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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA O papel do Seguro Ambiental na reparação do Dano ao Meio Ambiente - Alcance, Perspectivas e Desafios Por: Tiago Felgar Ferreira Orientador Prof. Luiz Eduardo Chauvet Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O papel do Seguro Ambiental na reparação do Dano ao Meio

Ambiente -

Alcance, Perspectivas e Desafios

Por: Tiago Felgar Ferreira

Orientador

Prof. Luiz Eduardo Chauvet

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

O papel do Seguro Ambiental na reparação do Dano ao Meio

Ambiente -

Alcance, Perspectivas e Desafios

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito do Ambiente.

Por: Tiago Felgar Ferreira

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AGRADECIMENTOS

....aos autores, investigadores,

pesquisadores, pensadores e

“construtores” do Direito que

colaboraram para enriquecer o

presente trabalho graças a sua

tamanha experiência e dedicação à

temática do Meio Ambiente....

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DEDICATÓRIA

...à família, aos amigos e à minha mulher

Luciana; aos que amo, não só os que

estão perto, mas também aos que estão

longe...

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RESUMO

Através do presente trabalho pretende-se suscitar a atenção do leitor

para a realidade da responsabilidade civil ambiental e dos mecanismos

jurídicos existentes para reparação do dano ao Meio Ambiente.

Num mundo globalizado como o nosso, onde constantes desafios de

crescimento e desenvolvimento fazem o homem procurar as soluções mais

adequadas para alcançar equilibradamente as suas necessidades, urge

despertar a atenção do leitor para a importância dos mecanismos jurídicos de

reparação do meio ambiente.

Numa primeira abordagem, o presente trabalho expõe uma

retrospectiva do instituto da responsabilidade civil desde a sua génese até à

recente modalidade da responsabilidade civil ambiental. Outrossim, expõe-se

ainda o contrato de seguro de responsabilidade ambiental como mecanismo

por excelência ao qual o poder publico, as pessoas jurídicas e pessoas físicas

comumente recorrem para ressarcimento dos danos ambientais provocados.

Paralelemente, apresenta-se uma breve resenha do âmbito e

alcance do seguro de responsabilidade civil ambiental, deixando ao leitor não

só o questionamento sobre se tal instituto é, por si só, bastante para uma

amplo e efetivo ressarcimento do dano ambiental amplamente considerado,

mas também apresentando a garantia bancária autônoma como possível

opção/solução/alternativa garantidora de riscos decorrentes de atividades com

significativos impactos ao Meio Ambiente.

Em suma, objetiva-se com o presente trabalho apresentar ao leitor

uma pesquisa explorativa que discuta e apresente amplamente, ainda que de

forma breve, a tridimensionalidade Responsabilidade Civil – Contrato de

Seguro – Dano ao Meio Ambiente.

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METODOLOGIA

O presente trabalho baseou-se numa metodologia explorativa de

variados materiais de estudo acerca do instituto da responsabildiade civil, da

modalidade de responsabilidade civil objetiva (ou pelo risco), focando em

concreto, no caso da responsabilidade civil ambiental.

A pesquisa desenvolvida assentou na análise de textos, livros,

coletâneas de jurisprudência, artigos de opinião, dispositivos legais variados e

conversas com integrantes do meio jurídico que estudam os temas do direito

do seguro e meio ambiente, aproveitando suas pesquisas, ideias, exposições,

sugestões e, acima de tudo, críticas decorrentes de tão digna e ampla

experiência na área, para assim construir um trabalho que de forma breve e

não cansativa, mas ainda assim minimamente explicativa, aborde o tema dos

mecanismos de ressarcimento do dano ao meio ambiente.

Considerando o fato da temática do seguro de responsabilidade civil

ambiental ser ainda área com insipientes desenvolvimentos jurisprudênciais e

doutrinários (ao menos quando comparada com outras temáticas tão

amplamente discutidas), optou-se por apresentar neste trabalho uma resenha

das melhores perspectivas sobre os temas abordados, expostas de forma

crítica mas, sobretudo, aproveitando o aprofundado conhecimento dos

respectivos autores citados para conseguir repassar ideias fundamentais e

basilares para a proliferação de uma generalizada conscientização ambiental.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8

CAPÍTULO I......................................................................................................10

O Instituto da Responsabilidade Civil

1. Equandramento histórico

2. Conceito e Pressupostos – breve resenha

3. A Modalidade da Responsabilidade Civil Objetiva

CAPÍTULO II .................................................................................................... 22

A Responsabilidade Civil e o Contrato de Seguro

1. O Contrato de Seguro como Mecanismo de Garantia de Riscos

CAPÍTULO III ................................................................................................... 29

A tridimensionalidade Responsabilidade Civil - Contrato de Seguro - Dano

ao Meio Ambiente

1. A Responsabilidade Civil Ambiental no Direito Brasileiro

2. Âmbito e Alcance do Contrato de Seguro Ambiental – o caso brasileiro

CAPÍTULO IV .................................................................................................. 50

Uma alternativa garantidora de riscos decorrentes de atividades com

significativos impactos ao meio ambiente

1. O possível contributo da Garantia bancária autônoma - on first demand

CONCLUSÃO .................................................................................................. 57

REFERÊNCIAS ............................................................................................... 58

ÍNDICE..............................................................................................................62

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INTRODUÇÃO

A atualidade traz ao ser humano inegáveis desafios nos mais

variados campos do conhecimento.

O Meio Ambiente e a Sustentabilidade são, de fato, uma das mais

atuais temáticas, sobretudo como país como o Brasil.

O Brasil se depara, hoje, com um nítido desenvolvimento dos

mais variados setores de economia, a começar na indústria e passando pela

agricultura, pecuária, atividade de extração de minério, já para não falar da

extração e refino de petróleo, do pré-sal e do desenvolvimento de

biocombustíveis.

Os desafios são crescentes numa economia cada vez mais em

expansão. As grandes obras em construção, propulsoras de eventos à escala

global que irão ser realizados no nosso país como a Copa do Mundo e os

Jogos Olímpicos, merecem uma especial atenção não só do Poder Público

mas do cidadão em geral.

Acontece que, um tão rápido crescimento exige uma adequado

acompanhamento de forma a que consiga afetar-se as necessidades de hoje,

sem depredar as necessidades e a convivência sã das gerações futuras. Urge

desenvolver uma generalizada conscientização acerca dos mecanismos

necessários a um desenvolvimento sustentável, ensinando quem, doravante,

será a geração futura e estimulando a geração atual a desenvolver práticas

sustentáveis não só na vida quotidiana mas também no seio do mercado de

trabalho. No fundo, será desejável a construção de um novo patamar de

desenvolvimento, de um novo paradigma, de uma nova forma de pensamento

comum a todos.

Conforme se exporá no presente trabalho, o dano ao meio ambiente

é cada vez mais uma realidade quotidiana, talvez fruto de um generalizado

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laxismo, ou seja, um conjunto de comportamentos pouco rigorosos, pouco

cuidados ou demasiado permissivos. E isso verifica-se não só quando se

observa um cidadão jogando lixo na rua enquanto dirige o seu veículo mas

também quando se observa uma empresa do setor industrial descartando

fluidos químicos em um curso de água. Ora, é uma realidade transversal a toda

a sociedade e que, com a mesma transversalidade, a prejudica.

Ora, por tudo o exposto, a para da desejável “educação para a

sustentabilidade”, é necessário atuar desde já, usando os mecanismos

existentes para combater os danos ao meio ambiente, ao mesmo tempo que se

procura encontrar soluções alternativas, que conjuntamente permitam que

todos tenham direito a um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado,

conforme previsto no artigo 225 da Magna Carta.

O Seguro de Responsabilidade Ambiental abordado no presente

trabalho é, de fato, um mecanismo de reação ao dano ao meio ambiente. De

qualquer forma, conforme se verá, existem alternativas jurídicas altamente

viáveis, como é o caso da Garantia Bancária Autônoma, on first demand.

Este dois mecanismos serão abordados no presente trabalho.

Não obstante, não pode olvidar-se que tais mecanismos jurídicos

apenas podem ser vistos como mecanismos de garantia, e não, como

mecanismos de prevenção, sendo certo que estes últimos deverão,

desejavelmente, sobrepor-se aos primeiros em prol do necessário

desenvolvimento sustentável.

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CAPÍTULO I

O Instituto da Responsabilidade Civil

1. Equadramento histórico

Antes de adentra-se na temática do seguro ambiental propriamente

dita, faz-se necessário disponibilizar ao leitor uma breve resenha histórica das

origens do instituto jurídico da responsabilidade civil. Com esta abordagem,

será possível deslindar a sua génese, a sua ratio e as suas primeiras

manifestações, como ponto de partida para o entendimento das suas diferentes

modalidades.

Durante muitos anos, em épocas primitivas da civilização, quando

alguém causava dano a outrem, o ofendido tinha duas alternativas: a reação

com vista reparação, através da responsabilização do autor do dano; ou a

omissão e, consequentemente, a conformação e aceitação do prejuízo sofrido.

Contudo, no primeiro caso era comum o indivíduo se utilizar da

vingança. Foi um período marcado pela ausência de normas específicas para

solucionar estes conflitos. O uso da força era utilizado tendo em vista

responsabilizar o causador do dano. Essa era a prática comum aos povos nas

suas origens, utilizando-se de forma primitiva selvagem, apesar de humana, da

reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os

povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal1.

Os anos passaram e a civilização que está em constante mutação

ultrapassa esta fase e a vingança é substituída por uma composição de

reparação a ser determinada pela vítima.

1 Cf. LIMA, A. F., Da culpa ao risco, in RT, São Paulo, 1938, p. 10

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Os Códigos do Ur-Nammu, do Manu e da Lei das XII Tábuas,

continham normas em que estabeleciam quantias face aos danos praticados.

Com isso a composição económica passa a ser obrigatória, v.g. aquele que

quebrar um osso de outrem paga uma mina de prata2.

Outro dado importante ocorreu na romanística. Foram os romanos

que distinguiam pena de reparação através da diferenciação dos delitos

públicos e dos delitos privados. No primeiro, o valor da pena económica

imputada ao causador do dano era absorvida pelo Estado, já na segunda

hipótese, a quantia pecuniária paga pelo réu era entregue à vítima. Conforme

ensina GONÇALVES:

A diferenciação entre a pena e a reparação, entretanto,

somente começou a ser esboçada ao tempo dos romanos, com

a distinção entre os delitos públicos (ofensas mais graves, de

caráter perturbador da ordem) e os delitos privados. Nos delitos

públicos, a pena económica imposta ao réu deveria ser

recolhida aos cofres públicos, e, nos delitos privados, a pena

em dinheiro cabia à vítima. O Estado assumiu assim, ele só, a

função de punir. Quando a ação repressiva passou para o

Estado, surgiu a ação de indenização. A responsabilidade civil

tomou lugar ao lado da responsabilidade penal3

Também na romanística, levantou-se a dificuldade em distinguir a

responsabilidade do risco. Isto porque segundo a fonte romana, o periculum é

um termo que abrange os dois significados. Causando até os dias de hoje

divergências doutrinárias.

2 Cf. SILVA, W. M., Da responsabilidade sem culpa, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1974, p. 16. 3 Cf. GONÇALVES, C. R., Responsabilidade Civil: doutrina, jurisprudência, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p. 4.

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A Lex Aquilia, uma lei de circunstâncias, provocada pelos plebeus15

que desse modo se protegiam contra os prejuízos que lhe causavam os

patrícios nos limites de suas propriedades, foi fulcral para consagração de mais

uma via de reparação, a responsabilidade extracontratual, conhecida também

por responsabilidade delitual ou aquiliana. Tratava-se, aliás, da reunião de

disposições anteriores dispersas, agora agrupadas em um bloco.

Utilizando-se da base jurídica romana, foi no direito francês que o

instituto ganhou força. Todavia, era evidente o reforço ao elemento culpa como

pressuposto da responsabilidade civil. Tal ideia serviu como norte para

diversos sistemas jurídicos.

Já durante o período da industrialização, manifestou-se de forma

notória a importância da atividade económica como principal causadora dos

problemas de deterioração do padrão de vida, apontada como uma das

consequências do desenvolvimento industrial4, o aumento exponencial do

número de danos gerados por atividades que envolvem maior grau risco.

Nestas situações era difícil ou até mesmo impossível provar a culpa. Ora, não

provando a existência desse elemento, consequentemente, não havia

reparação da lesão.

A consciencialização deste fato serviu como mola propulsora para a

retomada da discussão referente à aplicação de responsabilização inexistindo

o elemento culpa, assim aproximando-se ainda mais da ideia de

responsabilidade pelo risco. Equivale a dizer que, identificaram certas

atividades industriais que criam situações de mais risco do que outras.

4 Cf. JEAN-PHILIPPE BARDE e EMILIO GERELLI, Économie et Politique de l’Environnement, in PUF, L´Economiste, 1975, pp. 77-108.

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A constatação deste fato refletiu-se na consciência dos legisladores

que se aperceberam da carência de instrumentos normativos para levar a cabo

reparação dos danos causados pelos operadores econômicos globalmente

considerados.

Normalmente, as referidas operações econômicas consubstanciam

situações em que o homem tira partido de atividades com a intenção de

aumentar o lucro, nomeadamente, pela utilização de mecanismos técnicos

como fonte de riqueza ou de comodidade. Tal modus operandi, reflexamente,

acopla nele mesmo um risco para a sociedade em geral e para o meio

ambiente em particular, interferindo, de diferentes formas, no bem estar da

coletividade.

Assim, olhando o instituto da responsabilidade civil como o

conhecemos nos dias de hoje, será possível, grossomodo, afirmar que, à luz do

mesmo, há uma imputação de responsabilidade ao causador de um dano a fim

deste colocar o ofendido no status quo em que o mesmo se encontrava antes

de ocorrer tal lesão. Tal imputação pode ocorrer mediante a apreciação da

existência de culpa ou, em situações especiais, independente da prova desse

elemento. No primeiro caso, encontramos a designada responsabilidade

subjetiva e, no segundo caso, a responsabilidade objetiva, ou pelo

responsabilidade pelo risco.

Fato é que, após alusão histórica sobre a evolução da

responsabilidade civil, é possível determinar a responsabilidade objetiva como

instrumento basilar de reparação de danos, sendo evidente que a modalidade

da responsabilidade civil objetiva colabora cada vez mais como ponto de

partida para a proteção do meio ambiente e ressarcimento dos danos ao meio

ambiente nele provocados.

De todo modo, convém lembrar que para além da distinção entre a

responsabilidade subjetiva e objetiva, há, também, diferenciação entre

responsabilidade civil contratual e responsabilidade civil extracontratual: a

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primeira surge pela violação de uma obrigação ou de um direito de crédito5; já

a segunda, também, conhecida como aquiliana (a designação provém da Lex

Aquilia que regulava esta matéria no direito romano) ou delitual, é violação de

um dever geral de abstenção contraposto a um direito absoluto (direito real,

direito de personalidade)6.

Ambos as modalidades de responsabilidade distinguem-se também

em seus regimes7, Contudo, nos pontos fundamentais da obrigação de

indemnização há coincidências da disciplina8.

Alguns autores9 defendem inclusive que a noção de

responsabilidade contratual não tem uma designação rigorosa. Como por

exemplo, o incumprimento da obrigação contratual pode resultar de diferentes

fontes do contrato. Nestes casos, parte da doutrina considera responsabilidade

negocial ou responsabilidade obrigacional. Esta será conhecida como a terceira

via10.

No fundo é um conjunto de hipóteses de responsabilidade civil

(culpa in contrahendo, violação de deveres laterais ao

contrato,”responsabilidade pela confiança”, etc.) sujeita a um regime particular,

e portanto consagrando no hall da responsabilidade civil assim como a

responsabilidade extracontratual e a responsabilidade contratual.

Na ótica jurídica, a responsabilidade adota um sentido obrigacional,

ou seja, é imputado ao autor do dano a obrigação de indenizar a vítima pelos

prejuízos causados.

5 Cf. MOTA PINTO, C. A., Teoria Geral do Direito Civil, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 137. 6 Cf. MOTA PINTO, C. A.,o.c., p. 137. 7 Cf. Código Civil português (C.C.), arts. 500.º e 800.º; 487.º, n.º1, e 799.º; 498.º e 309.º 8 Cf. C.C., arts. 562.º e ss. 9 Cf. MOTA PINTO, C. A., o.c., p. 138. 10 Cf. FRADA, Uma terceira via no direito da responsabilidade civil: o problema da imputação dos danos causados a terceiros por auditores de sociedades, Coimbra, 1997.

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E é precisamente este o motivo da sua abordagem no âmbito do

dano ambiental, sendo certo que, in casu, a vítima será o Meio Ambiente

globalmente considerado e a reparação de tal dano sempre ocorrerá sob a

égide da responsabilidade civil objetiva ou pelo risco, modalidade esta que,

independe da aferição da culpa do agente.

2. Conceito e Pressupostos – breve resenha

ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO define a noção de responsabilidade

civil como “a situação de indenizar o dano moral ou patrimonial, decorrente de

inadimplemento culposo, de obrigação legal ou contratual, ou imposta por lei”.11

Não obstante, seja por ação ou omissão, por vezes, no decorrer da

vida social, uma pessoa pode causar prejuízos a outrem. Nestas situações

encontramos vários exemplos em que cria-se o problema de saber a quem é

devido imputar o dano verificado.

Nos termos dos art.s 483.º28 e 562.º do Código Civil português

(CC), impõe, a quem causou o prejuízo restaurar os danos colocando a vítima

na situação que estaria sem a ocorrência da lesão, em princípio, através da

reconstituição natural.

Quando houver impossibilidade da reconstituição natural, o art.

566.º, n.º 1, do CC responde da seguinte forma: A indemnização é fixada em

dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare

integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor.

11 Cf. AZEVEDO, A.V., Teoria Geral das Obrigações, São Paulo, RT, 8ª ed., 2000,

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Assim, existem duas formas de reparar o lesado, seja pela via da

indemnização em dinheiro ou por equivalente. A doutrina maioritária aponta a

favor da reconstituição natural, entretanto é notório que em poucos casos a

vítima ficará completamente indemnizada.

Para aplicação da responsabilidade civil são necessários, em

princípio, os seguintes pressupostos:

a) o fato voluntário do agente;

b) o dano12;

c) a ligação causal entre o fato gerador e o dano, é dizer, o nexo de

causalidade;

d) a ilícitude13;

e) e a culpa.

O elemento culpa na responsabilidade civil resulta da intenção de

lesar infringindo uma proibição (dolo) ou por omissão dos deveres de cuidado,

diligência ou perícia exigíveis para evitar o dano (negligência ou mera culpa).

De todo o modo, avançamos desde já para a modalidade específica

da responsabilidade objetiva, considerando a conexão sui generis que tem com

a temática da responsabilidade civil por dano ambiental e consequentes

mecanismos de proteção e ressarcimento com ela relacionados e, em parte,

adiante abordados.

12 Cf. PINTO MONTEIRO, A., Sobre a reparação dos danos morais, in Revista portuguesa de Dano Corporal, ano I, n.º1, Coimbra, 1992. 13 Contudo, há responsabilidade civil por fatos lícitos

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3. A Modalidade de Responsabilidade Civil Objetiva

Como vimos, a Revolução Industrial influenciou a retomada da ideia

de responsabilidade objetiva face o aumento de danos por acidente de

trabalho14.

No Brasil, a jurisprudência ampliou a interpretação do art. 1.384, I,

do CC br de 1916 para convergir na ideia de responsabilidade pelo risco. Em

1931, OROZIMBO NONATO15 defende a teoria do risco integral nas situações

de responsabilidade civil do Estado. Neste seguimento, está consagrado,

atualmente, no art. 927 CC br16, a teoria fundada na culpa, responsabilidade

subjetiva; e objetiva, manifestada através do risco.

Caio Mário da Silva PEREIRA ensina que,

“o conceito de risco que melhor se adapta às condições

de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém

põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde

pelos eventos danosos que esta atividade gera para os

indivíduos, independente de determinar se em cada caso,

isoladamente, o dano é à imprudência, à negligência, a

um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco

criad”.17

14 Neste sentido RAYMOND SALEILLES, em 1897 através do trabalho Les accidents de travail et la responsabilité civile: essai d´une théorie objective de la responsabilité delictuelle, levanta a ideia de responsabilização escusando o requisito culpa. 15 Neste sentido, AGUIAR DIAS, J., Da responsabilidade civil, 10 ed., v. I, Forense, Rio de Janeiro, 1997, pp. 75 e ss., e AZEVEDO, o.c., p. 281. 16 Cf. CC br, art. 927. ―Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-loǁ. 17 Cf. PEREIRA, C. M. S., Responsabilidade civil, Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 270.

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No ordenamento jurídico português, a regra geral de

responsabilidade exige a culpa do agente, mas a lei determina, em alguns

casos especiais, a responsabilidade sem culpa, conhecida como

responsabilidade objetiva (art. 483.º, n.º 2 do C.C.).

Alguns autores consideram a responsabilidade objetiva um instituto

presente em estágios passados da civilização jurídica dos povos e por este

motivo não atende nos dias de hoje a generalidade em sua eficácia. Por isso,

consagram o elemento culpa como a conditio sine qua non da responsabilidade

pelas seguintes razões18:

a) Devido a possível paralisação de iniciativas que a possibilidade da

imputação do dano produzirá no homem de ação, se a este não for garantido

que não esteja sujeito a responsabilidade no caso de ter procedido com todo o

cuidado, diligência e competência;

b) Atribuir ao autor não culposo do prejuízo é, no mínimo, arbitrário

sob o ponto de vista da justiça;

c) Exigir a culpa como base da obrigação de reparar, significa fazer

apelo à liberdade moral do homem e criar condição de evitar os danos,

estimulando zelos e cuidados em impedi-los.

Não obstante, a consagração da culpa no sistema de

responsabilidade civil é também defender a responsabilidade moral, com vista

identificar as situações em que o agente poderia ter procedido de outra forma,

e não alegar tratar-se de um jogo causal de resultados.

18 Cf. MOTA PINTO, o.c., p. 132.

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Por outro lado, a responsabilidade pelo risco manifesta-se nas

situações em que o homem tira partido de atividades com a intenção de

aumento de lucro, ampliando também o risco para os outros, seja através da

utilização de mecanismos técnicos como fonte de riqueza ou de comodidade,

da utilização de outras pessoas ou de animais no interesse próprio.

Neste sentido, aquele que em virtude da obtenção de lucro cria para

os outros riscos acrescentados justifica-se a imputação dos danos originados

pelas suas atividades lucrativas, mesmo não havendo prova de culpa. Por

conseguinte, o fundamento da responsabilidade pelo risco ou responsabilidade

objetiva está no antigo princípio, conforme à justiça e à solidariedade social:

“ubi commoda, ibi incommoda” (Quem aufere os cómodos ou lucros, deve

suportar os incómodos – despesas – ou; onde está a utilidade está também a

despesa).

A responsabilidade objetiva vem ocupando maior importância em

diversos ordenamentos jurídicos. É o caso, v.g., da responsabilidade por danos

causados ao meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, afirmando a tendência de expansão da responsabilidade civil

objetiva em situações que envolvam defesa do consumidor e interesses difusos

(v.g., proteção do ambiente) e até mesmo inverter o ónus da prova da culpa do

fato danoso, evita que ocorram as situações onde o risco gerado pelo

desenvolvimento industrial torne cada vez mais frequente os chamados danos

anónimos (que surgem, normalmente, nas situações de difícil prova de culpa).

Em Portugal, existe um elenco de previsões legais que consagram a

responsabilidade pelo risco, p. ex: responsabilidade por danos causados pelos

comissários (art. 500.º)19, por danos causados por animais (art. 502.º)20, por

acidentes causados por veículos de circulação terrestre (art. 503.º)21, e por

danos causados por instalações de energia eléctrica ou gás (art. 509.º)22;

seguro de responsabilidade causada por acidentes de trabalho suportado pela

entidade patronal (arts. 281.º e segs. do Código do Trabalho Português);

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responsabilidade por danos significativos no ambiente, em virtude de uma ação

especialmente perigosa (art. 41.º da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril, LBA);

responsabilidade do produtor (DL n.º 383/89, de 6 de Novembro, alterado pelo

DL n.º 131/2001, de 24 de Abril); responsabilidade do proprietário e do

comandante por danos causados por embarcações de recreio (art.41.º do

Regulamento da Náutica de Recreio, aprovado pelo DL n.º 124/2004, de 25 de

Maio). Refira-se ainda o Regime da Responsabilidade civil por danos

ecológicos DL n.º147/2008, de 29 de Julho.

Sentiu-se, inclusive, a necessidade de criar seguros obrigatórios e

fundos de garantia como proteção através de coberturas dos danos para uma

maior proteção da vítima.

Portanto, torna-se evidente a importância da responsabilidade

objetiva para a proteção do meio ambiente. A título de exemplo, face à

consagração efetiva no ordenamento jurídico português do regime de

responsabilidade civil ambiental, o art. 22.º do DL n.º 147/2008, surgiu a

obrigação dos operadores que exerçam as atividades abrangidas no Anexo III

a constituírem uma ou mais garantias financeiras face ao grau de risco que

envolve tal exploração.

Todavia, sua utilização em estado bruto não satisfaz todos os tipos

de danos de forma eficaz. Por certo, faz-se necessário lapidar o instituto

focando cada vez mais à justiça entre os homens através do ambiente (justiça

ambiental)23 e à justiça humana perante o ambiente (justiça ecológica)24

19Cf. C.C. art. 500º 20Cf. C.C. art. 502º 21Cf. C.C. art. 503º 22 Cf. C.C. art. 509º

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21

Para alcançar tal objetivo devemos olhar para a responsabilidade

civil inserida na proteção ambiental com vista compreendermos quais são os

tipos de modificações necessárias para conformar o instituto e satisfazer a

responsabilidade ambiental.

Em última análise, deve-se respeitar o instituo da responsabilidade

civil no plano do ramo do Direito Privado, contudo, para efetivar a justiça

ecológica, exige-se articula-lo de forma coerente (com as devidas e corretas

alterações) face a responsabilidade ambiental25, no que toca ao carácter jus-

publicista, ramo do Direito Público. Acrescenta-se que são dois ramos distintos

mas complementares entre si e apesar de tratar de âmbitos de aplicação

diferentes para o bom funcionamento do quadro legal, a ausência de um, deve

ser a manifestação do outro, como um sistema perfeito, de forma harmónica,

eficaz e acima de tudo, respeitando suas peculiaridades.

No Brasil, conforme veremos mais adiante, verifica-se uma expressa

consagração legal da responsabilidade ambiental objetiva.

23 Cf. DAVID HARVEY, The environment fo Justice, Living with Nature.Environmental Politics as Cultural Discourse, in Oxford University Press, 1999, pp. 153 e ss. 24 Cf. NAIM-GESBERT, Expertise scientifique et droit de l´environnement, in Quel avenir pour le droit de l´environnement?, Publications des Facultés Universitaires Saint-Louis, 71, Bruxelles, 1996, p. 71. 25 Nos termos da Directiva 2004/35, de 21 de Abril de 2004.

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22

CAPÍTULO II

A Responsabilidade Civil e o Contrato de

Seguro

1. O Contrato de Seguro como Mecanismo de Garantia de

Riscos

Quanto à presente temática do contrato de seguro enquanto

mecanismo de garantia de riscos, expor-se-á em seguida o relevante

ensinamento e brilhante sistemática encontrados em obra do renomado autor

Walter Polido.

Walter Polido destaca que entre os diversos papéis financeiros

existentes no setor econômico, o contrato de seguro tem lugar de destaque, em

face da proteção patrimonial que ele representa e que efetivamente outorga.

Em rigor, desde as mais remotas épocas que o seguro é praticado

pelas diversas sociedades humanas, tendo sua génese na atividade mercantil

e na consequente necessidade de acautelar os riscos a ela inerentes.

Desde sempre o homem verificou a necessidade de concentrar

esforços, negociando alianças, mesmo que para proteger os mais egoísticos

interesses. Da proteção prometida por alguns - em relação ao transporte

incólume de mercadorias de propriedade de outrem, teve início toda a

tecnologia hoje disponível. Através de práticas mutualistas – baseadas na

repartição de prejuízos, o seguro se materializou e a sua tecnologia foi

aprimorada ao longo dos anos, mantendo-se em franca e perene evolução até

a atualidade. A complexidade das operações inerentes ao mercado segurador

envolve uma multidisciplinaridade, com acentuada especialização por

segmento, no mundo todo.

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23

No Brasil, o CC de 2002 imprimiu nova base conceitual para o

contrato de seguro tornando-a mais efetiva – em relação ao pensamento

moderno e realidade social – se comparada ao disciplinamento anterior. O

antecessor código de 1916 era insipiente para mecanismo tão dinâmico,

complexo e abrangente. Ainda hoje, apesar dos avanços alcançados a partir da

vigência do novo código, a base legal prevista no ordenamento civil não pode,

por si só, esgotar todos os temas concernentes ao contrato de seguro,

carecendo de legislação especial a respeito26.

O contrato de seguro está disciplinado pelo capítulo XV do CC,

compreendido pelos artigos 757 ao 802. O art. 757 traduz a conceituação

fundamental do contrato, verbis: “Pelo contrato de seguro, o segurador se

obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do

segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados”.

Note-se que a letra da lei reproduz, objetivamente, a função imediata

do contrato de seguro: garantir interesse do segurado, tendo como mediata a

função de pagar o sinistro contra risco predeterminado.

Diferente, portanto, da inteligência que se tinha em relação ao

dispositivo correspondente do CC anterior27, através do qual a função

primordial do contrato de seguro era compreendida pela indenização do

segurado, em decorrência do sinistro advindo. O elemento nuclear do contrato,

no novo CC, passou a ser identificado diretamente na pessoa do segurado e,

de forma mais precisa, no interesse de garantir algum bem através do seguro.

Interesse do segurado.

26 Encontra-se no Congresso Nacional o PL n.º 3.555, de 2004, do Dep. José Eduardo Cardozo, o qual estabelece normas gerais em contratos de seguros privados e revoga dispositivos do Código Civil (Lei n.º 10.0146, de 10.01.2002), do Código Comercial (Lei n.º 556, de 25.06.1850) e do Decreto-Lei n.º 73, de 21.11.1966 (Sistema Nacional de Seguros). 27 Art. 1.432 – Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.

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24

A dicção atual do art. 757 é, no entender de POLIDO, extremamente

oportuna, representando avanço na concepção do fundamento do contrato de

seguro – a garantia de interesse do segurado. Segundo o autor, ficaram

afastadas de vez as teorias concebidas à luz dos séculos passados em relação

ao contrato de seguros, na medida em que a comutatividade entre as partes

contratantes se sobrepôs.

Representado pela garantia imediata que o seguro oferece ao

segurado, o contrato não podia mais ficar restrito ao âmbito meramente

indenizatório e relativo a riscos futuros. A indenização e a bilateralidade

contratual estrita são elementos da visão liberal individualista, concebida.

Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se

obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do

prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato

O contrato de seguro, na configuração comutativa tal como lhe foi

atribuída pelo art. 757 do CC de 2002, lança-se para os novos tempos,

conferindo a ele eficácia redobrada, apesar do exagero retórico da expressão,

pois que determina – desde logo – para o segurado, que o contrato de fato lhe

outorga garantia sobre interesse legítimo, independentemente da possível

ocorrência ou não do risco predeterminado.

Tal como refere POLIDO, a álea, ou seja, o risco, fica

exclusivamente por conta da ocorrência do evento coberto pelo contrato de

seguro, pois que o contrato já tem a garantia de sua eficácia.

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25

A comutação se dá entre o pagamento do prêmio pelo segurado

(prestação) e a garantia (contraprestação imediata). "Ao obter garantia do

interesse para a hipótese de realização do risco predeterminado (sinistro), o

segurado obtém uma vantagem ou atribuição patrimonial sem a qual

permaneceria em estado potencial de dano28”.

A pessoa que contrata seguro deseja garantir-se imediatamente,

sequer desejando que ocorra o evento coberto pelo contrato. De igual sorte, o

segurador calcula o seu risco, prevendo os pagamentos de sinistros, de acordo

com bases técnicas, estatísticas e atuariais. A eventual perda (a ocorrência de

um sinistro) para o segurado - não pode significar muita coisa para ele, pois

que o risco é do segurador e não dele. Ora, caberá ao segurador prever as

bases de aceitação dos riscos, calculando-os e mensurando-os

adequadamente.

Conditio sine qua non para a efetividade do contrato de seguro é o

interesse segurado estar sob risco, de modo que ele possa ser coberto. O risco

é, portanto, elemento essencial no contrato de seguro. “O risco, em outras

palavras, deve ser buscado também na sua dimensão coletiva, aquela tomada

em conta para a padronização do contrato e sua estruturação atuarial e

financeira. É essa compreensão transindividual que leva à impostergável

apresentação de notas técnico-atuariais e clausulados, pela seguradora ao

órgão estatal de controle29”.

“Em conclusão, a colocação do contrato de seguro no âmbito dos

contratos aleatórios somente tem significado se se considerar o contrato um

contrato isolado e em relação a um componente da prestação do segurador

(pagamento da indenização, da renda ou do capital).

28 TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz B.; PIMENTEL, Ayrton. O Contrato de Seguro de acordo com o novo código civil brasileiro. 2ª ed. São Paulo: RT, 2003, p. 30. 29 TZIRULNIK, Ernesto. Ob. cit.

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26

Entretanto, uma vez que se identifique a função do contrato na

neutralização do risco e se considere a operação isolada inserida numa massa

de riscos homogêneos, o conceito da aleatoriedade perde grande parte de seu

significado30”.

Nessa mesma linha, citado por POLIDO, D’Agostini esclarece que “o

Código Civil Espanhol menciona o seguro entre os contratos aleatórios e este

caráter é admitido pela maioria da doutrina, segundo atesta Garrigues (1973,

p.55), apontando que em conseqüência da exploração em massa do seguro

pelas empresas seguradoras, suprime-se a álea no sentido de vantagem ou

desvantagem para o segurador, considerados em conjunto todos os contratos

celebrados, porque as desvantagens de uns contratos se compensam com as

vantagens de outros, e a exploração total se faz sobre cálculos precisos.

Mas considerando isoladamente cada contrato, também é aleatório

para o segurador31”. “A atividade de seguro descansa sobre a pedra angular da

solidariedade, é dizer, se assenta no abundante agrupamento de riscos que

apresentam características comuns, procede destacar, já desde a fase inicial

da fixação de uma definição, este sinal de pluralidade ou, mais tecnicamente,

de mutualismo32”.

30 FARENGA, Luigi. Diritto delle Assicurazioni Private. Turim: G. Giappichelli, 2001. 31 D’AGOSTINI, Marcos Galante. A boa-fé objetiva no contrato de seguro – uma abordagem pragmática. São Paulo: Edições Inteligentes, 2004. 32 PARRA, José Joaquín Vara. El contrato de reaseguro em Derecho Internacional Privado. Cáceres – Espanha: Universidad de Extremadura, 2002.

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27

O contrato de seguro, por natureza, se funda no mutualismo, com

ampla repercussão coletiva, na medida em que os recursos financeiros

administrados pelas Seguradoras visam solver o conjunto de negócios e não

apenas um segurado individualmente. Em face na nova ordem imposta,

prevalecendo a natureza coletiva – finalidade social dos contratos –

contrariando, portanto, o pensamento individualista que dominou a elaboração

do CC de 1916, a caracterização do contrato de seguro sob a ótica da espécie

comutativo certamente se coaduna muito mais com os novos tempos, com os

novos princípios.

A garantia imediata conferida pelo contrato de seguro (o segurador),

como contraprestação do pagamento do prêmio (pelo segurado) é muito mais

condizente com a comutatividade, antes mesmo da natureza aleatória, típica da

aposta e do jogo.

O princípio comunitário ou mesmo de coletividade, atualmente

exacerbado pela moderna legislação – Código de Defesa do Consumidor – CC

2002 – não cede espaço para posições individualistas, sobejamente praticadas

nos séculos passados, pelos mais diversos setores econômicos e também o

securitário.

Se o caráter comutativo do contrato de seguro confere o viés

coletivo, protegendo muito mais a sociedade de segurados – diferente do

aleatório, certamente este é o caminho a ser trilhado pela moderna e atual

doutrina.

POLIDO cita ainda o Prof. Cavalieri Filho, que definiu os elementos

essenciais do contrato de seguro como sendo os seguintes: risco, mutualismo

e boa fé33.

33 CAVALIERI FILHO, Sergio. A trilogia do seguro. I Fórum de Direito do Seguro, Instituto Brasileiro de Direito do Seguro – IBDS. São Paulo: Max Limonad, 2001.

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28

A dicção dos elementos risco e mutualismo foi comentada nos

parágrafos supra por POLIDO. O risco guarda relação com a incerteza da

perda, sendo ele predeterminado no contrato de seguro, em termos gerais.

Mutualismo, por sua vez, representa a associação de pessoas que

repartem entre si riscos que individualmente lhes corresponde, fixando

quantidades que cada uma delas deve contribuir para o ressarcimento dos

danos e prejuízos coletivos.

A boa-fé objetiva, de acordo com art. 422 do CC, constitui princípio

geral dos contratos, sendo que ela foi devidamente ressaltada pelo legislador

no capítulo pertinente ao seguro, na condição de elemento fundamental.

Sem veracidade nas informações - boa-fé – ou também designada

boa fé objetiva - o seguro não subsiste e, por tal razão, o CC atribui no art. 765,

a obrigação recíproca, verbis: “O segurado e o segurador são obrigados a

guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e

veracidade, tanto a respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a

ele concernentes”. Qualquer desvio desta ordem prejudicará o mutualismo

existente na espécie.

POLIDO destaca ainda, quanto à tipicidade do contrato de seguro, o

fato dele ser um contrato de adesão uma vez que é comercializado com

cláusulas predeterminadas aos segurados. Em rigor, o contratante do seguro

não participa da elaboração das condições gerais de coberturas da apólice, na

maioria das vezes, enquanto que a inserção de cláusulas especiais, a pedido

daquele, também não desfigura a natureza de adesão do contrato.

Assim, citando oportunos e sapientes escritos do Autor WALTER

POLIDO se antecipam de forma sucinta as caraterísticas fundamentais do

contrato de seguro, servindo de base para considerações ulteriores

concretamente respeitantes ao contrato de seguro de responsabilidade civil

ambiental.

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29

CAPÍTULO III

A tridimensionalidade Responsabilidade Civil -

Contrato de Seguro - Dano ao Meio Ambiente

1. A Responsabilidade Civil Ambiental no Direito Brasileiro

A Constituição Federal de 1988, de forma expressa, determina a

responsabilização civil, criminal e administrativa do poluidor no artigo 225, § 3º.

Mediante tal previsão, reforçou de forma expressiva o dever de

reparar o dano, ao 1º) prever um direito subjetivo ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado; 2º) caracterizar o meio ambiente como “bem de

uso comum do povo”; 3º) com função social de “essencial à sadia qualidade de

vida”.

Paralelamente, a Magna Carta impôs ainda ao Poder Público e à

coletividade o dever de defender o Meio Ambiente e preservá-lo para as

presentes e gerações futuras.

Conforme bem alertou Marga Inge Barth Tessler34, “a Constituição

não foi muito explícita com o dano ambiental geral, mas não precisaria ser, pois

já havia lei sobre a matéria. Desta forma, o Brasil está na posição de

vanguarda no que se refere à responsabilização do poluidor pelos danos

ambientais em matéria de legislação.”

34 TESSLER, Marga Inge Barth. Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em Texto-base para a participação no 1º Congresso de Direito Ambiental da Magistratura do Mercosul, em Paraty/RJ, dia 04.06.2007, promovido pelo Conselho da Justiça Federal

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30

A competência legislativa para hipótese de responsabilidade civil

ambiental por danos é concorrente, cabendo à União e aos Estados legislar

sobre a matéria, artigo 24, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988. Já no

artigo 22, inciso I, está a competência privativa da União para o direito civil em

geral.

A Lei n.º 6.938/1981, que institui a Política Nacional do Meio

Ambiente - PNMA, prevê a responsabilidade objetiva por danos ao meio

ambiente no seu artigo 14, § 1º, desde 1981.

Esta lei imprimiu uma viragem vanguardista em matéria ambiental no

Direito Brasileiro. Criou-se, assim, o microssistema para a sustentação da

política do meio ambiente, elevando-se o meio ambiente a bem juridicamente

tutelado.

A PNMA instituiu, assim, uma responsabilidade objetiva

independente da antijuridicidade da conduta.

Seguindo a proposta de TESSLER, para abarcar as novas

realidades, os conceitos tradicionais e basilares da responsabilidade civil

devem sofrer mutação em diversos aspectos, a saber:

A questão do nexo causal

Em primeiro momento de adaptação, ocorrem as presunções de

causalidade, presunções iuris tantum do nexo, ou com inversão do ônus da

prova, conforme Benjamin.35

35 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. A responsabilidade civil pelo dano ambiental no direito brasileiro e as lições do direito comparado. Revista de Direito Ambiental, São Paulo: Revista dos Tribunais, a.6, n. 21, 2001

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31

A regra passa a ser a atenuação do relevo do nexo causal. A ideia

inicial de nexus, a subordinação linear e clara é afastada, passando a ser

considerado presumido o nexo causal, ou a solidariedade entre os prováveis

poluidores.

Outro problema é a dificuldade de fixar o dano no tempo, pois pode

ocorrer a causalidade retardada ou diferida, em que o dano só surge com o

passar do tempo ou continuidade da exposição. Por oportuno, deve chamar-se

aqui à colação o caso paradigmático dos danos hipotéticos, adiante abordado

no Capitulo IV deste trabalho.

Assim, considerando que devem ser protegidas as gerações futuras,

o nexo causal deve ser estendido no tempo e reelaboradas as questões da

prescrição.

A Constituição Federal, com o expresso acolhimento do aspecto

intergeracional, permite esta interpretação.36

A complexidade causal poderia ser tratada com a teoria da

“circularidade retroativa de Morin”, antes referida, que supera a linearidade, a

proximidade física ou temporal. Temos no direito civil a causalidade imediata e

o critério da equivalência das condições que se afigura mais adequado na

questão ambiental.

Considerando a prevalência no direito ambiental da posição das

vítimas e da solidariedade social, todos que participaram ou participam da

atividade danosa devem responder – chagamos à desejável solidariedade

entre os possíveis responsáveis.

36 Basta lembrar da tragédia da Talidomida em que o dano resultou produzido nove meses após a ingestão do produto. A exposição aos agrotóxicos gera manifestações suicidas, anos após a exposição.

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32

No regime comum o dano indireto não seria reparável, contudo,

numa perspectiva ecológica, e tendo em vista as gerações futuras, não é

possível exculpar o dano indireto e futuro, merecendo todo o esforço

reparatório.

O conceito de dano ambiental abarca também o agravamento da

situação da degradação, de sorte que novos ocupantes de um espaço

degradado são responsáveis pelo agravamento da situação. Aliás, tal como

destaca TESSLER, é a linha jurisprudencial do Egrégio Superior Tribunal de

Justiça que considera o adquirente do imóvel responsável pelo passivo

ambiental.

Por fim, a antiguidade da prática poluidora ou perigosa não gera

“direito adquirido” de continuar as atividades e de não indenizar. A pré-

ocupação não isenta o poluidor de responsabilidade ambiental por danos.

A questão do dano propriamente dito

Já o dano ambiental propriamente dito envolve uma realidade mais

complexa. Pode-se conceitua-lo como toda a alteração ou destruição parcial ou

total de qualquer recurso natural, afetando negativamente o homem ou a

natureza. Ocorre que em matéria ambiental a responsabilidade não está só

ligada ao dano e a sua efetiva ocorrência, mas ao risco.

Lembra TESSLER que a noção de “alteração adversa” não está

pacificada. Apresenta inclusive o exemplo do leigo que costuma compreender

mal a classificação como “danosa” de determinada conduta. Por exemplo,

proceder ao embelezamento em local de restinga, com substituição da

vegetação natural por aterramento e plantação de cerejeiras do Japão que dão

lindas flores. Com certeza, o dano ambiental é considerável e a situação deve

ser reparada.

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33

A abrangência do conceito de dano ambiental deve ser alargada,

protegendo-se o meio ambiente e a saúde humana de lesões materiais e

imateriais.

Por derradeiro, em face de descumprimento dos elementares

princípios da prevenção e da precaução, adiante explicitados, a

responsabilidade ambiental existirá, mesmo sem a ocorrência do efetivo dano,

pois o bem protegido foi colocado em risco.

Não pode também olvidar-se da ideia de responsabilidade civil

ambiental enquanto um Direito mutável, considerando o dano ambiental

enquanto fenômeno coletivo ou difuso. Talvez melhor fosse falarmos do Direito

Ambiental enquanto um Direito transindividual, precisamente pelo fato do

mesmo não poder perspectivar-se enquanto pertencente ao ser humano

individualmente considerado. Urge trazer à colação uma noção de

universalidade, de todo, de globalidade, de coletividade. Isso é o Direito

Ambiental.

Os efeitos danosos ao meio ambiente como a poluição do ar, das

águas, a destruição dos recursos naturais e culturais, os danos à saúde em

geral por falta de saneamento básico, e agrotóxicos, têm reflexos conhecidos e

desconhecidos ainda.

Há dois aspectos importantes, o primeiro é reconhecer os danos

como de gravidade evidente. O segundo aspecto é que define o dano

ambiental como fenômeno de interesse comum e de relevância pública.

O dano ambiental abrange a todas as pessoas físicas ou

coletividades.

Assim, o dano ambiental é um fenômeno coletivo e difuso,

ultrapassando quase sempre a “vizinhança civilística”. Ultrapassa vínculos

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34

sociais e temporais, pois atinge ou pode atingir ricos e pobres (em geral, os

pobres antes.

TESSLER destaca ainda um aspecto importantíssimo: dano

ambiental não se limita ao aqui e agora, vai atingir a vida e as possibilidades de

vida das futuras gerações.

Surge um novo movimento de adaptação, dando origem a uma

espécie de “direito mutante”, uma transmutação jurídica induzida e desejada.

Daí uma dificuldade, a de compreender o nexo causal dentro desta

perspectiva.

Edgar Morin, citado por TESSLER, ao ensinar sobre o pensamento

complexo, alerta que vivemos na realidade multidimensional, destacando as

“emergências” que são qualidades, “causas”, que aparecem na reunião em

sistema das partes que isoladamente não teriam nenhuma destas qualidades.

Faz ver que a causalidade é um fenômeno circular e não-linear. A idéia é de

circularidade retroativa, o efeito atua retroativamente sobre a causa.

O nexo causal, elemento indispensável para ligar a ocorrência do

dano a uma fonte poluidora, apresenta novas e grandes dificuldades, pois em

geral são muitas as fontes poluidoras. Aplica-se então a ideia de indivisibilidade

do dano e a solidariedade dos agentes, pois trata-se de questão que só quem

domina a técnica de produção tem condições de estabelecer. As vítimas da

poluição não estão obrigadas a chamar a todos os poluidores, poderão preferir

chamar apenas os solventes.

Afortunadamente o sistema brasileiro de proteção ao meio ambiente

começou a dar valor aos princípios. Princípios e regras são espécies de

normas jurídicas destinadas a regular o comportamento humano. As regras

privilegiam a ideia de objetividade e certeza do direito e convidam o intérprete a

fazer um simples silogismo.

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35

Já os princípios são o fenômeno jurídico que marcam a quebra, o

declínio do sistema que privilegiou as codificações e a mecanicidade e a

extrema racionalidade do direito. O princípio requer mais do aplicador, “as

regras são normas que exigem cumprimento pleno, já os princípios são normas

que ordenam a realização de algo na maior medida possível relativamente às

possibilidade jurídicas e fáticas”.37 “Os princípios são mandados de

otimização”, assim, as bases principiológicas da responsabilidade ambiental

são poderoso instrumento para a efetivação da responsabilidade.

De entre alguns, destaque-se o Princípio da Equidade – enquanto

garante de acesso de todos, indistintamente, aos recursos naturais; o Principio

da função sócio-ambiental da propriedade – enquanto conjugação do direito do

proprietário com a exigência de satisfação de outros valores e interesses

transindividuais mediante restauração do dano ao meio ambiente; o Princípio

da limitação – este, próprio da Administração Pública, na medida em que é seu

dever fixar parâmetros mínimos a serem observados em casos como

emissões, descarte de resíduos, sons, entre outros, sempre almejando

promover o desejável desenvolvimento sustentável; o Princípio da precaução –

devendo prevalecer para os casos em que existe incerteza científica sobre se

determinada atividade causará ou não dano ao meio ambiente; o Princípio da

prevenção – sempre que soubermos, antecipadamente, que determinada

atividade causará danos ao meio ambiente, como é o caso paradigmático das

atividade de mineração e refino de petróleo; o Principio da reparação integral –

considerando que o dano ambiental deve ser reparado, recompondo-se o meio

ambiente através do alcance do status quo existente anteriormente ao dano; e,

por fim, o Princípio do poluidor-pagador – este gerador de uma obrigação sobre

quem polui de pagar pela poluição causada ou que pode vir a ser causada.

37 ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation. Die Theorie des rationalen Diskurses als Theorie der juristischen Begründung. Frankfurt: Suhrkamp, 1988.

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36

E será precisamente no Princípio do Poluidor-Pagador que

assentará a alternativa trazida por este trabalho para o ressarcimento do dano

ao meio ambiente, operando lado a lado com o já existente e comumente

comercializado Seguro de Responsabilidade Civil Ambiental.

2. Âmbito e Alcance do Contrato de Seguro Ambiental – o caso

brasileiro

Nas duas últimas décadas a complexa relação entre as atividades

humanas e o meio ambiente tem se tornado uma das maiores preocupações,

de âmbito global, com importantes repercussões políticas, legais e econômicas,

envolvendo a sociedade como um todo.

O desenvolvimento sustentável, fortificado através da Conferência

Mundial Rio-92, ocorrida no Brasil, e embrionariamente trazido pela 1ª

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente ocorrida em Estocolmo,

em 1972, constitui caminho sem volta e não só as futuras gerações, mas

também a presente dependem da sua assimilação e da sua aplicação

maximizadas.

Quando da prévia elaboração da Rio-92, a Comissão de Meio

Ambiente e Desenvolvimento da ONU, no ano de 1987, diagnosticou, entre

outros pontos a questão do desenvolvimento sustentável, procurando atender

às necessidades e aspirações do presente sem comprometer as necessidades

e aspirações das gerações futuras.

Longe de reivindicar a cessação do crescimento econômico,

reconhece que os problemas de pobreza e subdesenvolvimento não podem ser

resolvidos se não ingressarmos numa nova era de crescimento, na qual os

países em desenvolvimento desempenhem papel importante e colham

benefícios expressivos” (WCED - World Commission on Environment and

Development 1987).

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37

Com base no princípio emanado pela ideia de desenvolvimento

sustentável – algumas das grandes corporações financeiro-industriais buscam

índices de ecoeficiência.

Começam ocorrer mudanças radicais no comportamento das

empresas – de produtoras de coisas ou bens elas se transformam em

prestadoras de serviços. Através deste sistema, elas simplificam suas

operações e também minimizam os riscos de danos ambientais.

O desenvolvimento sustentável, portanto, está apoiado no tripé:

preservação ambiental + inclusão social + desenvolvimento econômico – o

designado triângulo da sustentabilidade. Não há outra saída para o planeta. A

fórmula parece ter sido encontrada. Basta, contudo, que seja aplicada de

maneira global.

Conforme explica POLIDO, diante desta reflexão os mercados de

seguros, em diversos países do mundo, têm buscado aprimorar os

mecanismos relacionados com a proteção securitária dos riscos ambientais,

criando soluções que tornem cada vez mais compatíveis as expectativas da

sociedade com as reais possibilidades do mercado segurador. Várias são as

questões relacionadas e o segmento se torna, a cada dia, uma disciplina

complexa e necessariamente apartada dos demais segmentos de seguros,

dada a sua especificidade.

Diante das questões que envolvem também a segurabilidade dos

riscos dessa natureza os quais, por definição, apresentam um conjunto de

variáveis de alta complexidade, permeando também a esfera dos chamados

danos ecológicos puros, nem sempre há uma perfeita sintonia entre o risco e a

cobertura do seguro – no mundo todo.

Desta maneira, a matéria é tratada com extrema cautela pelos

diversos países e respectivos mercados de seguros, sendo que os avanços

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vêm sendo alcançados de forma paulatina. Não há, em princípio, fórmulas

totalmente prontas e já sobejamente conhecidas e testadas neste segmento.

WALTER POLIDO cita alguns exemplos do que se tem visto nos

vários países, um pouco por todo o mundo, no que tange à realidade

securitária para ressarcimento do dano ambiental.

Nos USA, por exemplo, a cobertura é comercializada

individualmente pelas Seguradoras, com o respaldo dos seus Resseguradores.

Os norte-americanos, até mesmo pelo regime jurídico da common law –

sempre foram mais arrojados em matéria de responsabilização por danos

ambientais e, por isso mesmo, existem naquele país clausulados de coberturas

de seguros bastante amplos, abrangendo inclusive os chamados danos

ecológicos puros – pois que garantem textualmente a perda de uso de

determinado local atingido pelo desastre ecológico. Tal mercado, sendo o mais

desenvolvido nesta área especial de seguros, uma vez iniciadas as operações

neste segmento nos anos oitenta, certamente deverá ser copiado pelos demais

países do mundo.

Não há mais dúvida no meio esclarecido sobre risco ambiental, de

que o instituto da responsabilidade civil não é mais suficiente para abraçar este

segmento, que a supera completamente. Vanguardista na legislação ambiental,

incluindo a Constituição Federal de 1988, o Brasil inova sempre e a

jurisprudência pátria já adota conceitos amplos, tal como na questão do dano

moral ambiental (extrapatrimonial).

POLIDO lembra que O Direito Ambiental se destaca a cada dia no

país, constituindo disciplina autônoma. O princípio poluidor-pagador é

inquestionável e tem sido aplicado sistematicamente na legislação nacional e

mundial. A questão ambiental não tem fronteiras. Ela é global, por excelência.

No Brasil, os seguros referentes aos riscos ambientais existem de

forma bastante singela, com raras exceções, sendo que determinadas parcelas

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39

de riscos vêm sendo acobertadas através de vários ramos e cada qual de

acordo com os riscos e as atividades desenvolvidas pelos segurados.

Os mercados, ao longo dos últimos vinte anos, vêm acobertando o

risco de natureza súbita e acidental – para os danos ambientais – cujos

eventos trazem consigo o caráter repentino, inesperado – ocorridos durante a

vigência da apólice. A poluição gradual – de natureza paulatina, de longa

latência – onde entre o fato gerador ou a causa primeira e a real manifestação

do dano ambiental – muito tempo pode transcorrer, não encontra cobertura

facilitada nos mercados internacionais e também no Brasil. Esse é, de fato, um

desafio a persseguir.

Trata-se de seguro complexo, de alta tecnologia, o qual enseja

underwriting (técnica utilizada para a análise visando a aceitação/recusa de

riscos) minucioso e especializado, além de requerer inspeções técnicas prévias

nos locais dos riscos – as quais devem ser realizadas por profissionais também

especializados e de conhecimentos multidisciplinares (equipe técnica formada

por geólogos, sanitaristas, biólogos, engenheiros, etc.).

POLIDO cita um rol problemas ou pontos conflitantes encontrados

neste segmento, podendo os mais destacados ser assim resumidos:

(i) multas e demais sanções: Esta parcela de risco não se encontra

coberta por

nenhum tipo de apólice de risco ambiental, em face do caráter

punitivo que ela apresenta, tornando-se risco intransferível para o segurador.

(ii) ambigüidade dos termos legais encontrados no ordenamento

ambiental, redundando em dificuldades não só no âmbito da aplicação das leis,

mas também e especialmente na redação dos clausulados de coberturas.

(iii) risco de desenvolvimento - state of the art: Estágio atual do

conhecimento; por exemplo em relação às emissões toleradas. Ao mesmo

tempo, existe a possibilidade da ciência desconhecer a capacidade nociva de

determinados produtos ou processos, tal como aconteceu em relação ao

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amianto e o ascarel. Na maioria das vezes, esta parcela de risco encontra-se

excluída da cobertura oferecida pelos contratos de seguros ambientais.

(iv) chuva ácida: Causa e efeito dificultada na apuração, também em

face da freqüente participação de várias fontes poluidoras.

(v) campos eletromagnéticos: discussão acerca da cobertura para os

riscos advindos. Linhas de alta tensão; telefones celulares.

(vi) áreas já degradadas: passivo ambiental. Impossibilidade técnica

de cobertura para riscos sabidamente já acontecidos.

(vii) atos dolosos de terceiros e empregados da empresa segurada:

sabotagem.

(viii) danos da natureza: vendaval, água de chuva excessiva

provocando danos ambientais no entorno da empresa.

(ix) delimitação temporal das apólices: mecanismos vários de

coberturas para apólices de riscos ambientais, de longa latência. Primeira

manifestação do sinistro, como modelo mais utilizado.

(x) questões jurídicas encontradas em outros mercados - em relação

aos termos técnicos utilizados pelas apólices: Por exemplo o termo súbito

(sudden, em inglês), o qual transmite conteúdo temporal, de forma a limitar o

alcance de cobertura de determinada apólice – diante de uma ocorrência de

sinistro ambiental.

Por sua vez, os tribunais dos USA entenderam que o termo equivalia

a inesperado (unexpected) ou imprevisto (unforeseen or fortuitous) –

descaracterizando a temporalidade e determinando sim a cobertura de sinistros

para riscos que não foram previstos pelas seguradoras.

POLIDO destaca que as apólices disponíveis para riscos ambientais,

na maioria das vezes, acobertam as seguintes e principais seções de riscos e

despesas:

(i) poluição súbita

(ii) poluição gradual

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(iii) despesas de contenção de sinistros (medidas emergenciais

tomadas diante de um incidente ocorrido e de modo a evitar o sinistro de

poluição ambientalpropriamente dito)

(iv) honorários advocatícios e custas judiciais para a defesa do

segurado.

A partir dessas seções, vários são os modelos disponibilizados de

apólices, ora mais ora menos abrangentes, e podendo envolver uma série de

atividades ou segmentos da atividade humana:

• Riscos industriais

• Riscos de fabricantes e fornecedores de produtos

• Riscos do petróleo

• Riscos nucleares

• Empresas de transportes rodoviários, aquáticos e ferroviários de

produtos perigosos

• Aterros sanitários

• Aeroportos e portos

• Obras em construção ou instalação e montagem

• Tanques subterrâneos

• Descontaminação de solo – locais próprios e de terceiros

• Transferências e aquisições de propriedades

• Responsabilidade subsidiária de financiadores de projetos

• Seguro Garantia - para o TAC – Termo de Ajustamento de

Conduta. Este segmento, recente no mercado brasileiro, pode oferecer garantia

extraordinária ao Instrumento, pois que novo agente entra na relação, com

interesse de que a obrigação de fazer seja executada de fato – a Seguradora.

• Riscos profissionais – para coberturas de erros e omissões no

desempenho de atividades múltiplas, tal como a certificação ambiental, agentes

certificadores de projetos voltados para as mudanças climáticas – Protocolo de

Kyoto; empresas de engenharia ambiental; outros.

• Riscos de diretores & administradores de empresas – D&O.

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42

Há, portanto, várias possibilidades de coberturas para o risco de

poluição ambiental também no mercado segurador brasileiro, embora muitas

delas ainda apresentem oferta limitada.

Assim como em vários outros países, o risco pode ser coberto por

alguns ramos de seguros, com base na atividade principal do segurado. Desta

forma, se o risco é de transportes rodoviários de mercadorias, por exemplo –

pode ser contratada a cobertura através da apólice do ramo RCFV

(Responsabilidade Civil Facultativa de Veículos Terrestres), na qualidade de

cobertura acessória. A cobertura, uma vez contratada garantirá eventuais

reclamações de danos conseqüentes de vazamento, explosão e riscos afins –

em relação aos produtos perigosos transportados, afetando terceiros.

Para os riscos industriais – bases fixas de operações das empresas

– o risco poderá ser coberto de duas maneiras distintas: – (a) cobertura parcial

de poluição súbita/acidental – através de cláusula acessória à apólice do

seguro de RC Operações Industriais; ou (b) cobertura ampla – abrangendo

poluição súbita e gradual – através de apólice específica de RC Poluição

Ambiental. A cobertura parcial (a) tem sido contratada há anos no Brasil – por

praticamente todas as empresas nacionais e multinacionais que compram o

seguro de RC Operações Industriais38; o mesmo não acontece em relação à

cobertura ampla (b), a qual foi instituída no Brasil em 1991, mas sem muita

expressão até o momento.

38 “O seguro de RC Operações deve visar, primordialmente, as bases fixas de operações do Segurado, assim denominadas as áreas construídas e suas respectivas instalações onde são desenvolvidas as atividades industriais da empresa. Pelo simples fato de existir, além de criar benefícios para a sociedade através do pagamento de impostos e da geração de empregos e produtos, a empresa cria, também, o risco de provocar danos a essa mesma sociedade; algumas mais, outras menos. Com o advento da teoria do risco, na área de direito, a assertiva feita no parágrafo anterior tem uma conotação bastante forte para o empresariado, ampliando cada vez mais o sentido do binômio Causador de Danos/ Pagador, em detrimento dos benefícios gerados” – POLIDO, Walter Antonio. Seguro de Responsabilidade Civil Geral no Brasil & Aspectos Internacionais. São Paulo: Manuais Técnicos de Seguros, 1977.

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43

POLIDO lembra também que o Judiciário, neste campo, tem um

papel preponderante no incremento deste segmento de seguro no país, na

medida em que se as empresas forem responsabilizadas pelos acidentes

ocorridos, com maior severidade e freqüência, maior será a necessidade da

contratação de seguros pertinentes.

Embora a legislação brasileira seja extremamente moderna e rígida

para com os empresários em matéria de meio ambiente, não existe o

correspondente aparelhamento do Ministério Público e também do Judiciário –

em nível nacional – de modo que eles possam instrumentalizar as prerrogativas

legais, adequadamente.

POLIDO destaca que dos inúmeros acidentes que ocorrem no país,

com reflexos de danos ao meio ambiente – transportes rodoviários e

ferroviários – acidentes nas indústrias e nas empresas de serviços em geral –

poucos chegam ao Judiciário.

Não obstante, é uma realidade que, creio, tenderá a mudar, haja

vista o crescente desenvolvimento, no seio do setor empresarial, de uma

cultura de prevenção e provisionamento de despesas destinadas a minimizar o

passivo ambiental das empresas. Cite-se, a titulo de exemplo, o recurso cada

vez mais generalizado das empresas às certificações ISO 14001.

A ISO 14001 é uma norma internacionalmente reconhecida que

define o que deve ser feito para estabelecer um Sistema de Gestão Ambiental

(SGA) efetivo. A norma é desenvolvida com objetivo de criar o equilíbrio entre a

manutenção da rentabilidade e a redução do impacto ambiental, através do

comprometimento de toda a organização.

Na realidade, impactos ambientais estão se tornando um tema cada

vez mais importante no mundo, com pressão para minimizar esse impacto

oriunda de uma série de fontes: autoridades governamentais locais e nacionais,

entidades reguladoras, associações comerciais, clientes, colaboradores, etc.

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As pressões sociais também aumentam em função da crescente gama de

partes interessadas, tais como consumidores, organizações ambientais e não

governamentais de minorias (ONGs), universidades, entre outros.

O poder público, de maneira geral, não pode contentar-se apenas

com a sanção representada pela multa já que não foi este o objetivo traçado

pela política ambiental constitucional brasileira. O poder público deve, também,

incentivar a certificação do setor empresarial globalmente considerado para

que possa desenvolver-se, gradualmente, um modus operandi respeitante das

exigências ambientais atuais, comum a toda a atividade empresarial.

Deste modo, a tutela constitucional do direito do povo ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à sadia

qualidade de vida não pode permanecer na letra da lei, devendo ser exercitado

pelo poder público, com estímulos, e sociedade em geral, com atitudes.

Toda a construção legal infraconstitucional existente baseia-se na

prevenção e proteção do meio ambiente e, certamente, deve ser resguardada

não só pela coletividade, mas sim e especialmente pelo Ministério Público,

cabendo ao Poder Judiciário referendar o positivismo da lei. Vale repetir, cabe

ao Judiciário especial função nesta área ambiental.

De todo o modo, o jurista, e especialmente o juiz, é chamado a

exercer uma função de suplência em relação ao Poder Legislativo e até

Executivo, freqüentemente com justo equilíbrio, mas, por vezes, superando os

limites autorizados.

Fato é que, no âmbito do direito ambiental o Brasil não ressente,

inegavelmente, da necessidade de legislação, pois que o ordenamento foi e

mantém-se sobejamente construído; falta-lhe, apenas, efetividade na aplicação

da lei.

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NA opinião de POLIDO, no plano da natureza do contrato de seguro

ambiental, deve ser afastada qualquer medida impositiva, em particular aquela

que torna a contratação do seguro obrigatória, por ser totalmente incompatível

com a natureza do risco e o estágio de desenvolvimento ainda precário deste

segmento de seguro no país.

POLIDO avança com algumas premissas podem ser enunciadas

com justificadoras da não obrigatoriedade do seguro ambiental:

(i) a obrigatoriedade impede o desenvolvimento de experiências

próprias de cada Seguradora.

(ii) o seguro obrigatório é instrumento ineficaz, na medida em que

não consegue a adesão integral dos Seguradores para a aceitação dos riscos

inerentes. Deve ser preservado – sempre – o direito do Segurador de avaliar,

mensurar e tarifar cada risco, de acordo com seus métodos próprios.

(iii) não é função do mercado segurador privado controlar o

cumprimento de normas ambientais – relativas à segurança e prevenção de

acidentes.A tarefa é de competência original da Administração Pública39. O

seguro não pode ser transformado, de forma alguma, em licença para poluir.

(iv) a compulsoriedade do seguro pode apresentar impacto negativo

para pequenos e médios negócios, inviabilizando-os – caso a apólice de

seguro venha a ser considerada como instrumento para a autorização de

funcionamento das empresas.

(v) em última instância, o seguro deve ser apenas mais uma dentre

outras garantias financeiras – de livre opção para o cidadão-empreendedor,

que o ordenamento jurídico pode exigir.

39 O controle da produção, da comercialização e do emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, nos termos do inciso V do § 1º, do artigo 225, é responsabilidade do poder público.

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Na opinião do Autor, quando se pugna pela obrigatoriedade deste

segmento de seguro, pode-se cometer grande equívoco, pois que tal medida

em nada ajudaria o desenvolvimento do seguro ambiental no país, tudo indica.

Seguro não é tributo e, como tal, não deveria ser compulsória a sua

contratação, notadamente para um segmento tão complexo como este. Se a

obrigatoriedade legal acontecer, certamente o Mercado Segurador Privado

Nacional não oferecerá o melhor produto – em termos de abrangência de

coberturas. Este comportamento é praticamente certo e dificilmente poderia ser

alterada tal tendência de procedimento, nem mesmo por força legal.

O seguro ambiental não deve constituir espécie de licença para

poluir e a sua obrigatoriedade, no Brasil, pode criar este tipo de situação

anômala, certamente condenável. Outros seguros obrigatórios no país já não

cumprem adequadamente o papel para o qual foram criados e não seria este,

de complexa aceitação, que poderia mudar a realidade.

Não há como repassar problema dessa envergadura (controle e

gestão precárias do poder público sobre fontes poluidoras) à iniciativa privada,

sem qualquer ônus.

O seguro pode até mesmo fazer parte do rol daqueles já existentes –

de natureza obrigatória – mas efetivamente pouco ou nada poderá contribuir

para a finalidade social almejada; no caso, a recuperação ambiental. Não há

legislação capaz de obrigar qualquer Seguradora a operar com determinado

tipo de seguro no país – até mesmo em função do princípio constitucional da

livre iniciativa; qualquer arbitrariedade neste sentido seria fatalmente combatida

– tornando-se nula de pleno direito. Também as agências reguladoras e

quaisquer outras entidades representativas do poder público devem conhecer a

legislação que rege o Sistema Nacional de Seguros, antes mesmo de

determinarem qualquer tipo de obrigatoriedade descabida – via resolução,

portaria ou lei – que se constituem, uma vez expedidos ou promulgados, em

instrumentos nulos de pleno direito, nos termos da legislação aplicável. Este

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ponto sobre a obrigatoriedade do seguro ambiental é crucial na discussão

deste tema.

A Constituição Federal atribui competência privativa à União para

legislar sobre seguros40 e não existe Lei Complementar concedendo tal

autonomia para os Estados da Federação, mesmo porque o Decreto Lei n.º

73/1966, recepcionado pela CF de 1988 como lei complementar – que trata do

Sistema Nacional de Seguros Privados no Brasil, não delegou tal atribuição,

figurando no seu art. 20 os seguros considerados obrigatórios no país, sem

exceção. O rol dos seguros obrigatórios é, na dicção do ordenamento vigente,

exaustivo. Somente lei federal pode incluir, excluir ou alterar a relação feita no

art. 20 do DL 73/1966.

O seguro de riscos ambientais pertence a uma categoria especial –

situando-se à parte, inclusive, do tradicional seguro de responsabilidade civil, o

qual está muito voltado para os princípios da culpa em relação à caracterização

da responsabilidade de alguém.

Os danos ambientais, conhecidas as suas peculiares características,

exigem a responsabilização do seu causador independentemente da análise

subjetiva da culpa. Basta a existência do dano e a comprovação do nexo de

causalidade para que a obrigação da reparação se apresente.

40 Art. 22., inc.VII e parágrafo único, da Constituição Federal: Compete privativamente à União legislar sobre: I - ...; VII – política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores. Parágrafo Único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

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No Exterior já se discute, até mesmo, se o seguro de risco ambiental

deve ficar atrelado ao segmento dos seguros de responsabilidade civil ou se

seria melhor alocado na área dos seguros de danos diretos41 – quando então

uma série de questões poderia ser resolvida com mais facilidade, sem atrelar-

se ao classicismo da figura da responsabilidade civil: prescrição; prazo para a

apresentação de uma reclamação; qual apólice que deve ser acionada para o

pagamento de uma indenização – a partir da descoberta do dano ambiental;

risco de latência prolongada – período de tempo entre o fato gerador do dano e

a sua efetiva manifestação; polêmicas jurídicas quando da não renovação do

seguro em uma mesma Seguradora; outras tantas.

A subscrição individualizada deste risco - por Seguradora

isoladamente – tem apresentado especial problema nos mercados de seguros,

com raras exceções, notadamente neste segmento onde o fator concorrência

comercial parece ficar em segundo plano.

Em face não só da alta exposição do risco42, como também pelo fato

de requerer investimentos na área de subscrição (infra-estrutura da Seguradora

para inspecionar – gerenciar/monitorar – aceitar riscos – regular sinistros –

defesas judiciais dos segurados – etc.), muitas Seguradoras preferem não

operar com o segmento. A concessão de coberturas mais abrangentes e que

se situam além daquela tradicional para o risco de poluição súbita/acidental,

não pode prescindir da técnica adequada sob pena de total fracasso.

O ressegurador internacional, com certeza, não apoiará iniciativas

ousadas das seguradoras nessa área – se não estiverem acompanhadas do

devido respaldo técnico recomendável, até mesmo pelas experiências

negativas já vivenciadas em outros países, em outras ocasiões.

41 Exemplos de seguros da área de danos diretos: incêndio; roubo; automóveis; vendaval; alagamento. 42 Grau de severidade em relação a possibilidade de ocorrer o risco predeterminado no contrato de seguro.

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Diante de tais dificuldades, seguradores e resseguradores de outros

países se alinharam na busca de soluções comuns.

POLIDO destaca que vários pools (consórcios)43 foram formados em

alguns países da Europa: França, Itália, Holanda, Suécia, Dinamarca e mais

recentemente na Espanha. Igual caminho poderia seguir o mercado segurador

brasileiro, mesmo porque o procedimento tradicional – tratamento de cada risco

isolado pela própria seguradora – não se mostrou eficiente até hoje, diante da

existência ainda insignificante deste tipo de seguro de riscos ambientais no

país. O pool também torna-se mais vantajoso por série de fatores, de modo a

poder garantir a cobertura de riscos tão expostos – minimizando os custos

envolvidos nas operações de infra-estrutura necessárias para a sua

operacionalização.

Trata-se, sem dúvida, o seguro ambiental, de novo, amplo e

extremamente complexo segmento ainda não explorado na sua totalidade pelo

mercado segurador brasileiro e quiçá mundial. O Brasil deverá desenvolvê-lo, e

muito, nos próximos anos, mesmo porque a sociedade reclama por tal resposta

do mercado segurador nacional.

43 União de várias seguradoras e ou resseguradoras repartindo os riscos entre eles, proporcionalmente ou não. Existem vários tipos de formações de pools, dependendo dos interesses dos consorciados.

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CAPÍTULO IV

Uma alternativa garantidora de riscos decorrentes de

atividades com significativos impactos ao meio

ambiente

1. O possível contributo da Garantia Bancária Autônoma – on

first demand

Chegados a este ponto da pesquisa, é possível asseverar que o

seguro de responsabilidade civil ambiental é, cada vez mais, um mecanismo

jurídico necessário para fazer face ao dano provocado ao Meio Ambiente

globalmente considerado.

Não obstante, há que convir que a utilização isolada de contratos de

seguro para fazer face aos danos ao meio ambiente poderá ser ineficaz no que

toca a alcançar um ressarcimento abrangente, sobretudo, em casos de

atividades anormalmente perigosas como é o caso da extração e refino do

petróleo, atividade hoje tão comum no Brasil e, doravante, expectavelmente

presente na economia brasileira nos próximos anos/décadas.

No âmbito do meio ambiente, o contrato de seguro assume

características diferentes das assumidas em outras áreas. Por conseguinte, as

companhias de seguro tendem, de forma prévia, a delimitar e determinar o

risco da poluição enquanto ocorrência anormal, abrangendo um conjunto

problemático de fatos danosos. No entanto, nem sempre todos os danos

efetivamente verificados serão reparados e cobertos pelas garantias

contratadas na Apólice de Seguro, ficando excluídos ou limitados, por previsão

contratual, não só certos tipos de danos, mas também o próprio montante de

eventual indemnização a ser paga.

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Pode apontar-se para o caso o exemplo paradigmático dos danos

hipotéticos, já atrás referenciados. Tais danos, não verificáveis de imediato a

“olho nú” pela seguradora quando da notícia do sinistro, certamente não serão

ressarcidos. Imagine-se, por exemplo, os danos hipotéticos causados

reflexamente à fauna marinha em consequência de um vazamento de petróleo

em alto mar! De que forma o seguro opera quanto estes, quando “ainda não

verificados” ou “apurados”? Será que irá cobri-los?

Creio que, dependendo da dimensão do dano ambiental provocado,

certamente o contrato de seguro ambiental não conseguirá, por si só, dar

resposta célere e suficiente para a amálgama de danos potencialmente

verificáveis.

Ora, o seguro de responsabilidade civil ambiental pode mostrar-se,

em diversas situações, ineficaz ou insuficiente para dar resposta a uma gama

muito ampla de danos.

Na verdade, não cabe ao Estado onerar as seguradoras, pois para

elas não compete a realização do interesse público, no âmbito da proteção do

meio ambiente 44.

Assim, apresenta-se no presente trabalho de pesquisa uma possível

alternativa jurídica à eventual “inoperabilidade” do seguro de responsabilidade

civil ambiental em certos e determinados casos de dano ao meio ambiente:

a utilização da GBA (on first demand) no esquema legal de

responsabilidade ambiental.

44 Neste sentido, BOBBIO, N., in La funcion promocional del Derecho, Contribucionesa la teoria del Derecho, Valência, Torres, 1980, pp 367 e ss.; ENTERRÍA, G., y FERNÁNDEZ, T. R., in Curso de Derecho Administatrativo, vol. II, Madrid, 1995, pp. 71 e ss.; PRIEUR, M., in Droit de L’Environnement, Dalloz, 3ª ed., Paris, 1996; TEUBNER, in Aspetti, limiti, alternative della legificacione, Sociologia del diritto, n.º XXII, 1985, pp. 13 e ss.

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Tal instituto jurídico e seu correspondente modus operandi no âmbito

do dano ao meio ambiente foi já abordada por alguns autores, mas,

majestosamente apresentado por GABRIEL PACHECO MELLO CUNHA 45.

No fundo, o que MELLO CUNHA almeja é “refletir sobre a utilização

da GBA (on first demand) no esquema legal de responsabilidade ambiental”.

Em seu trabalho, o tema da Garantia Bancária Autónoma - GBA -

(on first demand) é abordado como elemento de estudo com vista a alimentar a

insaciável fome de mecanismos eficazes de reação para os danos

ambientais/ecológicos com fundamento no princípio da responsabilização por

um lado, e no Principio do Poluidor Pagador por outro.

O que se pretende alcançar é, mediante uma responsabilidade ex

ante, estabelecer-se uma previsão financeira de imputação da obrigação de

prevenção/reparação ao operador-poluidor recorrente, face a possíveis danos

causados por suas atividades que envolvam maior grau de risco.

Além do mais, tal mecanismo permitiria garantir a confiança nas

relações comerciais nacionais e internacionais, sobretudo nos dias de hoje em

que tais fatores se afiguram de tão relevante importância para o Brasil

enquanto ponto nevrálgico de crescimento e desenvolvimento, não só no seio

do atual mercado petrolífero, mas também no mercado de infraestruturas

operante em variados setores da economia.

A prioridade desse sistema é estabelecer uma maior proteção ao

credor face ao não cumprimento de uma obrigação contratual por parte do

devedor.

45 MELLO CUNHA, Gabriel Pacheco, Dissertação (Mestrado em Direito) - Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2010; A Responsabilidade Ambiental e a Garantia Bancária Autónoma; Gabriel Pacheco Mello Cunha; Orientadora Profª. Doutora Maria Alexandra Sousa Aragão – Coimbra – Portugal: s.n., 2010.

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Não pode olvidar-se, conforme refere MELLO CUNHA, que “a

concretização da justiça tem a ver com a celeridade na obtenção dos recursos

financeiros com vista a prevenir e impedir o aumento da contaminação a fim de

imputar ao operador suas externalidades negativas”.

Ora, a celeridade no acionamento da garantia é, indubitavelmente,

uma das suas mais visíveis virtudes operacionais uma vez que permite um

rápido ressarcimento dos prejuízos sofridos pela coletividade e a prevenção e

restauração natural dos componentes ambientais lesados.

Adentrando no conceito propriamente dito, explica INOCÊNCIO

GALVÃO TELLES 46:

”A garantia autónoma é a garantia pela qual o banco que

a presta se obriga a pagar ao beneficiário certa quantia

em dinheiro, no caso de alegada inexecução ou má

execução de determinado contrato (o contrato-base), sem

poder invocar em seu benefício quaisquer meios de

defesa relacionados com esse mesmo contrato”.

Assim, entende-se que a GBA tanto pode se manifestar como: a)

obrigação, ou b) fonte da obrigação.

Na situação em que a GBA é utilizada como obrigação, o garante é

um banco e a obrigação garantida tem por credor o beneficiário e por devedor

um terceiro.

46 Cf. GALVÃO TELLES, I., Garantia bancária autónoma, in O Direito, ano 120, III-IV, 1988 (Julho-Dezembro), p. 283.

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Por conseguinte, o garante está sujeito a realização de uma

prestação pecuniária a favor de um determinado beneficiário. Tal procedimento

cumpre-se mediante solicitação deste último face ao incumprimento da

obrigação garantida ou a impossibilidade da prestação da obrigação garantida

por parte do devedor principal.

Neste sentido, existem três relações jurídicas: a relação entre o

credor principal e o devedor principal vinculados por um contrato-base; a

relação entre o devedor principal e o banco (garante); e a relação entre o

banco (garante) e o beneficiário.

O banco emite uma prestação pecuniária a favor do credor

(beneficiário), deste modo cumprindo a determinação do dador da ordem, o

devedor principal. O devedor principal se compromete junto ao garante, além

do ressarcimento do valor despendido, uma comissão.

Assim, a mola propulsora para utilização da GBA (on first demand)

potencializa-se quando verificamos por exemplo, conforme exemplificado por

MELLO CUNHA, o acidente envolvendo a companhia BP (British Petrolium)47,

que recorreu depois da ocorrência do dano48 (entre 500 milhões e 1 bilhão de

litros de petróleo que vazaram para o Golfo do México de acordo com

estimativas do governo americano) às garantias financeiras em stand by junto a

diferentes bancos internacionais para arrecadar quantias pecuniárias com vista

criar um fundo para fazer face aos danos ecológicos e ambientais nas áreas de

afetação da poluição junto a bacia do Golfo do México nos E.U.A.

47V.http://response.restoration.noaa.gov/book_shelf/2244_what_to_expect_in_southflorida.pdf 48 Aqui demonstra o exemplo de ineficácia, inoperância e ingenuidade dolosa do esquema legal norte-americano e internacional para estes tipos de danos. Afinal, como uma administração, séria, autoriza uma atividade anormalmente perigosa que não tem garantias financeiras para cumprir as exigências de prevenção e reparação dos danos ambientais previsíveis? Até que ponto a falha por parte da companhia e por fim concretização do dano não descortinam um quadro legal ineficaz?

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Face a casos como este, MELLO CUNHA questiona: “E que

alimenta a dúvida da sociedade civil, dos juristas, dos cientistas, dos

professores e alunos, dos técnicos, das autoridades, etc... Será que temos um

esquema legal eficaz no âmbito dos danos ambientais produzidos por

atividades anormalmente perigosas?”

E sugere ainda o seguinte:

“Para reforçar e ultrapassar as limitações que a GBA (on

first demand) possa revelar, a ferramenta à primeira

solicitação que, em princípio, pelo fato da sua captação

ser de forma imediata, coibiria, ou pelo menos diminuiria

em grande proporção, o dano ambiental. Assim, atenderia

as exigências de urgência, do grau de risco da atividade,

o caráter irreversível do dano, além das despesas com

estudos para a prevenção de um potencial dano. Desta

forma, sanaria contratempos trágicos, por exemplo a

combinação do dano ambiental com a manifestação de

catástrofes naturais49, como ocorreu neste caso em

concreto no Golfo do México.”

Ora, operando de forma rápida e eficaz a GBA poderá, de fato, ser

uma alternativa viável aos seguros de responsabilidade civil ambiental,

assumindo-se como meio de garantia da justiça ambiental e dos princípios

basilares a ela inerentes.

49 O furacão Alex, uma tempestade de categoria 2 atingiu a região, provocou a paralisação de parte da produção de petróleo e gás natural do Golfo do México por precaução e atrasou os esforços para capturar o petróleo que vaza de um poço da BP na região. Após duas semanas, outra tempestade atingiu a região aumentado ainda mais os danos causados.

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Concluindo, e parafraseando MELLO CUNHA, dir-se-á que:

“Estabelecer este esquema jurídico é respeitar o

paradigma estabelecido pelos princípios fundamentais

inerentes no Direito do Ambiente e que são relevantes

para todos os cidadãos, inclusive as gerações futuras,

com vista um meio ambiente sadio e ecologicamente

equilibrado”.

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CONCLUSÃO

O presente trabalhou pretende, metodologicamente, alertar o leitor

para a tão atual realidade do Dano ao Meio Ambiente e para a tão premente

necessidade de desenvolvimento de uma generalizada conscientização

ambiental.

É necessário reconhecer o Dano Ambiental como um dano de

gravidade relevante, não esquecendo que é um fenômeno de interesse comum

e relevância pública, abrangendo o cidadão em particular e a sociedade

globalmente considerada. Os reflexos do Dano Ambiental são transversais a

todos, considerando a transindividualidade do direito ao meio ambiente.

Na realidade, os efeitos danosos ao meio ambiente como a poluição

do ar, das águas, a destruição dos recursos naturais e culturais, os danos à

saúde em geral por falta de saneamento básico, entre outros exemplos, têm

reflexos sobejamente conhecidos, entre outros desconhecidos ainda.

Assim, acima de tudo, é importante prevenir a ocorrência do Dano

ao Meio Ambiente. No entanto, verificando-se tal dano, há que reagir face ao

mesmo, lançando mão de mecanismos de ressarcimento como é o caso do

Seguro de Responsabilidade Ambiental e a alternativa jurídica da Garantia

Bancária Autônoma, on first demand.

Espera-se, desta forma, despertar a atenção para a necessidade de

dispormos de sólidos mecanismos de reação ao dano ao Meio Ambiente. Ainda

assim, paralelamente, e mesmo não se assumindo como o tema em foco,

desejável será que o leitor desenvolva a tão esperada educação para a

sustentabilidade, prevalecendo, dessa forma, a prevenção em vez da reação

face ao dano ambiental.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

1 - Enquadramento histórico 10

2 - Conceito e Pressupostos – breve resenha 15

3 - A modalidade da Responsabilidade Civil Objetiva 17

CAPÍTULO II

A RESPONSABILIDADE CIVIL E O CONTRATO DE SEGURO

1 - O contrato de seguro como mecanismo de garantia de riscos 22

CAPÍTULO III

A TRIDIMENSIONALIDADE RESPONSABILIDADE CIVIL – CONTRATO DE

SEGURO – DANO AO MEIO AMBIENTE

1 - A responsabilidade Civil Ambiental no Direito Brasileiro 29

2 - Âmbito e alcance do Contrato de Seguro Ambiental – o caso brasileiro 36

CAPÍTULO IV

UMA ALTERNATIVA GARANTIDORA DE RISCOS DECORRENTES DE

ATIVIDADES COM SIGNIFICATIVOS IMPACTOS AO MEIO AMBIENTE

1 - O possível contributo da Garantia bancária autônoma - on first demand 50

CONCLUSÃO 57

REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 58

ÍNDICE 62