguns autores como De Masi (2000, 2003), Antunes (2003) e Russell (2002) fazem a

distinção entre trabalho material e imaterial/intelectual ou executivo e criativo. A diferença

básica é que imaterial/intelectual ou criativo refere-se mais ao pensar, ao criar, enquanto que o

material ou executivo é a execução física das tarefas. Destacam que o senso comum evidencia

a superioridade do primeiro em relação ao segundo, já que qualquer pessoa seria capaz de

desempenhar um trabalho físico, mas que nada garante que todas sejam capazes de ter idéias.

O trabalho pode ser um prazer se, justamente, for predominantemente intelectual, inteligente e livre. Junto com o cansaço, pode provocar euforia. O cansaço psíquico obedece a outras leis, diferentes das que se aplicam ao cansaço físico. Quando é físico, traz prostração, impondo que se pare. Quando é psíquico, mental, se for unido a uma grande motivação, pode até nem ser percebido: [...] um poeta pode poetar o dia inteiro, sem adormecer. No trabalho intelectual a motivação é tudo.

O trabalho intelectual pode nos agradar a tal ponto, que nem nos damos conta de que nos cansamos, correndo o risco de um esgotamento nervoso. Até porque o cansaço psíquico não permite um desligamento instantâneo, como acontece com o físico. Se eu trabalho na linha de montagem ou se aro o campo, quando paro e me jogo na cama, desligo completamente. Mas se estou em busca de uma idéia, minha mente continuará a trabalhar até de noite. Porém, sobre esse assunto praticamente não existe nada escrito até o momento (DE MASI, 2000, p. 224).

6 BERGSON, Henri. L’Évolution créatice. Paris: PUF 1954. 7 OFFE, Claus; HINRICHS, K.; WIESENTHAL, H. Time, money, and welfare-state capitalism. In: KEANE, J.

(Ed.). Civil society and the State. London: Verso, 1988.

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2.2 O trabalho ao longo do tempo

Depois que o homem primevo descobriu que estava literalmente em suas mãos melhorar a sua sorte na Terra através do trabalho, não lhe pode ter sido indiferente que outro homem trabalhasse com ele ou contra ele. Esse outro homem adquiriu para ele o valor de um companheiro de trabalho, com quem era útil conviver (FREUD, 2002, p. 53).

A compreensão do trabalho ao longo da história pode ser feita sob vários ângulos. Optou-se,

aqui, por dois deles, importantes para embasar esta pesquisa por estarem imbricados com o

significado que o trabalho adquire.

Ao conceituar trabalho, deve-se citar uma “grande corrente de tradição que nele influi – sem

que sempre se tome consciência disso”: a religiosa (ALBORNOZ, 2002, p. 51). As

diferenças de enfoque advindas do aspecto religioso repercutiram no significado e nas

relações de trabalho ao longo da história. Como forte aparelho ideológico, influenciavam ou

coagiam seus seguidores a assumirem determinados padrões, interferindo profundamente em

suas percepções subjetivas.

Segundo a mesma autora, a herança judaico-cristã no Ocidente é permeada pela herança

greco-romana, sendo que no Brasil ainda se sofrem outras influências, como a indígena e a

africana. Na tradição judaica, o trabalho é encarado como uma labuta penosa à qual o homem

está condenado pelo pecado, devendo ganhar o pão com o suor de seu rosto. Assim, nos

primeiros tempos do Cristianismo, o trabalho era encarado como punição para o pecado,

servindo também para a saúde do corpo e da alma a fim de afastar os maus pensamentos

provocados pela preguiça e pela ociosidade. Mas “como o trabalho pertencia ao mundo

mortal e imperfeito, não era digno por si mesmo” (ALBORNOZ, 2002, p. 51). Tal qual os

filósofos gregos, os padres consideravam a meditação pura e a contemplação ainda superiores

ao trabalho intelectual, tido até então como o único digno dos homens, já que o braçal era para

os escravos.

Nos séculos XI a XIV, as seitas heréticas européias (grupos com interpretações peculiares dos

Evangelhos, contrariando a Igreja) também consideravam o trabalho como uma tarefa penosa

e humilhante, mas que “devia ser ardentemente procurado como penitência para o orgulho da

carne”. Foi somente com a Reforma protestante, quando Lutero o colocou como “a base e a

chave para a vida”, que o trabalho foi reavaliado dentro do Cristianismo. Mesmo ainda o

considerando uma conseqüência da queda do homem, pregava-se agora que “todo aquele

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capacitado para o trabalho tinha o dever de fazê-lo. O ócio era uma evasão antinatural e

perniciosa”, sendo que o trabalho era uma forma de servir a Deus, o caminho religioso para a

salvação, e a profissão, uma vocação (ALBORNOZ, 2002, p. 51-55).

Nesse ponto o trabalho começou a adquirir conotação positiva, o que foi reforçado com

Calvino (1509-1564), que o postulou como uma virtude associada à idéia de predestinação:

por preferência divina e/ou trabalho árduo, alguns poderiam ter êxito e realizar a vontade de

Deus, e outros, também por Sua vontade, poderiam ficar na miséria; e, já que Deus quer que

todos trabalhem, os frutos colhidos devem ser reinvestidos para permiti-lo e estimulá-lo.

Weber associou a ética protestante ao que ele chamou de espírito do capitalismo, a partir do

que o trabalho se tornou um valor em si mesmo, e tanto o operário quanto o capitalista

puritano passaram a viver em função de sua atividade para terem a sensação de tarefa

cumprida. O ócio, o luxo, a perda de tempo e a preguiça também eram condenados. Se a

doutrina católica condenava a ambição do lucro e da usura, para os calvinistas desejar ser

pobre era algo que soava tão absurdo como desejar ser doente, pois a prosperidade era o

prêmio de uma vida santa. Essa nova perspectiva permitiu aos primeiros empresários

reverterem o baixo prestígio que tinham, transformando-os em heróis da nova sociedade

(ALBORNOZ, 2002; QUINTANEIRO et al., 2003).

O capitalismo moderno, já então fortalecido, não necessitou mais do suporte religioso e,

desvinculando-se dele, passou a considerá-lo tão prejudicial à vida econômica quanto o

Estado. Mas, para aprofundar nesse aspecto, faz-se necessário também analisar a evolução do

trabalho ao longo do tempo sob um segundo enfoque: o do processo de produção e

reprodução da vida através do trabalho. Marx considerava que “a vida em sociedade humana

assenta na produção material” (OHLWEILER, 1985, p. 7); portanto, o trabalho é uma

atividade humana básica “a partir da qual se constitui a ‘história dos homens’, e é para essa

que se volta o materialismo histórico, método de análise da vida econômica, social, política,

intelectual” (QUINTANEIRO et al., 2003, p. 33). Essa perspectiva é que será

predominantemente utilizada a seguir.

Ao longo da história da humanidade o trabalho assumiu diferentes configurações sociais. Na

Antigüidade, a base da comunidade não era a terra, mas a cidade – polis –, que era

constantemente ameaçada por outras comunidades. Assim, as condições objetivas da

existência, para perpetuação do poder e ocupação de territórios, faziam da guerra o grande

trabalho. O objetivo da produção não era a riqueza, mas a subsistência. A sociedade grega

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era dividida em homens livres ou superiores e escravos ou inferiores, que eram,

respectivamente, os comandantes que dominavam a alma e os comandados que utilizavam

força física para o trabalho. O homem livre dedicava-se a uma vida considerada superior,

desenvolvendo ocupações voltadas para as necessidades da alma, enquanto que o inferior era

tido, no máximo, como um instrumento:

Na antiguidade, as grandes obras – sistemas de canalização de água para fins de irrigação, pontes, fortificações, monumentos etc – foram sempre construídas à base da cooperação simples de gigantescas massas humanas em regime de trabalho forçado, que degradava o trabalhador à condição de pouco mais do que besta. Não é por menos que Verron, um escritor romano que viveu no primeiro milênio de nossa era, classificou os “instrumentos” da época nas seguintes três categorias: mudos, instrumenta muta, que eram os inanimados como a carroça; semifalantes, instrumenta semi-vocalica, isto é, as bestas, capazes de emitir sons inarticulados; e falantes, instrumenta vocalia, que eram os escravos (OHLWEILER, 1985, p. 27).

Na já mencionada teoria de Aristóteles, que seccionava o trabalho em pensar e produzir, o

fazer era considerado atividade mesquinha – “ocupações nas quais o corpo se desgasta”. A

escravidão naquela época não era uma forma de se obter mão-de-obra barata ou um

instrumento de exploração para fins de lucro, mas “sim a tentativa de excluir o labor das

condições da vida humana. Tudo o que os homens tinham em comum com as outras formas

de vida animal era considerado inumano” (ARENDT, 2003, p. 95). “Uma exígua minoria de

cidadãos com plenos direitos” vivia materialmente “nas costas da maioria – escravos,

mulheres e metecos – a quem cabiam todas as atividades de ordem material e de serviço” (DE

MASI, 2003, p. 80). Esse modelo foi absorvido pelo Império Romano, onde os escravos

chegaram a representar um quinto de sua população e qualquer luta de classe promovida por

estes era percebida como preguiça ou negligência.

Da Antigüidade à Idade Média tal configuração praticamente não se alterou. Esse período foi

a era da sociedade rural, que se caracterizou pela combinação do então ramo fundamental da

economia – a agricultura – com a indústria doméstica como ocupação produtiva auxiliar. A

mão-de-obra inicialmente escrava foi sendo substituída pela dos servos, o que veio a

constituir uma nova formação econômica de exploração: o feudalismo. Além dessa classe dos

pequenos camponeses reduzidos à escravidão, a sociedade era composta por clero, nobreza e

colonos rendeiros (estes últimos ligados à terra por hereditariedade, numa estrutura de

glebas). A Igreja apoiava o sistema, justificando a escravidão ou a servidão como uma

punição imposta à humanidade pelo pecado do primeiro homem. A liberdade era bem

reduzida, pois as pessoas eram limitadas pelas redomas das classes sociais. Os reinos eram

sustentados por impostos cobrados do povo e nas transações do comércio. Nessa sociedade, o

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tempo obedecia às leis da natureza: era regulado pelas estações do ano. Trabalho e vida

coincidiam totalmente (ARENDT, 2003; BARROS NETO, 2001; DE MASI, 2000, 2003;

OHLWEILER, 1985).

O fim da Idade Média foi “assinalado pelo nascimento da manufatura, uma forma de

cooperação baseada na divisão do trabalho ainda apoiada na técnica manual, que predominou

na Europa Ocidental desde meados do século XVI até o último terço do século XVIII”

(OHLWEILER, 1985, p. 29). Esse processo de produção (manufatura) apoiava-se nas guildas

(corporações de ofício), nas quais “o mestre artesão trabalhava junto com o aprendiz, em vez de

simplesmente indicar-lhe o que fazer. Em seguida, a hierarquia era linear e não piramidal: um

dia o aprendiz seria companheiro, quase certamente mestre” (MARGLIN, 2001, p. 43). Este

detinha todo o controle da produção, desde a matéria-prima e o processo até a comercialização,

mas o artesão membro de uma corporação vendia igualmente um produto e não o seu trabalho.

As oficinas eram muitas e sem interação recíproca. Foi quando surgiram as primeiras rotas de

comércio e, com elas, a classe denominada burguesia. Nessa fase, os reinos eram também

sustentados por impostos cobrados do povo e do comércio – com alguma alteração nos

personagens, qualquer semelhança com os dias de hoje não é mera coincidência:

Do início da civilização até a Revolução Industrial, um homem era em geral capaz de produzir, trabalhando arduamente, um pouco mais do que o necessário para a própria subsistência e a de sua família, embora sua mulher trabalhasse não menos arduamente e os filhos também adicionassem trabalho logo que atingiam uma idade suficiente. O pouco que excedia a satisfação das necessidades básicas não ficava para os produtores, pois era apropriado pelos guerreiros e sacerdotes. Em épocas de escassez não havia excedente, mas os guerreiros e sacerdotes asseguravam-se os tributos de costume, o que levava muitos trabalhadores à morte por inanição. [...] Muitas das idéias correntes acerca do caráter virtuoso do trabalho derivam desse sistema que, no entanto, dada a sua origem pré-industrial, não é adequado ao mundo moderno (RUSSELL, 2002, p. 27).

De livre vontade os que produziam não entregavam suas quotas àqueles que se achavam no

direito de reclamá-las, e estes forçavam aqueles inclusive a produzir mais, para entregar-lhes

o excedente, e a aceitar uma ética segundo a qual era sua obrigação trabalhar duro, mesmo

que parte desse trabalho fosse destinada a sustentar o ócio de outros.

Em paralelo, a desestabilização do sistema medieval pela crescente diferenciação de capital

dentro das guildas (enquanto algumas empregavam mediante certa quantia, os membros de

outras empobreciam, tendo de procurar alternativas de sobrevivência) e a invenção da

máquina a vapor no início do século XVIII deram início à Revolução Industrial. A estrutura

do trabalho foi então modificada, provocando uma ruptura na sociedade e na economia: donos

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das máquinas de produção e empregados substituíram mestres artesões e aprendizes, a fábrica

tomou o lugar da produção familiar, o salário substituiu o aprendizado do ofício, e a relação

do proprietário com o empregado ocupou a do mestre com o aprendiz-artesão (ARENDT,

2003; BARROS NETO, 2001; DE MASI, 2000, 2003; LOPES, 2003).

Até então, em toda a história, o ofício ou a profissão qualificada eram a unidade básica do

processo de trabalho. “Em cada ofício, admitia-se que o trabalhador era senhor de um acervo

de conhecimento tradicional e dos métodos e procedimentos que eram deixados a seu

critério”, inclusive mantendo, em seu corpo e em sua mente, o conhecimento de materiais e

práticas da produção (BRAVERMAN, 1977, p. 100). Mas a partir da Revolução Industrial,

particularmente da chamada II Revolução Industrial – que segundo Heloani (2003)

corresponde ao final do século XIX e ao século XX –, o conhecimento e a prática passaram a

diferentes domínios: o homem capitalista tira e controla as habilidades e qualificações do

trabalhador, criando neste uma dependência total do trabalho, e em contrapartida incute-lhe

necessidades de consumo (BRAVERMAN, 1977).

A ciência, outrora uma propriedade social generalizada que ocasionalmente modificava a

produção, também passou a ser propriedade do capitalista no pleno centro da produção. Essa

“nova revolução técnico-científica que reabasteceu o acervo de possibilidades tecnológicas

tinha um caráter consciente e proposital, amplamente ausente na antiga”. A inovação

espontânea foi em grande parte substituída pelo progresso planejado de tecnologia e pelo

projeto de produção. “Isto foi realizado por meio da transformação da ciência mesma numa

mercadoria comprada e vendida como outros implementos e trabalhos de produção” (Ibidem,

p. 146). A força de trabalho converteu-se, então, tal qual a ciência, numa mercadoria, sendo

organizada não pelo desejo de quem a vendia, mas pelas necessidades de seus compradores-

empregadores, sempre à procura de ampliar o valor de seu capital.

A lógica desse período passou a ser pensadores pensando, detentores dos meios de produção

fazendo a produção acontecer e os demais sendo obrigados a cumprir a ordem de produção.

Para Foucault (2003, p. 188), o novo mecanismo de poder apoiava-se

mais nos corpos e seus atos do que na terra e seus produtos. É um mecanismo que permite extrair dos corpos tempo e trabalho mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente através da vigilância e não descontinuamente por meio de sistemas de taxas e obrigações distribuídas no tempo; que supõe mais um sistema minucioso de coerções materiais do que a existência física de um soberano. Finalmente, ele se apóia no princípio, que representa uma nova economia do poder, segundo o qual se devem propiciar simultaneamente o crescimento das forças dominadas e o aumento da força e da eficácia de quem as domina.

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O grande crescimento demográfico do ocidente europeu durante o século XVIII criou a

necessidade de se coordenar esse contingente e integrá-lo ao desenvolvimento do aparelho de

produção. Projetou-se uma tecnologia para controle da população, com estimativas

demográficas e de expectativa de vida e cálculo de pirâmide de idade, taxa de morbidade etc.

“Os traços biológicos de uma população se tornam elementos pertinentes para uma gestão

econômica, e é necessário organizar em volta deles um dispositivo que assegure não apenas

sua sujeição, mas o aumento constante de sua utilidade” (FOUCAULT, 2003, p. 198).

O novo sistema produtivo modificou a arquitetura das cidades onde as famílias-operárias

foram fixadas. Nessas cidades-operárias prescreveu-se um novo tipo de moralidade através

da determinação do espaço de vida: cozinha e sala de jantar, quarto dos pais (espaço de

procriação) e quarto das crianças (FOUCAULT, 2003).

The factory system established a new relationship between time and work, and between place and work. Work was something that had to be done at particular times and particular places, and those times and places were set apart exclusively for work. […] as it came to be increasingly regulated by the clock, the amount of work done – or not done – could be measured exactly (BÉTEILLE, 2002, p. 4)8.

Nessa Era Industrial a nova unidade de espaço e tempo – a fábrica – caracterizava-se pelos

muros que a circundavam e interditavam-lhe o ingresso de estranhos, e, uma vez que se

entrava na fábrica, não se tinha mais, durante o dia todo, contato algum com o exterior. As

pessoas saíam de casa para o trabalho, modificando seu próprio ritmo de produção e suas

relações afetivas com os outros, com o bairro e com sua casa. “A fábrica expulsa tudo aquilo

que não é ‘racional’: a dimensão emotiva, estética e, em parte também, a ética”. O ambiente

da vida já não coincide mais com o local de trabalho, e o trabalhador, com freqüência, sente-

se um estranho em ambos os lugares. “Na maioria dos casos, a figura do empresário não

coincide mais com a do trabalhador, nem a do chefe da família com a do chefe da empresa.

Daqui nasce a luta de classes”. Nessa sociedade, o tempo virou “uma mania, uma neurose”,

mas os espaços tinham tempos e lugares específicos (DE MASI, 2000, p. 58-68).

Paul Lafargue (2003), em 1883, já afirmava que as fábricas haviam se tornado verdadeiros

reformatórios ideais nos quais se encarceravam as massas operárias. Homens, mulheres e

crianças a partir de seis anos eram condenados a trabalhos forçados. “As condições de

8 O sistema da fábrica estabeleceu uma nova relação entre tempo e trabalho e entre lugar e trabalho. Trabalho

era algo que tinha de ser feito em horários específicos e em lugares específicos, e esses horários e lugares eram separados exclusivamente para o trabalho. [...] como passou a ser crescentemente regulada pelo relógio, a quantidade de trabalho feito – ou não feito – podia ser precisamente mensurada (tradução da autora).

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trabalho que caracterizam o início da Revolução Industrial eram assustadoras para os padrões

atuais e podem ser responsabilizadas pela baixa expectativa de vida dos operários”

(QUINTANEIRO et al., 2003, p. 11) que labutavam em turnos diários de 12 a 16 horas,

chegando até a 18 horas com o advento da iluminação a gás. De Masi (2000, p. 315)

transcreve outro trecho de Lafargue, escrito em 1880, afirmando que não poderia ter sido

inventado “um vício que embrutecesse mais a inteligência das crianças, que corrompesse mais

os instintos delas, que destruísse mais os seus organismos, do que o trabalho naquela

atmosfera viciada da fábrica capitalista”.

A situação das fábricas impressionava inclusive membros da própria sociedade não

familiarizados a suas operações e que, consternados, conseguiam fazer críticas com ampla

repercussão, como Charles Chaplin. Em sua autobiografia ele relata que a idéia para criar o

clássico Tempos Modernos surgiu de uma conversa sobre uma visita a uma fábrica em Detroit

e o sistema de trabalho na linha de montagem dos automóveis: “uma história constrangedora

da grande indústria, atraindo jovens sadios que deixam o campo e que, ao fim de quatro ou

cinco anos, se viam reduzidos a uns frangalhos nervosos”. Daí a seqüência na qual o

funcionário utilizava um aparelho para levar comida à boca a fim de poupar tempo, de modo

que, até almoçando, pudesse continuar em serviço. “A seqüência da fábrica fundia-se na

figura de Carlitos em desesperada crise histérica” (CHAPLIN, 1965, p. 385).

A origem e o sucesso da fábrica não se explicam por superioridade tecnológica, mas por

despojar o operário de qualquer controle e dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza

e a quantidade do trabalho: “o operário não é livre para decidir como e quanto quer trabalhar

para produzir o que lhe é necessário; mas é preciso que ele escolha trabalhar nas condições do

patrão ou não trabalhar, o que não lhe deixa nenhuma escolha” (MARGLIN, 2001, p. 41).

Proporcionam-se, assim, maiores possibilidades de controle e de disciplina. “A fábrica pôs

um fim definitivo, ao mesmo tempo, à ‘desonestidade’ e à ‘preguiça’”, diz Marglin (2001, p.

68), referindo-se à facilidade daquela para fazer cessar as fraudes e os desvios de mercadorias

que ocorriam quando os trabalhadores executavam suas tarefas sem a centralidade do local e,

é claro, para controlar qualquer movimento ou ociosidade. Dejours (1992, p. 37) ressalta,

objetivamente, que os momentos de ociosidade podem, entretanto, também ser de re-

equilíbrio do trabalhador:

A ‘vadiagem no local de trabalho’ não eram tanto os momentos de repouso que se intercalavam no trabalho, mas as fases durante as quais os operários, pensava ele [Taylor], trabalhavam num ritmo menor do que aquele que poderiam ou deveriam adotar.

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A vadiagem foi assim denunciada como perda de tempo, de produção e de dinheiro [...] [mas] nós tentaremos mostrar que, além de uma simples freada da produção, este tempo aparentemente morto é na realidade uma etapa do trabalho durante a qual agem operações de regulagem do binômio homem-trabalho, destinadas a assegurar a continuidade da tarefa e a proteção da vida mental do trabalhador.

Com essas novas idéias que modificaram radicalmente a configuração do trabalho ao longo

dos séculos XVIII e XIX, foi preciso repensar essa sociedade agora diferente, propor modelos

de vida e trabalho adequados e entender e estruturar a organização racional do trabalho e da

sociedade para melhorar os sistemas de produção e de geração de lucro. Esses conhecimentos

consolidaram-se nos fundamentos da Teoria das Organizações (TO), da qual o primeiro livro

foi Da riqueza das nações, escrito por Adam Smith em 1776, definindo “o que hoje

conhecemos como a especialização do trabalho” (BARROS NETO, 2001, p. 13). Em 1826,

junto com James Mill, Smith já enunciou os primórdios de medidas relacionadas a tempos e

movimentos, antecipando a administração científica de Taylor, enquanto Davi Ricardo foi o

primeiro a tratar de forma estruturada as questões relativas a salários, custos, preços e

mercados.

Dentro dessa escola clássica, há duas vertentes: (a) Sociológica – mais filosófica e mais geral,

continua na linha dos precursores, enfatiza as formas e papéis das organizações na sociedade,

as influências da industrialização na natureza do trabalho e suas conseqüências para os

trabalhadores e tem como autores principais Marx, Durkheim e Weber; e (b) Gerenciamento

(management) – centra-se nos problemas práticos enfrentados por gerentes das organizações

industriais e inclui entre seus principais autores Taylor, Fayol, Barnard e Ford.

Esses teóricos têm obras de fundamental importância para a TO, mas que não cabe nos

objetivos desta pesquisa detalhar. Apenas se relacionam alguns de seus pontos que

auxiliaram no entendimento da construção do significado do trabalho durante a pesquisa

empírica. Suas características, enumeradas a seguir, são traços marcantes da sociedade e do

trabalho, inclusive ainda detectados nas sociedades atuais.

Na vertente sociológica ou filosófica, Hobbes, Rousseau e Marx trataram, respectivamente, de

pacto social, contrato social e origem econômica do Estado, propondo uma visão normativa e

legal das organizações. O antagonismo básico do capitalismo, verificado até hoje, foi

inicialmente postulado quando Marx definiu o trabalho coletivo como a base do mundo

social, com relações de poder entre os capitalistas (que organizam o trabalho e detêm os

meios de produção) e os trabalhadores (que são submetidos ao trabalho e não detêm os meios

de produção), e o problema da alienação no e do trabalho. Em 1848, Marx e Engels (1820-

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1895) definiram a luta das classes sociais, lançando as bases do socialismo e do sindicalismo

como agentes de melhores condições de trabalho da classe operária. Durkheim descreveu, em

A divisão do trabalho, a mudança da sociedade agrícola para a industrial, através da extensão

do conceito de Adam Smith. Segundo ele, essa mudança ocorreu porque houve aumento da

especialização, da hierarquização e da interdependência de tarefas. Weber abordou a

burocracia que racionaliza por demandar uma autoridade formal baseada em regras e

procedimentos gerais, precisos e impessoais, afirmando que as sociedades têm de lidar com

um aumento inevitável da burocracia, a fim de controlar e racionalizar o ambiente social e

tornar a gestão objetiva.

Na vertente do gerenciamento, Taylor surgiu como fundador da Administração Científica e em

sua obra principal, Princípios de administração científica, defendeu que é possível aumentar a

produtividade se houver racionalização dos métodos de trabalho. Para ele, a pessoa é racional

e tem consciência de todos os cursos de ação possíveis, assim como das conseqüências de

cada um deles; ela age motivada pela expectativa de auferir maior ganho pecuniário por meio

do menor esforço, ou seja, é homo economicus. Seus métodos de estruturação do trabalho

ficaram conhecidos como taylorismo. Fayol, autor de Administração geral e industrial,

preocupou-se com a racionalização da estrutura administrativa e estabeleceu que são funções

do administrador planejar, organizar, comandar, coordenar e controlar. O trabalho seria mais

produtivo se seguisse princípios gerais de unidade de comando (um chefe), divisão do

trabalho, especialização e amplitude do controle (LOPES, 2003).

A relação do indivíduo com as tarefas que teria de executar também foi alvo de outras

análises: Morelly defendeu o treinamento para o trabalhador produzir mais e melhor e afirmou

que a propriedade é mãe de todos os crimes, preconizando um sistema comunista; Saint-

Simon foi o precursor da tecnocracia, pregando que a melhor forma de organizar a produção

seria pelos cientistas que conheciam a produção e tinham cultura e formação formal; Charles

Fourier, acusado de “filósofo utópico”, defendeu a gestão de competências (adaptação das

ocupações às inclinações e às capacidades, tornando o trabalho em fonte de prazer e

aumentando a produção); Robert Owen alegou que, apesar de o caráter das pessoas ser

moldado pelos pais, por quem vive com elas e pela própria experiência, a natureza humana

poderia ser facilmente treinada e reprogramada; Louis Blanc sustentou a construção de uma

sociedade igualitária a partir do Estado e criou as oficinas nacionais; James Montgomery

buscou a racionalização do trabalho para melhorar a qualidade e a produtividade; Douglas

McCallum elaborou organograma explicitando o que se esperava de cada um nele envolvido; e

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Henry Ford I representou um marco na história do trabalho e da produção ao inventar a linha

de montagem, massificando a produção e enfocando a atividade empresarial como prestadora

de serviços à comunidade.

Se, numa visão econômico-administrativa, Ford foi considerado o criador da classe média,

dobrando o salário mínimo da época para que todos os empregados pudessem comprar um

automóvel de sua fábrica e influenciando, a partir de então, todo o sistema produtivo com seu

método de gestão, popularizado como “fordismo” (BARROS NETO, 2001; MOTTA, 2001), e

se, na visão humanista, “mais do que uma disciplina no trabalho, Ford impunha um padrão de

conduta aos trabalhadores” (HELOANI, 2003, p. 53), o que distinguia o fordismo do

taylorismo, do ponto de vista comportamental, seria uma valorização do trabalhador,

tranformando-o em consumidor. Tanto Taylor quanto Ford e Fayol procuraram, cada um a seu

modo, administrar a percepção dos trabalhadores através de estratégias diferenciadas, embora

convergentes, na tentativa de re-ordenamento da subjetividade do espaço produtivo (Ibidem,

p. 56-63).

“O cronômetro taylorista e a produção em série fordista marcaram a organização do trabalho

no século vinte, por meio de atividades parcelares, da divisão de funções e principalmente da

fragmentação entre elaboração e execução do processo” (ANTUNES, 2002, p. 25). Com isso,

também se fragmentaram a identidade e, por conseguinte, a subjetividade do indivíduo a partir

da sua relação com o trabalho, com nefastas conseqüências em todos os aspectos de sua vida –

até porque esta passou a estar centrada no trabalho (ANTUNES, 2003; ARENDT, 2003;

ARRIGHI, 1996; DE MASI, 2003; DEJOURS, 2002; HALL, 2003; SENNETT, 2001, 2003).

Com as intensivas mudanças da configuração e execução do trabalho, a quebra do modelo foi

inevitável. Tanto na teoria quanto na prática, procuravam-se explicações e novos caminhos.

A consolidação da Escola Clássica da TO, centrada na estruturação das organizações e na

sistematização do corpo de conhecimentos, ao descrever técnicas de manufatura e explicar os

benefícios da divisão do trabalho, teve como objetivo otimizar recursos. Surgiram, então, os

conceitos de organização (que é uma abstração humana que se materializa para um

determinado fim, mas que só existe porque se constitui, fundamentalmente, das próprias

pessoas), de divisão do trabalho (que cria funções específicas para cada um dentro da

organização) e de sistema (conjunto de partes unidas entre si, no qual as relações entre elas e

o comportamento do todo são o foco da atenção). Mais tarde, dentro dessa organização,

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vieram os conceitos de white-collars (quem planeja) e blue-collars (quem executa, os

operários) (LOPES, 2003).

A divisão, a especialização, a hierarquização e a interdependência de tarefas do trabalho bem

como as Teorias da Administração Científica de Taylor inauguram uma era de fracionamento

da sociedade e do homem, que se agravaria nos séculos seguintes:

A divisão social do trabalho divide a sociedade entre ocupações, cada qual apropriada a certo ramo de produção; a divisão pormenorizada do trabalho destrói ocupações consideradas neste sentido e torna o trabalhador inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. No capitalismo, a divisão social do trabalho é forçada caótica e anarquicamente pelo mercado, enquanto a divisão do trabalho na oficina é imposta pelo planejamento e controle. Ainda no capitalismo, os produtos da divisão social do trabalho são trocados como mercadorias, enquanto os resultados da operação do trabalhador parcelado não são trocados dentro da fábrica como no mercado, mas são possuídos pelo mesmo capital. Enquanto a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem, e enquanto a subdivisão da sociedade pode fortalecer o indivíduo e a espécie, a subdivisão do indivíduo, quando efetuada com menosprezo das capacidades e necessidades humanas, é um crime contra a pessoa e contra a humanidade (BRAVERMAN, 1977, p. 72).

A preocupação com o indivíduo também surgiu com a Escola de Relações Humanas, por volta

de 1920, quando Elton Mayo “trouxe à tona o conceito de que trabalhadores e gerentes devem

ser antes de qualquer coisa vistos como seres humanos” (PUGH; HICKSON, 2004, p. 162).

Para ele, há relação entre moral, satisfação e produtividade: a pessoa é movida por necessidades

de segurança, aprovação social, afeto, prestígio e auto-realização, sendo fortemente influenciada

pelo homo social e pelos grupos informais. Suas idéias serviram de base para as teorias

motivacionais e de hierarquia das necessidades, desenvolvidas por Maslow. Mas Braverman

(1977, p. 129) denuncia que o enfoque dessa Escola “centrava-se no aconselhamento pessoal e

nos estilos de insinuação ou de não irritação de supervisão ‘face a face’”.

Ainda naquela Escola, Bertalanffy postula a Teoria dos Sistemas, admitindo a existência de

leis, princípios e modelos aplicáveis a todos os sistemas e de integração e interdependência

entre os seus elos. Para Chester Barnard, gerenciar a organização procurando fazer com que

seja um sistema social cooperativo é uma função-chave do gerente bem sucedido. Isso é

conseguido por meio da integração do processo de trabalho, via comunicação dos objetivos e

atenção à motivação dos funcionários.

A partir da década de 1950, os estudos receberam a herança das escolas clássicas e adotaram

novas perspectivas, surgindo então dois tipos de teorias: (a) Modernistas – abordam questões

genéricas da TO, com muita percepção da estrutura da organização e da ordenação dos

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processos de trabalho, num enfoque prático. Sua principal característica é entender a

organização como objeto dado, ou seja, sendo real e independente de interpretação; (b)

Simbólico-interpretativas – surgiram no início da década de 60, fortalecendo-se a partir de

1970. Sua principal contribuição para a TO foi definir a organização como uma abstração

criada pelo homem, que é percebida de forma diferente dependendo da perspectiva do

observador. A maneira pela qual se vê a organização varia com a interpretação individual.

Cada um cria suas imagens a partir de suas percepções.

Dentre essas teorias contemporâneas das organizações, destacaram-se então, nas últimas

décadas do século XX, a dos Sistemas, a Contingencial, a Institucional e as Ambientais (que

abrangem as teorias da Ecologia Organizacional, das Configurações Estruturais, da

Dependência de Recursos e do Neo-institucionalismo). Na corrente das teorias ambientais,

Thiry-Cherques (2004, p. 16) questiona criticamente:

[...] as forças que agem sobre os mercados e os postos de trabalho são inacessíveis, se não incompreensíveis, para a maioria dos trabalhadores – há a dificuldade de se precisar o que ou quem deve sobreviver. A sobrevivência seria a sobrevivência dos mais aptos ou dos mais bem adaptados? [...] “Apto” a sobreviver, nesse caso, significa reunir condições estratégicas e operacionais suficientes para resistir em um ambiente adverso ou altamente competitivo. “Adaptado” tenderia a significar que o trabalhador encontrou um nicho que o protege das pressões puramente econômicas.

Antunes (2003), traçando o panorama do final do século XX, relata que a subordinação

estrutural do trabalho ao capital caracterizava-se por: (a) separação e alienação entre

trabalhador e meios de produção; (b) imposição dessas condições objetivadas e alienadas

sobre os trabalhadores, como um poder separado que exerce o mando sobre eles; (c)

personificação do capital como um valor egoísta (voltada para o atendimento dos imperativos

expansionistas do capital); e (d) personificação dos operários como trabalho, destinada a

estabelecer uma relação de dependência entre aqueles e o capital historicamente dominante

(essa personificação reduz a identidade do sujeito desse trabalho a suas funções produtivas

fragmentárias). Braverman (1977) argumenta que, embora se propagasse uma nova atitude do

trabalhador nessa época, o absenteísmo e os índices de abandono de emprego variavam em

função da disponibilidade de empregos e podem ter parcialmente refletido a queda dos índices

de emprego em fins dos anos 60.

Segundo Heloani (2003, p. 105), “desde o final dos anos 1960 até meados da década seguinte,

foram feitas experiências com o objetivo de tornar o espaço fabril mais atraente para os jovens

operários”, as quais caracterizaram os movimentos que comporiam o panorama

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contemporâneo. Começava aí a era pós-industrial ou informacional – expressão essa que foi

cunhada a partir da coletânea de ensaios La société post-industrielle, de Alain Touraine,

publicada em 1969 (ANTUNES, 2003).

2.3 Cenário atual e um novo trabalho

Conhecimentos e informação, sem dúvida, parecem ser as fontes principais de produtividade e crescimento nas sociedades avançadas (CASTELLS, 2003, p. 267). As corporações têm se tornado tão grandes, que chegam a substituir o governo. Esses diferentes governos preocupam-se apenas com seus acionistas; faltam-nos mecanismos para obrigá-los a se preocupar com um público mais amplo (KLEIN, 2003, p. 23).

Quando se passou do modelo taylorista/fordista para o da produção descentralizada, os novos

paradigmas tecnológicos e a globalização foram os principais geradores de mudanças,

especialmente no setor produtivo, afetando diretamente a estrutura social. A produção, agora

menos dependente da economia de escala, abre espaço para o crescimento de pequenas e

médias empresas, pois demanda organizações flexíveis e inovadoras em regiões ágeis e

também inovadoras, segundo Barros Neto (2001), Castells (2003), Cunha e Todero (2003), De

Masi (2000, 2003), Klein (2003), Micklethwait e Wooldridge (1998, 2000) e Sennett (2001, 2003).

No novo paradigma de produção enxuta, ágil e flexível, as alternativas direcionam-se para

alianças estratégicas entre empresas em redes9 do tipo joint-ventures, clusters, cooperativas de

serviços ou ainda consórcios e parcerias de fornecedores, consumidores e funcionários. As

razões para esses modelos são: penetrar em novo mercado; viabilizar tecnologias, pesquisa e

desenvolvimento; inovar e agilizar lançamentos; aumentar competitividade, inclusive através

da integração de tecnologias e mercados; construir competências mundiais; estabelecer

padrões globais; romper barreiras em mercados emergentes e blocos econômicos; reduzir

custos e obter novas oportunidades de negócios.

A fábrica de automóveis japonesa Toyota foi a primeira a implantar e a responsável por

disseminar esse novo sistema de trabalho, no qual os empregados são induzidos a inspecionar

o próprio trabalho e os gerentes a também trabalhar no “chão de fábrica”. Nesse modelo,

9 Rede é um conjunto ou série de células interconectadas por relações bem definidas; mais especificamente em TO, é

uma conexão interfirmas para regulação da interdependência de seus sistemas complementares, a fim de fortalecer suas atividades individuais, sem que elas tenham, necessariamente, laços financeiros entre si (AMATO NETO, 2000).

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objetiva-se, ainda, reduzir o estoque de componentes, estimular parcerias com fornecedores e

instigar os trabalhadores a continuamente buscar práticas que tornem a fábrica mais eficiente

(MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2000). Os autores ainda exemplificam com o caso da

absorção desse sistema pela americana General Motors: “o resultado foi o aumento drástico

da produtividade. Em 1994, a fábrica estava produzindo a mesma quantidade de automóveis

de 1982, mas com apenas 65% da força de trabalho” (Ibidem, p. 96).

Entretanto, a passagem de paradigma não foi tão suave e profícua. As organizações e “gurus”

da administração implantaram, sucessivamente, desde a segunda metade do século XX,

programas, técnicas e métodos visando à produtividade, à redução de custos, ao envolvimento

dos empregados e a alternativas para sobreviver às mudanças. Alguns desses métodos não

passaram de modismos, enquanto outros permanecem nas empresas (GIL, 1999, 2001;

HELOANI, 2003): planejamento estratégico, qualidade total e círculos de controle de

qualidade (CCQ), just-in-time, downsizing, reengenharia, alianças estratégicas, terceirização,

sistemas integrados, supply chain, empowerment, aprendizagem organizacional, coaching,

benchmarking, gerenciamento por competências. Heloani (2003, p. 121) alerta novamente que,

buscando otimizar a qualidade e a produtividade, o discurso dos programas de qualidade total

“objetiva remodelar as diversas subjetividades presentes no processo produtivo, mediante

uma espoliação objetivada das faculdades intelectuais, ou melhor, pela expropriação das

dimensões cognitivas e, mormente, das capacidades criativas do trabalho vivo”.

Segundo Castells, nessa nova sociedade, não se confirmou a polarização da estrutura

ocupacional entre mão-de-obra para serviços mais simples, semi-qualificada e especializada.

Houve redução do emprego industrial, com migração para o emprego de serviços,

principalmente os sociais e relacionados à produção. A evolução das categorias de emprego

foi profundamente afetada e direcionou as empresas para uma atuação em rede, fazendo

ressurgir o trabalho autônomo e misto. Surgiram novos cargos na estrutura ocupacional,

caracterizada, agora, pela diversidade de perfis profissionais devido ao aumento das

profissões mais informacionais e de serviços. Esses administradores, funcionários

administrativos, vendedores, profissionais especializados e técnicos são chamados, então, de

“proletariado de escritório” (CASTELLS, 2003, p. 294). Thiry-Cherques (2004, p. 163) faz

uma analogia desse novo perfil de trabalho com a sociedade do consumo rápido: à medida que

“o trabalhador deve se adaptar ao Macjob, ao trabalho de consumo rápido, precário, flexível,

intermitente, variável”, este vai se tornando uma mercadoria difícil de ser vendida.

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Para Pimenta (1999), a situação atual caracteriza-se por descentralização produtiva e

flexibilidade de produção; por novas relações entre empresas abrindo espaço para o

paradigma de redes; pelo aparecimento de novos modelos de trabalho; pela nova visão social

das empresas (estas não são mais simples negócios comerciais ou industriais, mas regulam

novas maneiras de viver e trabalhar, privilegiando o potencial humano e a cultura,

requerendo, em contrapartida, maior engajamento individual e coletivo na qualidade e na

performance do trabalho); pela transformação do trabalho em termos de concepção e

realização (apesar da tecnologia e conseqüente automação da produção, os recursos humanos

são valorizados e ganham importância como foco da gestão industrial); e pela emergência de

um novo modelo de trabalhador (mão-de-obra mais qualificada, com características

psicológicas e sociais bem específicas), sobre o qual atuam sofisticados sistemas de seleção,

formação, treinamento e desenvolvimento.

Essas transformações, por sua vez, demandam novos processos de gestão tanto da produção

quanto do homem – indivíduo e trabalhador. São mudanças nos aspectos práticos e objetivos

do trabalho, que levam à busca de novas políticas que reflitam a interação dos fatores

econômicos e políticos da relação capital/trabalho para o homem enquanto elemento essencial

da cadeia produtiva. As alternativas – soluções mais paliativas do que reais – passam pela

aplicação de programas voltados para o envolvimento do trabalhador, através da discussão do

desenvolvimento de sua auto-estima, e para o reconhecimento e a criação de clima de

cooperação, já que, para seu pleno funcionamento e êxito, as novas tecnologias de produção

requerem trabalhadores não apenas tecnicamente preparados, mas também confiáveis e

interessados (PIMENTA, 1999; GIL, 2001).

As relações de trabalho dão-se agora sob uma nova ética – a ética do compartilhamento de riscos, da flexibilização das relações contratuais entre empregados e empregadores e da co-responsabilidade pela manutenção dos empregos e pelo desenvolvimento profissional das pessoas, ou seja, a ética da “empregabilidade” (BIRCHAL; MUNIZ, 2002, p. 44).

Entende-se empregabilidade como “o conjunto dos atributos necessários para a obtenção de

um bom serviço ou a capacidade de manter-se empregado, variando sua definição conforme o

interesse de quem a elabora” (PENSCHI, 2003, p. 1). Não se trata, portanto, de condições ou

habilidades permanentes ou mesmo duradouras. Elas variam de acordo com o momento,

representando a capacidade de adequação ao novo mercado do trabalho, em constante e rápida

modificação.

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Entretanto, o trabalhador na maioria das vezes encontra-se desamparado, vendo-se obrigado a

administrar per se sua formação, carreira e vida pessoal e a manter sua empregabilidade

através da atualização constante de seus conhecimentos e da disponibilidade para o trabalho.

Destarte, empregabilidade já não representa um emprego com carteira assinada e “para

sempre”. “Desta forma se produz uma chantagem por parte do capital: o trabalhador,

‘obrigado’ a recorrer à formação profissional (sob pena de perder seu emprego), não vê

reconhecida, em termos salariais, sua capacitação” (TADEI, 2000, p. 355).

Assim como “a questão do trabalho está fortemente associada à segurança individual, à

confiança no futuro e ao próprio senso de valor pessoal e de utilidade social” (TEIXEIRA

FILHO, [200-], p. 1), a da empregabilidade também o está. Entretanto, o modelo organizacional

que oferecia esses elementos ao indivíduo está se modificando. Ao mesmo tempo que exige

mão-de-obra mais qualificada, a empresa “remete unicamente ao indivíduo a responsabilidade

por sua qualificação” (FLEIG, 2003, p. 3) e, no seu discurso, divulga modelos hipoteticamente

perfeitos de profissionais centrados na adequação vocacional, na idoneidade, na competência

profissional e na saúde física e mental, que ainda mantenham uma reserva financeira e fontes

alternativas e, por último mas não menos importante, que detenham o precioso rol de

relacionamentos e amizades (MINARELLI, 2003). O confronto desse padrão com a realidade

reforça a culpa, a frustração e a sensação de inadequação do indivíduo comum frente ao

mercado instável.

O trabalho – agora flexível – também pode ser part-time, temporário, terceirizado, realizado

de forma autônoma (nem sempre regularizada), sob a forma de teletrabalho, subemprego, ou,

o que é pior, pode nem existir. Empregos são substituídos por projetos, e as relações

trabalhistas estão cada vez mais frágeis. Como se não bastasse apenas a realidade do seu

elevado índice mundial, o desemprego torna-se uma ameaça constante – velada ou não – para

o empregado, que se vê coagido a tomar atitudes que por vezes não correspondem à sua

índole, de acordo com Castells (2003), Cunha e Todero (2003), De Masi (2000, 2003),

Dejours (2001, 2002), Freitas (1997), IBGE (2003), Klein (2003), Micklethwait e Wooldridge

(1998, 2000) e Sennett (2001, 2003).

É bastante natural que a flexibilidade cause ansiedade: as pessoas não sabem que riscos serão compensados, que caminhos seguir. Para tirar a maldição da expressão “sistema capitalista”, antes se criavam circunlocuções, como sistema de “livre empresa” ou “empresa privada”. Hoje usa-se “flexibilidade” como outra maneira de levantar a maldição da opressão do capitalismo. Diz-se que, atacando a burocracia rígida e enfatizando o risco, a flexibilidade dá às pessoas mais liberdade para moldar suas vidas. Na verdade, a nova ordem impõe novos controles, em vez de

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simplesmente abolir regras do passado – mas também esses novos controles são difíceis de entender. O novo capitalismo é um sistema de poder muitas vezes ilegível [...] (SENNETT, 2003, p. 9-10).

Agora, segundo De Masi (2000, p. 159-160), “usos, mentalidades e sentimentos separam-se

sempre mais dos lugares e horários”, e barreiras e privacidades são quebradas por causa da

tecnologia (celulares, computadores, transmissão instantânea de sons e imagens). O autor

acrescenta que, apesar de a civilização urbana ser sedentária, “os cidadãos seguem um ritmo

de vida marcado pelo frenesi do vaivém e pelo ‘correr atrás’ do emprego e da profissão. O

carro, a competitividade e o consumo ostentatório são os símbolos que esta civilização adora”.

São o consumismo, o imediatismo e as aparências gerenciando a vida do indivíduo, numa

reprodução da lógica do capital, fazendo com que os fins justifiquem os meios.

A exemplo das organizações, o indivíduo também se vê enredado numa teia de

relacionamentos, influências e fluxos de comunicação que demandam respostas imediatas e

imediatistas. Busca-se “nas comunicações eletrônicas o senso de comunidade”, perde-se o

sentido de vizinhança, e “ninguém se torna testemunha, a longo prazo, da vida de outra

pessoa” (SENNETT, 2003, p. 19-21).

A estrutura familiar é novamente abalada com a crescente saída da mulher de casa para o

trabalho e com a sua luta pela igualdade de direitos na rua e no lar. Assuntos que eram tabus

(como prazer, responsabilidades domésticas, remuneração, trabalho, amor) passaram a ser

objeto de negociação e competição. Instituições como o amor romântico, o casamento por

escolha mútua e o reconhecimento da infância e da adolescência enquanto fases peculiares da

vida consolidam-se e adquirem importância. A fuga e o esteio para essa dura realidade seriam

as relações amorosas, ou vice-versa? Esses relacionamentos afetivos, incluindo os familiares,

também foram abalados e desestruturados. Sem a certeza se são causa ou conseqüência da

situação profissional, os sujeitos transferem para dentro de casa toda a incerteza, turbulência e

crises de identidade e de valores presentes na sociedade. Como manter relações sociais e

amorosas estáveis, íntegras e duradouras numa sociedade fragmentada, múltipla e imediatista

(CARVALHO et al., 2002; FREITAS, 1997; QUINTANEIRO et al., 2003; SENNETT, 2001,

2003; TONELLI, 2001)?

Na tentativa de se adaptarem aos padrões de performance para o mercado de trabalho ou às exigências das novas formas de relações amorosas, as pessoas submetem-se sem questionar aos modelos. Os ideais no amor e de sucesso no trabalho são muitas vezes inatingíveis, por isso a sensação sempre presente de perda e de falta (TONELLI, 2001, p. 260).

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A casa também exerce dupla função. Para uma boa parte dos trabalhadores ela é percebida

apenas como um local de recuperação de sua força de trabalho, podendo ou não ser um lugar

de vivências conflituosas; mas para – infelizmente – uma minoria, ela é percebida como um

lugar seguro e como espaço de afeto e prazer. Um dado significativo sobre essa dualidade é

que muitos dos conflitos relacionados à vida doméstica não passam de reflexos dos problemas

vividos no trabalho (LIMA, 1996).

Como lidar, então, com uma realidade que põe em conflito duas de suas maiores instituições:

o trabalho e a família? “O que a criança aprende sobre a proteção paterna não é o que o

adulto jovem aprende sobre o patrão. O trabalho não é uma extensão natural da família”

(SENNETT, 2001, p. 78), mas “o pior é que as qualidades do bom trabalho não são as

mesmas do bom caráter” (Idem, 2003, p. 21). A ética profissional respaldada em interesses

econômicos e o suposto profissionalismo permitem atitudes que o caráter per se jamais

admitiria. É como se as ordens de superiores hierárquicos, perfeitamente acobertadas e

justificadas pela imperiosa exigência de eficiência e eficácia, viessem acompanhadas de uma

armadura de indiferença, impessoalidade, frieza, objetividade e materialismo.

Se por um lado o trabalhador parece passivo, já que o fato de estar cumprindo ordens é o álibi

perfeito para que se exima da responsabilidade sobre as conseqüências de seus atos, por outro

a manifestação da insatisfação e a resistência aparecem de maneiras espontâneas, isoladas e

talvez patéticas, que interferem na produtividade, como absenteísmo, licenças remuneradas,

mentira – resistências táticas (SENNETT, 2001). Dejours (1992, p. 120-121) ilustra as sutis

manifestações do trabalhador com o exemplo da fábrica de carros da Renault, onde, nos fins

de semana, o ambiente ficava mais tenso e agressivo. O reflexo disso é que “os carros do

começo da semana e do fim de semana são, via de regra, muito mais defeituosos do que os

carros do meio da semana”, o que demonstra que os ritmos de trabalho, quando mantidos em

nível máximo de tolerância, se fazem sentir quase que de imediato.

Esse é o cenário que serve como pano de fundo para a pesquisa sobre o significado atual do

trabalho e a realidade na qual os indivíduos que foram entrevistados estão inseridos. Vale

fazer, ainda, algumas considerações sobre alguns elementos que são causa e conseqüência

desse panorama e que devem ser ponderados quando da análise do discurso nos dados

coletados, já que são fundamentais para a compreensão do referido significado. Eles mantêm

estreita relação entre si enquanto influenciam uns aos outros, num ciclo mais vicioso do que

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virtuoso. A seguir, portanto, discorre-se sobre globalização; tecnologia e automação;

velocidade; desemprego; desigualdade social; escola e escolaridade; e novos valores.

a) Globalização

A globalização não é fenômeno recente. Aquela de que se fala hoje representa apenas o êxito mais elaborado de uma eterna tendência humana de explorar e depois colonizar todo o território que ainda exista, até fazer dele um único vilarejo sob controle (DE MASI, 2003, p. 186).

A capacidade de nos amaciar que tem a ideologia nos faz às vezes mansamente aceitar que a globalização da economia é uma invenção dela mesma ou de um destino que não poderia se evitar, uma quase entidade metafísica e não um momento do desenvolvimento econômico submetido, como toda produção econômica capitalista, a uma certa orientação política ditada pelos interesses dos que detêm o poder. Fala-se, porém, em globalização da economia como um momento necessário da economia mundial a que, por isso mesmo, não é possível escapar (FREIRE, 2004, p. 126).

Amplamente debatida e estudada, a globalização é mencionada por praticamente todos os

autores que analisam as últimas décadas. Ela é “mocinha” ou “bandida”, dependendo do

enfoque, e em ambos os casos afeta diretamente a estrutura e o significado do trabalho (isso

também ocorre com a tecnologia). Originária da idéia de aldeia global, de McLuhan

(MCLUHAN; BENJAMIM, 1979), a “globalização” não possui significado padrão, sendo

ainda um conceito pouco coerente e sobre o qual se tem um sentimento confuso. Todavia, a

idéia de que o mundo está ficando cada vez menor parece suficientemente clara, como

defendem Amato Neto (2000), Barros Neto (2001), Castells (2003), Cunha e Todero (2003),

De Masi (2000, 2003), Giddens (2002), Gil (1999, 2001), Gleick (2000), Klein (2003),

Micklethwait e Wooldridge (1998, 2000), Pimenta (1999) e Sennett (2001, 2003). Derivada

de eventos reais (verificam-se, em todo o planeta, uma redução das barreiras comerciais e um

rápido movimento de idéias, pessoas e dinheiro), a globalização talvez não faça muito sentido

como estratégia de negócios, mas, como fenômeno, apresenta tanto problemas quanto

oportunidades para empresas de todos os portes.

Por um lado a globalização encurta distâncias, o que a princípio difunde a pasteurização de

hábitos, produção e consumo e massifica informações, produtos e procedimentos. Por outro,

Cunha e Todero (2003) afirmam que existe um novo fenômeno possibilitado pelas novas

tecnologias da comunicação, o qual, de acordo com McLuhan e Benjamim (1979), faz

inclusive com que o homem busque o senso de comunidade: a articulação do local com o

global, que relativiza o fenômeno da globalização e, ao invés de homogeneizar os espaços

econômicos nacionais, pode aumentar as diferenças entre as regiões de um mesmo país. Uma

análise um pouco mais cuidadosa constata que, na realidade, existe uma diversidade cultural

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claramente refletida nas organizações. Daí a necessidade de particularização das análises,

levando-se em conta as diferenças de cada organização, região ou país, e de evitar a simples

importação e implantação de modelos, sem adequá-los a características locais.

Ainda a respeito dessa articulação entre o local e o global, Giddens (2002, p. 27) defende que

a globalização tem de ser entendida como um fenômeno dialético, no qual os eventos em um

pólo de uma relação muitas vezes produzem resultados divergentes ou contrários no outro

pólo: “a globalização diz respeito à interseção entre presença e ausência, ao entrelaçamento de

eventos e relações sociais ‘à distância’ com contextualidades locais”. Ele reafirma o efeito da

atividade social globalizante que a modernidade ajudou a produzir, destacando o que chama

de “transformação da intimidade”, que tem sua própria reflexividade e suas formas também

próprias de ordem internamente referidas nas relações globais e intensamente influenciadas

por elas, nessa era por ele denominada modernidade tardia ou alta modernidade. “A

influência de acontecimentos distantes sobre eventos próximos, e sobre as intimidades do eu,

se torna cada vez mais comum. [...] Seja na vida pessoal ou em meios sociais mais amplos,

processos de reapropriação e de acesso ao poder se misturam à expropriação e perda” (Ibidem,

p. 12-14). Entretanto, esse fenômeno atinge com diferentes intensidades cada grupo social,

como ressalta Hall (2003, p. 78): “a globalização é muito desigualmente distribuída ao redor

do globo, entre regiões e entre diferentes estratos da população dentro das regiões”.

b) Tecnologia e automação

A história da tecnologia confunde-se com a própria história da humanidade, já que os grandes

períodos de transição são caracterizados por evoluções não só sociais e políticas mas também

tecnológicas. Tecnologia é muito mais do que máquinas, equipamentos e computadores: é

know-how. Ela tanto cria quanto extingue empregos, além de mudar o perfil de trabalhadores

(CABRAL, 1999). A tecnologia não é um fim em si mesma, mas serve para que se viva

melhor; teoricamente agilizaria tarefas e liberaria o homem para outras atividades, mas não

foi isso o que ocorreu. Os trabalhadores libertaram-se de algumas tarefas, mas foram

sufocados pelo excesso de outras que as substituíram e pelas exigências da produtividade. As

empresas aumentaram a produtividade, mas o número de empregados permaneceu o mesmo

ou se reduziu, conforme relatam Amato Neto (2000), Barros Neto (2001), Castells (2003),

Cunha e Todero (2003), Giddens (2002), Gil (1999, 2001), Heloani (2003), Klein (2003),

Micklethwait e Wooldridge (1998, 2000), Sennett (2001, 2003) e Thiry-Cherques (2004).

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Nas últimas décadas, a tecnologia vem produzindo uma nova realidade comercial: o

surgimento daqueles mercados globais anteriormente mencionados, em uma escala de

magnitude jamais imaginada. Essas economias de escala não representavam, em si, grandes

contribuições, como mostrou a primeira rodada fracassada de globalização, mas, quando foi

possível incluí-las em uma rede que mistura e iguala o conhecimento do mundo inteiro,

tornaram-se muito mais poderosas (MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 1998).

Na sociedade industrial, os trabalhadores faziam parte da construção do produto – que era

literalmente fruto do seu suor – e sentiam-se responsáveis por ele e pela sua qualidade final.

Agora a automação, em muitos casos, transformou-os em supervisores das máquinas que

fazem os produtos, e esses trabalhadores são mais responsáveis por elas e pela sua

manutenção do que propriamente pelo produto final. É o caso principalmente do trabalho

industrial, “em que a atividade humana no processo de transformação consiste, cada vez mais,

na vigilância de equipamentos automatizados microeletronicamente, que produzem e

controlam o que produzem, a partir do seu acionamento pelo homem” (CORRÊA et al., 2002,

p. 3). O trabalhador não “faz” o produto, e a tarefa de fazê-lo passou a ser de um conjunto de

equipamentos. Sennett (2003) ressalta a dependência do trabalhador em relação às máquinas

e à tecnologia e o distanciamento dele com o que está sendo produzido. Ao retratar a

situação dos padeiros que estava entrevistando, diz que eles não sabiam mais fazer pão, eram

dependentes de programas e haviam se tornado operadores de máquinas sofisticadas,

reconfiguráveis e silenciosas. Além de trabalharem num ambiente frio e sem contato físico,

para eles “o pão tornou-se uma representação numa tela” (Ibidem, p. 80).

Outra decorrência dos avanços tecnológicos é o surgimento do teletrabalho: uma atividade

ainda polêmica que é realizada longe dos escritórios, das fábricas e dos colegas de trabalho,

com comunicação independente em relação à sede central da organização e a outras sedes,

através de um uso intensivo das tecnologias de comunicação e de informação, mas que não é,

necessariamente, de natureza informatizada. Um equívoco a ser dissipado: o teletrabalho não

é, de modo algum, um remédio contra o desemprego. Além disso, também não se pode dizer

que teletrabalhar seja uma coisa agradável a todos. Para as mulheres casadas que têm filhos

ou para aquelas que de todo modo cuidam da família, por exemplo, muitas vezes o emprego

fora serve de fuga ao cansaço do lar, como o único momento em que podem “refrescar a

cabeça”, como afirmam Carvalho et al. (2002), De Masi (2000), Freitas (1997), Lima (1996) e

Tonelli (2001). Em outra visão, uma das possibilidades inauguradas pelo teletrabalho é a

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família poder “voltar a ser uma unidade alegre”, já que possibilita que as tarefas sejam

alternadas entre os membros da família.

O teletrabalho faz com que a gente adquira uma nova dimensão do tempo e do espaço [...] Estamos às vésperas de uma revolução nova e, igualmente, drástica: a da reorganização informática, graças ao teletrabalho e ao comércio eletrônico, que trarão de volta o trabalho para dentro dos lares e, assim, nos obrigarão a rever toda a organização prática da nossa existência (DE MASI, 2000, p. 208-217).

No que tange diretamente ao papel do trabalhador, Braverman (1977) não atribui totalmente à

“maquinaria” a sua equiparação com os instrumentos do processo produtivo. Independente da

ausência ou da presença de máquinas operadas individualmente, a tentativa de tratar os

próprios trabalhadores como máquinas foi ampliada pelos sucessores de Taylor, e hoje a

tecnologia é apenas um instrumento fundamental na mão das gerências ávidas em aumentar a

produtividade, que alegam que o trabalho não é eliminado, mas deslocado para outras

ocupações e atividades.

Já em relação aos aspectos pessoais, Braverman (1977, p. 28), comentando Marx, atesta que

“a tecnologia em vez de simplesmente produzir relações sociais é produzida pelas relações

sociais representadas pelo capital”. Essa interdependência intensificou-se com a

acessibilidade a recursos como computadores pessoais, internet e celulares, fazendo com que

tecnologia e automação também criem novos padrões de comportamento e relação social, que

dialeticamente, ao mesmo tempo que distanciam os homens com redoma de isolamento e

individualidade, são o canal para contato com o mundo, trazendo a certeza de se estar vivo

onde quer que se esteja. E os mesmos que se queixam do excesso de informação valorizam-

na, buscando instrumentos que possibilitem a conexão virtual constante.

Eu tenho uma relação muito mais viva com os amigos, aos quais telefono e com quem troco mensagens por e-mail, do que com a pessoa que vive no mesmo andar que eu e que vejo duas ou três vezes por semana. [...] Devemos chegar a considerar normal o fato de que as interações sejam virtuais: não mais físicas, concretas, permitindo o toque, mas sim da fala, da informação e da comunicação (DE MASI, 2000, p. 196).

O economista Herbert Stein, observando de perto as novas hordas de homens e mulheres que desfilam pelas calçadas com celulares grudados aos ouvidos e bocas, chegou à conclusão de que nossa ânsia por informação é um instinto tão primitivo como o de qualquer animal: “É uma maneira de manter contato com alguém, qualquer um, que vai nos assegurar que não estamos sozinhos. Você pode pensar que está somente checando sua carteira de ações, mas lá no fundo você está checando sua existência” (LAZEAR, 2004, p. 61).

c) Velocidade

Intimamente ligada à tecnologia, a velocidade tornou-se índice de progresso. O mundo já

nem sempre é dos melhores mas sim, dos mais rápidos, negando a moral da secular fábula de

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Esopo (1974), A lebre e a tartaruga, que diz que devagar se vai ao longe. Atualmente, ele é

“cinicamente baseado na velocidade e na exclusão de quem não é rápido” (DE MASI, 2000,

p. 199), e é nesse ponto que nosso cérebro “corre o risco de entrar em parafuso”. Neste mundo,

ou entramos imediatamente, ou “entrará o nosso concorrente que ditará a lei que também nós

seremos obrigados a cumprir”. E depois de se ter desencadeado a corrida contra o tempo, já

não se consegue manter o passo e tenta-se “virar em dois”: enquanto se faz uma coisa, já se

está pensando na que se vai fazer depois. Nunca se teve tanto a fazer em tão pouco tempo. A

vida acontece enquanto estamos pensando em outra coisa, e a sensação de perda e frustração

aflora. As possibilidades de agilidade e velocidade decorrentes da tecnologia simplesmente se

tornaram uma necessidade. Gleick (2000) ironicamente lembra que, na época em que havia

menos conexões, os negócios baseados em troca de documentos desenvolviam-se no ritmo de

dias, ditado pelos correios, mas os serviços de entrega expressa tornaram possível a chegada

da encomenda ao destino na manhã do dia seguinte. A crítica fica por conta do seguinte

comentário: antes desses serviços, raramente era necessária a entrega quase imediata, mas

agora que é possível, isso tornou-se absolutamente, impreterivelmente e sempre necessário.

Segundo o autor, jamais na história da raça humana tanta gente teve de fazer tanta coisa em

tão pouco tempo: é o imperativo representado pelos relógios atômicos da chamada “Diretoria

do tempo”.

Sennett afirma que a superficialidade da sociedade moderna é um dos motivos para a

desorganização do tempo. Ele metaforicamente explica que a seta do tempo se partiu e não

tem trajetória numa economia política continuamente replanejada e de curto prazo, que

detesta rotina. Ainda completa que as pessoas sentem falta de relações humanas constantes e

objetivos duráveis e pergunta-se:

Como decidimos o que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra no momento imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdades e compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo continuamente reprojetadas? (SENNETT, 2003, p. 10).

Tempo e espaço, vetores na noção física de velocidade, tornaram-se as duas categorias mais

importantes da vida e reduziram-se de tal forma, que possuí-los passou a ser um luxo. Cada

fração do tempo tem de ter aproveitamento total, fazendo-se de cada mínimo instante um

momento útil, com rapidez e eficiência máximas. Afinal, “é proibido perder um tempo que é

contado por Deus e pago pelos homens” (FOUCAULT, 2003, p. 131).

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Esse conceito e sua necessidade já estão de tal modo arraigados na sociedade, que os reflexos

surgem na própria idealização de vida e trabalho. Por exemplo, o conceito corrente de

sucesso para o executivo, particularmente o brasileiro, além de ser alcançar altas posições na

hierarquia, com acúmulo de riqueza pessoal, é que isso aconteça com alguma velocidade

(BARROS, 2003).

d) Desemprego

Há uma concepção ingênua, porém sensata, sobre a produtividade: quanto mais ela cresce, assim pensa o bom raciocínio humano, mais alívio traz à vida em comum. A maior produtividade permite fabricar mais bens com menos trabalho. Não é maravilhoso? Em nossa época, no entanto, parece que o aumento da produtividade, além de criar uma quantidade exagerada de bens, resultou numa avalanche de desemprego e de miséria (KURZ, 1997, p. 159).

“O desemprego não é um fenômeno novo na história da civilização” (FERREIRA et al., 2002,

p. 224) – nem por isso deixa de ser preocupante. No início do século XX, Taylor foi acusado

de causar desemprego; a quebra da bolsa de Nova York em 1929 levou à depressão econômica

e a elevados níveis de desemprego, por exemplo. Atualmente desemprego ou subemprego

estão presentes em praticamente todas as nações: principalmente nas “em desenvolvimento”,

que também sofrem com o desemprego tecnológico, advindo da substituição de trabalhadores,

tanto administrativos quanto operacionais, de baixa remuneração e com pouca ou nenhuma

qualificação. Segundo Kurz (1997), seria pura ingenuidade acreditar que programas de re-

treinamento sejam a solução para superar a lacuna de níveis educacionais entre os que

precisam de emprego e para suprir cargos disponíveis no setor do conhecimento em ascensão;

mas seria também ingenuidade considerar a reengenharia de processos administrativos e

operacionais como a causa da formação de um exército de desempregados pela substituição

do trabalho humano por máquinas. “O desemprego é real, mas sua discussão não se restringe

às mudanças organizacionais que estão ocorrendo. Ela se estende no nível institucional a toda

a sociedade” (FERREIRA et al., 2002, p. 225).

Segundo Antunes (2003), o brutal desemprego estrutural também é conseqüência da lógica

destrutiva do capital e de seu sistema. Aznar10 (apud TEIXEIRA FILHO, [200-], p. 1) afirma

que se trata de uma questão central – associada à da exclusão social – que “não terá solução

‘natural’ no curso normal dos acontecimentos”. Essa postura conformista é radicalmente

contestada por Freire (2004), que afirma preferir a rebeldia que o confirma como gente e que

jamais deixou de provar que o ser humano é maior do que os mecanicismos que o minimizam.

10 AZNAR, Guy. Trabalhar menos para trabalharem todos. São Paulo: Página Aberta, 1995.

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O desemprego no mundo não é, como disse e tenho repetido, uma fatalidade. É antes o resultado de uma globalização da economia e de avanços tecnológicos a que vem faltando o dever ser de uma ética realmente a serviço do ser humano e não do lucro e da gulodice irrefreada das minorias que comandam o mundo. O progresso científico e tecnológico que não responde fundamentalmente aos interesses humanos, às necessidades de nossa existência, perde, para mim, sua significação (Ibidem, p. 130).

De Masi (2000, 2003) argumenta que, na América, o desemprego é mitigado pelas novas

profissões e até mesmo por empregos precários e de baixa qualidade. Mas ele questiona se a

inteligência de um indivíduo não estaria sendo depreciada quando lhe é dado um emprego,

por exemplo, de ascensorista, no qual é mantido “fechado, mofando, oito horas por dia num

elevador, para fazer um trabalho completamente idiota e inútil [e se] não seria melhor para ele

e para a sociedade que lhe dessem a mesma importância de dinheiro, pedindo-lhe, em troca,

que continuasse a estudar?” (DE MASI, 2000, p. 277). Contrapondo essa idéia, o próprio

autor questiona, no caso da mão-de-obra infantil, se as crianças, caso fossem realmente

afastadas do trabalho, freqüentariam uma escola, teriam outra renda, morreriam de fome ou se

prostituiriam para sobreviver. Ele explica que essa exploração e o subemprego perpetuam-se

para fazer com que uma parte da “riqueza” atinja também os desempregados. Assim, para se

permanecer fiel ao moto “quem não trabalha não come”, foi preciso inventar subterfúgios e

ficções de vários tipos, como, por exemplo, os chamados trabalhos “socialmente úteis”. Até

porque a vida de um desempregado é horrível, pois na sociedade industrial e pós-industrial

tudo depende do trabalho: “salário, contatos profissionais, prestígio e (quando se é católico)

até o resgate do pecado original e o bilhete de ingresso para o paraíso. Portanto, se falta o

trabalho, falta tudo” (Ibidem, p. 249). Os desempregados são injustiçados e estão socialmente

excluídos, afirma Dejours (2001), que sobre esse sofrimento ainda ressalta:

As pessoas que dissociam sua percepção do sofrimento alheio do sentimento de indignação causado pelo reconhecimento de uma injustiça adotam freqüentemente uma postura de resignação. Resignação diante de “um fenômeno”: a crise do emprego, considerada uma fatalidade, comparável a uma epidemia, à peste, ao cólera e até à Aids. Segundo essa concepção, não haveria injustiça, mas apenas um fenômeno sistêmico, econômico, sobre o qual não se poderia exercer nenhuma influência (Ibidem, p. 20).

Apesar de praticamente todos poderem ser atingidos pelo desemprego, alguns fatores como

baixo grau de instrução e pouca ou avançada idade aumentam a probabilidade dos

trabalhadores de engrossarem o rol de desempregados. Quanto à idade, a dificuldade é maior

para jovens que recém terminaram os estudos médio ou superior e para velhos (o mercado de

trabalho já considera como tal pessoas acima de 40 anos). Escolaridade é proporcional a

empregabilidade: quanto menores a instrução e o conhecimento, menor a chance de se

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arranjar emprego (MINARELLI, 2003; PENSCHI, 2003; TADEI, 2000). Diniz (2004) afirma

que as mulheres são as mais prejudicadas com o crescimento do desemprego, pois a taxa entre

elas é duas vezes maior do que entre os homens – levando à feminilização da pobreza.

Indubitavelmente, quem perdeu o emprego, quem não consegue empregar-se (desempregado primário) ou reempregar-se (desempregado crônico) e passa pelo processo de dessocialização progressivo sofre. É sabido que esse processo leva à doença mental ou física, pois ataca os alicerces da identidade. Hoje, todos partilham um sentimento de medo – por si, pelos próximos, pelos amigos ou pelos filhos – diante da ameaça de exclusão (DEJOURS, 2001, p. 19).

A supressão do trabalho nos priva da fisionomia, da máscara com que nos apresentamos ao mundo (THIRY-CHERQUES, 2004, p. 17-18).

e) Desigualdade social

Esta é uma aldeia em que algumas multinacionais, longe de alavancar o campo global com empregos e tecnologia para todos, estão explorando o mais pobre país do planeta em troca de lucros inimagináveis. [...] Nos arredores de Manila, por exemplo, conheci uma garota de 17 anos que monta drives de CD-ROM para a IBM. Disse a ela que estava impressionada com o fato de alguém tão jovem poder fazer um trabalho de tão alta tecnologia. ‘Nós fazemos computadores’, disse-me ela, ‘mas não sabemos como operá-los’. Nosso mundo, ao que parece, não é tão pequeno afinal (KLEIN, 2003, p. 18-19).

Em 1992, o salário anual de um simples empregado de meio expediente da Nike, nos Estados Unidos, era superior à soma dos salários de todas as moças da Indonésia que no mesmo período tinham trabalhado nas empresas fornecedoras da Nike americana (DE MASI, 2000, p. 88).

Esses dois autores atribuem a submissão às condições degradantes e humilhantes de trabalho

ao poder de negociação das grandes nações e grandes empresas, aliado à falta de opção e à

carência das pequenas nações e das pequenas e médias empresas. Enquanto o sistema de

distribuição de renda estiver sob o controle dos detentores dos meios de produção, o “capital

humano” continuará sendo subjugado. Os ricos ficam cada vez mais ricos, e os pobres, cada

vez mais pobres. Nas sociedades acentuam-se as desigualdades e as disparidades, que se

devem mais a discriminações da força de trabalho do que à estrutura ocupacional. Como

exemplo marcante dessa desigualdade Dejours (1992) retrata o subproletariado – moradores

das periferias das cidades ou das favelas – que não se identifica pela participação em uma

mesma tarefa industrial mas pelo não trabalho e pelo subemprego.

Nessa sociedade pós-industrial, a desigualdade manifesta-se não apenas no tocante às

diferenças socioeconômicas, mas entre os próprios indivíduos dentro do seu ambiente de

trabalho e, fora dele, enquanto seres sociais. Entre trabalhadores, fica latente a separação em

função de hierarquia e de outros detalhes – nem sempre tão pequenos – na rotina diária.

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Apoiados pela cultura da organização, diversos aspectos são sinais de status e desigualdade,

como por exemplo: ser isento de ponto; trabalhar em sala individual; utilizar um ou outro

refeitório; usar ou não uniforme (que também se distingue por tipo ou cor) etc. Já a

desigualdade entre as pessoas na sociedade dá-se em níveis além do econômico. Outros

elementos vão criando patamares e segregando grupos. A valorização ou o demérito pode

ocorrer em função de profissão, raça, política, opção sexual, religião, do que se consome e até

da possibilidade de as próprias pessoas serem consumidas como marcas. Klein (2003) utiliza,

inclusive, a expressão “humanos de marca” para designar os que se notabilizaram por esse

fator. Nesses aspectos, também culturais, o marketing e a comunicação têm grande influência

na formação de juízos de valor, segregação e desigualdade.

Não faz muito tempo que se desgastou a empolgação inspirada por essas versões maníacas da globalização, revelando rachaduras e fissuras sob sua fachada lustrosa. Cada vez mais, nos últimos quatro anos, nós, no Ocidente, temos vislumbrado outro tipo de aldeia global, onde as diferenças econômicas estão aumentando e as opções culturais diminuindo (KLEIN, 2003, p. 19).

f) Escola e escolaridade

Tecnologia, desenvolvimento, empregabilidade, desemprego e desigualdade perpassam a

questão da escola. A esse respeito, Lettieri (2001) denuncia que até então a escola tem

representado a função de trabalho improdutivo forçado, existindo em função de si própria,

esterilizando imensas energias físicas e intelectuais e separando-as da realidade da produção.

Embora teoricamente prepare indivíduos para o mercado de trabalho, atua de forma estanque

em relação a este. “O esforço dos trabalhadores para terem poder sobre o processo de trabalho

esbarra com a rápida obsolescência do seu saber técnico e com a insuficiência dos

conhecimentos obtidos”. Daí a necessidade de (re)conhecer, recuperar e transformar a função

da escola e da ciência. O retorno à escola dos já trabalhadores é uma aspiração de massa, que

funciona como uma esperança de melhoria profissional, mas que quase sempre fracassa, visto

que não há vínculo “entre escola e fábrica, entre a necessidade de mudar a natureza e a

organização do trabalho e o que a escola ensina”. A escola tem assumido um papel mais

alienante do que conscientizador (Ibidem, p. 201- 202).

Essas mesmas características estão presentes no Brasil, com as agravantes da baixa qualidade

do ensino público (com raríssimas exceções, que passam a ser de difícil acesso) e do

dispendioso ensino particular, que entravam o desenvolvimento do indivíduo e o seu acesso

ao mercado de trabalho. Um nível mínimo de escolaridade – primeiro grau completo – opera

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como um requisito básico para praticamente qualquer inserção no mercado; porém os que

exclusivamente o têm provavelmente só encontram, quando encontram, alternativas de

subemprego (MINARELLI, 2003; PENSCHI, 2003). “Transfere-se ao trabalhador sem

escolarização a responsabilidade pela precariedade do mercado de trabalho” (FIDALGO et

al., 1999, p. 13).

O trabalhador dito qualificado, no outro extremo, também se vê com a responsabilidade pela

sua contínua preparação para manter o seu emprego ou para, caso o perca, estar capacitado

para obter outro (a questão da empregabilidade). Ele tem de retornar aos bancos escolares, na

maioria das vezes às suas custas. Lá, ouve um discurso que, reproduzindo o das organizações,

se destina a adaptá-lo ainda mais a estas, ou vem a descobrir o caminho da análise crítica,

distanciada dos valores de mercado, o que o leva a encontrar dificuldades de novamente se

adaptar à maior parte da realidade empresarial alienada e alienante.

Dentro do binômio educação básica-educação profissionalizante, esta última, embora ainda

exercida em pequena e deficiente escala, impõe seus princípios – adestramento e treinamento

regulados pelas necessidades do mercado – à primeira. Houve, portanto, um deslocamento

conceitual da qualificação dos trabalhadores para a construção de competências, que reforça a

tese de se culpar a vítima. E a forma de apropriação da mão-de-obra centrada na mobilização

da subjetividade dos trabalhadores e na individualização das relações sociais reforça os

mecanismos de controle do capital sobre o trabalho, suas normas e valores – e, fechando um

ciclo, repercute na escola e no preparo do trabalhador. Em vez de pelo desenvolvimento

amplo do trabalhador, qualifica-se por competência, e esta, de uma forma geral, “designa

aquilo que sobressai na formação técnica dos trabalhadores e pressupõe uma capacidade de

mobilizar as amplas dimensões da subjetividade humana na busca de resolução de problemas

nas situações e trabalho” (FIDALGO et al., 1999, p. 13).

Entretanto, as novas demandas por qualificação incluem um grande e impreciso leque de

qualidades humanas tais como iniciativa, espírito de equipe, capacidade de comunicação,

responsabilidade, flexibilidade, motivação, disciplina, comprometimento, habilidade de

negociação e capacidade de pensar, entre muitas outras (ARAÚJO, 1999), que ironicamente

estão distantes dos princípios norteadores dos métodos atuais de ensino, voltados para um

mundo corporativo competitivo, excludente e impessoal. A escola, por enquanto, continua

agindo como poderoso aparelho ideológico social.

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Com idéias vanguardistas e uma vida dedicada à prática da educação desalienante e

libertadora, Freire (2004) defende a inclusão de novos métodos de ensino e ressalta ainda que

o aprendizado deve ir muito além da simples repetição de fórmulas. Em condições de

verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção

e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo – o

que o autor chama de pedagogia da autonomia. No que tange a aperfeiçoamento e aprendizado

profissional, destaca que o empresário moderno até aceita, estimula e patrocina o treino

técnico de “seu” operário, “mas o que ele necessariamente recusa é a sua formação que,

envolvendo o saber técnico e científico indispensável, fala de sua presença no mundo.

Presença humana, presença ética, aviltada toda vez que transformada em pura sombra”

(Ibidem, p. 102).

Tenho afirmado e reafirmado o quanto realmente me alegra saber-me um ser condicionado mas capaz de ultrapassar o próprio condicionamento. A grande força sobre que alicerçar-se a nova rebeldia é a ética universal do ser humano e não a do mercado, insensível a todo reclamo das gentes e apenas aberta à gulodice do lucro. É a ética da solidariedade humana. [...] A liberdade do comércio não pode estar acima da liberdade do ser humano (Ibidem, p. 129).

g) Novos valores

Nesse contexto, torna-se imperativo reintroduzir as pessoas no lugar que lhes pertence no universo do trabalho. Para isto, é indispensável reabilitar o ponto de vista do sujeito, seu desejo em face das suas atividades profissionais e a contribuição essencial do trabalho para a construção equilibrada do seu ser. Tal orientação exige que se abra um espaço mais importante às preocupações ontológicas11 no mesmo nível que as contribuições insubstituíveis das ciências humanas (CHANLAT, 1996a, p. 18).

Embora as idéias apresentadas nesta seção sobre o cenário atual e o novo trabalho ainda soem

novas para muitos indivíduos, algumas delas foram postuladas há mais de meio século, como

a de Russell, que em 1935 disse achar que neste mundo se trabalha demais e que incalculáveis

males derivavam da convicção de que o trabalho seja uma coisa santa e virtuosa. Em vez

dessa prática, ele postula que o caminho para a felicidade e prosperidade acha-se na

diminuição do trabalho e que a técnica moderna permite que o tempo livre, dentro de alguns

limites, não seja uma prerrogativa de poucas classes privilegiadas, mas que possa ser

distribuído de forma igual entre todos os membros de uma comunidade. Ele completa que “a

moral do trabalho é uma moral de escravos e o mundo moderno não precisa da escravidão”

(RUSSELL, 2002, p. 27).

11 Ontologia – parte da filosofia que trata do ser enquanto ser, i.e., do ser concebido como tendo uma natureza

comum que é inerente a todos e a cada um dos seres (FERREIRA, 1999, p. 1447).

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Na mesma linha de pensamento, De Masi (2000, p. 313) faz referência a Keynes12 que, em 1930,

havia dito que o “homem se verá diante do seu verdadeiro e constante problema: como utilizar

a sua liberação dos problemas mais opressores ligado à economia, como empregar o tempo

livre que a ciência lhe proporciona para viver bem, prazerosamente e com sabedoria”. Ao que

De Masi (2000, p. 324) acrescenta: “Nos anos passados foi o trabalho que colonizou o tempo

livre; nos anos futuros será o tempo livre a colonizar o trabalho”. Braverman (1977, p. 18)

também aborda o tema, emitindo uma esperançosa opinião sobre o trabalho ideal:

Minhas opiniões sobre o trabalho estão dominadas pela nostalgia de uma época que ainda não existe, na qual, para o trabalhador, a satisfação do ofício, originada do domínio consciente e proposital do processo do trabalho, será combinada com os prodígios da ciência e poder criativo da engenharia, época em que todos estarão em condições de beneficiar-se de algum modo desta combinação.

Basicamente, o que se percebe é a necessidade de uma mudança de postura individual e

coletiva perante o próprio indivíduo, a sociedade, o trabalho e a divisão ou diminuição de

poder do capital, como afirmam Antunes (2002), Arendt (2003), Arrighi (1996), Braverman

(1977), Codo (2004), De Masi (2003), Dejours (1992, 2001, 2002), Freire (2004), Freitas

(1997), Heloani (2003), Lima (1996), Micklethwait e Wooldridge (2000) e Sennett (2001,

2003). Esse novo foco teria como reflexo os novos valores do futuro que, mesmo conhecidos,

são hoje ainda pouco adotados: intelectualização, emotividade, estética, subjetividade,

confiança, hospitalidade, feminilização, qualidade de vida, desestruturação do tempo e do

espaço, virtualidade, além, é claro, de uma menor atenção ao dinheiro, à posse de bens

materiais e ao poder, tendo como contrapartida a maior atenção ao saber, ao convívio social,

ao lúdico, ao amor, à amizade e à introspecção.

Porém, com a mudança dos valores e para que a nova postura seja realmente implantada,

dever-se-iam mudar também os métodos pedagógicos, adequando-os à sua transmissão,

conforme explicitado no item anterior. Se, para educar um jovem a lutar por dinheiro e poder,

adota-se hoje uma pedagogia na qual se premiam o egoísmo e a hierarquia, os novos métodos a

serem utilizados deveriam valorizar mais o diálogo, a escuta, a solidariedade e a criatividade.

Já são vistas as primeiras atitudes dentro desses novos valores, mas ainda de forma isolada.

Kanitz (2004) relata, no artigo Fazendo a diferença, que aproximadamente 55% dos

empresários americanos (no Brasil ainda não há estatística, mas estima-se que a porcentagem

esteja muito aquém da americana) já não pretendem legar toda sua fortuna para seus filhos, 12 KEYNES, J. M. La fine del laissez-faire e altri scritti. Turim: Bollatti Boringheiri, 1991 [De Masi faz

referência a Keynes nas suas duas obras – 2002 e 2003 – citadas na seção Referências desta dissertação; entretanto indica a fonte original apenas na obra de 2003, à página 344].

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achando que estariam gerando indivíduos infelizes e playboys; por isso, preferem criar

fundações com vistas a minimizar problemas e desigualdades sociais. Ele transcreve a fala de

um recém e súbito bilionário, proferida no World Economic Forum, realizado em Davos, em

janeiro de 2004:

Sou simplesmente fruto do acaso, tenho os genes certos e estou no momento certo, no setor certo. É difícil falar em ‘mérito’ numa situação dessas. Se eu, o Bill Gates aqui presente, ou então o Warren Buffett tivéssemos nascido 2000 anos atrás, nenhum de nós teria tido o porte atlético necessário para se tornar um general do Império Romano, posição de destaque equivalente à nossa, na época. Teríamos sido trucidados na primeira batalha. [...] Mesmo doando toda a minha fortuna, continuará a existir uma enorme injustiça social no mundo. Eu terei tido um privilégio que muitos não terão. O privilégio de ter feito uma diferença com meu trabalho e minha vida (KANITZ, 2004, p. 22).

Em uma nova era, ainda indefinida, o “sentido é mais importante do que a quantidade” e

resgata alguns valores da Antigüidade, quando as “poucas coisas que um filósofo possuía lhe

bastavam, já que ele sabia enriquecê-las de significado” (DE MASI, 2000, p. 36). Daí a

importância de se pesquisar o significado do trabalho...

2.4 Entendendo a subjetividade

Explicar não basta para compreender. Explicar é utilizar todos os meios objetivos do conhecimento que são, porém, insuficientes para compreender o “ser subjetivo” (MORIN, 2001, p. 38).

Subjetividade ainda é um conceito controverso, até porque envolve a interpretação da

natureza humana pelo próprio homem segundo prismas pessoais, logo, subjetivos, como a

própria denominação sugere. Até aqui, entende-se subjetivo como individual, pessoal,

particular, relativo ao sujeito, existente no sujeito e passado unicamente no espírito de uma

pessoa (FERREIRA, 1999, p. 1893). Saindo desse conceito mais geral e objetivo, pode-se

passar para as visões filosófica, psicológica, sociológica e psicanalítica da subjetividade.

É preciso, a princípio, delinear a diferença básica da subjetividade em relação à identidade.

Vieira (2004) delineia esse limite, por vezes também pouco preciso, explicando que o conceito

ou imagem que a pessoa tem de si mesma é o lado subjetivo da identidade de cada indivíduo,

enquanto o eu pessoal é uma identidade objetiva, com características materiais e psicológicas

específicas. Logo, subjetividade é “a compreensão que temos do nosso eu, que por sua vez

envolve pensamentos e emoções. Nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual

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adotamos identidades, ou seja, as posições que assumimos e com as quais nos identificamos é que

constituem nossas identidades” (Ibidem p. 71). Por conseguinte, é a subjetividade o foco de

análise desta pesquisa sobre significado do trabalho, considerando “como subjetiva aquela

dimensão da experiência que expressa o sujeito na intersecção de sua particularidade com o

mundo sociocultural e histórico” (TITTONI, 1994 p. 13).

Davel e Vergara (2001, p. 44-46)13 localizam esse assunto na história, começando pela

máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”. Essa preocupação do filósofo grego com o

Homem já remetia à questão da subjetividade. Mas foi Sêneca quem começou a perceber

com mais clareza que “as pessoas são dotadas de um espaço interior que se distingue da

exterioridade”. Seria nesse espaço interior que se alojariam o bem e o mal – vontades opostas

que coexistem na natureza humana. Para ele, o natural humano é o bem, mas o indivíduo luta

consigo mesmo, numa batalha interna, para sobrepujar o mal. Esse juiz interior seria a

“consciência”, mas Sêneca desculpa as falhas humanas, afirmando que “o conhecimento do

erro é o começo do acerto”. Todavia, os conceitos de sujeito e subjetividade próximos do

moderno surgiram apenas a partir da noção de interioridade proposta por Santo Agostinho,

que reforça que o caminho para a transformação depende, necessariamente, da atenção que a

pessoa dá a seu interior e ao foco de seus pensamentos e sentimentos no momento em que está

vivenciando determinada experiência. A compreensão dos fatos depende de como se

experimenta a situação. Ele ainda descarta o aprendizado por meio de palavras, alegando que

estas são arbitrárias, externas às pessoas e variam de acordo com a língua, não podendo

significar experiência, que por sua vez é “sempre individual e intransferível”.

Contemporaneamente, Davel e Vergara (2001) remetem-se à perspectiva foucaultiana, na qual

o indivíduo não é algo dado mas sim, produto das técnicas sociais do poder, através dos

processos de objetivação e subjetivação. Eles citam Ellis e Flaherty14 (que retomam a questão

das vozes interiores, acrescentando que os sentimentos são produzidos em ocasiões históricas,

políticas e culturais precisas) e Rose15 (que afirma que somos capazes de desvendar a

pluralidade e heterogeneidade de linguagens, espaços e práticas que nos governam diariamente).

13 Davel e Vergara não incluem em seu texto a referenciação das obras de Sócrates, Sêneca e Santo Agostinho,

remetendo as citações que deles fazem à fonte SOARES, L. M. M. D. ‘Interioridade’ em Sêneca e Santo Agostinho. Dissertação – Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica, Rio de Janeiro, 1998.

14 ELLIS, C.; FLAHERTY, M. G. (Ed.). Investigating subjectivity: research on lived experience. Newbury Park: Sage, 1992.

15 ROSE, N. Authority and the genealogy of subjectivity. In: HEELAS, P.; LASH, S.; MORRIS, P. (Eds.). Detraditionalization: critical reflections on authority and identity. Londres: Blackwell, 1996.

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Ainda filosoficamente, Mance (1998), baseado nos estudos de Felix Guattari e Gilles Deleuze,

define “sujeito” como alguém capaz de pensar, decidir e atuar por conta própria e

“subjetividade” como aquilo que engloba tudo o que é próprio à condição de ser sujeito

(capacidades sensoriais, afetivas, imaginativas e racionais envolvidas nos processos de

perceber, compreender, decidir, agir etc). Mance ainda defende que, no processo de

individuação, assumem-se jogos de linguagem, signos e código culturais, numa relação

simultânea de liberdade e determinação. Na verdade, conclui que é a sociedade, em todas as

suas dimensões, que determina a subjetividade individual.

Na psicologia, segundo Rey (2003, p. 222), subjetividade e sujeito não apareceram como

“resultado de seu trânsito pela modernidade, mas como resultado de sua assimilação da

dialética marxista, enriquecida no processo de desenvolvimento da psicologia pela influência

crescente do pensamento complexo nas ciências do homem”. Foi o marxismo que, pela

primeira vez, representou no pensamento filosófico o caráter histórico e social do homem,

supondo “o trânsito de um sujeito universal, fechado dentro de um conjunto de categorias

metafísicas, para um sujeito concreto, que mostra em sua condição atual a síntese de sua

história social, não como acumulação, mas como expressão de uma nova condição”. Mas

Rey contrapõe que o homem, na obra de Marx, aparece em uma situação social que o aliena

em sua condição de produtor e rompe com a imagem de que o esforço pessoal leva a um

desenvolvimento individual crescente. “Marx nos mostra forças sociais ocultas que vão contra

o crescimento humano, enquanto Freud nos apresenta estas forças ocultas num indivíduo

incapaz de controlá-las e organizá-las por meio da razão” (Ibidem, p. 21).

Na psicanálise, que tem como pilar a obra de Freud, a concepção de subjetividade é sempre

idiossincrática, ou seja, o temperamento do indivíduo o faz reagir de maneira pessoal à ação

dos agentes externos, mesmo estando inserido na cultura, pois é o sujeito que dá sentido à sua

existência. A complexidade do sujeito inclui aspectos conscientes, pré-conscientes e

inconscientes, sendo que os aspectos subjetivos “podem se manifestar a partir da

multiplicidade, diversidade e unidade do psiquismo que se constrói em histórias individuais”

(FERREIRA, 2000, p. 104). Mas a maior parte da subjetividade permanece imersa no

psiquismo inconsciente.

Para Heller (1991), a subjetividade é colocada no centro do processo histórico, sendo que o

homem, voltado para sua sobrevivência, está em constante busca de humanização. Ela ainda

destaca as contradições do marxismo ao construir filosoficamente o sujeito da revolução que

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liberta a humanidade, ao passo que objetivamente são as leis econômicas que conduzem à

revolução histórico-social.

Rey (2003) também cita, entre diversos outros autores, Castoriadis e Guattari. A este último

atribui a definição da subjetividade capitalística: relação de infantilização de setores sociais,

fazendo com que tudo que se faça ou se pense seja mediado pelo Estado, criando uma relação

de dependência (Guattari16 refere-se tanto à “subjetividade produzida pelas máquinas em série

e impessoais associadas ao consumo de massa e à produção de modelos capitalistas” quanto

“às formas de controle e eliminação de singularização dentro das estruturas totalitárias

reguladas por um estado onipresente, todo poderoso e impessoal no socialismo”). A

Castoriadis17 atribui a concepção de subjetividade comprometida com o caráter sociohistórico

do sujeito concreto e singularmente diferenciado que, sendo uma “pessoa real”, é capaz de

“revelar seus fantasmas” e não se deixar dominar por eles, a menos que o queira: “o sujeito

não fica preso a nenhum tipo de realidade coisificada que o constitui, mas ao momento

constituinte de seu próprio mundo”. Assim, “o sujeito é pensante, é um sujeito gerador,

produtor, que não está anulado dentro da estrutura de sua própria linguagem”. Ele não é,

portanto, “o sujeito da linguagem, mas o sujeito da vontade, que se expressa por meio de

significados e significantes, mas que não se esgota neles” (Ibidem, p. 108-110).

De uma forma genérica, Rey (2003, p. ix) define a subjetividade como “um complexo e

plurideterminado sistema, afetado pelo próprio curso da sociedade e das pessoas que a

constituem dentro do contínuo movimento das complexas redes de relações que caracterizam

o desenvolvimento social”. Mas ele também explica o conceito da subjetividade social, que

se concentra na geração de visibilidade das complexas e ocultas inter-relações de diferentes

instituições e processos subjetivos da sociedade. Em outras palavras, seria desvendar as

relações de poder, as diferenças sociais, as formas socioeconômicas de organização e dos

processos de marginalização, os códigos jurídicos, os critérios de propriedade etc.

A ação do indivíduo dentro de um contexto social não deixa uma marca imediata nesse contexto, mas é correspondida por inúmeras reações dos outros integrantes desse espaço social, pelas quais se preservam os processos de subjetivação característicos de cada espaço social, criando-se no interior desses espaços zonas de tensão, que podem atuar tanto como momentos de crescimento social e individual quanto como momentos de repressão e constrangimento do desenvolvimento de ambos os espaços (Ibidem, p. 203).

16 GUATARRI, F.; ROLNIK, S. B. Micropolítica: cartografias do desejo. 4.ed. Petrópolis: Vozes, 1996, apud REY (2003). 17 CASTORIADIS, C. A. As encruzilhadas do labirinto. São Paulo: Paz e Terra, 1986, apud REY (2003).

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Em uma esfera mais restrita, a subjetividade individual corresponde à representação de processos

e formas de organização subjetiva dos indivíduos concretos. É nela que “aparece constituída a

história única de cada um dos indivíduos, a qual, dentro de uma cultura, se constitui em suas

relações pessoais” (Ibidem, p. 241). A subjetividade individual tem dois momentos que se

integram ao longo do desenvolvimento: a personalidade e o sujeito. Mutuamente

constituintes e constituídos, eles são igualmente interdependentes, sem ser excludentes.

Já as emoções – um dos registros mais importantes da subjetividade humana – caracterizam o

estado do sujeito em toda ação no espaço de suas relações sociais, entrando, novamente, no

cenário da cultura. Segundo Rey (2003), emocionar-se é uma condição da atividade humana

dentro do domínio da cultura. As emoções representam estados de ativação psíquica e

fisiológica, resultantes dos complexos registros do organismo em si próprio e no social.

Vigotsky18 (apud REY, 2003) também apresenta as características do sujeito como o resultado

da interação do homem com seu meio sociocultural: ele transforma o meio que também o

transforma. Para Vigotsky, a emoção é essencial na definição do sentido subjetivo dos processos

e das relações do sujeito, e as experiências só têm sentido quando acompanhadas de uma carga

emocional. A consciência está baseada em sentimento, pensamento e vontade, que são

historicamente constituídos no contexto ideológico, psicológico e cultural. E toda mediação entre

o indivíduo e o outro se dá não apenas pela presença física, mas através dos signos da linguagem.

A visão da complexidade defendida por Morin (2001) concretiza, no campo da psicologia, o

estudo da subjetividade. Em oposição à visão mecanicista ou determinista, ele afirma que a

noção de sujeito – também produto e produtor – só é possível se houver autonomia. O sujeito

tem consciência de sua consciência e das suas possibilidades de escolha, que são limitadas

pelo contexto da situação. Já a sociedade é produto das interações entre esses indivíduos

dentro de características próprias de linguagem e cultura que, por sua vez, também atuam

sobre esses mesmos indivíduos. Mas Morin conclui que mesmo todas as tentativas de

explicá-lo ainda não são suficientes para se entender o subjetivo.

Numa visão behaviorista, a subjetividade em Skinner19 (apud FERREIRA, 2000, p. 90) é

“uma concepção ‘carregada’ de ‘objetividade’. Não há formas de explicitar o mundo interno,

vivido, às vezes, inconscientemente, a não ser através da fala, que para o behaviorismo é de

18 Rey (2003, p. 287) lista, em Bibliografia, cinco obras de Vigotsky (1965, 1967, 1984, 1989a, 1989b). Ao

longo do texto, porém, não identifica de qual delas cada citação foi extraída. 19 SKINNER, B. F. Sobre o behaviorismo. São Paulo: Cultrix / Ed. USP, 1982.

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natureza mais social do que individual”. Portanto, as vertentes subjetivistas e objetivistas são

maneiras diversas de compreensão da relação do ser humano com o ambiente que o cerca e

determina-o.

Todavia, Foucault (2003, 2004) intervém, alegando que a subjetividade humana pode ser

modelada através dos mecanismos de adestramento – nem sempre sutis – e controlada pelos

mecanismos do conhecimento-poder. O exercício de tal poder está pautado na disciplina e no

conhecimento/saber como objetos desse controle. O corpo dócil e útil é o caminho para o

domínio sobre si próprio e para o controle do corpo alheio e da coletividade, visando à

eficácia através de técnicas adequadas, sempre buscando aumentar sua força – não apenas

pela apropriação, domesticidade e vassalidade dos corpos, mas por essa relação que “o torna

tanto mais obediente quanto é mais útil e inversamente” (FOUCAULT, 2004, p. 119).

Heloani (2003) ainda acrescenta que esse poder é mais bem exercido tanto menos seja bem

percebido. Essa filosofia de poder tem instrumentos baseados na visibilidade – que se

transforma em armadilha –, através da vigilância hierárquica, na sanção normalizadora e nos

exames. É a partir disso que Foucault (2004) explica a formação de uma sociedade

disciplinar através dos seus processos econômicos, jurídico-políticos e científicos e

pergunta: “devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas,

com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?” (Ibidem, p. 187).

Nessa visão crítica sobre os processos de dominação a que todos os indivíduos estão

subjugados, afirma que eles deixam de ser sujeitos de sua história, passando de condutores a

repetidores enquadrados em disciplinas. Esse processo deturpa a identidade e inibe a

subjetividade.

Independente da corrente considerada, a subjetividade implica em uma forma peculiar e

individual de percepção do mundo, que não aparece completamente dissociada do meio

externo. É nesse meio que se concretizam as ações que caracterizam o indivíduo

enquanto trabalhador. Mas a sua compreensão desse trabalho depende da sua própria

subjetividade.

Por que estás surpreso de não aproveitar em nada as tuas longas viagens? É a ti mesmo que carregas por todo o lugar (SÓCRATES20 apud DAVEL; VERGARA, 2001, p. 5).

20 Ver nota 13.

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2.5 Subjetividade e trabalho

Os indivíduos experimentam suas situações e suas relações como necessidades, interesses, desejos e paixões. Em seguida, eles elaboram esta experiência em suas consciências e suas culturas de diferentes formas e, após, movimentam-se em meio às condições que delimitam e contornam suas vidas e seus cotidianos. É este fazer e refazer constante, contraditório e dialético que o cotidiano produz e circunscreve. Desta maneira, a subjetividade pode ser compreendida como as representações e as imagens que os trabalhadores constroem de sua experiência no trabalho, através das quais eles tentam explicar a realidade onde estão inseridos (PIMENTA, 2004, p. 53).

A conceituação do sujeito na condição de trabalhador construiu-se, teoricamente, “a partir de

categorias como o cotidiano da fábrica e as experiências produzidas nesse contexto”

(TITTONI, 1994, p. 19). Esse “sujeito fluido” é então estudado através do discurso, das

práticas e das experiências, ou seja, através da sua expressão e da sua compreensão de

significado das experiências que compõem sua vida e seu cotidiano de trabalho.

O foco para a análise do significado do trabalho a partir da subjetividade deve levar em conta

uma relação na qual os elementos se constroem e influenciam-se mutuamente, estando-se

atento que “não existe subjetividade pura, destacada de alguma forma de inserção no mundo e

de presença transformadora” (TAVARES, 2004, p. 56). A dualidade é formada por: (a)

relações e organização de trabalho que só podem ser percebidas, mantidas ou transformadas a

partir da subjetividade do trabalhador; (b) experiência subjetiva, que é moldada e

transformada pela sua interação com a realidade (TAVARES, 2004).

Com as mudanças históricas, o trabalho foi deslocado da posição de elemento subjetivo do

processo para a de subordinação a um elemento objetivo num processo produtivo dirigido

pelas gerências que resguardam os interesses do capital. Ou seja, o trabalho foi reduzido a um

objeto, e o trabalhador, a uma máquina para todos os fins (BRAVERMAN, 1977). A

consideração do sujeito marcado por uma história de subordinação expressa no trabalho e no

além-trabalho e da subjetividade no trabalho deve contemplar, além da dimensão inconsciente

de tal sujeito, dois aspectos, segundo Fidalgo et al. (1999, p. 11): por um lado, não se pode

tomar o trabalho “como prisioneiro sem saída da cadeia hierárquica do capital em que o uso

de si pelo outro estaria dado como fato natural”; por outro lado, “é preciso considerar que as

manifestações no espaço de trabalho do uso de si por si mesmo podem estar subsumidas pelo

uso de si pelo outro, de modo que nem sempre podem estar sendo expressão de uma oposição

ao poder alienante do capital”. Assim, esses autores consideram que existe sim uma

finalidade pessoal e intencional na execução individual do trabalho, que coexiste com os

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objetivos do outro em relação a esse mesmo indivíduo, abrindo margem para uma

significação do trabalho além-capital.

Em vista das características atuais do mercado de trabalho e do surgimento de representativas

categorias de trabalhadores autônomos e prestadores de serviços através de contratos

temporários, o estudo da subjetividade do trabalho deve ser expandido para além dos muros

das fábricas. Se as empresas e suas configurações estão em constante mudança, modificando

suas identidades e aspectos culturais, o trabalhador direta ou indiretamente ligado a elas, por

ser forçado a se adaptar para sobreviver no mercado, também altera seus sentimentos e

expressões sobre suas relações com a instituição e com seu trabalho. De Masi (2000, p. 244)

alerta que as “empresas hoje estão sujeitas a contínuas comoções organizacionais: fundem-se,

terceirizam – como se diz no jargão – escritórios inteiros, vendem ou compram outras

empresas. E as pessoas que trabalham nelas vivem à mercê desses terremotos”. Por isso,

estas devem estar, também, num contínuo processo de reavaliação de objetivos e significados.

No entanto, Dejours (1992, p. 50) alerta que o essencial da significação do trabalho é

subjetivo e que, “se uma parte desta relação é consciente, esta parte não é mais do que a ponta

do iceberg”. Por isso, em O fator humano, Dejours (2002), através da sociologia da ética e da

psicodinâmica do trabalho, procura explicar a concepção desse homem que trabalha, enquanto

modelo individual ou coletivo, que inclui:

- os paradoxos da inteligência prática – a inteligência prática implica a astúcia em relação ao

real (fundamentada na mobilização subjetiva), que inevitavelmente introduz inovação, falta

às prescrições ou quebra-galhos. Esses ensaios e tentativas devem ser balanceados com a

discrição necessária para se fugir dos controles e da segurança, ou seja, em segredo, gerando

um paradoxo;

- a visibilidade – a engenhosidade individual não é facilmente acessível à observação do

outro; logo, necessita de divulgação, cujo resultado é transposto pela dupla e contraditória

exigência de discrição e visibilidade;

- o problema da confiança – não se fundamenta nas competências psicológicas, mas nas

éticas, estando ligado à efetividade da congruência no tempo entre uma palavra dada e o

comportamento que a segue;

- as formas de julgamento do trabalho – tendo em vista os objetivos desta dissertação, vale

ressaltar aqui os dois tipos de julgamento distintos em psicodinâmica do trabalho:

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- de utilidade – relacionado ao conceito de trabalho, pode ser proferido pelos clientes,

chefes e subordinados, e estes, a partir dessa avaliação, também julgam a utilidade

do seu próprio trabalho;

- de beleza – um aspecto do julgamento de beleza diz respeito à conformidade do

trabalho com as artes do ofício, e é a partir dele que o sujeito recebe de volta um

julgamento sobre aquilo que faz dele um indivíduo como os outros. Logo, refere-se

às qualidades comuns ao ego e ao outro, estando em posição de proferi-lo o próprio

ego, os pares, os colegas e os contramestres. O outro aspecto do julgamento de

beleza é contingente e mais significativo e, além do reconhecimento da

conformidade às artes do ofício, consiste da distinção, da especificidade, da

originalidade e do estilo diferenciado de trabalho – o que confere ao ego o

reconhecimento de sua identidade singular ou original, diferente da de todos os

demais – sendo essencialmente proferido pelo outro na linha horizontal de paridade;

- o reconhecimento – diz respeito especificamente ao trabalho (ao fazer) e não ao ser do ego – o

que se avalia e julga-se é o trabalho e não a pessoa –,sendo entretanto a forma de retribuição

moral-simbólica dada ao ego para compensar o empenho dispensado;

- a arbitragem e a cooperação – ao se discutirem as descobertas da inteligência prática para

validá-las ou não, chega-se à atividade da arbitragem, pela qual são produzidas as normas de

trabalho, sem as quais a cooperação não é mais possível e nenhum conceito de “coletivo”

poderia existir. A arbitragem está, pois, relacionada à inevitável tensão entre individualismo e

cooperação;

- o próprio fator humano e o espaço de discussão – esses fatores, já citados, tratam de condições

específicas para discussão, denominadas no plano teórico “espaço de discussão”, no qual um

grupo de trabalho pode formular opiniões livre e publicamente, a fim de arbitrar e decidir sobre

questões comuns ao futuro concreto de quem o constitui (serviço, departamento, empresa etc),

ou seja, é no espaço de discussão que se dá deliberação coletiva. Envolve três dimensões:

- inteligibilidade, cuja maior fonte de dificuldade são os meios retóricos e

comunicacionais de que cada um dispõe para tornar compreensíveis suas razões de

agir e seus raciocínios práticos;

- sofrimento e defesas contra o sofrimento – tema essencial no estudo do significado do

trabalho e que, por isso, será abordado à parte, na próxima seção;

- autenticidade da palavra expressa no espaço de discussão;

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- a própria prática do trabalho e a ação – num nível de análise solipsista21, para a concepção

do homem basta o conceito de atividade; mas, quando se passa à dimensão coletiva do

trabalho (incluindo a organização do trabalho real e a prescrita), a atividade do grupo vai

além da aplicação do conhecimento experimental, envolvendo a construção de normas,

regras e valores (atividade deôntica), sem os quais não há trabalho nas sociedades modernas.

Chanlat (1996a) lembra que o saber no domínio do “comportamento organizacional”

desenvolveu-se, antes de tudo, pela vontade de melhorar a produtividade e a satisfação no

trabalho. Esse interesse econômico esqueceu-se de considerar uma concepção do ser humano

isoladamente, reduzindo-o a uma engrenagem. Justificando a necessidade de um estudo sob a

ótica da antropologia da organização, que restitua a unidade e a especificidade ao ser humano e

destaque as suas diversas dimensões e níveis de análise (do indivíduo, da interação, da

organização, da sociedade e mundial), Chanlat afirma que o ser humano é um ser: (a) ao

mesmo tempo genérico e singular; (b) ativo e reflexivo; (c) de palavra; (d) de desejo e pulsão;

(e) simbólico; (f) espaço-temporal; e (g) objeto e sujeito de sua ciência.

Mas uma questão vem ganhando destaque na subjetividade do trabalho: a da modelação e/ou

expropriação da subjetividade do trabalhador por parte das organizações. Heloani (2003, p.

32) remonta a Taylor para caracterizar o início sistemático desse fenômeno. Com o álibi da

especialização, o taylorismo demonstrou implicitamente “a carência de que este saber seja

apropriado pela organização. E esse confisco da subjetividade do trabalhador vai impedir que

o saber recém-descoberto possa ser utilizado pelo operário apenas em proveito próprio, para

aumentar seu salário ou trabalhar menos”. O operário vê, então, seu conhecimento ser

difundido cientificamente para a empresa, que dele o expropria “para supostamente beneficiar

ambas as partes: trabalho e capital”. Esse sistema cientificamente planejado – o taylorismo e

seus sucessores – é que vai permitir “a ‘modelização da individualidade’ do operário,

adaptando-a para a assimilação das vantagens de cooperação recíproca entre trabalhador e

administração”. Taylor, então, esboçou um ensaio de modelização do inconsciente, ou seja,

lançou as bases para penetrar na esfera da subjetividade do trabalhador a fim de reconstruir a

sua percepção segundo os interesses do capital. Como os novos métodos de trabalho estão

indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e sentir a vida, as

novas tecnologias tornam-se instrumentos para impregnar e modelar a subjetividade operária.

21 Solipsismo é a filosofia segundo a qual a única realidade no mundo é o eu, significando também vida ou

costume de quem vive na solidão (FERREIRA, 1999, p. 1879).

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2.6 Sofrimento, insegurança e prazer no trabalho

O que é vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro e não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços (DE MASI, 2000, p. 55).

Embora analisada sob prismas às vezes diferentes, a questão do prazer, do sofrimento e da

insegurança é inerente ao assunto “trabalho” e “subjetividade”, com destaque para a exploração

do homem pelo sistema – criado por ele próprio, mas de cujas rédeas o controle há muito

tempo já foi perdido. E a despeito de sua gravidade, essa ainda é uma questão

insuficientemente debatida, conforme afirmam Antunes (2003), Arendt (2003), Chanlat (1996a,

1996b, 1996c), Codo (2004), De Masi (2003), Dejours (1992, 2001, 2002), Foucault (2003),

Freire (2004), Habermas (2003), Klein (2003), Lima (1996), Micklethwait e Wooldridge (1998,

2000), Rey (2003), Russell (2002), Sennett (2001, 2003), Thiry-Cherques (2004), Tonelli

(2001) e Trenkle (1998).

Sendo uma atividade social complexa, o trabalho exige do trabalhador adaptação e

enfrentamento de conflitos, “diante dos quais este pode sucumbir ao aspecto mais doloroso da

dupla possibilidade ‘prazer e sofrimento’, ‘saúde e doença’” (VASQUES-MENEZES, 2004).

Chanlat (1996a, p. 18) explica que a preocupação com a rentabilidade e a eficácia se sobrepõe

às demais, absorvendo com exclusividade todas as emoções dentro e fora das empresas:

Esta posição inflexível teve como conseqüência reduzir o ser humano ao estado de engrenagem ou recurso para se atingir esta eficácia, minimizar o sentido que os trabalhadores, dirigentes ou empregados devem dar à função que eles exercem. Tal miopia conduz a sofrimentos no ambiente de trabalho que são dificilmente justificáveis e que se transformam paradoxalmente em imensuráveis desperdícios econômicos, contrários ao objetivo primordial de eficácia.

Essa miopia, inclusive, é a questão central de Dejours (2001, p. 17) em A banalização da

injustiça social, traduzida no questionamento: “por que uns consentem em padecer sofrimento,

enquanto outros consentem em infligir tal sofrimento aos primeiros?”. Ele ressalta que existem

dois tipos de relações diferenciadas: entre sofrimento e emprego (referindo-se aos que não têm

trabalho ou emprego) e entre sofrimento e trabalho (o sofrimento dos que continuam a trabalhar).

As respostas – que tentam desvendar os processos através do interesse na manutenção do

sistema, do poder e dos ganhos individuais de alguns líderes – podem até explicar essa

conduta desigual e penosa, sem entretanto conseguir justificá-la. Os estudos centram-se na

análise e na compreensão dos mecanismos da relação desigual, do sofrimento e de sua negação.

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A princípio, o discurso das organizações profere que o sofrimento no trabalho foi atenuado ou

eliminado pela mecanização e robotização, transformando os trabalhadores “braçais

‘cheirando a suor’ em operadores de mãos limpas”. Mas por trás há o sofrimento dos que

“assumem inúmeras tarefas arriscadas para a saúde [...] agravadas por freqüentes infrações

das leis trabalhistas” e o dos que “temem não satisfazer, não estar à altura das imposições da

organização do trabalho” (DEJOURS, 2001, p. 28-29).

“Como os trabalhadores podem resistir aos ataques ao seu funcionamento psíquico

provocados pelo seu trabalho? O que fazem para não ficarem loucos?” – pergunta Dejours em

A loucura do trabalho (1992, p. 9). Ele mesmo responde, dizendo que os sujeitos criam

estratégias para se proteger do mundo externo e do constante estado de luta contra as forças

que os estão empurrando em direção à doença mental e ao sofrimento. Na lógica de Dejours

(2001), um dos indicadores que levam ao sofrimento é a irredutível defasagem entre a

organização prescrita e a organização real do trabalho. E nem sempre “é o aparelho psíquico

que aparece como primeira vítima do sistema, mas sobretudo o corpo dócil e disciplinado,

entregue, sem obstáculos, à injunção da organização do trabalho, ao engenheiro de produção e

à direção hierarquizada do comando” (Idem, 1992, p. 19). Como organização do trabalho,

Dejours (1992, 2001) considera a divisão de tarefas, os ritmos impostos, os modos operatórios

prescritos e a divisão dos homens para garantir a divisão de tarefas.

O trabalhador encontra formas silenciosas de manifestação de sua insatisfação e revolta, por

exemplo, através do absenteísmo, de falhas deliberadas nos produtos ou nas máquinas e de

procedimentos equivocados ou excessivamente corretos:

Após ter feito tudo para negar aos operários qualquer possibilidade de iniciativa e de controle nas suas tarefas, o patronato percebe, através das falhas da máquina, aquilo que os operários souberam desde sempre: se eles pararem de empenhar-se, se eles se restringirem rigorosamente ao que lhes é prescrito, a fábrica pára. A predeterminação rigorosa das tarefas volta-se contra os seus autores. A produtividade baixa (GORZ, 2001, p. 84).

A angústia e o sofrimento oriundos da defasagem entre a organização prescrita e a

organização real do trabalho levam o profissional a não se sentir à altura para enfrentá-la ou a

mostrar-se incapaz de fazê-lo. Essa fronteira entre as duas depende do fator zelo, que é o que

os operadores acrescentam à organização prescrita para torná-la eficaz e que não depende da

execução. Quando há excesso, o zelo leva à situação de “operação padrão” ou “operação

tartaruga (greve du zele)” (DEJOURS, 2001). As situações incomuns e incertas provenientes

dessa defasagem podem ter várias causas: (a) dúvidas se a falha se deve ao profissional ou a

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anomalias do sistema técnico; (b) impedimento de execução da tarefa por pressões sociais do

trabalho – por exemplo, colegas que criam obstáculos, tornam ruim o ambiente, sonegam

informações, prejudicam a cooperação ou geram constrangimentos originados de métodos e

regulamentos incompatíveis entre si; e (c) ausência ou insuficiência de reconhecimento do

trabalho executado (o reconhecimento é decisivo na mobilização subjetiva da inteligência e da

personalidade no trabalho, sendo inclusive designado em psicologia como motivação no

trabalho).

O sofrimento no trabalho manifesta-se através das psicopatologias do trabalho, que

começaram a ser pesquisadas sistematicamente nos anos 50. Até então, a medicina social

detectava as doenças dos trabalhadores através de perfis de morbidade e mortalidade em

diferentes categorias. A área de higiene do trabalho direcionou a preocupação com doenças

decorrentes do trabalho para o eixo do próprio trabalho. Mas “uma decorrência dessa

mudança é que as doenças relacionadas ao trabalho, a partir deste momento, passam a ser

consideradas como doenças do trabalho e não mais doenças do trabalhador” (CODO, 2004, p.

27). Com o modelo da medicina do trabalho, “a subjetividade, trazida no discurso do paciente

ao enunciar a queixa, e os sintomas são reduzidos ao saber médico. Este é o modo como o

doente desaparece para dar lugar à doença” (Ibidem, p. 31). O autor ainda faz uma crítica

social mordaz, dizendo que se a doença é do trabalho, é este que está doente, sendo de se

esperar que quem convive com ele – ou seja, o trabalhador – também adoeça. Além de o

processo do adoecimento e a doença se tornarem impessoais, o trabalhador perde a identidade

individual para o grupo, a categoria ou os dados epidemiológicos.

Para amenizar ou evitar rupturas do equilíbrio psíquico, que se revelam sob a forma de

doenças mentais, o sujeito emprega defesas que lhe permitam controlá-las: “a identificação

e a projeção são os dois mecanismos fundamentais de defesa de conflitos, adquiridos na

mais tenra infância” (HABERMAS, 2003, p. 223). Na psicanálise, segundo Anna Freud

(1982), os mecanismos de defesa do ego são: a repressão ou recalque (quando o ego barra à

consciência o impulso indesejável), a negação (o sujeito sente algo, mas nega-o através da

fala), a projeção (o indivíduo atribui a outrem um desejo, impulso ou sentimento que ele

está sentindo e o ego não aceita) e a racionalização (o ego impede o sentimento e nega-o

com explicação).

A negação do sofrimento no trabalho – entendida como tolerância social ao sofrimento e à

injustiça – é tratada especificamente por Dejours (2001) e dá-se por diversos motivos, entre os

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quais: (a) negação por parte das organizações políticas e sindicais, devido à fragilidade

sindical e à dessindicalização atuais; (b) vergonha e inibição coletiva diante da adversidade

social e psicológica causada pelo desemprego; (c) medo e submissão, principalmente frente à

manipulação gerencial da ameaça de “precarização” do emprego ou de desemprego; e, em

conseqüência dessa mesma ameaça, (d) necessidade de submissão à mentira – nesse caso,

existe uma distorção intencional e estratégica da informação, chamada por Habermas (2003)

de estratégia da distorção comunicacional; Dejours (2001), por sua vez, explica que a maioria

dos empregados de uma empresa contribui para essa distorção, embora ninguém se julgue

responsável por ela: é a mentira instituída.

A questão do sofrimento e as doenças do trabalho não se limitam a esse círculo. Muitas

vezes comprometem as relações afetivas e sociais, e, no tratamento, aspectos objetivos e

subjetivos individuais e do próprio trabalho devem ser considerados em conjunto. Codo

(2004, p. 36-38) cita o exemplo da Síndrome de Burnout, que é um estado de exaustão

resultante da tensão entre o conflito do envolvimento e do vínculo do afetivo, por vezes

necessários, versus distanciamento, requerido por se tratar de uma relação profissional. Os

sintomas, além de exaustão física e emocional, são ansiedade, melancolia e baixa auto-estima.

As relações e a vida ficam comprometidas; o trabalhador, quando está em casa, pensa no

trabalho e, quando está no trabalho, fica ansioso pela volta para casa para sair da sensação de

impotência. O autor então pergunta: “Como tratar uma situação como essa sem considerar os

aspectos objetivos e subjetivos desta relação ou sem considerar o trabalho como cerne da

questão?”.

O agravamento de tensões e doenças pode chegar a extremos, como no caso de karoshi –

doença inicialmente identificada no Japão, que tira do trabalhador a noção de limites no

trabalho, levando-o à morte por ataque cardíaco, hemorragia ou derrame cerebral originados

pelo excesso de trabalho. A mesma nação, que nas últimas décadas exportou tecnologia e

know-how em organização do trabalho, começa a se preocupar com o ritmo frenético e

insensato a que isso pode chegar. Cerca de 10.000 japoneses morrem por ano em virtude de

karoshi, e instituições governamentais, como o Karoshi National Defense Council, e grupos

independentes de apoio às vítimas da doença, como o Karoshi Support Group, já atuam

diretamente na reversão desse quadro (CAUGHT..., 1999). A mãe de uma das vítimas –

uma jovem de 23 anos, morta por hemorragia cerebral depois de ter trabalhado por dois anos

ininterruptos como artista gráfica – descreveu, em carta de desabafo e arrependimento, o

drama familiar vivido:

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Tive de brigar com ela por seis meses, depois que entrou para a firma. Aí eu desisti de discutir. Quase nunca estava em casa antes das onze da noite. Voltava no último trem e nem tinha energia para tomar banho. Muitas vezes ela passava a noite no trabalho ou passava o fim de semana por lá. Ela não recebia hora extra nem qualquer tipo de bônus. Tentei explicar a ela o propósito e o significado do trabalho. Ela respondia: “Ainda estou em treinamento, sou estudante. Tenho de me esforçar um pouco mais” (CAUGHT..., 1999, grifo da autora).

Na prática, existe a necessidade premente de ajustes econômicos e logísticos no sistema atual,

para que as medidas não sejam tomadas com base em interesses unilaterais ou, por vezes,

mediante ameaças e torturas, gerando sofrimento para o empregado e sua família.

Muitas empresas, por exemplo, obrigam seus funcionários a se transferir de uma cidade para outra, com a mulher e os filhos, mesmo quando eles não desejam [fazê-lo]. E a transferência se transforma numa arma, pois freqüentemente é usada para chantagear, constrangendo à demissão, como extrema forma de mobbing (DE MASI, 2000, p. 228).

A transferência de trabalhadores pode chegar à expatriação (transferência de um indivíduo

de um país para outro). Freitas (1997, p. 301) tira uma conclusão acerca desse assunto,

que pode e deve ser estendida a todas as situações que envolvem a relação do indivíduo

trabalhador com sua família, ou que nela interferem, bem como o sofrimento que se pode

causar a eles:

O grande paradoxo aqui, do qual cremos que as empresas não se dão conta ou tendem a negligenciar, é que é o mundo da casa que sustenta e garante o desempenho do executivo no mundo da empresa; sua capacidade criativa e seu desempenho fantástico estarão na dependência da tranqüilidade que ele pode ter, sabendo que sua família está bem. Na verdade, o sucesso da empresa vai depender mais da esposa do que do expatriado! Para a empresa é difícil assumir que uma parte de seu desempenho é dependente de algo que lhe escapa ao controle.

Thiry-Cherques (2004), ao realizar uma pesquisa empírica acerca do trabalho, do convívio

e das organizações, percebeu que o tema sobrevivência era constantemente citado por seus

entrevistados. Ele decidiu ir além da questão da resistência “que nós, trabalhadores,

conscientemente ou não, utilizamos para salvar a razão enquanto tentamos fazer

sobreviver o corpo” e centrou sua atenção no fato de que, “para além do óbvio imperativo

da subsistência, do trabalho como meio de sobreviver, há o problema esmagador de tentar

sobreviver ao trabalho” (Ibidem, p. 14). Ele formulou cinco estilos de estratégia de

sobrevivência, denominando-os com nomes de autores e personagens com características

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semelhantes às de cada grupo em questão22: (a) golem laborioso (trabalhador que, como

autômato, tem a vida completamente alienada pelo trabalho, não sobrevivendo fora dele); (b)

kafka assalariado (que não tem consciência do que lhe acontece e que, para manter a sanidade,

secciona radicalmente vida privada e trabalho); (c) weber profissional (que utiliza como

estratégia o distanciamento entre o trabalho que realiza e a organização que o remunera,

preservando o espírito das pressões do coletivo organizacional); (d) maquiavel funcionário

(que, para conciliar seu mundo privado com a necessidade de sobrevivência, se utiliza de

estratégias de poder como forma de dominação política, para sujeitar as organizações e as

pessoas que nelas estão); e (e) borges inspetor (que, solitário, marca sua relação com a

organização pela distância e pela indiferença, adotando uma forma, que vai além do

profissionalismo). Embora o autor as tenha lançado como estratégias de sobrevivência, essas

características relacionam-se com o significado do trabalho para diferentes grupos.

Apesar de todo esse relato de sofrimento, num outro extremo há indivíduos realizados e que sentem

prazer no seu trabalho. Como bem lembra Sennett (2001, p. 23), “tornou-se um reflexo quase

automático da imaginação histórica atual concentrar a atenção nas doenças da sociedade moderna, e

não em seus pontos positivos”. Mas a concepção de prazer no trabalho já vem sendo bem citada na

literatura, embora ainda pouco explorada empiricamente. Por enquanto fulgura como ideologia ou

meta distante a ser inserida, quem sabe, num futuro paradigma de trabalho, modelo esse defendido

por Dalai-Lama (2004), Lafargue (2003), Lazear (2004), Russell (2002) e Tittoni (1994), assim

como por De Masi (2000, 2003), que inclui o “ócio criativo” e a articulação para exercício

simultâneo do trabalho, aprendizado e lazer.

O que nos une, igualmente, é acreditarmos que o trabalho constrói a história da humanidade, em busca incessante de ultrapassar seus limites na luta pela sobrevivência e pelas melhores formas de atingir seus projetos, desejos e, como diria Sigmund Freud, na ilusão de ser feliz (TITTONI, 1994, p. 12).

22 Golem – mito de uma criatura criada de barro e animada mediante alguma fórmula mágica ou sagrada, que

data de tempos imemoriais. Conta-se que o último golem foi ativado em 1580 para substituir trabalhadores extenuados. Ele cumpriu seu destino de trabalhar arduamente até expirar. Kafka – o advogado Dr. Franz Kafka foi perito em segurança do trabalho, e de sua obra extrai-se que valores e relações que circunscrevem o mundo do trabalho são hostis e incompreensíveis, que a vida para ter sentido não pode coexistir com o que não tem nexo e que só sobrevive espiritualmente quem se desliga do sistema, separando vida e trabalho. Weber – um dos fundadores da sociologia, considera que o indivíduo só existe como ator social, agente ativo e passivo do que acontece na sociedade e descreve o profissionalismo como uma das formas que trabalhadores encontram para resistir material e espiritualmente às pressões do sistema econômico. Maquiavel – autor de O príncipe, parte da idéia de que, independente de sua fonte, o poder nunca é gratuito, mas conquistado, e de que só chega à elite aquele que tem força e astúcia, mesmo que seja o virtuosismo do mal. José Luis Borges, escritor do século XX, abominava escritórios, considerando-os um dos lugares mais tristes que conhecia; a forma que encontrou para sobreviver é simbólica dos que se rebelam contra a anulação e dos que encontram fora do emprego o caminho da sobrevivência no trabalho (THIRY-CHERQUES, 2004).

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Se a sua vida torna-se apenas um meio de produção, grande parte dos bons valores e das características humanas se perde, e desse modo você não vai, não pode, se tornar uma pessoa completa (DALAI-LAMA, 2004, p. 163)

Num mundo em que ninguém tenha de trabalhar mais do que quatro horas diárias [...] acima de tudo haverá felicidade e alegria de viver, em vez de nervos em frangalhos, fadiga e má digestão. O trabalho exigido será suficiente para tornar agradável o lazer, mas não levará ninguém à exaustão. [...] Homens e mulheres comuns, tendo chance de viverem vidas felizes, se tornarão mais afáveis, menos persecutórios e menos propensos a olhar os outros com desconfiança. O gosto pela guerra desaparecerá, em parte por este motivo, em parte porque a guerra implicará em trabalho longo e penoso para todos. Dentre todas as qualidades morais, a boa índole é aquela de que o mundo mais precisa, e ela é o resultado da segurança e do bem-estar para uma parcela maior de pessoas, mas, apesar disso, continuamos preferindo o sobretrabalho para alguns e a penúria para os demais. Ainda somos tão energéticos quanto éramos antes de existirem as máquinas. Nesse aspecto, temos sido tolos, mas não há razão para sermos tolos para sempre (RUSSELL, 2002, p. 35).

2.7 Enfim, significado do trabalho

As mudanças no mundo do trabalho, tanto objetivas (novas tecnologias de produção e gestão) como subjetivas (mudanças psicológicas e sociológicas da relação homem-trabalho), engendram modificações no significado do trabalho no contexto atual. O significado humano do trabalho, como fonte mesma de alegria criadora, desaparece, restando apenas um “gesto mecânico e sem ressonância humana; o objeto domina sobre o ato de tal forma, que o próprio ato vem a tornar-se objeto, a coisificar-se, e como tal é tratado”. Esta crescente despersonalização do homem em relação ao trabalho abstrai sua condição de homem de carne e osso, restando-lhe apenas a “fruição de um hedonismo narcotizante, sob a forma de aquisição compulsiva de bens” (FLEIG, 2003, p. 3).

A presente revisão teórica partiu da origem e estrutura do trabalho, passando à relação

sujeito/trabalho sob o prisma da subjetividade. A partir desse entendimento é que se pôde

construir, então, o significado do trabalho sob essa mesma lente.

Em lingüística, significado é aquilo que uma língua expressa acerca do mundo em que se vive

ou acerca de um mundo possível (FERREIRA, 1999, p. 1853). Importante, porém, é verificar a

diferença entre alguns conceitos, para delimitar o que se quer analisar. Primeiramente,

Saussurre23 (apud CARVALHO, 1976, p. 60) considera a língua como “um sistema de signos

formados pela ‘união do sentido e da imagem acústica’” no qual: (a) signo é um sinal

convencionado e arbitrário, que pressupõe a existência de uma cultura estabelecida a lhe

atribuir um sentido, conceito ou idéia; é a própria palavra; (b) significado é a formação de uma

compreensão e interpretação individual do sentido dado ao signo; é o conceito ou idéia; é a

representação intelectual de um objeto ou da realidade social, plasmada pela formação

23 SAUSSURRE, Ferdinand de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1969.

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sociocultural; e (c) significante é a imagem acústica do signo, uma representação que equivale

a um som. Carvalho (1976, p. 62) também reproduz a assertiva de Barthes24 de que “o

significado não é uma coisa, mas uma representação psíquica da coisa”. Doravante, é essa

representação, compreensão e interpretação individual do trabalho, ou seja, o seu significado,

que se torna objeto deste estudo.

A herança histórica do significado do trabalho chegou à atualidade através da própria língua,

com o sombrio significado da palavra, oriunda de tripalium (seção 2.1), trazendo uma

avaliação negativa do trabalho. Bastos et al. (1995, p. 20-22) ressaltam que, além dessa

vertente negativa, há um segundo eixo avaliativo com uma clara valorização positiva, que “vê

o trabalho como aplicação das capacidades humanas para propiciar o domínio da natureza,

sendo responsável pela própria condição humana”, agregando a noção de empenho e esforço

para atingir determinado objetivo.

Dentro de um contexto socioeconômico, esse significado amplia-se adquirindo conotações

diversas, como em Marx ou Freud. Recapitulando: as características do trabalho apontadas

pelo primeiro possibilitaram pensar o trabalho como tendo conseqüências para a

transformação do mundo objetivo e material no ser humano enquanto parte desse universo; já

o segundo analisou o trabalho na constituição do ser humano como meio pelo qual este

procura relacionar-se com o mundo externo, através do processo de buscar o prazer e evitar o

sofrimento. Assim, “marcado pelo fato de ser vinculado à vida na comunidade humana por

meio de uma atividade produtiva”, o trabalho adquiriu, na obra de Marx, um significado de

reconhecimento do sujeito no mundo externo a ele e, em Freud, o de mobilização da vida

psíquica individual junto à vida em sociedade (TITTONI, 1994, p. 23-24).

Em qualquer dessas ou de outras interpretações, é através da análise de como os trabalhadores

vivenciam e experimentam aquelas relações que se torna possível apreender quais os

significados atribuídos ao trabalho e às práticas que se desenvolvem a partir dessa

experiência. Mas Corrêa et al. (2002, p. 3) ressaltam que “a significação do trabalho

encontra-se vinculada, em grande parte, às condições da sua efetivação”.

Pesquisas acerca do significado vêm sendo desenvolvidas esparsamente desde a década de

1950. Podemos citar como principais as seguintes: Morse e Weiss, em 1955, fizeram as

primeiras pesquisas baseadas na psicologia organizacional, perguntando a 401 norte-

24 BARTHES, Roland. Elementos de semiologia. 2.ed. Tradução de Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix / USP, 1972.

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americanos se continuariam trabalhando caso ganhassem na loteria (80% disseram que sim).

Em 1969, Kaplan e Tausky replicaram essa pesquisa encontrando resultados similares, mas

também constataram que somente 11% dos indivíduos entrevistados trabalhavam por não

possuírem outra alternativa, 15% buscavam prestígio e 52% consideravam o salário muito

importante, embora levassem em conta a aceitação da atividade pela sociedade. Em 1955,

Lyman pesquisou trabalhadores de “colarinho branco” e “colarinho azul”, constatando que os

primeiros enfatizavam mais características do próprio trabalho e de liberdade, enquanto os

segundos valorizavam mais a natureza física do trabalho, recompensas econômicas e

condições físicas de trabalho e limpeza. Friedlander, em 1966, também replicou essa

pesquisa, corroborando-a, dizendo que os de colarinho azul davam mais importância ao

contexto e os de branco, ao conteúdo. Em 1965, Parker investigou com bancários, pessoas

que lidam com crianças e jovens o papel do trabalho e a relação com o lazer. Em 1975

Williams, Morea e Ives avaliaram a percepção do trabalho por estudantes e gerentes ingleses.

Os estudantes consideraram auto-realização, contato social e salário as funções procuradas no

trabalho, e os gerentes, que se auto-representaram como executivos, consideraram a família

como o mais importante, seguido do papel ocupacional. Em 1978, Buchholz ampliou esse

estudo, investigando 778 trabalhadores de diferentes ocupações, tendo como variáveis idade,

sexo, raça e educação. Ali e Schaupp, em 1985, estudaram as crenças de gerentes iraquianos

a respeito do trabalho, utilizando a estrutura de Buchholz (SANTOS, 1994; SOARES, 1992).

De uma forma mais sistemática, os estudos sobre o significado do trabalho surgiram na

Psicologia Organizacional e do Trabalho apenas na década de 1980 (BORGES; ALVES

FILHO, 2001), quando começaram as pesquisas transnacionais e com amostras maiores.

Loscocco e Kallenberger pesquisaram 4.567 norte-americanos e 3.735 japoneses e, usando

idade como variável interveniente e buscando especificamente o significado do trabalho,

identificaram que os indivíduos altamente comprometidos com o trabalho se definiam e

avaliavam-se a partir dele, ao invés de por outros papéis sociais; que nos dois países os mais

velhos (homens e mulheres) eram mais comprometidos com o trabalho do que os mais jovens

e que os jovens japoneses enfatizavam a importância atribuída a um bom pagamento. Em

1986, England e Misumi também utilizaram uma amostra randômica de 3.226 japoneses e

1.002 americanos de diversas ocupações para demonstrar que o trabalho é realmente

importante na vida das pessoas, com maior relevância para os japoneses. Esse resultado foi

atribuído mais a características culturais do que ocupacionais. Em 1984, Cacioppe e Mock

estudaram 5.979 australianos e, comparando suas vivências em organizações públicas e

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privadas, constataram que os do setor público estavam significativamente menos satisfeitos do

que os do setor privado, principalmente os trabalhadores de alto status. Mas, em 1992,

Weaver e Franz compararam 1.498 empresários e empregados dos setores público e privado

americanos, constatando que os empregados do setor público estavam mais satisfeitos e

sentiam-se mais importantes, dando menos valor a oportunidades de promoção.

Dentre essas pesquisas e diversas outras, de menor repercussão, investigadas para esta

dissertação, a mais significativa, ampla e atualizada é a da equipe do Meaning of Working

International Research Team (MOW). Em 1987, seus pesquisadores publicaram o primeiro

estudo do grupo, com os resultados de uma pesquisa comparativa acerca do significado do

trabalho em oito países, numa tentativa de sistematizar esse conceito (BASTOS et al., 1995;

BÉTEILLE, 2002; MORIN et al., 2003; RICHES, 2000; SNIR; HARPAZ, 2001). Essa

investigação e as posteriormente realizadas por essa mesma organização tornaram-se referência

nesse tema, e, desde então, o grupo continua desenvolvendo e publicando pesquisas, com

representantes em mais de 20 países, inclusive no Brasil (MOW, 2003). Outra instituição

mundial que também estuda o tema é o International Institute for Labour Studies, uma

ramificação da International Labour Organization (ILO).

O grupo MOW estudou o significado psicológico do trabalho para determinar como as

pessoas o definem, para captar o significado e o valor que lhe são atribuídos e para entender

como e por que seus significados e suas conseqüências variam em diversos países.

Constataram-se algumas dificuldades nas pesquisas, pelos fatos de o trabalho não ter o mesmo

significado e função para todas as pessoas e de a institucionalização do trabalho e sua relação

com outros papéis de vida modelarem grande parte do significado a ele atribuído, detectando

portanto a necessidade de a pesquisa abranger também as outras esferas de cada entrevistado.

The three work meaning domains that they determined ‘theoretically described the different bases for the attachment of individuals to the phenomenon of working’ were identified as the centrality of work as a life role, societal norms about working, and valued work outcomes 25 (MOW26 apud RICHES, 2000, p. 5).

Bastos et al. (1995), Morin et al. (2003), Santos (1994) e Soares (1992) detalham os três

domínios. Primeiramente, a centralidade do trabalho define o grau de importância geral que

ele possui na vida de um indivíduo em um determinado momento, independente das razões às

quais se atribui tal importância. Riches (2000) define essa centralidade como uma crença 25 Os três domínios do significado do trabalho, determinados como a descrição teórica das diferentes bases para a

fixação dos indivíduos ao fenômeno do trabalho, foram identificados como a centralidade do trabalho na vida como um todo, as normas sociais sobre trabalho e o valor dado ao resultado do trabalho (tradução da autora).

26 MOW (Meaning of Work) International Research Team. The meaning of working. London: Academic Press, 1987.

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geral acerca do valor do trabalho na vida do indivíduo, apontando-lhe duas vertentes teóricas:

a valorativa (o próprio self é a referência para avaliar a importância do trabalho) e a de

orientação para as esferas preferidas da vida (as demais esferas ou papéis são a referência). A

valorativa ainda apresenta duas propriedades, que são a identificação (resultante de processos

cognitivos que colocam o trabalho como central ou periférico na definição da auto-imagem

em relação à auto-percepção) e o envolvimento ou comprometimento (respostas

comportamentais e afetivas ao trabalho, indicando o quanto ele é considerado pelo indivíduo

como parte de sua própria vida).

O segundo domínio do significado do trabalho consiste na relação que o indivíduo estabelece

com as normas socialmente aceitas acerca do trabalho. Estas são o padrão social e envolvem

os direitos e deveres, num sistema de trocas eqüitativas entre o que o indivíduo recebe da

situação de trabalho e a contribuição que ele agrega ao processo do trabalho.

O terceiro domínio corresponde aos resultados ou produtos do trabalho aos quais se dá valor.

Ele equivale à resposta da questão: por que o indivíduo trabalha? A definição sobre o que é

valorizado pelo indivíduo é que permite o entendimento do que o torna mais ou menos

satisfeito com sua ocupação ou do que torna uma situação de trabalho mais atrativa do que

outra. Esse domínio relaciona-se às noções de satisfação e motivação do indivíduo e envolve

as funções: (a) de lhe permitir obtenção de status e prestígio; (b) econômica (rendimentos por

ele considerados necessários); (c) de mantê-lo ocupado (em atividade); (d) de contato social

(permitir-lhe estabelecimento de relações interpessoais); (e) de fazê-lo se sentir útil à

sociedade; e (f) auto-expressiva ou intrínseca (o trabalho permitindo-lhe a auto-realização).

Os trabalhos do grupo MOW inspiraram outros estudos, como o de Morin et al. (2003). Essas

autoras sintetizaram, em quadro reproduzido a seguir (QUADRO 1), as idéias de

pesquisadores acerca de conceitos do trabalho.

As pesquisas desenvolvidas no Brasil acerca do significado do trabalho ainda são escassas e,

embora com abordagens fundamentadas em áreas diversas, como psicologia (clínica ou do

trabalho), psicanálise, educação, economia ou sociologia, poucas adotam um enfoque

multidisciplinar. Vale destacar, também, que a totalidade das pesquisas consultadas na fase

de levantamento bibliográfico desta dissertação, tanto as específicas sobre o tema quanto as

indiretamente a ele relacionadas, contempla uma abordagem quantitativa. Nesta pesquisa

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QUADRO 1 Principais conceitos sobre trabalho

Principais autores Principais conceitos MOW (1987)

O trabalho acrescenta valor a alguma coisa O trabalho é central na vida das pessoas O trabalho é uma atividade que beneficia os outros O trabalho não é agradável O trabalho é exigente física e mentalmente O trabalho é uma atividade regular remunerada

noção positiva

noção negativa

noção neutra

Emery (1964, 1976), Trist (1978) e Jacques (1978)

O trabalho apresenta variedades e é desafiador O trabalho traz aprendizagem contínua O trabalho permite autonomia e decisão O trabalho é reconhecido O trabalho traz contribuição social O trabalho pode ser usado como uma tarefa de defesa contra a angústia

Morin (1996, 1997, 2002) O trabalho é eficiente e produz um resultado útil Há prazer na realização da tarefa O trabalho permite autonomia O trabalho é fonte de relações humanas satisfatórias O trabalho mantém as pessoas ocupadas O trabalho é moralmente aceitável

Fonte: MORIN et al., 2003, p. 3.

preferiu-se, entretanto, adotar o enfoque qualitativo, como será explicado a seguir, no capítulo

Metodologia. Assim, foi com base nessas reflexões apresentadas até aqui que se semi-

estruturaram entrevistas e coletaram-se os dados para análise.

Cada sistema cultural está sempre em mudança. Entender essa dinâmica é importante para atenuar o choque entre as gerações e evitar comportamentos preconceituosos. Da mesma forma que é fundamental para a humanidade a compreensão das diferenças entre povos de culturas diferentes, é necessário saber entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema. Este é o único procedimento que prepara o homem para enfrentar serenamente este constante e admirável mundo novo do porvir (LARAIA, 1986, p. 101).

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3 METODOLOGIA

3.1 Tipo de pesquisa

Esta dissertação é um exercício de reflexão sobre o significado do trabalho e suas

conseqüências, partindo da diversidade da análise de cada ser humano como único, a despeito

de a humanidade pertencer a uma mesma espécie. Preferiu-se estudar o indivíduo numa

dimensão multifacetada e holística, com seus conflitos por vezes similares aos dos outros, mas

com seu contexto singular, que o faz diferente de todos os outros bilhões de seres humanos.

Arendt (2003, p. 12) afirma que “tudo que os homens fazem, sabem ou experimentam só tem

sentido na medida em que pode ser discutido”. Como a intenção é identificar e entender

elementos, refletir e discutir sobre o posicionamento do indivíduo frente ao significado e ao

mercado de trabalho, seus sentimentos e conflitos internos, a abordagem escolhida foi a

qualitativa – a despeito de as pesquisas já realizadas consultadas serem quantitativas –, na qual

o pesquisador procura entender os fenômenos segundo a perspectiva dos atores sociais para

então interpretar a realidade social. Assim, ao invés de tratá-los como objetos passíveis de

serem quantificados estatisticamente, dá-se voz a eles (BAUER et al., 2002; NEVES, 1999).

Ainda confirmando a opção pela abordagem qualitativa, a autora remeteu-se a Alves-Mazzotti

e Gewandsznajder (1999, p. 130-141), que afirmam que a tarefa do pesquisador qualitativo é

fazer com que os sujeitos (os oprimidos) atinjam o nível da “consciência verdadeira”,

necessária à transformação do mundo. Definitivamente, isso exige abordagem e métodos

eminentemente qualitativos.

Quanto à natureza, este trabalho é uma pesquisa aplicada, pois visou a gerar conhecimentos

com aplicação prática e que levassem à compreensão dos problemas enfrentados pelos

profissionais no que diz respeito à sua relação com o trabalho, a partir da compreensão dos

diferentes significados do trabalho para cada grupo estudado.

Em relação a seus objetivos ou fins, a pesquisa é exploratória, pois, ao buscar identificar esse

significado, envolveu levantamento bibliográfico, entrevistas com indivíduos afetados pelo

problema estudado e análise de exemplos reais a fim de estimular a compreensão do tema. “A

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estratégia lógica do estudo exploratório consiste em fornecer um quadro de referência capaz

de facilitar a dedução de questões pertinentes na investigação dos fenômenos” e tem

fundamentalmente o objetivo de “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias,

visando à formulação de problemas mais precisos e hipóteses pesquisáveis para estudos

posteriores” (GOULART, 2002, p. 162-163). Teve igualmente características de pesquisa

descritiva, pois também visou a identificar e descrever fatores que contribuíssem para a

construção individual do significado do trabalho, estabelecendo relação entre este, o vínculo

trabalhista e a escolaridade.

Nos procedimentos técnicos e meios de investigação, a principal técnica utilizada foi uma

adaptação da história de vida, que segundo Barros e Silva (2002, p. 136) é:

[...] uma produção de conhecimento a partir do discurso do sujeito sobre sua situação concreta de vida e, reconhecendo ao saber individual um valor sociológico, não é utilizada como simples ilustração, como exemplo do que já é conhecido ou mesmo como ferramenta suplementar para completar pesquisas baseadas em outros métodos. [...] Trata-se de apreender o vivido social, o sujeito e suas práticas na maneira pela qual ele negocia as condições sociais que lhe são particulares. [...] Isso nos mostra uma faceta muitas vezes ignorada pelos pesquisadores: a do mundo subjetivo em relação permanente e simultânea com os fatos sociais. [...] Podemos falar de uma dupla dimensão das histórias de vida: a descrição de fatos e a busca de sentido.

Ainda segundo esses autores, o uso adequado do método de história de vida possibilita fazer a

“ponte entre história individual e história coletiva”, interligando o nível individual ao geral de

análise, já que as histórias apuradas remetem sempre ao campo social, refletindo efetivamente a

cultura, o ambiente social, o esquema de valores e a ideologia do meio no qual estão inseridas.

Optou-se, então, pela história de vida temática, centrada principalmente no trabalho.

A escolha desse método encontra suporte indefectível e definitivo na afirmação de Barros e Silva

(2002, p. 144), cuja indicação de uso coincide com o tema proposto nesta dissertação:

A pesquisa em história de vida constitui uma modalidade, dentre outras, de aceder a um conhecimento objetivo do trabalho real – as condições materiais e organizacionais – e, principalmente, ao entendimento do que os sujeitos põem deles mesmos na atividade de trabalho e do sentido que lhe atribuem. É, portanto, particularmente fecunda na compreensão da relação homem/trabalho; na elucidação da dicotomia alienante do desdobramento da atividade laboral remunerada entre trabalho concreto – produtor de valor de uso – e trabalho abstrato – produtor de mais valia. [...] Ajuda-nos igualmente a conhecer as estratégias de resistência, os modos de enfrentamento e, não menos importantes, as repercussões positivas do trabalho na vida das pessoas.

Montenegro (2001, p. 22) destaca que diversas entrevistas da história oral começam a

evidenciar que para muitos “a vida se resume a sua história de vida e trabalho. O mundo é

praticamente reduzido a esses dois universos, e a própria linguagem do entrevistado aponta

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para esse fato”. Essa afirmativa vem ao encontro, novamente, dos interesses de coleta de

dados desta pesquisa, reforçando também a opção por esse método.

3.2 Universo, amostra e coleta dos dados

O universo (população) que poderia ser objeto de estudo do tema significado do trabalho

abrange praticamente toda a população, dependendo apenas do enfoque que se queira dar à

pesquisa. Como bem define Braverman (1977, p. 31), ao tratar de trabalho, “o termo classe

trabalhadora, adequadamente compreendido, jamais delineou rigorosamente um determinado

conjunto de pessoas, mas foi antes uma expressão para um processo social em curso”.

Considerando essa amplitude, optou-se primeiramente por estabelecer um balizador para a

faixa etária, mesclando homens e mulheres. A seleção foi feita a partir da análise das sete

fases de desenvolvimento da personalidade, proposta por Freud. Levando em conta as

características de cada uma, escolheu-se o intervalo da segunda fase da maturidade: a meia-

idade (de 35 a 50 anos aproximadamente) – não se atendo de forma tão rígida ao limite da

idade, mas considerando mais se as características pessoais corresponderiam à definição dessa

faixa etária. Teoricamente, essa fase é tida como o “clímax da história pessoal, o ponto em

que o indivíduo conseguiu plasmar um conjunto de traços que o definem, frente a si mesmo e

aos demais, como uma pessoa realizada”, salientando-se que ele estaria vivendo de acordo

com a realidade em vez de se deixar levar por impulsos, temores ou fantasias, sendo capaz de

reconhecer seus próprios sentimentos e reações e estando adaptado profissionalmente

(D’ANDREA, 1977, p. 130-131).

Em relação aos vínculos de trabalho, fez-se um outro corte, incluindo apenas trabalhadores

urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte e utilizando uma classificação baseada

na do International Labour Organization – ILO, para quem a força de trabalho é distribuída

em assalariados, trabalhadores por conta própria e trabalhadores que apenas ajudam o grupo

familiar no trabalho doméstico. De acordo com o objetivo da pesquisa, optou-se por uma

amostra com assalariados com carteira profissional assinada, assalariados sem carteira

assinada e trabalhadores por conta própria (autônomos). A fim de enriquecer a comparação

para análise, acrescentaram-se alguns desempregados, uma representante dos que ajudam o

grupo familiar no trabalho doméstico (dona-de-casa) e um religioso, que tem um vínculo

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diferenciado com a instituição que representa. Foi escolhido um padre católico, não pelos

postulados de sua crença religiosa, mas por ser o Catolicismo a religião oficial do país,

mesmo que na prática outras religiões, doutrinas e seitas também tenham volume significativo

de seguidores.

A título de esclarecimento sobre as categorias, explica-se:

a) assalariados ou empregados – pessoas que trabalham para um empregador (pessoa física ou

jurídica), geralmente obrigando-se ao cumprimento de uma jornada de trabalho e

recebendo, em contrapartida, uma remuneração em dinheiro, mercadoria, produtos ou

benefícios como moradia, alimentação, roupa etc. (IBGE, 2003). Segundo Jannuzzi (2003),

são profissionais assalariados aqueles com carteira assinada, vinculados a uma única

empresa. Estes seriam os representantes do paradigma fordista de relações de trabalho,

“que prometia amplo assalariamento da mão-de-obra, contratos de trabalho com normas de

proteção social, oportunidades de auto-emprego bem remunerado e retornos vantajosos para

aqueles que se dispusessem a se tornar empregadores” (Ibidem, p. 92). Contrapondo

Jannuzzi, que considera como empregados apenas os que têm carteira assinada, o grupo dos

assalariados desta pesquisa foi dividido em com e sem carteira, em função do alto e

representativo índice de informalidade na economia brasileira, que indica que 55% dos

trabalhadores brasileiros são informais, entre os quais estão incluídos, também, os

trabalhadores sem carteira (LAHÓZ, 2004).

b) trabalhadores por conta própria – pessoas que trabalham explorando o seu próprio

empreendimento, sozinhas ou com sócios. Nessa categoria incluem-se também os trabalhadores

autônomos e alguns profissionais liberais que não sejam empregadores, como representantes

das conseqüências dos novos modelos de flexibilização do mercado de trabalho.

c) desempregados – pessoas temporariamente excluídas do sistema produtivo. Para escolher

esses representantes, estipulou-se que o indivíduo deveria estar desempregado por um

período de seis ou mais meses, considerando que, nos casos de trabalhadores que já tiveram

carteira assinada, esse seria o prazo para o término do recebimento do seguro-desemprego a

que eventualmente tivessem direito, o que caracteriza a ausência de renda e de atividade

profissional formal. Eles foram incluídos na pesquisa por serem parcela representativa da

população brasileira – a taxa média oficial de desemprego em 2003 foi de 12% nas grandes

metrópoles (IBGE, 2003) – e por criarem um peculiar significado do trabalho pela relação

com sua ausência, momentânea ou não. Essa visão a partir da exclusão trouxe informações

deveras interessantes para esta pesquisa.

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A opção por essa divisão quando da seleção da amostra também se apoiou na diferenciação

feita por Srour (1998, p. 133) entre trabalhadores autônomos e empregados, que parte da

premissa de que todo trabalho possui a capacidade ímpar de produzir mais do que seu agente

consome para repor as energias gastas, gerando excedentes econômicos. A partir desse

raciocínio, ele diferencia o trabalhador autônomo do empregado, através da apropriação do

sobreproduto: o autônomo apropria-se do excedente, enquanto o do empregado é apropriado

pelo detentor dos meios de produção, recebendo o trabalhador apenas uma retribuição pelo

empenho ou pelo tempo despendido. Talvez pudesse inclusive ser essa a causa de diferenças

de posturas e desempenho profissionais verificadas entre autônomos e empregados.

Um outro critério utilizado para subdividir esses grupos foi a escolaridade. Considerou-se o

critério do Ministério da Educação e Cultura – MEC de divisão da educação escolar em básica

e superior. Segundo esse órgão, a “educação básica” é a que visa a desenvolver no indivíduo

habilidades que lhe permitam viver dignamente como pessoa humana, cidadão e trabalhador.

De acordo com a lei 9424/96, é formada por educação infantil, ensino fundamental e ensino

médio e refere-se a toda uma gama de atividades educacionais que têm objetivo de atender as

necessidades básicas de aprendizagem definidas na Declaração Mundial sobre Educação para

Todos. A “educação superior” é a ministrada em instituições de ensino superior públicas ou

privadas, com vários graus de abrangência e especialização, e tem como objetivos, entre

outros, estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e o pensamento

reflexivo; formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em

setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira;

promover o desenvolvimento da ciência e tecnologia e a criação e difusão da cultura; e, desse

modo, aprimorar o entendimento do homem e do meio em que este vive (INEP, 2001).

Apesar de a prática da educação no Brasil não corresponder à habilitação descrita acima,

levou-se em conta a descrição teórica para se optar pela separação entre trabalhadores com

educação básica (completa ou incompleta) e com educação superior (completa). Essa secção

visou a buscar diferenças no significado do trabalho eventualmente oriundas do referido

estímulo ao pensamento reflexivo do nível de escolaridade superior, que teoricamente leva os

que a possuem a uma visão diferente do mercado em função de terem sido treinados e formados

durante pelo menos quatro anos para uma profissão específica, reconhecida e regulamentada.

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A amostra estudada foi não-probabilística, intencional e selecionada por tipicidade, ou seja,

foram escolhidos representantes de cada um dos subgrupos da população-alvo. No projeto

aprovado que norteou esta dissertação, a amostra idealizada havia sido de 16 entrevistados

subdivididos pelos critérios predefinidos (QUADRO 2):

QUADRO 2 Amostra inicialmente idealizada no projeto de pesquisa

ESCOLARIDADE HOMENS E MULHERES Trabalhadores com idade entre 35 e 50 anos Básica Superior

Empregados com carteira 2 2 Empregados sem carteira 2 2 Trabalhadores por conta própria 2 2 Desempregados 2 2

Total 8 8

A seleção dos entrevistados foi feita gradativamente, balizada por essa divisão. À medida que

as entrevistas iam sendo realizadas, numa análise de dados simultânea à coleta dos dados,

detectou-se a necessidade de inclusão de outros indivíduos com características opostas ou

similares às já encontradas que pudessem ser com estas comparadas. Triviños (1987, p. 137)

comenta esse fenômeno, afirmando que:

A coleta de dados se desenvolve em interação dinâmica, retroalimentando-se, reformulando-se constantemente, de maneira que, por exemplo, a Coleta de Dados num instante deixa de ser tal e é Análise de Dados, e esta, em seguida, é veículo para nova busca de informações.

A questão fundamental quando a coleta de dados é feita a partir de entrevistas, principalmente

das semi- e das não-estruturadas, é a atenção permanente que deve ter o pesquisador.

Concomitantemente à coleta, ele deve ir procedendo a uma análise dos dados, a fim de manter

o controle da entrevista e, sempre que necessário, redirecionar o seu rumo e até mesmo o da

pesquisa como um todo. Assim, frente à reavaliação da amostra inicialmente idealizada,

incluíram-se novos elementos, julgando a pertinência da entrada de cada entrevistado de

acordo com os critérios já explicados, e a amostra final compôs-se de 24 elementos

(QUADRO 3).

Para definir o nível de estruturação do instrumento de pesquisa, utilizou-se a classificação de

Gil (1999), que enumera quatro tipos de entrevista: num extremo está (a) a entrevista

estruturada, que se desenvolve a partir de uma relação fixa de perguntas, com ordem e redação

invariáveis para todos os entrevistados; no extremo contrário, encontra-se (b) a entrevista

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QUADRO 3 Amostra da pesquisa

ESCOLARIDADE HOMENS E MULHERES Trabalhadores com idade entre 35 e 50 anos Básica Superior

Empregados com carteira 3 3 Empregados sem carteira 2 2 Trabalhadores por conta própria 3 3 Desempregados Outros: Dona-de-Casa/religioso (sem carteira)

3 1

3 1

Total 12 12

informal que é a menos estruturada possível, só se distinguindo da simples conversação

porque tem o objetivo básico de coletar dados; num nível intermediário encontram-se (c) a

entrevista focalizada que, embora tão livre quanto a informal, enfoca um tema específico,

sendo que o entrevistado fala livremente e o entrevistador apenas intervém quando aquele se

desvia do tema original, redirecionando-o, e (d) a entrevista por pautas, que tem um certo grau

de estruturação, guiando-se por uma relação de pontos de interesse que o entrevistador

explora ao longo do processo. Esta última – a entrevista por pautas – foi a utilizada nesta

pesquisa, pois a entrevistadora permitiu que o entrevistado falasse livremente, à medida que

iam sendo feitas poucas perguntas diretas com base em pautas preconcebidas. Quando o

entrevistado afastava-se destas, faziam-se as intervenções necessárias, “embora de maneira

suficientemente sutil, para preservar a espontaneidade do processo” (Ibidem, p. 120). As

pautas foram ordenadas e mantiveram uma relação entre si, alterando-se poucas questões a

fim de se adaptarem a duas situações: (a) empregados com e sem carteira, autônomos, dona-

de-casa e padre (ANEXO A) e (b) desempregados (ANEXO B).

Depois de a revisão teórica baseada em material já publicado (principalmente livros e artigos

de periódicos) ter dado sustentação à pesquisa de campo, a entrevista por pautas foi a fonte

primária para coleta dos dados, por se tratar de uma dissertação cujo meio de investigação

escolhido foi história de vida temática (centrada no trabalho). Como fontes secundárias,

recorreu-se a documentos dos próprios entrevistados ou produzidos por organizações e pelo

meio circundante. A coleta levou em conta os aspectos manifestos e toda a comunicação não-

verbal que os acompanhou e que continha informações essenciais para a análise dos dados.

Assim, as 24 entrevistas, realizadas em outubro e novembro de 2004, tiveram como objetivos

averiguar fatos, determinar opiniões sobre eles, descrever sentimentos, identificar conduta

passada e atual como reflexo do significado do trabalho e levantar motivos conscientes para

as opiniões e atuações. Destas, 21 foram registradas através de um gravador portátil,

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mediante autorização dos entrevistados. Dois entrevistados não permitiram a gravação: o

Desempregado C (por causa do receio do que poderiam pensar a seu respeito, o que será

explicado na análise dos resultados) e a Terapeuta (por querer ser coerente com suas crenças

metafísicas). Isso não prejudicou a coleta de dados, que foi registrada de forma escrita (tanto a

fala quanto outras observações) e logo depois “passada a limpo”, a fim de se recuperar o

máximo de detalhes possível. Afinal, “não é possível aceitar plena e simplesmente o discurso

verbalizado como expressão da verdade ou mesmo do que pensa ou sente o entrevistado”

(LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 36). Finalmente, houve grande dificuldade para realizar a pesquisa

com o 24º entrevistado, que seria um padre ou uma freira. Foram contatados dois padres e três

freiras que, depois de levarem cerca de 20 dias para responder à solicitação de entrevista, se

negaram a participar da pesquisa, sob o pretexto de questões de respeito à congregação ou de

obediência a ordens superiores. O terceiro padre contatado – por ser irmão de uma pessoa

conhecida da entrevistadora – acolheu muito bem os primeiros contatos, mas disse preferir

responder as perguntas por escrito, alegando compromissos, já assumidos, que inviabilizariam o

encontro. Assim, a pauta da entrevista foi adaptada para um questionário, que foi prontamente

encaminhado ao religioso. Depois de alguns dias, ele o devolveu, devidamente preenchido e

com a observação de que estava à disposição da pesquisadora para outros esclarecimentos.

Para identificar os entrevistados mais facilmente, optou-se por denominar cada um pela sua

ocupação principal, sendo essa a forma pela qual são mencionados no decorrer da análise. O

QUADRO 4 apresenta todos os entrevistados, identificando cada um deles por sua ocupação

principal, e a duração de suas respectivas entrevistas.

Vale registrar o interesse demonstrado por algumas pessoas que, ao tomarem conhecimento

da pesquisa, se ofereceram ou indicaram alguém para dela participar. O mesmo aconteceu

com quase todos os entrevistados, que depois de passarem pela entrevista sugeriram

participantes que, segundo eles, “também tinham histórias interessantes para contar”. As

sugestões, embora levadas em conta para a escolha dos entrevistados subseqüentes, não foram

o fator decisivo na seleção. Outro fator importante nessa seleção é que se mesclaram 12

pessoas já conhecidas pela autora há algum tempo (seis de nível básico de escolaridade e seis

de nível superior) e 12 pessoas por ela desconhecidas, ou indicadas por alguém ou escolhidas

completamente ao acaso. Nesse último caso, incluem-se o Taxista (que foi selecionado

aleatoriamente num ponto de táxi da região sul de Belo Horizonte), a Gari (que foi abordada

numa rua de uma região de classe alta da mesma cidade, quando estava “largando seu turno”) e

os desempregados A, B e D (que foram inicialmente contatados numa fila para inscrição numa

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QUADRO 4 Identificação dos entrevistados por ocupação principal

Categoria Escolaridade Básica Duração (minutos)

Escolaridade Superior Duração (minutos)

Faxineiro 25 Consultor de Vendas 90 Auxiliar de Escritório 120 Recepcionista (em hotel) 70

Empregado com carteira Gari 20 Médica 50

Empregada Doméstica 30 Psicóloga 1 50 Empregado sem carteira Taxista (diarista) 30 Economista (Assessor Público) 80

Vendedor 150 Terapeuta (Alternativa) 90 Professor de Capoeira 60 Revisora 60

Trabalhador por conta própria

Representante Comercial 80 Psicóloga 2 135

A (serviços gerais) 30 D (administrador) 150 B (operária não especializada) 25 E (economista) 100

Desempregado

C (por opção) 40 F (por opção) (engenheiro) 90 Outras Dona-de-Casa 50 Padre Por

escrito Duração total 1625 min = 27 h

12 entrevistados 660 min = 11 h

11 entrevistados e 1 respondente por escrito

965 min = 16 h

Obs.: Os desempregados são identificados por letras maiúsculas e sua antiga ocupação principal encontra-se indicada entre parênteses.

empresa que estava fazendo recrutamento e seleção). Essa mescla teve como objetivo não

deixar que o conhecimento prévio do entrevistado pela pesquisadora levasse a conclusões

tendenciosas. Curiosamente, o fato de a entrevistadora já conhecer ou não o entrevistado não

representou obstáculo para que esses se abrissem, expondo idéias, sentimentos e até revelações

mais íntimas – o que ocorreu com representantes dos dois grupos. Alguns se emocionaram a

ponto de chorar, e dois realmente vivenciaram um processo catártico, sendo que um deles

chegou inclusive a verbalizar que, com a conversa, “tinha passado por uma catarse” (que em

psicologia designa o efeito salutar provocado pela conscientização de uma lembrança

fortemente emocional e/ou traumatizante, até então reprimida [FERREIRA, 1999, p. 427]).

Procurou-se também selecionar uma amostra bem heterogênea em vários outros aspectos, como

gênero (13 homens e 11 mulheres), religião, idade, estado civil, local de trabalho (em casa, na

rua, em empresa) e local de nascimento. Essa intenção foi de fato alcançada, valendo registrar

uma das seqüências de entrevistas, que se traduziu em um contraste entre o prazer e a obrigação

no trabalho e entre a vida e a morte: num domingo fez-se a entrevista com a Terapeuta, num

sítio calmo, tranqüilo, com um ambiente sereno e agradável; no dia seguinte, uma segunda-

feira, realizou-se o encontro com a Psicóloga 1, numa sala do Instituto Médico Legal (IML),

num ambiente tumultuado, de sofrimento e agitado. O QUADRO 5 apresenta algumas

informações sobre o perfil dos entrevistados.

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QUADRO 5 Perfil dos entrevistados

Ocupação do Entrevistado Vínculo Escolaridade (série/grau)

Tipo de Empresa

Sexo Idade Local de nascimento

Estado civil

Nº de filhos

Religião

1 Faxineiro Assalariado com carteira Básica (3ª /1º) Particular M 32 Almenara (MG) Solt. 0 Católico

2 Auxiliar de Escritório Assalariada com carteira Básica (3ª /2º) Particular F 47 Formiga (MG) Solt. 0 Católica

3 Gari Assalariada com carteira Básica (2ª /2º) Pública F 32 Belo Horizonte (MG) Sep. 1 Crente

4 Consultor de Vendas Assalariado com carteira Superior Particular M 46 Pedra Dourada (MG) Cas. 1 Pessoal

5 Recepcionista (em hotel) Assalariado com carteira Superior Particular M 40 Oliveira (MG) Solt. 0 Pessoal

6 Médica Assalariada com carteira Superior Pública F 50 Areado (MG) Solt. 0 Pessoal

7 Empregada Doméstica Assalariada sem carteira Básica (8ª /1º) Residência F 42 João Monlevade (MG) Viúva 3 Pessoal

8 Taxista (diarista) Empregado sem carteira Básica (8ª /1º) Particular M 35 Contagem (MG) Cas. 1 Católico

9 Psicóloga 1 Assalariada sem carteira Superior Pública F 30 S. João Del Rei (MG) Solt. 0 Pessoal

10 Economista (Assessor Público) Assalariado sem carteira Superior Pública M 40 Formiga (MG) Solt. 0 Católico

11 Vendedor Autônomo Básica (7ª /1º) - M 42 Formiga (MG) Cas. 2 Espírita

12 Professor de Capoeira Autônomo Básica (3ª /2º) - M 32 Belo Horizonte (MG) Div. 1 Pessoal

13 Representante Comercial Autônomo Básica (3ª /2º) própria M 45 Formiga (MG) Cas. 3 Espírita

14 Terapeuta (Alternativa) Autônoma Superior própria F 54 Belo Horizonte (MG) Cas. 3 Pessoal

15 Revisora Autônoma Superior residência F 46 Areado (MG) Solt. 0 Pessoal

16 Psicóloga 2 Autônoma Superior - F 55 Belo Horizonte (MG) Cas. 1 Pessoal

17 A – (serviços gerais) - Básica (3ª /2º) - M 30 Belo Horizonte (MG) Cas. 0 Católico

18 B – (operária não especializada) - Básica (3ª /2º) - F 35 Belo Horizonte (MG) Solt. 0 Católica

19 C – (por opção) - Básica (7ª /1º) - M 32 Belo Horizonte (MG) Solt. 0 Espírita

20 D – (administrador) - Superior - M 47 Belo Horizonte (MG) Solt. 1 Católico

21 E – (economista) - Superior - F 35 Contagem (MG) Solt. 0 Católica

22 F – (por opção) (engenheiro) - Superior - M 54 São Paulo (SP) Cas. 1 Evangélico

23 Dona-de-casa - Básica (3ª /2º) residência F 41 Belo Horizonte (MG) Cas. 2 Espírita

24 Padre - Superior - M 39 Barbacena (MG) Solt. 0 Católico

Legenda: M = masculino; F = feminino; Solt. = solteiro; Sep. = separado; Cas. = casado; Div. = divorciado. Na variável Religião, identificaram-se como “pessoal” definições próprias, peculiares e não formais de posicionamento religioso, como “espiritualista”, “acredito um pouco em tudo”, “a minha”, “católico do meu jeito” etc. Observações: Propositalmente foram escolhidos alguns irmãos, para que se pudesse avaliar as visões partindo-se de uma mesma referência dos pais: entrevistados 6 e 15; 2, 10, 11 e 13; e 16 e 20. Alguns dados se alteraram ainda antes do fechamento desta dissertação, constando deste quadro os coletados no dia da entrevista.

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3.3 Tratamento e análise dos dados

Firme no propósito de compreender, o máximo possível e sem injustiças ou “pré-conceitos”, a

forma como cada entrevistado percebe o significado do trabalho, a autora fez questão de

transcrever as entrevistas (em programa Word for Windows) para depois analisá-las. Tomou-

se o cuidado de reproduzir as falas com a maior fidelidade possível, registrando-se

“perturbações de linguagem”, repetições e outras características comuns à linguagem oral.

Os momentos de transcrição tiveram a finalidade de auxiliar a pesquisadora a, além de já

proceder à leitura flutuante requerida pela análise de conteúdo, aprofundar-se nas

informações, registrando detalhes passados despercebidos durante a entrevista, e a “incorporar”

a ótica de cada sujeito em questão. Essa transcrição resultou em um farto material, tanto em

quantidade (340 páginas) quanto em conteúdo. Os dados que identificavam nominalmente os

entrevistados foram substituídos pela identificação constante do QUADRO 4.

O discurso individual transcrito foi tratado, então, através da análise de conteúdo, que

“enquanto esforço de interpretação oscila entre os dois pólos do rigor da objectividade e da

fecundidade da subjectividade” (BARDIN, 2004, p. 7). Gill (2002) entende por discurso

todas as formas de fala e textos, seja quando ocorre naturalmente nas conversações, seja

quando é apresentado sob a forma de material de entrevistas ou textos escritos de todo o tipo.

Bardin (2004, p. 37) apresenta a definição clássica de análise de conteúdo:

Um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Portanto, a técnica balizadora da conduta do tratamento dos dados foi a análise de conteúdo,

na qual o analista “tira partido do tratamento das mensagens que manipula, para inferir (de

maneira lógica) conhecimentos que extrapolem o conteúdo manifesto nas mensagens e que

podem estar associados a outros elementos (como o emissor, suas condições de produção, seu

meio abrangente etc)” (FRANCO, 2003, p. 25). Optou-se por utilizar o tema como unidade de

registro, além da indispensável análise de contexto (que explicita “a caracterização dos

informantes; suas condições de subsistência; a especificidade de suas inserções em grupos

sociais diversificados” [Ibidem, p. 40]). Com base em Franco (2003) e Bardin (2004),

escolheu-se utilizar a análise de conteúdo por categorias, optando-se pelo critério de

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semântica (no qual as categorias são ordenadas por temas e, por isso, também denominadas

categorias temáticas).

Em relação ao estabelecimento das categorias, optou-se por fazê-lo a posteriori, sem a

intenção de adequar as descobertas a quaisquer dos modelos já existentes, justamente por se

pretender resgatar do material transcrito o maior número possível de elementos que

influenciariam a formação e o conceito do significado do trabalho para o sujeito. Ao final da

análise chegou-se, então, à seguinte definição de categorias:

1 Elementos influenciadores da formação do significado do trabalho: 1.1 Família (profissão, exemplos e mensagens dos pais) 1.2 Perfil socioeconômico 1.3 Religião 2 Prática e vivência do trabalho 2.1 Primeiro trabalho (primeira atividade que o entrevistado considerou trabalho, primeiro trabalho formal) 2.2 Carreira 2.3 Desemprego (vivência) 2.4 Desemprego (responsabilidade) 2.5 Situação atual (trabalho ou não-trabalho) 2.5.1 Prática/Conduta profissional 2.5.2 Satisfação/Insatisfação 2.5.3 Realização/Frustração 2.5.4 Dedicação 2.4.5 Reafirmação da opção profissional 2.6 Lazer x trabalho 2.7 Permanência na ocupação, independente da necessidade financeira 2.8 Planos para o futuro 3. Percepções 3.1 Visão do próprio trabalho/não-trabalho 3.2 Visão do trabalho/não-trabalho pela família 3.3 Escolaridade 3.4 Vínculo 3.5 Esferas além trabalho (prioridades em relação a família, religião, relações afetivas, amigos, lazer etc.) 3.6 Valor social 4. Significado do trabalho 4.1 Expectativa 4.2 Importância 4.3 Significado explícito 4.4 Significado implícito 4.5 Ensinamento para os filhos 4.6 Reflexões sobre trabalho

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A categorização utilizada para os dados relativos aos desempregados foi a mesma, apenas

adaptando-se alguns termos. A seguir, passou-se às fases de descrição, inferência e

comparação de mensagens, para se chegar à interpretação dos dados.

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4 ANÁLISE DOS DADOS: O SIGNIFICADO DE TODOS E DE CADA UM

Oh Great Spirit, grant that I may never find fault with my neighbor until I have walked the trail of life in his moccasins27.

A curiosidade epistemológica que originou esta pesquisa baseou-se no desejo de conhecer o

significado do trabalho para diferentes indivíduos segundo seus próprios pontos de vista,

utilizando escolaridade e vínculo trabalhista como variáveis intervenientes, e de avaliar a

influência desse significado na conduta pessoal e profissional dos mesmos. Existia, ainda, a

expectativa de se levantarem novas reflexões ou hipóteses acerca de questões práticas

relativas ao dia-a-dia do trabalhador.

Os dados resultantes da pesquisa são apresentados neste capítulo, na seguinte seqüência:

elementos formadores do significado do trabalho e transmissão desses conceitos; significado

propriamente dito e seus efeitos na conduta pessoal e profissional; influência dos vínculos ou

não-vínculos trabalhistas; influência da escolaridade; reflexões sobre o trabalho; e outros

aspectos relevantes surgidos nas entrevistas.

Num primeiro momento, para estabelecer os diversos significados do trabalho, foram

considerados os resultados individualizados de cada entrevista, comparando suas semelhanças

e diferenças em relação aos dos demais entrevistados. Num segundo, então, consideraram-se

as variáveis escolaridade (básica ou superior) e vínculo (empregado com carteira assinada,

empregado sem carteira assinada, autônomo, desempregado, dona-de-casa e religioso) para

relativizar os resultados e verificar a influência desses dois fatores naqueles significados.

Ressalta-se, novamente, que foi constante a preocupação, no transcorrer tanto da coleta

quanto da análise dos dados, em tentar captar e traduzir a percepção do sujeito, sem julgar a

pertinência ou não de suas opiniões. Entretanto, em alguns comentários transcritos das

entrevistas, o entrevistado não foi identificado sequer pela sua profissão, mas somente pelo

subgrupo no qual está classificado (escolaridade ou vínculo), a fim de preservá-lo em função

do teor de sua declaração. Os nomes reais de empresas eventualmente citadas foram omitidos

ou substituídos por outros, fictícios. Observa-se ainda que, neste capítulo, as falas transcritas

27 Prece dos índios americanos cherokee, estampada em suvenir comercializado nos Estados Unidos: “Oh,

Grande Espírito, permita que eu nunca encontre falhas no meu próximo até que eu tenha caminhado a trilha da vida com os seus mocassins” (tradução da autora).

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dos discursos para comprovar ou enriquecer as análises são apresentadas grifadas em itálico.

A fim de não tirar a autenticidade dos depoimentos, nessas citações foram mantidos vícios de

linguagem ou erros comuns à linguagem oral coloquial.

4.1 Significado do trabalho

Nas entrevistas, o significado do trabalho foi explorado de duas formas: (a) através de

perguntas diretas sobre o assunto, sutilmente repetidas de diferentes formas em pontos

diversos da conversa, a fim de confirmar a resposta inicial e minimizar o efeito de respostas

premeditadas; e (b) através de questões que indiretamente levavam à sua definição, numa

formatação de pergunta que despistava o objetivo da questão para checar possíveis

contradições (para exemplo, vide ANEXO A, perguntas I.1, 20, 21 e 33). Esse procedimento

obteve êxito, já que, através dele, pôde-se detectar que alguns entrevistados confirmavam suas

opiniões em todos os casos, enquanto outros começavam com um discurso e terminavam com

outro (iniciavam reproduzindo o discurso do sistema ou da empresa ou às vezes querendo

passar uma imagem socialmente valorizada, mas, à medida que se descontraíam, deixavam vir

à tona suas reais opiniões).

4.1.1 Formação do significado do trabalho

Para entender o que foi dito sobre o significado do trabalho, primeiramente isolaram-se os

elementos que influenciaram sua formação e, depois, checou-se se eles ainda influenciavam

ou determinavam as declarações relativas a seu significado atual. Visando a delinear

possíveis modificações nesse significado, da mesma forma que, no início de cada entrevista,

se perguntou o que os pais haviam passado para o entrevistado sobre o trabalho, mais no final

da pauta foi perguntado o que ele passaria adiante para filhos, sobrinhos ou outras crianças

sob sua orientação. Essa seqüência desvendou a lógica de recepção (inputs) e emissão

(outputs) de mensagens para a construção do significado, respectivamente recebidas dos

antecedentes e repassadas para os descendentes.

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Nos inputs, a mensagem explicitada, o exemplo ou o comportamento dos pais (ou do

responsável pela criação), aliados à condição socioeconômica, foram os principais formadores

do significado do trabalho. O legado dos pais são performances a serem reproduzidas ou

refutadas (nesse último caso adota-se conduta contrária ao que foi assimilado). Isso fica claro

no discurso de duas irmãs entrevistadas: enquanto a primeira (Médica) reproduziu o ritmo

intenso e o volume de trabalho dos pais (Foi uma época muito apertada na minha vida,

porque eu fiquei muito é... estressada mesmo. Estressada, estressada. Eu trabalhava demais

da conta, entendeu? Eu acho também que é a época que se trabalha muito, digamos, próximo

dos 30 até os 40, ou dos 40 e alguma coisa. Eu trabalhava muito. Hoje em dia isso já

diminuiu muito, né? Eu fiz outras escolhas), a segunda (Revisora) os rechaçou (Eu me lembro

de percebê-los [os pais] muito cansados; talvez daí a minha decisão de trabalhar com menos

vigor. Eu queria ser tão responsável quanto eles, mas num ritmo menos cansativo do que eu

percebi neles). Outra entrevistada, a Terapeuta, ressaltou a escolha deliberada pela

contraposição à mensagem recebida: o meu pai era comunista e ex-seminarista, com a

questão do prazer totalmente distanciada da vida. Posso dizer que busquei o oposto,

colocando o prazer em tudo que faço. Caso contrário ao do Desempregado C, que fez opção

de não trabalhar, com a anuência do pai e seguindo o exemplo da mãe, que não faz nada e não

é nem dona-de-casa porque tem empregada.

Não menos importante na formação do significado do trabalho foi a constatação acerca da

diferença de mensagens captadas por quatro irmãos de uma mesma família, aqui apresentados

ordenados do mais velho para o mais novo. Para a Auxiliar de Escritório, os pais não a

incentivaram e não despertaram nela o interesse pelo estudo ou pelo trabalho, que eram tidos

simplesmente como obrigações a cumprir, sendo que a própria mãe a tirou do seu primeiro

trabalho formal para que ela tomasse conta de casa e dos irmãos mais novos. O Representante

Comercial também relatou que o pai pouco falava sobre trabalho e nunca o estimulou ou

convidou-o a trabalhar na loja que tinha; por outro lado, nas primeiras vezes que, ainda

menino de 7 anos, em brincadeiras, tentou vender alguma coisa, o pai forneceu-lhe algumas

pequenas mercadorias e orientou-o sobre como colocar preço e argumentar. Já o Vendedor

lembrou-se que, na hora do trabalho, ele e os irmãos não podiam estar por perto, para não

atrapalhar, e que, por isso, ficavam acompanhando o movimento à distância, escondidos na

sobreloja. O Economista pouco conheceu o pai, que morreu quando o entrevistado tinha 4

anos (seus irmãos, acima mencionados, tinham, respectivamente, 11, 8 e 5 anos), mas disse

lembrar-se de uma mãe protetora, que trabalhava muito para sustentar a casa e que, embora

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também distante em questões profissionais, não o atrapalhou de estudar e fazer o curso

superior.

Essa situação de percepções diversas é diferente da ocorrida com as duas irmãs (a Médica e a

Revisora) citadas anteriormente, que perceberam o mesmo teor na mensagem recebida dos

pais, porém deliberadamente escolheram seguir condutas antagônicas. Há ainda um outro

exemplo de irmãos (a Psicóloga 2 e o Desempregado D) que também captaram a mesma

mensagem e seguiram caminhos antagônicos, embora tal escolha não tenha sido tão

consciente e objetiva. Ambos perceberam o pai muito trabalhador, com carreira de sucesso

em duas áreas diferentes, e a mãe assoberbada com tarefas caseiras e com seus oito filhos. A

Psicóloga 2, por ser primogênita, desde a infância ajudava nas tarefas de casa e, segundo seu

comentário, percebeu que o fazia para buscar reconhecimento e carinho do pai e da mãe,

sendo que esta, quanto mais recebia ajuda da filha, mais tarefas lhe repassava.

Profissionalmente, ela tem uma trajetória de grande sucesso, fundamentada na perseverança,

determinação e empenho, mas desgosta de algumas tarefas de casa, evitando-as sempre que

possível: Eu reconheci que eu vinha fazendo trabalhos de casa em casa pra ajudar a minha mãe

e que eu não queria. Isso contrariava profundamente meus desejos. Quando era menina, não.

Eu fazia porque eu queria, assim, ajudar meus irmãos, trocar fraldas... dar comida. [...]Depois

eu comecei a ver que eu fazia as coisas muito pra receber aplauso do papai, elogio. Ele que me

elogiava; mamãe nunca, só me cobrava. E quanto mais eu fazia, mais trabalho tinha pra fazer.

[...] E eu fui ficando com raiva. Eu acho que eu não gosto de cozinha é por isso. Porque eu

fritava muitos bifes por dia. [...] Eram tarefas para uma menina de 10 anos... muito grandes.

Hoje eu vejo que eu precisei delas pra sobreviver em amor, em reconhecimento, em afeto. Mas o

preço disso pra mim, hoje, eu acho que foi ruim. Eu acho que eu gostaria de fazer com prazer as

tarefas de casa. Já o Desempregado D, por ser um dos filhos mais novos, disse lembrar-se da

irmã sempre eficiente e dinâmica, cuidando dele e da casa. Hoje, apesar de sua inteligência e

desembaraço, sofre as agruras de uma carreira pouco sólida, entrecortada e instável e pelo fato

de não conseguir que o retorno esperado por ele seja minimamente alcançado de forma efetiva

e constante. Logo, continua dependendo de colaboração dessa irmã e de outros parentes para

sobreviver.

É interessante também observar que a mensagem passada pelos pais ao longo da vida dos

entrevistados, principalmente na infância, processou-se de várias formas, tendo sido tanto

verbalizada quanto demonstrada. Para o Consultor de Vendas, os pais tinham uma forma

diferente de mostrar que se não fizer vai se ferrar, se você quer conseguir alguma coisa na

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sua vida, você tem que trabalhar. O Economista disse que ouve histórias de que o pai não

gostava muito da rotina e do trabalho continuado. A mãe da Psicóloga 1 falava-lhe, quando o

pai estava fora, que o papai tem que trabalhar pra comprar leite, precisa ter dinheiro pra

comer, pra vestir. A escolha da profissão pelo Professor de Capoeira foi a decepção da vida

dele [do pai] e até o motivo de alguns conflitos que até hoje a gente carrega junto (o pai é

neurologista e a mãe, psicóloga). O Representante Comercial disse ressentir-se da falta da

conversa sobre trabalho, comentando que seus pais não costumavam discutir a relação ali de

trabalho com as crianças, nunca. A Psicóloga 2 comentou que o pai não falava sobre o

assunto, mas mostrava [enfatizando essa demonstração] que o trabalho... era o pão que a

gente comia, o estudo que a gente tinha... quando ele morreu, ele falou: ‘eu não tô deixando

herança, mas eu deixei educação’. O Desempregado A afirmou que o pai, não querendo que

ele seguisse a mesma carreira dele, sequer o ensinou a ser pedreiro, por achar que a profissão

não tinha valor e que pedreiro faz muita coisa pros outros e pra ele mesmo... nada. Já o

Padre lembrou-se que os pais mais ensinaram com a vida do que com palavras.

A influência dos pais – positiva ou negativa – na formação do significado do trabalho foi

relevante para todos os 24 entrevistados, independente da escolaridade e do vínculo

trabalhista. Essa é uma questão que transcende a materialidade do trabalho, sendo ligada ao

seu valor, como será visto adiante. A variedade dos significados recebidos que auxiliaram na

formação do significado do trabalho para os entrevistados coincide com a classificação de

significados proposta nesta dissertação, que também será apresentada mais à frente.

As condições socioeconômicas da família de origem também foram fator relevante na

formação do significado do trabalho. Nos casos dos entrevistados que passaram maiores

dificuldades financeiras na infância, o trabalho era incentivado, por vezes exigido, e visto

como a tábua de salvação. A educação escolar era encarada como a única via para melhoria

efetiva, o que nem sempre se concretizou. Em todas as mensagens recebidas pelos

entrevistados, com exceção do Desempregado C (que fez a opção de não trabalhar), o trabalho

era tido como importante e essencial. Os que detinham melhores condições econômicas na

infância tiveram mais tempo para se dedicar aos estudos e escolher a profissão que seguiram,

sem a cobrança de se sustentar ou ajudar financeiramente em casa.

Em todos os casos estudados, sugeriu-se que a religião não foi fator determinante na formação

do significado do trabalho enquanto herança recebida dos mais velhos, embora tenha tido

participação na consolidação desse significado numa idade mais madura. Isso se explica pelo

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fato de alguns, ao longo da vida, terem mudado da religião ou crença da família de origem

para outra e de nenhum dos entrevistados ter citado ou insinuado a relevância de práticas

religiosas quando eram crianças, mas somente depois de adultos e por livre escolha. Mesmo

para o Padre, a religião só passou a predominar quando, já adolescente, foi cursar a quinta

série do primeiro grau num Seminário. Vale registrar que, nas três últimas entrevistas

analisadas (Desempregado F, Dona-de-casa e Padre), a questão religiosa surgiu muito forte,

mas, curiosamente, eles efetivamente adotam diferentes religiões, sendo, respectivamente,

evangélico, espírita e católico. Para esses três entrevistados, a influência da religião dá-se

tanto na forma de executar o trabalho quanto na de lhe atribuir significado.

Outros fatores que, mencionados em algumas entrevistas, também agiram na construção do

significado já na idade adulta foram:

- a ambição (de poder, de consumo, de status) – nesse caso, a meta pretendida pelo

entrevistado era sempre maior do que a tarefa em si, dotando o trabalho de um sentido

particular e específico;

- auto-estima/auto-imagem – por motivos diversos que não cabe aqui detalhar, alguns

afirmaram acreditar que são bons, competentes e desejados e que vão sempre conseguir

boas oportunidades. Esses entrevistados, ao narrar suas histórias, destacaram suas

conquistas e vitórias. Outros disseram não se sentir com valor suficiente, merecedores ou

dignos de situações melhores, carregando esse estigma para o trabalho;

- centralidade do trabalho e relevância das demais esferas da vida – a importância atribuída a

relacionamentos afetivos, família, amigos, religião, estudo e lazer determinou a prioridade

de cada um deles, o que influenciou diretamente na percepção e significado do trabalho.

Então, nos inputs estão o que o entrevistado recebeu como mensagens e o que sofreu pela

ação de fatores que influenciaram a formação do significado do trabalho e a forma de praticá-

lo. Já no outro lado, o dos outputs, está o que ele repassa ou repassaria acerca disso, ou seja, o

que transmite ou transmitiria a seus descendentes. Esses outputs têm, basicamente, um dos

dois seguintes teores: (a) a orientação que o entrevistado gostaria de ter recebido para efetivar

suas escolhas e/ou para evitar que seus filhos passem ou venham/viessem a passar pelas

mesmas dificuldades e sofrimentos que mais o incomodam/incomodaram ou

atrapalham/atrapalharam na vida profissional; e (b) as informações sobre o seu modo de

perceber o trabalho atualmente e sobre o que considera importante na sua conduta e para bem

executar suas tarefas.

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Como exemplos da situação (a), encontram-se os seguintes depoimentos:

- ser dedicado e honesto, fazer por merecer, porque você recebe é para isso (Auxiliar de

Escritório, que foi desestimulada a estudar e trabalhar, só o fazendo quando a família

começou a passar por dificuldades);

- os filhos têm de trabalhar para sobreviver e estudar para ter melhores oportunidades na vida

(Faxineiro e Empregada Doméstica, que não tiveram muitas oportunidades profissionais

devido à pouca escolaridade);

- trabalhar no que tem prazer (Médica, que está vivenciando o conflito entre as atividades de

que gosta e as que é obrigada a fazer);

- o papel dos pais é conscientização (Professor de Capoeira, cujos pais retaliaram sua opção

profissional);

- a realidade tá difícil, mas não desista, que se desistir fica pior (Desempregada B, que está

desempregada há 4 anos);

- não ficar na dependência de um patrão a vida inteira, mas na dependência de fazer um bom

trabalho dentro da área que escolher, rodando o mais que achar que for preciso

(Desempregado F, que trabalhou durante toda a sua carreira numa única empresa);

- não se envergonhe da profissão que desempenhar; dependendo da necessidade, faça o que

aparecer, estude muito para ser ótima profissional, boa no que escolher fazer, sendo feliz

(Dona-de-casa, que em algumas épocas de sua vida teve vergonha dessa sua função e que

imagina que sua filha vá achar horrível ser dona-de-casa).

Como exemplos da situação (b), encontram-se as seguintes declarações:

- trabalhar é viver, embora ache que ela [a filha] só vai trabalhar o suficiente para ela viver

(Consultor de Vendas, que considera o trabalho a coisa mais importante de sua vida);

- conhecer um pouco de tudo, ser um especialista com visão panorâmica (Economista, que

gosta de avaliar as situações por diversos ângulos);

- temos de nos colocar no trabalho, não interessa o que vai fazer, você tem que fazer bem

feito (Terapeuta, que vê o trabalho como uma conexão com uma causa maior);

- testemunhar que é feliz com o que faz, que é uma coisa boa e importante e ter o cuidado de

não se mostrar muito cansado para não transmitir uma imagem deturpada de que o

trabalho é algo muito sacrificante ou chato de fazer (Padre);

- o desempregado C, que optou por não trabalhar e por ser sustentado pelo pai, esquivou-se de

responder o que repassaria a seus descendentes (caso os tivesse) sobre o modo como percebe o

trabalho.

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As recomendações que os entrevistados apontaram como as que fazem ou fariam a seus

descendentes acerca do trabalho podem ou não coincidir com o conteúdo da mensagem que

lhes foi passada por seus pais.

4.1.2 Significado do trabalho

Quanto ao significado do trabalho propriamente dito, a primeira observação que vale registrar

é que há confusão entre o que se espera do trabalho, a sua importância e o seu significado –

ocasionada, principalmente, pela falta de reflexão sobre o tema. Em paralelo, constatou-se

que esse significado explicitado do trabalho nem sempre se coaduna com o subtexto

(significado deixado nas entrelinhas, que foi denominado de significado implícito), ou seja,

por vezes o entrevistado verbalizou um determinado significado, mas camuflou seu real

sentido. Isso pôde ser detectado através da comparação de respostas a perguntas similares e

através da repetição excessiva de palavras sinônimas que reforçavam o significado implícito,

por vezes contrário ao significado explícito.

Como exemplo da dissonância entre os significados explícito e implícito, cita-se o caso de

um(a) entrevistado(a) (empregado(a) com carteira assinada e com nível superior).

Defendendo explicitamente o trabalho como forma de ser útil, de ter contato social, de

melhorar o todo, de se preocupar com o próximo e valorizá-lo, disse também que se julga

uma pessoa desprendida de bens materiais e humilde. O discurso implícito sugere,

entretanto, uma dissonância entre o discurso explícito de desprendimento e os indícios de

egocentrismo, indicados pelo uso excessivo de pronomes da primeira pessoa gramatical:

ele(ela) repetiu 368 vezes o pronome pessoal eu, 97 vezes os pronomes possessivos singulares

meu/minha e 16 vezes, referindo-se às ações da empresa em que trabalha, o pronome

possessivo plural nossas – ressalta-se que, em vários momentos, tais vocábulos foram

pronunciados enfaticamente. O discurso implícito sugere também que o trabalho lhe serve

como um instrumento de auto-afirmação de seu poder e status e que o entrevistado(a)

valoriza sinais aparentes de riqueza. Ele reproduz o discurso empresarial para, respaldado

por uma instituição, atingir seus objetivos pessoais. Outro exemplo é o de um(a)

entrevistado(a) que busca o reconhecimento no trabalho (empregado(a) com carteira assinada

e com nível superior), que afirmou estar vivenciando conflitos (prazer extremo versus

irritação profunda) em relação às tarefas que executa, embora de um modo geral se sinta

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realizado(a): as palavras prazer, irritação e reconhecimento foram citadas, respectivamente,

27, 18 e 20 vezes. A irritação é momentânea e localizada, dirigida a algumas tarefas, mas a

realização com a profissão ainda se sobrepõe ao desprazer, como deram a entender a leitura

cuidadosa que fez de cada situação relatada, sua reação ao mencioná-las e a ênfase dada a

algumas palavras. Por isso, nessa análise, estão sendo considerados os dois tipos de

significado: o explicitado e o implícito.

Comparando-se o que os entrevistados consideraram significado do trabalho com o que foi

enunciado por Riches (2000) ao se referir a pesquisas do grupo MOW, constataram-se

diferenças de enfoque. O escalonamento dos significados levantados na análise do conteúdo

desta pesquisa assemelhou-se apenas às funções relacionadas à satisfação e à motivação

incluídas no terceiro domínio do significado, que serve como base para a fixação dos

indivíduos ao fenômeno do trabalho proposto pelo MOW. A despeito das tentativas feitas,

também não se conseguiu adequar esses dados aos conceitos sobre trabalho indicados por

Morin et al. (2003) (QUADRO 1).

Assim, para chegar a uma compreensão mais clara do significado do trabalho na presente

pesquisa, foi preciso desmembrar a análise em núcleos distintos, porém imbricados,

considerando:

(a) a centralidade do trabalho;

(b) a integração do sujeito com o trabalho;

(c) a interferência das demais esferas no trabalho e vice-versa; e

(d) o significado propriamente dito, para o qual propõe-se um desmembramento em duas

dimensões: materialidade e valor.

A centralidade do trabalho, também considerada por Riches (2000), é o grau de importância

que o trabalho possui na vida do sujeito em cada momento, independente do porquê de tal

importância. É a preponderância relativa do trabalho sobre as demais esferas da vida.

Graficamente, poder-se-ia representá-la num continuum que oscila entre o trabalho em

posição secundária (assumindo uma função mais instrumental de fornecimento de condições

para outros fins mais importantes que ele – a pessoa teria interesses que se sobrepõem a ele) e

o trabalho em posição principal (e, nessa posição, é ele que dá sentido à vida); o ponto central

seria o equilíbrio entre o trabalho e as demais esferas (DIAGRAMA 1).

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DIAGRAMA 1 Continuum da centralidade do trabalho

Com base em suas declarações, os entrevistados podem ser localizados, de forma aproximada,

em cada posição do continuum da centralidade do trabalho. A Gari, os desempregados B e E

e a Revisora identificaram o trabalho como atividade secundária. Com uma função

puramente instrumental, embora tenham afirmado gostar do que fazem, ele seria descartável,

caso tivessem condições de se manter financeiramente: Entre meu lazer e me matar de

trabalhar pra conseguir muita grana, mais do que eu necessito, ou status, nome, não penso

duas vezes, vou pro meu lazer preguiçoso (Revisora). Para os desempregados C e F, fica clara

a desvalorização do trabalho, já que fizeram a opção de não trabalhar: C é sustentado pelo pai,

e F recebe uma pequena aposentadoria, insuficiente para cobrir suas despesas, e faz trabalhos

esporádicos, além de contar com o salário da esposa, imputando à religião o papel principal

em sua vida.

O Vendedor, o Representante Comercial, o Recepcionista, a Médica, a Psicóloga 1 e a 2, o

Economista e a Terapeuta equilibram as esferas em suas vidas. O Vendedor, por exemplo,

além do trabalho, tem atividades paralelas numa fraternidade espírita e também se dedica à

família. A Psicóloga 2 reserva um tempo para o atendimento em consultório, mas dedica

outro tanto para atividades físicas, de relaxamento, cursos, convivência familiar,

relacionamentos afetivos etc. A Psicóloga 1 participa de um grupo de meditação, reserva

tempo para namorar e está fazendo um novo curso superior.

Já a Auxiliar de Escritório, o Faxineiro, a Empregada Doméstica, o Taxista, o Professor de

Capoeira, o Desempregado D, a Dona-de-casa, o Consultor de Vendas e o Padre têm o

trabalho como principal atividade, preponderante sobre todas as demais. Um depoimento

marcante e característico desse extremo foi o do Consultor de Vendas: Não é fácil conciliar

esse tantão de trabalho. A família nem sempre compreende isso muito bem. Mas tenho,

tenho conciliado, mais ou menos. Como a gente pensa muito, até com um certo egoísmo [...]

a família, se entender isso, bem; se não entender, vai ficar sem entender, porque tem que... eu

Atividade secundária Equilíbrio

entre esferas

Principal atividade

IMPORTÂNCIA DO TRABALHO

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penso que trabalhar faz parte do relacionamento familiar. A rotina do Taxista também

mostra outra faceta do trabalho prevalecendo sobre as demais esferas em função do número

de horas trabalhadas, já que suas atividades profissionais ocupam-no por 14 a 16 horas todos

os dias.

Embora o Desempregado A tenha indicado que a ausência do trabalho mobiliza boa parte de

seu tempo e de suas preocupações, os demais dados coletados ao longo de sua entrevista não

foram suficientes para embasar sua classificação em relação à centralidade do trabalho.

A questão da integração do sujeito com o trabalho transcende o tempo que este ocupa em sua

vida (centralidade), pois define o grau de dedicação e envolvimento que cada um mantém

com as atividades de trabalho. Por um lado, embora possa até preencher grande parte do

tempo de uma pessoa, o trabalho é realizado de uma forma mecânica e distante, sem

envolvimento emocional e sem preocupação. Isso é diferente do grau de entrega pessoal, de

mobilização e até de alienação em relação ao trabalho. O sujeito pode oscilar do

distanciamento e da indiferença (correspondente ao borges inspetor, classificado como um

dos estilos de estratégias de sobrevivência enunciados por Thiry-Cherques [2004]) à completa

mobilização e alienação (correspondente ao golem laborioso daquela mesma classificação).

A representação gráfica dessa questão é apresentada no DIAGRAMA 2.

DIAGRAMA 2 Continuum da integração do sujeito com o trabalho

No grau de total insulamento, encontram-se a Gari e o Taxista. O segundo é um exemplo

característico da integração estanque pois, embora sua atividade profissional ocupe quase 2/3

do seu dia (centralidade do trabalho), seu envolvimento emocional é pequeno, e a atividade,

quase mecânica: a gente simplesmente acorda pela manhã, e tchau, e já fica fixado que no

outro dia você tem que levantar pra trabalhar.

Na integração equilibrada podem ser encaixados a Auxiliar de Escritório, a Médica, o

Recepcionista, o Economista, o Vendedor, a Revisora, a Psicóloga 2 e o Representante

Totalmente insulado Integração

equilibrada

Totalmenteenvolvido

INTEGRAÇÃO COM TRABALHO

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Comercial. Este último afirmou: a minha relação com o trabalho é tranqüila, eu preciso dele

e ele precisa de mim. Ele faz parte do meu dia-a-dia, da minha vida, assim como faz parte

comer, beber água. Eu não consigo me ver desvinculado do meu trabalho, nem totalmente

dedicado a ele. Eu visto a roupa de manhã cedo. Eu visto o meu trabalho todo dia. Ele

“suits me”, ou “I fit in it”28, como um terno feito sob medida.

Houve dúvidas quanto à classificação da Revisora pois, num ponto da entrevista, ela afirmou

que não é distanciada dele, porque dependo dele, e nem ele me sobrepõe totalmente, mas

terminou dizendo: eu certamente me sobreponho ao trabalho.

No extremo do total envolvimento com o trabalho, situam-se o Faxineiro, o Consultor de

Vendas, a Empregada Doméstica, a Psicóloga 1, o Professor de Capoeira, a Terapeuta, a

Dona-de-casa e o Padre. Vale a pena ressaltar algumas falas ou comentários desses

entrevistados:

- Faxineiro – Penso no trabalho o tempo todo, às vezes eu tô lá em casa, fico doido pra

chegar logo na segunda-feira pra ir pro trabalho.

- Consultor de Vendas – Então a sinergia que tem que existir do ser humano com o trabalho

tem que ser absolutamente perfeita, ou então o trabalho passa a ser um problema na sua

vida; ou você adota um trabalho como solução, ou ele passa a ser um problema.

- Psicóloga 1 – pela natureza penosa do seu trabalho (trabalha no Instituto Médico Legal,

fazendo análise psicológica de criminosos) e pelo sofrimento que isso lhe causa, ela disse

que reconhece a necessidade de dar uma distanciada, porque tem coisas muito chocantes.

Estava ficando muito cansada, parece assim que sugando minha energia, e pensando muito

nos casos. Relatou, entretanto, que não consegue efetivar a prática desse necessário

distanciamento.

- Professor de Capoeira – como ele faz do que gosta a sua profissão, realmente se dedica a ela:

É capoeira 25 horas por dia. Tudo que eu tô fazendo tá em torno de capoeira. O meu amor

é a capoeira. Quando a gente ama, a gente se entrega mesmo, né?

- Dona-de-casa – pela natureza de sua atividade, na qual as dimensões família e trabalho

concentram-se numa só, seu envolvimento e sua dedicação são totais, mas ela ressaltou que

falta harmonizar alguns pontos, que é obter o reconhecimento do marido e dos filhos... mas

acho que nunca vai vir mesmo.

28 Ele [o trabalho] se encaixa em mim ou eu me ajusto a ele (tradução da autora).

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- Padre – A vida sacerdotal não se pauta pelo emprego de algumas horas do dia para

dedicação exclusiva ao trabalho, mas é uma ação que preenche a vida.

- Empregada Doméstica – o trabalho é fonte de dignidade para ela. Depois de ter sofrido

muito na vida, ela é bem tratada e valorizada pela família para a qual trabalha. O

envolvimento com suas tarefas e com as pessoas da casa é muito grande, a ponto de se

sentir responsável por elas. Isso é indicado pelo fato de ela ter dito que sua função é

cuidar de uma família, ao invés de enumerar as diversas tarefas que executa (lavar, passar,

cozinhar e acompanhar as crianças). Essa postura remete a um pequeno conto que ilustra a

diferença de integração e formas de perceber o trabalho, o que afeta diretamente o seu

significado:

Um sábio procurava encontrar um ser integral em relação a seu trabalho. Entrou em uma obra e começou a indagar. Ao primeiro operário perguntou o que fazia, e este lhe respondeu que procurava ganhar seu salário. Ao segundo repetiu a pergunta e obteve a resposta de que ele preenchia seu tempo. Finalmente, chegou a um operário que lhe respondeu: “estou construindo uma catedral para a minha cidade”. A este último o sábio atribuiu a qualidade de ser integral, em face do trabalho como instrumento do bem comum29.

- Terapeuta – seu total envolvimento com o trabalho evidenciou-se não só no teor de sua fala

como também, e especialmente, na fraseologia adotada, bastante peculiar à sua profissão: As

pessoas que agem como autômatas, como nas fábricas, vão para outra dimensão, estando

presentes. A dissociação do eu com o exercício é que faz com que esse se torne repetitivo,

exaustivo, porque a pessoa está em outro lugar. Ela está competindo com uma máquina e

isso não é possível. Por isso ela se ausenta. Quando você faz o que gosta, está presente, se

coloca inteiro, não tem LER (lesão por esforço repetitivo). O distanciamento do homem no

fazer adoece muito as pessoas, porque elas entram numa exigência de produção, perdem a

conexão com a Grande Força. Em qualquer atividade que faço, faço com a linguagem

vinda do meu coração, procuro me integrar a ela. Quando arrumo minha casa, arrumo

com intenção de harmonizar eu e ela. E assim é com tudo que faço.

A avaliação dos desempregados só pode ser feita com base nos seus relatos sobre atividades

passadas. Portanto, o Desempregado C, por não trabalhar por opção, é totalmente estanque a

tudo o que diz respeito a trabalho. Essa também é a postura do Desempregado F, mas, no

passado, a sua integração com o trabalho foi tanta, e tamanha foi a sua decepção com o

29 Originalmente esse conto está sinteticamente citado em HEISLER, W.J.; HOUCK, J.W. A matter of dignity:

inquires into the humanization of work. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1977. Entretanto, vem sendo recontado e complementado, inclusive como mensagem divulgada pela Internet, atribuindo-se a ele autoria anônima.

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sistema por causa de práticas pouco honestas ou justas que presenciou, que ele chegou a

passar por sérios problemas psicológicos (angústia seguida de depressão e fobias). Pode-se

então dizer que sua integração era total, a ponto de, por não conseguir se distanciar deles,

deixar os fatos afetarem a sua saúde. Também com base em suas declarações inferiu-se que

os desempregados A, B, D e E se mantinham em equilíbrio com a atividade que exerciam.

Essa estabilidade foi sendo modificada à medida que ficaram desempregados e que o tempo

de desemprego foi aumentando. Isso fez com que o envolvimento com a situação de ausência

de trabalho aumentasse, agravando-se com o sofrimento pessoal causado pela situação em si e

pelas críticas e cobranças de familiares e amigos. A Desempregada E fez um comentário

interessante sobre esse envolvimento: Eu acho que a gente tem que se dedicar, tem que se dar

ao trabalho sim, mas a gente não pode... eu não vou colocar novamente no mesmo patamar

que já coloquei um dia. [...] Então, a gente chega num ponto que não adianta eu gostar mais

dessa empresa do que o dono, não adianta eu me dar mais para essa empresa do que o

próprio dono.

A interferência do trabalho nas demais esferas da vida e vice-versa também tem

semelhanças com a centralidade do trabalho. Porém, enquanto a centralidade se relaciona

mais à preponderância do trabalho sobre as demais esferas, a interferência volta-se para o

quanto o sujeito permite que um determinado aspecto de sua vida interfira no seu

comportamento ou desempenho frente a outra esfera. Numa linguagem figurada, seria como

um filtro entre cada dimensão que, dependendo de sua espessura, isolaria mais, ou menos, a

transmissão dos efeitos positivos ou negativos de cada acontecimento/sentimento de uma

esfera para a outra. Nas entrevistas, foram mencionadas seis esferas relevantes para além

do trabalho: família, relacionamento afetivo, religião e suas práticas, lazer, estudos e

amigos.

O continuum que representa essa interferência vai do isolamento completo de cada esfera à

permeabilidade total entre duas ou mais esferas, conforme apresentado no DIAGRAMA 3.

São os casos, respectivamente, de quem definitivamente não leva problemas do trabalho

para casa e de casa para o trabalho, e de quem prioriza, por exemplo, dogmas religiosos que

coíbam a execução de um trabalho.

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DIAGRAMA 3 Continuum da interferência do trabalho nas demais esferas da vida e vice-versa

Como exemplos de isolamento completo citam-se o Taxista e a Gari. Esta afirmou que hora

de trabalhar é hora de trabalhar. A de divertir é de divertir, e não tem como levar problema

de um para o outro.

Na coexistência equilibrada encontram-se a Empregada Doméstica, o Vendedor, o

Economista, a Psicóloga 2 e o Representante Comercial. O Economista comentou: saiu da

porta do serviço, o serviço ficou pra trás, mas a gente não consegue se desligar inteiro. A

Psicóloga 2 reiterou a importância dos relacionamentos amorosos em sua vida, mas sempre

em equilíbrio com as demais esferas: no amor fico esburrachada. Mas eu vi que não queria

só amar, que era fundamental intelectualizar, ser produtiva. Divido a minha vida em três

partes: amor e afetos, trabalho e o lúdico/lazer; e, em cada época, uma fala mais alto. O

Representante Comercial disse conseguir, nos momentos de trabalho, desligar-se parcialmente

de problemas das demais esferas, mas reconheceu já ter passado por situações díspares de

interferência das famílias que constituiu (está no segundo casamento), pois a família interfere

diretamente no trabalho, estimulando ou não, incentivando ou não.

Entre os que permitem que uma esfera da vida afete outra(s), encontram-se o Faxineiro, a

Auxiliar de Escritório, o Consultor de Vendas, o Recepcionista, a Médica, a Psicóloga 1, a

Revisora e os desempregados A, B, D, E e F. A Médica exemplificou: eu giro em torno do

trabalho; se as coisas tão indo bem no trabalho, o resto na minha vida eu me ajeito. [...] De

tanto stress, ficava ansiosa e comia que nem uma louca, quer dizer, tava prejudicando minha

vida pessoal também. A Auxiliar de Escritório relatou que tem um ano que eu tenho que

tomar calmante, toda santa manhã, o que prejudica toda a sua vida, inclusive seu trabalho. Já

para o Recepcionista, a relação amorosa é fundamental e um foco central em sua vida. Ele

admitiu que, a despeito de suas tentativas para evitar que isso aconteça, sua forma de sentir o

relacionamento afetivo influencia seu agir profissional: Eu não sou ninguém sem o trabalho,

não sou ninguém sem minha vida. São coisas distintas, mas elas têm que interagir.

Isolamento completo Coexistência

equilibrada

Permeabilidade total

INTERFERÊNCIA MÚTUA DAS ESFERAS

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Racionalmente a Revisora distancia totalmente as esferas e, com extremo profissionalismo e

correção, não deixa que outras áreas da vida interfiram no trabalho e vice-versa: amigos,

amigos; negócios, à parte. Entretanto, emocionalmente, problemas familiares ou afetivos

podem interferir na sua concentração e no tempo destinado ao trabalho, da mesma forma que

alguns problemas no trabalho podem incomodá-la, a ponto de perturbarem as demais esferas

da vida. Um(a) outro(a) entrevistado(a), cuja vida profissional também recebe forte

influência da esfera afetiva, confidenciou: [...] No meu último relacionamento, ficava muito

tenso com o parceiro. Ele ligava o tempo inteiro. Eu ficava me expondo muito no trabalho, e

ele achava ruim quando ligava e eu não estava. [...] E eu permitindo que isso tudo

acontecesse. Estava me infernizando no trabalho e prejudicando minha vida pessoal.

Bastante significativo foi o caso relatado por outro(a) entrevistado(a) que, em certa ocasião,

teria ajudado um homem – que, desempregado há algum tempo, já não tinha recursos

financeiros para garantir sequer a alimentação básica dos filhos – a conseguir um emprego na

mesma empresa em que trabalhava, o que aliás só teria sido possível graças a seu empenho

pessoal no caso. Duas semanas depois de tal homem ter sido contratado, encontraram-se no

momento em que ele pedia demissão, com a justificativa de que não podia cumprir a jornada

semanal (de seis dias) daquela empresa, pois sua igreja não permitia o trabalho aos sábados.

O(a) entrevistado(a) disse ter ficado indignado(a) com aquela atitude e teria falado

bruscamente: “Então vai pedir para o pastor da sua igreja pra ele dar comida pros seus

filhos, tudo”. Ao final do relato, ainda sob o efeito da comoção causada pela lembrança

daquela experiência, completou: Não é uma coisa de matar uma pessoa? E eu? O tanto que

eu lutei para botar o homem lá dentro, gente!... A compensação é terrível, e com isso você

endurece o coração e aprende a não ter dó das pessoas.

Quanto ao Professor de Capoeira, à Terapeuta, ao Padre e à Dona-de-casa, pode-se dizer que

o trabalho os afeta por completo, já que eles se integram totalmente com ele e de uma forma

diferenciada. Para esses entrevistados, duas ou mais esferas podem se superpor de tal

maneira, que quase não haveria diferenciação entre elas.

Classificar o Desempregado C quanto à influência do trabalho nas demais esferas da sua vida

ou vive-versa seria mera especulação, já que, por sua própria opção, a esfera profissional

simplesmente inexiste no seu dia-a-dia.

Finalmente, quanto ao significado do trabalho propriamente dito, propõe-se uma nova

configuração. Da mesma forma que Aristóteles distinguia dois componentes no trabalho e

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Lukács destacava-lhe a posição teleológica e a realização prática (ANTUNES, 2003), para

fazer uma classificação mais precisa podem-se, também, identificar duas dimensões no

significado do trabalho:

- a dimensão da materialidade, que corresponde à parte objetiva e concreta, à prática das

tarefas, à remuneração, à satisfação ou irritação com as condições de trabalho e aos

benefícios ou malefícios advindos dele, transita entre a obrigação e a opção (diletantismo) e

pode se alterar de acordo com a atividade profissional momentânea e de cada fase da vida;

- a dimensão dos valores intrínsecos transcende a objetividade e diz respeito a uma concepção

mais geral do que o trabalho representa, à sua importância enquanto parte da vida. Está

relacionada com a vivência dos conflitos interiores, o sofrimento ou o prazer de trabalhar, o

alcance ou não do retorno que se espera do trabalho e sua harmonia com os princípios de

cada um. Não é momentânea nem relativa a uma tarefa em uma empresa ou profissão

específica, mas ao retorno subjetivo que isso traz num prazo maior no decorrer da vida.

Nessa dimensão, transita-se entre o que se convencionou chamar de sacrifício e sacro ofício.

É essencial para essa definição entender o que se quer expressar com essas palavras:

- Materialidade – é a circunstância material que constitui um fato, abstraindo-se os motivos; é

o conjunto de elementos objetivos de uma situação.

- Valor – é a importância de determinada coisa, estabelecida ou arbitrada de antemão; a

qualidade do que tem força, vigor, valentia; a qualidade pela qual determinada pessoa ou

coisa é estimável em maior ou menor grau; o mérito ou o merecimento intrínseco,

importância, consideração.

- Sacrifício – é a renúncia voluntária a um bem ou a um direito; a privação, voluntária ou

involuntária, de uma coisa digna de apreço e estima; o risco em que se põem os próprios

interesses para interesse de alguém, de alguma coisa ou de um fim que se tem em vista; o

desprezo de uma coisa para dar mais realce ou importância à outra; a sujeição, submissão.

- Sacro ofício – é a atividade à qual se atribui a qualidade de sagrada, onde sacro é o que é

profundamente respeitável, que não deve ser infringido ou violado, que não se pode deixar

de cumprir, nobre, sublime; também pode ser concernente às coisas divinas, à religião, aos

ritos ou ao culto.

O significado do trabalho é formado, então, por uma relação entre a dimensão da

materialidade e a dos valores, que assume a seguinte configuração (DIAGRAMA 4):

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DIAGRAMA 4 Confluência das dimensões do trabalho: materialidade e valor

Nesse diagrama, cada sujeito pode ser localizado em um quadrante30, numa relação do valor

atribuído ao trabalho com a avaliação da materialidade. Pode haver divergência na posição do

entrevistado em função de a análise ser baseada no significado explícito ou no implícito.

Como já comentado, houve alguma confusão por parte dos entrevistados em delimitar o que

esperam do trabalho, sua importância e seu significado. Acredita-se que isso ocorra quando

não se separam os aspectos materiais, práticos e concretos do trabalho – que são temporais e

mutáveis de acordo com a tarefa que se executa, com as condições e o ambiente em que é

realizado e/ou com a empresa na qual ou para a qual se trabalha – dos seus aspectos mais

abstratos e subjetivos, como o que se espera do trabalho, sua importância e o alcance ou não

de objetivos individuais e coletivos. Essa proposta das duas dimensões surgiu a partir de

alguns depoimentos contraditórios em relação a gostar/não gostar, ter prazer/irritar-se,

trabalhar por opção/obrigação, ou até mesmo a ocupar-se/não trabalhar. Na verdade, parte

dessa dicotomia deveu-se ao fato de os entrevistados não atentarem que estavam se referindo

a diferentes aspectos de um mesmo trabalho – logo, a essas diferentes dimensões.

30 A numeração dos quadrantes segue a noção matemática dos planos cartesianos, que é feita no sentido anti-

horário, a contar do quadrante correspondente aos pontos que possuem ambas coordenadas matematicamente positivas (cf. IEZZI, Gelson et al. Matemática: volume único. São Paulo: Atual, 2002. 660 p.).

Sacro ofício

Sacrifício

Obrigação Opção materialidade

v alor

2º quadrante 1º quadrante

4º quadrante 3º quadrante

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A classificação do significado do trabalho de acordo com os quadrantes de suas dimensões

(DIAGRAMA 5) não tem intenção de fazer qualquer juízo de valor ou julgamento de mérito

ou demérito, mas apenas de identificar a percepção individual dos entrevistados sobre o

trabalho.

DIAGRAMA 5 Classificação do significado do trabalho segundo informações dos entrevistados nas dimensões materialidade e valor

Para identificar e agrupar os significados de trabalho que emergiram das entrevistas, partiu-se

das classificações do terceiro domínio pesquisado pelo MOW em relação à satisfação e à

motivação que servem como base para a fixação do indivíduo ao fenômeno do trabalho, que

são:

(a) de lhe permitir obtenção de status e prestígio;

(b) econômica (rendimentos por ele considerados necessários);

(c) de mantê-lo ocupado (em atividade);

(d) de contato social (permitir-lhe estabelecimento de relações interpessoais);

(e) de se sentir útil à sociedade; e

(f) a auto-expressiva ou intrínseca (o trabalho permitindo-lhe a auto-realização).

Sacro ofício

Obrigação Opção materialidade

v a lor

2º quadrante 1º quadrante

4º quadrante 3º quadrante

Médica Dona-de-casa

Faxineiro Empregada doméstica Terapeuta Professor de Capoeira Psicóloga 2 Padre Desempregada E

Auxiliar de Escritório Gari Taxista Revisora Desempregados A, B, C, D, F

Consultor de Vendas Recepcionista Psicóloga 1 Economista Vendedor Representante Comercial

Sacrifício

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Essas classificações foram adaptadas aos resultados obtidos pela pesquisa, sendo redefinidas

nos seguintes grupos:

(a) de lhe permitir obtenção de status, prestígio e aceitação social;

(b) financeira (sobrevivência, sustento, atendimento a demandas consumistas);

(c) de mantê-lo ocupado (em atividade);

(d) de contato social (permitir-lhe estabelecimento de relações interpessoais);

(e) de se sentir útil à sociedade, ser reconhecido;

(f) a auto-expressiva ou intrínseca (autoconhecimento, aumento de auto-estima, crescimento

pessoal, auto-realização);

(g) aborrecimento, obrigação; e

(h) sublimação.

O QUADRO 6 apresenta o significado do trabalho para cada entrevistado, apurado sob dois

aspectos: o reconhecido e declarado por ele (assinalado com �) e o inferido a partir do

subtexto que ficou implícito (assinalado com �). A avaliação dos dois pode ser coincidente

ou não, e o trabalho também pode assumir um ou mais significados simultaneamente.

Vale observar que o Desempregado F diferencia o trabalho neste mundo, colocando-o

totalmente distanciado dele, desprazeroso e obrigatório, do seu trabalho em Deus, que é

sagrado, que dá sentido à sua vida. Atualmente, por não ter uma ocupação profissional

constante e por depositar o destino de sua vida na providência divina, o trabalho com Deus

prevalece. Por isso, no QUADRO 6, assinalou-se-lhe o trabalho enquanto obrigação e

sublimação.

Alguns entrevistados, ao discorrerem sobre o significado do trabalho, fixaram-se mais na

vertente de valor. Com uma visão holística, consideram-no como parte de uma integração e

melhoria da sociedade, e nesse caso o trabalho integra-se naturalmente à vida, de uma forma

harmoniosa. Eles praticamente diferenciam o trabalho de outras atividades pelo compromisso

com os demais sujeitos, o que extrapola a auto-realização. Esse grupo inclui a Terapeuta, o

Professor de Capoeira, a Dona-de-casa e o Padre.

Somente levando em consideração esses quatro aspectos – centralidade, integração,

interferência e valor/materialidade – é que se pôde delimitar um significado mais preciso do

trabalho para cada sujeito.

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QUADRO 6 Classificação dos entrevistados em relação aos significados do trabalho explícita e implicitamente percebidos

Entrevistado

(a) Status

(b) Finan-ceira

(c) Ocupa-

ção

(d) Conta-

to

(e) Utili-dade

(f) Intrín-seca

(g) Obriga-

ção

(h) Subli-mação

1 Faxineiro – � � – � � – ��

2 Auxiliar de Escritório – �� �� – � – �� –

3 Gari – �� – – – – �� –

4 Consultor de Vendas � – �� � � � � �

5 Recepcionista – – – �� – � �� –

6 Médica � �� � – � – � �

7 Empregada Doméstica – � – – � � – ��

8 Taxista – �� – � – – �� –

9 Psicóloga 1 – � – – – �� �� –

10 Economista � � – – �� � – ��

11 Vendedor � �� – �� �� – � ��

12 Professor de Capoeira – – – – – �� – ��

13 Representante Comercial – �� – �� � – �� –

14 Terapeuta – – – – �� �� – ��

15 Revisora – �� – – – – �� –

16 Psicóloga 2 – – – – �� �� – ��

17 Desempregado A – �� – � �� – �� –

18 Desempregada B – �� – – – – �� –

19 Desempregado C – – – – – – �� –

20 Desempregado D �� � – �� – – �� –

21 Desempregada E – �� �� – – �� � �

22 Desempregado F – �� – – – – �� ��

23 Dona-de-casa – – � – � – � �

24 Padre – – �� � �� �� – ��

Legenda: � significado explícito reconhecido e declarado pelo entrevistado � significado implícito inferido a partir do subtexto – classificação inexistente, já que não declarada pelo entrevistado nem inferida de seu subtexto

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Até aqui foi feita uma avaliação do significado do trabalho para cada um dos indivíduos da

amostra, o que possibilita, agora, compará-los de acordo com as variáveis intervenientes

vínculo e escolaridade.

4.1.3 Vínculo empregatício

Conforme explicado anteriormente, a amostra foi dividida em assalariados com carteira

profissional assinada, assalariados sem carteira assinada, trabalhadores por conta própria

(autônomos), desempregados, uma representante dos que ajudam o grupo familiar no trabalho

doméstico (dona-de-casa) e um religioso.

Comparando cada entrevistado com os demais do seu grupo, não foi constatado qualquer

padrão de concepção de significado do trabalho que coincida com esse agrupamento baseado

no vínculo empregatício. Também não foi detectada qualquer constante no que se refere à

centralidade do trabalho, à integração do sujeito com o trabalho ou à interferência do trabalho

nas demais esferas e vice-versa.

Surgiram, sim, diferenciações no tocante à forma como se executam as tarefas, ao

comprometimento, aos benefícios recebidos e à sensação de segurança. Para alguns isso pode

afetar a dimensão da materialidade do trabalho, chegando a influir na forma e no desempenho

do trabalho, sem contudo interferir na dimensão do valor. Mas, para outros, não faz

diferença, a mesma energia que eu ponho em um eu ponho em outro; o que varia é a

clientela. Eu me coloco em tudo que faço (Psicóloga 2). De qualquer forma, essas

diferenciações independem do vínculo, pois estão mais ligadas à personalidade e aos

interesses pessoais.

Os pontos positivos destacados pelos autônomos foram flexibilidade de horários,

independência na tomada de decisões e possibilidade de ganhos maiores. Já a instabilidade da

remuneração, a falta de benefícios trabalhistas, as dificuldades com aposentadoria e uma

maior responsabilidade em ter de produzir para receber são apontadas como pontos negativos.

O Vendedor lembrou que existe uma cobrança social por um horário fixo e convencional de

trabalho: minha irmã já ligou lá em casa, três horas da tarde, eu tava lá, e foi falando “Que

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você tá fazendo aí? Aconteceu alguma coisa? Você não tem que trabalhar?”. Querendo ou

não, tem a preocupação, mas tem essa oportunidade da flexibilidade de trabalho.

A questão da liberdade de ação, que a princípio pode parecer privilégio dos autônomos,

aparece espontaneamente em outras categorias. A Médica, que tem carteira assinada, disse

que é dona do seu nariz quando tem liberdade de determinar a rotina e que se considera uma

autônoma dentro do trabalho com carteira. Isso se contrapõe ao depoimento do Representante

Comercial que, mesmo autônomo, lamentou por ter de se sujeitar ao cliente e à empresa que

representa, tendo de engolir muito sapo. Além do que, segundo ele, o trabalho autônomo dá

a sensação que a cada dia você está começando do zero. Você habitua a acordar e saber que

vai ter que ganhar aquele dia, que ninguém vai te dar, que você não vai receber um salário

por aquilo, só pelo fato de você ter acordado e saído para trabalhar. Já o Professor de

Capoeira, também autônomo, ressaltou a liberdade que tem para definir como e o que ensinar,

já que nem tudo que eu de repente penso, eu poderia estar fazendo dentro de um vínculo de

contrato. Hoje eu faço do jeito que eu idealizo. Como não tem de seguir o que outros

instrutores fazem, desenvolveu um método peculiar de ensino, que lhe permite inclusive agir

com mais dedicação. A Revisora destacou que gosta de ser dona do próprio trabalho e de

poder ditar-lhe o ritmo, com flexibilidade de horário.

O debate acerca dos benefícios, da estabilidade e da segurança no trabalho, freqüente quando

o assunto é vínculo trabalhista, emergiu nos discursos dos entrevistados sob vários aspectos.

A Auxiliar de Escritório e a Desempregada E, em comentários que sugerem ressentimento,

ressaltaram que funcionário público tem uma visão diferente devido à estabilidade, sem

comprometimento e preocupação excessivos: Funcionário público não enxerga desemprego.

Meu irmão, que é servidor, e os meus pais assistem a televisão e ouvem “tem gente que está

há dois anos desempregada” e eles não acreditam nisso. Eles acham que é porque não

procuram emprego (Desempregada E). A Auxiliar de Escritório afirmou que o vínculo não

interfere na forma como trabalha, mas que isso acontece com outras pessoas, como com seu

irmão que, por ser funcionário público, não tem preocupação. Em contrapartida, o

Economista (Assessor Público) enumerou alguns pontos que considera negativos em relação a

seu vínculo empregatício, como por exemplo o de não ter carteira assinada, alguns benefícios

e direitos trabalhistas (fundo de garantia), o de o 13º salário depender da aprovação do governo

e poder ser pago em até 12 vezes, a título de bonificação natalina, e o de não lhe ser possível

negociar salário. Por outro lado, reconheceu que, embora não lhe tire a responsabilidade sobre

as tarefas, a questão da estabilidade interfere na sua forma de trabalhar.

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O Faxineiro e a Gari destacaram que o fato de ter carteira assinada lhes dá segurança – A

gente encosta, né, pode aposentar (Gari) –, mas isso não interfere no que o trabalho representa

para eles – Se eu trabalhar por minha conta, eu não vou ter nada, não vou conseguir nada na

vida (Faxineiro). Essa última afirmação esbarra também na questão da baixa escolaridade (3ª

série do 1º grau), que lhe deixa inseguro quanto à possibilidade de encontrar outro emprego,

fazendo com que se apegue à idealizada segurança de uma carteira profissional assinada.

Para os desempregados, a imagem do vínculo relaciona-se sempre a um trabalho formal, de

preferência com carteira assinada. Todos, com exceção do desempregado C (por opção),

executam alguma atividade esporádica para conseguir algum dinheiro, mas não a consideram

trabalho. A Desempregada B, por exemplo, para quem o significado e a expectativa em

relação ao trabalho estão diretamente relacionados ao retorno financeiro, disse se sentir inútil,

totalmente, mesmo fazendo artesanato, porque artesanato não tem retorno. Se a relação com

o trabalho dá-se pela ausência de vínculo, essa falta leva à tristeza, à depressão, à sensação de

inutilidade e de exclusão social: É horrível, muito esquisito. Fico deprimido, revoltado

(Desempregado A). Sobre sua carreira o Desempregado D concluiu: acabou que fragmentei

tudo e não fiz uma raiz forte. Depois de ter se destacado nos estudos, ele passou por diversas

empresas e tentou trabalhar como consultor, sem contudo conseguir se fixar. Há sete anos fez

opção de romper com esse mundo, passando a trabalhar como autônomo numa empresa que

decidiu montar. O negócio não obteve êxito, e hoje ele se considera desempregado, porque

não tá dando nada. [...] Olha, eu tô numa enrascada... é lógico que eu tô depressivo... eu tô

no fio da navalha (lamenta-se, chorando).

O Desempregado C é um caso à parte. Seu pai, divorciado do primeiro casamento, possui

uma boa situação financeira, e sua mãe não tem de executar tarefas diárias, nem mesmo em

casa. Filho único dessa união, optou por não trabalhar, com o consentimento dos pais, que o

sustentam. Segundo suas próprias palavras, ele não está procurando emprego, logo, não se

considera desempregado; são os outros que vivem dizendo isso. Aliás, é curioso ouvi-lo

falar. Se, por um lado, ele demonstra realmente não se incomodar com a sua situação, por

outro fica às vezes meio sem graça ao comentá-la, mais por causa das possíveis pressão e

cobrança da sociedade do que por não estar feliz e consciente em relação a sua opção. Por

mais que negue, ele dá indícios de se perturbar com o julgamento alheio, pois um dos motivos

pelos quais inicialmente resistiu em conceder a entrevista foi porque não queria que

pensassem que sou um gigolô (ele namora uma mulher 15 anos mais velha, viúva, com três

filhos e que se sustenta com o próprio trabalho).

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O Desempregado F também tem uma situação peculiar. Durante os quase 30 anos em que

trabalhou, sofreu por não se adaptar ao sistema e por não aceitar injustiças e falcatruas (jamais

recebera qualquer promoção ou aumento espontâneo), o que o levou à depressão e a sérios

problemas psicológicos: Foi uma decepção muito grande com o trabalho e com a vida.

Converteu-se então à Igreja Evangélica, afirmando que, quando tivesse salário e cargo

equiparados aos de seus contemporâneos de faculdade, deixaria a empresa e entregaria sua

vida a Deus. Assim que, recuperado da depressão e reinserido no trabalho, foi valorizado e

reconhecido, recebendo promoção e aumento considerável de salário, pediu demissão.

Depois do terrível processo de desligamento, quando me obrigaram até a fazer exames

psiquiátricos para provar que eu não tinha surtado, passei a ser feliz com Jesus. Contando

com pequena aposentadoria, não voltou a procurar empregos formais nem aceitou os que lhe

foram oferecidos. Hoje as atividades que faz de complementação de renda são por prazer,

mas gostaria de fazê-las de graça, e afirmou confiar na providência divina: Eu sei que Deus

vai prover. Prezo minha liberdade acima de tudo. Não consigo mais ter amarras. Posso ser

um tipo de autônomo, mas sei que Deus vai prover. O vínculo não mudaria nada, porque, se

não é num lugar, é em outro.

Os casos dos desempregados C e F retratam uma situação que nem sempre é considerada

pelas estatísticas oficiais: a dos indivíduos em idade ativa que não têm intenção de trabalhar.

Logo, a denominação “desempregado” não corresponde, com exatidão e adequadamente, às

suas situações. Se esses dois encontram apoio da família, os demais desempregados

percebem um misto de pena e censura em relação à situação de não-trabalho. O

Desempregado D explicitou duramente essa percepção, quando perguntado sobre como a

família o vê: Uma merda, né? Eu entendo que eles me vêm como um... devem ficar com

muita pena, né, porque olham pro cara que eu fui e hoje...

Ainda quanto às repercussões de vínculo e natureza do trabalho, a Dona-de-casa, que

trabalhou com carteira assinada até pouco depois do nascimento de sua primeira filha,

confidenciou que, no início, sentia vergonha de revelar que era dona-de-casa e preferia dizer

que já tinha trabalhado como secretária. Houve épocas em que chegou a ficar deprimida e se

sentindo extremamente incapaz. Mas, atualmente, considera-se uma pessoa que trabalha, pra

falar a verdade, muito mais do que quando trabalhava fora. A sua reclamação está centrada

na falta de autonomia, em não ter seu próprio dinheiro para gastar como quiser, já que

dependo do marido pra tudo, e na falta de reconhecimento da importância do seu trabalho por

parte dos familiares. Se, por um lado, afirmou se sentir realizada por estar educando os filhos,

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acreditando que a base de tudo, da formação moral dos filhos está nas suas mãos, por outro

expressou contradição, dizendo que ainda faltam algumas coisas para se sentir realizada,

pois às vezes se vê como uma empregada doméstica, sem reconhecimento nem do marido; é

como se estivesse fazendo uma coisa que não tem muita importância, como se estivesse o dia

inteiro de folga para assistir televisão. Reclamou ainda da falta de contato social e de sentir-

se pouco informada, concluindo: o vínculo não faz diferença, o que conta é a realização.

Apesar de saber que seu trabalho é muito importante, percebe-o como uma renúncia de si

mesma. Seguindo a doutrina espírita e participando ativamente de atividades numa

fraternidade, ela também confia na providência divina e almeja alcançar melhores condições

financeiras: se você tem um emprego digno e através desse emprego você consegue um

dinheiro, Deus não vai te culpar porque você está sendo rico, mas pode culpar por estar

fazendo mau uso. Em nenhum momento Deus pregou a pobreza.

Para o Padre, a questão do vínculo também é diferenciada e sem relevância, já que, pelo

exercício do sacerdócio, a Igreja lhe supre algumas necessidades básicas. Ele mantém certa

distância de comportamentos consumistas e conta com o apoio da comunidade. Segundo suas

palavras, seu compromisso com a Igreja é maior do que as suas questões pessoais, e sua vida

está empenhada no seguimento de Jesus.

Como se pode perceber, esses dois últimos depoimentos, assim como o do Desempregado F,

têm pontos que tangenciam a religião, embora de diferentes preceitos. Nesse aspecto a

religião, independente de escolaridade e vínculo, torna-se um forte componente para a

consolidação do significado do trabalho, influenciando e apoiando decisões e atitudes, cujo

valor não cabe, aqui, ser julgado.

4.1.4 Escolaridade

Os entrevistados, como detalhado anteriormente, foram subdivididos também em nível básico

e nível superior completo. Na comparação entre os dois grupos, igualmente não foram

detectados padrões relacionados à escolaridade que interferissem sobre o significado do

trabalho. Localizaram-se alguns aspectos comuns, que tangenciam as condições nas quais se

executam as tarefas, na dimensão da materialidade. Mas, quanto ao valor, não foi apontada

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uma constante diferente para cada um dos dois grupos: os comentários acerca do significado

repetem-se indistintamente.

Em uma avaliação superficial, inicialmente poder-se-ia imaginar que a duração das entrevistas

tivesse relação com a escolaridade, por esta interferir na capacidade de organização e

verbalização das idéias, já que as do nível básico somaram 11 horas e as do nível superior, 16

horas (excluindo-se a do Padre, que foi concedida através de questionário respondido por

escrito e remetido à pesquisadora via e-mail). No grupo dos entrevistados com nível de

escolaridade básico houve de fato algumas entrevistas mais curtas, embora também tenha

havido entrevistas longas, com duas horas e duas horas e meia de duração. Entretanto, as

entrevistas curtas apenas sugerem que alguns do nível básico têm uma visão mais simplista e

objetiva do mundo e do trabalho, sem grandes perspectivas.

Uma unanimidade entre os de nível básico é o ressentimento por não terem estudado mais.

Eles tomam para si, como referência, o padrão idealizado pela sociedade de valorização do

estudo de nível superior, atribuindo à sua falta parte da culpa por não conseguirem emprego

melhor. Todos declararam gostar do trabalho, mas fizeram-no relativamente à dimensão do

valor, pois em paralelo reclamaram de diversas condições da materialização do trabalho, de

sofrimentos e conflitos. Pode-se inferir que, em parte, dizem que gostam do trabalho por se

adaptarem ou se acomodarem a uma determinada situação e por acharem que não têm

condições de conseguir coisa melhor – destarte, apegam-se ao que têm. Na sua visão, as

oportunidades que lhes aparecem são mais limitadas, e eles devem aproveitá-las: o trabalho é

uma coisa que acontece, a oportunidade pinta e a pessoa ou pega ou fica sem (Desempregado

A). Dentre todos os de nível básico, apenas três deliberadamente escolheram a profissão ou

situação em que estão: o Professor de Capoeira, o Desempregado C e a Dona-de-casa. Os

demais foram sendo levados a elas, valendo-se das oportunidades que surgiam.

Os depoimentos sugeriram que a questão da auto-imagem também influencia no significado

do trabalho e vice-versa. Quanto melhor o autoconceito, maiores a determinação e a confiança

em conseguir melhores trabalhos – no nível básico, as exceções são o Representante

Comercial e a Dona-de-casa; no nível superior, o Desempregado F. Surge, então, o

questionamento: são a baixa escolaridade e a auto-imagem que geram essa situação, ou é o

mercado de trabalho que incute essa idéia nas pessoas? Os dados apurados não são

suficientes para esclarecer essa dúvida, e para tanto outras pesquisas se fazem necessárias.

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Os entrevistados de nível superior praticamente não mencionaram a questão da escolaridade, à

exceção dos desempregados D e E, cuja graduação completa não lhes parece ser suficiente

para a sua reinserção no mercado. O que foi de fato citado várias vezes por esse grupo com

curso superior completo referia-se à necessidade de constante atualização, através de cursos

extras de especialização, com o objetivo de não ser excluído do mercado e aumentar a sua

empregabilidade, aceitação e reconhecimento do potencial profissional e produtivo. A única a

não mencionar isso foi a Revisora. Além disso, nessa amostra todos tiveram a oportunidade

de escolher a área na qual se formaram e, mesmo que possam se ressentir ou se arrepender da

opção, ou que a escolha do curso tenha sofrido influência de pais ou amigos, carregam a

responsabilidade da escolha.

Como já citado, os depoimentos acerca do desemprego são contundentes, independendo do

nível de escolaridade. Essa situação pode ser tão dramática para os de nível básico quanto

para os de nível superior. Mas os primeiros atribuem principalmente à baixa escolaridade a

dificuldade de conseguir uma recolocação, enquanto que os de nível superior preocupam-se

com atributos complementares (cursos, idiomas, disponibilidade, adequação do salário esperado

etc) para melhorar sua empregabilidade e tentar retornar ao mercado de trabalho formal.

Um ponto curioso acerca da responsabilidade da educação também emergiu em vários

depoimentos, como neste do Desempregado A: você tem que se educar, tem essa escola

plural que vai passando o pessoal sem mais nem menos e depois não adianta nada, porque o

povo não sabe nada e você vai só brigar com gigantes, né, encarar as feras. Tem que estudar

o povo. A última frase sugere que a função de prover educação seria uma obrigação e estaria

exclusivamente a cargo de um agente externo. Esse depoimento em particular aponta ainda

para a sensação de inferioridade e para a disputa acirrada no mercado de trabalho.

Vale notar que, dentro de um mesmo subgrupo de vínculo e escolaridade, pode haver

diferenças de percepção e significado do trabalho, como por exemplo no de nível básico e

com carteira assinada, onde a Gari e o Faxineiro têm envolvimentos, expectativas e integração

totalmente diferentes, apesar da similaridade de atividades executadas profissionalmente.

Assim, tanto a escolaridade quanto o tipo de vínculo estão diretamente relacionados à

dimensão da materialidade, interferindo na escolha da ocupação e na forma de exercê-la. Mas

o trabalho enquanto valor – podendo ou não se equiparar a outras esferas da vida, como

família, relacionamento afetivo ou religião – transcende essas categorias.

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4.1.5 Reflexão acerca do trabalho

Uma das intenções iniciais desta pesquisa era levantar novas reflexões ou hipóteses sobre

questões práticas relativas ao dia-a-dia do trabalhador e ao significado do trabalho. Existia,

ainda, a expectativa de levar o entrevistado à reflexão, ou seja, além de fornecer material para

esta análise, ele poderia também tirar algum proveito do relato que estava fazendo. Essa meta

não só foi plenamente alcançada, como também estimulou ações de alguns envolvidos, no que

tange ao trabalho, nos meses subseqüentes.

Para fazer uma avaliação imediata das possíveis reconsiderações acerca do trabalho por

parte do entrevistado, constava da pauta uma questão extraída de um questionário do grupo

MOW (1995) (vide ANEXO C). A pergunta – que, nesta pesquisa, foi denominada “teste

do círculo” – compunha-se de quadros numerados de um a sete, cada qual com dois círculos

em estágios diferentes de interseção: no primeiro quadro, os círculos apresentavam-se mais

afastados e, no sétimo, totalmente sobrepostos. Um círculo representava o trabalho em

geral, e o outro, o entrevistado. Por solicitação da pesquisadora, o entrevistado apontava

qual desses quadros – ou, mais precisamente, qual dos estágios de interseção entre os dois

círculos – correspondia ao seu posicionamento em relação ao trabalho. Enquanto na

pesquisa do MOW essa questão foi feita no terço final do questionário, nesta dissertação ela

foi aplicada de forma diferente: depois do rapport inicial, foram feitas algumas perguntas

fáceis e objetivas, para traçar o perfil do entrevistado e desinibi-lo (idade, naturalidade,

religião, estado civil etc). Logo a seguir, antes de se abordar o tema, aplicou-se o primeiro

teste do círculo. Nesse ponto, o entrevistado respondia, e não se incitava qualquer

comentário (embora alguns naturalmente discorressem sobre sua opinião). Ao final da

entrevista, o mesmo teste era novamente aplicado, e, então, estimulava-se o entrevistado a

comentar sua resposta. O QUADRO 7 apresenta os resultados obtidos nas duas aplicações

do teste e foi utilizado para identificar se a reflexão realizada durante a entrevista teria

produzido algum efeito imediato na concepção do entrevistado acerca do seu envolvimento

com o trabalho.

Na aplicação do teste do círculo, tomou-se cuidado para que a mesma instrução fosse dada em

cada uma das suas etapas, a fim de evitar distorções. A orientação transmitida verbalmente

pela entrevistadora para todos entrevistados foi a seguinte:

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Na ficha anexa são apresentados sete quadros, cada um com dois círculos. Um círculo representa o “trabalho em geral”, e o outro círculo representa você próprio. Os círculos sobrepõem-se em diferentes proporções. No primeiro quadro, os círculos estão totalmente separados, representando “você totalmente separado do trabalho em geral”. No outro extremo (quadro 7), os dois círculos estão totalmente sobrepostos, representando que “você está totalmente envolvido com o trabalho em geral”. Escolha o quadro que representa mais acuradamente, ou seja, com mais precisão e da melhor forma, a sua relação com o trabalho.

QUADRO 7

Comparativo de resultados do “teste do círculo” Ocupação do Entrevistado Vínculo Escolaridade

(série/grau) 1º teste 2º teste

1 Faxineiro Assalariado com carteira Básica (3ª /1º) 5 7

2 Auxiliar de Escritório Assalariada com carteira Básica (3ª /2º) 6 3 / 4

3 Gari Assalariada com carteira Básica (2ª /2º) 3 1

4 Consultor de Vendas Assalariado com carteira Superior 6 / 7 7

5 Recepcionista Assalariado com carteira Superior 3 / 4 2 / 3

6 Médica Assalariada com carteira Superior 7 7

7 Empregada Doméstica Assalariada sem carteira Básica (8ª /1º) 6 6

8 Taxista Empregado sem carteira Básica (8ª /1º) 6 7

9 Psicóloga 1 Assalariada sem carteira Superior 4 5

10 Economista Assalariado sem carteira Superior 4 4

11 Vendedor Autônomo Básica (7ª /1º) 4 / 5 5

12 Professor de Capoeira Autônomo Básica (3ª /2º) 7 7

13 Representante Comercial Autônomo Básica (3ª /2º) 7 7

14 Terapeuta Autônoma Superior 7 7

15 Revisora Autônoma Superior 4 / 5 5

16 Psicóloga 2 Autônoma Superior 5 4 / 5

17 Desempregado A - Básica (3ª /2º) 3 6

18 Desempregada B - Básica (3ª /2º) 7 4

19 Desempregado C - Básica (7ª /1º) 7 6

20 Desempregado D - Superior 1 7

21 Desempregada E - Superior 4 4

22 Desempregado F - Superior 1 1 / 7

23 Dona-de-casa - Básica (3ª /2º) 7 6

24 Padre - Superior 7 7

É interessante registrar que alguns interpretaram os círculos de forma diferenciada: como

fases da lua (Representante Comercial); também como fases da lua, mas presumindo de

imediato que era o círculo à direita, com borda negritada, que se sobrepunha ao da esquerda

(Revisora); ou em plano tridimensional (Economista, que representou sua explicação com o

seguinte gesto: depois de unir os dedos polegar e indicador de cada mão em forma de elos, fez

o entrelaçamento dos dois – o que resultou em um círculo dentro do outro e não, em um

círculo sobre o outro).

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Conforme apresentado no QUADRO 7, dos 24 entrevistados, oito mantiveram a sua opinião

sobre sua relação com o trabalho: a Médica, a Empregada Doméstica, o Economista, o

Professor de Capoeira, o Representante Comercial, a Terapeuta, o Padre e a Desempregada E.

Ao se buscar alguma conexão entre esses oito, a única preponderância que se percebe é que

seis deles foram posicionados nos quadrantes 1 e 2 do DIAGRAMA 5, correspondentes ao

trabalho associado ao sacro ofício. Isso poderia indicar uma relação mais consciente e

harmoniosa com o trabalho, mas são necessários mais estudos para tal afirmação, já que os

dados coletados nesta pesquisa não são suficientes para comprová-la.

Os demais 16 entrevistados variaram a classificação, sendo que, depois da reflexão estimulada

pela entrevista, nove deles passaram a se ver mais próximos do trabalho e com ele envolvidos

e sete se sentiram mais afastados e menos envolvidos em relação a ele. Também não se

percebeu qualquer similaridade entre as opções e alternâncias, o que aponta para uma não-

influência do vínculo ou da escolaridade nessa mudança de percepção.

A Psicóloga 2, no primeiro teste, questionou se a aproximação dos círculos se referia ao

número de horas trabalhadas ou à percepção do envolvimento, tendo sido a solução para a

dúvida deixada a seu critério. No segundo teste ela respondeu que se sente transitando por

todos os lados. É muito misturado: às vezes, numa simbiose; às vezes separa um pouco,

ganhando individualidade. Fica num movimento assim, dependendo da época. Esse

comentário aponta para a dimensão da materialidade, já que para ela a importância do

trabalho e a sua entrega a ele não se modificam em função da tarefa que executa. Outro tipo

de dissonância, também segregando materialidade e valor, foi sugerida na resposta do

Desempregado F. Depois de, no primeiro teste, ter se localizado no estágio 1 (onde os

círculos estão mais distantes), no segundo respondeu: Esse aqui é o meu trabalho com o

mundo (falando com firmeza e apontando para o mesmo estágio 1). E esse é o meu trabalho

com Deus, é o sete! (completou, emocionado).

Depois do segundo teste do círculo e em um tom mais informal, a pesquisadora perguntou a

todos os entrevistados se já haviam alguma vez parado para avaliar suas próprias vidas, como

naquele momento, numa retrospectiva da trajetória do trabalho, e se tinham gostado da

entrevista. A resposta foi unânime no sentido da eficácia, importância e ineditismo dessa

pausa para reflexão acerca da vida e do trabalho proporcionada pela entrevista, com algumas

variantes:

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- Quatro afirmaram nunca terem pensado nisso antes da entrevista: o Faxineiro (Não, não sei

pensar muito não), o Taxista, o Desempregado C e a Gari (A gente não pensa nessas coisas.

Faz. Nem tem que pensar, senão não faz);

- Alguns mencionaram nunca terem pensado sobre o assunto de maneira tão ampla quanto

haviam acabado de fazer: o Economista, a Psicóloga 1 (Não, às vezes eu paro e penso, mas

não numa história completa como a gente tá fazendo), a Empregada Doméstica, o Professor

de Capoeira, o Representante Comercial, a Revisora (me fez pensar desde a hora que fui

convidada para responder), a Desempregada E (foi ótimo para organizar melhor as idéias e

ajudar a superar o trauma que passei com a demissão desrespeitosa) e o Recepcionista (Foi

uma boa oportunidade de ver o que tem surgido na minha vida);

- Outros obtiveram nova visão de si mesmos e do trabalho: Auxiliar de Escritório (Ao

repensar, me vi diferente), Médica (Não. Tanto que, antes, pensava que a parte financeira

fosse mais importante; mas, fazendo essa revisão, vi que o significado do trabalho é mesmo

ocupar a vida com uma coisa útil) e Desempregada B (Fez pensar diferente no que está

acontecendo);

- Alguns destacaram também a sensação positiva que sentiram enquanto falavam de si:

Consultor de Vendas (Essa conversa foi melhor do que a terapia que estou fazendo),

Vendedor (Me senti livre enquanto estava falando. Foi bom, deu pra dar uma organizada.

Sabe que eu nunca tinha parado para pensar por que eu trabalho? Foi um momento

mágico, onde eu vi a minha vida passando como em um filme), Desempregado A (Tenho

pensado, mas hoje foi bom. Sei lá, você tira aquela coisa que fica abafada. As pessoas não

gostam muito de escutar), Desempregado D (Foi muito importante, foi uma catarse),

Desempregado F (Foi emocionante a entrevista. Revi minha vida e a minha fé depois que

aceitei Jesus), Dona-de-casa (Para mim foi até uma terapia. Foi ótima. Desliguei do mundo

e olhei pra mim. Pude parar para pensar em tudo isso, tão detalhado), Padre (Foi muito

interessante rever a vida e refletir sobre as ações diárias, coisa que o tempo justo atual

pouco permite) e a Psicóloga 2 (A entrevista é só essa? É que tenho tanta história pra

contar... Sempre penso, burilo muito isso do trabalho, do amor e do lazer nas minhas

reflexões, mas pra mim, hoje, foi uma viagem. Agora, se tivesse que parar em cada porto,

duraria mil e uma noites);

- Apenas uma entrevistada afirmou refletir constante e profundamente sobre o assunto: Penso

sempre sobre a vida e a conexão maior e o trabalho integrado a ela. Essa conversa foi

mais um meio de me rever e de levar adiante essa mensagem de integralidade e elevação do

ser (Terapeuta).

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Todas essas declarações indicam que, de imediato, a entrevista propiciou a reflexão.

Reforçando esse resultado, nas semanas subseqüentes alguns entrevistados deliberadamente

contataram a pesquisadora para informá-la de que haviam tomado atitudes que, se não

totalmente deflagradas por aquela auto-avaliação, foram no mínimo por ela influenciadas. A

Psicóloga 1 tomou coragem e pediu demissão do trabalho que tanto a fazia sofrer. A

Empregada Doméstica terminou o relacionamento com o Desempregado C, acusando-o de

não querer trabalhar para crescer na vida. Depois de pensar na entrevista, comecei a

enxergar outras coisas, tentei abrir os olhos dele, mas ele não quis. Finalmente descobri

quem ele era. O Consultor de Vendas reavaliou seus objetivos de carreira frente às três

ofertas de trabalho que tinha recebido nas vésperas da entrevista, optando por permanecer na

empresa em que já trabalhava, e divorciou-se, buscando mais autonomia e liberdade para suas

ações. O Economista, que também estava avaliando duas propostas que recebera de

diferentes áreas do mesmo setor público em que já trabalhava, reivindicou uma terceira e foi

promovido a Superintendente, finalmente obtendo o reconhecimento externo. O

Representante Comercial declarou que a entrevista e a reflexão por ela propiciada mudaram a

forma de encarar o próprio trabalho.

A consecução desse objetivo corroborou a assertiva de Freire (2004), que afirma que quanto

mais alguém se assume como é e percebe a ou as razões de ser de determinada forma, mais se

torna capaz de mudar.

4.1.6 Outros temas relacionados ao trabalho surgidos nas entrevistas

Durante as entrevistas emergiram outros temas que, embora não sejam o foco desta pesquisa,

são relevantes e essenciais para a compreensão do significado do trabalho, pela influência que

exercem nas dimensões tanto da materialidade quanto do valor. Alguns dos tópicos citados

foram estimulados pela própria pauta, tais como primeiro trabalho, diferença entre lazer e

trabalho, quanto e como se pensa no trabalho enquanto se está no lazer, de quem seria a culpa

do desemprego, se o entrevistado escolheria novamente a mesma atividade e se continuaria

trabalhando caso ganhasse na loteria. Outros entretanto foram espontaneamente mencionados,

como sofrimento, injustiça, insegurança e individualismo nas relações de trabalho, mudanças

no perfil do trabalho e do trabalhador, além de amizade e influência das redes de

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relacionamento. Em nenhum desses temas, as variáveis intervenientes escolaridade e vínculo

representaram fator de convergência ou divergência de opiniões.

É interessante perceber que praticamente todos os entrevistados associaram o primeiro

trabalho à primeira atividade remunerada, mesmo que o trabalho tenha assumido outros

significados no decorrer da carreira e com a maturidade de cada sujeito. Ressalta-se que a

entrevistadora teve o cuidado de enfatizar que a pergunta se referia à primeira atividade que o

entrevistado havia considerado como trabalho, para evitar que este a associasse, de imediato,

com o primeiro emprego ou trabalho formal. As únicas exceções foram o Desempregado C

(que nunca trabalhou) e o Representante Comercial. Este, além de mencionar a brincadeira de

vender pequenas mercadorias à porta de casa quando tinha sete anos, associou a primeira

atividade considerada trabalho à preparação para trabalhar, que foi o curso de datilografia,

porque foi com dedicação que fiz o curso. Isso sugere que, para ele, o trabalho exige

dedicação; logo, no seu enfoque, essa é uma qualidade que diferencia o trabalho das demais

atividades.

A propósito dessa distinção entre trabalho e demais esferas, principalmente entre trabalho e

lazer, perguntou-se aos entrevistados se eles consideram que têm lazer e se pensam no

trabalho enquanto estão no lazer. Note-se que se busca a resposta sob o ponto de vista de

cada um e não, sob a avaliação de qualquer padrão predeterminado. As respostas à primeira

questão podem ser sintetizadas com a seguinte classificação:

- Entrevistados que consideraram que têm lazer – Médica, Recepcionista, Psicóloga 2,

Empregada Doméstica, Economista, Psicóloga 1, Vendedor, Professor de Capoeira,

Representante Comercial, Revisora, Terapeuta e desempregados C e F. A Psicóloga 2

destacou, parafraseando De Masi (2000), que até o ócio é criativo. É tudo integrado, nada

é estanque. O Professor de Capoeira, confirmando sua integração total com o trabalho,

disse: Meu lazer é capoeira. Quando eu tô nela, eu tô constantemente num lazer; apesar

que tudo que vira rotina vai estressando, vai cansando.

- Entrevistados que consideraram que têm apenas um pouco de lazer – Auxiliar de Escritório,

Taxista, Gari (que trabalha mais para completar a receita e só depois se diverte), Padre e

Dona-de-casa. Esta última reclamou que tem de reivindicar seu tempo de lazer: O meu

marido me cobra e fala: “puxa vida, a única hora que você tem pra ficar com a gente você

vai ler?”. Então eu fico às vezes triste, porque eu fico assim pensando: “puxa vida, mas é

um tempo meu, eu tenho direito”.

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- Entrevistados que consideraram que não têm lazer – Faxineiro (que afirmou que, quando sai

do trabalho, apenas descansa), Consultor de Vendas e desempregados A, B, D e E. Os

desempregados atribuíram a ausência de lazer às dificuldades financeiras que, por sua vez,

agravam o estado emocional: A gente perde a alegria sim... isso aí perde. Hoje, quando eu

vou ao shopping, não vejo as mesmas lojas mais. Você come uma pizza, não tem o mesmo

sabor [...] isso muda. Eu acho que, quanto mais consciência a gente tem da situação [de

desemprego e de incerteza quanto à sua duração]¸ mais isso pesa pra gente (Desempregada E).

Quanto à pergunta se o entrevistado pensa no trabalho enquanto está fora dele ou no seu lazer,

os resultados indicam que para a maioria as esferas se interpõem, seja deliberadamente, como

no caso dos que as integram por prazer, seja involuntariamente. As respostas podem ser

agrupadas da seguinte forma:

- “Não penso” – a Gari (de jeito nenhum!), Economista, Taxista, desempregados C e F e

Dona-de-casa. A resposta da Dona-de-casa confirmou as análises de Carvalho et al.

(2002), De Masi (2000), Freitas (1997), Lima (1996) e Tonelli (2001) a respeito das

mulheres que cuidam da família e para quem o emprego serviria de fuga ao cansaço do lar

(o inverso de quem trabalha fora e busca em casa o descanso). Embora não trabalhe fora,

nas atividades externas ela se desliga totalmente: em casa eu sou uma, totalmente diferente

da que está na rua, porque aí eu não estou estressada. Entretanto, do subtexto emergiu a

permeabilidade entre as duas esferas, quando informou que, quando sai com seus amigos:

às vezes comento com o pessoal: “por que esse clima gostoso a gente não leva pra casa?”.

- “Penso um pouco” – Recepcionista.

- “Penso” – Auxiliar de Escritório (infelizmente, eu penso), Faxineiro (o tempo todo),

Consultor de Vendas (Sim, por isso que eu disse que eu trabalho mais horas por dia do que

as doze só), Médica (Ah, muito, inclusive sobre como resolver as coisas que me irritam no

meu trabalho e ao mesmo tempo ficar sem saída), Empregada Doméstica (Penso,

principalmente nas férias, sinto falta, dá saudade. Se não fosse o cansaço, nem férias eu

pegava. Eu pego porque sou humana, e a gente cansa. Quando a gente faz o que gosta, no

dia que ganho folga, às vezes até esqueço e acordo naquele mesmo horário!), Psicóloga 1

(Penso. Apesar de não ficar impressionada, tem muitos casos até que eu acho interessantes.

Então, às vezes tenho que me controlar pra não ficar contando pras pessoas), Vendedor,

Professor de Capoeira, Representante Comercial, Revisora (Penso no trabalho como

obrigação, como tarefa a cumprir – o que corrobora a idéia de que para ela trabalho é

sacrifício e obrigação), Psicóloga 2, Terapeuta, Padre e os desempregados A, B, D e E (que

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dizem pensar o tempo inteiro em conseguir trabalho ou na sua condição de não ter

trabalho).

A respostar do Padre confirmou o que foi exposto no Referencial Teórico desta pesquisa

acerca do “novo trabalho e novo trabalhador”: Penso. Acho que este é um grande desafio dos

dias atuais. Vivemos em função do trabalho. O retorno à casa leva muitos a continuar seus

trabalhos. A própria informática e as exigências do mercado de emprego impõem isto à

sociedade. Não deveria ser assim, mas também acontece comigo. Fico ansioso, querendo

terminar tudo logo, olhando pra frente, vendo que tem muito mais por realizar.

A Terapeuta apresentou uma visão peculiar sobre lazer e trabalho. Ao ser perguntada se

existe diferença entre os dois, ela respondeu que sim, sem no entanto menosprezar uma ou

outra atividade. A segregação entre elas é sutil: Sim... por causa da jornada, do compromisso

com as pessoas. Isso é medido no tempo linear31. O trabalho tem esse compromisso com o

outro, tem de ter planejamento. Mas trabalho para mim vem de uma forma mais leve.

Depois que ele acaba, volto para mim. O trabalho é muito prazeroso, mas no intervalo entre

um e outro, tiro um tempo para mim, nesse tempo circular, onde acordo na hora de acordar,

como na hora que o corpo quer comer. O mercantilismo oprime: não se tem tempo livre,

tudo é imposto. Esse tempo linear afasta o homem de si próprio. Aí vem a insatisfação com o

trabalho, e ele joga a culpa no trabalho; aí sai do trabalho sagrado, desconecta-se da

Grande Força que rege tudo. Neste trabalho sagrado, você lida com o inesperado e o

inusitado o tempo todo, pois você está a serviço do que está fazendo, a serviço do Maior.

Ainda sobre o próprio trabalho, vale registrar que, ao serem perguntados se escolheriam

novamente a mesma atividade, 12 afirmaram que sim (Faxineiro, Gari, Consultor de Vendas,

Recepcionista, Empregada Doméstica, Professor de Capoeira, Revisora, Psicóloga 2,

Terapeuta, Dona-de-casa, Padre e Médica), três disseram que prefeririam outra atividade

(Economista, Vendedor e Representante Comercial) e três manifestaram dúvida (Auxiliar de

Escritório, Taxista e Psicóloga 1). No caso dos desempregados, essa questão não foi incluída,

por não terem como fazer essa opção. Embora a classificação por escolaridade e vínculo

também não tenha interferido na determinação das respostas, a Gari, o Faxineiro e a

Empregada Doméstica disseram que escolheriam novamente a mesma atividade, por achar

que não têm capacidade para tentar outra devido a sua pouca escolaridade (respectivamente, 31Para a terapeuta, o tempo linear é o regido pelo relógio criado pelo homem e está em oposição ao tempo

circular, que corresponde ao ciclo cicladiano (de circa diem, o ciclo de um dia) e é comandado pelo relógio biológico, ou seja, pelas necessidades físicas do indivíduo.

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2ª série do 2º grau e 3ª e 8ª séries do 1º grau). Essa afirmação sugere alguma relação com os

fatores que atuam na materialidade do trabalho e construção do significado do trabalho na

idade adulta – a auto-estima e a auto-imagem –, já que os três não se sentem com valor

suficiente ou merecedores de situações melhores. A Gari, nesse ponto, ressaltou o não-

reconhecimento social do valor de sua atividade e a invisibilidade ou depreciação do sujeito

em relação à profissão: Gari é sem valor. Muita gente critica, né? Não reconhecem, acham

que lixeiro não tem valor e olham estranho, nem vêem, mesmo que esteja aqui todo dia.

Logo após a questão sobre uma possível re-opção pela mesma atividade, perguntou-se se o

entrevistado continuaria trabalhando caso ganhasse muito dinheiro na loteria – o suficiente

para viver confortavelmente, sem preocupações financeiras. Aos desempregados perguntou-

se se continuariam a procurar emprego. Essas perguntas, assim formuladas, isolaram o fator

econômico do trabalho, dando margem à explicitação de seus outros significados. O resultado

obtido foi o seguinte:

- onze entrevistados continuariam trabalhando na mesma atividade: Padre, Dona-de-casa,

Terapeuta, Psicóloga 2, Professor de Capoeira, Empregada Doméstica, Recepcionista,

Consultor de Vendas, Faxineiro e desempregados C e E (que permaneceriam sem querer

assumir um trabalho constante e/ou formal);

- oito entrevistados continuariam trabalhando parcialmente, com menos obrigação e pressão:

Médica, Revisora, Representante Comercial, Vendedor, Psicóloga 1, Economista, Taxista

(só para preencher o dia) e Desempregado A (que completou, dizendo que iria estudar e

fazer universidade também);

- cinco entrevistados parariam de trabalhar ou de procurar emprego e/ou arranjariam alguma

atividade paralela, sem compromisso (como cuidar de uma roça ou ajudar pessoas

carentes): Gari, Auxiliar de Escritório e desempregados B, D e F.

Em termos percentuais, tais respostas indicam que 79,20% dos entrevistados continuariam

trabalhando – seja integral (45,85%) ou parcialmente (33,35%) –, enquanto 20,80%

abandonariam suas atividades atuais. Esses resultados assemelham-se aos encontrados por

Morse e Weiss, cuja pesquisa, feita em 1995 e na qual se incluiu a mesma pergunta, revelou que

80% dos entrevistados permaneceriam trabalhando caso ganhassem na loteria (SANTOS, 1992).

Em relação ao trabalho como elemento para estabelecer relações interpessoais, embora alguns

entrevistados tenham-no considerado um meio para contactar pessoas (Consultor de Vendas,

o Taxista, o Vendedor, o Representante Comercial, os desempregados A e D e o Padre),

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apenas a Psicóloga 1 e o Recepcionista mencionaram diretamente a questão da amizade no

trabalho. Ela reconhece que o local de trabalho é um lugar de conhecer a si próprio, de fazer

relacionamento e de ter relação com outras pessoas, fazer amizades. Mas, mesmo assim, o

Recepcionista fez a seguinte ressalva: Eu sempre fiz grandes amigos no meu ambiente de

trabalho, mas isso sempre ficou para segundo plano.

Esse distanciamento dos relacionamentos remete à fragilidade das relações sociais nessa

sociedade múltipla, fragmentada e imediatista a que se referem Carvalho et al. (2002), Freitas

(1997), Quintaneiro et al. (2003), Sennett (2001, 2003) e Tonelli (2001). Além disso, diante

da concorrência acirrada e da insegurança quanto à estabilidade nos empregos e nas atividades

exercidas, alguns indivíduos tendem a colocar os seus interesses pessoais acima dos

relacionamentos. Essa tendência é bem ilustrada no relato que um dos entrevistados fez sobre

uma situação extrema ocorrida na empresa em que trabalha: O Presidente morreu. No velório

o povo não lamentava a morte dele não, só pensava em si mesmo... o que vai ser de nós? O

novo presidente é um cavalo, agressivo, pisa em todo mundo, não tem explicação... só ao vivo

para entender!

Uma outra faceta do conhecimento e do relacionamento no local de trabalho foi delineada por

comentários do tipo: Ela se achava refém de mim, porque eu tinha sido indicado(a) por uma

pessoa da Diretoria (entrevistado(a) de nível básico); Fui jogar bola com um fulano que eu

nem conhecia, mas um lá me convidou. Perguntaram onde eu trabalhava, eu disse que estava

esperando uma vaga naquela empresa... então falaram: “você procura amanhã o setor de

recrutamento que nós vamos arrumar uma vaga para você” (entrevistado de nível superior).

Declarações como essas indicam que parte dos relacionamentos adquiriu novos contornos,

reproduzindo a estrutura das redes empresariais e das alianças estratégicas voltadas para a

otimização de resultados, citadas por Castells (2003) e Cunha e Todero (2003). O comentário

do Representante Comercial foi objetivo ao desvelar essa interconexão: naquela época a

gente tinha que ir atrás de pessoas com poder, com algum poder de decisão para poder dar

uma força. Como hoje: acho que 80% dos empregos requerem indicação. A declaração de

um elemento do nível básico, referindo-se à contratação de uma Gerente de Recursos

Humanos, expôs essa prática: Quem arrumou pra ela? Foi o primeiro emprego da vida dela,

ela começou a trabalhar então com 36, 37 anos. O pai dela deve ser velho, muito velho, mas

foi companheiro de pescaria do presidente [da empresa a que se referia]. E ele colocou ela lá

dentro e ela não tinha experiência nenhuma!

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Sobre a questão da mudança no perfil do trabalho, do trabalhador e da demanda do mercado,

todos os entrevistados, com exceção do Padre – que tem vínculos diferenciados com a

instituição que representa (a Igreja Católica) – , trouxeram à baila a sensação de inadequação

ou insegurança. Foram citados assuntos como empregabilidade, necessidade de mais estudos,

poucas oportunidades, grandes exigências dos empregadores, além da quase extinção de

empregos nos moldes dos séculos XIX e XX, quando se vislumbrava a possibilidade de fazer

carreira ou aposentar-se com dignidade. O Consultor de Vendas afirmou que o trabalho

como um todo está caminhando para informalidade, autonomia e contratação temporária. A

Terapeuta reforçou que esse tipo de emprego de carteira assinada tende a acabar, e as

pessoas estão indo para a depressão porque perdem a garantia.

Além de se abordar o problema do desemprego, também foi perguntado aos entrevistados a

quem eles atribuíam a culpa por essa situação. As respostas foram intensas, e algumas,

carregadas de ressentimento. Embora diversificadas, elas foram agrupadas por similaridade

da responsabilidade atribuída, destacando-se algumas pelo seu teor crítico ou autocrítico:

- “Do governo” – Gari, Empregada Doméstica, Vendedor, Desempregado A (que também

incluiu a globalização) e Representante Comercial (que também a atribuiu às próprias

pessoas);

- “Dos empregadores” – Desempregado B (os empregos exigem muitos cursos, e as pessoas

não têm condições de fazer), Desempregado D e Dona-de-casa (falta qualificação das

pessoas para o mercado. Para os bons profissionais, o lugar deles está reservado);

- “Da globalização” – Desempregado A e Médica (não tem emprego para todo mundo e cada

vez vai ter menos);

- “Do sistema” – Padre (de uma sociedade organizada para ter e não, para partilhar; o

sistema neo-liberal privilegia quem tem e é altamente excludente), Psicóloga 1, Professor

de Capoeira (destacando a falta de base, de educação), Recepcionista, Psicóloga 2,

Consultor de Vendas (também a atribuindo à própria pessoa) e Economista (Sou

economista, então a culpa é da economia. Mas tá faltando empregado. A culpa é das

pessoas:está cheio de analfabeto funcional, que sabe ler, escrever, assinar o nome, pode

ser até prefeito da cidade, mas na realidade não sabe interpretar um texto. Tem de ter um

exército de reserva para segurar o valor do salário: não faz greve,porque tem um monte de

gente desempregada);

- “De outras pessoas” – Revisora (que a atribuiu à ganância das pessoas que detêm os meios

de produção. Se eles podem ganhar mais com menos e distribuir menos, oba! Acho que

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eles não têm esse cuidado com a comunidade. Globalização seria tornar a coisa boa pra

todo mundo ou ruim pra todo mundo, mas está tendo efeito contrário), Desempregado F e

Desempregada E (para quem a responsabilidade é das pessoas, da índole das pessoas e do

que elas fazem na hora que elas estão no poder, com que objetivo chegam ao poder);

- “Das próprias pessoas” – Faxineiro, Auxiliar de Escritório, Economista, Consultor de

Vendas, Representante Comercial, Terapeuta e Desempregado C;

- “Não sei” – Taxista.

Um dos entrevistados de nível superior, que se considera muito trabalhador e para quem o

trabalho é essencial, iniciou sua fala atribuindo a culpa ao sistema depois, modificando seu

discurso, direcionou-a para as próprias pessoas, o que sugere uma certa intolerância com

quem tem condutas diferentes da sua: Fator cultural, baixo nível de escolaridade, falta de

incentivo à cultura. As pessoas não querem trabalhar, falta vontade de trabalhar. Trabalho

tem, mas as pessoas têm uma preguiça desgraçada. Tem muita gente que quer emprego e

não, trabalho.

Tal qual na questão levantada pelo Desempregado B sobre a iniciativa de estudar, alguns

atribuíram a culpa pelo desemprego a agentes externos, minimizando sua própria

responsabilidade sobre essa condição ou eximindo-se dela. Outros, independente de estarem

ou não trabalhando no momento da entrevista, tenderam a tomar para si essa responsabilidade

– por vezes agravada por sentimentos difusos de culpa ou ressentimento por não terem

estudado mais e/ou não conseguirem coisa melhor.

Concluindo essa questão da responsabilidade pelo desemprego, a Terapeuta novamente

demonstrou suas visões holística e do trabalho enquanto sacro ofício:

A culpa é de cada um, do distanciamento do dom. O dom não tem nada a ver com aptidão e vocação, está ligado ao jeito de você fazer algo que vem do coração, que está recheado de sentido humanitário, onde o outro é co-dependente no sentido de interagir. Você não está fazendo para o outro, mas com o outro. Aí ele se sente importante, resgata sua auto-estima, acredita nele. Eu não sou alienada, mas vejo que grande parte das pessoas não procura seus ofícios, seus dons. [...] Às vezes você briga com o externo, põe a culpa no exterior para não ter de entender sua vida.

Dentre os assuntos que surgiram espontaneamente, os mais citados foram as injustiças e a

desumanização das “leis de mercado” e os conflitos delas decorrentes. Somente dois

entrevistados – de subgrupos diferentes – não fizeram alusão direta a eles: o Faxineiro e o

Desempregado C.

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Primeiramente, como já mencionado, há confusão no entendimento das características que o

mercado de trabalho demanda, o que se comprova nas seguintes declarações: Não dá pra

entender o que o povo está olhando, se é esforço, se é cor que influi; às vezes deixa

transparecer que é a cor que influi. Infelizmente o Brasil é um pouco racista, né?

(Desempregado A); Então você entra às vezes em alguns conflitos por causa das exigências

do mercado e da concorrência desleal dos colegas de trabalho (Recepcionista). Alguns

entrevistados, além de confusos, parecem incorporar esse dilema e passam a acreditar que eles

mesmos estão errados ou são inadequados; ou então, para poder se manter onde estão,

simplesmente passam a reproduzir os modelos, sem questioná-los; ou ainda percebem todos

esses conflitos, mas fingem não vê-los, alienando-se para não serem excluídos do sistema e,

assim, minimizar seu sofrimento.

Alguns entrevistados relataram experiências de sofrimento e humilhação, vivenciadas em

conseqüência a condições de materialização do trabalho. Determinados comentários também

apontaram desrespeito e exploração por parte de quem detém o poder econômico ou de quem

o representa, indicando que alguns superiores hierárquicos se sentem no direito de ditar

comportamentos e ações por vezes inadequados, tentando subjugar, controlar ou até

expropriar a subjetividade do trabalhador, o que ilustra a manipulação psicológica no mundo

do trabalho retratada por Heloani (2003). Os depoimentos entrelaçaram-se denotando

também injustiças, insegurança e atitudes pouco éticas já vividas pelos entrevistados e que

muito os afetaram. Julgou-se importante transcrever trechos de algumas entrevistas, em

função do teor da mensagem e/ou da intensidade de emoções que deixaram transparecer:

- Às vezes, pra manter o emprego, as pessoas aceitam qualquer coisa. Eu não aceitaria

(Desempregada B);

- Eu tenho vergonha de errar, perco tempo pensando o que fez aquele erro aparecer, sofro

horrores (entrevistado(a) de nível básico);

- Acabamos escravizados pelo sistema, por um esquema criado pela vaidade de quem tá lá

em cima, onde o que vale é o status contra a essência das pessoas (Professor de Capoeira);

- Às vezes mandam a gente embora para colocar parentes no lugar (Recepcionista; ressalta-se

que o mesmo fato foi relatado pela Auxiliar de Escritório);

- A gente vê profissionais medíocres demais. Incomoda, às vezes, ver umas pessoas

ganhando dinheiros absurdos, talvez porque no meu negócio a coisa tem que ser muito

batalhada (Representante Comercial);

- Eu me sentia muito explorado no emprego com carteira assinada (Vendedor);

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- O trabalho enobrece... o patrão! (Desempregado D);

- Quando você começa a trabalhar, você começa com muito sonho, mas a realidade é muito

cruel com a gente. Mas à medida que o tempo vai passando, a gente vai se conscientizando

que é uma relação de trabalho sob duas óticas: a do empregado e a do empregador.

(Desempregada E);

- E outro que eu achei mais grave foi... uma sindicância que a gente foi fazer e... a

sindicância já veio com a conclusão: a conclusão é essa. Vocês vão fazer a sindicância pra

constar. Você e a advogada. Como psicóloga, fiz o que tinha que fazer, e, à medida que a

gente ia pegando o testemunho das pessoas, ela disse “deixa que eu escrevo”. Aí eu ia

digitando, e a advogada ia é... adaptando o texto. “Não, isso aí você não escreve; não

escreve, porque pode dar confusão”. E aí eu fiquei com muita raiva. Nunca mais eu fiz

isso. Não adianta, que eu não faço. [...] Eu não tinha escolha! Porque eu trabalhava lá,

tive de fazer, né? Mas pedi demissão (Psicóloga 1);

- Ninguém passa por aqui ileso. Paga-se um preço muito caro de trabalhar aqui. A gente vê

muita coisa [...] Então, você tá andando na rua e não vê as coisas mais como costumava

ver. A ingenuidade acabou... (Entrevistado(a) de nível superior);

- A Gerente de Recursos Humanos tinha nojo de gente. Nojo! Tinha horror de operador de

caixa, detestava preto. Como pode? (Entrevistado (a) de nível básico);

- Tinha muitos roubos e negociatas. Tinha o setor que media certo e o setor que media pra

receber. Achei que, com minha inocência, fosse conseguir alguma coisa, mas eu não

consegui nada com aquilo. E lá tinha roubo mesmo! Se a quantidade da medição batesse

com a do controle, tinha alguma coisa errada (Desempregado F). Ele comenta outra

situação, quando lhe foi deixado claro o objetivo do trabalho que o haviam mandado

executar: Disseram pra mim: “Nós estamos aqui pra ganhar dinheiro... se pudermos

ganhar dinheiro e fazer obra, tudo bem. Mas se não... nós vamos ganhar dinheiro”. Essa

dissociação entre o que via e os seus princípios levou-o a um desequilíbrio psicológico

grave, que perdurou duas décadas, deixando seqüelas até hoje;

- A qualidade do trabalho resvala na pessoa, faz mal a ela (Desempregada B);

- A gente convive com muita injustiça no ambiente de trabalho, injustiça salarial, injustiças

de comportamentos: uns podem tudo, outros não podem nada. Isso aí é da vida mesmo

(Desempregado E);

- “O homem é um agente de mudanças”. Ele [o chefe] queria dizer com isso que eu teria de

fazer o que eles queriam, mesmo que estivesse enganando os clientes com contrato leonino.

Eram encontros diários na sala dele para uma sessão de lavagem cerebral. O resultado de

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tanta pressão foi um acidente de carro, que me fez parar durante seis meses e andar de

bengala por mais outro tanto (Entrevistado(a) de nível básico);

- A imagem que se vende da empresa pra fora é muito diferente da realidade interna. Nós [os

empregados] não temos direito a nada (Entrevistado(a) carteira assinada);

- Quem pega serviço às cinco da tarde, na hora que pinta uma vaga, essa pessoa passa para

duas da tarde. A próxima vítima é que vai sofrer aquilo ali. O próximo funcionário, ele

sofre um tempo e depois tem a oportunidade de melhorar, né? Por que vai deixar o novato

entrar em horário bom? (Entrevistado(a) de nível básico. Vale destacar a idéia subjacente

de que o sujeito é vítima do trabalho, de que sempre há um próximo precisando se sacrificar

para trabalhar; logo, vê-se o trabalho como sofrimento).

O seguinte relato de um(a) profissional de nível superior agrega os conflitos tanto das

características que o mercado demanda, quanto da injustiça, da insegurança, do sofrimento e

da humilhação pelos quais se corre o risco de passar em função do cenário atual, já descrito

no Referencial Teórico.

Quando a gente trabalha em empresa grande, como eu já passei pela empresa XYZ, que é uma empresa muito grande, aí você começa a ver o seguinte: o que você é lá dentro? Um número de matrícula, nada além disso. A gente começa a tomar aquela consciência de que não adianta você se dedicar de corpo e alma, dar o seu sangue, você se anular por causa daquilo, daquela empresa, em nome daquela instituição, porque na hora que for conveniente para ela trocar você pelo Manoel, pelo José, ela vai trocar sem dó nem piedade; mesmo que aquela pessoa não ofereça mais vantagens do que você, a empresa vê o empregado somente pelo lado do custo. Dificilmente você tem uma empresa que vê o empregado pelo lado da rentabilidade; geralmente é pelo custo. Então, o que ela visa? Não quer saber se está rendendo mais ou menos, ela quer saber quem custa menos. Fazer render, ela faz na marra depois. Porque basta ameaçar de desemprego, basta chegar para a pessoa e falar:”seu limite é cem, mas eu quero cento e vinte” e ela sabe que a pessoa vai se desdobrar, que os limites do ser humano são de acordo com a situação, com as circunstâncias. Na hora que a gente tiver que render, a gente vai render.

Encerrando-se aqui a análise dos dados coletados na pesquisa, vale então refletir sobre o

desequilíbrio entre os valores de mercado e os valores humanitários e sobre os caminhos

escolhidos pelo Homem para atribuir significado ao seu trabalho, o que será feito no próximo

capítulo.

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5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sacrifício versus sacro ofício e obrigação versus opção são faces de uma mesma moeda

chamada trabalho, que, mais do que de troca financeira, tem um valor específico que denuncia

uma escolha de estilo de vida, atribuindo significado a cada uma das esferas que constróem a

história do sujeito. Mas esse significado não é apenas o declarado, o explícito. Ele pode estar

ligado à não-escolha, à aceitação das condições impostas. Ser o Capitão de indústria32 ou

Redescobrir33 a própria essência é uma escolha que vai além da visão objetiva do indivíduo: é

inerente à subjetividade que influencia o mundo e é influenciada por ele – sujeito de sua

narrativa.

Conhecer e começar a entender esse significado do trabalho para indivíduos com e sem

vínculos trabalhistas e os reflexos desse significado em suas vidas profissional e social foi o

32 VALLE, Marcos; VALLE, Paulo Sérgio. Capitão de indústria. Intérprete: Os Paralamas do Sucesso. In: OS

PARALAMAS do Sucesso. Nove Luas. Rio de Janeiro: EMI, 1996. 1CD. Faixa 5. 33 GONZAGA JR., Luiz. Redescobrir. Intérprete: Elis Regina. In: ELIS Regina. Saudades do Brasil. Rio de

Janeiro: Warner, 1980. 2CDs. Disco II, faixa 10.

CAPITÃO DE INDÚSTRIA Eu às vezes fico a pensar Em outra vida ou lugar Estou cansado demais Eu não tenho tempo de ter O tempo livre de ser De nada ter que fazer É quando eu me encontro perdido Nas coisas que eu criei E eu não sei Eu não vejo além da fumaça O amor e as coisas livres, coloridas Nada poluídas Eu acordo pra trabalhar Eu durmo pra trabalhar Eu corro pra trabalhar Eu não tenho tempo de ter O tempo livre de ser De nada ter que fazer Eu não vejo além da fumaça que passa E polui o ar Eu nada sei Eu não vejo além disso tudo O amor e as coisas livres, coloridas Nada poluídas

REDESCOBRIR Como se fora brincadeira de roda, memória Jogo do trabalho na dança das mãos, macias O suor dos corpos na canção da vida, história O suor da vida no calor de irmãos, magia Como um animal que sabe da floresta, memória, Re-descobrir o sal que está na própria pele, macia Re-descobrir o doce no lamber das línguas, macias Re-descobrir o gosto e o sabor da festa, magia Vai o bicho homem fruto da semente, memória Renascer da própria força, a própria luz e fé, memória Entender que tudo é nosso, sempre esteve em nós, história Somos a semente, ato, mente e voz, magia Não tenha medo meu menino povo, memória Tudo principia na própria pessoa, beleza Vai como a criança que não teme o tempo, mistério Amor se fazer é tão prazer que é como fosse dor, magia Como se fora brincadeira de roda, memória Jogo do trabalho na dança das mãos, macias O suor dos corpos na canção da vida, história O suor da vida no calor de irmãos, magia

X

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objetivo principal desta dissertação. Para atingi-lo, a estratégia foi traçada pelos objetivos

específicos e assim executada: inicialmente procurou-se identificar o significado para os

diferentes trabalhadores selecionados numa amostra bem diversificada (13 homens e 11

mulheres – 12 deles já conhecidos da autora e 12 com os quais nunca tinha tido contato –

ligados a diferentes áreas profissionais, com diferentes opções religiosas e pertencentes a

classes socioeconômicas distintas). À medida que se foi delineando um modelo de análise do

significado do trabalho e avaliando os entrevistados, atingia-se o segundo objetivo, que era

identificar a influência desse significado na conduta pessoal e profissional dos indivíduos.

Depois de considerados os resultados individualizados, passou-se a comparar suas

semelhanças e diferenças, relacionando o conteúdo de cada entrevista com o das demais.

Nesse ponto, então, os dados foram cruzados mediante a separação dos entrevistados segundo

as duas variáveis intervenientes selecionadas: vínculo empregatício e escolaridade, para

atingir, respectivamente, os terceiro e quarto objetivos específicos. Assim, os entrevistados

foram agrupados segundo o vínculo que mantinham ou não com o trabalho: empregados com

carteira assinada, empregados sem carteira assinada, profissionais autônomos,

desempregados, além de dois que mantinham vínculo diferenciado com suas tarefas, a saber,

uma dona-de-casa e um padre. A seguir, desconsiderando-se o vínculo, a amostra foi

novamente subdividida em dois grupos: um composto pelos entrevistados com nível de

escolaridade até segundo grau completo – nível básico –, e outro, pelos com nível superior

completo. Em paralelo à realização das análises, atingiu-se o último objetivo, ou seja, o de

levantar novas reflexões e hipóteses de questões práticas relativas ao dia-a-dia do trabalhador.

Antes de proceder a análise dos dados, discorreu-se, no Referencial Teórico desta dissertação,

sobre a origem do trabalho e suas diversas fases na história até se atingir o cenário atual – um

tanto conturbado, mas com seus pontos positivos. Tanto nessa etapa, quanto na apresentação

da metodologia e na própria análise, procurou-se deixar clara a idéia que já vinha desde o

projeto: tentar entender, na medida do possível, as declarações pela lente do sujeito, com seus

aspectos subjetivos do significado explicitado do trabalho. Entretanto, também houve a

intenção de traçar paralelos com a leitura de um significado implícito compreendido pela

visão da autora, com toda sua carga de subjetividade, reconhecendo-se obviamente o critério

científico de imparcialidade.

Os resultados acadêmicos levaram à sugestão de uma interpretação do significado do trabalho

baseada em vários aspectos: centralidade do trabalho na vida do sujeito, integração do sujeito

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com o trabalho, interferência mútua das diversas esferas da vida e, principalmente, em duas

dimensões – a da materialidade (diretamente ligada às condições objetivas de efetivação do

trabalho e que se modifica em função da situação, podendo variar no decorrer de um mesmo

dia ou de minutos) e a do valor (relacionada à percepção subjetiva e que transcende um

determinado momento vivido e remete a uma compreensão ao longo de um processo maior,

que é a vida).

Em relação às duas variáveis intervenientes – vínculo e escolaridade –, não foi constatado

qualquer padrão de comportamento e de concepção do significado do trabalho que coincidisse

plenamente com esses agrupamentos. Mesmo no que tange à centralidade do trabalho, à

integração do sujeito com o trabalho ou à interferência mútua entre trabalho e demais esferas

da vida não se conseguiu identificar características pertinentes a apenas um dos subgrupos.

Surgiram apenas diferenciações no tocante a condições e forma de execução das tarefas,

comprometimento e expectativa em relação a benefícios e segurança no trabalho, porém mais

relacionadas às características pessoais do entrevistado do que ao tipo de vínculo ou

escolaridade.

A dificuldade – quiçá a impossibilidade – de separar o trabalho como um aspecto insulado da

vida está intrinsecamente relacionada com as duas dimensões que, imbricadas em maior ou

menor grau, compõem o seu significado: a da materialidade, que supre a necessidade de

sobreviver e que depende do dinheiro que geralmente dele advém ou que tem de vir de

alguma outra fonte; e a relacionada aos valores, a ética e a moral, que são do sujeito e dele

indissociáveis em qualquer esfera da vida (trabalho, lazer, família, relacionamentos etc). O

sujeito pode até mudar seu comportamento deliberadamente ou por obrigação para adequá-lo

à situação externa, conflitando ou em consonância com esses seus princípios, mas a sua

essência acompanha-lo-á, por imposição ou por opção, sofrendo ou tendo prazer, onde quer

que vá.

Poderia então o significado do trabalho mudar ao longo da vida do sujeito? Na dimensão

material, com certeza, porque ela é reflexo de como as condições exteriores são percebidas

por cada um. Na dimensão valorativa, ele pode ou não mudar, e, em caso afirmativo, a

mudança geralmente acontece em função de um amadurecimento pessoal que faz com que o

sujeito perceba a vida diferente. Com isso suas prioridades e valores também se modificam,

e, assim, a posição do trabalho e o significado deste na sua vida, podem ser igualmente

alterados.

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Foi interessante (e gratificante) perceber que as intenções de formular novas considerações ou

hipóteses acerca do dia-a-dia do trabalhador e do significado do trabalho e de levar o

entrevistado à reflexão não só foram alcançadas, como superaram as expectativas. Todos os

entrevistados confirmaram que a entrevista propiciou-lhes em maior ou menor grau, uma

reflexão que compreendeu desde a simples organização de idéias e revisão de suas próprias

ações para poder responder as perguntas, até a emoção, a revelação de confidências ou a

catarse. Além disso, 22 dos 24 elementos da amostra – portanto, a sua maioria – ainda

discorreram espontaneamente sobre temas paralelos que os incomodam e interferem

sensivelmente na sua realidade profissional e pessoal: questões relativas ao sofrimento,

injustiça, insegurança e individualismo nas relações de trabalho.

O intuito de provocar a reflexão deve-se ao entendimento da autora de que identificar e

compreender a lógica de determinado processo pode representar um redirecionamento de

atitudes e postura em relação a ele, relativizando-se o sofrimento que eventualmente possa

dele decorrer. Assim, especificamente sobre o significado do trabalho, assumir a

responsabilidade sobre a própria situação poderia ser uma das alternativas para minimizar os

conflitos e eliminar dissonâncias, como por exemplo gostar do trabalho e simultaneamente

criticá-lo ou sofrer por sua causa. É preciso entender a sua dinâmica, a sua estrutura e o seu

significado, para então perceber que se pode estar referindo a dimensões diferentes, sem no

entanto distingui-las. Isso de fato aconteceu, pois além de refletir, cinco entrevistados

tomaram atitudes práticas e concretas no sentido de mudar sua realidade, reforçando a idéia de

serem sujeitos de suas histórias.

Reconhecer e compreender o significado do trabalho para cada indivíduo com o qual se lida

também pode ser uma das formas de incentivá-lo e fazê-lo produzir melhor e, por outro lado,

de fazê-lo se sentir melhor com o que faz e consigo mesmo, numa relação onde todos podem

sair ganhando, cada qual com os fatores que lhes são importantes para formação do seu

próprio significado individual, do significado do seu trabalho e, numa visão mais abrangente e

holística, do significado da vida.

Esta pesquisa buscou um reconhecimento da individualidade, das particularidades de cada um

e do aprendizado de lidar com o outro conhecendo suas expectativas, nivelando o contrato

psicológico e considerando o trabalhador como um indivíduo capaz de atuar e não, como um

mero número ou uma peça de uma engrenagem anônima, fria e coisificada. Também se

espera abrir um caminho, através do estudo empírico do significado do trabalho, para que,

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mesmo em megaempresas onde o número se faz necessário para efetivação de procedimentos

burocráticos, se tenha, por um lado, um rosto humanizado de líderes que reconheçam o

indivíduo-trabalhador e que não sejam fonte apenas de cobrança, mas de direcionamento, e

encontrem-se, por outro lado, liderados que troquem, de forma otimizada e prazerosa, sua

força de trabalho. E, transcendendo essa polaridade, confia-se que ambos não apenas se

reconheçam reciprocamente como seres produtivos, mas – pelo menos e com igual relevância

– se relacionem como seres humanos, com toda a carga de necessidades, emoção,

sensibilidade, prazeres, sofrimentos, expectativas, inputs e outputs que modelam a

subjetividade de cada um e o encontro de todos para um mundo melhor.

Finalmente, toda a execução deste trabalho foi permeada de intenso prazer, integração e de

um objetivo sincero e prioritário de – através da curiosidade ingênua agora transformada em

epistemológica – oferecer subsídios para a reflexão.

Perceba-se que até este ponto a dissertação não havia sido chamada de trabalho. Essa foi

uma medida intencional não apenas para que o vocábulo não se confundisse com o tema em

questão, mas principalmente por não se querer atribuir a ela – à dissertação – um significado,

através da palavra trabalho, que ainda não estivesse claro para esta pesquisadora.

Entendendo-se agora como sujeito que intencional e deliberadamente, em qualquer esfera da

vida, realiza suas atividades – inclusive esta pesquisa – nos extremos do sacro ofício e da

opção, por mais que possam parecer sacrifício ou obrigação, a autora já não se impede de

distinguir esta dissertação com o cunho de trabalho. Porque qualquer ação deve estar

comprometida consigo mesma e com o outro, com responsabilidade, intencionalidade,

envolvimento e determinação – características do trabalho. Porque se entende que essa é a

única forma de agir como ser autêntico e integral, aproveitando intensamente cada

oportunidade que se descortina.

Por isso, dando uma última cartada eu disse: [...]

– No outro dia, perguntei o que o senhor diria a alguém que lhe perguntasse o que o senhor fazia para viver, e o senhor disse que responderia que não faz nada. Mas eu gostaria de algo mais específico. [...]

– [...] Desse modo, tudo é interligado, interdependente. Se você apreciar a natureza interligada de todos os aspectos de sua vida, vai entender como vários fatores (como seus valores, atitudes e estado emocional) podem contribuir para sua sensação de realização no trabalho e para sua satisfação e felicidade na vida.

Por fim tudo fez sentido. Finalmente entendi porque o Dalai-Lama podia afirmar “Não faço nada” ao descrever seu trabalho [...]. Havia uma verdade mais profunda. [...] Ele é alguém que fundiu por completo seu ser com o trabalho. Sua vida pessoal e seu trabalho estavam perfeitamente integrados – tão totalmente integrados que, de

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fato, não havia nenhuma separação entre vida “pessoal”, vida “profissional”, vida “espiritual” e vida “doméstica”. E, como ele não separava um conjunto específico de funções e as relegava à categoria de “trabalho”, ele não tinha trabalho. “Não faço nada”. De fato eu havia me maravilhado muitas vezes com a maneira como ele carrega consigo seu eu inteiro para todos os lugares: ele é sempre o mesmo em qualquer lugar. Ele não tem uma personalidade para o “horário de folga” (DALAI-LAMA, 2004, p. 222-223).

Carpe Diem!34

34 Aproveite o dia! (tradução da autora). Aproveite cada dia, todos os dias! (sugestão da autora).

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TRENKLE, N. O terrorismo do trabalho. Juridikum, Viena, 4p., fev. 1998. Disponível em: <http://planeta.clix.pt/obeco/nbt2.htm>. Acesso em: 27 abr. 2003.

TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 176 p.

VASQUES-MENEZES, Ione. Por onde passa a categoria trabalho na prática terapêutica. In: CODO, Wanderley (Org.). O trabalho enlouquece?: um encontro entre a clínica e o trabalho. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 23-52.

VIEIRA, Adriane. Cultura, poder e identidade nas organizações. Revista da FEAD-Minas, Belo Horizonte, v. 1, n.1, p. 61-75, jan./jun. 2004.

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ANEXOS

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Anexo A - Pauta de entrevista com empregados com e sem carteira, autônomos, dona- casa e padre

Deixar claro que: - nem o entrevistado(a), nem a empresa na qual trabalha – quando for o caso – serão identificados. Será usado

um pseudônimo; - a gravação tem por objetivo apenas facilitar e agilizar a entrevista; - o objetivo do trabalho é apenas acadêmico; - não existem respostas certas ou erradas: o objetivo é apenas conhecer a relação do(a) entrevistado(a) com o

trabalho. Parte I – Perfil do(a) entrevistado(a) (perguntas objetivas para identificá-lo(a)) Idade: Local de nascimento: Sexo: Estado civil: Se tiver companheiro(a), ele(a) também trabalha? Em quê? Filhos: De que idade? Quem mora com você? Cidade/Bairro onde mora: Escolaridade: Profissão: Função e cargo: Religião: Teste do círculo Na ficha anexa são apresentados sete quadros, cada um com dois círculos. Um círculo representa o “trabalho em geral”, e o outro círculo representa você próprio. Os círculos sobrepõem-se em diferentes proporções. No primeiro quadro, os círculos estão totalmente separados, representando “você totalmente separado do trabalho em geral”. No outro extremo (quadro 7), os dois círculos estão totalmente sobrepostos, representando que “você está totalmente envolvido com o trabalho em geral”. Escolha o quadro que representa mais acuradamente, ou seja, com mais precisão e da melhor forma, a sua relação com o trabalho.

I.1 O que é o trabalho para você? I.2 Qual a importância dele na sua vida? Parte II – História de vida e relação com o trabalho (perguntas serão apenas para estimular o(a) entrevistado(a) a falar de si). 1) Conte-me sobre você: como foi sua infância, o que seus pais faziam, onde estudou? 2) Quando você era criança, seus pais falavam sobre trabalho com você? 3) Qual foi a primeira atividade que você realizou, que você considerou como trabalho? 4) Qual foi o seu primeiro emprego (ou trabalho formal) realmente? 5) Fale-me de sua carreira, seus pontos altos e baixos.

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6) Você já ficou desempregado(a) ou sem trabalho alguma época? Como se sentiu? 7) De quem é a culpa pelo desemprego? 8) Qual é o seu trabalho hoje e há quanto tempo está nele? 9) Quantas horas por dia ou por semana você trabalha? 10) Descreva o trabalho que realiza: o que mais gosta e o que menos gosta de fazer. 11) Como é a sua relação com seus colegas e chefes? 12) Você gosta do que está fazendo? Se pudesse escolher, escolheria a mesma atividade? 13) Você tem como descrever quanto esforço você normalmente despende no seu trabalho?

(por esforço entende-se o tanto de energia física e mental e o nível de concentração) 14) Qual a recompensa que você espera obter com o seu trabalho? Você tem obtido? 15) Como você vê o seu trabalho hoje? 16) Você acha que desempenha bem o seu trabalho? O que poderia levá-lo(a) a desempenhar

mal seu trabalho? 17) Se trabalhasse em outra empresa (ou para outra empresa) você acha que o trabalho para

você seria diferente? 18) Você já se sentiu incompetente no trabalho ou tem medo de ser incompetente? Em que

situação? 19) Alguma vez você já fez tarefas das quais discordava ou foi o (a) mandaram executar algo

que você não seria capaz de mandar fazer? Como se sentiu e por que executou? 20) O que é mais importante para você no trabalho? 21) O que você perderia se não estivesse trabalhando? (ou, o que você ganharia se estivesse

trabalhando? 22) Como sua família vê o seu trabalho hoje? 23) Quando você não está trabalhando, o que costuma fazer? 24) Você tem algum tempo que considera para lazer? 25) Você pensa no seu trabalho nas horas livres? 26) Qual sua relação com sua comunidade e com a religião? Você participa de outras

organizações, como clubes, entidades religiosas, grupos artísticos, clubes de futebol, partido político, entidade ecológica, sindicatos, grupos raciais? Eles são mais ou menos

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importantes que seu trabalho? Como avalia o seu papel ocupacional em relação a outros papéis de vida (família, religião, lazer)?

27) O que mudou para você em relação ao trabalho e à família, comparando o início de sua

carreira e seu estágio atual? 28) O que você passa para seus filhos sobre trabalho? 29) Caso você herdasse ou ganhasse dinheiro suficiente para viver confortavelmente,

continuaria trabalhando? (Tentar obter especificação: sim, não, no mesmo trabalho ou em outro?)

30) Se você tivesse que definir o seu trabalho hoje, em poucas palavras, como o faria? 31) Você se sente realizado(a) no seu trabalho? 32) Quais são os seus planos para o futuro? 33) Então, o que significa o trabalho para você? (Insistir na pergunta, para terminar a

entrevista e contrapor com a pergunta inicial).

Aplicar teste do círculo novamente.

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Anexo B – Pauta de entrevista com desempregados

Deixar claro que: - nem o entrevistado(a), nem a empresa na qual trabalha – quando for o caso – serão identificados. Será usado

um pseudônimo; - a gravação tem por objetivo apenas facilitar e agilizar a entrevista; - o objetivo do trabalho é apenas acadêmico; - não existem respostas certas ou erradas: o objetivo é apenas conhecer a relação do(a) entrevistado(a) com o

trabalho. Parte I – Perfil do(a) entrevistado(a) (perguntas objetivas para identificá-lo(a)) Idade: Local de nascimento: Sexo: Estado civil: Se tiver companheiro(a), ele(a) também trabalha? Em quê? Filhos: De que idade? Quem mora com você? Cidade/Bairro onde mora: Escolaridade: Profissão: Religião: Teste do círculo Na ficha anexa são apresentados sete quadros, cada um com dois círculos. Um círculo representa o “trabalho em geral”, e o outro círculo representa você próprio. Os círculos sobrepõem-se em diferentes proporções. No primeiro quadro, os círculos estão totalmente separados, representando “você totalmente separado do trabalho em geral”. No outro extremo (quadro 7), os dois círculos estão totalmente sobrepostos, representando que “você está totalmente envolvido com o trabalho em geral”. Escolha o quadro que representa mais acuradamente, ou seja, com mais precisão e da melhor forma, a sua relação com o trabalho.

I.1 O que é o trabalho para você? I.2 Qual a importância dele na sua vida? Parte II – História de vida e relação com o trabalho (perguntas serão apenas para estimular o(a) entrevistado(a) a falar de si). 1) Conte-me sobre você: como foi sua infância, o que seus pais faziam, onde estudou? 2) Quando era criança, seus pais falavam sobre trabalho com você? 3) Qual foi a primeira atividade que você realizou e que considerou como trabalho? 4) Qual foi o seu primeiro emprego (ou trabalho)? 5) Fale-me de sua carreira, seus pontos altos e baixos.

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6) Você já havia ficado desempregado(a) ou sem trabalho em outra ocasião? Como se sentiu?

7) O que faz para sobreviver? 8) Como vê a sua situação hoje? 9) De quem é a culpa pelo desemprego? 10) Você já se sentiu incompetente no trabalho ou tem medo de ser incompetente? Em que

situação? 11) Alguma vez você já fez tarefas das quais discordava ou já o(a) mandaram executar algo

que você não seria capaz de mandar fazer? Como se sentiu e por que executou? Hoje você as faria novamente?

12) Como sua família vê a sua falta de trabalho hoje? 13) O que costuma fazer atualmente? 14) Você tem algum tempo que considera para lazer? 15) Nas horas de lazer você pensa num possível trabalho? 16) Qual sua relação com sua comunidade e com a religião? Você participa de outras

organizações, como clubes, entidades religiosas, grupos artísticos, clubes de futebol, partido político, entidade ecológica, sindicatos, grupos raciais? Como avalia o seu papel ocupacional em relação a outros papéis de vida (família, religião, lazer)?

17) O que mudou para você em relação ao trabalho e à família, comparando o início de sua

carreira e seu estágio atual? 18) O que você passaria para seus filhos sobre trabalho? 19) Caso herdasse ou ganhasse dinheiro suficiente para viver confortavelmente, você

continuaria procurando trabalho? (Tentar obter especificação: sim, não, em quê?) 20) Se você tivesse que definir sua situação hoje, em poucas palavras, como o faria? 21) Quais são os seus planos para o futuro? 22) Então, o que significa o trabalho para você? (Insistir na pergunta, para terminar a

entrevista e contrapor com a pergunta inicial).

Aplicar teste do círculo novamente.

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Anexo C – Teste do círculo

To the right are seven boxes, each containing two circles. One circle represents work in general and the other circle represents your self. The circles overlap in various degrees. At on extreme (box 1) the two circles are separate from work in general. At the other extreme (box 7) the two circles are totally overlapping, representing you being totally involved in work in general. Select the box which most accurately depicts your relationship to work in general and circle the appropriate number. (MOW, 1995, p. 8) Na ficha anexa são apresentados sete quadros, cada um com dois círculos. Um círculo representa o “trabalho em geral”, e o outro círculo representa você próprio. Os círculos sobrepõem-se em diferentes proporções. No primeiro quadro, os círculos estão totalmente separados, representando “você totalmente separado do trabalho em geral”. No outro extremo (quadro 7), os dois círculos estão totalmente sobrepostos, representando que “você está totalmente envolvido com o trabalho em geral”. Escolha o quadro que representa mais acuradamente, ou seja, com mais precisão e da melhor forma, a sua relação com o trabalho [Tradução da autora].

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